RMB 3T-2021 Completa

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 320

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA
MARÍTIMA
BRASILEIRA
(Editada desde 1851)

v. 141 n. 07/09
julho/setembro 2021

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Eloy Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt


Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 141 n. 07/09 p. 1-320 jul./set. 2021


Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha.
–– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro:
Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943.


Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. MARINHA — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359.005


COMANDO DA MARINHA
Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA
Almirante de Esquadra Marcelo Francisco Campos

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA


Vice-Almirante (RM1) José Carlos Mathias

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA


Corpo Editorial
Capitão de Mar e Guerra (Refo) Carlos Marcello Ramos e Silva (Editor)
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Miguel Augusto Brum Magaldi
Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro
Jornalista Kelly Cristiane Ibrahim

Assessoria Técnica
Capitão de Mar e Guerra (RM1-T) Nelson Luiz Avidos Silva

Diagramação
Designer Gráfica Amanda Christina do Carmo Pacheco
Designer Gráfica Rebeca Pinheiro Gonçalves Baroni

Assinatura/Distribuição
Suboficial-RM1-CN Maurício Oliveira de Rezende
Marinheiro-RC André Oliveira Vidal

Departamento de Publicações e Divulgação


Capitão de Corveta (T) Ericson Castro de Santana

Impressão / Tiragem
CMI – Serviços Editoriais Eireli ME / 7.400
REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA
Rua Dom Manuel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ
 (21) 2104-5493 / 2104-5506 - R. 5493 ou 1496 / 2524-9460

A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA (RMB) é uma publicação oficial da


MARINHA DO BRASIL desde 1851, sendo editada trimestralmente pela DIRETORIA DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA. As opiniões emitidas
em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento oficial
da MARINHA. As matérias publicadas podem ser reproduzidas, com a citação da fonte.
A Revista honra o compromisso assumido no “Programa” pelo seu fundador,
Sabino Eloy Pessoa:
“3o – Receberá artigos que versem sobre Marinha...
5o – ... procurará difundir tudo quanto possa contribuir para o melhoramento
e progresso da nossa Marinha de Guerra e Mercante; programar ideias tendentes a dar
impulso à administração da Marinha e a suas delegações, segundo o melhor ponto de vista
a que seja possível atingir...”
Ao longo de sua singradura, a RMB busca aperfeiçoar o “Programa” ao se
atribuir a “Missão” de divulgar teses, ideias e conceitos que contribuam também para
o aprimoramento da consciência marítima dos brasileiros. Como tal, está presente em
universidades, bibliotecas públicas e privadas do País, entre outras instituições.
Empenha-se em trazer teoria e técnica aplicadas para solver questões que retardam
o desenvolvimento social e material da Nação.
Divulga ensinamentos a respeito da ética e do trabalho, esclarecendo o que nos
cabe realizar na Marinha e no País, respeitando conceitos e fundamentos filosóficos.
Mostra como a conquista da honra ocorre na formação militar, analisando a lógica
do mercado vis-à-vis com nossa ambiência naval.
Atende plenamente à “índole da revista e, confiando no futuro, protestamos
indiferença sobre política e prometemos não nos envolver em seus tão sedutores quanto
perigosos enleios”.

Na internet:
http://www.revistamaritima.com.br

Contato e remessa de matéria: Assinatura e alteração de dados:


E-mail: [email protected] E-mail: [email protected]
8110-1496 (Retelma) 8110-5493 (Retelma)

Os preços do número avulso e da assinatura anual são, respectivamente:


BRASIL (R$ 19,50 e R$ 78,00) EXTERIOR (US$ 13 e US$ 52)

O pagamento da assinatura pode ser feito por desconto mensal em folha de pagamento, por
intermédio de Caixa Consignatária, no valor de R$ 6,50, ou enviando nome, endereço, CPF, cópia
do comprovante de depósito na conta corrente 13000048-0 agência 3915, do Banco Santander,
em nome do Departamento Cultural do Abrigo do Marinheiro, CNPJ – 72.063.654/0011-47.
SUMÁRIO

8 NOSSA CAPA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a
Marinha do Brasil
Ali Kamel Issmael Junior – Capitão de Fragata (EN)
Conceito de Inteligência Artificial. Perspectivas, reflexões e conclusões para a MB

16 A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades


Thiago dos Passos – Capitão-Tenente (RM2)
Conceitos e aplicações de Inteligência Artificial em Operações Especiais.
Tecnologia e possibilidades

  

25 GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA


Luiz Guilherme Sá de Gusmão – Almirante de Esquadra (RM1)
Einstein e Freud. Por que a guerra? Análise do comportamento humano

43 AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL
Milton Sergio Silva Corrêa – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
Armando Vidigal, Gama e Silva e Aécio Pereira de Souza. A Flotilha do Ama-
zonas e os croquis de navegação. A Corveta Bahiana

51 PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE


DEFESA NO MAR − Parte III
Claudio da Costa Braga – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
As características socioeconômicas das AJB e a Autoridade Marítima Brasileira.
Estratégia Nacional de Defesa. Comando e Controle

63 HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED


THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON – Parte X: Nelson encon-
tra o seu destino em Trafalgar
Francisco Eduardo Alves de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
Biografia de Lorde Nelson. Sua carreira e percepções de autores sobre o almirante

84 GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas


Antonio Carlos Mendes – Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Análise de projetos de implantação da Gestão do Conhecimento no Programa
Nuclear da Marinha. 1a Jornada do Conhecimento Amazul

100 COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL


MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?
Thais Livramento Silva – Bióloga
Juciana Clarice Cazarolli – Bióloga
Marco Flores Ferrão – Químico
Fátima Menezes Bento – Bióloga
Biodiesel e cenário brasileiro. O uso em motores navais. Contaminação de com-
bustíveis. Impacto ambiental. Matéria-prima e pesquisa
120 ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos
de interesse nacional no mar
Damião Fernandes Capitão Ginga – Professor
Angola e sua atuação nos espaços estratégicos no mar. A centralidade do mar
nas relações econômicas internacionais. O Brasil como aliado estratégico

136 ECONOMIA AZUL: O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política


de Governança da Administração Pública Federal
Thiago Silva e Souza – Capitão de Corveta (IM)
Alexandre Rocha Violante – Capitão de Mar e Guerra
O papel da MB na agenda do Governo. Políticas Públicas. Planejamento Es-
pacial Marinho

155 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO −


1808-1945
Mannom Tavares da Costa – Capitão de Cabotagem
Policiamento nas águas brasileiras no Brasil Império, na Primeira República e
na Era Vargas. Análise qualitativa

168 O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA


Thiago Nascimento – Capitão de Corveta (EN)
A independência da construção naval. O modelo coreano de propulsão AIP e a
ânsia pelo submarino balístico de propulsão nuclear

178 JET LAG SOCIAL: Conhecendo para prevenir


Caio Cesar Leite Barros – Capitão de Corveta (Md)
Carina Dornelles Porto Barros – Capitão de Corveta (Md)
O conceito de Jet Lag Social e suas consequências. Aviação Naval, rendimento
profissional, erros e prevenção de acidentes

184 BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil


Antônio Tângari Filho – Capitão de Corveta (Refo-IM)
Biografia de Luiz Barroso Pereira. Carreira Naval

192 CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS


João Victor Nunes de Sousa – Engenheiro
Criptografia, códigos e cifras. O idioma Navajo e sua escolha. Preparação para
combate. Batismo de fogo em 1942. Legado

201 A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS


Ozéias Braz de Mattos – Capitão-Tenente (AFN)
Operações de Informações. Comunicação e Comportamento Psicossocial.
Operações psicológicas em época de guerra

211 UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO


Jader Esteves da Silva – Primeiro-Tenente
Criação, história e competência do Tribunal Marítimo brasileiro para julgamento
dos acidentes e fatos de navegação
219 OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO
ATENDIMENTO ÀS COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL
E DA AMAZÔNIA
Antônio José de Jesus Júnior – Suboficial (PL)
Lidiane de Brito Curto – Advogada
Navios da Esperança, do Pantanal à Amazônia. População ribeirinha, saúde e
bem-estar social

235 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

239 DOAÇÕES À DPHDM

243 A MARINHA DE OUTRORA

246 NECROLÓGIO

247 ACONTECEU HÁ CEM ANOS


Seleção de matérias publicadas na RMB há um século. O que acontecia em nossa
Marinha, no País e em outras partes do mundo

252 REVISTA DE REVISTAS


Sinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações
recebidas do Brasil e do exterior

260 NOTICIÁRIO MARÍTIMO


Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil e de outras
Marinhas, incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima
NOSSA CAPA

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL:
Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil
ALI KAMEL ISSMAEL JUNIOR*
Capitão de Fragata (EN)

SUMÁRIO
Introdução
O que é Inteligência Artificial
Aplicações Operativas de IA na MB
Perspectivas e o futuro da IA: Reflexões e Conclusões para a MB

INTRODUÇÃO pectivas da área para o Setor Operativo


da Marinha do Brasil (MB) para os anos

N os últimos anos, o uso da Inteligência


Artificial (IA) vem se apresentando
como uma tendência para a solução dos
vindouros? Responder a esta questão, de
forma sintética, é o objetivo deste artigo.

mais diversos tipos de problemas, em O QUE É INTELIGÊNCIA


variadas áreas de aplicação, inclusive em ARTIFICIAL
Defesa. Mas entre apenas o apelo comer-
cial e a utilização real deste segmento do No decorrer de seu desenvolvimento, a
conhecimento, o que realmente já pode IA (ou AI, do inglês Artificial Intelligence),
ser encontrado em uso e quais as pers- de maneira geral, promete a reprodução

* Mestre em Engenharia Elétrica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ)
e especialista em Análise do Ambiente Eletromagnético, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), e
como Engenheiro Elétrico com ênfase em Sistemas Eletrônicos, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj). Serve atualmente no Instituto de Pesquisas da Marinha, como encarregado do Grupo de Sistema Digitais.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil

do raciocínio e do comportamento dos Computacional é o estudo do projeto de


seres humanos em sistemas autômatos agentes inteligentes” (PODE et al., 1998)
criados para a solução de problemas. e “AI... está relacionada a um desempe-
Na Figura 1, Vellasco (2021) ilustra um nho inteligente de artefatos” (NILSON,
breve histórico da evolução no desenvol- 1988) (RUSSEL e NORVIG, 2013).
vimento da IA desde seus primórdios até Conforme Russel e Norvig (2013), es-
os dias de hoje. sas estratégias de IA vêm sendo utilizadas
Russel e Norvig (2013) indicam que pelos projetistas de forma colaborativa em
algumas das possíveis definições de IA se algumas vertentes e de forma concorrente
dividem em quatro estratégias que se rela- em outras, em que as abordagens centra-
cionam a dois processos: 1) pensamento das nos seres humanos se utilizam, em
e raciocínio; 2) comportamento humano. parte, de ciência empírica e confirmação
Pensando como um humano: “O novo experimental, enquanto as abordagens
e interessante esforço para fazer os com- racionalistas envolvem a combinação
putadores pensarem (...) máquinas com de matemática e engenharia. A partir da
mentes, no sentido total e literal” (HAU- evolução da IA, Vellasco (2021) indica
GELAND, 1985) e “[Automatização de] que, atualmente, pode-se considerar como
atividades que associamos ao pensamento uma taxonomia para a IA em duas áreas:
humano, atividades como a tomada de de- Aprendizagem de Máquina (Machine
cisões, a resolução de problemas, o apren- Learning − ML), que aprimora máquinas
dizado...” (BELLMAN, 1978). Pensando com a capacidade de aprender de forma
racionalmente: “O estudo das faculdades autônoma com base na observação e na
mentais pelo uso de modelos computacio- análise dentro de um determinado con-
nais” (CHARNIAK e MCDERMOTT, junto de dados sem uma programação
1985) e “O estudo das computações que específica; e Inteligência Computacional
tornam possível perceber, raciocinar e (IC) − Computational Intelligence, em
agir” (WINSTON, 1992). Agindo como inglês −, que engloba teoria, projeto, apli-
seres humanos: “A arte de criar máquinas cação e desenvolvimento de paradigmas
que executam funções que exigem inte- computacionais motivados biologicamen-
ligência quando executadas por pessoas” te e linguisticamente, conforme também
(KURZWEIL, 1990) e “O estudo de ilustrado na Figura 1 (VELLASCO,
como os computadores podem fazer tare- 2021). Vellasco (2021) nos apresenta,
fas que hoje são melhor desempenhadas ainda, que, tradicionalmente, os três
por pessoas” (RICH e KNIGHT, 1991). principais pilares da IC têm sido Redes
Agindo racionalmente: “Inteligência Neurais1, Sistemas com Lógica Fuzzy2 e

1 Redes Neurais Artificiais são técnicas computacionais que apresentam um modelo matemático inspirado na
estrutura neural de organismos inteligentes e que adquirem conhecimento por meio da experiência. Uma
grande rede neural artificial pode ter centenas ou milhares de unidades de processamento; já o cérebro
de um mamífero pode ter muitos bilhões de neurônios (CARVALHO, 2021).
2 A lógica difusa, ou lógica fuzzy, é a forma de lógica multivalorada na qual os valores de verdade das vari-
áveis podem ser qualquer número real entre 0 (correspondente ao valor falso) e 1 (correspondente ao
valor verdadeiro), diferentemente do que se verifica na lógica booliana (também chamada, às vezes,
lógica nítida), segundo a qual os valores lógicos podem ser apenas 0 ou 1. A lógica difusa foi estendida
para lidar com o conceito de verdade parcial, em que o valor verdade se situa entre o completamente
verdadeiro e o completamente falso. Além disso, quando variáveis linguísticas são usadas, esses graus
podem ser manipulados por funções especificas (WIKIPEDIA, 2021).

RMB3oT/2021 9
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil

Figura 1 – Um breve histórico da Inteligência Artificial, Taxonomia da IA e Técnicas Inteligentes e sua


inspiração na natureza (VELLASCO, 2021)

10 RMB3oT/2021
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil

Computação Evolutiva3 (Algoritmos Ge- APLICAÇÕES OPERATIVAS DE


néticos) e que, por se tratarem de métodos IA NA MB
computacionais inspirados na natureza e
que imitam habilidades humanas − como Em face do apresentado no item an-
percepção, raciocínio, aprendizado, terior, pode-se afirmar que a IA é um
evolução e adaptação −, a IC hoje é con- fator de avanço nos sistemas operativos
siderada como o coração dos Projetos de que possam utilizar as técnicas inteli-
IA, mesmo com a utilização de métodos gentes mencionadas. A utilização da IA
híbridos, conforme também apresentado é considerada estratégica para as Forças
na Figura 1 (VELLASCO, 2021). Armadas com maior preponderância no
A partir dessas técnicas inteligentes, mundo, como as dos Estados Unidos da
apresenta-se uma vasta gama de aplica- América (EUA) e do Reino Unido (UK).
ções, como a aquisição de conhecimento, Conforme Souza (2021) menciona, a
o reconhecimento de padrões em imagens, Estratégia de Defesa de IA dos EUA, de
o processamento de sinais acústicos (voz, 2018, e o framework de Ciência, Tecno-
sonar), processamento de linguagem logia e Inovação (C,T&I) do Ministério
natural, previsão de séries temporais, da Defesa do UK, de 2019, consideram
otimização e planejamento, controle e para a aplicação de IA, em Defesa, as
automação de processos e sistemas, mi- áreas de Otimização de Desempenho
neração de dados, mineração de texto, (meios e combatentes), Apoio à Decisão,
análise de grandes dados (big data) etc. Defesa Cibernética, Logística, Sistemas
(VELLASCO, 2021). Administrativos, Análise de Inteligência

Figura 2 – Pilares de Implementação de IA na MB (SOUZA, 2021)

3 Computação Evolutiva é o termo empregado para designar o conjunto de técnicas de resolução de problemas
baseadas em princípios de evolução biológica, como a seleção natural e a herança genética, as quais
podem ser empregadas para a solução de uma grande gama de problemas, com aplicações práticas na
indústria e comércio. Dentre estas técnicas, destacam-se os algoritmos ditos genéticos, que empregam
princípios semelhantes ao da seleção natural para busca de soluções otimizadas (EIBEN e SMITH, 2003).

RMB3oT/2021 11
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil

e Plataformas Autônomas. No caso es- seja ele aéreo, de superfície, terrestre ou


pecífico da MB, Souza (2021) ilustra, na submarino. Segundo Souza (2021), uma
Figura 2, os pilares para a implementação série de iniciativas vem sendo tomada
de IA na instituição. pela MB na tentativa de incorporar essas
Destacando as aplicações para os tecnologias ao Setor Operativo, como o
Sistemas Operativos, Souza (2021) cita, Projeto MB 2021 (Embarcação Autôno-
ainda, as seguintes iniciativas de IA já em ma da MB) para automação de lancha de
andamento na MB: sensoriamento com desenvolvimento de
a) Consciência Situacional − os pro- algoritmos especialistas, além de tratati-
dutos Console Integrado de Realidade vas com empresas da Base Industrial de
Aumentada (Cira) e o Sistema de Consci- Defesa (BID) nacional para os projetos
ência Situacional Unificada por Aquisição da lancha autônoma Tupan de 7 metros,
de Informações Marítimas (Scua) são da empresa Tidewise; Sistema Aéreo Não
inciativas da MB na área de Consciência Tripulado Atobá, da empresa Stella Tec-
Situacional. O Cira se utiliza de algorit- nologia; Veículo Submarino Autônomo
mos de IA para tracking, classificação e (VSA) BrHUE 2020, da UFRJ/Nautilus
identificação de alvos (SOUZA, 2021), e o VSA FlatFish, da parceria Senai Ci-
enquanto o Scua é um Sistema de Coman- matec/BG Brasil.
do, Controle, Comunicação, Vigilância c) Análise de Inteligência – são exem-
e Inteligência para plos de aplicações
o planejamento e de IA da MB na
acompanhamento de Com o avanço nas áreas de área de análise de
missões em tempos inteligência: o Sis-
de guerra ou paz, sensores, robótica e IA, as tema de Detecção,
como o apoio a ope- possibilidades no campo Acompanhamento
rações e exercícios,
apoio a operações de
de veículos não tripulados eContatos Classificação de
(SDAC),
busca e salvamento são imensas e em qualquer que é um software
(SAR) e alocação ambiente operacional para processamento
de recursos, fusão, de sinais acústicos
contextualização e em tempo real dos
distribuição de dados no nível de plots e 360º de um sonar passivo, apresentando
tracks, modelos de detecção de compor- resultados de acompanhamento, análise e
tamentos anômalos, classificação de con- classificação de múltiplos contatos simul-
tatos por dados e imagens, identificação tâneos, em telas gráficas, com gravação e
de padrões de formatura e otimização de comparação de outros sinais gravados em
emprego dos meios, além de integração banco de dados (IPqM, 2021), em um look
com meios navais, organizações em terra up table (SOUZA, 2021); e o Sonar Ativo
e sistemas externos (DGDNTM, 2018 e (Sonat), que detecta e classifica automati-
SOUZA, 2021). camente contatos submarinos, além de fa-
b) Plataformas Autônomas Multidomí- zer a previsão do movimento dos contatos
nio – com o avanço nas áreas de sensores, (SOUZA, 2021), por meio de algoritmos
robótica e IA, as possibilidades no campo de Target Motion Analysis (TMA).
de veículos não tripulados são imensas d) Capacitação de Pessoal – com uso
e em qualquer ambiente operacional, de tecnologias de realidade virtual e algo-

12 RMB3oT/2021
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil

Figura 3 – Inciativas de IA na MB em Consciência Situacional, Plataformas Autônomas Multidomínio,


Análise de Inteligência e Capacitação de Pessoal (SOUZA, 2021)

RMB3oT/2021 13
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil

ritmos de automação de comportamento melhorar o planejamento generativo e o


de agentes inteligentes, diversos simu- raciocínio baseado em “casos”. A pes-
ladores vêm sendo desenvolvidos pela quisa em IA sempre dispendeu esforço
MB no intuito de aprimorar e baratear os em desenvolver sistemas que possam
custos com a capacitação de pessoal em aprender e aperfeiçoar a ação do siste-
missões operativas, como os Simulador ma. Ao mesmo tempo, com os aumentos
de Orientação de Aeronaves (SOA), no poder computacional, tamanho de
Simulador de Carro Lagarto Anfíbio memória e outros avanços de software,
(CLAnf) e o Simulador de e-Navigation virá o aprimoramento em aprendizado
(SOUZA, 2021). de máquina e em sistemas automáticos e
A Figura 3 ilustra as iniciativas men- adaptativos, que proporcionará vantagens
cionadas (SOUZA, 2021). significativas para sistemas que apoiam
o planejamento e o replanejamento auto-
PERSPECTIVAS E O FUTURO mático e rápido da missão, em uma série
DA IA: REFLEXÕES E de áreas que contribuirão diretamente
CONCLUSÕES PARA A MB para o aumento da intensidade e do ritmo
da guerra a um nível que os eventuais
No fim do século passado, o National inimigos e ameaças que não possuam
Research Council (1997) já indicava que desenvolvimentos compatíveis em IA não
pesquisas significativas sobre planejamen- poderão se contrapor.
to foram realizadas pelas comunidades É importante também frisar que quanto
de Avaliação Operacional (AOp) e In- maior o automatismo, mais presente se
teligência Artificial, com ambas as áreas lançam questões éticas, como as citadas
buscando técnicas e abordagens algorítmi- por Russel e Norvig (2013): a perda de
cas e estatísticas que requeressem o uso empregos pelas pessoas para as máquinas;
de conhecimento capturado e aprendido. a diminuição ou o aumento excessivo do
Mesmo hoje em dia, apesar das grandes tempo de lazer para as pessoas; a perda do
evoluções já atingidas, o sucesso prático senso de identidade das pessoas; a utili-
ocorreu em áreas muito específicas, como zação indesejável e temerária de sistemas
alocação de recursos, agendamento de de IA; a perda de responsabilidade das
tarefas, algum planejamento logístico e pessoas nos processos que envolvam a
correspondência de padrões e reconhe- IA; e a ameaça que máquinas autônomas
cimento de imagens e de voz com redes possam contribuir para a extinção da
neurais profundas. O planejamento refle- espécie humana. Essas e outras questões
xivo de longo alcance e o planejamento nos levam à necessidade premente de que
reativo quase em tempo real, muito mais é preciso refletir profundamente sobre os
próximos de uma forma contínua, ainda requisitos dos sistemas de IA e avaliar
são um desafio para o Estado da Arte da de forma criteriosa as consequências
IA, embora não estejam distantes. de seu uso. Em contrapartida, o Brasil
Tanto o National Research Council e, por consequência, a MB não podem
(1997) como Russel e Norvig (2013) abrir mão de dominar a IA, sob a pena de
indicam que esses avanços, mencionados serem suplantados pelos detentores dessa
acima, serão complementados por evolu- tecnologia disruptiva.
ções na representação do conhecimento Como citado por Souza (2021), basea-
e do raciocínio, que, por sua vez, irão do na Estratégia de IA dos EUA, de 2018,

14 RMB3oT/2021
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: Aplicações operativas e perspectivas para a Marinha do Brasil

a adoção cuidadosa, responsável e e o ritmo e a escala de mudanças exi-


centrada da IA em segurança tem gidas são assustadores, mas devemos
o potencial de fortalecer a Defesa abraçá-las se quisermos colher os be-
Nacional e transformar a velocidade nefícios de segurança e prosperidade
e agilidade das Operações Militares, no futuro.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<CIÊNCIA & TECNOLOGIA>; Ciência e Tecnologia;

BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, André Carlos Ponce de Leon Ferreira de. Redes Neurais Artificiais. Disponível em:
https://sites.icmc.usp.br/andre/research/neural/. Acesso em: 25. abr. 2021.
DGDNTM. “Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha participa
da Ridex e Mostra BID”. Seção “Em Destaque”. 15. jul. 2018. Disponível em: https://
www.marinha.mil.br/noticias/diretoria-geral-de-desenvolvimento-nuclear-e-tecnologico-
-da-marinha-participa-da-ridex-e/. Acesso em: 25. abr. 2021.
EIBEN, A.E. & SMITH, J.E. Introduction to Evolutionary Computing. Berlin: Springer, 2003.
National Research COUNCIL. Technology for the United States Navy and Marine Corps, 2000-
2035: Becoming a 21st-Century Force. Volume 2: Technology. Washington, DC: The
National Academies Press. 1997. Disponível em: https://doi.org/10.17226/5863.
RUSSEL, Stuart. NORVIG. Peter. Inteligência Artificial. Elsevier, 3a ed, 2013.
SOUZA, Marcelo Gurgel de. Inteligência Artificial e a MB. Centro de Estudos Político-Estratégicos
da Marinha (Cepe-MB). Simpósio Inteligência Artificial − 2021. 9 abr. 2021. Disponível
em: https://www.marinha.mil.br/cepe/inteligencia-artificial-2021/. Acesso em: 25 abr. 2021.
VELLASCO, Mary. Panorama da Inteligência Artificial: Aplicações. Centro de Estudos Político-
-Estratégicos da Marinha (Cepe-MB). Simpósio Inteligência Artificial − 2021. 9 abr. 2021.
Disponível em: https://www.marinha.mil.br/cepe/inteligencia-artificial-2021/. Acesso em:
25 abr. 2021.
WIKIPEDIA. Lógica Difusa. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lógica_difusa/. Acesso
em: 25 abr. 2021.

RMB3oT/2021 15
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES
ESPECIAIS: Possibilidades

“All knowledge and every pursuit aim at some good.”


Nicomachean Ethics, Aristotle

THIAGO DOS PASSOS*


Capitão-Tenente (RM2)

SUMÁRIO

Introdução
O que é Inteligência Artificial?
Possibilidades de uso de IA na atividade de Operações Especiais
Conclusão

INTRODUÇÃO sempre usufruem do fator surpresa para a


conquista de objetivos. Trazendo para o

A s Operações Especiais (OpEsp) são,


por definição, operações conduzidas
por pessoal especialmente organizado,
espectro da Tecnologia da Informação, é
evidente que, em uma operação especial,
o operador pode fazer uso de ferramentas
adestrado, bem equipado e capacitado tecnológicas no cumprimento de missões.
para o emprego de métodos e ações não Atualmente, é cada dia mais notória a
convencionais, com propósitos vincu- importância da tecnologia nas ações mili-
lados a objetivos dos níveis político, tares. Desde sistemas de armas avançados
estratégico, operacional e tático. As de navios e aeronaves não tripuladas ao
operações especiais são furtivas e quase uso do simples GPS de mão por tropas no

* Guarda-Marinha de 2011. Pós-graduado em Políticas e Gestão de Segurança Pública (Universidade Estácio


de Sá). Atualmente, cursa Pós-Graduação Integral em Desenvolvimento Ágil de Software em Nuvem no
Athlone Institute of Technology (Athlone-Irlanda). Foi observador militar das Nações Unidas na Missão
para o Referendo do Saara Ocidental (MINURSO) 2018-2019. Trabalha como Backend Software Engineer
na Sisnet LLC, responsável por arquitetura e design de aplicações Blockchain para solução de negócios.
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

terreno, nada escapa ao uso de softwares


com grande quantidade de processamento
e transmissão de dados. Um pouco de his-
tória: Em 1950, Alan Turing, matemático
inglês, desvendou o código nazista ao fa-
zer uso da máquina Bombe para desvendar
o código de mensagens alemão Enigma.
Há quem diga que a Segunda Guerra
Mundial acabou antes graças a Turing;
a descoberta da localização das tropas
alemãs foi essencial para o planejamento
do Dia D do desembarque na Normandia.
Desde a invenção de Turing, os avanços
Cérebro humano representado por circuitos digitais
em termos de desenvolvimento de algorit- Fonte: Getty Images
mos e complexidade de software têm sido
magníficos. Isso permitiu o aumento da aplicativo da Kindle. Tem-se, ainda, o
produtividade, a criação de máquinas au- Google Maps, que faz uso de informação
tomatizadas que realizam tarefas básicas e de milhares de celulares conectados com-
repetitivas ao longo dos anos. Consequen- partilhando dados para otimizar as melho-
temente, sobrou mais tempo para tarefas res rotas para todos os seus usuários. Do
mais importantes que demandam produção mesmo modo, há o aplicativo Uber, que
intelectual mais elaborada. utiliza algoritmos para determinar o tempo
Nesse espectro, a Inteligência Artificial de chegada ao destino, tempo de jornada
(IA) pode ser considerada o topo dessa e locais de pick-up e drop-off.
evolução tecnológica. A IA é, no momento, A Inteligência Artificial trabalha com
uma ferramenta utilizada pela humanidade os conceitos de machine learning e deep
para realização de diversas tarefas, seja no learning. O machine learning, vertente
meio profissional ou no ambiente domésti- específica da IA, é uma forma de análise de
co. Todos conhecem os robôs que realizam dados que automatiza o processo de cons-
tarefas domésticas, como limpar o chão. trução de modelos de análise, ou seja, é um
Também na indústria, robôs são comumen- ramo da IA que tem como fundamento a
te utilizados nas linhas de produção, como ideia de que sistemas podem aprender com
no setor automotivo, por exemplo. dados, identificando padrões nesses dados,
e, assim, podem tomar decisões com o mí-
O QUE É INTELIGÊNCIA nimo de intervenção humana. O machine
ARTIFICIAL learning é amplamente utilizado no meio
civil. São exemplos: no sistema financeiro,
Inteligência Artificial é a capacidade como sistema de prevenção de fraudes; no
que uma máquina tem de realizar tarefas sistema de marketing e vendas, quando
que requeiram inteligência humana, tais websites recomendam produtos e serviços
quais percepção visual, reconhecimento com base em seu histórico de compras
de voz e processo de decisão, ou seja, é anteriores; na área de petróleo e gás, como
uma ciência capaz de mimetizar as capa- ferramenta para descoberta de novas fontes
cidades humanas. São exemplos a Siri, de energia; na área de transportes, em que
da Apple, e o leitor de capa de livros do identificam-se padrões, elaboram-se rotas

RMB3oT/2021 17
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

mais eficientes e na previsão de problemas sistema de recomendação utilizado pela


de tráfego; e no governo, já que na admi- Amazon e pela Netflix: a partir de com-
nistração pública existe uma grande quanti- portamentos anteriores, o sistema sugere
dade de dados a serem trabalhados, sendo, filmes que o cliente possa gostar.
assim, deveras importante a utilização do Nesse contexto, o crescimento da
machine learning para ajudar na economia utilização da Inteligência Artificial dá-se
de recursos e detecção de fraudes. Deve-se pelos seguintes fatores:
ressaltar que, apesar de o machine learning − Conexão: Praticamente tudo hoje
ser ótimo na resolução de problemas de está conectado: pessoas, carros, casas.
alta complexidade e padrões não-lineares, Dispositivos utilizam a “nuvem” para
a simplicidade deve ser sempre buscada, armazenamento de dados;
porque automação e machine learning − Computação mais barata: permite
só irão acontecer se o problema for bem que mais pessoas tenham mais acesso a
definido e compreendido; deve-se saber novos processadores a cada dia com o
o que se quer. preço mais barato, o que significa mais
Já o deep learning é um tipo de machine processadores em tudo;
learning no qual algoritmos são feitos para − Dados: os dados são o novo “petró-
imitar o cérebro na solução de problemas. leo”. O petróleo alimentou a Revolução
O deep learning configura parâmetros Industrial. Acesso ao petróleo tornou-se
sobre dados e treina o computador para uma vantagem, um fator de força, assim
aprender sozinho por meio do reconheci- como, na era digital que vivemos, as or-
mento de padrões em diversas camadas de ganizações que têm acesso a mais dados
processamento. Possíveis aplicações são têm mais vantagem.
reconhecimento de fala e reconhecimento − Machine learning: este é o motor
de imagem, no qual uma aplicação prática que queima o petróleo “dados”. É a forma
seria a legendação automática, ou seja, des- de se usarem algoritmos e modelos de
crição instantânea de um cenário por meio matemática para se descobrirem padrões
de fotos enviadas por pessoas que estejam dentro de dados não refinados.
em um determinado local. Também há o Dentro desse universo, cabe a pergun-
processamento de linguagem natural, em ta: Como “pensam” os robôs? Existe a
que se podem descobrir padrões dentro diferença entre sistemas automatizados
de milhares de textos. Além desses, há o e sistemas autônomos. Um sistema auto-

Diagrama com a diferença entre Inteligência Artificial, Machine Learning e Deep Learning

18 RMB3oT/2021
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

Os diagramas acima explicam o funcionamento do machine learning no reconhecimento de imagens


Fonte: MathWorks

matizado trabalha da forma if-then-else: tomatizado. Isso dependeria da riqueza e


estrutura determinística, na qual para quantidade de dados no input.
cada input haverá sempre um output, a Podemos ilustrar o funcionamento da
menos que ocorra um erro. Num sistema tarefa humana de reconhecimento visual
autônomo, é diferente. Explicando-se realizada por uma IA. Para se ensinar
de forma simplória, com um sensor de uma máquina a identificar um gato, tem-
input, o sistema autônomo, por razões -se que expor essa máquina a milhares de
probabilísticas, tem como output possí- fotos de gatos e fotos de animais que não
veis linhas de ação, ou seja, um sistema são gatos, imagens de cachorros ou aves,
autônomo consegue produzir possíveis como no exemplo abaixo. Ao final, essa
soluções para um determinado input em máquina consegue diferenciar um gato de
forma de comportamentos e não só uma um cachorro, e esse aprendizado é o que
simples resposta, como num sistema au- faz esses algoritmos importantes.

Machine Learning Workflow com animais. Fonte: Twitter/MATLAB

RMB3oT/2021 19
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

POSSIBILIDADES DE USO DE IA equipe. Então, esses dados poderiam ser


NA ATIVIDADE DE OPERAÇÕES processados por uma IA, e o produto desse
ESPECIAIS processo ajudaria o decisor na escolha da
melhor linha de ação para a situação. Des-
Os operadores especiais são homens sa forma, a informação correta chegaria da
acostumados a buscar o limite dentro forma correta, para a pessoa certa, no for-
das operações para cumprimento de suas mato correto e no menor tempo possível.
missões. Confiança e tecnologia estão Outra importante questão no momento
intrinsecamente ligadas às atividades de do planejamento para um comandante de
Operações Especiais. Quando uma equipe uma equipe de Operações Especiais após
de OpEsp está no terreno, a confiança é o o recebimento da missão, de forma geral,
elo entre os operadores, enquanto a tecno- é: “Estou planejando ABC, isso envolve
logia é uma das ferramentas importantes XYZ. Isso já aconteceu antes?”. A IA
para o cumprimento de missões: óculos poderia ajudar na resposta dessa pergunta.
de visão noturna, GPS, computadores etc. Uma grande quantidade de dados acumu-
Sem o uso da tecnologia, muitas missões lados de relatórios de missões realizadas
que são executadas hoje não seriam exe- por diversas equipes de OpEsp, como in-
cutadas no passado formações de data,
com pleno êxito. hora, características
Nesse contexto, Nas Operações Especiais, diversas da área de
as possibilidades de muitas vezes, o decisor não operações, perfis
uso da IA nas ativi- psicossociais dos
dades de Operações terá o privilégio do fator operadores que rea-
Especiais são diver- tempo para sua tomada de lizaram a ação, equi-
sas. A solução de
um problema militar
decisão. A IA pode ser mais pamentos e desloca-
mentos realizados,
é complexa, requer uma ferramenta de auxílio por exemplo, ser-
alta capacidade de ao operador viriam como input,
coleta de dados, ve- seriam compilados
locidade de cogni- e processados por
ção e tempo para a tomada da decisão. algoritmos de deep learning, tendo como
Por muitas vezes, o decisor não terá o output prováveis linhas de ação, bem
privilégio do fator tempo para sua tomada como suas probabilidades de sucesso.
de decisão, ainda mais no contexto das No quesito adestramento, a IA poderia
Operações Especiais. A IA pode ser mais ser utilizada para mensurar a performance
uma ferramenta de auxílio ao operador, dos operadores dentro do universo dos
sempre levando em consideração que o seus requisitos mínimos de adestramento
operador é a unidade de maior valor dentro por meio de algoritmos de deep learning
de uma equipe de Operações Especiais. supervisionados por humanos. É evidente
No âmbito do planejamento, por exem- que um dos desafios para se adestrar é
plo, em uma situação particular com uma justamente a falta de realidade nos trei-
equipe de OpEsp no terreno, diante de namentos. Com a IA e certa quantidade
um novo fato, seria interessante que todos de dados acumulada, como fotografias,
os dados sobre o inimigo chegassem de vídeos, textos, arquivos de sons, tudo isso
forma mais elaborada ao comandante da combinado num ambiente 3D, poder-se-ia

20 RMB3oT/2021
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

criar um ambiente virtual no qual o ope- OpEsp no terreno. Sobre submersíveis,


rador seria capaz de enfrentar situações o Echo-Voyager é uma realidade. Trata-
o mais próximo possível da realidade. -se de um submersível construído para a
Treinamentos envolvendo comunicações Marinha dos Estados Unidos da América
em caso de fogo com o inimigo, apoio (EUA) pela Boeing. O submersível é equi-
de fogo aéreo, evacuações de feridos, pado com sistema autônomo de múltiplas
tomada de compartimentos, execução de capacidades, dentre elas, a capacidade de
check-lists em operações de mergulho ou reconhecimento mergulhado.
paraquedismo são treinamentos comple- Outra contribuição da IA seria dar
xos, com importantes tomadas de decisão condição para que operadores consigam
e com alto grau de processamento de misturar o uso de formações humanas e
informações. Nesse viés, a Inteligência não-humanas em uma determinada ação
Artificial poderia prever padrões de erros num futuro, tudo isso num contexto em
dos operadores, indicar esses erros e, si- que velocidade, quantidade de informação
multaneamente, ajudar a refinar o método e sincronização sobrepujam a capacidade
desenvolvido. Para isso, porém, deve-se humana na tomada da decisão.
ressaltar o necessário acúmulo desses Ainda dentro do contexto de possi-
dados desde já. bilidades de uso de IA nas Operações
Pode-se, também, vislumbrar o uso da Especiais, poder-se-iam criar algoritmos
IA nas atividades de reconhecimento de de deep learning que calculassem a
Operações Especiais com a utilização de probabilidade de acerto de uma dupla de
drones e veículos submersíveis para es- mergulhadores em um ataque mergulhado
caneamento de áreas de interesse. Drones por meio da cognição de valores como
aéreos poderiam ser utilizados na coleta de características particulares psicológicas e
diversas imagens de um local. Conectados físicas dos mergulhadores, taxa de acerto
a uma Inteligência Artificial, eles pode- de alvos do mergulhador-navegador, taxa
riam “dizer” instantaneamente possíveis de acerto geral da dupla de mergulhadores,
perigos na progressão de uma equipe de rumo, características do alvo, caracterís-

Submersível Echo-Voyager. Fonte: YouTube/Canal Drone Dronester

RMB3oT/2021 21
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

ticas de área de operações, como direção do da tecnologia evoluiu da máquina de


da corrente, e equipamento utilizado. Turing aos MacBooks de hoje, espera-se a
Para isso, seria necessária uma grande mesma evolução da Inteligência Artificial
quantidade de dados acumulados para que no futuro. E as unidades de Operações
a Inteligência Artificial pudesse “apren- Especiais, como tropas de vanguarda que
der” a identificar padrões e apresentar um são, não podem se abster de tão importante
resultado que servisse como ferramenta ferramenta. Assim deve ser o pensamento
de assessoramento para o planejamento. para o vislumbre da utilização de IA nas
Frisa-se a importância da grande quanti- operações especiais. Deve- se ter em men-
dade de dados acumulados para tal feito. te, entretanto, que métodos estatísticos,
Da mesma forma que, com determi- utilizados por tais algoritmos de deep
nados algoritmos, se pode fazer uma learning, não nos trazem a intuição, fator
previsão da probabilidade de chuva em importante na tomada da decisão. Mas
um determinado período e local, poder- podem trazer conceitos de média eficá-
-se-ia prever o sucesso de uma entrada de cia, por exemplo. Com isso, uma grande
compartimento inserindo-se valores como quantidade de dados utilizada é importan-
eficiência do tiro em compartimento dos tíssima, e caso eles mudem, o algoritmo
operadores, carac- “aprenderia”, sob
terísticas psicofísi- supervisão humana,
cas dos operadores, Assim como o mundo e se adaptaria.
equipamento utili-
zado, tipo de método da tecnologia evoluiu da CONCLUSÃO
de entrada usado, máquina de Turing aos
dimensões do com- Como garantia
partimento, número
MacBooks de hoje, do uso da IA no fu-
de alvos etc. E, após espera-se a mesma evolução turo das Operações
serem realizadas di- da IA no futuro Especiais, primeiro
versas repetições de precisamos catalo-
entradas de compar- gar os processos de
timento, a cada repetição, esse algoritmo, realização de todas as atividades no pre-
sendo “treinado” sob supervisão humana, sente. Depois, identificar procedimentos
aprenderia e daria respostas de interesse e decisões tomadas frequentemente e,
ao Comando, como a porcentagem de pro- assim, acumular todos os dados utilizados
babilidade de sucesso de uma ação do tipo. nos procedimentos e nas tomadas das de-
Enfim, com o devido acúmulo de dados cisões. As informações são: procedimen-
de operações, seria possível “refinar” tal tos executados, equipes que realizaram
algoritmo com intuito de prover a melhor tais procedimentos, características de
assessoria ao Comando. operadores, períodos do ano, locais etc.
Exemplos de aplicação de IA nas Tudo isso servirá como combustível para
Operações Especiais são tentativas de o machine learning no futuro.
visualização de resolução de problemas Entretanto, mesmo que a IA ganhe
reais que requerem a coleta correta de espaço dentro das Operações Especiais,
informações e a previsão de cenários. As não se deve esquecer do fator humano.
possibilidades são infinitas e foram lista- Nas Operações Especiais, o operador
das algumas apenas. Assim como o mun- sempre será a peça mais importante para o

22 RMB3oT/2021
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

cumprimento da missão. É comum, dentro realizar uma ação no objetivo. Tudo


do nicho das OpEsp, que checklists sejam isso por conta própria. Sem falar das
ferramentas essenciais para preparação características extremas de área de ope-
de diversas atividades, como mergulhos e rações, com temperaturas congelantes
saltos de paraquedas. Existem procedimen- ou florestas muito densas, que não são
tos peculiares dentro dessas atividades: favoráveis ao uso de sistemas completa-
quando se deve abortar um mergulho mente autônomos.
ou quando se deve acionar o paraquedas De qualquer forma, para que a IA
reserva em caso de pane do paraquedas seja plenamente aproveitada no futuro, a
principal. Esses procedimentos são e con- confiança, elo existente nas relações hu-
tinuarão sendo cumpridos por humanos. manas das Operações Especiais, deve ser
Uma máquina nunca conseguirá superar a também desenvolvida no sentido homem-
inteligência humana em diversas situações -máquina, a fim de que, no futuro, as
similares a essas. Um notável exemplo é Operações Especiais sejam realizadas com
o “milagre” do Rio Hudson, quando o pi- pleno suporte de inteligências artificiais.
loto Chesley Sullenberger, pilotando uma Lembrando-se que, ainda que num futuro
aeronave Airbus da US Airways, pousou a IA seja amplamente utilizada, a decisão
no Rio Hudson, em Nova York, em 2009, final sempre será de um ser humano.
salvando centenas de pessoas. Esse caso Portanto, o domínio da Inteligência
reflete a capacidade de resolução de pro- Artificial não deve ser encarado como um
blema do comandante de uma aeronave em conhecimento adjudicado apenas para ex-
pane de uma forma extraordinária. Além perts da área de Tecnologia da Informação.
disso, existe a questão psicológica, que A Inteligência Artificial é uma ferramenta
nos diferencia de computadores: humanos de excelência, e seus conceitos precisam
tomam responsabilidades de suas ações e ser gradualmente inseridos e compre-
estabelecem laços de relacionamento, coi- endidos pela comunidade de Operações
sas que algoritmos e máquinas nunca farão. Especiais para que se crie uma cultura
Indo um pouco além, cabe ressaltar que de armazenamento de dados e que esses
o uso humano na coleta de informações dados sejam utilizados no futuro como
em uma Operação Especial será sempre combustível para algoritmos de machine
melhor que o uso de máquinas, já que learning e deep learning no adestramento,
humanos têm muito mais recursos e auto- no planejamento, no desenvolvimento de
nomia para se infiltrar em uma área de ope- equipamentos e no cumprimento de mis-
rações, deslocar-se sem serem notados e sões de Operações Especiais.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<CIÊNCIA & TECNOLOGIA>; Ciência e Tecnologia;
<FORÇAS ARMADAS>; Operações Especiais;

RMB3oT/2021 23
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS OPERAÇÕES ESPECIAIS: Possibilidades

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARNES, Sean and SHEPARD, Ladd W. “Manned and Unmanned Teaming − The Future of
Marine Course Reconnaissance units”. Marine Corps Gazette, May 2018.
BOURCHARDT, Eliezer. Inteligência Artificial – Um pouco da história e avanços atuais. 30
de agosto de 2017. Disponível em: https://medium.com/@eliezerfb/intelig%C3%AAncia-
-artificial-499fc2c4aa79. Acesso em: 9 de abr. de 2020.
FREEDBERG JR, Sydney J. Artificial Intelligence: Will special Operators Lead the Way? Wa-
shington, 13 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://breakingdefense.com/2019/02/
artificial-intelligence-will-special-operators-lead-the-way/. Acesso em: 31 mar. de 2020.
HELLER, Christian H. “Near-Term Applications of Artificial Intelligence: Implementation op-
portunities from Modern Business Practices”. Naval War College Review, Autumn 2019,
vol. 72, n. 4, 2019.
HODSON, James. “How to make your Company Machine learning ready”. Harvard Business
Review, The Next Analytics Age: Machine Learning, 2016.
LAVAGNOLI, Silvia. Machine learning ou deep learning? Setembro de 2019. Disponível em:
https://opencadd.com.br/machine-learning-ou-deep-learning/. Acesso em: 30 mar. de 2020.
LEE, Conie. Socom Plans New Artificial Intelligence Strategy. Florida, 2019. Disponível em:
https://www.nationaldefensemagazine.org/articles/2019/8/9/socom-plans-new-artificial-
-intelligence-strategy. Acesso em: 2 abr. de 2020.
SATELL, Grag. “Teaching an algorithm to understand right and wrong”. Harvard Business Review,
The Next Analytics Age: Machine Learning, 2016.
SCHWARTZ, Josh. “Machine learning is no longer just for experts”. Harvard Business Review,
The Next Analytics Age: Machine Learning, 2016.

24 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

LUIZ GUILHERME SÁ DE GUSMÃO*


Almirante de Esquadra (RM1)

SUMÁRIO

Introdução
Por que a guerra?
Agressividade humana
A guerra antes da civilização
Considerações Finais

INTRODUÇÃO A motivação para este artigo veio


da pergunta feita por Albert Einstein a

O que leva a nossa espécie − Homo


sapiens – à luta intraespécie? Somos
agressivos por natureza, ou seja, é uma
Sigmund Freud, em 1932, em correspon-
dência aberta patrocinada pela Liga das
Nações. Logo no primeiro parágrafo da
característica dos seres humanos, que nos carta, Einstein indaga: Existe uma ma-
leva a fazer guerra ou é algo que pode ser neira de libertar os homens da fatalidade
modificado e, até mesmo, vir a desapare- da guerra (3:59)?
cer com o processo civilizatório, de modo Após algumas considerações, Einstein
a alterar esse comportamento presente menciona o insucesso de se chegar a uma
desde o surgimento de nossa espécie no condição de segurança internacional para
planeta Terra. evitar o flagelo da guerra. Na busca do es-

* Foi chefe do Estado-Maior da Armada, diretor-geral do Material da Marinha e exerceu os comandos do 8o


Distrito Naval, do Navio-Escola Brasil, da Corveta Inhaúma e da Embarcação de Desembarque de Carga
Geral Tambaú. Foi Distinção no Curso de Política e Estratégia Marítimas (2000) e cursou Comando e
Estado-Maior na Venezuela. É aperfeiçoado em Eletrônica.
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

tado de paz, muitas tentativas haviam sido Abordagem de Sigmund Freud


feitas, todas elas infrutíferas. Ele atribui
esse fracasso a fatores psicológicos, como Inicialmente, vejamos alguns pontos e
a sede de poder, o interesse de certos gru- definições importantes abordados na obra
pos no comércio de armamentos, ganância O Mal-Estar na Civilização, de 1930, em
e capacidade de confundir as massas e que Freud já apontava que “o pendor à
usá-las em proveito da política que tais agressão é uma disposição de instinto ori-
grupos defendem (3:61). ginal e autônomo do ser humano” (4:67).
Einstein não se mostrava satisfeito com Antes de chegar a essa afirmativa, ele
as suas próprias considerações, pois não faz uma digressão de como “amar a teu
entendia como as massas poderiam ser próximo como a ti mesmo” seria contrário
conduzidas até ao ponto de chegar à sua à natureza humana, devendo ser substituído
própria destruição. E dá uma resposta: “É por “ama teu próximo como ele te ama”.
porque o homem tem dentro de si o poder Esta era a visão dele, muito discutível, na
de odiar e destruir”. Ele considera que essa qual contesta: Por que amar o outro? O que
paixão seria latente, mas, em circunstân- ele fez para merecer o meu amor (4:54)?
cias excepcionais, poderia emergir, sendo Não nos deteremos mais profundamente
fácil atiçá-la e elevá-la à altura de uma neste ponto, pois ele implica uma discus-
psicose coletiva” (3:61). são filosófica e religiosa que não é objeto
Einstein chega, então, à pergunta: deste artigo, mas vamos transcrever duas
“existe a possibilidade de dirigir a evo- passagens, citadas por Freud, que ilustram
lução psíquica dos homens de modo a bem as dúvidas que o inquietavam.
tornarem-se capazes de resistir às psicoses Em uma nota de rodapé, Freud diz:
do ódio e da destruição” (3:62)? “Um grande escritor pode se permitir
Essa é a síntese do questionamento expressar − de modo brincalhão, pelo
feito ao Dr. Freud, ainda hoje não comple- menos − verdades psicológicas severa-
tamente respondido, apesar dos inúmeros mente contidas”. É assim que Heinrich
esforços de grandes pesquisadores para Heine confessa: “Tenho a mais pacífica
fazê-lo: Por que a guerra? (Why war?). disposição. Meus desejos são: uma mo-
desta cabana com teto de palha, mas uma
POR QUE A GUERRA? boa cama, boa comida, leite e manteiga
bem frescos, flores diante da janela, em
Este artigo é composto por três partes: frente à porta algumas belas árvores e, se
na primeira parte, é analisada a correspon- o bom Deus quiser me tornar inteiramente
dência entre Albert Einstein e Sigmund feliz, me concederá a alegria de ver seis
Freud, na qual é mencionada a agressivida- ou sete de meus inimigos serem enforca-
de humana e questionado se seria possível, dos nessas árvores. De coração tocado eu
de alguma forma, dirigi-la de modo a não lhes perdoarei, em sua morte, todo o mal
se chegar à guerra; na segunda, são ana- que na vida me fizeram − pois devemos
lisadas duas teorias sobre agressividade, perdoar nossos inimigos, mas não antes
se ela é inata nos seres humanos ou se ela de serem executados” (Heine, Gedaken
é adquirida por mecanismos situacionais and Eifëille) (4:56).
e sociais; e na última parte é discutida a Heinrich Heine (13/12/1747-
guerra primitiva, ou seja, a guerra antes 17/2/1856) foi um poeta romântico
da civilização, e a teoria do bom selvagem. alemão. Boa parte de sua poesia lírica

26 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

foi musicada por vários compositores em sua obra O Mal-Estar na Civilização


notáveis. Nasceu na Alemanha, de famí- quanto na resposta a Einstein.
lia judia, mas em 1825 converteu-se ao Assim, “civilização designa a inteira
cristianismo. Em 1831, Heine mudou-se soma das realizações e instituições que
para Paris. Sofreu censura das autoridades afastam a nossa vida daquela de nossos
alemãs, suas obras foram banidas da Ale- antepassados animais, e que servem para
manha e ele foi proibido de voltar a viver dois fins: a proteção do homem contra a
em sua terra natal, tendo permanecido natureza e a regulamentação dos vínculos
exilado na França. Adoeceu em 1848 e dos homens entre si” (4:34).
sofreu paralisia, tendo passado os últimos A associação do que é civilização com
oito anos de vida em um colchão. as atividades e os valores culturais é tão
A vida de Heine – censurado, exilado e evidente para Freud que ele irá discuti-la
gravemente doente − desvela uma agres- ao abordar o tema e seus traços distintivos,
sividade contra aqueles que supostamente como quando cita que “beleza, limpeza e
o levaram ao desencanto e ao desejo de ordem ocupam claramente um lugar espe-
cobrar a dívida de amargor que os seus cial entre as exigências culturais” (4:38).
“inimigos” impuseram a ele. Em seguida, ele acentua que, “entretanto,
Mais adiante, ainda dentro do con- nenhum traço nos parece caracterizar me-
texto de perdão e amor ao próximo, lhor a civilização do que a estima e o culti-
Freud menciona um evento ocorrido no vo das atividades psíquicas mais elevadas,
parlamento francês, durante a discussão das realizações intelectuais, científicas e
da pena de morte, quando um orador artísticas, do papel dominante que é reser-
defendeu enfaticamente sua abolição, vado às ideias na vida das pessoas” (4:39).
sendo aplaudido entusiasticamente, até Ainda na mesma linha de raciocínio,
que alguém bradou: “Que messieurs les ele aponta “o último dos traços caracterís-
assassins commencent!” (Que os senhores ticos da civilização, que certamente não é
assassinos comecem!) (4:57). dos menos importantes: o modo como são
Ora, podemos trazer essas palavras reguladas as relações dos homens entre si,
para a nossa realidade e verificamos como as relações sociais”. Freud acentua que
são atuais, passadas décadas desde que a vida humana em comum só é possível
foram escritas. Nelas é identificada uma quando o poder da maioria se impõe sobre
proposição que será discutida ao longo o do indivíduo, criando-se, dessa forma,
deste artigo, ou seja, que a agressividade é uma comunidade que se apoia no Direito,
um “instinto original e autônomo nos seres opondo-se assim ao poder individual.
humanos” e, como veremos, presente na Chega-se, então, à exigência cultural con-
natureza humana desde os primórdios de sequente, ou seja, à justiça (4:40).
nossa existência. Esse processo de evolução cultural − o
Será possível mitigar a agressividade processo civilizatório − tem como con-
humana? O processo civilizatório dará sequência a supressão (ou limitação) de
sua contribuição para que não sejamos instintos poderosos, como os de natureza
agressivos contra a nossa própria espécie? sexual − não iremos nos deter nele – e o
Neste ponto é necessário definir qual de agressão, de modo que possibilite aos
seria o conceito de “civilização” (ou pro- seres humanos viverem em comunidade,
cesso de evolução cultural), pois ele será sob controle da maioria, apoiados no Di-
amplamente utilizado por Freud, tanto reito e com justiça. A tendência à agressão

RMB3oT/2021 27
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

se oporia à evolução cultural, com as ca- da ameaça de extinção de nossa espécie


racterísticas definidas nos parágrafos ante- e da vida na Terra, com a prevalência de
riores. Esse conflito provoca perturbações Eros sobre o instinto de morte.
para os seres humanos, “pois não é fácil
para os homens renunciar à gratificação Resposta de Freud ao questionamento
de seu pendor à agressividade” (4:60). de Einstein
Freud associa o processo de desen-
volvimento cultural a Eros, porque busca Freud inicia sua resposta a Einstein
“juntar indivíduos isolados, famílias, de- pela análise de como são resolvidos, em
pois etnias, povos e nações numa grande princípio, os conflitos de interesse entre
unidade, a da humanidade”. A esse movi- os homens. Para ele, a resposta é clara:
mento se contrapõe o instinto natural de pela força. Também salienta que isto não
agressão, que “é o derivado e representante é exclusividade de nossa espécie; o que
maior do instinto de morte, que encontra- nos caracteriza é o conflito de opiniões,
mos ao lado de Eros e que partilha com ele algo relativamente recente na história da
o domínio do mundo” (4:68). humanidade (3:64).
A última frase do parágrafo anterior Em nossa espécie, a força muscular
é de uma abrangência e significado real- foi, em pouco tempo, acrescida do uso
mente surpreendentes: instintos naturais de armamento. Isso levou à superioridade
nos seres humanos – Eros e de morte – daquele que possuía as melhores armas e
em conflito permanente pelo domínio do as empregava de modo mais eficiente. A
mundo! A discussão sobre esse ponto só força superior do indivíduo só podia ser
caberia em outro artigo, e, por isso, só o suplantada de uma maneira: pela união
assinalamos, sem aprofundar no tema. dos mais fracos. O modo de se conseguir
Vamos, então, para a conclusão de isso é pela identificação dos interesses
Freud em O Mal-Estar na Civilização: “A comuns entre os membros de uma comu-
meu ver, a questão decisiva para a espécie nidade. Assim, os vínculos afetivos entre
humana é saber se, e em que medida, a eles proporcionarão a constituição de uma
sua evolução cultural poderá controlar as entidade para evitar o emprego da violên-
perturbações trazidas à vida em comum cia para solucionar disputas (3:65 a 68).
pelos instintos humanos de agressão e Após o estabelecimento desse marco
destruição. Precisamente quanto a isso, a teórico, Freud comenta o fracasso da So-
época de hoje merecerá talvez um interes- ciedade das Nações (ou Liga das Nações)
se especial. Atualmente, os seres humanos como instância superior para solução de
atingiram um tal controle das forças da conflitos, por não se ter concretizado
natureza que não lhes é difícil recorrerem a transferência de poder para ela pelos
a elas para se exterminarem até o último Estados-nação (3:68).
homem” (4:93). Aqui abro um parêntesis para citar
Palavras proféticas escritas em 1930, uma iniciativa, de 1928, alinhada com a
anteriores, portanto, ao domínio do objeção ao emprego da violência para a
átomo e da demonstração do poder solução de conflitos interestatais, a qual
destruidor da energia nuclear quando prosperou devido ao ambiente internacio-
empregada como arma de destruição em nal criado no pós-guerra pelos resultados
massa; entretanto os seres humanos sou- catastróficos da Primeira Guerra Mundial,
beram conter-se, até o momento, diante nunca antes vistos na História, de tal for-

28 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

ma que ela passou a ser denominada como pela vida − ao criarmos laços afetivos en-
“A Grande Guerra”. tre nós, que nos liguem com os sentimen-
Dessa forma, em 1927, após quase tos de comunidade. Para isso, também irá
dez anos do término da Grande Guerra, contribuir o processo de evolução cultural,
Aristide Briand, ministro do Exterior da como mencionado anteriormente.
França, propôs ao secretário de Estado Os mais importantes e significativos
dos Estados Unidos da América (EUA), fatores psicológicos da cultura seriam o
Frank Kellogg, a assinatura de um pacto fortalecimento do intelecto e a interiori-
contra a guerra. zação das tendências agressivas, se bem
Em 27 de agosto de 1928, foi assinado que este último item tem consequências
por 15 países o Pacto Briand-Kellogg, tam- vantajosas e, também, perigosas (3:74).
bém chamado Pacto Multilateral Contra a Quanto aos perigos do controle da
Guerra. Os signatários foram: Alemanha, agressividade, é possível ilustrar este
EUA, França, Reino Unido, Itália, Japão, ponto com o filme Laranja Mecânica, de
Bélgica, Polônia, Canadá, Austrália, Nova Stanley Kubrick, baseado no livro Clo-
Zelândia, África do Sul, Irlanda, Índia (sob ckwork Orange, de Anthony Burguess,
mandato britânico) e Tchecoslováquia1. A no qual o líder sociopata de um bando
entrada em vigor deu-se em 28 de outubro de jovens cruéis se diverte com os seus
de 1929, quando se juntaram, entre outros, amigos em atos de extrema violência.
União Soviética, Portugal, Peru e China, Ele é, então, preso e submetido a uma
chegando-se a 50 signatários. O Brasil experiência para controle da violência
teve sua adesão promulgada pelo Decreto (Experiência Ludovico), que o transforma
24.557, em 3 de julho de 1934. Em 1971, em um ser incapaz de cometer qualquer
Barbados declarou adesão ao tratado2. ação violenta, pois isso lhe provoca terrí-
Dois pontos a observar: o primeiro é vel mal-estar físico e psicológico, o que o
adesão ao tratado de todos os participantes impede de dar vazão à sua agressividade,
da Segunda Guerra Mundial anos antes levando-o a distúrbios sérios, os quais
da deflagração do conflito; e o segundo é culminam com uma tentativa de suicídio.
que o tratado permanece em vigor. Fecho Este é um exemplo fictício e extremo
o parêntesis. de aplicação de terapia de controle psico-
Voltemos, então, à resposta de Freud lógico com consequências nefastas, mas
ao questionamento feito por Einstein no ele nos proporciona uma visão do que
ponto em que ele analisa o antagonismo poderia resultar na tentativa de sufocar
entre as pulsões eróticas e o desejo de inteiramente um instinto (ou pulsão), que
morte, ou seja, entre as tendências para a faz parte de nossa natureza.
vida e para a morte. Tanto Einstein como Freud alertavam
Freud chega à conclusão de que é uma para os cuidados a serem observados
ilusão buscar-se eliminar totalmente as quanto ao tratamento da agressividade hu-
tendências agressivas dos seres humanos mana. Einstein, em sua pergunta: “Existe
de modo a evitar-se a guerra. O que ele a possibilidade de dirigir a evolução psí-
considera possível é nos voltarmos para o quica dos homens de modo a tornarem-se
instinto opositor ao de morte − o instinto capazes de resistir às psicoses do ódio e

1 Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PACTO%20BRIAND-


-KELLOG.pdf. Acesso em: 20 out. 2020.
2 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pacto_Kellogg-Briand. Acesso em: 28 out. 2020.

RMB3oT/2021 29
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

da destruição” (3:62)? Freud, em resposta, contra o homem, sabemos, intimamente,


diz: “Por outro lado, como adverte, não que cada um de nós abriga dentro de si os
se trata de eliminar totalmente as tendên- mesmos impulsos selvagens que levam ao
cias agressivas humanas; pode tentar-se assassínio, à tortura e à guerra” (12:9).
desviá-las, de modo que já não encontrem Anthony Storr foi um psiquiatra e ana-
sua expressão na guerra” (3:72). lista inglês que nutria profunda admiração
Está claro, portanto, combinando-se as por Konrad Lorentz, tanta que o seu livro é
palavras desses dois grandes pensadores, dedicado a ele. Ambos formam na corren-
que não se deve buscar “a eliminação das te que considera a agressividade humana
tendências agressivas das pessoas”, mas, inata em nossa espécie, o que será objeto
sim, verificar a “possibilidade de dirigi- da análise a seguir.
-las” (acrescento: sem sufocá-las!) para Já no século XVII, Thomas Hobbes
que não se chegue à guerra. tinha uma visão pessimista da natureza
Dessa forma, concluímos com as pala- humana. Para ele, apenas a força das
vras de Freud no último parágrafo de sua palavras seria insuficiente para conter
carta, quando manifesta a esperança “de ambição, avareza, ira e outras paixões
que atitude cultural e a angústia justifica- humanas, sem que houvesse o temor de
da em face das consequências da guerra algum poder coercitivo (10:18).
futura ponham fim aos conflitos bélicos Em trecho de sua análise sobre a
num prazo previsível”. Ele ainda sinaliza agressividade humana, Sigmund Freud
que isso poderia ocorrer com o fomento cita o aforismo latino Homo homini lupus
da evolução cultural, pois ela atua contra − o homem é o lobo do homem − para
a guerra (3:75). questionar, em seguida, se alguém tem a
Chegamos ao final da análise da coragem de discordar após tudo o que se
correspondência entre Albert Einstein e aprendeu com a vida e a história (4:57).
Sigmund Freud e passemos à discussão A eles se junta Konrad Lorentz, que
sobre agressividade. foi médico, biólogo, zoólogo e, também,
um dos fundadores da Etologia − ramo
AGRESSIVIDADE HUMANA da ciência que estuda o comportamento
animal comparado. Ele ganhou o Prêmio
“Dificilmente se pode pôr em dúvida o Nobel de Medicina ou Fisiologia em 1973,
fato de ser o homem uma criatura agres- juntamente com dois colegas3.
siva”. Esta é a primeira frase do livro Em 1963, Lorentz publicou o livro
A agressão humana, de Anthony Storr, On Aggression, no qual apresenta um
publicado em 1968, com o título Human estudo sobre a agressão, definida por ele
Agression na edição em língua inglesa. como um instinto de luta em animais e
Adiante, no mesmo parágrafo, o autor no homem contra membros da mesma
acrescenta: “O fato sombrio é que somos espécie, definição importante que iremos
a espécie mais cruel e implacável que considerar neste artigo (7:ix).
jamais pisou sobre a Terra e que, embora Em On Aggression, Lorentz começa
possamos ficar horrorizados quando le- por descrever o comportamento de peixes
mos, no jornal ou nos livros, história sobre tropicais em um aquário, com um total
as atrocidades cometidas pelo homem aproximado de cem indivíduos de 25

3 Disponível em: https://pt.wikipedia.org. Acesso em: 13 nov. 2020.

30 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

espécies, algumas delas com, em média, Em seguida à citação acima, Storr


quatro indivíduos, e outras com apenas acrescenta que não é possível descrever
um exemplar. Ele fez várias observações, a agressão humana da mesma maneira
tendo chegado à conclusão de que os que os etologistas fazem com o comporta-
peixes eram muito mais agressivos com mento animal, devido à complexidade de
os indivíduos de sua própria espécie do fatores que nos afetam − desejos, crenças
que com qualquer exemplar de outras e medos aprendidos. Entretanto, segundo
espécies, ao constatar que a proporção Storr, pode-se constatar que, tanto no ho-
de “mordidas” aplicadas era muito maior mem como em outros animais, a agressão
entre os indivíduos da mesma espécie tem funções úteis e concluir que “se o
(agressão intraespecífica) do que em homem não fosse agressivo, de maneira
espécies diferentes (agressão interespe- alguma seria homem” (12:42).
cífica). Posteriormente, essa conclusão Vemos, então, que Storr chama a aten-
foi confirmada por Lorentz no ambiente ção para um ponto muito importante, qual
natural em recifes de coral no mar (7:18). seja a distinção a ser feita entre a agressão
Lorentz observou o comportamento humana e a agressão nos animais, apesar
de outras espécies, tendo chegado à con- de em ambos os casos ter, como ele acen-
clusão de que o instinto agressivo estava tua, “funções úteis”. Não é possível fazer
inserido na mesma estrutura filogenética uma extrapolação direta dos seus com-
de todas as espécies, inclusive nos seres portamentos sem considerar a natureza
humanos (10:2), ou, nas palavras do pró- humana em seu conjunto de sentimentos,
prio Lorentz: “Não apenas os peixes lutam herança cultural, capacidade de aprendiza-
contra a própria espécie; a maioria dos do e inovação, entre muitos outros fatores,
vertebrados também o fazem, inclusive o que seria exaustivo enumerar, que tornam
homem” (7:30). o ser humano único e muito diferente de
Entre as funções do comportamento todos os animais.
agressivo, são distinguidas as seguin- Ainda de acordo com Lorentz, a inten-
tes para a preservação das espécies: sidade destrutiva do instinto de agressão
distribuição balanceada dos animais da nos seres humanos é mais do que provável
mesma espécie, seleção dos mais fortes que se deva ao processo de seleção intra-
pela luta entre rivais e defesa dos mais específica de nossa espécie, que atuou
jovens. Lorentz também chama atenção por, aproximadamente, 40 mil anos por
para a agressão como indispensável no toda a Idade da Pedra. Esse instinto estaria
complexo de fatores motivadores do inserido em nossa natureza, mesmo que
comportamento (7:43). os perigos representados por fome, frio
Além do que já citamos, também An- e presença de animais selvagens tenham
thony Storr ilumina a importância desse sido superados pela posse de armas e de
comportamento − a agressão − com uma agasalhos e pelo estabelecimento de uma
frase emblemática: “Por conseguinte, no organização social (7:42).
reino animal a agressão é um impulso que Nós diríamos que tais perigos não
favorece os interesses da espécie na qual se foram superados, pelo menos não in-
manifesta; e, embora as espécies variem na teiramente, com a possível exceção da
quantidade de agressividade inter e intraes- presença de animais selvagens, nem por
pecífica, não há dúvida de que o impulso é todos os segmentos sociais. Daí a neces-
fisiologicamente vantajoso” (12:42). sidade e a importância de as sociedades

RMB3oT/2021 31
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

identificarem tais ameaças, porque, se gical Association, a ganhar as três maiores


isso não for feito, poderá aflorar o instinto distinções daquela organização, como
agressivo humano com toda intensidade, escritor, professor e pesquisador.
com consequências danosas para a paz e a O pesquisador Zang Yang quis veri-
harmonia social. Hordas de desabrigados, ficar se gatos instintivamente perseguem
famintos e com suas vidas ameaçadas são, ratos. Para isso, criou um gatinho (kitten)
sem dúvida, um fator de desestabilização na mesma gaiola com um rato. Ele obser-
social muito preocupante. A História vou que o gato se recusava a atacar o rato
está repleta de exemplos. Após esta e que eles, com o tempo, se tornaram com-
breve digressão, voltemos à natureza da panheiros. Além disso, o gato se recusava
agressividade e à discussão se a agressão a perseguir e matar outros ratos (1:257).
é um instinto. Para Aronson, o que ocorreu não
O pesquisador John Paul Scott salienta prova que o comportamento agressivo
que a agressão não é necessariamente ins- não é instintivo; somente demonstra que
tintiva, pois deveria haver uma evidência ele pode ser inibido por uma experiência
fisiológica de estimulação espontânea anterior (1:257).
surgida dentro do corpo. Nas palavras de Em outro experimento, relatado por
Scott, como citadas por Anthony Storr, Irenans Eibl-Eibesfeldt, sobre ratos cria-
“isso quer dizer que não há necessidade dos isolados, sem qualquer experiência de
de lutar, na agressiva ou na defensiva, lutar com outros ratos, verificou-se que
à parte o que acontece no ambiente ex- eles atacavam outro rato quando ele era
terior”. Scott faz uma comparação com introduzido na gaiola; mais do que isso,
a fisiologia da alimentação, quando os eles usavam o padrão de ameaça e ataque
processos metabólicos internos levam empregado por ratos experientes.
a mudanças que conduzem à fome e ao Assim, Aronson concluiu que, embora
estímulo para comer, mesmo que não o comportamento agressivo possa vir a ser
se altere o ambiente externo (12:30). modificado (experimento de Kuo), o ex-
Dessa forma, Scott concluiu que não há perimento de Eibl-Eibesfeldt mostrou que
qualquer evidência da existência de algo a agressão, aparentemente, não necessita
como “instinto de luta”, ou seja, uma ser aprendida (1:257).
força interna que necessite ser satisfeita. A importância desses experimentos,
Entretanto ele admite haver um mecanis- segundo os etologistas, com Lorentz à
mo fisiológico interno que, estimulado, frente, é que o comportamento animal
poderá levar à luta (12:30). é instintivo (8:53). De acordo com esse
Duas experiências com animais são conceito, todos os animais possuem “pro-
muito citadas na literatura sobre instinto de gramas genéticos latentes”, que respon-
agressão, por vários pesquisadores, como, dem aos seguintes impulsos: fome, medo,
por exemplo, Storr e Lorentz, entre outros. sexo e agressividade. Isto não quer dizer
Vamos mencioná-las com a abordagem que tais programas sejam invariáveis,
feita por Elliot Aronson em seu livro The nem que todas as espécies responderão
Social Animal, no capítulo “Human Ag- igualmente a eles. Muito pelo contrário,
gression”. Elliot Aronson é um psicólogo eles reagirão de modo distinto diante de
norte-americano, PhD pela Universidade cada programa (8:54).
de Stanford. Ele foi a única pessoa, nos 120 Por seu significado, traduzimos abaixo
anos de existência da American Psycholo- as palavras de Lorentz, escritas após um

32 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

longo parágrafo em que discorre sobre − É verdade que se devem procurar as


as resistências às descobertas de Charles raízes da agressividade na própria nature-
Darwin. Lorentz afirma que tudo o que za da constituição biológica do homem?
conhecemos confirma a Teoria da Evolu- A origem comum dos seres humanos
ção como parte da natureza e que ela não com os animais é admitida por Montagu,
infringe as leis naturais. mas este ressalva que, se o comporta-
mento deles parece estar sob a influência
Qualquer um que compreenda isso de instintos, não quer dizer que isso deva
não pode negar a afirmação de Da- acontecer conosco (8:55).
rwin de que temos origem comum aos Sobre a nossa origem comum com
animais ou pela realização de Freud os animais, é interessante a observação
de que somos levados pelos mesmos de Jane Goodall sobre o DNA humano,
instintos que nossos ancestrais pré- o qual difere do DNA dos chimpanzés
-humanos. Muito pelo contrário, esse em pouco mais de 1%, sendo por esta
conhecimento inspira um sentimento razão que os chimpanzés são utilizados
novo de respeito pelas funções da na pesquisa médica como substitutos
razão e de responsabilidade moral dos humanos nos testes com drogas e
que, desde que ele não negue cega e vacinas. Além da fisiologia, também
arrogantemente a existência de sua existem semelhanças entre humanos e
herança animal, lhe dê o poder para chimpanzés no comportamento social, na
controlá-la (7:225). capacidade intelectual e nas emoções, diz
Goodall (5:19).
Antes de prosseguirmos, faremos uma Acrescento a notícia sobre o emprego
breve apresentação de Ashley Montagu, de chimpanzés na pesquisa médica: “A
forte opositor das ideias de Lorentz so- vacina de Oxford/Astrazeneca utiliza
bre a agressividade e que escreveu um adenovírus de chimpanzés modificados
livro sobre o assunto – A natureza da geneticamente para carregar informações
agressividade humana − e editou outro, genéticas do coronavírus e despertar a
Man and Agression, entre os mais de resposta imune do corpo humano” 4.
40 livros que publicou sobre diversos Ainda com relação à primeira pergunta
temas. Ele era um antropólogo inglês, − registro da evolução e estudo do com-
depois naturalizado norte-americano; portamento animal –, Montagu acrescenta
nasceu em Londres em 1905 e faleceu à resposta o questionamento feito por
nos EUA em 1999. Anatol Rapoport sobre a existência de um
A seguir, as indagações de Montagu hiato tão grande entre os seres humanos e
pertinentes ao tema deste artigo (8:54): outras espécies de modo que nada tenha
− É realmente possível determinar, a restado de nossa herança biológica.
partir da investigação do registro da evolu- Montagu responde que existe tal hiato
ção e do estudo do comportamento animal, e que ele só aumentou devido à evolução
por que o homem, ao contrário de outras de nossa espécie, sem que isso signifique
criaturas, tão frequentemente assassina e que nada restou dela. Entretanto essa
declara guerra à sua própria espécie? relação não determina alguma forma de

4 MARANGONI, Afonso. "Fiocruz recebe bancos de células e vírus para produzir IFA". Disponível em:
https://revistaoeste.com/politica/fiocruz-recebe-bancos-de-celulas-e-virus-para-produzir-ifa/. Acesso
em: 2 jun. 2021.

RMB3oT/2021 33
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

comportamento, mas, Montagu admite, todos os machos foram removidos, os


pode vir a influenciá-lo (9:60). machos cichlids atacaram e mataram as
Sobre a segunda pergunta − raízes fêmeas, o que veio confirmar o previsto
da agressividade –, Montagu diz “ser na teoria hidráulica (1:258).
absurdo atribuir as guerras a algo inte- O que ocorreu na experiência com
rior a nós humanos, como uma força de peixes cichlids pode servir, de alguma
morte orgânica que age em obediência a forma, como modelo comparável de
um impulso instintivo, sem considerar as comportamento com os seres humanos?
causas econômicas e sociais que levam à A teoria hidráulica é aplicável? Segundo
guerra”. Em apoio à sua argumentação, Lorentz, a resposta é sim; e, de acordo
ele menciona Richard J. Barnet, autor do com Montagu, é não (8:84)!
livro Roots of War, do qual é transcrita a Uma das críticas, compiladas por Mon-
frase: “A natureza humana torna a guerra tagu, ao modelo hidráulico de Lorentz
possível, mas não é a sua causa” (9:55). foi apresentada por J. P. Scott. De acordo
Em continuação à frase acima, Barnet com Scott, não há confirmação, no sistema
considera uma mentalidade equivocada nervoso de qualquer animal conhecido,
colocar o ser humano como um guerreiro de um estímulo liberador que produza
natural e, assim, dispensar a ligação das descarga de um volume acumulado de
causas políticas, econômicas e organiza- energia (8:85). Entretanto a experiência
cionais que nos levam ao militarismo e à com peixes cichlids mostra exatamente o
guerra (9:56). Deixamos de aprofundar contrário disso.
esse segundo ponto citado por Barnet, Em On Agression, Lorentz cita um
pois este artigo busca investigar a natu- artigo que escreveu em 1955 com o título
reza da agressividade humana, apesar de “On the killing of members of the same
reconhecermos a importância dos fatores species”, do qual traduzimos:
mencionados. Voltemos, então, às raízes
da agressividade. Eu acredito e psicólogos humanos,
A menção a uma força interior orgânica psicoanalistas em especial, deveriam
e a um impulso instintivo remete à teoria testar isto – de que o homem civilizado
hidráulica do instinto, a qual estabelece moderno sofre com a falta de descom-
que nossas emoções não expressadas pressão de seu instinto agressivo. É mais
aumentam a pressão e devem ser expres- do que provável que os efeitos maléficos
sadas para aliviar tal pressão, em tradução dos instintos humanos, explicados por
literal da definição em inglês (Hydraulic Sigmund Freud como resultantes de um
theory: the theory that unexpressed emo- desejo de morte especial, simplesmente
tions build up pressure and must be ex- se derivam do fato de que em eras pré-
pressed to relieve that pressure) (1:457). -históricas a seleção intraespecífica ge-
Uma demonstração do que ocorre rou no homem uma parcela de instinto
quanto ao alívio dessa pressão e de como agressivo para o qual na ordem social de
ela age é a experiência, já comentada, hoje ele não encontra válvula de escape
com peixes cichlids machos, quando, na adequada. (7:243).
ausência de outros machos da mesma
espécie, passaram a atacar machos de Em A natureza da agressividade huma-
outras espécies, os quais eles ignoravam na, Ashley Montagu transcreve o trecho
anteriormente. Além do mais, quando acima, porém omite certas partes e consi-

34 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

dera que Lorentz “afirmava que o homem “Lorentz/Margolin on the Ute”, de autoria
civilizado de hoje sofre de uma descarga de Omer C. Stewart, considerado a maior
insuficiente de seu impulso agressivo. É autoridade sobre essa tribo, publicado no
mais que provável que os efeitos nocivos livro Man and Agression.
dos impulsos agressivos humanos (...) Omer Stewart não aceita a afirmativa
derivem simplesmente do fato de a sele- de que a taxa de neuroses dos Utes é anor-
ção no interior da espécie ter criado no malmente alta e desafia que se prove isso
homem, nos tempos pré-históricos, uma (8:87). Além disso, ele se correspondeu
medida de agressividade para a qual ele com três pessoas que estiveram em con-
não encontra, na ordem social de hoje, tato próximo com os Utes − um superin-
uma vazão adequada” (8:85). tendente, um assistente de superintendente
À parte da tradução incorreta na edição e um médico −, as quais assinaram um
brasileira, no que não acreditamos, pode-se documento em que rebatem muitos fatos
comparar os dois parágrafos acima e cons- reproduzidos por Lorentz em On Agres-
tatar que não é bem isso que Lorentz disse, sion, como mencionados por Margolin.
pois ele acreditava (“I believe”) − não afir- Em resumo, Stewart diz: “As afirma-
mava − e convocava psicólogos e psicote- tivas de Margolin a respeito de fatos que
rapeutas a testarem sua proposição sobre estão sujeitos a testagem a respeito dos
a insuficiente vazão do instinto agressivo índios Ute não estão corretos. Outros são
no homem civilizado de hoje. Todo esse questionáveis” (9:107). Omer Stewart
período foi omitido por Montagu, assim destaca, ainda, que Lorentz não apresenta,
como suprimida a citação a Freud e ao na bibliografia, o trabalho de Margolin, que
instinto de morte, o que comprometeu o parece não ter sido publicado, podendo as
sentido do que Lorentz escreveu. informações que Lorentz utilizou terem
Em apoio à sua sustentação sobre des- sido obtidas em conversa particular em
carga insuficiente do instinto de agressão, uma palestra. Este autor não encontrou a ré-
Lorentz cita o exemplo dos índios Utes, plica de Lorentz às afirmações de Stewart.
da pradaria norte-americana, a partir de De qualquer maneira, a impressão que
estudos psicanalíticos e psicossociológicos fica é que Lorentz não foi suficientemente
realizados por Sydney Margolin. Nesses cuidadoso ao selecionar o exemplo dos
estudos foi identificada a insuficiente des- Utes sem submetê-lo à avaliação criterio-
carga de agressividade por parte dos Utes, sa. Deixemos essa discussão acadêmica e
devido às condições atuais reinantes nas re- voltemos à análise da agressividade.
servas dos índios norte-americanos. Muitos Elliot Aronson menciona um estudo
desses indígenas sentiam-se e descreviam- de Richard Lore e Lori Schultz no qual
-se como doentes e, quando questionados os autores sugerem, enfaticamente, que
sobre o que havia com eles, simplesmente a universalidade da agressividade entre
respondiam: “Eu sou um Ute!” (7:244). os vertebrados tem evoluído e se mantido
Essa extravasão de orgulho reprimido por seu valor para a sobrevivência. Os
mostra claramente o desenvolvimento autores também chamam a atenção para
de neurose, a qual levava ao desconforto o fato de muitos organismos terem de-
físico e psicológico dos Utes, sem que eles senvolvido mecanismos que propiciam a
pudessem identificar as suas causas. supressão da agressão, quando isso está de
O exemplo com os Utes foi contestado acordo com seus melhores interesses. Esse
por Montagu, que se utilizou do ensaio posicionamento de Lore e Schultz tem

RMB3oT/2021 35
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

encontrado adeptos entre psicólogos sente nos seres humanos, a agressão


sociais, de acordo com Aronson. Com não é causada inteiramente pelo instin-
referência aos seres humanos, as comple- to. São claros os exemplos de eventos
xidades das interações sociais assumem situacionais e sociais que podem pro-
grande importância, ao contrário do que duzir comportamento agressivo. Mais
ocorre com os organismos inferiores importante ainda, nós sabemos que,
(lower organisms) (1:258). nos seres humanos, esse comporta-
Um exemplo muito interessante de mento pode ser modificado por fatores
modificação de tendência agressiva é dado situacionais e sociais. Em resumo, o
por Aronson com o ocorrido com os índios comportamento agressivo pode ser
Iroquois, que viveram em paz, por séculos, reduzido (1:260,261).
como caçadores, até que a chegada dos
europeus, no século XVII, levou-os à com- Nada mais a acrescentar à conclusão de
petição com os seus vizinhos Hurons pelo Aronson, pois ela resume perfeitamente
comércio de peles. Deram-se, então, várias uma longa série de análises, por estudio-
guerras entre eles, com os Iroquois tendo se sos de diferentes correntes de pensamento,
tornado guerreiros ferozes e bem-sucedidos, sobre a agressividade humana.
devido não a seus instintos agressivos incon- Assim, encerremos este tópico e vol-
troláveis, mas à mudança social produzida temos à abordagem do fenômeno social
pelo aumento da concorrência (1:259). A mais frequente na história da humanidade,
referência dada por Aronson para essa a guerra, para verificarmos quando ela
ocorrência é a obra The wars of the Iroquois, teve início, ou seja, se é algo que começou
de G. T. Hunt, de 1940, publicada pela com a civilização ou se já estava presente
University of Wisconsin Press. antes dela, com o homem primitivo.
Aronson menciona a existência de
muitas evidências que apoiam a tese de A GUERRA ANTES DA
contenção da agressividade entre seres CIVILIZAÇÃO
humanos. Como exemplos, ele destaca
o comportamento de tribos primitivas, O título deste tópico é retirado do
como: Lepchas of Sikkim, Pigmeus da livro A guerra antes da civilização: o
África Central e Arapesh da Nova Gui- mito do bom selvagem, de Lawrence H.
né. Todos eles vivem pacificamente não Keeley, de 2011, que teve sua primeira
somente em suas próprias tribos, mas, edição publicada em inglês, em 1996, pela
igualmente, em suas relações com outras Oxford University Press. O autor é PhD
comunidades, com raras ocorrências de pela Universidade de Oxford e professor
atos de agressão (1:259). Analisaremos em do Departamento de Antropologia na
maior profundidade o comportamento de Universidade de Illinois, Chicago.
tribos primitivas mais adiante, neste artigo. Em sua obra, Keeley começa por cha-
Após citar e analisar muitos dos fatos mar a atenção para o fato de que o nosso
e exemplos aqui relacionados, Elliot conhecimento da História se restringe a re-
Aronson chega à conclusão, em nosso latos escritos e, além do mais, que a escrita
ver muito equilibrada, exposta a seguir: é restrita às sociedades civilizadas. Dessa
forma, o que se “conhece como guerra é,
Embora a componente devida ao portanto, a guerra civilizada” (6:48). Com
instinto esteja quase certamente pre- seu livro, o autor busca preencher parte da

36 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

lacuna do conhecimento sobre a guerra casamento, propriedade, educação, desi-


conduzida pelas sociedades pré-históricas gualdade social e a sociedade civil” (6:52).
e primitivas. Inicialmente, Keeley analisa Para Rousseau, o selvagem, exceto
as visões opostas de dois filósofos, Hob- quando faminto, era amigo de todos e
bes e Rousseau, sobre guerra e sociedade. não tinha inimigos. Daí surgiu o mito do
Hobbes, em Leviatã, considerava que bom selvagem, que viveria pacificamente
todos os homens eram iguais, pois nin- quando a humanidade foi formada e assim
guém era tão dotado de força e inteligência permaneceria por todo o sempre. A guerra
de modo a não ser superado por outros. A teria se tornado este fenômeno calamitoso
disputa entre dois seres iguais que desejas- quando a sociedade se transformou com a
sem a mesma coisa ensejaria o emprego adoção de leis não naturais. Essa artificiali-
da violência, ou seja, “a guerra de cada dade levou ao abandono das leis naturais e
homem contra todos os outros”. Assim, das paixões, à perda da compaixão e, conse-
os seres humanos viveriam em guerra em quentemente, a “desordens terríveis” (6:52).
seu estado inicial, primitivo ou primevo. A visão do próprio Rousseau sobre os
Suas vidas seriam “solitárias, pobres, de- selvagens pacíficos não se alterou, mesmo
testáveis, brutais e breves”, nas palavras de quando foi informado por um explorador
Hobbes, como citadas por Keeley (6:50). sobre o ataque de aborígenes tasmanianos
Para fugir desse a emissários fran-
estado de guerra, os ceses, os quais não
seres humanos es- A História está repleta demonstravam qual-
tabeleceram, então, dessas manifestações de quer sinal de agres-
um pacto, no qual sividade naquele
aceitavam delegar ao ingenuidade, perplexidade primeiro contato.
governo o monopó- e falta de firmeza Na ocasião, ele teria
lio do uso da força, dito: “Será possível
abdicando de muitas intelectual quando os que os bons filhos
liberdades, de modo fatos vão de encontro às da natureza podem
a punir internamente convicções pessoais ser realmente tão
os criminosos e se cruéis?” (6:53). A
defender dos inimi- História está repleta
gos externos (6:50). Anteriormente, neste dessas manifestações de ingenuidade,
artigo, já vimos essa visão pessimista de perplexidade e falta de firmeza intelectual
Hobbes da natureza humana e da necessi- quando os fatos vão de encontro às con-
dade de existência de um poder coercitivo. vicções pessoais.
Assim como Hobbes, Rousseau tam- Transcrevemos a seguir frase lapidar
bém afirmava a igualdade natural dos seres de Lawrence Keeley sobre esse compor-
humanos; entretanto, em seu estado de tamento de Rousseau e seus seguidores:
natureza, seríamos governados por paixões “Eles estavam tão completamente conven-
que seriam satisfeitas caso não existissem cidos de que o estado natural da sociedade
as instituições − nada naturais, segundo humana era uma combinação pacífica de
Rousseau − da monogamia e da proprie- amor livre e comunismo primitivo que não
dade privada. A compaixão é inata nos viam esses primeiros encontros violentos
seres humanos, ela era “esmagada apenas como outra coisa que não fossem raras
quando a inveja era criada pelas origens do aberrações” (6:53).

RMB3oT/2021 37
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

No início do século XX, os novos dados Ao abordar a guerra primitiva, Pinker


reunidos pela Etnografia (estudo descritivo mostra a inexatidão de se comparar a
das diversas etnias, suas características guerra moderna com as batalhas tribais e,
antropológicas, sociais etc.) superaram assim, concluir que elas eram relativamente
tudo o que havia sido produzido até então inofensivas. Ele cita uma observação feita
pelas observações não sistemáticas das pelo historiador William Eckhardt, com po-
sociedades pré-Estado. Assim, os antro- sicionamento muito distinto do seu, ou seja,
pólogos passaram a ir a campo, de modo que a violência aumentou muito ao longo
a registrar costumes e comportamentos. da História. Eckhardt escreveu em 1992:
Os novos conhecimentos demonstraram “Grupos de caçadores-coletores com cerca
que a vida primitiva, exceto por algumas de 25 a 50 pessoas cada um, dificilmente
exceções, era tudo menos pacífica (6:54). poderiam fazer uma guerra de vulto. Não
Mesmo diante desses fatos, surgiu uma haveria pessoas suficientes para combater,
nova teoria – neorousseauniana − que eles teriam poucas armas com o que lutar,
afirmava ser a guerra primitiva muito poucas razões para guerrear e nenhum
diferente daquela conduzida por homens excedente para pagar pela luta” (11:83).
civilizados. Essa teoria propunha que a O entendimento de Eckhardt se aproxi-
guerra primitiva seria “menos horrenda” e ma dos de Quincy Wright e de Turner-Hi-
“muito diferente da guerra real, verdadeira gh, com sua teoria neorousseauniana. Isso
ou civilizada”. Dois acadêmicos, Quincy veio a ser revisto com o aprofundamento
Wright e Harry Turner-High, elaboraram de estudos por pesquisadores isentos de
essa teoria, sem que nenhum dos dois viés ideológico, ao coletarem dados de
mencionasse o trabalho do outro (6:57). guerras primitivas ou, como diz Pinker,
Tanto Wright como Turner-High publi- de lutas de povos sem Estado (11:83).
caram obras importantes: A Study of War, Um desses estudiosos é o nosso conhecido
de Wright, em 1942; e Primitive War, de Lawrence Keeley, uma das referências
Turner-High, em 1949. Eles apontaram, para esta parte do presente artigo.
de modo independente, nove deficiências Muito significativa é a menção, feita
da guerra primitiva, dentre as quais cita- por Keeley, ao trabalho desenvolvido
mos: nenhum treinamento organizado das pelo norte-americano Napoleon Chagnon
unidades, comando e controle deficientes, sobre os índios ianomâmis da Venezuela
inexistência de guerreiros profissionais ou e do Brasil, que resultou no livro Nobres
especializações militares, táticas ineficazes selvagens: minha vida entre duas tribos
e negligência de certos princípios da guer- perigosas: os ianomâmis e os antropó-
ra. Em síntese, esses autores identificaram logos, com edição em inglês de 2013 e
a guerra primitiva como “desconexa, ine- tradução em português em 2014. Para
ficaz, não profissional e não séria” (6:61). fazer suas observações, Chagnon realizou
Outro autor, Steven Pinker, publicou, pesquisas de campo, tendo vivido entre os
em 2011, o livro Os anjos bons da nossa ianomâmis por cinco anos, em períodos
natureza: Por que a violência diminuiu, variáveis, sendo o maior de 17 meses. Ao
com a edição brasileira de 2013, em todo ele fez 25 viagens às aldeias ianomâ-
que ele procura demonstrar haver uma mis, nos seus 35 anos como pesquisador.
notável tendência à redução do compor- Na introdução de seu livro, Chagnon
tamento agressivo ao longo da existência mostra a derrocada da “visão rousseau-
da humanidade. niana” da vida idílica dos “nobres selva-

38 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

gens” ou “bons selvagens”, termos que deriam explicar o comportamento humano


Rousseau nunca empregou, mas que se ou, “pior ainda, que os humanos podem ter
tornaram comuns para definir o conceito algo chamado natureza humana, distinta
estabelecido por ele sobre a vida dos seres da natureza puramente cultural. Ou, mais
humanos no estado de natureza, quando precisamente, que as características com-
seriam “felizes, não violentos, altruístas e portamentais do ser humano podem ter
não competitivos, e que as pessoas eram, evoluído mediante algum processo natural,
de modo geral, amáveis e cordiais em tal como o que Darwin chamou de seleção
suas relações”. Para Chagnon, o nosso natural” (2:40). Aqui nos deparamos, mais
passado distante seria mais bem descrito uma vez, com a discussão, que parece
com a adoção da visão de Thomas Hobbes não ter fim, entre a agressividade inata e
com vida curta, sórdida e brutal (2:15,16). a adquirida, já apresentada neste artigo.
Logo em sua primeira viagem à Ve- Um fato curioso, relatado por Chagnon,
nezuela, em 1964, Chagnon constatou, ilustra bem a disputa entre essas correntes
no campo, dois fatos que o abalaram da antropologia. Ao retornar aos EUA
profundamente, pois contradiziam tudo o em 1966, após sua primeira viagem ao
que havia estudado na literatura antropo- campo, ele foi convidado para ministrar
lógica. O primeiro foi que a guerra entre uma palestra na Universidade de Michigan,
os nativos ianomâmis não era ocasional quando descreveu a importância da guerra
ou esporádica, mas, sim, “uma ameaça na cultura ianomâmi, o que teria deixado
crônica, sempre à espreita” e, o segundo, os alunos fascinados. Após a apresentação,
que “a maioria das discussões e brigas a professora que o convidara advertiu-o
começava por causa das mulheres” (2:37). para não falar certas coisas. Ao Chagnon
Essas descobertas trouxeram muitos pedir esclarecimentos, ela acrescentou: “A
problemas para Chagnon no mundo respeito da guerra nós não devemos dizer
acadêmico, chegando até a serem ridicu- que os povos nativos travam guerras entre
larizadas. As razões para isso estavam na si e matam uns aos outros. As pessoas vão
teoria antropológica dos anos 1960, quando ficar com uma impressão errada” (2:42).
brigar por mulheres não seria uma expli- Após esta nota sobre a visão preconcei-
cação científica, pois as guerras primitivas tuosa da guerra primitiva nos anos 1960,
deviam-se, de acordo com tal teoria, apenas voltemos a Lawrence Keeley e Steven
à escassez de recursos materiais − alimen- Pinker, com dados mais recentes das
tos, terras, reservas de água etc. −, ou seja, pesquisas etnográficas e arqueológicas.
exatamente pelo que lutavam os povos de Ao contrário do que se pensava até há
países industrializados (2:37). pouco tempo, nas sociedades não estatais
Não se aceitava que a disputa por a guerra era frequente e envolvia grande
mulheres chegasse ao ponto de levar os parcela dos recursos humanos das socie-
homens à guerra, pois a maioria dos antro- dades tribais (6:83).
pólogos acreditava que a cultura era o fator Em seu livro, Keeley apresenta ta-
determinante para a guerra e as lutas (2:38). belas com compilações de dados de
Entre esses antropólogos culturais, sociedades estatais e não estatais e faz
Chagnon menciona o nosso já conhecido uma comparação com dados históricos
Ashley Montagu, o qual, segundo ele, era do Estado-nação moderno no período
pródigo em escrever livros para refutar de 1800 a 1945. A conclusão de Keeley,
raivosamente que fatores biológicos po- apoiada nessas pesquisas, é que o mundo

RMB3oT/2021 39
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

primitivo não era mais pacífico do que estão os seus filhos? Lá estão eles, de
o moderno, pois as guerras eram mais carga às costas, transportando comida,
frequentes nas sociedades não estatais do meus escravos.
que em sociedades estatais (6:97).
Sobre a violência nas sociedades pri- A citação acima, inicialmente men-
mitivas, Steven Pinker menciona as in- cionada por Keeley e depois por Pinker,
cursões tribais violentas pelos ianomâmis, refere-se ao episódio da caçoada do
com a descrição feita por Helena Valero, guerreiro maori após batalha, transcrita
sequestrada em 1930, do massacre de de Maori Warfare (1960), de A.Vayda.
mulheres e crianças capturadas (11:85). Quanto ao canibalismo, podemos dar
Outros fatos, apontados por Pinker, exemplo de nossa História com o que
referem-se ao emprego de armamentos e ocorreu com o Bispo Sardinha, bispo da
ao canibalismo nas sociedades sem estado. cidade de Salvador da Bahia de Todos
Quanto ao armamento, ele cita a utilização os Santos, que tomou posse do cargo em
de armas químicas, biológicas e anti- 1551. Em 1556 foi chamado à metrópo-
pessoais, o que não le, porém o navio
deixa de ser espan- em que viajava nau-
toso para nós e para As descobertas fragou a 6 léguas
aqueles que compar- arqueológicas demonstram do São Francisco,
tem da visão idílica quando, então, o
do mundo primitivo. claramente que não existe Bispo e todos os
Os exemplos são o associação possível entre demais passageiros
uso de veneno em
pontas de flechas ou
guerra e civilização, ou seja, ecapturados tripulantes foram
pelos ín-
de tecidos putrefatos de que foi a civilização que dios Caetés.
para infeccionar os nos trouxe a guerra Transcrevemos,
ferimentos (11:84). a seguir, o relato
O canibalismo desse fato como re-
foi comum na pré-história, segundo gistrado por Simão de Vasconcellos, em
mostra a arqueologia forense (11:86). Chronica da Companhia de Jesus de
De acordo com o relato feito por um dos Estado do Brasil5:
primeiros missionários na Nova Zelândia,
um guerreiro maori, ao caçoar da cabeça Em uma enseada, junto a este Rio,
preservada de um chefe inimigo, disse alguns anos depois, sucedeu o triste
(11:86,87): desastre do naufrágio do Bispo D.
Pedro Fernandes Sardinha, primeiro
Você queria fugir, não é? Mas mi- Bispo do Brasil, que, dando nela à
nha clava de guerra o pegou. E depois costa, foi cativo dos índios Caetens
de cozido você virou comida para a cruéis e desumanos, que conforme o
minha boca. E onde está seu pai? Foi rito de sua gentilidade, sacrificaram à
cozido. E onde está seu irmão? Foi gula, e fizeram pasto de seus ventres,
comido. E onde está a sua mulher? Ali não só aquele santo varão, mas tam-
sentada, uma mulher para mim. E onde bém a centena e tantas pessoas, gente

5 Disponível em: pt.wikipedia.org. Acesso em: 11 fev. 2021.

40 RMB3oT/2021
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

de conta, a mais dela nobre, que lhe que não se devia eliminá-las, mas sim com
faziam companhia voltando ao Reino a possibilidade de dirigi-las de modo a
de Portugal. não se chegar à guerra. A maneira de se
Vasconcellos, Simão de. Chronica conseguir isso é pela evolução cultural ou
da Companhia de Jesus de Estado do processo civilizatório.
Brasil (...). Lisboa: na officina de Hen- O processo civilizatório é um longo
rique Valente de Oliveira impressor del caminho, cheio de percalços, avanços
Rey N.S, 1663, Livro I, no 46, p.32. e recuos. Sem dúvida, o impacto pro-
vocado pela Grande Guerra levou ao
O autor deste artigo tomou conheci- questionamento de “Por que a guerra?”,
mento do episódio acima relatado quando guerra que se desenrolou, com todo o seu
cursava o antigo ginásio, que hoje integra horror, quando a civilização ocidental já
o Ensino Fundamental. Tenho dúvidas se, alcançara extraordinários feitos em sua
nestes tempos do “politicamente correto”, evolução cultural.
os nossos livros de História do Brasil A agressividade é um componente
fazem menção a ele. intrínseco à natureza humana. Ela per-
As descobertas arqueológicas demons- mitiu à nossa espécie sobreviver diante
tram claramente que não existe associação de inúmeros “inimigos” naturais. Se isso
possível entre guerra e civilização, ou seja, nos tornou predadores de outras espécies,
de que foi a civilização que nos trouxe é uma outra discussão.
a guerra. Os achados arqueológicos, Os seres humanos desenvolveram, em
juntamente com análises antropológicas toda a sua existência, uma complexa rede
isentas, provam exatamente o contrário. de relações sociais, as quais são difíceis de
Em adição aos exemplos já citados, analisar e de reduzir a interações simples
mencionaremos apenas o massacre de e diretas:
Talheim, na Alemanha, ocorrido em 5.000 − Somos sempre agressivos? A res-
a.C., em que os corpos de 18 adultos e posta é não.
crianças foram atirados em cova coletiva. − A agressividade está presente, em
Não há registro conhecido da existência mesmo nível, em todos os seres huma-
de qualquer civilização ou Estado nesse nos? A resposta também é não; o com-
período histórico, em qualquer lugar de portamento agressivo pode ser reduzido.
nosso planeta (6:159). Além disso, temos exemplos de povos
Dessa forma, só podemos concordar pacíficos que desenvolveram relaciona-
com Lawrence Keeley: o bom selvagem mentos com outras comunidades também
não passa de um mito do bom selvagem. de maneira pacífica.
− A agressividade humana é inata e é
CONSIDERAÇÕES FINAIS ela que provoca as guerras? Sim, é inata,
mas se é que dá início ou é o principal fator
A eliminação das tendências agressivas motivador que nos leva à guerra é uma per-
das pessoas não é uma opção para que os gunta ainda não completamente respondida,
seres humanos evitem a guerra. Esse tipo apesar dos inúmeros esforços para fazê-lo.
de solução autoritária, além de ser difícil − A agressividade humana pode ser
(quase impossível) de implementar, só tra- contida ou, pelo menos, diminuída? Sim,
ria mais problemas e agravaria conflitos. o processo civilizatório poderá contribuir
Tanto Einstein como Freud concordam para isso.

RMB3oT/2021 41
GUERRA E AGRESSIVIDADE HUMANA

Os seres humanos, desde o início da suas restrições às leis naturais? Enfati-


existência de sua espécie – Homo Sapiens camente não! As sociedades primitivas
– eram pacíficos e se tornaram agressivos (povos sem estado) não eram pacíficas,
devido à formação das sociedades com muito pelo contrário. Esse foi um mito!

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PSICOSSOCIAL>; Antropologia; Comportamento; Sociologia; Violência.
<GUERRAS>; Guerra; Guerra Psicológica; Revolta;

BIBLIOGRAFIA

1. ARONSON, Elliot. The Social Animal. New York: Worth Publishers/WH Freeman and Com-
pany. Eight Edition, 1999.
2. CHAGNON, Napoleon A. Nobres Selvagens: minha vida entre duas tribos perigosas − os
ianomâmis e os antropólogos. São Paulo: Três Estrelas, 2014.
3. FREUD, Sigmund & EINSTEIN, Albert. Porquê a Guerra? Reflexões sobre o destino do mundo.
Lisboa, Portugal: Biblioteca 70, setembro de 2017.
4. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin Classics Companhia das
Letras, 2011.
5. GOODALL, Jane. Uma janela para a vida: 30 anos com os chimpanzés da Tanzânia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
6. KEELEY, Lawrence H. A guerra antes da civilização: o mito do bom selvagem. São Paulo: É
Realizações, 2011.
7. LORENTZ, Konrad. On Aggression. New York: MJF Books, 1966; Press, 1968.
8. MONTAGU, Ashley. A natureza da agressividade humana. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
9. MONTAGU, Ashley (ed). Man and Aggression. New York: Oxford University Press, 1968.
10. NELSON, Keith L. & OLIN Jr, Spencer C. Why War? Ideology, Theory and History. Berkeley
and Los Angeles, California: University of California Press, 1979.
11. PINKER, Steven. Os anjos bons da nossa natureza: Por que a violência diminuiu. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013.
12. STORR, Anthony. A agressão humana. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

− Por que a guerra?: das batalhas gregas à ciberguerra – uma história da violência entre os
homens. Organização: Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schuster Souza Leão, 1a
ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
− O desafio da guerra: dois séculos de guerra, 1740-1974, Gaston Bouthoul e Rene Carrère. Rio
de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1979.
− Uma herança incômoda: genes, raça e história humana. Nicholas Wade. São Paulo: Três
Estrelas, 2016.

42 RMB3oT/2021
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

MILTON SERGIO SILVA CORRÊA*


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

Introdução
Armando Vidigal e Gama e Silva
Aécio Pereira de Souza – comandante do NT Garcia D’ Ávila
Comando da Flotilha do Amazonas − CF Paulo Irineu Roxo de Freitas
Comando da Corveta Bahiana − CC Francisco Antônio Reis
Novo comandante da Flotilha do Amazonas
Novo comandante da Bahiana
Flotilha do Amazonas – Assistência às Populações

INTRODUÇÃO gigantesca Bacia do Solimões/Amazonas


oferece diversidade sobre meio ambiente,

A curiosidade é constante quando se


trata da Amazônia. Conhecedores ou
não, moradores ou não, “amazônidas” ou
clima, pluviosidade, fauna, flora, umidade
e temperatura, entre outros fatores.
O rio, desde as cabeceiras na Cordi-
não, sempre se manifestam com dúvidas lheira dos Andes, percorrendo milhares de
quando tentam formular afirmações ou quilômetros, acolhendo águas de afluentes
negativas sobre a imensa e plural região. A diferenciados, até o despejo no Atlântico,

* Foi chefe de Máquinas da Corveta Bahiana, do Navio-Transporte de Tropas Barroso Pereira e do Navio
Mercante Siderúrgica Nove (na greve dos marítimos, em 1962/3); imediato do Rebocador de Alto-
-Mar Tridente e do Contratorpedeiro (CT) Espírito Santo; comandante do CT Marcílio Dias; delegado
da Capitania em São Francisco do Sul e capitão dos Portos do Paraná. Serviu na Revista Marítima
Brasileira por 20 anos.
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

tem um caudal impressionante. O territó- Remissivo completo, desde o primeiro


rio abriga variada população, não nume- exemplar, que data de 1851, aprendi,
rosa, nem sempre aparentada, com usos e registrei e gravei o muito que articulistas
costumes díspares. Não é possível afirmar trouxeram até todos nós. Ousei, assim,
conhecimento pleno, pois as mudanças oferecer aos nossos leitores este relato que
são constantes, iludindo quem amealhe apresenta alguns tópicos, não únicos, mas,
dados e fatos para tentar coordená-los. sem dúvida, relevantes. A nossa Marinha
Cientistas, técnicos, políticos, escri- do Brasil tem muito o que mostrar em
tores e historiadores sempre têm emitido sua importante, inegável e ponderável
novas ideias e constatações a respeito participação.
da região. Absorvi alguns textos que
chegaram a mim, desde a primeira vez ARMANDO VIDIGAL E
em que frequentei a Amazônia, na via- GAMA E SILVA
gem de guardas-marinha de 1959, e me
entusiasmei ao contemplar a beleza e a Dois almirantes, ambos manauaras,
exuberância da mata, do rio, do horizonte, se destacaram na carreira e no cenário
do cenário ciclópico. brasileiro e marítimo: um analista, crítico
O Museu Emílio Goeldi e o Jardim e estrategista, talentoso e estudioso – Ar-
Botânico de Belém, que visitei com mi- mando Amorim Ferreira Vidigal (1928-
nha família em 1964, quando para lá fui 2009); o outro, Roberto Gama e Silva
transferido e comissionado na Flotilha (1929-2014), era perscrutador, político,
do Amazonas, obrigaram-me a conhecer pesquisador, defensor de nossos bens e
mais e mais. Não foram tantas as publica- exímio escritor, tal como Vidigal.
ções e os livros consultados, porém, entre Ambos abordaram o tema Amazônia
estes, chamou-me a atenção, àquela época, como articulistas da RMB, nos brindando
um escritor ímpar e prolífico: Arthur Cesar com páginas de lucidez e acertos, expondo
Ferreira Reis (1906-1993), governador do e demonstrando o que era conveniente fa-
Amazonas de 1964 a 1967, historiador, zer para o desenvolvimento da região, por
humanista, manauara, autor de mais de vezes em oposição ao praticado pelos go-
40 livros. Ele mostrou ao Brasil e ao vernantes de todos os níveis – do federal ao
mundo inúmeros aspectos da Amazônia municipal, do Executivo e do Legislativo.
sobre história, geopolítica, recursos da A dilapidação de recursos minerais
região, povo, índios, fauna e flora. Foi, ficou evidente, por exemplo, com a cons-
possivelmente, o mais completo narrador tatação de que a Serra do Navio, no Ama-
sobre a região. pá, se transformou quase em um buraco
Mas o assunto é amplo, e muitos são na terra. Este lamentável e triste episódio
os personagens que participaram da di- foi denunciado por Gama e Silva em dois
vulgação de estudos e teses oferecidos livros: São mesmo nossos os minerais
à sociedade, como pude vislumbrar no não energéticos? (1985) e O entreguismo
decorrer da vida profissional e privada, dos minérios (1988). Sobre este último
ao longo de tantos anos, até ter ampliado título, vale narrar o que aconteceu com
o conhecimento, quando pertenci – com a editora e a publicação. A Tché Editora
honra e privilégio − ao Corpo Editorial Ltda (Editor: Edgardo Xavier), ao iniciar
da Revista Marítima Brasileira (RMB). a distribuição para o Brasil, teve todos os
Na nossa revista, ao elaborar o Índice livros comprados, bem como a própria

44 RMB3oT/2021
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

editora, e após algum tempo esta foi fe- AÉCIO PEREIRA DE SOUZA –
chada. Poucos exemplares chegaram às COMANDANTE DO NT GARCIA
mãos de Gama e Silva, que os distribuiu D’ ÁVILA
para amigos e colaboradores (cerca de 40).
Recebi um exemplar do próprio autor após Mas a participação de oficiais da
conversa reservada na sede da RMB. Ele Marinha continuou: o Capitão de Cor-
me relatou que havia retirado certidões veta Aécio Pereira de Souza, que foi
nos cartórios do Rio e de São Paulo para comandante do Navio-Tanque (NT)
comprovar o que afirmara e se precaver Garcia D’Ávila, lançou, em 2000 (Razão
de possíveis processos movidos por aque- Cultural Editora), o livro Fronteiras da
les que denunciara no livro. Eram e são Amazônia – uma guerra silenciosa. O
empresas poderosas e muito ricas. Seus acadêmico Murilo Melo Filho prefaciou
proprietários são influentes no País e no a obra, tendo afirmado: “O que melhor
exterior, donos de conglomerados domi- surge nestas páginas é o cenário da Ama-
nantes em negócios e na mídia. O “poder zônia, com sua floresta ciclópica, seus rios
absoluto” (como tal, corrupto) comprou caudalosos, suas fronteiras indefesas, seus
a tiragem quase inteira, não permitindo habitantes esquecidos, suas febres fatais,
chegar à sociedade “a divulgação de seus índios desamparados, suas feras
manobras venenosas, contendo uma infi- perigosas, seus mistérios insondáveis,
nidade de exemplos estarrecedores, capaz sua mata espessa, sua selva desafiadora,
de sacudir a opinião pública contra abusos sua escuridão absoluta, suas riquezas
praticados: autênticos crimes de lesa- inexploradas, seu ecossistema ameaçado.
-pátria” (trecho da quarta capa do livro). (...) Tudo isto envolvido num caldeirão
Antônio Carlos de Andrada Serpa de contrabando de madeiras, de peles, de
prefaciou este livro, conclamando o País ouro, de pedras preciosas e de sementes,
para defesa dos nossos minérios. Antônio (...) agravado com a corrupção, o desvio
Ermírio de Morais assinou o prefácio de de verbas e a exploração dos seringalistas.
São mesmo nossos os minerais não ener- (...) ao longo de um lustro, que ressalta
géticos?, escrevendo que “queremos ser de cada página deste relato, do qual nem
uma terra de homens comprometidos com sei o que mais admirei: se a autoridade
o futuro e com as gerações vindouras”. do narrador; se o seu texto escorreito e
Ouso dizer que as teses e conclusões límpido; se o seu cuidado na evocação de
de Gama e Silva podem, sem exagero, nomes e lugares; se o seu depoimento de
ser comparadas às que Monteiro Lobato testemunha presente e participante. Um
expôs em seu O escândalo do petróleo livro imperdível”.
(Companhia Editora Nacional, 1936). Aécio dedicou seu “humilde traba-
Nesta obra, Lobato narrou o seu empenho lho aos hansenianos que, abandonados
em descobrir o nosso óleo combustível, por todos, vivem na selva, a mais cruel
mas que acabou derrotado pelos inte- de todas as provações. À memória dos
resses de grupos estrangeiros, apoiados soldados do Pelotão de Fronteira do Içá,
pelo Governo Vargas. Algumas edições dizimados pelas febres, ignorados pelas
circularam nos anos de 1936 e 1937, até autoridades deste País, e que permanecem
sua proibição pelo Estado Novo, só retor- em seus postos, na região mais pestilenta
nando ao mercado editorial com a abertura do mundo, até a morte. Aos marinheiros
do regime político, em 1945. do Navio-Tanque Garcia D’Ávila, que

RMB3oT/2021 45
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

com denodo e empenho permitiram que adequada aos culpados. As famílias das
transcendêssemos da Missão Militar para vítimas nada receberam como compensa-
uma outra, tão ou até mais importante ção, nem escusas por parte dos governos,
do que a primeira, a Missão Social de nem reconhecimento por ato simbólico.
assistência médica e medicamentosa às O Capitão-Tenente Aécio, no seu
populações ribeirinhas da Amazônia.” comando, realizou muitas viagens, des-
O Capitão-Tenente Aécio chegou de 1949 até 1954, e, por sua iniciativa
à região em 1949 para ser imediato da junto ao Comando do Distrito Naval,
Corveta Carioca, mas por circunstâncias iniciou a assistência constante e regular
materiais, isto é, inoperância das caldeiras às populações ribeirinhas, com médicos
da corveta, o comandante do 4o Distrito e dentistas. Da verba destinada à alimen-
Naval (Belém-PA) resolveu nomeá-lo tação, com absoluta concordância de sua
comandante do Navio-Tanque Garcia tripulação, em ato solidário de espíritos
D’Ávila, que tinha a tarefa de acompanhar elevados, reservou metade para sua
e dar apoio às corvetas em suas operações tripulação e a outra para adquirir e doar
de patrulha. alimentos aos ribeirinhos.
Quem teve o prazer e o privilégio de ler
A catástrofe do Navio-Gaiola Ajudante Aécio não pôde deixar de se surpreender e
emocionar pelos relatos que fez ao entre-
Três corvetas da classe Carioca ha- vistar moradores, seringalistas, doentes,
viam sido transferidas para a Flotilha do pescadores, índios e tantos outros. Muitos
Amazonas como resposta da Marinha e desses personagens foram responsáveis
do País ao incidente catastrófico com o pela manutenção de nossa soberania,
Navio-Gaiola Ajudante, do Serviço de Na- contrapondo-se a invasões estrangeiras
vegação da Amazônia e da Administração e atos de agressão, revelando a real e
do Porto do Pará, ocorrido na noite de 4 antiga cobiça internacional sobre nosso
de julho de 1949. O navio foi metralhado território. Há vários episódios relevantes
no Rio Solimões por moderna canhoneira e merecedores de atenção, reflexão e
colombiana, o que resultou no seu afunda- correspondente ação. Aécio, com tristeza,
mento e na morte de 112 pessoas das 120 manifesta alguns exemplos de desgoverno
que estavam a bordo. Pouca divulgação se e pouco caso de dirigentes de entidades
deu ao fato, e o Ministério das Relações governamentais e privadas. Escreve sobre
Exteriores recebeu as desculpas e expli- a importância devida ao prático dos rios,
cações do Governo de Bogotá, entre as com sua humildade e pobreza, sua com-
quais as de que a tripulação era formada petência, perícia e dedicação.
por soldados de cavalaria, incompetentes
e ignorantes em assuntos navais e que COMANDO DA FLOTILHA
estavam completamente bêbados. DO AMAZONAS − CF PAULO
Em Manaus, o povo revoltado amea- IRINEU ROXO DE FREITAS
çou destruir a sede do Consulado colom-
biano e linchar o cônsul e sua família. O O assunto praticagem serve para trazer
Exército Brasileiro fez a devida proteção, à baila outro personagem com primordial
evitando que um mal maior acontecesse. importância na ambiência amazônica.
A surpreendente e triste catástrofe não Aqui se sobressai um comandante da Floti-
teve consequências maiores, nem punição lha do Amazonas: Capitão de Fragata (CF)

46 RMB3oT/2021
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

Paulo Irineu Roxo de Freitas (depois vice- oficiais da Bahiana1 como navegar noite
-almirante). Aproveitando o conhecimento e dia nos rios em que realizamos nossas
dos práticos dos rios, passou a copiar em comissões: Amazonas, Solimões, Javari
rascunho o caminho que as corvetas da e Madeira, além de parte do Canal Norte
classe Imperial Marinheiro percorriam do Amazonas.
na calha principal – Amazonas e Solimões Na primeira viagem, ao chegarmos à
− e nos afluentes, desde Belém até as Baía das Bocas, a qual tinha este nome
fronteiras com a Colômbia e o Peru, em porque, sendo muito ampla, apresentava
Tabatinga e Benjamim Constant. Trans- no horizonte várias entradas, o que iludia o
formava os rascunhos em croquis – rolos navegante novato, tínhamos que escolher
de papel mais resistentes que permitiam o acesso ao Estreito de Breves para che-
anotações, rabiscos e correções. Esses gar à calha principal no Rio Amazonas,
croquis nem sempre representavam a reali- contornando a Ilha de Marajó. O croqui
dade do momento, diante das alterações de indicava um farolete difícil de ser visto
bancos de areia, não tão constantes como de dia, na entrada do estreito. O Coman-
alguns gostam de afirmar. Outros dizem dante Reis o identificou para nós e, após
que os encalhes são frequentes e normais, entrarmos em Breves/Boiussu, mandou
com o que não concordo, por experiência que ficássemos no passadiço com as vigias
própria na Corveta Bahiana. Depois de fechadas, como se fosse de noite, e que
editados os croquis, os práticos não mais usássemos o croqui, ouvindo o marinheiro
foram utilizados pelos navios da Flotilha. no ecobatímetro, que “cantava” a profun-
O Comandante Roxo de Freitas em- didade, e consultássemos o radar, para
barcava na corveta e participava da fei- que então determinássemos ao timoneiro
tura dos croquis. Não retornava a Belém, o rumo a seguir. O comandante ficou no
pois ordenava que outra corveta viesse tijupá para corrigir eventuais erros nos-
encontrá-lo nos estreitos e iniciava a con- sos, que não houve. Foi realmente um
fecção de outro croqui, já no outro navio; “batismo” importante. Esta travessia dos
deste modo, ficava em viagem cerca de estreitos demorava cerca de 24 horas e
quatro meses. exigia atenção redobrada diante estreiteza
do rio, mudando o rumo quase a cada mi-
COMANDO DA CORVETA nuto para que não encostássemos no fundo
BAHIANA − CC FRANCISCO ou na margem, passando muito perto das
ANTÔNIO REIS árvores, com velocidade de 10 nós. Havia
uma passagem difícil – na Ilha de Vira
Cabe citar outro importante persona- Saia – que sempre trazia profundidade de
gem: Capitão de Corveta (CC) Francisco 0,5 metro abaixo da quilha, ou até menos,
Antônio Reis, comandante da Corveta obrigando-nos a “cheirar” (procurar maior
Bahiana. Ele foi auxiliar de Roxo de profundidade), buscando não encostar
Freitas antes de assumir o comando. Fran- no fundo. Mas nunca encostamos. Nós
cisco Reis ensinou ao imediato e aos três quatro – eficientes, com muito orgulho

1 N.A.: Imediato – Capitão-Tenente (CT) Osmar Reis da Silva; chefe de Máquinas – CT Milton Sergio Silva
Corrêa (o autor); encarregado do Convés – CT Gaspar de Souza Dias; e gestor – Primeiro-Tenente
Nelson Gallo. Também embarcavam o médico CT José de Santa Helena Correia, do Hospital Naval de
Belém, e o dentista José Alconir, da Prefeitura de Manaus. Ambos se integraram muito bem conosco,
participando ativamente da praça-d’armas e dos serviços a cumprir a bordo.

RMB3oT/2021 47
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

− dávamos serviço em viagem e mantí- prestar assistência médica e odontológica


nhamos um ambiente muito bom, de real às populações.
companheirismo, um ajudando o outro. No Javari fomos surpreendidos por
Nessa primeira viagem − como de- um pescador de jacaré que tivera o pu-
pois foi rotineiro − nos abastecemos, em nho mordido quando caçava. O médico
Santarém, da água potável muito pura e e o dentista constataram gangrena no
límpida do Rio Tapajós, prosseguindo braço. Fizeram o que puderam e manda-
para Manaus. Neste porto, recebemos ram seguir viagem para Manaus; depois
materiais e mantimentos para o Pelotão soubemos que ele havia perdido parte
do Exército de Estirão do Equador, no do braço, até o antebraço, mas foi salvo
Rio Javari, fronteira viva com o Peru. pela providencial ação a bordo. O mau
Suspendemos e subimos um pouco no Rio cheiro da gangrena infestou o navio por
Negro, até ultrapassarmos o leprosário, algumas horas.
na margem do rio, e fizemos aguada tal No Estirão do Equador, o Comandante
como no Tapajós. A água era boa, não Reis mandou que eu atracasse no bar-
tão clara, mas potável e perfeita para usar ranco, para minha surpresa, ainda mais
em caldeiras, como fiz alguns anos depois por ser a minha primeira atracação na
em navio-transporte. Seguimos para o Rio Marinha. Fiz emendar espias para amarrar
Javari fazendo paradas em Coary, Alva- em árvores distantes, larguei o ferro de
rães, Tabatinga, Benjamin Constant, São boreste, por segurança e para facilitar a
João, Conceição e Atalaia do Norte, para desatracação, e passamos a descarregar.

Corveta Bahiana, fundeada no Rio Javari, durante abastecimento de pelotão do Exército


na fronteira com o Peru, em 1965

48 RMB3oT/2021
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

Um jipe foi desembarcado


usando o pau de carga e
alguma carga mais pesada.
Tudo correu bem. Consta-
tamos como aqueles mate-
riais serviriam aos homens
do Pelotão e também às
suas famílias. O óleo diesel
duraria alguns meses – o
gerador funcionava do en-
tardecer até 23 horas.
O Tenente Gallo apre-
ciava tirar fotografias, ten-
do focalizado a Bahiana Placa com dedicatória oferecida ao autor por ocasião de seu
com rara felicidade, em desembarque da Bahiana
foto aqui mostrada e que,
mais tarde, o Serviço de Relações Públi- Javari. Apreciamos a beleza do Madeira
cas distribuiu como modelo das corvetas e suas margens, com algumas plantações,
Imperial Marinheiro, em cartazes. evidenciando maior desenvolvimento dos
O Comandante Reis mandou preparar moradores. O Madeira era considerado “o
para suspender, pois o nível da água do rio mais rico”.
Javari baixou rapidamente naquelas 36 ou
48 horas. Lembrou do perigo de ficarmos NOVO COMANDANTE DA
sem água para dali sair – era um repiquete. FLOTILHA DO AMAZONAS
Eu estava de serviço naquela manhã, e ele
ordenou que eu fosse adiante para encon- O novo comandante da Flotilha era o
trar largura maior no rio a fim de inverter Capitão de Fragata Eugênio Marques Ro-
o rumo. Manobrei duas ou três vezes sem drigues Frazão. Continuou com o mesmo
sucesso; com o apoio do comandante, empenho de Roxo de Freitas na elaboração
consegui inverter o rumo e desci o rio com dos croquis e, tal como seu antecessor,
dificuldade, pois realmente se reduzira o viajava nas corvetas. Auxiliava nas tarefas
nível e tivemos 0,2 metro a 1 metro abaixo de bordo como ótimo oficial que era, além
da quilha, até chegarmos à foz do afluente de se integrar conosco na praça-d’armas,
Curuçá, cerca de três horas depois, quando assim como na Vila dos Oficiais da Base
pudemos navegar com mais de 1,5 e 2 Naval de Val de Cães, mormente nos
metros, para nosso alívio. Na fotografia esportes. Anos mais tarde, promovido a
do Tenente Gallo pode ser observada, na vice-almirante, exerceu o cargo de coman-
margem, a marca da água. Outro “batis- dante do 4o Distrito Naval e, na reserva,
mo”! Mas um oficial passa a se sentir mais radicou-se no Pará, quando foi presidente
competente e confiante, absorvendo lições do Serviço de Navegação da Amazônia.
do seu comandante. Ele lembrava sempre O Comandante Frazão foi substitu-
que cautela era primordial. ído, em 1966, pelo Capitão de Fragata
A comissão seguinte foi para o Rio Marcello Ramos e Silva (depois vice-
Madeira, até Porto Velho. Constatamos a -almirante). Em sua gestão foram, pra-
precisão do croqui, tal como feito no Rio ticamente, concluídos os croquis para

RMB3oT/2021 49
AMAZÔNIA INCOMPARÁVEL

navegação na Amazônia pela corvetas FLOTILHA DO AMAZONAS –


Imperial Marinheiro. ASSISTÊNCIA ÀS POPULAÇÕES

NOVO COMANDANTE DA A Flotilha do Amazonas teve sua


BAHIANA sede transferida para Manaus em 1974,
e as quatro corvetas foram substituídas
O Comandante Francisco Reis foi por cinco navios-patrulha fluviais, bem
substituído pelo Capitão de Corveta Da- projetados e construídos para a região
nilo José Barbosa, pouco experiente em pelo Arsenal de Marinha do Rio de Ja-
navegação na Amazônia. neiro. Foram dois maiores com calado
O navio foi designado para fazer o cro- de 2,4 metros (quase metade do das
qui do Rio Içá/Putumayo em maio/junho de corvetas), convés de voo e hangar para
1965. Nesta comissão, o imediato, Capitão- helicóptero, tripulação menos numerosa,
-Tenente Osmar, estava em férias; assim, dois eixos, hélices protegidos e ótima
tivemos sobrecarga manobrabilidade.
nos serviços, agra- Os três menores têm
vada por doença do A Marinha ampliou muito calado inferior a 1,5
Comandante Danilo. metros, mas não têm
Mas conseguimos
sua missão social na convés de voo. Pas-
fazer o croqui até Amazônia desde meados do saram a frequentar
que a profundidade século XX. Hoje há quatro afluentes “nunca
do rio nos permitis- dantes navegados”.
se segurança para navios-hospitais para A Marinha am-
não encalhar. Chega- assistência às populações pliou muito sua mis-
mos a ter 0,5 metros são social, e hoje
abaixo da quilha por
ribeirinhas há quatro navios-
tempo demasiado, -hospitais para as-
mas retornamos, conferindo a justeza do sistência às populações ribeirinhas, tal
primeiro croqui feito naquele rio. como o pioneiro Comandante Aécio
O Içá corre em território nacional ini- Pereira de Souza firmou, em meados do
cialmente, depois entra na Colômbia já século XX, como política a ser seguida
com o nome de Putumayo e, em seguida, pela Marinha do Brasil.
serve como linha divisória entre a Co- Não é demais recordar que o governo
lômbia e o Peru. Navegamos alguns dias brasileiro, em 1968, instituiu o Projeto
nessa divisa; quase não vimos moradores Rondon, como magnífica resposta aos an-
nas margens. Não pudemos constatar a in- seios nacionais e em consonância com às
formação sobre a pestilência da região que missões patrióticas que Marinha, Exército
o Comandante Aécio citou no seu livro. e Força Aérea desempenham na Amazônia.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ÁREAS>; Amazônia;

50 RMB3oT/2021
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS
CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

CLAUDIO DA COSTA BRAGA*


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

Como as novas tecnologias podem influenciar na continuidade


do desenvolvimento do Programa SisGAAz
Evolução das capacidades de defesa no mar
Conclusões

COMO AS NOVAS TECNOLOGIAS Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Gal-


PODEM INFLUENCIAR vão, Embraer, Iesa, Odebrecht, Engevix e
NA CONTINUIDADE DO outras, sendo que algumas delas chegaram
DESENVOLVIMENTO DO a obter, junto ao Ministério da Defesa
PROGRAMA SisGAAz (MD), a certificação de Empresa Estraté-
gica de Defesa (EED). Isso decorrente da

P odemos destacar que o Programa


(Projeto) Sistema de Gerenciamento
da Amazônia Azul (SisGAAz) contribuiu1
divulgação, pela Marinha do Brasil (MB)
do custo total do SisGAAz, em torno de
R$ 14 bilhões.
para o surgimento de diversas subsidiárias O Programa SisGAAz foi estabelecido
de grandes empresas nacionais com dedi- orientado para a integração de diversos
cação em assuntos de defesa, tais como: projetos individualizados que englobam

*Superintendente do Sistema de Comunicações da Marinha na Diretoria de Comunicações e Tecnologia da


Informação da Marinha. Autor de vários livros, com destaque para: A Guerra da Lagosta, O Último Baile
do Império, 1910 – O fim da Chibata – Vítimas ou algozes? e Tamandaré nas Guerras da Independência
e Cisplatina. Titular da Cadeira 76 do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).
Artigo vencedor do Concurso Almirante Jaceguay – 2019.
1 Várias empresas foram estimuladas pelo Governo a atuar na área de Defesa, tendo sido o Sistema Integrado
de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) um dos primeiros projetos de incentivo.
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

uma variedade de tecnologias. Essa com- progresso tecnológico nacional, o siste-


plexidade tecnológica para o desenvolvi- ma deve ser desenvolvido no Brasil de
mento do Programa deve-se à: modo que a Base Industrial de Defesa
1. multiplicidade de tecnologias envol- (BID) nacional seja usada preferencial-
vidas no seu desenvolvimento, principal- mente, ainda que alguns componentes
mente quanto à integração dos sensores a possam ser adquiridos no exterior. Logo,
serem instalados; espera-se que se estabeleça uma indústria
2. abrangência da área a ser monito- nacional de Defesa como um dos eixos
rada; estruturantes para que possa ser asse-
3. integração dos sistemas já existentes gurado o atendimento das necessidades
(legados); de tecnologia sob domínio nacional na
4. demanda necessária de estrutura implementação do SisGAAz.
especializada de suporte logístico para Equipamentos a serem considerados:
transporte, implantação dos sistemas e ca- a) Radares – Para os radares a serem
pacitação técnica dos recursos humanos; e empregados, deve ser levada em conta
5. interação dos componentes da Tec- a especificação já estabelecida por ins-
nologia da Informação e Comunicações tituições internacionais que tratam do
(TIC) com o componente humano. Controle de Tráfego de Embarcações,
As novas tecnologias devem prover ao tipo VTS (Vessel Traffic System). Esses
SisGAAz capacidade de conectividade, radares estão sempre em atualizações, per-
criptologia, Comando e Controle (C2), mitindo, inclusive, a sua operação remota.
Sensores e Segurança da Informação A capacidade de detecção, na prática,
Digital (SID). O programa exigirá uma dependerá de vários fatores, tais como a
robusta e segura rede de computadores e área da seção reta dos alvos, condições
de comunicações para permitir sua inte- meteorológicas, estado do mar, altura da
ração sistêmica por instituições públicas antena e outras variáveis.
e privadas, caracterizando uma porção b) Câmeras – Modernas tecnologias
estratégica do espaço cibernético2 sem aplicadas a esses sensores nos permitem
fronteiras delimitadas. dispor de equipamentos que operam nos
Assim, destaca-se o conceito de Defesa espectros visual, infravermelho e outros.
Cibernética como o conjunto de ações Possuem recursos de autolimpeza, resis-
defensivas, exploratórias e ofensivas tência a ambientes de corrosão marinha,
realizadas no espaço cibernético dentro lentes que possibilitam a execução de
de um planejamento nacional de nível zoom de alta intensidade sobre alvos de
estratégico coordenado e integrado, com interesse, operação remota e outros.
as finalidades de proteger os sistemas de c) Comunicações – Recursos de co-
informação, obter dados para a produ- municações deverão ser especificados
ção de conhecimento de inteligência e considerando-se as localizações dos sítios
comprometer a eficácia de sistemas de de sensoriamento, acesso à Rede de Comu-
informação do oponente. nicações Integradas da Marinha (Recim),
A fim de garantir a perenidade na faixa de frequência de operação, potência,
sua operação e servir de estímulo para o largura de banda necessária para trans-

2 Espaço cibernético – Espaço virtual, composto por recursos computacionais conectados ou não em redes,
em que as informações digitais transitam e são processadas e/ou armazenadas.

52 RMB3oT/2021
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

missão das informações detectadas pelos dispor de apenas um sensor de dimensões


sensores (radares, câmeras etc.) e outras. reduzidas. Por meio de um tablet, a tripu-
d) AIS – Sistema de Identificação lação das embarcações poderá ter acesso
Automática. às informações do Console Scua e com
e) Console Scua – Equipamento de- ele trafegar; e
senvolvido pelo Instituto de Pesquisas da − Módulo Extrator Automático de
Marinha (IPqM) e instalado, no momento, Alvos – este módulo permite a extração
no Navio-Patrulha Oceânico Apa. Tal automática de acompanhamento do radar,
console pode integrar os sensores de bordo bem como a exibição do vídeo bruto do
– radar −, GPS, AIS, anemômetro, ecoba- mesmo. Para isso, o radar deverá dispor
tímetro, hodômetro, giro e o enlace sateli- de módulos adequados que permitam essa
tal (Siscomis, SGDC etc.) que porventura extração. Esses módulos são compostos
possua, passando, assim, a ter capacidade por computadores e placas de hardware
de alimentar os centros em terra, coletores já desenvolvidos pelo IPqM.
das informações, além de poder receber Um outro requisito a ser atendido pelo
informações relativas à área de interesse. Console Scua é que ele tenha uma versão
Esse console é basicamente composto de portátil, de modo a ser transferido e rapi-
um computador com monitor integrado e damente integrado aos sensores disponí-
possibilita a entrada dos diversos sensores veis em um navio qualquer. Isso permitirá
de bordo mencionados acima. a esse meio naval a capacidade de ter
uma Consciência
Situacional Maríti-
ma (CSM) em um
cenário tático que
esteja envolvido.
Além desses re-
cursos, serão neces-
sários: servidores
para processamento
dos dados, climati-
zação, infraestrutu-
ra de rede (switch)
Imagem 1 – Arquitetura de conexão do Console Scua na versão básica e no-breaks. Fun-
cionalidades adi-
Poderá também ter a possibilidade de cionais, considerando o estado da arte,
inclusão de módulos de hardware adicio- também serão necessárias, tais como fusão
nais que lhe agreguem outras capacidades: de dados e de imagens e rastreamento e
− Módulo EAD – permite se interligar classificação baseada na imagem, além
à Rede Tática de Dados, trocando dados de outras que vierem a ser necessárias no
com os sistemas Siconta ou Caais de decorrer da implantação do Projeto Piloto
outros navios; SisGAAz (PP-SisGAAz).
− Módulo LoRaWAN – com este Observamos que a implementação do
recurso, o console pode se interligar com PP-SisGAAz tem tido grande participação
embarcações orgânicas do navio, que não do Instituto de Pesquisas da Marinha,
necessitarão de rádio, mas que deverão caracterizando-se assim a importância do

RMB3oT/2021 53
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

desenvolvimento tecnológico na imple- estabelecidos aspectos legais para incen-


mentação deste significativo projeto. Com tivar o crescimento e o desenvolvimento
certeza, a evolução tecnológica que ocorre da BID, regulando normas de compras,
em todos os recursos aplicáveis a esse PP contratações, desenvolvimento de produtos
irá acarretar maior facilidade de imple- e sistemas de defesa. Define também o
mentação, custos mais acessíveis e, com conceito de Empresa Estratégica de Defesa.
isso, mais facilidade em sua operação. O SisGAAz, como um sistema de siste-
Dentre esses novos recursos tecno- mas, passou a ser um grande incentivador
lógicos que poderão ser aplicáveis no do incremento da BID. A dimensão e a
PPSisGAAz, destacamos: complexidade do Programa SisGAAz
− radares Além do Horizonte (OTH); representam uma oportunidade estratégica
− sensores ativos para monitoramento de imenso valor para as empresas da indús-
costeiro; tria de Defesa, incluindo as estrangeiras,
− sensores óticos e termais para moni- em parceria com empresas brasileiras.
toramento ativo; As indústrias estrangeiras oferecem a
− sensores passivos para monitoramen- longa experiência e as várias tecnologias
to costeiro (Mage, AIS); desenvolvidas para o monitoramento e o
− sensores de Elint e Commint; controle de extensas áreas marítimas, simi-
− sistemas de Comando e Controle; lares à Amazônia Azul, com vasta linha de
− sistemas de simulação; costa e importantes linhas de comunicação
− enlaces de comunicação; marítima para o comércio exterior. Essa
− ARP (drones); possibilidade de parceria serviria para
− Segurança da Informação; alavancar o estabelecimento de EED.
− conectividades e redes; e As indústrias de defesa têm procurado
− construção de torres de monitoramento. analisar e entender os objetivos estraté-
Também será necessária a escrituração gicos do governo brasileiro com relação
de legislação específica para construção às indústrias brasileiras de Defesa e ao
de sítios de sensoriamento. domínio nacional de tecnologias críticas.
A Estratégia Nacional de Defesa (END) Dentro deste contexto, espera-se que seja
incentiva a reorganização das indústrias de viabilizada a criação de EED, em parceria
defesa do País, tendo como diretriz o de- com tradicionais empresas estrangeiras
senvolvimento da capacitação tecnológica com o compromisso de transferir tecno-
independente e com domínio nacional, pre- logias críticas já desenvolvidas. O propó-
ferencialmente com emprego dual, militar sito é estabelecer uma presença de longo
e civil. Deve ser voltada para as indústrias termo, que seja eventualmente capaz de
estatais ou privadas, focando no desenvol- desenvolver de forma autônoma novas
vimento tecnológico e econômico do País. tecnologias, com conteúdo nacional, que
Para isso, torna-se importante estabelecer atendam primariamente às necessidades
programas que estruturem e estabeleçam brasileiras e com possibilidades de ex-
uma Base Industrial de Defesa nacional. portação. Sendo assim, há várias possi-
Esta BID deverá ser estruturada em cinco bilidades de parcerias, alavancadas por
pilares fundamentais: científico, tecnoló- programas de Defesa como o SisGAAz,
gico, infraestrutura, industrial e logístico. com empresas brasileiras já existentes.
Por meio da Lei no 12.598/2012, regula- Embora os requisitos e as possíveis
mentada pelo Decreto no 7.970/2013, foram tecnologias do SisGAAz ainda não sejam

54 RMB3oT/2021
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

conhecidos, há perspectivas de que o disciplinas que englobam tecnologias


programa envolverá inúmeros segmentos nas áreas de eletrônica, sistemas de com-
da Base Industrial de Defesa, tais como: putação, TIC, redes de dados, sensores,
comunicações, detecção, sensoriamento enfim, um vasto campo para a renovação
remoto, meio ambiente, desenvolvimento e ampliação do domínio do conhecimento,
e integração de sistemas, construção civil com grandes benefícios para o País.
e treinamento de pessoal. As indústrias de defesa e segurança
Assim, novas soluções tecnológicas no Brasil são incipientes, sendo o País
serão necessárias para o atendimento da um grande importador neste segmento
atual concepção do SisGAAz, a fim de comercial. Espera-se que o SisGAAz seja
mantê-lo atualizado tecnologicamente um grande impulsionador da produção
para o monitoramento e controle das industrial nesta área, incentivando, em con-
Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB). sequência, o processo de desenvolvimento
Da mesma forma, aspectos doutrinários tecnológico no País e, com isso, incremen-
e organizacionais necessitarão progredir, tando ainda mais a produção industrial e o
com a evolução tecnológica imaginada comércio no segmento defesa e segurança,
para a continuidade do SisGAAz. num círculo virtuoso que só tenderá a im-
É de se imaginar os grandes desafios pulsionar o crescimento econômico, com a
que o programa enfrentará nos aspectos abertura dos mercados interno e externo. O
de segurança e defesa cibernética na sua SisGAAz, incentivador de tal processo, aca-
infraestrutura TIC. O Programa SisGAAz bará se tornando o seu grande beneficiário.
se somará a tantos outros como um cata-
lisador do desenvolvimento tecnológico EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES
no País. Entretanto, estará premido pelas DE DEFESA NO MAR
dificuldades para a obtenção de recursos
financeiros para a sua continuação no es- “Lembrai-vos da guerra”
copo idealizado. Podemos, assim, concluir
que haverá uma simbiose entre ampliação Como já descrito em outros capítulos,
de novas tecnologias e a continuidade do a Lei no 12.598/12 considera e define o
desenvolvimento do Programa SisGAAz. SisGAAz como um Sistema de Defesa
Com certeza, a perspectiva do desen- Estratégico para a Defesa Nacional. Ele
volvimento tecnológico é o maior fator de envolverá diversos recursos que, isola-
força do programa. A dimensão e a com- damente ou integrados entre si, proverão
plexidade do SisGAAz representam uma um quadro de CSM que permitirá às au-
oportunidade estratégica de imenso valor. toridades pertinentes estabelecerem uma
A participação de empresas brasileiras e a reação adequada e tempestiva para evitar
associação com empresas estrangeiras com danos maiores ao País. Da mesma forma,
larga experiência no setor permitirão o in- quando em apoio à Salvaguarda da Vida
gresso de novas tecnologias que facilitarão Humana no Mar, permitirá a adequação
a solução de problemas e a continuidade de soluções para prestar o melhor apoio
no desenvolvimento do programa. possível aos sinistrados.
A implementação do SisGAAz tam- Em decorrência dos custos elevados do
bém implicará a demanda por profis- Programa SisGAAz, aliados às restrições
sionais qualificados e capacitados em financeiras que o País atravessa, a Mari-
pesquisa e desenvolvimento de múltiplas nha optou por implementar um sistema

RMB3oT/2021 55
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

mais modesto e que se adequasse à capaci- o emprego de radares de curto, médio e


dade orçamentária da Força, estimulando logo alcances, complementarão a defesa
o que seria definido como Projeto Piloto marítima dos países. Aeronaves para alar-
do SisGAAz. Para adequá-lo, diversos me aéreo antecipado somam-se ao sistema
recursos têm sido estabelecidos e consi- de defesa marítima. Para complementar
derados para participarem de tal sistema. todo esse sistema de defesa no mar, ainda
Os programas estratégicos na área de deverá ser considerada a capacidade de
Defesa são os estimuladores do processo vigilância e reconhecimento oceânico.
de evolução tecnológica e doutrinária em E essa capacidade será provida por um
diversos segmentos do País, em especial sistema de satélites.
para atender às necessidades e capacidades Observa-se que a evolução da capaci-
operacionais das Forças Armadas. Temos dade de defesa no mar estará pautada na
visto exemplos, no que se refere à evolu- evolução tecnológica em todos os recursos
ção das capacidades de defesa no mar, da materiais e sistemas que irão compor tal
mistura de sistemas relativamente simples capacidade. Não podemos deixar de des-
com sistemas de alta tecnologia, aplicados tacar a importância do desenvolvimento
com o foco da negação do uso do mar e do econômico, com geração de empregos e
seu acesso pelo oponente ou a quem não renda para sustentar a evolução da capaci-
tenha o direito ou autorização para fazê-lo. dade de defesa no mar. O SisGAAz, com
Modelos híbridos têm sido emprega- certeza, contribuirá, com relevância, para
dos, combinando mísseis balísticos com o incremento dessa capacidade.
navios para a guerra de superfície; subma- Ressalta-se que o sistema irá gerar uma
rinos de ataque de propulsão nuclear com forte demanda por recursos tecnológicos
convencionais; e navios escoltas, como de última geração, que acarretará uma
fragatas, corvetas e contratorpedeiros, grande pressão no desenvolvimento de
com minas marítimas e navios menores novas tecnologias para os equipamentos
com capacidade antinavio. que serão empregados. Podemos também
No caso aqui aplicado, trata-se de agregar a evolução doutrinária e de pro-
ações de defesa no mar, com foco nas cedimentos que se tornarão necessários e
AJB, na defesa da sua soberania nacional. a decorrente qualificação do pessoal que
Para isso, três tipos de sistemas devem ser vier a trabalhar no sistema.
considerados: mísseis antinavio, mísseis A expressiva evolução tecnológica
antissubmarino e sistema integrado de mundial no setor de armamento e defesa
defesa aérea. tem sido o fator preponderante na evo-
Outros recursos de defesa no mar a lução das capacidades de defesa no mar.
serem empregados seriam vetores anti- Sistemas de combate, de controle de tiro,
navio partindo de aeronaves, aeronaves de mísseis balísticos supersônicos antina-
de caça, submarinos táticos convencio- vio, mísseis de cruzeiro, todos de última
nais e nucleares, os convencionais com geração, têm proporcionado aos países de-
propulsão independente a ar e outros a tentores desses recursos, em especial aos
diesel-elétrico. Uma diversidade de navios litorâneos, maior capacidade de proteção
de pequeno, médio e grande portes irá das suas ZEE. Uma recente tecnologia
compor os recursos empregados pelos pa- eletromagnética para propulsionar os
íses para a defesa da sua Zona Econômica projetis tem permitido o desenvolvimento
Exclusiva (ZEE). Sistemas de alerta, com de armamento com hipervelocidade, com

56 RMB3oT/2021
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

até 7,5 vezes a velocidade do som. Nessas − nova geração de sistema de armas
armas não existe propelente químico, e Phalanx, considerado o único sistema
a velocidade é obtida por meio da tec- de armas de “defesa de ponto” capaz de,
nologia de pulso eletromagnético. São autonomamente, executar suas próprias
os chamados canhões eletromagnéticos funções de busca, detecção, avaliação,
− Railgun −, que, em vez de pólvora, rastreamento, engajamento e destruição;
empregam rajadas de energia eletromag- − mísseis antinavio mais sofisticados
nética. Tais armamentos podem abater tecnologicamente e com maior capacidade
mísseis balísticos, de cruzeiros, aerona- de destruição;
ves de alta velocidade etc. Por disparar − torpedos autônomos intercontinen-
projéteis que voam tão rápido, o alvo se tais, de propulsão nuclear, com armas
desintegra com o impacto. nucleares;
Diversos outros recursos também têm − tecnologia anti-jamming, aplicada
sido alvos de grande evolução tecnológica: em diversos tipos de armamento;
− porta-aviões com catapulta eletro- − sistemas de armas antiaéreo e anti-
magnética, com capacidade de lançar míssil para defesa de ponto;
aeronaves mais pesadas, impraticável − submarinos cada vez mais silencio-
em lançamento pelo skijump. Com isso, sos, com baixo nível de ruídos irradiados,
mais aeronaves poderão decolar em me- novos formatos hidrodinâmicos e maior
nos tempo, aumentando a capacidade de poder de armas incapacitantes ao inimigo
combate do navio; e com muito mais precisão; e
− navios de linha de última geração, − processos de geração de energia
como fragatas, corvetas, navios de com- elétrica a bordo de forma inovadora, deno-
bate litorâneo e destróieres com maior minados AIP (propulsão independente do
capacidade de fogo e menor exposição ar), baseados em células de combustível
eletromagnética; fosfórico (phosphoric acid fuel cell), que
− navios e aviões com tecnologia permitirão mais tempo submersos aos sub-
stealth; marinos convencionais, sem necessidade
− aviões AEW; de virem à cota periscópica para captação
− radares de vigilância aérea e de su- de oxigênio.
perfície em 3D, multifunções; Não podemos deixar de mencionar o
− sistemas de armas chamados de crescente aumento das capacidades de
LaWs (Laser Weapon System) vêm sendo defesa no mar de grande número de paí-
testados, com capacidade de disparo de ses nos dias atuais. Todos esses recursos
um feixe eletromagnético completamente mencionados, além de contribuírem para
invisível ao olho humano, na velocidade o estabelecimento de uma confiável e
da luz, sem que haja preocupação com o precisa CSM, agregam o incremento da
vento para a solução do tiro, e com bai- capacidade de defesa no mar.
xíssimo custo de utilização e operação.
Um desses sistemas, denominado Helios, CONCLUSÕES
dispara feixes de laser muito mais forte
do que qualquer outra arma já empregada “O mar sempre desafiou a mente e
pelas Marinhas. Tal sistema deverá subs- a imaginação dos homens e continua
tituir os armamentos designados CIWS sendo a última fronteira da terra até os
(Close in Weapon System); dias atuais.” (Rachel Carson)

RMB3oT/2021 57
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

O mar sempre esteve aos destinos do Com a redefinição do Projeto Scua


Brasil. A História nos ensina que toda para Projeto Piloto do SisGAAz, de
riqueza desperta a cobiça, cabendo ao seu menor envergadura, mas mantendo sua
detentor o ônus de protegê-la. capacidade de ser um sistema de cons-
Também sabemos que “Esquadras ciência situacional marítima, agregando
não se improvisam”3 e que, em questões informações obtidas de sensores ativos
de Defesa, além dos custos elevados, os e passivos e permitindo a interoperacio-
processos são demorados. Ninguém dis- nalidade com outros sistemas de coleta
corda da importância da Amazônia Azul de informação, podemos esperar que o
para o Brasil. Em diversos aspectos, ela se desenvolvimento do Programa SisGAAz
mostra da maior relevância, destacando-se deva ter continuidade, mas agora com
seus recursos naturais, vivos e não vivos; maior alinhamento com a situação finan-
uso racional do espaço marítimo aliado à ceira ora vivida pelo País.
preservação do meio ambiente; influência Com seu desenvolvimento sendo
dos oceanos sobre o clima e aspectos cien- realizado pelo Instituto de Pesquisas da
tíficos a serem estudados, dentre outros. Marinha, considerando os cenários ope-
Pela Constituição Federal, podemos racionais existentes no Conceito Opera-
conhecer princípios, fundamentos e cional do SisGAAz (Conops-SisGAAz)
objetivos a serem observados. Em decor- e em fases, parece que se tornará mais
rência, em 2008, foi aprovada a Estraté- viável um programa com a amplitude que
gia Nacional de Defesa, estabelecendo se necessita e se deseja, qual seja, em todo
diretrizes estratégicas que estimulam o extenso litoral brasileiro.
o desenvolvimento da capacidade de Entretanto, algumas perguntas têm que
monitoramento e controle das Águas ser consideradas:
Jurisdicionais Brasileiras. − Não será exagero a continuidade de
A Marinha do Brasil, observando tal um projeto de custo tão elevado diante
demanda, planejou o desenvolvimento da deterioração dos meios navais e vale a
de um sistema com capacidade de mo- pena mantê-lo em detrimento da renova-
nitorar e controlar a área marítima de ção desses meios?
responsabilidade do Brasil, conforme − Quais as vantagens, para a Marinha
estabelecido pela III Convenção das e para o Brasil, de um projeto dessa
Nações Unidas sobre o Direito do Mar magnitude?
(CNUDM), além de outras regiões estra- − Caso o descontinuemos, será que
tégicas no Atlântico Sul. Tal sistema foi iremos, daqui a alguns anos, nos ressentir
denominado SisGAAz. Com isso, a MB de tal decisão?
se viu envolvida em um dilema no que se A implementação da CSM é demasia-
refere ao estabelecimento de prioridades. damente importante nos dias atuais, em
A verba é escassa, isto é uma realidade. especial no contexto geopolítico, pro-
Tudo o que diz respeito à Força Naval não porcionando a capacidade de monitora-
é barato. Então, devemos priorizar meios mento, controle e vigilância constante do
navais a sistemas de Comando e Controle ambiente marítimo, com informações de
no nível do SisGAAz? Esta é a questão navios e embarcações que estão na área de
no momento! interesse e do que nela está acontecendo.

3 Frase de Rui Barbosa no Senado da República, no início do século XX.

58 RMB3oT/2021
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

Com uma precisa CSM sobre a Ama- nidas e aprovando-as, com o intuito de
zônia Azul, teremos melhores condições incrementar a segurança marítima não só
para empregar eficientemente nossos da nossa região, mas também de forma
parcos meios navais. É importante realçar global. Considera-se ser essa a melhor
a importância que os Estados vêm dando maneira de se tratar, enfrentar e resolver
aos oceanos e mares em decorrência do as principais questões relacionadas com
aumento do tráfego marítimo, devido ao os oceanos e mares.
aumento das trocas comerciais entre os Cooperação e confiança mútuas entre
países, às riquezas que comportam os lei- as nações são o caminho que proporciona-
tos marinhos e ao ambiente marinho para rá maior segurança marítima no mundo. O
o equilíbrio climático do nosso planeta, Projeto Piloto do SisGAAz irá assegurar
além da segurança a eles relacionados, perspectivas à MB para emprego tanto
principalmente em decorrência das cha- no nível tático como no estratégico. Não
madas “novas ameaças”, como o tráfego só porque agrega sensores passivos e
de drogas, o contrabando de armas, a ativos, mas também pela nova doutrina
pirataria, o terrorismo e a imigração ile- operacional que apresenta, pela integra-
gal. O combate a essas novas ameaças, ção com outros centros de comando e
inicialmente na Baía de Guanabara, por controle, as Forças Armadas e agências
exemplo, é motivador, considerando o governamentais.
aspecto dual do sistema, para o aumento Imagina-se, assim, que o conceito
do prestígio da Marinha junto à sociedade. operacional do SisGAAz de ter capa-
É um grande desafio lidar com essas cidade de Guerra Centrada em Redes
novas ameaças. De acordo com o sistema possa ser alcançado. O primeiro passo
jurídico, tanto nacional quanto internacio- seria a padronização dos sistemas de
nal, é importante ter suporte para ações controle tático e de combate, a fim de
preventivas e de resposta. Questões de aumentar a interoperabilidade entre os
meio ambiente marítimo também se meios navais, aeronavais e de fuzileiros
encaixam nesse aspecto jurídico. Assim, navais. Como sugestão, tem-se o empre-
torna-se de suma importância o incremen- go do PP-SisGAAz no nível operacional
to de uma CSM com aplicações técnicas e o Sistema de Comando e Controle
sofisticadas de controle, acrescido de acor- Georeferenciado (SISC2Geo) no nível
dos regionais e transregionais capazes de tático, com a integração de armamento
conciliar as diferenças entre as tecnologias (canhões), torpedos e mísseis existentes
e capacidades das nações. ou em desenvolvimento.
O tráfego marítimo mundial apresenta O Programa SisGAAz tem sido muito
ameaças e desafios comuns, que não co- criticado, não por ser considerado não
nhecem fronteiras, tornando-se imperioso importante e necessário, mas sim pela sua
que os Estados construam uma relação esplendorosidade em termos financeiros,
mútua de confiança e estabeleçam uma em decorrência do seu alto custo, em um
interoperabilidade das informações neces- momento de grandes restrições orçamentá-
sárias para que, assim, possam enfrentá- rias do País. Além disso, um dos segmen-
-los com maior eficiência e eficácia. tos mais importantes, que seria a reação
O Brasil tem participação ativa nos com meios navais, deveria vir primeiro
foros regionais e mundiais, contribuindo ou, pelo menos, ter a capacidade que o
para as ações e resoluções neles defi- programa requer, e esta não é a realidade

RMB3oT/2021 59
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

do momento. Considero importante e samos defender e ter a autoridade sobre


incentivo que outras pessoas efetuem um tão expressiva região.
estudo mais detalhado quanto aos requi- A necessidade do SisGAAz é inques-
sitos de exequibilidade e aceitabilidade, tionável, sob pena de a MB não estar apta
no aspecto custo x benefício, no que se ao cumprimento de sua missão ou ter
refere ao programa. A crise financeira dificuldade em cumpri-la. A Amazônia
hoje vivida pelo Brasil talvez seja o fator Azul é uma área riquíssima e precisa ser
preponderante para se imaginar uma re- protegida. Não se pode menosprezar ou
dução na amplitude do SisGAAz. criticar o planejamento para se ter um
Por fim, creio na importância de uma SisGAAz. Entretanto, o que se questiona
ação marcante da MB junto aos órgãos go- é a amplitude do programa em decorrência
vernamentais, às comunidades empresa- das restrições financeiras hoje vigentes.
riais da área marítima e à sociedade como O Projeto Piloto do SisGAAz, mais en-
um todo, a fim de mostrar e esclarecer a xuto e de menor abrangência inicial, com
importância, para o País, da Amazônia planejamento de evolução gradual, faz
Azul, detentora de significativo valor parte de uma necessidade muito maior,
econômico, com muitos recursos ainda importante para a MB, para o povo e para
inexplorados, e os grandes benefícios que o País. Assim, o PP-SisGAAz se apresen-
traria para o desenvolvimento e o bem- ta como adequado, exequível e aceitável
-estar da nossa população. e é essencial para o Brasil como um dos
Há uma necessidade premente em se caminhos para o seu desenvolvimento
estabelecer uma estrutura de Comando socioeconômico e para a tranquilidade
e Controle para que efetivamente pos- de nossa nação.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Direito do Mar; Plataforma Continental; Zona Econômica
Exclusiva (ZEE);

BIBLIOGRAFIA

ALBERTS, David S. ; HAYES, Richard E. Understanding Command and Control – The Future
of Command and Control, CCRP Publication Series.
Amazônia Azul: O Mar que nos Pertence. Vários autores. Record, 2006.
CARVALHO, Andréa Bento. Economia do Mar: Conceito, valor e importância para o Brasil.
PUC-RS, Porto Alegre, 2018.
COSTA, W.M. “Projeção do Brasil no Atlântico Sul: Geográfico e Estratégia”. Revista USP,
2012, no 95, pp. 9-22, setembro, outubro e novembro/2012.
Doutrina para o Sistema Militar de Comando e Controle, MD31-M-03, 3a rev.
FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELOS, Ana Cristina. Manual para normalização de publica-
ções técnico-científicas. 8 ed. Belo Horizonte: UFMG, 2007. 255 p.
GONÇALVES, Alcindo. Amazônia Azul: Política, Estratégia e Direito para o Oceano do Brasil.
1a Ed. Rio de Janeiro: SaG Serv, Femar, 2012. 312 p.

60 RMB3oT/2021
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Atlas Geográfico das Zonas


Costeiras e Oceânicas do Brasil.
MALSCHITZKY, Marco Lucio: Amazônia Azul: novas perspectivas para a sua vigilância.
Trabalho apresentado ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como
requisito de aprovação no Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, Escola Superior
de Guerra, Rio de Janeiro, 2011.
MARINHA DO BRASIL. Portaria n. 156/MB, de 3 de junho de 2004 do Comando da Marinha.
Estabelece a estrutura da Autoridade Marítima e delega competência aos titulares dos Órgãos
de Direção Geral, Setorial e de outras organizações militares da Marinha para o exercício
das atividades especificadas.
MARTINS, E.M “Amazônica Azul, Pré-sal, soberania e jurisdição marítima”. Revista CEJ, 2010,
no 50, pp. 83-88, julho-setembro 2010.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Zonas Costeira e Marinha.
Operational and Technical Performance of VTS System – Iala, Guideline 1.111, maio de 2015.
PLANALTO.GOV.BR. Decreto no 1530, de 22 de junho de 1995. Declara a entrada em vigor
da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay,
Jamaica, em 10 de dezembro de 1982.
PLANALTO.GOV.BR. Decreto no 5.484 de 30 de junho de 2005. Aprova a Política de Defesa
Nacional e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
Poder Executivo, Brasília, DF, 01 jul. 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/ D5484.htm. Acesso em: 17 nov. 2018.
PLANALTO.GOV.BR. Decreto no 6.516 de 28 de julho de 2008. Promulga as Emendas adotadas
em 18 de maio de 1998 à Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo,
de 1979. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília,
DF, 28 jul. 2008. Disponível em http://presrepublica.jusbrasil.com/legislacao/93400/de-
creto-6516-08. Acesso em: 18 nov. 2018.
PLANALTO.GOV.BR. Decreto no 6.703 de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional
de Defesa. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília,
DF, 7 jul. 2004. Disponível em: http://www.sae.gov.br/ site/wpcontent/uploads/Estratégia-
-Nacional-de-Defesa.pdf. Acesso em: 5 dez. 2018.
PLANALTO.GOV.BR. Decreto no 7.970 de 28 de março de 2013. Regulamenta dispositivos da
Lei 12.598, de 22 de março de 2012, que estabelece normas especiais para as compras, as
contratações e o desenvolvimento de produtos e sistemas de defesa, e da outras providên-
cias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF,
1o abr. 2013. Disponível em http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto:2013
03-28;7970. Acesso em: 7 dez. 2018.
PLANALTO.GOV.BR. Decreto no 8.122 de 16 de outubro de 2013. Regulamenta o Regime
Especial Tributário para a Indústria de Defesa-Retid, instituído pelos art. 7o a 11o da Lei
no 12.598, de 22 de março de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
Poder Executivo, Brasília, DF, 17 out. 2013. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D8122.htm. Acesso em: 11 nov. 2013.
PLANALTO.GOV.BR. Decreto-Lei n. 200, de 25 de janeiro de 1997. Dispõe sobre a organização
da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras
providências.
PLANALTO.GOV.BR. Lei no. 8.617 de 4 de janeiro de 1993. Dispõe sobre o mar territorial, a
zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo,
Brasília, DF, 5 jan. 1993. Disponível em:http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:l
ei:1993-01-04;8617. Acesso em: 9 jan. 2019.

RMB3oT/2021 61
PROJETO PILOTO DO SisGAAz E A EVOLUÇÃO DAS CAPACIDADES DE DEFESA NO MAR − Parte III

PLANALTO.GOV.BR. Lei no. 9.537 de 11 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a segurança


do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 12 dez. 1997.
Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9537.htm. Acesso em: 9 jan. 2019.
PLANALTO.GOV.BR. Lei Complementar no 97 de 9 de junho de 1999. Dispõe sobre as normas
gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 10 jun. 1999. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /Leis/LCP/Lcp97.htm. Acesso em: 9 jan. 2019.
PLANALTO.GOV.BR. Lei no. 12.598 de 21 de março de 2012. Dispõe sobre regras de incentivo
à área estratégica de defesa. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder
Executivo, Brasília, DF, 22 mar. 2012. Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/
legislacao/lei-12598-2012.htm. Acesso em: 9 jan. 2019.
Processos de Avaliação em Sistemas Complexos de Defesa – Estudo de caso – SisGAAz. Vários
autores, 2016.
PESCE, Eduardo Ítalo. “SisGAAz: monitorando e protegendo a Amazônia Azul”. Segurança &
Defesa, n. 107, p. 4-10, ago. 2012.
REIS, Reginaldo Gomes Garcia dos. Amazônia Azul: Política, Estratégia e Direito para o Oceano
do Brasil. 1a Ed. Rio de Janeiro: SaG Serv, Femar, 2012. 312 p.
REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA, v. 136, no 04/06, abr/jun 2016.
SANTOS, Almir Garnier. Monitoramento, proteção e defesa da Amazônia Azul. A vigilância e a
pronta resposta às possíveis ameaças a este patrimônio. Trabalho (Estudo de Estado-Maior)
apresentado como requisito de aprovação no Curso de Política e Estratégia Marítimas (C-
-PEM), Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, 2008.
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. “Consequências Estratégicas para uma Marinha de Águas
Marrons”. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, no 16 (2010), p. 7-20.

62 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO,
SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN
KNOX LAUGHTON – Parte X: Nelson encontra o seu
destino em Trafalgar

FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA*


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

N o dia 15 de setembro de 1805, Nelson


partia na Victory, sob o comando
de seu amigo Hardy, acompanhado da
cessarão e serão oferecidos ao trono de
sua misericórdia. Se Ele em sua gran-
de providência retirar-me da terra, eu
Fragata Euryalus, do Capitão Blackwood. me entregarei com grande submissão,
Em seu diário de bordo, Nelson escreveu acreditando que Ele protegerá aqueles
o seguinte: que me são caros e os que deixei atrás.
O que Ele quiser será feito. Amém.1
Às dez e meia saí de minha adorada
Merton, onde deixei tudo que consi- Ao mesmo tempo em que Nelson
dero mais precioso no mundo para ir partia para lutar contra Villeneuve, ele
servir meu rei e país. Possa o grande pressentia que essa luta seria a sua última.
Deus o qual adoro permitir-me suprir Mahan escreveu que Nelson “ele próprio
as expectativas de meu país, e se Ele, parecia ter já as vagas premonições de seu
em seu supremo desejo, deixar que eu fim próximo... Tais pressentimentos, apesar
retorne, meus agradecimentos nunca dos momentos solenizados e consagrados,

* Graduado em História (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), com mestrado e doutorado em
História Comparada (UFRJ) e pós-doutorado em Ciência Política pelo Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Marítimos da Escola de Guerra Naval.
1 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 208. Há nesta passagem uma premonição de Nelson sobre a
morte, que fatalmente ocorrerá.
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

não tinham o poder para amedrontar, nem “Lorde Nelson chegou! Uma grande ale-
converter alegria em desesperança”.2 gria geral foi a tônica, e muitos efeitos virão
Nelson tinha consciência de que Ville- de nossa mudança de sistema”5.
neuve só se faria ao mar a partir de Cádiz, Nelson ficou muito emocionado com
se tivesse superioridade tática local, e o a receptividade que recebeu de seus co-
que ele, Nelson, desejava era a total ani- mandados. Ele disse: “A recepção que en-
quilação da esquadra francesa e não apenas contrei ao me juntar à esquadra me causou
um encontro indefinido. Sua busca pela a mais doce sensação de minha vida. Os
batalha decisiva foi um fator importante oficiais que vieram a bordo [da Victory]
e fundamental para Mahan arquitetar o para me dar boas-vindas esqueceram o
conceito de “batalha decisiva” como uma meu cargo de comandante em chefe no
concepção estratégica naval clássica. A entusiasmo que me receberam6”.
chegada, inclusive, de seu grande amigo Logo ao chegar, Nelson convidou seus
Sir Edward Berry comandando seu antigo comandantes para jantar a bordo da Vic-
navio, o Agamemnon, trouxe a ele uma tory, de modo a discutir seus planos para a
grande satisfação. Exclamou Nelson pe- batalha que se avizinhava. Ele tratou todos
rante os oficiais da Victory quando Berry esses comandantes como irmãos de armas
se aproximava do capitânia comandando o e amigos pessoais e com toda a delicadeza
Agamemnon: “Aí vem Berry. Agora tere- de um gentleman e oficial. Todos ficaram
mos uma batalha !”3. Outros comandantes fascinados por seus modos e pelo tratamen-
que faziam parte de seu séquito de brothers to dispensado7. Um de seus subordinados, o
eram Fremantle, do Neptune; Israel Pellew, Capitão Codrington, lembraria anos depois
do Conqueror; Eliab Harvey, do Teme- a gentileza de Nelson com uma das cartas
raire; George Duff, do Mars; e Edward trazidas por ele da Inglaterra, escrita por sua
Codrington, do Orion. Em carta a sua esposa. Ao dar a carta a Codrington, Nelson
esposa, Codrington diria com satisfação: disse que ela havia lhe sido entregue por
“Está Lorde Nelson vindo para nós? Eu uma lady e que ele tomou como ponto de
ansiosamente desejo que ele venha (...) por honra entregá-la pessoalmente, em vez de
caridade envie-nos Lorde Nelson, vocês de enviar por outro portador8. Codrington
homens com poder!”4. Em 29 de setembro, ficou encantado com aquela gentileza.
Nelson finalmente se agregou à esquadra e No dia 9 de outubro, Nelson expediu
recebeu o comando de Collingwood, que um memorando detalhando sua ideia de
passou a ser seu segundo em antiguidade. manobra, o que ele chamou de Nelson´s
Codrington escreveria para sua mulher: Touch9, para combater os franceses, e

2 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2, op. cit., p. 327.


3 LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit., p. 284. Berry era um dos favoritos de Nelson,
acompanhando-o desde 1794, no Agamemnon e no Captain.
4 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 209.
5 Ibidem, p. 210.
6 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 339.
7 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 211.
8 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit. p. 340.
9 Mahan analisou a gênese da expressão Nelson Touch, cunhada pelo próprio Nelson. Segundo Mahan, a
expressão surgiu de uma de suas cartas a Emma, quando citou a manobra a ser usada em detalhe, e outra
interpretação seria o modo que ele adotaria, “Touch and take” (“toque e tome”) após a batalha, caso
vivesse. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 353.

64 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

esses jantares passaram a ser os pontos fronto. Era por certo uma ideia ousada e
de reunião com seus subordinados para ia contra as regras estabelecidas, nas quais
a discussão de seu plano. Em essência, a formação de uma linha contínua era a
a ordem de navegação dos navios seria a mais indicada. Nelson inovara e excedia-
ordem de batalha. A ideia era formar duas -se como um tático brilhante. Três fatores
linhas de navios com 16 e 17 navios cada seriam fundamentais para essa manobra
uma, a primeira sob o seu comando e a se- dar certo: a confusão que provocaria na
gunda sob o comando de Collingwood. A linha inimiga, a concentração em dois
linha de Nelson deveria atacar o centro da pontos da força de Villeneuve e o tempo
linha inimiga, em um ângulo de 90 graus, gasto para a manobra ofensiva10. Mahan,
deixando por bombordo a parte de vante em seu livro biográfico, descreveu deta-
de Villeneuve, enquanto Collingwood lhadamente a ideia de manobra tática de
deveria atacar a retaguarda inimiga a partir Nelson para enfrentar Villeneuve, porém,
do 12o da coluna, também em um ângulo por ser muito específica e fugir ao propó-
de 90 graus. Com esse plano, Nelson pre- sito deste artigo, preferiu-se não analisar
via que a parte de vante do inimigo não essa manobra em detalhe.
poderia retornar para o combate rapida- Enquanto isso ocorria, Napoleão enviara
mente, em razão da dificuldade de se gui- o substituto de Villeneuve via Madrid, o Vi-
nar 180 graus em um navio a vela e que, ce-Almirante Rosily, determinando, como
concentrando no centro e na retaguarda, uma forma de pressão, que Villeneuve
ele teria superioridade de meios em con- suspendesse de Cádiz e se dirigisse para
Toulon, de onde atacaria a costa italiana.
Apesar de todas essas ações, Napoleão
estava com os olhos voltados para a Ale-
manha e a propalada invasão da Inglaterra
estava ficando em segundo plano.
Nelson verificou que seus navios pre-
cisavam se abastecer de víveres e, assim,
determinou que um dos seus esquadrões,
sob o comando do Contra-Almirante Sir
Thomas Louis, se dirigisse para Gibraltar,
onde faria um abastecimento rápido, com
ordens para voltar imediatamente para a
esquadra, de modo a enfrentar Villeneuve.
Louis protestou, alegando que não queria
se afastar da ação, no entanto Nelson o
acalmou, afirmando que Gibraltar estava
próximo e que ele não perderia a batalha
por nada11. Louis, então, com seis navios,
Figura 1 – Almirante Sir Cuthbert Collingwood deixou a força principal e se dirigiu a toda
(1748-1810), segundo de Nelson em Trafalgar. velocidade possível para Gibraltar. Nelson
Pintura exibida no National Maritime Museum, agora permanecia com 27 navios de linha.
em Londres

10 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 348.


11 LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit., p. 286.

RMB3oT/2021 65
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

Antes de entrar em combate, Nelson seus corações por mostrar o seu próprio
deu ordens para que todos escrevessem coração12. Mahan fez questão de descrever
suas últimas cartas para as famílias. Os co- esse fato, para enaltecer ainda mais o seu
mandantes de unidades, então, recolheram herói Nelson.
toda a correspondência e a entregaram ao No dia 19 de outubro, Villeneuve sus-
comandante de um brigue, que a levaria pendeu com toda a sua força de Cádiz em
para a Inglaterra. Em sequência, o brigue direção ao Estreito de Gibraltar. Quase ao
suspendeu a toda velocidade para o Norte. mesmo tempo, a chalupa inglesa Weasel
No convés da Victory, Nelson percebeu percebeu a movimentação francesa e deu
uma agitação envolvendo seu ajudante de o alarme para Nelson, que se encontrava
ordens e oficial de sinais, Tenente Pasco. próximo.
Ao ver que Pasco gesticulava excessi- Em 21 de outubro, de manhã cedo, a
vamente no convés, Nelson o chamou. esquadra britânica se defrontou com a for-
Perguntou o que lhe afligia, no que foi dito ça de Villeneuve a cerca de dez milhas de
que nada que tirasse distância, próximo
a atenção de Nelson. ao Cabo Trafalgar.
Isso não o satisfez. Em 21 de outubro de Estava para come-
Voltou a perguntar çar a maior batalha
a Pasco o que era.
1805, de manhã cedo, a naval das Guerras
Constrangido, ele esquadra britânica se Napoleônicas. Se-
finalmente expli- defrontou com a força de gundo Laughton,
cou a sua agitação: “cada comandante
um contramestre da Villeneuve, próximo ao de navio da esqua-
Victory, que tinha Cabo Trafalgar. Estava dra sabia precisa-
se distinguido nas mente o que deveria
fainas marinheiras
para começar a maior fazer (...) somente
de bordo e que re- batalha naval das Guerras três sinais foram
colhera a corres- Napoleônicas içados ao se avis-
pondência de seus tar a força inimiga:
amigos, esquecera 1- formar ordem de
de enviar a sua própria carta, que estava navegação em duas colunas; 2- preparar
em um de seus bolsos. Nelson, imediata- para a batalha; 3- seguir em sucessão
mente, deu ordem a Pasco que chamasse o rumo estabelecido pelo almirante”13.
de volta o brigue para incluir a carta do Villeneuve já ordenara a formação de
modesto contramestre. O ajudante de uma coluna de navios, conforme prescrito
ordens, então, chamou por sinais o navio nas instruções de combate. Ao perceber a
de volta, para incluir a carta esquecida esquadra de Nelson, o almirante francês
de um simples contramestre da Victory. ordenou uma guinada para o Norte de
Pasco, já almirante, lembraria anos depois modo a alcançar Cádiz, uma vez que o
esse fato e explicou que, não sem razão, herói inglês se posicionou para atacá-
os marinheiros adoravam Nelson e que, ao -lo próximo a Gibraltar. A formatura da
sempre se lembrar deles, ele conquistou coluna franco-espanhola, com 33 navios

12 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson., v. 2, op. cit., p. 360.


13 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op.cit. p. 215.

66 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

de linha14, além das fragatas, demorou sul era comandada por Collingwood, na
para ser formada, em razão do pouco Royal Sovereign, com 15 navios, man-
vento reinante e do baixo adestramento tendo uma distância de uma milha entre
das tripulações, segundo Laughton15. A elas. O vento vinha na direção oeste/
formatura de cerca de cinco milhas,16 que nordeste, e a força de Villeneuve seguia
deveria ser uma linha contínua, ao final da na direção norte. Na coluna de Nelson
manobra, tornou-se uma lua crescente17. vinham, nas três primeiras posições, a
Os britânicos, então, formaram duas Victory, a Temeraire e a Neptune. Na
colunas e seguiram em um ângulo de 90 coluna de Collingwood seguiam, nas três
graus para interceptar os franco-espa- primeiras posições, a Royal Sovereign,
nhóis, sendo que a linha mais ao norte era a Belleisle e Mars18. A aproximação foi
comandada por Nelson, na Victory, com lenta, em virtude do fraco vento reinante.
12 navios, enquanto que a linha mais ao Nelson, então, desceu para a sua câmara
e fez o último lançamento em seu diário.
Escreveu ele o seguinte:

Possa o grande Deus, que eu adoro,


conferir ao meu país e, para o benefício
da Europa de modo geral, uma grande
e gloriosa vitória e que a má conduta
de alguém não a macule e possa a
humanidade depois da vitória ser um
aspecto predominante da esquadra
britânica. Eu coloco individualmente
minha vida em Suas mãos que me
criou, e possa Sua benção iluminar mi-
nhas realizações para servir meu país
fielmente... Visto que os eminentes
serviços de Emma Hamilton, viúva do
honorável Sir William Hamilton, têm
sido de grande valor para nosso rei e
país, segundo minha ótica, sem receber
qualquer recompensa do rei e do país...
deixo Emma Lady Hamilton por isso,
como um legado ao meu rei e país, e
Figura 2 – O ataque em Trafalgar. Fonte:
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2.
que eles deem amplo apoio para sua
Op. cit., p. 370 manutenção em vida. Deixo também

14 Desse grupo de 33 navios, 18 eram franceses e 15 espanhóis. O comandante-geral era o Vice-Almirante


Villeneuve, francês; o comandante espanhol mais antigo era o Vice-Almirante Gravina. Os outros
almirantes eram os Contra-Almirantes (franceses) Dumanoir le Pelley e Magon; e os espanhóis, o Vice-
-Almirante Alava e o Contra-Almirante Cisneros.
15 LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit., p. 287.
16 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 370.
17 Ver Figura 2.
18 Ver Figura 2.

RMB3oT/2021 67
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

ao benefício de meu país minha filha Às 11 horas da manhã, a distância entre


adotiva Horatia Nelson Thompson e as forças estava a duas milhas. Nelson, já
peço que ela use no futuro somente no convés, encaminhou o último sinal a
o nome Nelson. Esses são os únicos Collingwood e aos seus navios. O sinal
desejos que peço a meu rei e país dizia: “A Inglaterra espera que cada um
neste momento quando vou travar sua cumpra o seu dever”22. E seria dito por
batalha. Possa Deus abençoar meu rei Collingwood a seu ajudante de ordens,
e país e a todos que eu estimo. Nelson que estava a seu lado: “Desejo que Nelson
e Bronte. Testemunhas: Henry Bla- não ice qualquer outro sinal; nós sabemos
ckwood19 e Thomas Hardy.20 o que temos que fazer”.23 Todos os co-
mandantes sabiam o que fazer realmente.
Além desse testamento, Nelson escre- No momento em que se aproximava da
veu uma carta para Emma e outra para esquadra inimiga, Nelson virou-se para
Horatia. Para a primeira, disse: “Cuidarei Hardy, que estava a seu lado, e disse:
que meu nome seja o mais adorado para “Hardy, o que o pobre Sir Robert Calder
você e Horatia, a ambas amo como minha daria para estar aqui conosco agora!”.24
própria vida”. Para a segunda, escreveu: Calder partira na semana anterior para
“Fiquei feliz em saber que você é uma responder a corte marcial na Inglaterra.
menina muito boa e ama minha querida Perdera a batalha por poucos dias. Cer-
Lady Hamilton, que a ama muito. Receba, tamente que ele colheria os louros da
minha querida Horatia, a benção afetuosa vitória e possivelmente seria poupado do
e paternal de seu pai. Nelson e Bronte”21. constrangimento de um tribunal militar.
Essas cartas foram encontradas por Hardy O almirante espanhol Alava, coman-
após a batalha e entregues a Emma. dante da força de ré, a bordo do navio de

19 Blackwood, um amigo pessoal de Nelson, se encontrava a bordo da Victory por solicitação dele, em
razão de Blackwood comandar as fragatas da esquadra. Nessa ocasião, Blackwood, aproveitando sua
amizade com o almirante, solicitou a assunção de comando de um dos navios de linha, o Ájax ou o
Thunderer, que estavam sob o comando de seus imediatos, Tenentes Pilfold e Stockham, em razão de
seus comandantes terem seguido com Calder para a corte marcial como testemunhas. Nelson sabia que
essa assunção não seria bem apreciada pelas duas tripulações e que esses tenentes tinham o direito, por
tradição, de comandarem esses navios na ausência de seus comandantes; dessa maneira, declinou de
indicar o amigo Blackwood para um dos navios, alegando que ambos tinham o direito natural a esses
comandos. A palavra usada por Nelson para justificar sua negativa a Blackwood foi “birthright”, que
não tinha o sentido de “direito hereditário”, como indicado nos dicionários, mas sim de “direito por
tradição”. Mahan considerou tal ato nobre e correto sob o ponto de vista naval. Fonte: MAHAN, Alfred
Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 374.
20 Diário de bordo de Horatio Lorde Nelson, em 21 de outubro de 1805. Fonte: LAUGHTON, John Knox.
Nelson´ Letters and Despatches. Op. cit., p. 428.
21 Carta de Horatio Lorde Nelson para Emma Lady Hamilton, escrita da HMS Victory em 19 de outubro de
1805, e carta de Horatio Lorde Nelson para Horatia Nelson Thompson, escrita da HMS Victory em 19
de outubro de 1805. Fonte: WTJ. Letters and despatches of Horatio Nelson, October 15th through 21st
1805, letters XII e XIII.
22 Houve uma certa confusão no sinal. Seu ajudante de ordens, Tenente John Pasco, solicitou a mudança da
palavra confides (confia), como proposto por Nelson, para expects (espera), em razão de inexistir, no
código em vigor na ocasião, bandeira correspondente a confides, existindo, no entanto, bandeira para
expects. Fonte: LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit. p. 293.
23 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 221.
24 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 354.

68 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

“Veja como aquele nobre do Collingwood


leva seu navio para a ação”25. Quase ao
mesmo tempo, Collingwood virou-se para
o comandante do Royal Sovereign, Capitão
Rotherham, e disse: “Rotherham, o que
Nelson daria para estar aqui!”26.
Outros navios inimigos engajaram
Collingwood, no entanto a pontaria foi
deficiente. Em poucos minutos o Belleisle
correu em auxílio ao Royal Sovereign e
aliviou a pressão inimiga. Tanto o Royal
Sovereign como o Belleisle começaram a
sofrer grandes avarias, no entanto outros
navios britânicos foram se agregando à ba-
talha e uma grande confusão se estabeleceu.
A coluna de Nelson se aproximou
do centro inimigo, onde se encontra-
Figura 3 – Contra-Almirante Sir Robert Calder va o grande navio de linha espanhol
(1745-1815). Pintura exibida no National
Santíssima Trinidad, de 130 canhões,
Maritime Museum, em Londres
o maior navio de guerra construído na
linha Santa Ana, começou a abrir fogo no Europa, no qual tremulava o pavilhão
navio de Collingwood, o Royal Sovereign. do Contra-Almirante Cisneros. Nelson
Nesse instante, todos os navios britânicos procurou divisar o pavilhão de Villeneu-
içaram seus pavilhões de combate. Como ve, pois acreditava que ele se encontrava
segundo da coluna de Nelson seguia o no centro da formatura27. Em verdade,
Contra-Almirante Lorde Northesk, a bordo Villeneuve estava no Bucentaure, bem
do Britannia. Por cerca de 20 minutos, o próximo do Santíssima Trinidad. Esses
Royal Sovereign recebeu tiros do Santa dois navios, então, abriram fogo sobre
Ana e do Fougueux, no entanto, em razão a Victory por cerca de 40 minutos, no
do baixo adestramento das tripulações entanto poucos tiros acertaram o navio
franco-espanholas, os danos foram peque- capitânia de Nelson. Na aproximação da
nos. Às 12h20, o Royal Sovereign cruzou a Victory, os tiros começaram a acertar o
proa do Fougueux e a popa do Santa Ana e, seu convés, principalmente os disparos
nesse momento, Collingwood deu ordem dos mosquetes dos marinheiros e fuzi-
de abrir fogo em ambos os navios inimigos. leiros franceses que se encontravam nos
Os tiros britânicos foram devastadores. Em mastros. Em pouco tempo, o convés da
seguida, o Royal Sovereign guinou para Victory começou a encher de mortos.
cima do Santa Ana e o engajou com uma Um dos tiros passou ao lado de Hardy
bordada de tiros a curta distância. Nelson e Nelson e quase os atingiu28. Alguns
tudo observava e, ao verificar a manobra dos mastros e o leme da Victory foram
de Collingwood, comentou com Hardy: também atingidos, o que obrigou o seu

25 Ibidem, p. 384.
26 Idem.
27 Ver Figura 2.
28 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 226.

RMB3oT/2021 69
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

onde se encontrava Nelson,


que usava naquela ocasião seu
uniforme de vice-almirante
com medalhas e comendas30.
Não foi difícil de ser locali-
zado por um desses atiradores
franceses, que, ao perceber
que lá se encontrava um al-
mirante britânico, efetuou um
disparo certeiro, atingindo
Nelson no ombro esquerdo.
A bala atravessou o unifor-
me, entrou no ombro, varou
o pulmão, dilacerou a espinha
e se alojou nos músculos das
costas. Em seguida, Hardy
procurou ampará-lo, no que
Nelson disse: “Eles consegui-
ram finalmente, Hardy, sim,
Figura 4 – Sir Thomas Hardy (1769-1839), comandante da Victory em
Trafalgar. Pintura exibida no National Maritime Museum, em Londres minha espinha foi atingida”.
Um lenço foi colocado em
governo a ser conduzido pela secundária seu rosto para que os marinheiros britâ-
cobertas abaixo29. nicos não percebessem que seu almirante
Um pouco antes da uma hora, finalmen- tinha sido ferido. Rapidamente Nelson
te, a Victory cruzou a popa da Bucentaure foi levado para cobertas abaixo, onde foi
e, nesse momento, Nelson deu ordem de constatado pelo doutor Beatty que o feri-
abrir fogo. Foi uma grande devastação no mento era realmente mortal. Encontrava-
navio francês. Os mortos se acumularam -se na enfermaria para onde Nelson tinha
no convés. Ao se alinhar com ele a Bu- sido levado o Reverendo Scott, que, ao
centaure, a Victory desferiu uma grande pressentir a gravidade do ferimento do
bordada, e Laughton acreditou que cerca almirante, ajoelhou-se ao lado da cama
de 400 homens foram mortos ou feridos onde ele se encontrava. O almirante, en-
naquele encontro. Outro navio francês tão, disse a ele, em voz baixa, que deixava
foi engajado por Nelson, o Redoutable. Lady Hamilton e sua filha adotiva Horatia
Os mosqueteiros franceses nos mastros como um legado para o país. Naquela
continuaram a varrer o convés da Victory, oportunidade, Nelson disse, também, para

29 Em caso da perda do timão do leme, existia o recurso de se governar o navio nas cobertas abaixo, sendo
que o comandante dava ordens pelo tubo acústico a um timoneiro, que ficava agindo diretamente no
leme, sem se expor.
30 Antes do combate, os oficiais da Victory se preocuparam com a segurança de Nelson ao vê-lo usar seu
principal uniforme com as medalhas e comendas. Sabiam que os franceses colocariam atiradores nos
mastros e certamente localizariam Nelson em razão de suas comendas. Pediram, então, cuidadosamente,
ao médico de bordo, doutor Beatty, que solicitasse a retirada das medalhas ao almirante, no entanto,
em razão da proximidade da ação, tal solicitação não foi atendida. Mahan acreditou que se pedissem a
Nelson a retirada das comendas, certamente ele ficaria ressentido. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The
Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 379.

70 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

Beatty que nada podia ser feito por ele e finalmente, na tarde do dia 21 de outubro
que tinha pouco tempo de vida. de 1805, em frente ao Cabo Trafalgar. Suas
Enquanto as ações corriam, Nelson últimas palavras, às 16h30, foram: “Obri-
era informado por Hardy de suas conse- gado Deus, cumpri com o meu dever”34.
quências. Ele quis saber se algum navio Ele tinha 47 anos de idade.
britânico se rendera, o que foi negado por Enquanto isso ocorria, muitos oficiais
Hardy. Ao sentir que suas forças estavam e praças da Victory foram atingidos pelos
diminuindo, Nelson pediu que Hardy re- tiros dos mosqueteiros franceses nos mas-
zasse por Emma e que cortasse um pedaço tros do Redoutable, incluindo o Capitão
de seu cabelo para o dar a ela. Em seguida, Adair, dos reais fuzileiros navais. O pró-
pediu para não ser jogado pela borda no prio comandante do Redoutable, Capitão
mar, como era tradição na Royal Navy Lucas, considerou que teria condições de
(RN) para quem falecia em combate. No- abordar o navio britânico e determinou a
vamente pediu que Hardy tomasse conta um grupo de seus marinheiros que se pre-
de Emma e pediu parasse para tomar
um beijo de seu ami- por abordagem a
go, que prontamente Ao sentir que suas forças Victory. Nesse mo-
o beijou no rosto. mento surgiu celere-
“Agora estou satis- estavam diminuindo, Nelson mente o Temeraire,
feito”, disse Nel- pediu que Hardy rezasse sob o comando do
son. A todos pediu por Emma e que cortasse Capitão Harvey, que
que lembrassem que abriu fogo com as
ele deixava Lady um pedaço de seu cabelo caronadas e canhões
Hamilton e Hora- para dar a ela de bordo contra o
tia como legados ao Redoutable, matan-
Reino Unido 31 . A do ou ferindo mais
seu lado, em outra cama, encontrava-se de 200 franceses 35 . Esse ataque foi
também ferido o seu ajudante de ordens, decisivo, pois um grupo de abordagem
Tenente Pasco. Nesse instante, muitos britânico subiu a bordo e se apossou do
vivas foram escutados por todos na enfer- Redoutable sem grandes esforços. Quando
maria. Nelson perguntou a Pasco o que seu pavilhão foi arriado, encontravam-se
era aquilo. Pasco respondeu que eram mortos ou feridos 522 homens de uma
exclamações de alegria dos marinheiros tripulação de 64336.
da Victory pela rendição de mais um navio Na linha de Collingwood, o Fougueux
inimigo32. O almirante ficou satisfeito e encontrava-se bem avariado e derivava
virou para o lado. Nelson lutou alguns mi- para cima do próprio Temeraire, que não
nutos ainda contra a morte, permanecendo perdeu tempo para realizar outra grande
todo o tempo lúcido. Ao reverendo Scott, bordada de tiros, fazendo com que o
murmurou: “Deus e meu país”33. Faleceu, Fougueux praticamente se rendesse a

31 LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit., p. 304.


32 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 390.
33 Ibidem, p. 396.
34 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 234.
35 Ibidem, p. 229.
36 Idem.

RMB3oT/2021 71
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

Figura 5 – A Morte de Nelson, pintado por Daniel Maclise, em 1864. Em exibição no Palácio de
Westminster. Vê-se Nelson sendo amparado por Hardy ainda no convés da Victory

outro grupo de presa do Temeraire, sob a os outros navios das linhas mais a retaguar-
chefia de seu imediato, Tenente Kennedy. da receberam menos tiros. Isso demonstra
Seu pavilhão foi logo arriado, e os britâ- que os primeiros navios foram os que
nicos se apoderaram do Fougueux, que abriram o caminho e que o engajamento
ao final teve mais de 400 homens mortos dos demais ocorreu em melhores circuns-
ou feridos37. tâncias e concentrado, quando os franco-
Ações individuais ocorreram entre os -espanhóis estavam praticamente batidos.
navios contendores. Os dez navios franco- O Santa Ana, com o Almirante Alava
-espanhóis de vante não participaram da gravemente ferido, o Monarca, Bahama,
ação, como Nelson previra. Laughton Algesiras, Swiftsure e Berwick arriaram
apontou que as colunas britânicas sofre- seus pavilhões, com cerca de 400 mortos
ram pouco porque o adestramento dos na- e feridos em cada um deles. O Bucentaure,
vios espanhóis e franceses era deficiente, de Villeneuve, foi terrivelmente atingido
conforme também imaginara Nelson.38 pelo fogo do Neptune, Leviathan e Con-
Em sequência, Victory, Temeraire queror, vindo a arriar o seu pavilhão. O
e Neptune, na linha de Nelson, e Royal Almirante Villeneuve e seu estado-maior
Sovereign, Belleisle e Mars, da linha de entregaram suas espadas ao Capitão
Collingwood, foram os navios que mais Atcherley, dos fuzileiros reais, do Con-
sofreram os efeitos do combate, enquanto queror, que abordara o capitânia. Atcherley

37 Idem.
38 Ibidem, p. 230.

72 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

considerou que não poderia receber essas foram os últimos navios a se renderem
espadas de oficiais mais graduados que no combate. Às 5 horas da tarde, a bata-
ele e os levou para o seu navio, que já se lha finalmente terminou. Dos 33 navios
afastava para engajar outro antagonista. franco-espanhóis que começaram a ação,
Assim Atcherley, em um pequeno barco, 18 se renderam aos britânicos, incluindo
levou Villeneuve e seus oficiais para o os navios capitânias de Villeneuve, o
navio britânico mais próximo, o Mars, Bucentaure; do contra-almirante francês
onde ficaram prisioneiros.39 Magon, o Algesiras; do contra-almirante
Os navios de vante da força franco- espanhol Cisneros, o Santíssima Trinidad;
-espanhola, sob o comando do Contra- e do vice-almirante espanhol Alava, o
-Almirante Dumanoir no Formidable, Santa Ana, um explodiu, o Achille, e os
ainda tentavam se aproximar do combate, outros fugiram da cena de ação. Foi uma
mas, em razão da dificuldade em guinar vitória esmagadora. A maior batalha naval
180 graus, só depois de muitas horas das Guerras Napoleônicas.
conseguiram engajar com os britânicos, Laughton fez algumas críticas a
o que nada adiantou, pois era muito tarde Collingwood, que deveria perseguir os
para se reverter a fugitivos, principal-
derrota. O San Au- mente a força fran-
gustino foi atacado A Batalha de Trafalgar cesa sob o comando
pelo Leviathan e destruiu completamente de Dumanoir. Disse
se rendeu. O In- ele que Collingwood
trepide foi atacado a coalizão naval franco- era um oficial bravo,
simultaneamente espanhola formada um bom marinheiro
pelo Africa, Orion, e um esplêndido se-
Ajax e Agamemnon, por Napoleão e afastou gundo em coman-
vindo também a se definitivamente a ameaça do; no entanto, não
render. Dumanoir, de invasão da Inglaterra tinha o gênio de um
vendo a futilidade grande comandan-
de suas ações, resol- te como Nelson e
veu, com os navios restantes, se evadir certamente estava sob intenso frenesi de
do combate e guinar para o sudoeste, combate no momento decisivo da vitória
afastando-se da ação. Laughton acreditou total. Nelson, para ele, teria perseguido os
que, se Dumanoir tivesse guinado com navios inimigos e os destruído um a um41.
maior velocidade e trouxesse seus navios Como um capricho do destino, os na-
em um só corpo, poderia causar estragos vios de Dumanoir que escaparam de Nel-
no lado britânico.40 son encontraram perto do Cabo Ortegal,
Um dos navios de Dumanoir, o Nep- em 4 de novembro, um esquadrão britâ-
tuno, não conseguiu se evadir e foi al- nico sob o comando do Contra-Almirante
cançado pelo Minotaur e pelo Spartiate Sir Richard Strachan e foram capturados
e, depois de um combate ferrenho, arriou facilmente. A vitória de Nelson foi total
seu pavilhão e se rendeu. Ele e o Intrepide e completa.

39 Ibidem, p. 232. O comandante do Mars, Capitão George Duff, havia morrido em combate; assim, Villeneuve
entregou sua espada a seu imediato.
40 Ibidem, p. 233.
41 LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit., p. 305.

RMB3oT/2021 73
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

A Batalha de Trafalgar destruiu comple- madeirame do navio francês L´Orient, que


tamente a coalizão naval franco-espanhola explodiu em Aboukir. Entre os almirantes
formada por Napoleão e afastou definitiva- e membros da família real que carregaram
mente a ameaça de invasão da Inglaterra. O seu corpo estavam o príncipe de Gales,
poder naval francês foi varrido dos mares futuro rei Jorge IV; seu grande mentor e
e por cerca de dez anos o comando do mar amigo Sir Peter Parker; Lorde Hood; Lorde
ficou nas mãos da RN. Para Laughton, a Radstock e o Duque de Clarence, futuro
maior importância da batalha foram as William IV, além de toda a família real. Do
lições apreendidas pelos sucessores de Almirantado o féretro seguiu até a Catedral
Nelson daqueles que “lutaram nobremente de Saint Paul, onde foi enterrado em uma
e prevaleceram 90 anos atrás”42. cripta, que inicialmente seria para o Car-
As tripulações britânicas ficaram cons- deal Wolsey, do tempo de Henrique VIII, e
ternadas ao saber da morte de Nelson. Os que lá ficou sem uso até a morte de Nelson.
despachos de Colingwood com as notícias A cripta permanece até hoje em Saint Paul
da morte de Nelson chegaram ao Almiran- com o corpo de Nelson, embora Laughton
tado somente em 6 de novembro, trazidos considere tal cripta feia e grotesca44.
pela Escuna Pickle, sob o comando do Como homenagem a Nelson, seu irmão
Tenente Lapenotiere43. A alegria popular William foi declarado par da Inglaterra
com a vitória foi quase esquecida pela e distinguido com o título de Conde
notícia da morte de seu maior herói. A Nelson de Trafalgar e Merton, sendo a
glória e o ganho da vitória pareciam estar honraria passada para seus descendentes
perdidos pela morte do herói que as tinha masculinos e os de suas irmãs, senhoras
obtido. A Victory chegou em Spithead em Bolton e Matcham. Foram doadas 15 mil
5 de dezembro, transportando o corpo de libras a cada uma destas e 2 mil libras
Nelson, que veio colocado em um barril de anuais a Lady e Viscondessa Nelson.
brandy. Ao chegar em Spithead, seu corpo Lady Nelson recebeu, ainda, 99 mil libras
estava em perfeito estado de preservação. para aquisição de um terreno associado
Em seguida, ele foi transportado por um ao título. O Ducado de Bronte, na Sicília,
séquito de embarcações pelo Rio Tâmisa foi passado para a filha mais velha de
até o Painted Hall, em Greenwich. Lá William, que se casou em 1810 com o
permaneceu em exposição pública de 4 Visconde de Bridport. Collingwood foi
a 8 de janeiro de 1806 para as exéquias e elevado a barão com o título de Barão
visitas da população. No dia 8, o féretro Collingwood de Caldburne e Hethpoole
solene com o corpo de Nelson foi trans- em Northumberland. Como não teve
portado por barcos de Greenwich para o filhos homens, o título se extinguiu com
Whitehall e de lá seguiu por carruagem sua morte, em 181045.
até o Almirantado. No dia 9, foi carregado Laughton fez questão de apontar que,
por diversos almirantes em um caixão que, para Emma, apesar dos pedidos veemen-
conforme seu desejo, foi construído com o tes de Nelson em seu diário, com duas

42 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 238. O livro de Laughton foi escrito em 1895, cerca de
90 anos depois.
43 Lapenotiere acabou sendo promovido a mestre e comandante e a capitão em 1811. Fonte: LAUGHTON,
John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit., p. 307.
44 LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. Op. cit., p. 319.
45 Ibidem, p. 311.

74 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

testemunhas presentes, nada foi dado. morte de Nelson, ao invés de pranteá-lo no


Para o historiador inglês, o governo tinha interior de sua casa, em Merton, preferiu
consciência de que Nelson fora engana- demonstrar a todos o seu sofrimento de
do por ela e que os serviços prestados um modo explícito, indo diariamente ao
por Emma à Grã-Bretanha, que Nelson teatro, em Londres, para assistir à mú-
alegou enfaticamente em seu testamento, sica “A morte de Nelson”, cantada por
só existiram na imaginação dele. Emma Braham, chorando exatamente no mesmo
tampouco teve sorte, pois o primeiro lorde refrão e desmaiando no refrão final49.
do Tesouro na época da morte de Nelson Emma acabaria dilapidando tudo o que
era Lorde Grenville, que fora secretário conquistou, inclusive a casa de Merton.
do Exterior quando Emma se encontrava Acabou presa por dívidas e morreu sem
em Nápoles e sabia que as justificativas esplendor em Calais, na França, em 1815.
de que ela prestara relevantes serviços Nelson deixou uma pensão de 4 mil libras
à coroa britânica eram fictícias46. Além para sua filha Horatia, que finalmente
disso, as alegações judiciais de que Emma tirou o Thompson do nome, tornando-se
era esposa de Nelson eram absurdas, Horatia Nelson. Ela viveu sob os cuidados
pois suas conexões com ele eram sempre das irmãs de Nelson e, em 1822, casou-se
negadas e Horatia não era reconhecida com o reverendo Philip Ward, vigário de
oficialmente como filha de ambos. Muitos, Tenterden em Kent. Morreu em 188150.
inclusive, acreditavam que a relação dos Laughton terminou sua biografia afir-
dois era apenas platônica47. Os membros mando que “entretanto a mais verdadeira,
do Parlamento tinham consciência, se- a mais nobre, o maior monumento nos
gundo Laughton, de que Emma já tinha corações do povo inglês, onde purificado
boas fontes de rendas, cerca de 2 mil de todas as manchas terrenas, sua me-
libras anuais, provindas de seu falecido mória vive venerada como um ideal de
marido e do próprio Nelson. A conduta heroísmo, autossacrifício e dever”51. Para
de Emma não inspirava a menor simpatia Laughton, Nelson foi o ideal perfeito do
a Laughton. Para ele, ela nunca amou herói nacional inglês.
Nelson, e seu único amor verdadeiro foi Mahan, por sua vez, em uma última re-
Greville, sobrinho de Sir William Hamil- verência e homenagem a seu herói morto
ton, que praticamente a vendeu ao tio. A em ação em Trafalgar, disse o seguinte em
vaidade guiava suas ações, e a adoração sua biografia, como palavras derradeiras:
de Nelson por ela aumentou ainda mais a
sua posição predominante em Merton. As Ali, rodeado de seus companheiros
atitudes extravagantes de Emma, quando de triunfo, e pelos troféus de suas pro-
Nelson estava no Mediterrâneo, não eram ezas, deixamos nosso herói com suas
condizentes com uma mulher ligada a ele glórias. Compartilhando nossas mor-
por forte paixão48. Laughton considerava tais fraquezas, ele nos legou um tipo
Emma uma grande artista, que, ao saber da de autodevoção que não pode acabar.

46 Idem.
47 Ibidem, p. 312.
48 Ibidem, p. 313.
49 Ibidem, p. 314.
50 Ibidem, p. 316.
51 LAUGHTON, John Knox. Nelson. Op. cit., p. 240.

RMB3oT/2021 75
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

Como o seu hino funerário proclamou dos) e em outras dezenas de lugares. En-
enquanto a nação chorava, “seu corpo tretanto o mais significativo monumento a
está enterrado em paz, mas seu nome Nelson está localizado no centro da cidade
vive para sempre”. Guerras podem de Londres, em Trafalgar Square, próximo
acabar, mas a necessidade de heroísmo ao National Gallery e à bela igreja de Saint
não deve acabar nessa terra, enquanto Martin-in-the-Fields: a Coluna de Nelson.
o homem permanecer homem e o mal Em 1940, Adolf Hitler declarou, logo
existir para ser remediado. Onde quer após a vitória sobre a França, que, assim
que o perigo tiver que ser encarado ou que a Operação Leão do Mar tivesse su-
o dever ser realizado, ao custo de vidas, cesso, removeria a Coluna de Nelson de
homens terão inspiração no nome e nos Trafalgar Square para Berlim, para ser
feitos de Nelson... Ele não precisou e observada pelo povo alemão como um
não deixou nenhum sucessor. Para usar objeto de fetiche. Disse ele que “desde a
novamente as palavras de St. Vincent, batalha de Trafalgar, a Coluna de Nelson
“só há um Nelson”.52 representa para a Inglaterra um símbolo do
seu poder naval e domínio mundial. Seria
O LEGADO DE NELSON E O então uma forma expressiva de indicar a
SENTIDO DO HEROÍSMO vitória germânica se a Coluna de Nelson
fosse transferida para Berlim”54.
Nelson tem sido o mais festejado herói Além desses monumentos, o nome
britânico de todos os tempos. A cada ano, de Nelson tem sido reverenciado por
na noite do dia 21 de outubro, todos os colecionadores que procuram objetos
navios e estabelecimentos navais do Reino relacionados ao herói de Norfolk. A esse
Unido celebram com um jantar de gala a movimento de colecionadores dá-se o
vitória do almirante na batalha naval de nome de nelsonia. A nelsonia pode ser
Trafalgar. Essa noite é chamada de Tra- dividida em duas categorias distintas de
falgar Night. Mesmo algumas unidades coleções. A primeira inclui instrumentos
navais dos EUA celebram a Trafalgar e objetos que foram por ele tocados ou
Night como uma reverência a Nelson53. produzidos, tais como cartas, instruções
Não só na Trafalgar Night Nelson é para subordinados, objetos de casa, pratos,
lembrado. Monumentos em sua homena- canecas, garfos, facas, porcelanas e outros
gem se espalham pela Inglaterra, Escócia, produtos que a ele pertenciam. A segunda
Irlanda, Nova Zelândia, Austrália e em categoria inclui produtos comemorativos
muitos outros países. Existem estátuas de dos feitos de Nelson desde 1790 até os
Nelson na Catedral de St. Paul (Londres), dias atuais. A ele não pertenceram, porém
Liverpool, Castle Arch, Cork, Portsdown em sua homenagem foram produzidos,
Hill, Birmingham, Bristol, Norwich, tais como pinturas, quadros, porcelanas,
Yarmouth, Dublin, Edinburgh, Glasgow, selos, caixas comemorativas, revistas,
Portsmouth, Norfolk, Bridgetown (Barba- jornais, bustos e canecas55. Muitas vezes

52 MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, v. 2. Op. cit., p. 397 e 398.
53 HAYWARD, Joel. Op.cit., p. VIII.
54 FRASER, Flora. “If you seek his monument”. In: WHITE, Colin (ed). The Nelson Companion. Glouces-
tershire: Bramley Books, 1995, p. 129.
55 RICHARDS, Clive. “The Nelson Collection of Clive Richards”. The Naval Review, v. 99, n. 4, London:
NR, november 2011, p. 395.

76 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

esses objetos das duas categorias custam historiador em sua abordagem, em razão
milhares de libras em leilões britânicos. de sua atuação docente no King’s Col-
Afinal, o que leva milhares de pessoas lege. O autor inglês percebia a história
a até hoje se lembrarem de Nelson? Quais naval como uma parte da história geral e
as similaridades e discordâncias percebi- enaltecia o caráter acadêmico e científico
das de Nelson nas biografias escritas por dessa disciplina. Ambos, no entanto, pro-
Sir John Knox Laughton e Alfred Thayer blematizaram as suas biografias, fato que,
Mahan? Quais autor ou autores do século na obra completa de Mahan, não tivera
XIX que discutiram o papel do grande tanta relevância. Mahan via a providência
homem ou herói na história mais se apro- como a condutora do processo histórico,
ximam da visão de Laughton e Mahan a enquanto Laughton percebia a história
respeito de Nelson? como um processo contínuo, sem ser guia-
Tanto as trajetórias, como as percep- do pela vontade de Deus. Por certo que,
ções de se pesquisar e escrever a história tanto Mahan como Laughton, atuaram
naval, são distintas para Laughton e como juízes nas suas biografias, julgando
Mahan. Como grandes diferenças de o tempo todo a conduta de Nelson, no
percepção, podem-se apontar as dife- entanto Mahan foi muito mais crítico que
rentes formações entre os dois, sendo Laughton, que procurou limitar as críticas,
Laughton um produto da Universidade mantendo-se afastado de certos julgamen-
de Cambridge, com ênfase no método tos morais, tão caros para o seu colega
científico, enquanto Mahan era prove- norte-americano. Laughton foi vitoriano
niente da Academia Naval de Annapolis, em sua abordagem, apontando deslizes, no
com uma formação técnica voltada para entanto não enfatizou esses pontos como
a carreira do oficial de Marinha. Essas di- primordiais em sua biografia, preferindo
ferentes formações se refletiram no modo se ater ao que realmente interessava, indi-
de escrever a história, sendo Laughton um car a superioridade de Nelson perante seus
autor acadêmico, enquanto Mahan era um pares e adversários e sua importância para
historiador empírico. Os estilos também a história naval britânica.
eram diferentes, sendo Mahan mais emo- Ao se analisarem comparativamente
cional do que Laughton, que procurava as visões de Laughton e Mahan sobre
limitar, sempre que possível, seus adjeti- Nelson, deve-se dividir essa questão em
vos sobre Nelson. O uso de fontes parece dois pontos distintos: o primeiro o caráter
ter sido idêntico, pois, embora Mahan militar, e o segundo a conduta da vida
não apreciasse a pesquisa arquivística privada do herói de Burham Thorpe.
primária, no caso do Life of Nelson ele No ponto de vista militar, Nelson
fez questão de se valer de documentação era um herói reverenciado tanto por
primária para compor o seu biografado. Laughton como por Mahan, no entanto
Laughton apreciou a pesquisa arquivística alguns pontos não foram coincidentes
em toda a sua obra. Para Mahan, a história entre os dois historiadores. Como chefe
era prescritiva e uma ferramenta para a militar, tanto Laughton como Mahan
estratégia, o que se refletiu no texto, ao se tinham em Nelson um exemplo de ma-
concentrar, detalhadamente, nos aspectos rinheiro, comandante e almirante, e não
táticos e técnicos dos combates de Nelson, à toa ele era considerado o maior herói
fruto de sua formação militar, enquanto da RN de todos os tempos, suplantando,
Laughton foi menos “estratégico” e mais inclusive, ícones como Sir Francis Drake,

RMB3oT/2021 77
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

Sir Walter Raleigh, Sir George Monck, bilidades, sem procurar imputar a outros
Lorde Howe e Lorde St. Vincent. os seus fracassos. Laughton também
Laughton não apreciou a indisciplina indicou essa característica de Nelson, no
de Nelson em relação a seus comandantes, entanto foi comedido em seus elogios, de
em especial sua postura perante o Almi- acordo com uma postura vitoriana típica
rante Hugues e o Capitão Moutray. Para em economizar adjetivos.
o autor inglês, Nelson deveria obedecer Sobre o caso Caracciolo, a posição de
a ordem e depois ponderar a conveniên- Nelson favorável ao enforcamento desse
cia daquela determinação. Essa postura nobre foi apoiada tanto por Laughton
indisciplinada de Nelson, de uma certa como por Mahan. Ambos consideraram
forma, se refletiu no ostracismo após seu que Caracciolo foi um traidor e passível
retorno à Inglaterra. Mahan, um defensor, da pena de morte. O que nenhum dos
procurou justificar essa conduta imprópria dois conseguiu explicar conveniente-
de Nelson com seus superiores afirmando mente foi por que Nelson não concedeu a
que ele possuía independência de pen- Caracciolo a possibilidade de ser fuzilado
samento e atitudes que apontavam uma em vez de ser enforcado, mais apropriado
genialidade inata e que, em certas situa- para um alto membro da corte napoli-
ções, essa postura foi fundamental para tana. Teriam Emma ou a Rainha Maria
indicar o caminho correto. Para Mahan, Carolina influenciado Nelson para essa
seu ostracismo se deveu mais a sua con- atitude extrema? Laughton não acreditou
duta de apoio ao Duque de Clarence em nessa possibilidade, no entanto Mahan,
relação ao Rei Jorge III do que a qualquer por ter uma antipatia natural por Emma,
outra atitude. Sua admiração por Nelson o apontou que as ideias de sua amante
cegou de sua formação militar que indica- podem ter sido decisivas para a atitude
va obedecer primeiro e ponderar depois, de Nelson. Assim, Emma pode ter sido,
como pretendido pelo historiador inglês. indiretamente, responsável por essa ati-
Nesse ponto percebe-se que essa admira- tude cruel de Nelson.
ção foi mais forte do que a formação mi- Dessa forma, pode-se concluir que
litar apreendida em Annapolis. Um caso, tanto Laughton como Mahan perceberam
entretanto, em que ambos concordaram e admiraram Nelson da mesma forma, um
foi a crítica e a desobediência de Nelson herói naval a ser reverenciado no Reino
em relação à ordem dada pelo Almirante Unido, diferindo apenas em intensidade e
Lorde Keith para que ele se dirigisse a em pontos específicos que não afetaram
Malta, ao invés de permanecer parado essas duas percepções, sendo Mahan
em Nápoles. Nelson não obedeceu a seu mais veemente em sua defesa do herói,
chefe, e tanto Laughton como Mahan cri- enquanto Laughton foi mais comedido
ticaram essa atitude insubordinada. Para em seus elogios.
ambos, Emma foi a razão dessa insubor- Quanto à vida privada de Nelson, as
dinação, e talvez por isso Mahan tenha diferenças foram mais acentuadas entre os
criticado o seu herói. Como se percebe, dois historiadores. Laughton apontou que
Mahan tinha grande antipatia por Emma Nelson não amava sua esposa Frances,
Hamilton. Mahan, sempre ávido por pois suas cartas eram distantes, centradas
justificar seu herói, indicou em Nelson, e sem arrebatamentos emotivos, indi-
além de independência de atitudes, uma cando mais uma ternura do que amor e
grande capacidade de assumir responsa- paixão. O autor inglês procurou comentar

78 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

pouco a vida privada de Nelson, dentro uma mentirosa compulsiva e ávida por
do espírito vitoriano, no entanto certas fama, dinheiro e aventura.
posturas de Nelson não podiam ser igno- Para Mahan, por sua vez, Frances não
radas, e Laughton não pôde fugir desses despertava grande paixão em Nelson.
fatos. Para ele, Emma era uma mentirosa Além disso, ela não exaltava as glórias
contumaz, embora tivesse algumas qua- e realizações de seu marido, o que teria
lidades que não podiam ser desprezadas. provocado, em parte, o afastamento
Na visão de Laughton, Frances errou ao dele. Para o historiador norte-americano,
se manter contida e distante de Nelson, Emma encarnava o que havia de pior em
em uma ocasião em que ele vinha se en- um ser humano, embora reconhecesse
volvendo com a mulher do embaixador nela algumas qualidades, como beleza,
inglês no Reino das Duas Sicílias. Perce- charme e determinação. Para ele, Emma
beu o que ocorria e nada fez para mudar era uma aduladora contumaz, que não
aquela situação, principalmente diante da media esforços para convencer Nelson de
atitude de uma mulher que transpirava que ela era uma santa e que tudo faria por
sensualidade e desinibição como Emma. ele. Nelson era suscetível a adulações e
Além disso, Frances veio a se atritar com logo caiu nos braços daquela bela mulher,
Nelson em razão de seu filho Josiah não que era bem diferente de Frances. Mahan
ter a proteção de seu marido, que ela con- não poupou críticas a Emma e censurou
siderava necessária. Laughton indicou, Nelson severamente por se influenciar por
no entanto, que Josiah vinha tendo um ela. Esse relacionamento afetou a vida do
desempenho profissional abaixo da crí- herói como uma mácula em sua biogra-
tica após a proteção explícita de Nelson, fia. Emma, por sua conduta dominadora,
o que provocou um distanciamento dele expôs tanto Nelson como Sir William ao
para com Josiah e, por conseguinte, com ridículo, provocando comentários desairo-
Frances. Essas brigas entre ela e Nelson sos na sociedade inglesa do período sobre
aceleraram a separação. Frances teve, o relacionamento dos três, vivendo sob o
assim, sua parcela de culpa na atração mesmo teto. Ele foi adúltero e não teve
de seu marido por Emma e na posterior remorso em expor Frances a situações
separação. Laughton imputou o adultério escandalosas e constrangedoras. Isso,
de Nelson como um reflexo de sua própria para Mahan, foi uma mancha terrível em
personalidade passiva perante a adulação sua biografia. Não pode ser esquecido que
explícita de Emma e do convencimento, Mahan era excessivamente moralista e
por parte dela, de que tinha uma relação religioso, que não perdoava atitudes que
platônica com Sir William, atuando o fossem contra os seus princípios. Para ele,
último mais como um tio do que como Nelson era um herói genial, porém um
marido. Assim, para o historiador inglês, marido essencialmente adúltero, enquanto
Nelson não foi hipócrita ao enganar o Emma nunca amou realmente Nelson e o
seu amigo Sir William. Nelson era um que queria era conseguir fama, poder e
ingênuo e se envolveu com Emma por enaltecimento por meio dele. Para Mahan,
puro amor, considerando que Sir William Nelson enganou certamente seu amigo Sir
não a considerava sua esposa, mas apenas William tendo um caso com sua esposa, o
sua “sobrinha” que podia ser seduzida por que era imperdoável. O autor também, de-
ele. Para Laughton, Emma nunca amou fendeu Frances, ao apontar a sua bondade
Nelson verdadeiramente, sendo assim com todos os escândalos que a afetavam.

RMB3oT/2021 79
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

Ela manteve uma atitude digna e enalteceu a sua extremada caridade, sendo, porém,
Nelson até o fim de seus dias, o que para um adúltero que maltratou sua esposa e
ele era notável. manchou sua reputação.
O que se pode concluir com essas O que Laughton e Mahan pretenderam
percepções é que ambos os autores repas- com suas biografias foi apresentar um
saram aos textos muito do que eles efeti- homem com grandes virtudes e falhas,
vamente eram como pessoas. Laughton, no entanto e especialmente, um herói em
comedido, científico e ascético, escreveu carne e osso, que se transformou em mito,
sua biografia procurando economizar nos um combatente patriota com grande lide-
adjetivos, agindo como um gentleman rança. Essa talvez tenha sido a principal
vitoriano, enquanto Mahan, moralista, mensagem dessas duas notáveis biografias
emocional e religioso, procurou apontar de Horatio Lorde Nelson e um exemplo
Nelson, em sua vida privada, como um ho- para todas as Marinhas do mundo, daí ser
mem com defeitos e qualidades, inclusive ele universal.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<NOMES>; Vultos Navais;

BIBLIOGRAFIA SOBRE HORATIO LORDE NELSON


(para os interessados em expandir os conhecimentos sobre Nelson no século XIX)

ALLEN, Joseph. Life of Lord Viscount Nelson. [S.L, s.n],1853.


ANONYMUS. On Lord Nelson Victory over the French Fleet at Aboukir. Pisa. Italy, [s.n] 1798.
Versos escritos por um italiano em inglês imperfeito.
ANONYMUS. Life of Nelson. 1805. [S.L, s.n]. Trabalho com rumores de pequeno valor.
ANONYMUS. The Progress of Glory in the life of Horatio Lord Nelson of the Nile. Whitehaven.
1806. [s.n]. Versos em métrica heróica.
ANONYMUS. The Letters of Lord Nelson to Lady Hamilton with a supplement of interesting
letters by distinguished characters. MacDonald and Son, Smith Feld, Thomas Lovewell
& Co. Staines House, Barbican, 1814. 2 vol.
ANONYMUS. Leven van Lord Horatio Nelson, Admiraal in Engelschen dienst, Hertog van Bronte
enz. A. Loosjes, Haarlem [s.n],1806.
ANONYMUS. Life and achievements of Lord Nelson, who fell in the glorious victory obtained
over the combined fleets of France and Spain, off Cape Trafalgar, on the 21st October
1805. E. Young, London, 1805.
ANONYMUS. The life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount Nelson, Baron of the Nile,
Duke of Bronte, in farther Sicily. Hartley, Halifax, 1841.
ANONYMUS. Memoirs of the life and death of the Right Honourable Horatio Lord Viscount
Nelson... comprehending authentic details of his glorious achievements under the British
flag... also a sketch of the life of Sir Sydney Smith. C. Goodchild, Liverpool, 1806.

80 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

ANONYMUS. “A Captain of the British Navy”: Memoirs of the life and achievements of the Right
Honourable Horatio Lord Viscount Nelson. H.D. Symonds & J. Hatchard & J. Ridgway,
London, 1805.
ANONYMUS. Histoire des Combats d´ Áboukir de Trafalgar de Lissa du Cap Finisterre et des
plusieurs autres batailles navales depuis 1798 jusqu´en 1813. Par un Capitaine de Vaisseau,
1829. O autor estava a bordo do Orient, no Nilo.
ANONYMUS. The Life of Admiral Viscount Nelson. The Black Pirate & Co, [s.l],1840.
ANONYMUS. The Life of Horatio Lord Viscount Nelson. [S.L, s.n]. Panfleto de 104 páginas
com gravações diversas.
ANONYMUS. Horatio Lord Nelson, Duke of Bronte. Veritá [s.l],1891. Escrito para a Exibição
Naval de 1891.
BARKER, M. H. The Life of Nelson. Old Sailor [S.L, s.n ], 1836.
BAQUER, Antonio (tr.). Vida del Vice Almirante Lord Vizconde de Nelson, Duque de Bronte
traducida del Portugues al Espanol... Mariano de Zuniga y Ontiveros, México, 1806.
BEATTY, William: Authentic narrative of the death of Lord Nelson: with the circumstances pre-
ceding, attending, and subsequent to, that event; the professional report of his lordship's
wound; and several interesting anecdotes. T. Cadell & W. Davies, London, 1807. Escrito
pelo cirurgião do HMS Victory na Batalha de Trafalgar, depois médico na esquadra sob o
comando de Conde de St. Vincent.
BERESFORD, Charles William de Poer & WILSON, Herbert Wrigley. Nelson and his times.
Harmsworth, London, 1897.
BERRY, Sir Edward. An Authentic narrative of the proceedings of His Majesty´s squadron under
the command of Sir Horatio Nelson from its sailing from Gibraltar to the conclusion of the
battle of the Nile. Sun: London, 1798.
BETHUNE, John Drinkwater. A narrative of the battle of St. Vincent with anecdotes of Nelson
before and after that battle. Saunders & Otley, London, 1840.
BLAGDON, F. W. Orme graphic history of the life, exploits and death of Horatio Viscount and Baron
Nelson of the Nile and Burham Thorpe in the County of Norfolk. London: Edward Orme, 1806.
BROWNE, G. Lathom. Nelson. The public and private life of Horatio, Viscount Nelson, as told
by himself, his comrades, and his friends. T. Fisher Unwin, London, 1891.
CANNING, George. Ulm and Trafalgar. [S.L, s.n], 1806.
CENTO, A. Adapted to the occasion from the sacred music of Haendel as a tribute to the memory
of the immortal Nelson. Theatre Royal, Drury Lane, 1806.
CHARNOCK, John. Biographical memoirs of Lord Viscount Nelson, &c, &c, &c with observations,
critical and explanatory. H.D. Symonds & J. Hatchard, London, 1806.
CURCHILL, T.O. Life of Lord Viscount Nelson. [S.L, s.n], 1808.
CLARKE, James Stanier & MACARTHUR, John. The life of Admiral Lord Nelson, KB. T. Cadell
& W. Davies & W. Miller, London, 1809. 2 vols.
CLARKE, Richard. The life of Horatio Lord Viscount Nelson... with biographical particulars
of contemporary naval officers. To which is added a correct narrative of the ceremonies
attending his funeral. J. & J. Cundee, London, 1813.
CLARKE, James Stanier & M'Arthur, John. The life and services of Horatio Viscount Nelson.
Fisher, London, 1840.
CLARKE, James Stanier & M'Arthur, John. The Life and Services of Horatio Viscount Nelson,
From His Lordship's Manuscripts. Fisher, London, [1840 (3rd)]. 3 vols.
COUTO, José de. Combate Naval de Trafalgar. Madrid, [s.n], 1851.
CUNNINGHAM, Isabella. Countess of Glencairn. A letter to the Right Honorable Spencer Per-
cival on the subject of certain claims upon Government and containing an appeal to the
british nation on the most wanton and invidious aspersion made by him of the character
of the late ever to be lamented Lord Nelson. [S.L, s.n], 1812.

RMB3oT/2021 81
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

DRINKWATER-BETHUNE, J. A narrative of the Battle of St. Vincent with anecdotes of Nelson.


[S.L, s.n], 1840.
DUNCAN, Archibald. The life of the late most noble Lord Horatio Nelson, Viscount and Baron
Nelson of the Nile... including ample and authentic accounts of the brilliant victories...
with interesting anecdotes of distinguished naval officers.... J. Nuttall, Liverpool & James
Cundee, London, 1806.
EDEN, Sir F. M. Brontes. a cento to the memory of Viscount Nelson, Duke of Bronte. [S.L, s.n],
1806.
EDINBURGH REVIEW. Lord Nelson´s letters to Lady Hamilton; letters and despatches of Lord
Nelson; Emma Lady Hamilton. Longmans: London, 1814, 1886, 1896.
EVANS, T. A. Statement regarding the discovery of Lord Nelson´s coat. [S.L, s.n], 1846.
FOOTE, E. J. Vindication of his conduct in the Bay of Naples, 1799. [S.L, s.n], 1807.
FORGUES, E. Durant. Histoire de Nelson d´apres lês dépêches officielles et sa correspondence
particuliére. [S.L, s.n], 1860.
FRENCH, G. R. The Royal Descent of Nelson and Wellington from Edward I. [S.L, s.n], 1853.
HARRISON, James. The life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount Nelson C. Chapple,
London, 1806, 2 vols.
HORSLEY, Samuel. A sermon preached in the cathedral church of Saint Asaph, on Thursday,
December 5, 1805, being the day of public thanksgiving for the victory obtained by Admiral
Lord Viscount Nelson over the combined fleets of France and Spain off Cape Trafalgar.
J. Hatchard, London, 1806.
JEAFFRESON, J. C. Lady Hamilton and Lord Nelson. 2v. London: Hurst and Blackett, 1888.
JEAFFRESON, J. C. The Queen of Naples and Lord Nelson. [S.L, s.n], 1889, 2.vol.
JONES, Mrs. Herbert. Unpublished letters of Lord Nelson to Sir Thomas Troubridge. [s.L]
Century, 1888.
LAMARTINE, A. De. Nelson. [S.L, s.n], 1864.
LAUGHTON, John Knox. Nelson. Macmillan, London, 1895.
LAUGHTON, John Knox. The Nelson memorial. Nelson and his companions in arms. George
Allen, London, 1896.
LAUGHTON, John Knox. Letters and despatches of Horatio, Viscount Nelson, Duke of Bronte.
Longman & Green, London, 1886.
LAUGHTON, John Knox. The Story of Trafalgar. Griffin & Co, Portsmouth, 1891.
LETUAIRE, Henri. Combat de Trafalgar: rapport fait au Ministre de la Marine et des colonies
par le capitaine de vaisseau E. Lucas, commandant le Redoutable pendant cette bataille
célébre. Mort heroique de l´Amiral Nelson. Hyéres; Paris, 1891.
LLOYD, Frederick. An accurate and impartial life of the late Lord Viscount Nelson... together
with private anecdotes ... J Fowler, Ormskirk, 1806.
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson, the embodiment of the sea power of Great Britain.
Sampson Low, London, 1897. 2 vols.
MARLIANI, Manuel. Combate de Trafalgar: vindicacion de la Armada espanola contra las
aserciones injuriosas vertidas por M. Thiers en su Historia del Consulado y del Imperio.
[s.n], Madrid, 1850.
MATCHAM, George. Notes on the character of Admiral Lord Nelson in relation to the journal
of Mrs St George. James Ridgway, London, 1861.
MILES, J. Vindication of Admiral Lord Nelson´s Proceedings in the Bay of Naples, 1843.
MORRISON, A.(ed) The Hamilton and Nelson Papers. 2.v. 1893-1894.
NELSON, Horatio. Letters from Admiral Lord Nelson to Hercules Ross Esq of Rossie, NB, 1780-
1802. 1891.
NICOLAS, Nicholas Harris. The Dispatches and Letters of Vice-Admiral Lord Viscount Nelson.
Henry Colburn, London, 1844-46. 7 vols.

82 RMB3oT/2021
HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON
Parte X: Nelson encontra o seu destino em Trafalgar

ORME, Edward & BLAGDON, Francis William. Orme's graphic history of the life, exploits, and
death of Horatio Nelson... containing fifteen engravings... the Battle off St. Vincent's, the
Nile and Trafalgar. Longmans, Hurst, Rees & Orme, London, 1806.
PETTIGREW, Thomas Joseph. Memoirs of the life of Vice-Admiral Lord Viscount Nelson, KB...
T. & W. Boone, London, 1849, 2 vols.
RALFE, James. Naval biography of Great Britain: consisting of historical memoirs of those
officers of the British Navy who distinguished themselves during the reign of His Majesty
George III. [S.L, s.n], 1828, 4.vols.
RUSSELL, W. C. Nelson and the Naval Supremacy of England (Heroes of the Nation Series).
[S.l], Atheneum, 1890.
SOUTHEY, Robert. The Life of Nelson. John Murray, London, 1813. 2 vols.
STRAHAN, Richard, Sir. Authentic memoirs of the brave and much-lamented Adml Lord Nelson,
the idol of his country... J. Roach, London, 1805.
THOMPSON, G. The life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount Nel-
son, Baron of the Nile... J.S. Pratt, London, 1841. J.S. Pratt, London, 1843.
J.S. Pratt, London, 1844.
TUCKER, John Montmorency. The life and naval memoirs of Lord Nelson...
Willoughby, London, 1845.
WHITE, Joshua. Lebensbeschreibung des Horatio Lord Viscount Nelson...
August Campe, Hamburg, 1806.
WHITE, Joshua. Memoirs of the professional life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount
Nelson... with biographical particulars of contemporary naval officers. James Cundee,
London, 1806.
WHITE, Joshua. Memoirs of the professional life of the late most noble Lord Horatio Nelson...
with biographical particulars of contemporary naval officers... to which is added... the
ceremonies attending his funeral. James Cundee, London, 1806.
WILLYAMS, Cooper. A voyage up the Mediterranean in His Majesty´s Ship the Swiftsure, one
of the squadron under the command of Sir Horatio Nelson with a description of the battle
of the Nile. [ S.l, s.n], 1802.
WOOD, Thomas. Victory and death: the substance of a discourse delivered December 5, 1805:
the day of general thanksgiving for the total defeat of the combined fleets by Lord Nelson.
In aid of the patriotic fund. The Author, Huddersfield, 1806.

RMB3oT/2021 83
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN):
Lições Aprendidas

ANTONIO CARLOS MENDES*


Capitão de Mar e Guerra (RM1)

SUMÁRIO

Introdução
Referencial Teórico
Descrição e análise do projeto-piloto de GC, com base no PMBOK
Descrição e análise de dois projetos de GC, com base na metodologia
Basic Methodware
Descrição e análise da 1a Jornada do Conhecimento Amazul
Descrição e análise das influências do modelo organizacional e da cultura
Conclusões

INTRODUÇÃO e disseminar a GC. Coloca-se em discus-


são os caminhos para a eficaz implantação

E ste artigo faz a análise crítica e descri-


tiva de três projetos de implantação da
Gestão do Conhecimento (GC) no Progra-
da GC no PNM. Com recorte temporal
de agosto de 2015 a janeiro de 2019, a
documentação analisada é constituída de
ma Nuclear da Marinha (PNM). Refere-se projetos, de relatório final de implantação
também à 1a Jornada do Conhecimento do projeto-piloto, de registros de acom-
Amazul, planejada e executada para im- panhamento após a implantação deste e
pulsionar a implantação daqueles projetos de relatórios parciais de implantação dos

* Especialista em Gestão do Conhecimento Nuclear. Mestre em Ciências do Mar pela Escola de Guerra Naval.
Prêmio Learning & Performance Brasil de Referência Nacional, do Institute for Learning & Performance
(2018), pelo trabalho “Projeto-Piloto de Gestão do Conhecimento no Departamento de Operação da
Unidade Piloto de Produção de Hexafluoreto de Urânio do CTMSP (Usexa).
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

outros dois projetos. O projeto-piloto foi tema proposto e, necessariamente, não


aderente ao Guia1 PMBOK. Os outros representa a posição da empresa Amazul
dois projetos seguiram a metodologia ou da Marinha do Brasil.
simplificada de gerenciamento de projetos Aborda-se o tema da seguinte forma:
denominada Basic Methodware, de Xa- − descrição e análise do projeto-piloto
vier (2011). A adoção do Guia PMBOK de GC, com base no PMBOK;
no projeto-piloto, sob a coordenação do − descrição e análise de dois projetos
escritório de projeto da empresa Amazul2, de GC, com base na metodologia Basic
trouxe vantagens e novas oportunidades de Methodware;
melhorias. Na elaboração e na execução − descrição e análise da 1a Jornada do
do projeto-piloto, a contribuição de con- Conhecimento Amazul;
sultor externo, especialista em gestão da − descrição e análise das influências
inovação e em GC, conferiu assertividade do modelo organizacional e da cultura
ao planejamento e trouxe a aplicação de organizacional; e
ferramentas ágeis na fase de efetiva exe- − conclusões.
cução. O projeto-piloto possibilitou a pos-
terior elaboração de metodologia própria, REFERENCIAL TEÓRICO
consistente em manual para a implantação
da GC, adequada às especificidades da Saito (2016) nos apresenta o modelo
Amazul. Verificou-se que o emprego de de referência para a GC, adotado pela
metodologia simplificada de gerenciamen- Sociedade Brasileira de Gestão do Co-
to de projetos, mesclada com ferramen- nhecimento (SBGC), a saber:
tas ágeis, foi o que
melhor favoreceu
o planejamento e a
execução da implan-
tação da GC.
O trabalho calca-
-se em fontes os-
tensivas e está de-
lineado por ideias,
avaliações de amplo
espectro e reflexões
de caráter puramen-
te opinativo, pois
não contém estudo
investigativo pro-
fundo, não esgota as
inúmeras possíveis
abordagens para o

1 Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia PMBOK − Quinta Edição).


2 A Amazul – Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A tem o propósito de absorver, promover, desenvolver,
transferir e manter atividades sensíveis ao Programa Nuclear da Marinha (PNM), do Programa de De-
senvolvimento de Submarinos (Prosub) e do Programa Nuclear Brasileiro (PNB). Disponível em: https://
www.amazul.mar.mil.br/empresa/sobre-a-amazul. Acesso em: 22 abr. 2020. Acesso em: 23 abr. 2020.

RMB3oT/2021 85
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

Figura 1 – Modelo de referência em GC


Fonte: Saito (2016)

Neste modelo, verifica-se o papel con- Aqueles autores afirmam que as vantagens
ferido à GC para alavancar o negócio. Tor- competitivas não pesam mais do que os
na-se explícito o necessário alinhamento sonhos de uma borboleta e colocam o
estratégico da GC ao negócio, para a gerenciamento e a liderança no centro do
consecução dos objetivos organizacionais. palco. Nordström e Ridderstråle (2001, p.
Fica evidente que o perfil da cultura 139) continuam afirmando que os líderes
organizacional, o modelo de gestão em- devem assegurar a transferência contínua
pregado pela organização, a infraestrutura de conhecimento pelas fronteiras organi-
e a tecnologia disponíveis impactam di- zacionais, uma vez que a velocidade de
retamente no ambiente, tornando-o mais uma empresa é determinada não pelas
ou menos propício à gestão integrada e pessoas mais rápidas e mais espertas, mas
assertiva do negócio. pelas mais lentas e pelas menos talentosas.
Stewart (1998, p. 60) explica que a Ainda no modelo de referência da
gestão do capital intelectual, que abrange SBGC, verifica-se também o caráter mul-
a gestão integrada do capital humano, do tidisciplinar da GC.
capital estrutural e do capital do cliente, Biazzi (2018) nos alerta que os conhe-
amplifica as capacidades das empresas em cimentos estão com as pessoas e nos pro-
criar vantagem competitiva. Aquele autor cessos de negócio. Indica a necessidade de
afirma que o maior desafio dos líderes é: identificar e mapear os processos para, a
como transformar o capital humano em seguir, priorizá-los mediante emprego de
vantagem proprietária? Matriz B (impacto sobre o negócio) – Q
Pela perspectiva de Nordström e Rid- (qualidade), tendo por referência os obje-
derstråle (2001, p.20), o meio fundamental tivos estratégicos e a seleção de fatores-
de produção é pequeno, cinza e pesa em -chave. Biazzi (2018) enfatiza que, dentre
torno de 1,3 kg. É o cérebro humano. os processos selecionados, deve-se iden-

86 RMB3oT/2021
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

tificar os conhecimentos neles contidos e Pública Brasileira de Batista (2012). Para


priorizá-los em função de sua relevância e garantir que a GC possa gerar resultados
risco de perda. Cabe observar que a gestão e contribuir para o alcance de objetivos,
de pessoas, ao nível estratégico, permeia Batista (2012) coloca como ponto de
o caráter multidisciplinar citado acima. partida os direcionadores estratégicos da
Na gestão de pessoas, Dutra (2002, p. organização: visão de futuro, missão,
24) aponta o que vem causando a busca objetivos estratégicos, estratégias e metas,
de um novo modelo: reafirmando a necessidade do alinhamento
− as mudanças no ecossistema que estratégico da GC ao negócio.
afetam os padrões comportamentais das Implantar a GC, de forma estruturada e
pessoas; sustentável, requer a gestão de uma longa
− as mudanças nas práticas orga- mudança.
nizacionais motivadas pelas ondas de Kotter (2002, p. 17) salienta que as pes-
globalização, em especial nos sistemas soas mudam menos com base em análises
de produção; e que moldam seu raciocínio do que por
− a turbulência tecnológica em am- força da visão de uma verdade que influen-
biente volátil. cia seus sentimentos. Ou seja, o desafio
Para dar contornos ao que seria este central é mudar o comportamento das
novo modelo de gestão de pessoas, Dutra pessoas a partir de seus sentimentos. So-
(2002, p. 43-46) pro- mente pessoas moti-
põe quatro premissas vadas e convencidas
com os seguintes fo- Somente pessoas motivadas do que necessitam
cos, a saber: e convencidas do que fazer possuem as
− no desenvol- melhores chances de
vimento, em vez de necessitam fazer possuem as atingir o que se de-
foco no controle; melhores chances de atingir manda. Nas pesqui-
− no processo, sas de Kotter (2002,
em vez de foco nos
o que se demanda p. 27), a mudança
instrumentos; em grande escala,
− no interesse conciliado, em vez de bem-sucedida, é um processo complexo
foco no interesse da empresa; e que se desenrola em oito estágios, a saber:
− no modelo integrado e estratégico, − promover o sentimento de urgência;
em vez de foco no modelo constituído por − desenvolver a visão e as estratégias;
partes desarticuladas entre si. − divulgar com eficácia a visão e as
Conclui Dutra (2002, p. 57) que o estratégias;
ambiente onde nos inserimos exige um − remover os obstáculos, empoderar as
modelo de gestão de pessoas que estimule pessoas para a ação;
e ofereça suporte ao desenvolvimento − constituir a equipe de orientação;
mútuo, da empresa e das pessoas, e que − conquistar vitórias a curto prazo;
ofereça a ambas a orientação para esse − continuar desencadeando sucessivas
desenvolvimento, de forma clara, simples ondas de mudança; e
e flexível. − fomentar uma cultura que consolide
Outra referência que apoia as análises os comportamentos recém-adquiridos.
deste ensaio é o Modelo de Gestão do A partir deste referencial teórico,
Conhecimento para a Administração podemos afirmar que o sucesso da orga-

RMB3oT/2021 87
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

nização é resultado dos esforços de uma − Transferência de Tecnologia: Cons-


liderança que se desenvolve, alavanca trução de Submarinos;
outras lideranças e futuros sucessores, − Gestão do Projeto e da Construção
compartilha poder, trabalha em equipe do Submarino Nuclear (SN-BR);
para além dos castelos organizacionais − Construção de Submarinos;
e integra as pessoas nos processos e na − Estaleiro da Ilha da Madeira: Cons-
estrutura organizacional. trução de Submarinos;
− Estaleiro da Ilha da Madeira: Manu-
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO tenção de Submarinos;
PROJETO-PILOTO DE GC, COM − Estaleiro da Ilha da Madeira: Área
BASE NO PMBOK Nuclear/Radiológica;
− Base da Ilha da Madeira;
De forma preambular, cabe registrar − Transferência de Tecnologia: Trei-
que a Marinha do Brasil (MB), mediante namentos Específicos;
sua Diretoria-Geral do Pessoal da Ma- − Grupo de Inspeção e Fiscalização;
rinha (DGPM), criou3, em 27 de agosto − Ciclo do Combustível e Geração de
de 2015, o Núcleo de Implantação do Energia Nucleoelétrica;
Empreendimento Modular, relativo à − Operação do Laboratório de Geração
gestão do preparo do pessoal e à gestão Nucleoelétrica (Labgene7);
do conhecimento afetas ao Programa de − Gestão do Projeto e da Construção
Desenvolvimento de Submarinos (Pro- da Propulsão Nuclear;
sub) e ao Programa Nuclear da Marinha − Construção da Propulsão Nuclear;
(PNM). Ambos os programas são de − Programa de Cooperação com a Ma-
elevada complexidade tecnológica, na rinha Nacional da França (MNF);
fronteira do conhecimento nuclear, e de − Operação do Submarino de Propul-
longo ciclo de vida. são Nuclear Brasileiro (SN-BR);
Aquele Empreendimento Modular − Operação do Submarino de Propul-
elegeu áreas, listadas a seguir4, para objeto são Diesel-Elétrica Brasileiro (S-BR);
da implantação da GC no Prosub, sob a − Gestão do Conhecimento; e
responsabilidade da Coordenadoria-Geral − Gestão Estratégica de Programas.
do Programa de Desenvolvimento de Cabe observar que neste recorte não
Submarino com Propulsão Nuclear (Co- foram explicitadas as fases de atualização
gesn5), e no PNM, este sob coordenação (refurbishment) e de descomissionamento
do Centro Tecnológico da Marinha em de instalação nuclear ou de meio naval
São Paulo (CTMSP6): de propulsão nuclear. Apesar do longo
− Transferência de Tecnologia: Projeto ciclo de vida8 de uma planta nuclear, que
de Submarinos; pode exceder 50 anos, estas fases virão e

3 DGPM. Portaria no 72, de 27 de agosto de 2015.


4 As áreas de interesse à GC constam de anexo da Portaria no 72, de 27 de agosto de 2015, da DGPM.
5 A Cogesn, subordinada à Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha
(DGDNTM), é responsável pelo gerenciamento de projeto, desenvolvimento, nacionalização e constru-
ção do Prosub. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/prosub/parceiros. Acesso em: 28 abr. 2020.
6 Mais informações sobre o CTMSP estão disponíveis em: https://www.marinha.mil.br/ctmsp/principal.
7 Reator nuclear de referência, em construção no Centro Industrial Nuclear de Aramar (CINA), Iperó – SP.
8 De acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica, conforme prefaciado na publicação Knowledge
Management for Nuclear Industry Operating Organizations.

88 RMB3oT/2021
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

demandarão a conjugação dos conheci- baixa complexidade, quando comparado


mentos de projeto, de construção, de ope- aos projetos de engenharia. O período
ração e de manutenção, tendo por balizas para a elaboração do projeto demandou
os conhecimentos que serão necessários à oito meses, de novembro de 2015 a julho
atualização e ao descomissionamento de de 2016, considerado excessivo para pro-
planta nuclear. jeto de baixa complexidade, mesmo com
O CTMSP, responsável pelo PNM, o fato de ter havido longas interrupções
indicou à Amazul, dentro da estrutura de caráter administrativo10. Esta demora
organizacional daquele Centro Tecno- evidenciou o desconhecimento inicial
lógico, o Departamento de Operação da sobre a GC, com curva de aprendizagem
Unidade Piloto de Produção de Hexaflu- que tomou impulso a partir de março de
oreto de Urânio (Usexa)9 como área-alvo 2016, concluindo-se o Termo de Aber-
para o projeto-piloto de implantação tura do Projeto (TAP), em 26 de abril
da GC, uma vez que seus processos, de 2016, primeira versão, com o nome
produtos e serviços estão inseridos no Projeto GC-Usexa. A vantagem advinda
Ciclo do Combustível Nuclear. Neste do emprego do PMBOK foi possibilitar
ponto, cabe salientar a acertada decisão a capacitação da equipe de projeto de
conjunta entre a Amazul e o CTMSP GC naquela metodologia e, ao mesmo
de implantar-se a GC mediante projeto- tempo, dar início à capacitação em GC,
-piloto para, posteriormente, implantar- de forma estruturada.
-se, de forma gradual, nas demais áreas Em contrapartida, o emprego da
do PNM, elencadas no Empreendimento metodologia simplificada de gestão de
Modular de GC da MB. Em vista das projetos Basic Methodware mostrou ser
dimensões dos PNM/Prosub e de suas adequado para a elaboração e aprovação
complexidades tecnológicas, a implan- de um projeto de implantação de GC em
tação da GC de forma gradual mostra-se até 40 dias, levando-se em consideração
caminho seguro, restando futuro estudo eventuais atrasos.
para melhor se aquilatar sua contribuição A documentação do Projeto GC-Usexa
como fator crítico. com base no PMBOK foi extensa em cada
Coube à Amazul elaborar e executar plano e assim constituída:
o projeto-piloto. Para tanto, constituiu − TAP;
uma equipe de projeto com 11 onze − Declaração de Escopo;
pessoas, com representantes oriundos de − Estrutura Analítica do Projeto (EAP);
todas as áreas daquela empresa, e optou − Dicionário da EAP;
pela adoção do PMBOK, 5a edição, sob − Cronograma de Execução;
orientação do Escritório de Projetos da − Plano de Comunicações;
Diretoria Técnico-Comercial daquela − Plano de Recursos Humanos;
empresa. A adoção do PMBOK para a − Plano de Qualidade;
elaboração de projeto-piloto de implan- − Plano de Riscos;
tação da GC mostrou-se metodologia de − Plano de Partes Interessadas; e
elevado detalhamento para projeto de − Plano de Custos.

9 A Usexa faz a conversão do mineral urânio (sólido) em um giz (UF6 – hexafluoreto de urânio), vital para se
ter o combustível nuclear enriquecido para uso em reatores nucleares de potência do tipo PWR (Power
Water Reactor), responsáveis pela geração de eletricidade e propulsão naval.
10 Período de recesso em dezembro de 2015 e de férias em janeiro de 2016.

RMB3oT/2021 89
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

Para a implantação do Projeto GC-Use- totalizando 12 meses, mas efetivamente


xa, a Amazul estabeleceu uma equipe de demandou cerca de nove meses, tendo
implantação, com 14 pessoas, sob gerência em vista longas interrupções de caráter
de representante sênior da Coordenadoria- administrativo, assim como houve outras
-Geral de Gestão de Pessoas (CGGP11) da- interrupções a pedido do Departamento
quela empresa, área patrocinadora daquele da Usexa para o desenvolvimento de suas
projeto. Nesta equipe de implantação, oito atividades operacionais.
pessoas exerceram as seguintes funções: Revela-se importante citar que a ex-
− um gerente de projeto; pertise da consultora contratada muito
− um ajudante atuando como gerente contribuiu na elaboração do projeto-piloto
de subprojeto; nos moldes do PMBOK e, principalmen-
− dois analistas para o mapeamento de te, na implantação da GC-Usexa, com a
processos12 de negócio e das competências transmissão de conhecimentos para a ges-
técnicas; tão de projetos e com o emprego de prá-
− dois analistas para o mapeamento de ticas próximas do Scrum e do Kanban16.
competências comportamentais13; Constituiu a conjugação do tradicional
− um especialista14 em GC, inovação e modelo cascata17 para o desenvolvimento
ferramentas ágeis, atuando como product de projetos com os princípios do manifes-
owner do Scrum15; e to ágil18, o que, de fato, conferiu melhor
− um assistente administrativo. ritmo ao desenvolvimento das atividades
Entretanto, naquele momento, também de implantação da GC e despertou o in-
se buscava qualificar mais pessoas para teresse pela aplicação de tais práticas de
futuras implantações da GC, e seis pessoas forma estruturada.
integraram a equipe de implantação. Cabe observar que a gestão da im-
O Departamento da Usexa constituiu plantação do projeto-piloto GC-Usexa
sua equipe local, com 12 representantes, não foi totalmente aderente ao PMBOK,
de nível superior e de nível técnico, dos não formalizou as entregas parciais e isto
setores-chave daquele Departamento. acarretou algum retrabalho e dificultou a
Finalizada a documentação do projeto- elaboração do Relatório Final19. A gestão
-piloto, a equipe de implantação Amazul das partes interessadas e a comunicação
elaborou plano de trabalho negociado com foram desbalanceadas, pois foram muito
a equipe local da Usexa. boas junto à equipe local do Departa-
O período de implantação foi de mento da Usexa, razoáveis junto aos
setembro de 2016 a setembro de 2017, patrocinadores e insuficientes junto à alta

11 Em agosto de 2018, a CGGP foi alçada à Diretoria de Gestão do Conhecimento e Pessoas da Amazul.
12 De acordo com o Guia para o Gerenciamento de Processos de Negócio Corpo Comum de Conhecimento (BPM –
CBOK), empregando-se a Business Process Model and Notation (BPMN) e o software gratuito Bizagi Modeler.
13 Foi empregada a ferramenta DISC: modelo para examinar o comportamento dos indivíduos em um determinado
ambiente. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/DISC_%28psicologia%29. Acesso em: 23 out. 2017.
14 Consultora externa contratada por cerca de 12 meses.
15 Ver o Guia do Scrum. Disponível em: https://www.scrumguides.org/docs/scrumguide/v2017/2017-Scrum-
-Guide-Portuguese-Brazilian.pdf. Acesso em: 23 abr. 2020.
16 Ver: https://artia.com/kanban/.
17 Ver: https://amazon-c.unifacs.br/index.php/rsc/article/viewFile/2809/2364.
18 Ver: https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html.
19 Divulgado às partes interessadas: Ofício no 129, de 30 out. 2017, da Amazul ao CTMSP.

90 RMB3oT/2021
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

administração do CTMSP e do Centro modelagem do Manual de Implantação


Industrial Nuclear de Aramar (CINA). da GC Amazul23.
Estes dois últimos, à época, eram ainda O Curso de Gestão por Processos e
muito céticos quanto aos reais benefícios BPM capacitou a equipe de implantação
da GC e quanto à capacidade da equipe Amazul a mapear os processos do Depar-
de implantação em lograr êxito. tamento da Usexa. Este mapeamento foi
É de se destacar quais foram os cursos fator crítico para o êxito do levantamento
patrocinados pela Amazul para preparar das habilidades e dos conhecimentos rele-
sua equipe para a implantação da GC: vantes e da identificação das pessoas que
a) durante o projeto-piloto GC-Usexa: os detinham. A partir do mapeamento dos
− Curso de Estratégias de GC, com carga processos da Usexa, mediante a parame-
horária de 16 horas, em outubro de 2016; trização do Bizagi Modeler, foi possível o
− Curso de Gestão do Conhecimento levantamento das competências técnicas.
Nuclear, com carga horária de 35 horas, A experiência com o mapeamento de
em dezembro de 2016; processos no projeto-piloto evidenciou a
− Curso de Gestão por Processos e necessidade de se consolidar uma meto-
BPM, com carga horária de 16 horas, em dologia para o mapeamento de processos,
dezembro de 2016; tendo em vista sua relevância para a GC,
− Curso Expedito de Gestão de Pro- para a gestão por competência e, por
jetos, com carga horária de 35 horas, em consequência, para a gestão do negócio.
dezembro de 2016; e A partir desta experiência, buscou-se
− Curso Combinando a GC e a Gestão estruturar um Escritório de Processos na
por Processos, com carga horária de 8 então Coordenadoria-Geral de Gestão de
horas, em abril de 2017; Pessoas, tendo por referência os conceitos
b) após o projeto-piloto GC-Usexa: de Usirono (2015).
− Curso de Gestão da Inovação, com A participação de representantes da
carga horária de 40 horas, entre outubro Diretoria de Gestão do Conhecimento e
e dezembro de 2017. Pessoas (DGCP) da Amazul no 14o Con-
O Curso de Gestão do Conhecimento gresso Brasileiro de Gestão do Conheci-
Nuclear (GCN), ministrado no Instituto mento (14o KM Brasil)24, realizado pela
de Radioproteção e Dosimetria (IRD)20, SBGC no período de 18 a 20 de setembro
foi formatado nos moldes do curso minis- de 2018, nutriu as pessoas mediante o
trado pela Nuclear Knowledge Manage- contato com o estado da arte na aplica-
ment School21, da Agência Internacional ção da GC, exposto por pesquisadores e
de Energia Atômica. Neste curso foi pos- representantes de empresas privadas e de
sível o acesso às publicações22 que tratam organizações estatais, elevando o interesse
da GCN, o que muito contribuiu para a e o nível do comprometimento.

20 O IRD é uma instituição de pesquisa, desenvolvimento e ensino na área de radioproteção, dosimetria e


metrologia das radiações ionizantes, vinculado à Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD) da
Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Disponível em: http://www.ird.gov.br/index.php/o-ird.
Acesso em: 23 abr. 2020.
21 Ver: https://www.iaea.org/services/education-and-training/schools/school-of-nuclear-knowledge-management.
22 Ver: https://www.iaea.org/publications/10921/knowledge-loss-risk-management-in-nuclear-organizations.
23 Este Manual constitui a Norma de Procedimento (NP) 051-013 daquela empresa.
24 Ver: http://www.kmbrasil.org/km-brasil-2018.html.

RMB3oT/2021 91
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

As atividades para a elaboração do em cada etapa do processo de implantação.


projeto-piloto sob orientação do Escritório Em 7 de novembro de 2017, foram apresen-
de Projetos, as atividades de implantação tados às partes interessadas26 os principais
do projeto-piloto, sob a orientação de pontos do Relatório Final de implantação
consultor externo, e os conhecimentos e as da GC-Usexa, com o seguinte conteúdo:
trocas de experiências ao longo dos cursos a) a cargo da equipe de implantação
indicados acima foram fatores críticos da Amazul:
para capacitar a equipe25 e para o êxito da − as diretrizes do Empreendimento
implantação de GC-Usexa. Modular;
Destaca-se que o Empreendimento − os fundamentos do modelo Amazul
Modular citado acima estruturou formal e para a implantação da GC;
adequadamente sua governança, ao nível − o processo com as fases de implan-
estratégico. A governança local de GC tação da GC-Amazul; e
da Usexa, podemos dizer que ao nível − os resultados alcançados e as lições
operacional, foi delineada e estabelecida, aprendidas.
ainda por amadurecer. Por outro lado, a b) a cargo da equipe local da Usexa:
governança tática entre CTMSP-PNM, − as características da Usexa, a missão,
Cogesn-Prosub e a Amazul, até janeiro os valores e os objetivos;
de 2019, estava carente de estruturação − o Plano de Ação de GC-Usexa, com
formal, evidenciando que a continuidade da horizonte de planejamento para 30 meses;
implantação e da manutenção da GC estaria − o Plano de Sucessão e o dimensio-
dependente das boas ou das más relações namento da força de trabalho; e
pessoais entre os representantes das partes. − os resultados alcançados e as lições
No Relatório Final de implantação do aprendidas.
projeto-piloto GC-Usexa, temos: a relação Após o término do projeto-piloto de
das equipes de projeto e de implantação, GC-Usexa, foram estabelecidas reuni-
ambas da Amazul, e da equipe local da ões para facilitar a manutenção da GC,
Usexa; o registro da razão de ser da em- mediante a prestação de consultoria de
presa; a referência dos documentos de representantes da Coordenadoria de GC
alto nível da administração da MB para da Amazul 27 ao Departamento da Usexa.
o alinhamento estratégico; o resumo das Cabe destacar os tópicos tratados para
Normas do Empreendimento Modular; a a manutenção da GC-Usexa, entre dezem-
transcrição dos objetivos do projeto-piloto; bro de 2017 e janeiro de 2019, a saber:
a citação das diretrizes para atender à Ges- − necessidade da continuidade do
tão do Preparo de Pessoal e implementar a mapeamento de processos, de forma mais
sistemática de GC no âmbito dos Prosub/ detalhada;
PNM; o resumo do que seria o processo − necessidade de delineamento de um
para a implantação da GC; e a descrição Sistema de Gestão Integrada para futura
das atividades e dos resultados alcançados implantação no Departamento da Usexa;

25 Esta equipe teve por núcleo os integrantes da Coordenadoria de Gestão do Conhecimento da Diretoria de
GC e Pessoas da Amazul à época, composta por quatro pessoas.
26 Com a assistência de representantes da DGPM, da Cogesn, do CTMSP, da DDNM e do CINA.
27 Esta Coordenadoria foi idealizada para se tornar um centro de competência em GC, nos moldes de um
knowledge management office, de acordo com os conceitos de Leandro Pereira na obra Gestão de Co-
nhecimento em Projetos.

92 RMB3oT/2021
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

− adoção da ferramenta 5S 28 pela mento, totalizando 47 processos. Espe-


Usexa; cificamente, para a aplicação do Basic
− sistematização da governança local Methodware na elaboração dos outros dois
de GC-Usexa; projetos de implantação da GC no PNM,
− status do andamento do Plano de foi possível adaptá-lo de forma ainda mais
Ação de GC-Usexa; e simples. Aqui cabe uma explicação. Esta
− revisão do Plano de Ação GC-Usexa, metodologia de gestão de projeto pode
a partir da realização de nova rodada para ser simplificada, pois a complexidade
questionário de diagnóstico e da reaná- encontrava-se nas ferramentas de im-
lise da Matriz GUT29 para os processos plantação da GC em si. Tais ferramentas
priorizados. de implantação foram identificadas e
Desta experiência, identificamos os aplicadas ao longo do projeto-piloto e
seguintes fatores críticos para o sucesso da consolidadas no Manual de Implantação
manutenção da GC: nutrir as pessoas com da GC da Amazul. Com o emprego desta
as conquistas alcançadas e com os desafios metodologia, foi possível descentralizar
de possível superação; realinhar semestral- a gestão de projetos do Escritório de Pro-
mente o Plano de Ação de GC à gestão jetos da Diretoria Técnica-Comercial da
do negócio; e manter a comunicação com Amazul, diante da menor complexidade
todos os níveis de governança da GC. para a implantação da GC, conferindo
Cabe destacar que o Projeto de GC- maior agilidade às decisões.
-Usexa foi agraciado pelo Institute for Foram as seguintes áreas indicadas
Learning & Performance no 17o Prêmio pelo CTMSP para a continuidade da
Learning & Performance Brasil 2018/201930, implantação da GC no PNM, após o
na categoria Referência Nacional, em re- projeto-piloto:
conhecimento pelas suas boas práticas em − em 17 de novembro de 2017, da sua
aprendizado e desempenho. Assessoria de Meio Ambiente (AMA)31,
setor responsável pelo controle de efluentes
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE e pela monitoração de amostras ambientais
DOIS PROJETOS DE GC, COM no contexto do ciclo do combustível nucle-
BASE NA METODOLOGIA ar e da geração de energia nucleoelétrica.
BASIC METHODWARE Mesmo com o recesso de final de ano em
2017 e com as férias em janeiro de 2018,
Para contrastar, o Basic Methodware em 29 de janeiro de 2018 foi aprovado o
possui 13 processos, enquanto o PMBOK projeto para a implantação da GC, que
5a edição possuía dez áreas de conheci- recebeu o nome de Projeto GC-AMA; e

28 Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/5S.
29 A Matriz GUT é uma ferramenta bastante utilizada, com o intuito de priorizar os problemas e, consequente-
mente, tratá-los, levando em conta suas gravidades, urgências e tendências. Auxilia na formação de estra-
tégias, na gestão de projetos e também na coleta de dados. A Matriz GUT complementa a análise SWOT.
Ambas analisam os ambientes internos e externos da organização. A Matriz GUT permite quantificar as
informações, pontuar os itens analisados de acordo com o seu grau de prioridade. Disponível em: http://
www.portal-administracao.com/2014/01/matriz-gut-conceito-e-aplicacao.html. Acesso em: 23 abr. 2020.
30 Ver: https://institutomicropower.com/referencia-nacional-projeto-piloto-de-gestao-do-conhecimento-usexa/.
31 Inicialmente, foram indicadas a Divisão de Monitoração Ambiental e a Divisão de Radioproteção, então perten-
centes ao Departamento de Segurança Nuclear da Superintendência da Qualidade do CTMSP. Em reestrutu-
ração do CTMSP, foi criada a Assessoria de Meio Ambiente, incorporando as atividades daquelas Divisões.

RMB3oT/2021 93
94
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

Figura 2 – Mapa mental da Estrutura Analítica de Projeto de GC


Fonte: Mapa elaborado pelo autor, a partir da EAP dos Projetos GC-AMA/DDNM-12

RMB3oT/2021
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

− em 10 de maio de 2018, da Co- de entrega, foi elaborado Plano de Tra-


ordenadoria do Programa do Ciclo do balho de comum acordo entre a equipe
Combustível Nuclear da Diretoria de de implantação Amazul e a equipe local
Desenvolvimento Nuclear da Marinha, de GC de cada projeto. Tais Planos de
com aprovação do Projeto GC-DDNM-12 Trabalho sofriam revisões frequentes, a
em 24 de julho de 2018. fim de se ajustarem às disponibilidades
Constata-se a agilidade da metodolo- das equipes locais.
gia Basic Methodware para a elaboração Neste ponto, encontra-se outro fator
e para a aprovação de projeto. Também crítico para o êxito na implantação da GC:
muito contribuíram para esta agilidade as a revisão do Plano de Trabalho. Diante
lições aprendidas para a elaboração e para da capacitação da equipe de implantação
a implantação do projeto-piloto GC-Usexa. da Amazul, do detalhamento objetivo do
A documentação de ambos os projetos, projeto, de seu caminho crítico otimizado e
com a maioria dos planos resumida a do Manual de Implantação da GC Amazul,
tabelas, foi a seguinte: com ferramentas e métricas fundamentadas
− o TAP, que incluía recursos humanos; em boas práticas, estima-se que o período
− Relação das Partes Interessadas; para a implantação efetiva da GC demande
− a EAP; cerca de seis meses. Entretanto, pela expe-
− Lista de Verificação da Qualidade; riência, haverá fatos supervenientes con-
− Mapa de Comunicações; dicionando a disponibilidade das equipes
− Diagrama de Rede e Caminho Crítico; locais de GC, podendo elevar o período oito
− Matriz RACI; meses, para a efetiva implantação da GC, o
− Mapa de Riscos e Oportunidades; que requer a revisão assertiva do Plano de
− Orçamento e Memorial de Custos; e Trabalho para sua conclusão em seis meses.
− Cronograma de Atividades. Outra questão crítica é saber quantos
A Figura 2 resume a Estrutura Analí- projetos de implantação da GC poderão
tica aplicada ao Projeto GC-AMA e ao ser conduzidos simultaneamente. Pela
Projeto GC-DDNM-12. experiência dos projetos sob análise e
Ao analisar o primeiro nível de decom- pela então constituição da força de tra-
posição da EAP, veremos que o pacote balho da Coordenadoria de Gestão do
para a Preparação do Ambiente Favorável Conhecimento da Amazul, julga-se que o
(1.2) é aderente aos estágios para a gestão ponto ótimo é a implantação simultânea
da mudança de Kotter (2002). Entretanto de até dois projetos de GC, sem prejuízo
a consolidação da cultura e do ambiente de outras iniciativas como a Jornada do
favorável à GC requer ações continuadas Conhecimento Amazul, a participação
ao longo dos demais pacotes de entrega, em de eventos externos, a participação em
especial à manutenção da GC após o encer- cursos ou a implantação de Comunidades
ramento formal do projeto de implantação. de Prática nos PNM/Prosub, entre outras.
Ou seja, outro fator crítico se apresenta para Reconhece-se, todavia, que a experiência
o amadurecimento da cultura e do ambiente das pessoas e sua disponibilidade indivi-
favorável à GC: ações continuadas de GC dual agregam maiores chances de se im-
patrocinadas pelas governanças de GC, aos plantar mais projetos de forma simultânea.
níveis tático e estratégico. Cabe destacar que o CTMSP, em julho
Para o desenvolvimento das ativida- de 2019, foi agraciado com o prêmio
des necessárias à conclusão dos pacotes Categoria Especial do Programa Netu-

RMB3oT/2021 95
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

no32, da Marinha do Brasil, pelo projeto do Departamento de TI do CTMSP; e do


de implantação de GC na Assessoria de Departamento de TI da Amazul. De forma
Meio Ambiente. resumida, no primeiro dia da 1a Jornada, os
representantes do Departamento da Usexa
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA 1a apresentaram o tema “Lições aprendidas
JORNADA DO CONHECIMENTO na implantação da GC e o status da exe-
AMAZUL cução do plano de ação de GC”. O repre-
sentante do CTIM apresentou o tema “O
Nos dias 30 e 31 de outubro de 2018, ambiente de colaboração Rede Marinha e
a Amazul, com o apoio do CTMSP e do as Comunidades de Prática”. No segundo
Centro de Tecnologia da Informação da dia da Jornada, foram apresentados os
Marinha (CTIM), realizou a 1a Jornada seguintes temas, desenvolvidos por três
do Conhecimento Amazul 33, com o pro- mesas, cada uma composta com represen-
pósito de: tantes de cada setor participante:
− promover a cultura de GC e a troca − Mesa 1: As experiências de práticas
de experiência entre os setores-alvos de de GC na Usexa;
projetos de implantação de GC; − Mesa 2: Comunidades de Prática no
− fomentar práticas de GC, tais como ambiente colaborativo Rede Marinha e
plano de sucessão e comunidades de Plano de Sucessão para alavancar a GC; e
prática no ambiente colaborativo Rede − Mesa 3: Sistema de Gestão Integrada
Marinha; e Usexa para alavancar a GC.
− discutir a arquitetura de gestão inte- Este evento reascendeu a chama da GC
grada de GC com apoio da tecnologia da no Departamento da Usexa, revigorando
informação (TI). seus representantes, bem como incentivou
Cabe observar que o ambiente cola- os representantes da AMA, cujo projeto de
borativo Rede Marinha34, até então, era implantação da GC estava com atrasos, e
desconhecido pela maior parte da força de incorporou os representantes da DDNM-
trabalho do PNM e da Amazul, necessi- 12, com a participação mais efetiva em
tando maior divulgação para ser estudado ambiente favorável à GC, cujo projeto de
e utilizado. implantação ainda estava em seu início.
Neste evento, o que se identificou Também foi relevante a assistência do
como relevante para a implantação da diretor-presidente da Amazul, do diretor
GC foi a integração de diferentes setores de Gestão do Conhecimento e Pessoas da
com a participação de representantes do Amazul e de representantes da empresa
Departamento da Usexa; da AMA; da Atech Negócios em Tecnologias S/A e das
Coordenadoria do Programa do Ciclo Indústrias Nucleares do Brasil S/A, con-
do Combustível Nuclear (DDNM-12); ferindo destaque e relevância ao evento.

32 Os prêmios do Programa Netuno têm periodicidade bienal e buscam reconhecer, destacar e certificar as
Organizações Militares (OM) da Marinha do Brasil que praticam e comprovam excelente desempenho
institucional, com qualidade em gestão. O Programa Netuno visa institucionalizar boas práticas de gestão,
permitindo que as OM busquem a melhoria contínua dos processos inerentes às suas atividades. Disponível
em: https://www.amazul.mar.mil.br/ctmsp-premiado-gestao-conhecimento. Acesso em: 28 abr. 2020.
33 Ver: https://www.amazul.mar.mil.br/amazul-ctmsp-promovem-jornada-conhecimento.
34 A Rede Marinha, plataforma colaborativa disponível somente na intranet da MB, integra os benefícios do
compartilhamento de informações e a colaboração.

96 RMB3oT/2021
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS que o CDS, subordinado ao CTMSP, pro-


INFLUÊNCIAS DO MODELO jeta os submarinos do Prosub, estando este
ORGANIZACIONAL E DA programa sob a coordenação da Cogesn,
CULTURA sendo esta Coordenaria-Geral pertencente
à estrutura organizacional da DGDNTM.
A estrutura das organizações militares De forma metafórica, a DDNM projeta e
segue o princípio da especialização, ou constrói o motor e o combustível, tanto
seja, é notadamente funcional, de caráter para as instalações nucleares terrestres
predominante de comando e controle. A do PNM quanto para o SN-BR do Prosub.
visão matricial constante da ilustração Também deve ser observado que a
seguinte foi elaborada apenas para esta força de trabalho do PNM e do Prosub
análise e não representa, necessariamente, é constituída por militares da ativa e da
qualquer registro de estrutura organiza- reserva, empregados da Amazul, pessoal
cional da MB. civil do Regime Jurídico Único da União
Aqui aparecem o Centro de Desenvol- e terceirizados.
vimento de Submarinos (CDS), a DDNM No PNM, o total de empregados Ama-
e o CINA, todos subordinados ao CTMSP, zul representa cerca de 60% de sua força
sendo o último subordinado à DGDNTM35. de trabalho. Verifica-se a existência de um
As organizações militares indicadas mosaico de experiências e valores huma-
na Figura 3 e a empresa Amazul possuem nos que influenciam e são influenciados
autonomia administrativa, observando-se pela cultura organizacional.

Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM)

PROGRAMAS PROJETOS CTMSP CINA COGESN AMAZUL

Ciclo do
Combustível Operação
Nuclear Coordenação das plantas
PNM DDNM
do PNM industriais e
LABGENE nucleares Gestão do
Conhecimento
e Pessoas
SN-BR
Coordenação
PROSUB CDS
do PROSUB
S-BR

Figura 3 – Visão Matricial


Fonte: Autor

35 A DGDNTM planejará, orientará, coordenará e controlará as atividades nucleares, científicas, tecnológicas


e de inovação, atuando como órgão central executivo do Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação da
Marinha (SCTMB). Disponível em: https://www.marinha.mil.br/dgdntm/node/1. Acesso em: 23 abr. 2020.

RMB3oT/2021 97
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

Por força constitucional, as Forças pessoas. Entretanto, para a governança


Armadas são organizadas 36 com base da GC, há lacuna a ser estruturada. Pelas
na hierarquia e na disciplina. É neste observações ao longo da implantação
contexto que a Amazul, empresa pública dos projetos sob análise, no recorte
vinculada à MB, oferece suas competên- temporal deste trabalho, verificou-se que
cias essenciais para a gestão estratégica esta lacuna foi preenchida pelas barreiras
de pessoas e para a GC. organizacionais pautadas pela cultura da
A Amazul, com herdado viés cultural hierarquia e da disciplina.
da disciplina e da hierarquia, atua, de A governança, devidamente estrutura-
forma matricial, na gestão estratégica de da, é fator crítico para o êxito da implanta-
pessoas e na GC, mas com a predomi- ção e da manutenção da GC em ambiente
nância da força administrativa e gerencial organizacional complexo de ciência e
funcional das organizações militares com tecnologia, que envolve produtos de lon-
as quais interage. Sem qualquer juízo de go ciclo de vida, em que o risco de perda
valor, esta foi apenas uma constatação de conhecimento está presente e, caso se
observada ao longo dos três projetos de concretize, os prejuízos tecnológicos e
GC sob análise. Ou seja, as influências de recursos orçamentários serão líquidos
do modelo organizacional e da cultura são e certos. Cabe observar que, havendo
evidentes, restando prejuízo ao acesso à
identificar qual a tecnologia nuclear,
governança de GC Havendo prejuízo ao também haverá im-
a ser estabelecida
neste contexto.
acesso à tecnologia nuclear, pactos em diversas
aplicações para a
Respeitando-se o também haverá impactos sociedade, além das
modelo e as culturas em diversas aplicações aplicações militares.
organizacionais pre-
dominantes, temos para a sociedade, além das CONCLUSÕES
que a experiência aplicações militares
adquirida ao longo Para a implanta-
do desenvolvimento ção da GC, há vários
dos três projetos de GC, com ênfase no caminhos possíveis e testados e outros
relacionamento interpessoal entre os inte- ainda a serem criados e testados. Das
grantes da equipe de implantação Amazul, nossas análises e dos fatores críticos iden-
as equipes locais de GC e demais partes tificados, destacamos como alavanca para
interessadas, valida as quatro premissas de o êxito na implantação e na manutenção
Dutra (2002) citadas no referencial teórico da GC o planejamento e a execução de
acima, em especial o foco no desenvolvi- projeto, alinhados ao negócio, conjugados
mento, em vez de foco no controle. com métodos ágeis. Segue-se o perfil de
Ponto sensível identificado revela-se aprender de forma continuada, acrescido
na gestão dos programas e projetos, na de ações também continuadas para nutrir
qual o CTMSP/PNM e a Cogesn/Prosub, e capacitar as pessoas.
devidamente, reportam-se à DGDNTM Em ambiente organizacional complexo
ao nível estratégico, incluída a gestão de como visto acima, sem a devida governan-

36 Artigo 142 da CF.

98 RMB3oT/2021
GESTÃO DO CONHECIMENTO NUCLEAR (GCN): Lições Aprendidas

ça e sem a comunicação assertiva entre dida como a liderança que se desenvolve,


as partes interessadas, compromete-se que alavanca outras lideranças e futuros
o sucesso para a implantação e para a sucessores, que compartilha poder, que
manutenção da GC. trabalha em equipe para além dos castelos
Para a síntese deste artigo, reitera-se que organizacionais e que integra as pessoas
a liderança é o ponto focal da GC, enten- aos processos e à estrutura organizacional.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ADMINISTRAÇÃO>; Gestão por Competências; Organização; Programa Nuclear;

REFERÊNCIAS

ASSOCIATION OF BUSINESS PROCESS MANAGEMENT PROFESSIONALS. Guia


para o Gerenciamento de Processos de Negócio Corpo Comum de Conhecimento (BPM –
CBOK). E-book (762 p.). ISBN 978-16-2825-392-4. Disponível em: https://www.abpmp-br.
org/educacao/bpm-cbok/. Acesso em: 5 nov. 2018.
BATISTA, Fabio Ferreira. Modelo de Gestão do Conhecimento para a Administração Pública
Brasileira. E-book (134 p.). ISBN 978-85-7811-139-7. Disponível em: http://www.ipea.gov.
br/observatorio/destaques/71-modelo-de-gestao-do-conhecimento-para-a-administracao-
-publica-brasileira. Acesso em: 11 jun. 2016.
BIAZZI, Monica Rottmann de. Material apresentado no curso combinando Gestão do Conheci-
mento e Gestão por Processos para o Desempenho dos Negócios na Sociedade Brasileira
de Gestão do Conhecimento. 25 abr. 2018. 90 slides.
DUTRA, Joel Souza. Gestão de Pessoas: modelo, processo, tendências e perspectivas. São Paulo:
Atlas, 2002.
INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY. Knowledge Management for Nuclear Indus-
try Operating Organizations. E-book (185 p.). ISBN 92-0-108906-6. Disponível em https://
www-pub.iaea.org/MTCD/Publications/PDF/te_1510_web.pdf . Acesso em: 3 jan. 2017.
KOTTER, John P., COHEN, Dan S. O Coração da Mudança. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
NORDSTRÖM, Kejell A., RIDDERSTRÅLE, Jonas. Funky Business – Talento movimenta ca-
pitais. São Paulo: Makron Books, 2001.
PEREIRA, Leandro. Gestão de Conhecimento em Projetos. Lisboa: FCA, 2011.
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. 2013. Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento
de Projetos (Guia PMBOK®). 5a Ed. E-book (595 p.). ISBN: 978-1-62825-007-7. Disponí-
vel em: https://www.passeidireto.com/arquivo/17343718/pmbok-5-a-edicao-portugues-br.
Acesso em: 4 mai. 2020.
SAITO, André. Material apresentado no curso Construindo a Estratégia de Gestão do Conhecimento
na Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento. 21 out. 2016. 159 slides.
STEWART, Thomas A. Capital Intelectual. Rio de Janeiro: Elsevier, 1998.
USIRONO, Carlos Hiroshi. Escritório de Processos. Arquivo Kindle. Rio de Janeiro: Brasport, 2015.
XAVIER, Carlos Magno da Silva; XAVIER, Luiz F. da Silva. Metodologia simplificada de ge-
renciamento de projetos Basic Methodware®. Rio de Janeiro: Brasport, 2011.

RMB3oT/2021 99
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ
IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE
A ESTOCAGEM?*

THAIS LIVRAMENTO SILVA**


Bióloga

JUCIANA CLARICE CAZAROLLI***


Bióloga

MARCO FLORES FERRÃO****


Químico

FÁTIMA MENEZES BENTO*****


Bióloga

SUMÁRIO

Introdução
Material e Métodos
Resultados
Conclusão

INTRODUÇÃO naturais e, em escala econômica, podem


ser classificados como produtos do setor

H istoricamente, a principal fonte de


energia no setor industrial tem sido
o petróleo, mas alternativas renováveis
primário. Os chamados biocombustíveis,
como o biodiesel de primeira, segunda ou
terceira geração, são produzidos a partir
e de menor impacto ao ambiente já são de matérias-primas diversas, como óleo de
uma realidade no cenário mundial. Tanto soja, óleos não comestíveis e microalgas,
o biodiesel quanto o óleo diesel são ge- respectivamente. Possuem vantagens im-
rados a partir da exploração dos recursos portantes sobre o combustível fóssil, como

* Baseado na Dissertação de Mestrado de Thais Livramento Silva, intitulada “Avaliação do impacto da adição
de biodiesel e misturas (B10 e B20) óleo diesel marítimo durante estocagem simulada” apresentada em
julho de 2020, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob orientação da Prof. Dra.
Fátima Menezes Bento.
** Graduada em Biologia e mestre em Microbiologia Agrícola e do Ambiente pela UFRGS.
*** Graduada em Biologia, mestre e doutora em Microbiologia Agrícola e do Ambiente pela UFRGS.
**** Professor e orientador na UFRGS, com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Química. Atua nas áreas
de Química e Engenharia, com ênfase em Quimiometria, Espectroscopia Molecular, Biocombustíveis
e Pesquisa Operacional.
***** Professora e orientadora na UFRGS, com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Microbiologia de Com-
bustíveis. Atua nas áreas de Biodeterioração, Biodegradação, Biorremediação de Combustíveis e Biocom-
bustíveis. Atualmente, é professora associada da UFRGS, pesquisadora do CNPq e coordenadora do Labbio.
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

menor geração de poluentes, por exemplo, (aéreos ou subterrâneos). A entrada da água


o dióxido de carbono e compostos nitro- pode acontecer por problemas de vedação
genados (DEMIRBAS, 2017, OTHMAN e, principalmente, pela condensação da
et al., 2017; HOSSEINZADEH-BAND- umidade nas paredes dos caminhões e
BAFHA et al. 2018; SAKTHIVEL et al. tanques. A higroscopicidade, que é uma
2018; CLUME et al., 2019). tendência natural do biodiesel em absorver
As atividades de transporte de cargas água, é um dos fatores importantes a con-
são as que mais contribuem para a poluição siderar no uso de biodiesel em ambientes
em ambientes aquáticos, especialmente de alta umidade, pelo risco acelerado de
pela emissão de gases de embarcações de alteração no teor de água permitido e
diferentes portes (MOHD et al., 2018; especificado. O contato direto com a água
CLUME et al., 2019). Neste sentido, a (dissolvida e/ou na fase livre) favorece o
limitação das emissões tem sido controlada crescimento microbiano e o desenvolvi-
pela Organização Internacional Marítima mento de biofilmes, que podem concentrar-
(IMO), que precisou encontrar uma nova -se na interface óleo-água ou aderidos
alternativa para os motores marítimos. Ao às paredes do tanque (SUFLITA et al.,
nível internacional, o biodiesel foi escolhi- 2012; BÜCKER et al., 2014; BENTO
do por ser uma alternativa aceitável ambien- et al. 2016; DA FONSECA et al., 2019;
talmente e pela possibilidade de redução CAZAROLLI et al. 2020). A preocupação
da dependência dos combustíveis fósseis. com perdas econômicas e manutenção da
No Brasil, os biocombustíveis foram qualidade dos produtos é uma questão de
incorporados à matriz energética por meio interesse mundial, e problemas associados
de leis que determinam a obrigatoriedade à contaminação microbiana de combustí-
de sua adição (ANP, 2009; CLUME et veis, como o óleo diesel e biodiesel, vêm
al., 2019). Atualmente, para o óleo diesel sendo relatados e reconhecidos na literatura
rodoviário é estabelecida pela Agência (HAGGETT & MOCHAT, 1991; BENTO
Nacional do Petróleo, Gás Natural e et. al., 1996; 2001; 2016; PASSMAN &
Biocombustíveis (ANP) a adição obriga- DOBRANICK, 2005; HILL et al., 2009;
tória mínima de 12% de biodiesel (B12) KNOTHE et al., 2010; PASSMAN, 2013;
e máxima de 15% (B15) (ANP, 2019). AZAMBUJA et al. 2017; ZIMMER et
Para o óleo diesel marítimo, ainda não há al., 2018; 2020; BUCKER et al., 2018;
qualquer determinação oficial sobre adição BOELTER et al., 2018; CAZAROLLI
de biodiesel, como ocorrido com o diesel et al., 2020). O biodiesel é mais biode-
rodoviário. Embora existam várias van- gradável que o óleo diesel, pois os ácidos
tagens que validam o biodiesel como um graxos oriundos de ésteres metílicos, que
sucessor natural do óleo diesel, caracterís- compõem o biodiesel, podem ser facilmen-
ticas como a baixa estabilidade ao armaze- te reconhecidos e utilizados como fonte de
namento a longo prazo, higroscopicidade, carbono e energia pelos micro-organismos.
desempenho a baixas temperaturas e ação No entanto, os hidrocarbonetos também
solvente devem ser consideradas quanto a podem ser metabolizados por algumas es-
sua aplicabilidade em embarcações. pécies microbianas (ZHANG et al., 1998;
Durante o transporte e o armazenamento PASQUALINO et al., 2006; BÜCKER et
de combustíveis, pode ocorrer o acúmulo al., 2011; WU et. al. 2016). Como conse-
de água na parte inferior dos tanques de quência, alguns microrganismos podem,
caminhões, das embarcações e em tanques durante a estocagem e na presença de água,

RMB3oT/2021 101
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

produzir uma biomassa que pode compro- fase tratar (oleosa, aquosa ou interface),
meter a qualidade final do produto (sólidos eficiência no sistema óleo/água, compa-
suspensos) e provocar o funcionamento ina- tibilidade com o combustível, toxicidade
dequado dos equipamentos e peças, como e biodegradabilidade, entre outros (HILL
a saturação prematura de filtros e desgastes & HILL, 2008; KLINKSPON 2009;
no motor, (DAVIDOVA et al., 2012; SIEGERT, 2009; BENTO et al., 2010;
PASSMAN et al., 2013; BENTO et al., LUZ et al. 2018; FONSECA et al., 2019;
2016; 2020; DE SIQUEIRA et al., 2017). ZIMMER & BENTO, 2020).
As normas brasileiras ABNT NBR O óleo diesel é considerado um dos
15512-18 e 16732-19 trazem orientações produtos obtidos a partir da destilação
sobre diferentes medidas de controle para fracionada do petróleo, correspondendo à
prevenir a contaminação microbiana, vi- fração pesada, com elevado teor de carbo-
sando assegurar a integridade do combus- no, metais, asfaltenos, pequenas concen-
tível. Entre essas medidas podemos citar os trações de enxofre e menor estabilidade em
métodos físicos, que incluem procedimen- relação à fração mais leve. O óleo diesel é
tos de limpeza e drenagens regulares que composto de hidrocarbonetos com cadeias
dificultam o acúmulo da água formada no carbônicas na faixa de C15-C22, líquido
fundo dos tanques, impedindo a multiplica- e com ponto de ebulição entre 150° C e
ção microbiana. Como medidas de controle 400° C; possui cerca de 40% de alifáticos
químico, indica-se e alcanos cíclicos
o uso de compostos e cerca de 22% de
biocidas, que podem A adição de biodiesel confere aromáticos (com um
apresentar estruturas
químicas diversas
lubricidade ao óleo diesel, ou dois anéis), mais
os compostos sul-
em sua composição e garantindo desempenho e furados que podem
são responsáveis por vida útil ao motor variar entre 0,04 a
eliminar ou inibir o 6% (v/v) (ABBAD-
crescimento micro- -ANADLOUSSI et
biano. A utilização de biocidas em com- al., 2003; CYPLIK et al., 2011; AL-DE-
bustíveis é regulamentada pela Diretiva GS & AL-GHOUTI, 2015). No entanto,
de Produtos Biocidas (BDP, Diretiva 98/8/ dependendo da origem do petróleo, o óleo
EC) e pela Agência de Proteção Ambiental diesel pode ter características distintas
(EPA), na Europa e nos Estados Unidos da com relação à composição da mistura de
América, respectivamente (PASSMAN, hidrocarbonetos (BATHS & FATHONI,
2013). No Brasil, os biocidas podem ser 1991; MOHD et al., 2018).
encontrados na forma pura ou como parte No Brasil, o óleo diesel pode ser comer-
integrante de produtos multifuncionais cializado como rodoviário ou marítimo,
que combinam diferentes aditivos para dependendo da sua aplicação. O óleo die-
proteção da qualidade do combustível sel pode receber a adição determinada de
armazenado (FONSECA et al. 2019; biodiesel, que é caracterizado pela letra B
ZIMMER & BENTO, 2020). A seleção (óleo diesel B) e, em seguida, recebe o va-
de um biocida para uso em combustíveis lor de sua porcentagem de adição. A adição
envolve muitos aspectos, entre eles a defi- de biodiesel proporcionou ao óleo diesel
nição de seu espectro de ação (eliminação uma melhoria no parâmetro lubricidade,
de bactérias e/ou fungos), dosagens, qual e o biodiesel conta com outros aditivos

102 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

em sua composição, que melhoram seu residual de todos, com alta viscosidade e
desempenho e a vida útil do motor. Os exigindo um pré-aquecimento antes do uso.
aditivos, normalmente incorporados aos Um combustível é considerado estável
combustíveis (diesel e biodiesel), são antio- quando apresenta a tendência de manter
xidantes, antiespumantes, desemulsifican- suas propriedades ao longo do tempo. O
tes, dispersantes e inibidores de corrosão reconhecimento da formação de lodos
(ANP, 2009; CNT, 2012; SUFLITA et al., e das consequências para as embarca-
2012; ALLSOPP et al., 2016). ções já é recorrente no setor marítimo
Os combustíveis marítimos são produ- (HAGGETT & MOCHAT, 1991). Com-
zidos pela destilação de petróleo cru em bustíveis instáveis sofrem modificações
refinarias, sendo antes utilizado, normal- químicas em curto período de tempo,
mente estocado em áreas portuárias. Na in- provocando problemas operacionais, como
dústria naval, o óleo pesado é normalmente a formação de resinas, gomas e vernizes.
utilizado para abastecimento do motor Combustíveis residuais instáveis, tais como
principal, enquanto o óleo diesel marítimo asfaltenos e outros aromáticos, compostos
é normalmente utilizado em motores auxi- polares, podem se aglutinar, formando
liares (MOHD et al.,2018; CLUME et al., resíduos que podem se depositar no fundo
2019). Para o setor naval, a disponibilidade dos tanques. Estes lodos são caracteriza-
de combustíveis de baixo enxofre não é dos por serem viscosos e podem provocar
considerada o maior problema. Segundo o entupimento de filtros separadores e
Mohd et al., (2018), o grande desafio será mangueiras. Com isso, os motores marí-
entender o comportamento dos diferentes timos podem ficar sobrecarregados, com
tipos de combustíveis, como utilizá-los problemas de ignição e combustão, além
isoladamente ou em combinação com de haver risco permanente de danos aos
outros. Na literatura, são apresentados anéis dos pistons e às linhas dos cilindros.
cinco tipos, baseados em características Casos extremos podem provocar danos
das misturas possíveis e viscosidade: em motores auxiliares e trazer perigo à
1) óleo marítimo (Marine Gas Oil embarcação e à tripulação. Neste sentido,
- MGO) – é idêntico ao óleo diesel auto- é preciso considerar estudos para a previ-
motivo utilizado em veículos terrestres; são da estabilidade química de possíveis
2) óleo diesel marítimo (Marine Diesel misturas de combustíveis (WAYNICK,
Oil - MDO) – apresenta uma mistura de 2005; HOSHINO, 2007; ATADASHI et
óleo combustível pesado e óleo diesel al., 2010, MOHD et al., 2018).
marítimo, com baixa viscosidade e não
exige pré-aquecimento antes do uso; Biodiesel e o cenário brasileiro
3) óleo combustível intermediário (In-
termediate Fuel Oil- IFO) – é similar ao A tradição brasileira com biocombus-
óleo diesel marítimo, sendo uma mistura tíveis começou em 1975, com programas
de óleo residual (HFO com MGO); como o Proálcool. No entanto, em 1978,
4) óleo combustível marítimo (Mari- o engenheiro cearense Expedito Parente,
ne Fuel Oil- MFO) − é similar ao HFO, conduzindo pesquisas sobre a utilização
trata-se de uma mistura com MGO, mas de ésteres alquílicos de ácidos graxos em
contém menos MGO do que o IFO; e motores automotivos, alavancou uma nova
5) óleo combustível pesado (Heavy fase da matriz energética brasileira. A pri-
Fuel Oil- HFO) − considerado o tipo mais meira patente brasileira foi concedida em

RMB3oT/2021 103
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

1983, ao engenheiro Parente (PI 8007957), o biocombustível necessita atender às


pela utilização de diversas matérias-primas especificações dos motores navais (ANP,
(soja, algodão, amendoim, girassol, baba- 2010), e o ISO 8217.2010 impõe que o
çu, maracujá e até óleo de sardinha) ao pro- óleo diesel marítimo deve ser livre de
duzir biodiesel. Foram conduzidos testes materiais bioderivados, como óleo ve-
de desenvolvimento de produto, processo, getal e sebo animal (KALLIGEROS et
caracterização, ensaios de aplicabilidade al. 2011). As características do biodiesel
em bancada, provas de desempenho e que potencialmente afetam a segurança
dirigibilidade, com consumo de mais de em aplicações marítimas são de extrema
300 mil litros de biodiesel e com cerca importância. Essas preocupações incluem
de 2 milhões de quilômetros percorridos qualidade inconsistente, falta de padrões
(PARENTE JUNIOR, 2016). marítimos e impacto nos componentes do
Desde então, surgiram outras iniciati- sistema de combustível, como vedações de
vas com óleos vegetais em todo o País, que motor, garantias do fabricante do motor,
somaram esforços na tentativa de difundir propriedades hidrofílicas desvantajosas,
e popularizar a produção e o uso de um inconvenientes do fluxo de clima frio e
biocombustível sucedâneo ao diesel de a capacidade de permanecer estável em
petróleo, com a criação do Programa Na- um ambiente marinho durante um perí-
cional de Produção de Biodiesel-PNPB, odo de tempo (MARAD, 2010). Alguns
em 2002, por iniciativas governamentais. resultados de estudos (MOHON et al.,
Em 2017, o governo brasileiro aprovou o 2014; YASIN et al. 2014) mostram que a
RenovaBio (Política Nacional de Biocom- utilização de biodiesel é compatível com
bustíveis), uma política de Estado, com motores a diesel convencional e também
o reconhecimento do papel estratégico demonstram que as emissões são menores
de todos os tipos de biocombustíveis na com biodiesel, porém a maioria desses estu-
matriz energética brasileira, tanto para a dos se refere a motores terrestres, enquanto
segurança energética quanto para miti- há poucos estudos de aplicação do biodiesel
gação de redução de emissões de gases em motores marítimos. O ponto de fulgor
causadores do efeito estufa, protegendo do biodiesel é maior que o do diesel de
também os interesses do consumidor petróleo, tornando-o mais seguro para fins
(RENOVABIO − Lei no 13.576, 2017). de transporte e armazenamento. Os padrões
O biodiesel foi introduzido oficialmente comuns para medições de ponto de fulgor
na matriz energética brasileira pela Lei são ASTM D93 e EN ISO 3697. O ponto
11.097/2005, aprovada em 13 de janeiro de de fulgor do biodiesel é maior do que o do
2005, que determinou a obrigatoriedade da diesel de petróleo, que é superior a 150° C.
adição de 2% de biodiesel no diesel de pe-
tróleo. A partir de 1o de setembro de 2019, Histórico da aplicação de biodiesel nos
todo o óleo diesel vendido no Brasil deveria motores marítimos
ter, no mínimo, 11% de biodiesel, podendo
alcançar o percentual máximo de 15%, de O uso de biodiesel no setor marítimo
acordo com a legislação (ANP, 2019). começou em 1998, com estudos sobre a
Para o óleo diesel marítimo ainda não viabilidade do biodiesel produzido a partir
há porcentagem obrigatória de adição de óleo de soja em embarcações recrea-
de biodiesel, pois a Resolução no 52 da cionais na região dos Grandes Lagos, na
ANP, de dezembro de 2010, prevê que América do Norte. Essas foram as primei-

104 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

ras embarcações americanas a utilizarem dos navios do programa, a fim de reduzir


e operarem um combustível alternativo, as emissões de gases e monitorar efeitos a
livre de qualquer produto de petróleo longo termo (NOAA, 2007). O programa
(KOLWZAN & NAREWSKI, 2012). canadense BioMer teve início em maio e
No entanto, oito anos após, o Instituto terminou em outubro de 2004. Seus pro-
Marítimo dos Grandes Lagos constatou pósitos eram testar o uso de biodiesel puro
problemas técnicos associados ao uso de (B100) como uma alternativa em botes de
biodiesel nos motores marítimos, pois passeio de vários tamanhos e verificar a
a ação solvente deste biocombustível é viabilidade econômica e os benefícios do
potencialmente degradadora aos com- uso do biodiesel em operações de rotina
ponentes elastômeros do motor. Outro (BioMer, 2005).
estudo com biodiesel de soja foi condu- Desde 1978 ocorre, em escala mundial,
zido em Detroit, em 2003, com a mistura o estabelecimento de padrões para os
B20, visando causar menor impacto ao combustíveis marítimos, e essas padroni-
motor (ANGUS & JACKSON, 2003). zações permanecem até hoje. A primeira
No Canadá, em 2004, o biodiesel passou norma de especificação para combustíveis
a ser utilizado por pequenas embarcações, marítimos foi a ISO 8217, publicada em
produzido a partir de óleos residuais mais 1987 e sendo atualizada em 2005, trazen-
baratos, porém de baixa qualidade. Foi do novas mudanças a respeito do conteúdo
observado um aumento no rendimento da máximo de água ou do conteúdo máximo
performance do motor de 2-3%. Holmseth de enxofre, entre outros (PEDERSEN,
(2008) em uma experiência de 60 dias 2015). O teor de enxofre do combustível
conduzida em embarcações utilizando consumido é o motivo da emissão de SOX
biodiesel puro (B100), criou uma consci- e da formação de sulfato resultante de
ência global da necessidade de redução de emissões de partículas sólidas. A Marpol
impactos ambientais com a possibilidade é a principal convenção internacional
de combustíveis alternativos e renováveis. de prevenção da poluição do ambiente
No Reino Unido, um estudo foi condu- marinho que, por motivos operacionais
zido com biodiesel (canola) visando à ex- ou acidentais, adotou, em setembro de
ploração de combustíveis alternativos para 1997, o Anexo VI. Este documento prevê
a indústria recreacional marítima (ZHOU a cobertura da poluição do ar, delimitando
et al., 2014). O teste foi realizado em o limite para as emissões de óxido de en-
iates, com e sem modificações no motor, xofre e de óxido de nitrogênio, de navios e
concluindo-se sobre a necessidade de tro- também de substâncias que causem danos
ca dos filtros e limpeza dos tanques antes a camada de ozônio. Em outubro de 2008,
da troca do diesel marítimo comum pelo foi adicionado ao Anexo VI da Marpol,
biodiesel. Alguns produtores de motores pela Organização Internacional Marítima,
marítimos estão considerando, em suas medidas que intensificavam as exigências
pesquisas, testes com biocombustíveis. quanto aos níveis permitidos de enxofre
Segundo Juoperi et al. (2007), Wärtsilä foi nos combustíveis marítimos, prevendo
um dos pioneiros em testar e vem traba- uma redução progressiva no conteúdo. Em
lhando no mercado de combustíveis desde janeiro de 2012, o conteúdo de enxofre foi
1980. Em 2006, o laboratório Great Lakes reduzido de 4,50% a 3,50%. No Anexo
Environmental Research Laboratory esco- VI da Marpol, a Regulamentação 14 diz
lheu o biodiesel de soja para testar em um que, a partir de 1o de janeiro de 2020, o

RMB3oT/2021 105
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

limite máximo de enxofre é de 0,50% para conteúdo energético maior do que o die-
combustíveis marítimos (IMO, 2019). sel S500 e S10, podendo possuir cadeias
O óleo diesel marítimo, que no Brasil carbônicas mais longas. O óleo diesel
recebe as classificações de óleo diesel marí- marítimo apresentou as temperaturas mais
timo A (DMA), é um combustível destilado elevadas na destilação, exceto na faixa de
médio, e o óleo diesel marítimo B (DMB) 60-80% de recuperado, na qual o S500
é um combustível composto de destilados teve temperaturas levemente superiores.
médios, podendo conter pequenas quan-
tidades de óleos oriundos do processo de Contaminação microbiana em
refino; no entanto, ambos contêm até 5.000 combustíveis navais
ppm de enxofre (ANP, 2015).
Em relação ao óleo diesel automotivo A contaminação microbiana em com-
ou rodoviário, o diesel marítimo pode bustíveis navais foi avaliada e reconhecida
ser diferenciado por seu ponto de fulgor desde a década de 60, quando ocorreram os
mais elevado, atendendo às demandas de primeiros estudos, abordando a presença de
maior segurança nas bactérias redutoras
embarcações marí- de sulfato (grupo
timas. Para o óleo As condições em tanques microbiano produtor
diesel marítimo, o de H2S) no lodo ava-
ponto de fulgor é a
de armazenamento de liado (NEIHOF &
menor temperatura combustíveis navais, KLEMME;1969).
que o óleo diesel especialmente pela presença O levantamento
vaporiza em quanti- da composição da
dade suficiente para de água e pelo tamanho comunidade micro-
formar com o ar uma dos tanques, influenciam biana, utilizando a
mistura explosiva,
capaz de se infla-
a variabilidade de micro- abordagem clássica,
foi conduzida por
mar quando incidir organismos e o seu Hettige & Sheridan
uma chama. O valor crescimento (1989), com amos-
fixado é de 60° C, tras de óleo diesel
enquanto o ponto de retiradas do lastro
fulgor do diesel automotivo está fixado a de tanques de estocagem de embarcações.
um valor de 38º C (PETROBRAS, 2013). Foram identificadas 31 espécies de fungos
Em um estudo realizado por Peixoto et filamentosos, cinco isolados de bactérias,
al. (2015), foram verificadas que as carac- entre elas bactérias redutoras de sulfato
terísticas físico-químicas do óleo diesel (produzem H2S-metabólito corrosivo).
rodoviário e marítimo estão de acordo Entre as espécies de fungos, as mais
com as especificações vigentes da Agên- frequentes foram Hormoconis resinae,
cia Nacional do Petróleo, Gás Natural e Penicillium corylophilium e Paecilomyces
Biocombustíveis (ANP), estabelecidas variotti. Em um estudo de caso isolado em
por meio de metodologias convencionais e um navio da costa da Califórnia, a con-
da técnica de destilação simulada. A partir taminação microbiana predominante foi
desse estudo foram observadas algumas atribuída ao fungo Clasdosporium resinae
diferenças entre o MDO e o diesel rodo- (atual Hormoconis resinae), que, devido
viário, indicando que o MDO apresenta à biomassa produzida, causou danos às

106 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

turbinas de gás. O estudo analisou que a os problemas aumentaram, principalmente


presença de água gerada pela condensação pela falta de informações de como a mis-
foi um facilitador para o estabelecimento tura se comportaria. Porém vários estudos
da comunidade microbiana nos sistemas foram conduzidos para demonstrar que o
de combustível naval (HAGGETT & biodiesel exige mais cuidados, na medida
MORCHAT, 1991). As condições em em que o aumento nos lodos ou borras em
tanques de armazenamento de combustí- tanques seria esperado. Estudos demons-
veis navais, especialmente pela presença traram que a adição de biodiesel ao diesel
de água e pelo tamanho dos tanques, nas proporções de 5% (B5), 7% (B7) e
acabam influenciando a variabilidade de 100% (B100) promoveu maior crescimento
micro-organismos e o seu crescimento. A microbiano, tornando-se mais suscetível à
limpeza e a remoção de água diminuem contaminação e exigindo maior atenção
a chance de crescimento microbiano, que durante o armazenamento (BÜCKER et
também pode ser estimulado por outros al., 2011; ZIMMER et al., 2013; GAS-
fatores, como a composição do combus- SEN et al., 2015; SORIANO et al., 2015;
tível e temperatura de armazenagem. O BENTO et al., 2016; BOELTER, 2017;
potencial de degradação de duas espécies CAVALCANTI et al., 2019). O lodo bio-
de micro-organismos, Pseudomonas lógico é caracterizado como um consórcio
aeruginosa e Marinobacter hydrocarbo- microbiano, com a presença de fungos fila-
noclasticus, em diferentes tipos de diesel, mentosos que criam pela emissão de hifas,
inclusive diesel marítimo, foi avaliado uma rede capaz de sustentar fisicamente a
por Striebich et al., 2014. Os resultados presença de outros microrganismos, como
indicaram que P. aeruginosa degradou leveduras e bactérias aeróbias. No interior
preferencialmente alcanos (C 12-C 18), do lodo (biofilme) podemos encontrar
seguidos por n-alcanos de cadeia supe- regiões desprovidas de oxigênio (condi-
rior (C19-C23). As cicloparafinas foram ção de anaerobiose), que possibilitam o
consumidas em taxas muito mais baixas, desenvolvimento de um grupo importante
enquanto as aromáticas e isoparafinas de bactérias redutoras de sulfato, conhe-
não foram consumidas. No entanto, M. cidas como BRS. As BRS produzem um
hydrocarbonoclasticus mostrou um perfil composto oriundo de seu metabolismo,
diferente, com degradação preferencial o ácido sulfídrico (H2S), potencialmente
de n-alcanos mais curtos (C8-C11) e com- corrosivo para as paredes dos tanques e
postos aromáticos específicos. Ambos tubulações, além de comprometer a quali-
os tipos de bactérias eram incapazes de dade final do combustível (BENTO et al.,
degradar alcanos ramificados. 2016). A presença de BRS (Desulfovibrio
A primeira investigação, no Brasil, spp.) foi observada em lodos biológicos
acerca da natureza microbiana dos re- presentes em tanques de óleo diesel no
síduos (lodos) formados em tanques de Brasil (LUTTERBACH 1992; BENTO
estocagem ocorreu em 1966 (GUTHEIL, & GAYLARDE, 1986; 2001; SORIANO
1966). Foi isolado e identificado o fungo et al., 2015). Este grupo de anaeróbios
Cladosporium resinae do lodo formado é bastante citado em estudos com cor-
no armazenamento de querosene de avia- rosão microbiana (GAYLARDE et al.,
ção. Os problemas com contaminação 1999; BENTO & GAYLARDE, 2001;
microbiana em óleo diesel sempre foram TARASOV et al., 2015; ARKAN et al.,
crônicos, mas, com a adição de biodiesel, 2016). Entre os micro-organismos isolados

RMB3oT/2021 107
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

dos tanques de combustíveis, os fungos e 7 dias. Após este período as colônias


filamentosos desenvolvem hifas, que são bacterianas e fúngicas, com morfotipos di-
responsáveis por produzirem biomassa ferentes foram isoladas em novos meios de
visível, capaz de provocar o entupimento cultura, visando a purificação dos isolados.
de filtros precoce e outras consequências Os combustíveis, após este procedimento
importantes para a comunidade usuária de (esterilização), foram acondicionados em
combustíveis (BENTO et al., 2016). Os frascos âmbar, estéreis e mantidos sob
organismos representantes dessa classe, refrigeração (4ºC). Para identificação ao
isolados mais frequentemente e conside- nível de gênero de fungos filamentosos,
rados deteriogênicos ao óleo diesel, são foram montados microcultivos dos isola-
Hormoconis resinae, Aspergillus fumiga- dos das amostras de fungos.
tus, Aspergillus penicillioides, Fusarium A identificação pela técnica de micro-
sp., Paecilomyces variotii e Penicillium cultivo permite a observação de estruturas
sp. (GAYLARDE et al., 1999; BENTO reprodutivas ao microscópio (MOLLA
& GAYLARDE, 2001; PASSMAN, et al., 2002; CAZAROLLI et al., 2013).
2003; SORIANO et al., 2015; BENTO Para a identificação molecular, foi reali-
et al., 2016). O propósito deste trabalho zado o sequenciamento Sanger. O DNA
foi prospectar espécies que compõem o utilizado para a identificação foi obtido
lodo biológico formado no tanque de uma a partir de amostras da biomassa de cada
embarcação e avaliar o comportamento de fungo filamentoso prospectado. A extração
um dos fungos prospectados (Exophiala de DNA foi realizada por meio do Método
oligosperma) em diesel marítimo puro e CTAB (FERREIRA E GRATAPA-
na presença de misturas (B10 e B20) com GLIA, 1998). O grau de pureza do DNA
fases aquosas oriundas de uma condição extraído foi avaliado utilizando o espec-
real (água de lastro de embarcações) e com trofotômetro Nanodrop ND-1000 (Nano-
uma condição ideal (meio mineral). drop Thermo Scientific, Wilmington, DE,
USA). Foram utilizados os primers ITS1
MATERIAL E MÉTODOS (5’-TCCGTAGGTGAACCTGCGG-3’)
e ITS4 (5’-TCCTCCGCTTATTGATA-
Prospecção Microbiana TGC-3’) visando à amplificação, por PCR,
da região ITS-5.8S- ITS2. Os produtos
Para a prospecção dos micro-organis- da reação em cadeia da polimerase foram
mos foram utilizadas amostras de óleo purificados com o auxílio do Kit Pure-
diesel marítimo e do lodo formado no LinkTM PCR Purification da Invitrogen.
tanque de armazenamento. Foi utilizada As reações de sequenciamento foram
a Norma ASTM D6974-09 (modificada), realizadas utilizando BigDye® Termi-
que consiste, resumidamente, em filtrar nator 3.1 Cycle Sequencing Reaction Kit
amostras de 500 mL dos combustíveis, em (Applied Biosystems, Foster City USA),
condições assépticas e a vácuo, utilizando de acordo com as instruções do fabricante.
membrana filtrante de porosidade 0,22 Em seguida, as análises dos fragmentos
μm, em triplicata. Após a filtragem, as foram processadas por meio do sequencia-
membranas foram depositadas em meio dor automático ABI Prism 3130 Genetic
de cultura apropriados para o crescimento Analyzer (Applied Biosystems, Foster
bacteriano e fúngico, sendo as placas incu- City CA). As sequências geradas foram
badas em estufa, a 30° C, durante 48 horas comparadas pelo sistema automatizado

108 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

com o banco de dados GenBank (ferra- à fase aquosa, foi utilizada a condição
menta online disponível em: http://blast. denominada ideal com o meio mínimo
be-md.ncbi.nlm.nih.gov/. As sequências mineral Bushnell & Haas (1941), pH 7,2, e
foram depositadas no GenBank. a condição real, que corresponde à água de
lastro pH de 5,9, coletada diretamente do
Combustível utilizado tanque de armazenamento da embarcação.
Após a montagem dos microcosmos, fo-
Foram utilizadas amostras de biodie- ram adicionados os fungos Paecilomyces
sel produzido a partir de soja comercial, dactylethromorphus, Curvularia luneta
cedido por uma usina produtora. O óleo e Pseudallescheria boydii e a levedura
diesel marítimo foi coletado diretamente Exophiala oligosperma.
do tanque de uma embarcação no Rio Outra condição avaliada foi com a
de Janeiro, acondicionado e enviado ao inoculação da comunidade microbiana pre-
Labbio-RS em galões próprios para o ar- sente no lodo biológico (conforme Norma
mazenamento de combustível. A mistura ASTM E1259-16), oriundo diretamente
de biodiesel (20%) com diesel naval foi do tanque de estocagem de óleo diesel
preparada no laboratório. O combustível marítimo de uma embarcação no Rio de
de um dos galões foi separado, com funil Janeiro. Os experimentos foram identifi-
de separação, da fase aquosa com o lodo cados quanto à fase oleosa utilizada, óleo
biológico, e esse lodo foi armazenado em diesel marítimo puro ou a mistura com 20%
frascos na temperatura ambiente. de biodiesel. O experimento foi realizado
em triplicata, mantido sob a temperatura de
Esterilização 24ºC com repetições destrutivas. Para com-
paração dos experimentos, foi utilizado um
Os combustíveis e a água de lastro controle (sem adição do inóculo) estéril.
foram esterilizados por filtração em mem-
brana filtrante de acetato de celulose de Inóculo
0,22 µm, da Millipore, com o auxílio da
bomba de vácuo e de um conjunto Kitasa- Foi utilizado 150 µL de um inóculo não
to previamente esterilizado, em condições caracterizado (conforme preconizado na
assépticas. Depois foram acondicionados Norma ASTM E1259-16) de um biofilme
em frascos de vidro âmbar de 1 litro e formado na interface da amostra enviada
armazenados em geladeira (4ºC) para diretamente de um tanque de estocagem
uso posterior. de uma embarcação com óleo diesel
marítimo. O isolado fúngico Exophiala
Montagem de microcosmos oligosperma foi selecionado e utilizado,
pois obteve a maior biomassa entre os iso-
Para avaliar a capacidade deteriogênica lados em um estudo preliminar. Culturas
dos micro-organismos, foram montados com sete dias de cultivo do fungo em ágar
microcosmos (frascos estéreis de vidro) batata (BDA) receberam água destilada
contendo 5 mL de fase aquosa e 2 mL de estéril e 2 mL de um surfactante (Tween
fase oleosa. Os experimentos foram clas- 80, preparado na concentração de 0,01%),
sificados quanto à fase oleosa utilizada, para facilitar a remoção dos esporos.
óleo diesel marítimo puro ou a mistura A concentração do inóculo fúngico
com 20% de biodiesel (B20). Quanto foi determinada pela contagem dos espo-

RMB3oT/2021 109
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

ros presentes na solução, em Câmara de papel-filtro previamente pesados (Marca


Neubauer, correspondendo a 106 esporos J. Prolab, gramatura 80, espessura 205
por mL. μm, porosidade 14 μm).
Após a retenção da biomassa no filtro,
Análises microbiológicas foram adicionados 3 mL de hexano para a
remoção do excesso de óleo aderido sobre
O crescimento microbiano foi ava- cada disco. Os discos contendo a biomassa
liado estimando-se gravimetricamente a foram colocados em estufa a 30°C durante
biomassa produzida nas condições deter- dois dias para secagem e após mantidos
minadas: MDO-B0 BH BR (Óleo Diesel durante 24 horas em dessecador. Após
Marítimo com meio Bushnell Haas como esse período, foram pesados em uma ba-
fase aquosa e inoculado com Borra Ole- lança de precisão (Marca Marte – modelo
osa), MDO-B20 BH BR (mistura de óleo AL200C). Para o cálculo da biomassa
diesel marítimo contendo 20% de biodie- produzida, os valores iniciais foram sub-
sel com meio Bushnell Haas como fase traídos dos pesos finais das membranas.
aquosa e inoculado com Borra Oleosa),
MDO-B0 AL BR (Óleo Diesel Marítimo Análises de pH e de tensão superficial
com água de lastro como fase aquosa e da fase aquosa
inoculado com Borra Oleosa), MDO-B20
AL BR (mistura de óleo diesel marítimo Foram realizadas medidas do pH da
contendo 20% de biodiesel com água de fase aquosa, visando à detecção da natu-
lastro como fase aquosa e inoculado com reza de possíveis metabólitos (ácida e/ou
Borra Oleosa). básica), determinada à temperatura am-
Para o fungo isolado, os tratamentos biente com auxílio de um pHmetro digital
foram: MDO-B0 BH EX (Óleo Diesel (Digimed, modelo DM-22). As medidas
Marítimo com meio Bushnell Haas como da tensão superficial foram determinadas
fase aquosa e inoculado com Exophiala em um medidor de tensão superficial
oligosperma), MDO-B20 BH EX (mistura digital (Gibertini Digital Tensiometer,
de óleo diesel marítimo contendo 20% de Milão, Itália), utilizando-se o método da
biodiesel com meio Bushnell Haas como placa de Wilhelmy.
fase aquosa e inoculado com Exophiala Para a medida, foram utilizados cerca
oligosperma), MDO-B0 AL EX (Óleo de 10 mL de fase aquosa, após a filtração,
Diesel Marítimo com água de lastro como na ausência de biomassa. As amostras per-
fase aquosa e inoculado com Exophiala maneceram por 30 minutos à temperatura
oligosperma), MDO-B20 AL EX (mistura ambiente. Para a calibração do aparelho,
de óleo diesel marítimo contendo 20% foram utilizados como padrões líquidos
de biodiesel com água de lastro como água destilada (72,0 mN.m-1) e etanol
fase aquosa e inoculado com Exophiala (24,0 mN.m-1).
oligosperma). A biomassa na interface
óleo-água em cada tempo foi registrada Degradação da fase oleosa
com fotografias do microcosmo (fase
óleo-interface-fase aquosa). A biomassa As amostras da fase combustível dos
formada foi coletada nos tempos amos- microcosmos dos tempos iniciais e finais
trais de 15, 30 e 45 dias, sendo filtrada foram analisadas por espectroscopia
em um sistema a vácuo com discos de de infravermelho com transformada de

110 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

Fourier acoplada a um acessório de re- dos sete fungos puderam ser identifica-
flectância total atenuada (FT-IR/ATR) no dos por meio de técnicas moleculares,
espectrofotômetro Agilent Cary 630 com chegando a nível de gênero ou espécie.
um cristal de seleneto de zinco (ZnSe). Os isolados que obtiveram identificação
Os espectros foram obtidos na faixa de por meio de técnicas moleculares foram:
4000-900 cm-1, com uma resolução de 4 Paecilomyces dactylethromorphus, Exo-
cm-1 e 32 scans em temperatura ambiente. phiala oligosperma, Pseudallescheria
Os dados obtidos foram analisados no boydii, Penicillium sp, Curvularia lunata
software Chemostat. e Fusarium sp. Apenas um dos isolados
não pôde ser identificado, mas, por meio
Análise estatística do microcultivo e da observação, foi iden-
tificado como Paecilomyces sp.
O tratamento estatístico dos valores
de crescimento, pH e tensão superficial Aspecto da biomassa formada durante
(análise de variância; teste de Tukey p estocagem simulada
5%) foi realizado com o programa Origin
(versão 2018). Durante os 45 dias de experimento,
foi avaliado, a cada 15 dias, o aspecto
RESULTADOS da biomassa formada na interface óleo-
-água, com registro fotográfico no tempo
Prospecção de micro-organismos e inicial do experimento, sem a presença
identificação de biomassa (Figura 1). Aos 15 dias de
experimento, verificou-se a presença de
Foram isolados sete fungos a partir das um biofilme nos tratamentos MDO-B0
técnicas de prospecção e três bactérias, da BH BR, MDO-B20 BH BR e MDO-B20
amostra de óleo diesel utilizado em uma BH EX. Os demais tratamentos, que con-
embarcação e do lodo coletado. Os fungos tinham água de lastro como fase aquosa e
foram identificados ao nível de gênero por também o tratamento MDO-B0 BH EX,
técnicas de microcultivo e confirmados não apresentaram formação de biomassa
por técnicas moleculares (Tabela 1). Seis (Figuras 1 e 2).

Código da Sequência Identificação do Micro-organismo


LABBIO_MDO1 Pseudallescheria boydii
LABBIO_MDO2 Paecilomyces dactylethromorphus

LABBIO_MDO3 Penicillium sp
LABBIO_MDO4 Exophiala oligosperma

LABBIO_MDO5 Curvularia lunata


LABBIO_MDO6 Fusarium sp

Tabela 1 – Informações sobre o código de acesso do resultado de sequenciamento genético dos


microrganismos identificados no Genbank

RMB3oT/2021 111
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

Figura 1 − Aspecto dos microcosmos montados ao tempo zero do experimento.


MDO-B0 AL BR (óleo diesel marítimo com água de lastro como fase aquosa e inoculado com borra oleosa),
MDO-B20 AL BR (mistura de óleo diesel marítimo contendo 20% de biodiesel com água de lastro como
fase aquosa e inoculado com borra oleosa), MDO-B0 BH EX (óleo diesel marítimo com meio Bushnell
Haas como fase aquosa e inoculado com Exophiala oligosperma), MDO-B20 BH EX (mistura de óleo diesel
marítimo contendo 20% de biodiesel com meio Bushnell Haas como fase aquosa e inoculado com Exophiala
oligosperma), MDO-B0 AL EX (óleo diesel marítimo com água de lastro como fase aquosa e inoculado com
Exophiala oligosperma) e MDO-B20 AL EX (mistura de óleo diesel marítimo contendo 20% de biodiesel
com água de lastro como fase aquosa e inoculado com Exophiala oligosperma)

Figura 2 − Aspecto dos microcosmos montados aos 15 dias de experimento. As setas indicam a biomassa
que se forma na interface óleo-água

112 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

No tempo de 30 dias, todos os tra- MDO-B20 BH EX apresentou uma


tamentos com meio mínimo mineral coloração mais escura que foi capaz de
Bushnell Haas, como fase aquosa, escurecer o combustível (Figura 4). Para
promoveram o desenvolvimento de todos os tratamentos, com meio mínimo
um biofilme na interface (Figura 3). A mineral, foram observadas biomassas
biomassa produzida pelo tratamento mais espessas (Figuras 3 e 4).

Figura 3 − Aspecto dos microcosmos montados aos 30 dias de experimento. As setas indicam a biomassa
que se forma na interface óleo-água

Figura 4 − Microcosmos montados aos 45 dias de experimento. Tratamentos com Bushnell Haas MDO-B0,
MDO-B20 e inóculo de lodo biológico e Exophiala oligosperma. As setas indicam a biomassa que se
formou na interface óleo-água

RMB3oT/2021 113
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

Figura 5 − Microcosmos montados aos 45 dias de experimento. Tratamentos com água de lastro MDO-B0,
MDO-B20 e inóculo de lodo biológico e Exophiala oligosperma As setas indicam a biomassa que se
formou na interface óleo-água

Os tratamentos MDO-B0 BH BR e Observou-se que os tratamentos MDO-


MDO-B20 BH BR apresentaram biomas- -B0 BH BR e MDO-B20 BH EX alcan-
sas que foram capazes de separar totalmen- çaram os mesmos valores de biomassa
te a fase aquosa da fase oleosa por conta no tempo de 15 dias, correspondendo a
de sua espessura. O tratamento MDO-B20 7,1±3,0 mg e 7,1±2,4 mg, respectivamen-
BH EX mostrou uma biomassa que pode te. O tratamento MDO-B0 BH EX atingiu
ter produzido pigmentação, uma vez que o menor valor de 2,5±0,8 mg neste tempo,
o óleo escureceu, no entanto isso foi ob- enquanto o maior valor (9,2 ±5,7 mg) de
servado apenas em uma das replicatas. A biomassa foi obtido para MDO-B20 BH
água de lastro como fase aquosa não pro- BR. Aos 30 dias, MDO-B0 BH EX man-
moveu o crescimento de biomassa espessa teve o menor peso (2,1±0,3 mg), seguido
no período de 45 dias em nenhum dos por MDO-B0 BR (7,7±1,7 mg); destacam-
tratamentos, no entanto, para o tratamento -se os valores obtidos por MDO-B20 BH
MDO B20 BH BR, notou-se a presença de BR e MDO-B20 BH EX, que foram próxi-
partículas que poderiam indicar o início do mos 11,9±0,1 mg e 11,4±2,6 mg. Os trata-
crescimento microbiano (Figura 5). mentos MDO-B0 e MDO-B20 inoculados
com Exophiala diferiram estatisticamente
Curva de crescimento (p>0,05) quando comparados. No tempo
final, os valores das biomassas foram de
Foram observadas diferenças nos va- 7,5±0,6 mg, para MDO-B0 BH EX (valor
lores de peso seco (mg) na presença de mais baixo); 12,4±0,9 mg, para MDO-B0
biodiesel e na composição da fase aquosa BH BR; 17,2±3,4 mg, para MDO-B20
utilizada entre os micro-organismos ava- BH BR. Foram observadas diferenças
liados, o inóculo não caracterizado e o estatísticas entre o tratamento MDO-B0
fungo Exophiala oligosperma. Os valores BH BR e o tratamento MDO-B20 BH BR
médios de biomassa (mg) obtidos a cada aos 45 dias. O tratamento que obteve o
15 dias para os tratamentos, com o meio maior valor, 23,2±4,6 mg, de biomassa no
mineral Bushnell Haas e a água coletada tempo final foi MDO-B20 BH EX. Os va-
no fundo do tanque da embarcação (cha- lores de MDO-B0 e MDO-B20 Exophiala
mada aqui de água de lastro) como fase mostraram diferenças estatisticamente
aquosa são apresentados na Figura 6. significativas aos 28 dias.

114 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

Figura 6 − Medidas dos valores de biomassa (mg) obtidas nos tempos amostrais 15, 30 e 45 dias para os
tratamentos com Bushnell Haas e água de lastro

Os valores obtidos para as biomassas final de 45 dias revelou que o tratamento


formadas nos tratamentos que tinham MDO-B20 AL BR obteve o maior valor
água de lastro como fase aquosa foram de biomassa, 4,4±3,2 mg. Não foram
menores, conforme o esperado, pois trata- encontradas diferenças estatisticamente
-se de uma condição com baixo aporte de significativas para as amostras com água
nutrientes minerais, quando comparado de lastro como fase aquosa nos tempos
com o meio mineral BH. Aos 15 dias, amostrais.
foram obtidos valores de 1,3±0,7 mg para A análise estatística mostrou diferen-
MDO-B0 AL BR, sendo o maior valor ob- ças estatisticamente significativas entre
tido (Figura 6). O tratamento MDO-B20 todos os tratamentos com meio mineral
AL BR 0,2±0,2 mg foi o menor valor, (BH) como fase aquosa e seus respecti-
sendo 0,8±0,5 mg para MDO-B0 AL EX vos tratamentos com água de lastro, nos
e 0,6 mg, para MDO-B20 AL EX. Após mesmos tempos amostrais. O menor valor
15 dias, que totalizavam 30 dias de expe- encontrado para a água de lastro foi de
rimento, novamente foram observados os 0,2±0,2 mg para MDO-B20 AL BR, no
valores biomassa. O tratamento MDO-B0 tempo de 15 dias, e o maior valor 4,4±3,2
AL EX exibiu o menor valor (0,7±0,0 mg) mg para MDO-B20 AL BR, no tempo 45
de biomassa, seguido de MDO-B20 AL dias, embora não tenha sido observado
EX, que alcançou 1,3±0,2 mg. Os trata- um grande volume de biomassa. Para a
mentos MDO-B0 AL BR e MDO-B20 AL condição ideal (meio mínimo mineral),
BR obtiveram valores próximos, 1,6±0,8 o menor valor de biomassa registrado foi
e 1,8±0,6 mg, respectivamente. O tempo 2,1±0,3 mg para MDO-B0 BH EX, no

RMB3oT/2021 115
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

tempo de 15 dias; e o maior 23,2±4,6mg, pH quando comparados ao inicial de 5,9


para o tratamento MDO-B0 BH EX. aos 30 e 45 dias e comparados com seus
controles e com diferenças estatísticas.
Análises de pH e tensão superficial da As medidas de tensão superficial foram
fase aquosa realizadas para detectar a produção de
surfactantes pelos micro-organismos e
A natureza dos metabólitos produzidos liberados na fase aquosa. Houve redução
foi avaliada por meio das medidas de pH nos valores das medidas de tensão super-
das fases aquosas nos tempos 0, 30 e 45 ficial quando observado o tempo inicial
dias. A avaliação comparativa foi condu- tanto nos tratamentos com inóculo quanto
zida com as medidas dos tratamentos com no controle. É possível verificar ainda que
inóculo não caracterizado ou Exophiala a redução é observada em maiores valores
oligosperma e os respectivos controles. para os tratamentos que contêm biodiesel
Foram observadas variações no pH (Ta- em sua porção oleosa. Foram encontradas
bela 2) da fase aquosa dos tratamentos em diferenças estatisticamente significativas
relação à condição inicial do experimento, para todos os tratamentos em comparação
para o meio mínimo mineral Bushnell com o tempo inicial e também para MDO-
Haas. Embora a redução observada tenha -B20 BH BR e MDO-B0 BH BR (Tabela
sido de 7,2 (tempo inicial) para 6,6±0,3 3). Para o tratamento com água de lastro
(MDO-B20 BH BR no tempo 45 dias) como fase aquosa, também foram verifica-
e 6,4±0,2 (MDO-B20 BH EX no tempo das reduções nas medidas de tensões super-
de 30 dias), não foi possível encontrar ficial em comparação com o tempo inicial,
diferenças estatisticamente significativas com significância estatística; no entanto não
(Tabela 2). Na condição com água de foram observadas entre os tratamentos com
lastro, observou-se redução nos valores de inóculo e controle aos 45 dias (Tabela 3).

Tratamentos Tratamentos
Meio BH 30 dias 45 dias Água de lastro 30 dias 45 dias
T0: 7,2 T0: 5,9
MDO-B0 BH CT 7,0±0,0 6,8±0,4 MDO-B0 AL CT 5,8±0,0 5,9±0,4

MDO-B20 BH CT 6,8±0,0 6,8±0,1 MDO-B20 AL CT 5,5±0,0 5,9±0,1

MDO-B0 BH BR 7,1±0,0 7±0,1 MDO-B0 AL BR 5,7±0,0 5,7±0,0

MDO-B20 BH BR 7,0±0,2 6,6±0,3 MDO-B20 AL BR 5,3±0,01 5,6±0,0

MDO-B0 BH EX 6,9±0,0 6,9±0,0 MDO-B0 AL CL 5,5±0,0 5,9±0,0

MDO-B20 BH EX 6,4±0,2 6,8±0,1 MDO-B20 AL CL 5,2±0,22 5,9±0,0

Tabela 2 – Valores de pH para os tratamentos com fase aquosa constituída de meio Bushnell Haas e água
de lastro no tempo inicial, 30 dias e tempo final

1 Diferiu significativamente quando comparado ao seu controle negativo no mesmo tempo de tratamento.
2 Idem.

116 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

Tratamento Tratamento
Meio BH Tensão superficial Água de lastro Tensão superficial
Tempo inicial: após 45 dias Tempo inicial: após 45 dias
61±0,0 mN-m-1 59±0,0 mN-m-1

MDO-B0 BH CT 46,3±0,73 MDO-B0 AL CT 40,4±0,6

MDO-B20 BH CT 35,7±1,9 MDO-B20 AL CT 35,7±0,1

MDO-B0 BH BR 47±1,84 MDO-B0 AL BR 41,7±3,1

MDO-B20 BH BR 37,1±0,6 MDO-B20 AL BR 37,2±6,2

MDO-B0 BH EX 45,3±2,7 MDO-B0 AL CL 40,5±2,9

MDO-B20 BH EX 41,5±4,2 MDO-B20 AL CL 36,7±1,1

Tabela 3 – Valores das medidas de tensão superficial para os tratamentos com fase aquosa constituída de
meio Bushnell Haas e água de lastro nos tempos iniciais e finais (45 dias)

Análise da fase oleosa no lastro, enquanto outro grupo é formado


infravermelho – Degradação do exclusivamente por amostras com o meio
biodiesel Bushnell Haas (BH). No gráfico de esco-
res da Análise de Componentes Principais
Para a avaliação dos resultados dos (Principal Component Analysis – PCA),
tratamentos que continham as blendas observa-se que as duas primeiras compo-
de 20% de biodiesel, foi selecionada a nentes principais (PCs) explicam 61% da
região de 1800-900 cm-1 na avaliação das variação dos dados (Figura 8). Na PC1,
análises quimiométricas. Os dados, então, amostras contendo meio BH com inóculo
foram suavizados para remover o efeito de fungo isolado e borra oleosa se en-
de ruído e normalizados e foi aplicada a contram na parte negativa, enquanto que
primeira derivada para que as diferenças amostras controle e aquelas que possuem
entre amostras fossem evidenciadas. água de lastro apresentam-se na parte po-
Por meio de uma Análise Hierárquica sitiva. No gráfico de pesos (loadings) da
de Agrupamentos (Hierarchical Cluster PC1, observa-se que a maior contribuição
Analysis − HCA) (Figura 7), pode-se para esta distribuição se dá na região entre
observar a tendência para a formação 1800-1650 cm-1, onde estão presentes os
de dois grandes grupos, sendo um deles estiramentos C=O presentes nos ésteres,
formado por amostras contendo água de característicos do biodiesel.

3 Todos os valores diferiram significativamente do valor inicial.


4 Assim como MDO-B20 BH BR 37.1±0.6, diferiu significativamente do tratamento quando comparado com
óleo diesel marítimo puro e blenda.

RMB3oT/2021 117
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

Bushnell Haas como fase aquosa


Água de lastro como fase aquosa

Figura 7 − Dendrograma obtido a partir dos dados de infravermelho das amostras de MDO-B20 no tempo
final do experimento 45 dias. Em destaque, a separação dos grupos

Figura 8 − Escores de PCA obtidos por meio dos dados de infravermelho das amostras de MDO-B20 no
tempo final do experimento 45 dias
Amostras com Bushnell Haas como fase aquosa – cinza; Amostras com água de lastro como fase aquosa –
preto. Em destaque, as amostras que sofreram degradação

CONCLUSÃO rítimo. Foram caracterizados os seguintes


fungos filamentosos: Paecilomyces dac-
Foi possível realizar o isolamento e a tylethromorphus, Exophiala oligosperma,
caracterização de espécies microbianas Pseudallescheria boydii, Penicillium
presentes no lodo encontrado no fundo sp, Curvularia lunata e Fusarium sp. O
de uma embarcação com óleo diesel ma- desenvolvimento microbiano em condi-

118 RMB3oT/2021
COMO A ADIÇÃO DE BIODIESEL PODERÁ IMPACTAR O ÓLEO DIESEL MARÍTIMO DURANTE A ESTOCAGEM?

ções com o meio mínimo mineral (aporte durante o crescimento microbiano. Os


nutricional) e com a água livre (condi- resultados de FTIR mostraram degradação
ção real) como fase aquosa foi distinto. da fração biodiesel apenas para a condição
Com a presença da mistura com 20% em que a fase aquosa foi o meio mineral
de biodiesel, foram observados maiores Bushnell Haas, devido ao aporte de nu-
valores de biomassa trientes minerais.
(peso seco) do que A presença de
o tratamento com A adição de biodiesel em biodiesel pode ter
óleo diesel maríti- sido responsável pe-
mo puro. Foi obser-
diesel marítimo exigirá los maiores valores
vado que o fungo cuidados e implementação de biomassa obser-
Exophiala oligos- de rotinas rígidas na vados na mistura
perma isoladamen- B20 quando compa-
te obteve maiores manutenção do rado com a condição
valores de biomassa combustível estocado de diesel naval puro.
(peso seco) quando Essa constatação
comparado com o alerta a comunidade
inóculo do lodo biológico, na condição usuária, como o ocorrido para o óleo
com 20% de biodiesel quando comparado diesel rodoviário, de que a adição de
com óleo diesel marítimo. Os valores das biodiesel em diesel marítimo exigirá cui-
medidas de pH e da tensão superficial dados e implementação de rotinas rígidas
não apresentaram reduções significativas na manutenção do combustível estocado.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ECONOMIA>; Indústria do Petróleo; Óleo Combustível; Recursos do Mar;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Devido à extensão da lista de Referências Bibliográficas (cerca de 14 páginas), os


interessados em obtê-la devem entrar em contato com a Professora Doutora Fátima
Menezes Bento, pelo e-mail [email protected].

RMB3oT/2021 119
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação
nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

DAMIÃO FERNANDES CAPITÃO GINGA*


Professor

SUMÁRIO

Introdução
A centralidade do mar nas relações econômicas internacionais
Os espaços estratégicos de interesse nacional no mar
Angola e sua atuação nos espaços estratégicos de interesse
nacional no mar
Considerações finais

INTRODUÇÃO p. 14), evidenciando a sua relevância na


política internacional. Com efeito, num

A tualmente, os oceanos constituem-se


num polo de interesse global, devido,
sobretudo, à sua centralidade nas relações
contexto em que as distâncias importam
cada vez menos em termos econômicos,
políticos e estratégicos, os oceanos re-
comerciais internacionais. Segundo o presentam um elemento central do poder,
professor Geoffrey Till, “o que resulta, fazendo com que, hoje, ao contrário das
portanto, é um sistema global de países li- fronteiras terrestres, a soberania e os in-
gados pelo mar” (tradução do autor, 2008, teresses nacionais dos Estados costeiros

* Professor associado convidado da Academia Diplomática Venâncio de Moura (Luanda, Angola). Pós-
-graduado em Guerra de Informação/Competitive Intelligence pela Academia Militar Portuguesa. Mestre
em Ciências Navais pela Escola Naval Portuguesa e doutor em Ciências Políticas pela Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa. Docente, pesquisador e consultor em Estudos
Estratégicos. Autor de artigos em revistas de Portugal e do Brasil.
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

se garantam muito para além dos limites Nacional no Mar (EEINM). Tratando-se
marítimos administrativos dos Estados de uma temática de ampla abrangência,
(DUARTE, 2011, p. 5). seguiu-se uma abordagem interdisciplinar,
Na verdade, pela sua natureza, os espa- com recurso à revisão bibliográfica e aná-
ços marítimos permitem maior fluidez na lise documental, mediante um raciocínio
transferência de ameaças e benefícios de dedutivo. Esta abordagem reveste-se de
um ponto para outro do globo, porquanto crucial importância para Angola, sobretu-
Alfred Mahan1 defendeu que, numa ótica do atendendo ao contexto de atraso quanto
histórica da ascensão ou queda dos im- às questões de defesa, segurança, proteção
périos, o Poder Marítimo sempre esteve e exploração dos oceanos, ao longo das
associado à prosperidade das nações, últimas décadas, porquanto ajuda a refletir
quer em tempos de paz como em tempos sobre a sua atuação em prol de uma maior
de guerra, sublinhando a importância das afirmação enquanto nação do Atlântico2,
Marinhas e do seu sistema de forças para tendo como base o seu posicionamento
a manutenção do poder dos Estados e re- geoestratégico e as sinergias de coopera-
conhecendo a centralidade dos oceanos no ção que o país deve privilegiar.
cenário internacional (MAHAN, 1889).
Portanto, nos próximos anos, prevê-se A CENTRALIDADE DO MAR
que a centralidade dos oceanos no sistema NAS RELAÇÕES ECONÔMICAS
internacional e a maior competição oceâ- INTERNACIONAIS
nica continuarão a ser determinadas pelos
seus novos usos e pelas novas ameaças e Embora a concretização de uma lei
carências mundiais, entre as quais a atual global para os oceanos tenha surgido
pandemia da Covid-19, que tem impactado apenas no final do século XX, houve
fortemente no comércio marítimo mundial desde muito cedo a tentativa de regular
(UNCTAD, 2020). Este reconhecimen- os domínios deste espaço, destacando-se
to geoestratégico continuará a elevar a as “leis marítimas de Rodes”, as regras
dimensão dos Assuntos dos Oceanos na de domínio e controle durante a longa
política internacional, especialmente por- vigência da República Romana ou, ainda,
que a dependência que a economia global as reivindicações por espaços marítimos
tem em relação aos espaços líquidos vem pelos Estados, durante as várias etapas da
aumentando com o passar dos anos. história da humanidade (RIBEIRO, 1992,
O presente artigo visa, assim, abordar a p. 2). De fato, apesar das diferentes mani-
centralidade dos oceanos nas relações da festações relativas à ocupação do mar, foi
política internacional, por meio da descri- a obra Mare Liberum, de Hugo Grócios
ção sobre a atuação de Angola nos consi- (1609), que, durante a Idade Moderna,
derados Espaços Estratégicos de Interesse surgiu como a grande percussora do Di-

1 Na sua obra The Influence of Sea power upon History, 1660-1783, Alfred Mahan defende que o domínio
do mar, em termos tanto comerciais como militares, traduz uma condição necessária para dominar o
mundo, atribuindo importância do Poder Marítimo na expansão e desenvolvimento dos Estados, onde
o Poder Naval é um elemento fundamental.
2 Considerado por Therezinha de Castro como “o mais intercontinental dos oceanos”, o Oceano Atlântico,
segundo maior oceano do planeta, cobre uma área de 80.657.008 km2, sendo o que recebe o maior
volume de águas fluviais. A ampla comunicação marítima que estabelece entre as duas regiões polares
distingue-o dos demais grandes oceanos (CASTRO, 1998).

RMB3oT/2021 121
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

reito Internacional Público e sustentou a 1982 (GALDORISI; VIENNA, 1997, p.


causa da liberdade dos mares, na medida 27-30). Assim sendo, a CNUDM e os
em que “as ideias que ele expôs naquele seus mecanismos legais vieram dar maior
livro formaram a base para o atual Direito relevo e centralidade aos Assuntos dos
Internacional do Mar” (tradução do autor, Oceanos, tendo considerável importância
RNN, 2014, p. 41). a nível global devido ao papel dos ocea-
Como resultado, seguiram-se várias nos enquanto catalisadores da economia
obras e teorias visando sustentar a exclu- mundial, constituindo essenciais vias de
sividade do uso do mar por certos Estados, comunicação entre Estados, regiões e con-
ainda que somente nos finais do século tinentes, contribuindo grandemente para a
XIX tenha surgido o ponto de viragem segurança e a sustentabilidade mundiais,
do Direito do Mar. Mais tarde, o aumento porquanto é o principal acordo internacio-
da corrida pelos recursos marinhos antes, nal abrangente sobre o uso do mar.
durante e depois da Segunda Guerra Mun- Como resultado, na atualidade, a cen-
dial intensificou o conflito generalizado tralidade do mar tende a aumentar, afir-
em torno da exploração dos oceanos, o mando-se nas várias vertentes da política
que gerou reflexos significativos no âm- internacional, tal como têm demonstrado os
bito do Direito do Mar, porquanto houve dados estatísticos globais, num quadro em
várias declarações de diversos Estados que o crescimento do comércio mundial é
sobre o uso e a exploração dos oceanos, resultante direto dos avanços no segmento
entre as quais a Declaração Truman, de dos transportes marítimos e da descoberta
28 de setembro de 1945, sobre exploração de novas fontes de energia no mar, no
exclusiva dos recursos naturais da sua sentido em que cerca de 90% de todo o
plataforma continental, e a Declaração comércio internacional é realizado por mar.
de Santiago, de 1952, de autoria do Chile, Estes números são mais relevantes quando
Peru e Equador, que reivindicaram o direi- considerado o atual valor das mercadorias
to ao mar das 200 milhas náuticas (MN) transportadas por essa via, que ascende os
(GALDORISI; VIENNA, 1997, p. 12-13). 14 trilhões de dólares, envolvendo mais
Esses movimentos representaram as de 11 bilhões de toneladas de carga trans-
primeiras manifestações a fim de criar uma portada anualmente, conforme os dados
Lei Global para os Oceanos, o que levou à apresentados pela International Chamber
realização da I Conferência da Organiza- of Shipping em 20193.
ção das Nações Unidas para os Assuntos Porém não é só na vertente do transpor-
do Mar, entre 24 de fevereiro e 29 de abril te e comércio internacional que se esgota a
de 1958, em Genebra (Suíca), tendo este análise da centralidade do mar nas relações
processo culminado com a assinatura da internacionais. No plano ambiental, o pa-
Convenção das Nações Unidas sobre o pel de regulador climático que os oceanos
Direito do Mar (CNUDM), ou Convenção desempenham em escala global4, mormen-
de Montego Bay, em 10 de dezembro de te diante das consequências das alterações

3 Disponível em: https://www.ics-shipping.org/shipping-fact/shipping-and-world-trade-driving-prosperity/.


Acesso em: 15 jan. 2021.
4 Os exemplos do tsunami no Índico, em 2004; do derrame de dezenas de milhares de toneladas de derivados
de petróleo do petroleiro Prestige na costa de Galiza em 2002; e o grande desastre da torre petrolífera
do Deepwater Horizon no Golfo do México, em 2010, demonstram como as consequências de eventos
no mar se reproduzem na vida global (CAJARABILLE; RIBEIRO, 2010, p. 185).

122 RMB3oT/2021
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

climáticas, quer de origem antrópica, quer garantes da defesa dos interesses imperiais,
associadas aos ciclos geodinâmicos do pla- representando um catalisador de riqueza e
neta, faz com que se generalize a ideia da poder (GINGA, 2014, p. 89).
necessidade de uma gestão e governação Por outro lado, a crescente relevância
sustentável dos oceanos e das zonas ribei- a nível planetário começa cada vez mais
rinhas de forma integrada e abrangente, a estar associada ao chamado “resource
em que se incluem as atividades humanas stress” (pressão ou escassez dos recur-
aí desenvolvidas (GOVERNO DE POR- sos), nomeadamente de naturezas hídrica,
TUGAL, 2013, p. 13). No âmbito militar, econômica, política e demográfica, o que
a importância do mar como plataforma tem obrigado os Estados costeiros, como
de projeção de forças já data há séculos, Angola, a se alinharem a essa realidade,
sendo importante sublinhar as decisivas sob pena de serem dominados pelo am-
batalhas do Atlântico, travadas entre o biente global complexo. Prevê-se, assim,
poder continental e o poder marítimo, na que, ao longo das próximas décadas, a
Segunda Guerra Mundial (MAWDSLEY, centralidade dos oceanos no sistema in-
2020). Ademais e como resultado, na pre- ternacional continuará a ser determinada
sente ordem mundial, a hierarquização dos pelos novos usos, pelas novas ameaças e
Estados continua de- carências mundiais,
pendente da menor o que deverá resul-
ou maior capacidade Na presente ordem tar em maior com-
destes em projetar
poder e influência
mundial, a hierarquização plexidade costeira
(LEANDRO, 2009,
a longas distâncias, dos Estados continua p. 140-143).
pelo que os espaços dependente da menor ou Assim sendo,
marítimos e a com- há um renovado
ponente naval são maior capacidade destes em interesse pelas re-
peças-chave neste projetar poder e influência giões marítimas do
processo. continente africa-
Tudo isso, asso-
a longas distâncias no, quer numa ótica
ciado ao fator de- de exploração de
mográfico, encerra as dimensões de cen- matérias-primas ou oportunidades de-
tralidade que se atribuem cada vez mais correntes das fragilidades locais, quer
aos oceanos, designadamente devido ao numa visão de impedir a proliferação de
crescimento exponencial da população em ameaças complexas e difusas nesta região,
várias regiões litorâneas, sendo que a es- que faz parte da rede global do comércio
magadora parte da população mundial vive internacional. Esse vasto interesse pelos
a uma distância inferior a 100 km da zona espaços marítimos africanos torna-os
costeira, o que coloca os oceanos no centro uma plataforma essencial de projeção dos
de todas as dinâmicas mundiais. Neste interesses dos players internacionais, em
particular, ao longo da história das relações que se destacam, por um lado, as grandes
internacionais, o mar foi preponderante na potências, interessadas na exploração das
construção e no declínio de diversos impé- matérias-primas, e, no outro extremo, os
rios, tendo servido como meio de transporte agentes do crime organizado transnacio-
e comunicação para o comércio marítimo nal, que usam os oceanos como fonte de
gerador de riqueza e para os meios navais recursos e teatro de atuação criminosa.

RMB3oT/2021 123
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

Com efeito, pelas suas caraterísticas ao mar contribuíram para o atual estado
diferenciadas, traduzidas na maior fluidez e dormente do setor marítimo, sobretudo
nas dificuldades para afixação humana per- porque Angola transformou-se num poder
manente, os oceanos devem ser objeto de assumidamente militar continental, fican-
uma projeção de soberania dos Estados de do no esquecimento os 1.650 km de exten-
natureza diferenciada à exercida em terra, são de costa e o enorme potencial marítimo
particularmente por aqueles Estados cujas que agrega (WEIGART, 2011). Todavia a
capacidades internas são consideravelmen- forte ligação do mar com a história ango-
te limitadas, como é o caso de Angola5. lana, tanto em termos de posicionamento
Em suma, não cabe no âmbito deste geográfico quanto de dependência econô-
texto descrever a totalidade dos aspetos mica, deve servir de catalisador para uma
científicos e objetivos dos oceanos, que nova abordagem nacional aos Assuntos do
se perfilam para a centralidade do mar Mar, na medida em que Angola faz parte
nas relações internacionais, e a respectiva do grupo de países que têm a sua realidade
mais-valia para Angola, sendo que importa e sua história associadas à importância dos
antes salientar que oceanos, porquanto
a maior atuação de a sua economia con-
Angola nos EEINM A guerra civil e a falta tinua fortemente de-
deve ser entendida pendente da explo-
numa perspectiva de de políticas públicas ração e exportação
reforço da sua cen- eficazes ligadas ao mar do petróleo offshore.
tralidade no Atlânti- contribuíram para o atual Na verdade, a
co Sul, impulsionan- soberania una e in-
do as parcerias no estado dormente do setor divisível do Estado
quadro dos assuntos marítimo em Angola angolano é exercida
marítimos e fomen- sobre a totalidade do
tando a competitivi- território nacional,
dade do seu sistema marítimo-portuário e a compreendendo, nos termos da Consti-
sua participação nas questões securitárias e tuição da República, da Lei e do Direito
econômicas continentais, elegendo, assim, Internacional (DI), a extensão do espaço
os oceanos como área de especialização e terrestre, das águas interiores e do mar
um fator de afirmação nacional. territorial, bem como o espaço aéreo,
solo, subsolo, fundo marinho e os leitos
OS ESPAÇOS ESTRATÉGICOS DE correspondentes, demonstrando, desta
INTERESSE NACIONAL NO MAR forma, o compromisso do Estado com o
DI e sobretudo com a CNUDM. Parale-
Em relação, concretamente, ao caso lamente, o Estado exerce soberania e/ou
angolano, considera-se que a guerra civil e jurisdição material na Zona Contígua, na
a falta de políticas públicas eficazes ligadas Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e na

5 O Sistema de Forças Navais angolano precisa ser redimensionado, porquanto é composto por um Sistema
de Defesa Costeira (defesa antimíssil) SS-C-1B Sepal, três navios-patrulha de vigilância e investigação
pesqueira da classe Ngola Kiluange, cinco lanchas de fiscalização rápidas PVC-170, três lanchas de
fiscalização rápida da classe HSI, quatro navios-patrulha da classe Rei Mandume, cinco navios-patrulha
da classe Imperial Santana, navios-patrulha costeira da classe Bula Matadi e duas aeronaves de patrulha
marítima (Fokker F-27-200 MPA e C-212 Aviocar, da Força Aérea) (Ginga, 2014; IISS, 2017).

124 RMB3oT/2021
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

Plataforma Continental, à luz do artigo tensão equiparada a 86% da superfície


3o da Lei no 14/10. total terrestre (1.069.530 km2)6, podendo
Na sua relação com os espaços maríti- resultar em ganhos futuros associados à
mos, Angola respeita e assume os limites exploração de riquezas do fundo do mar
considerados pela CNUDM, tendo ratifi- e ao legado para as gerações vindouras. É
cado a Convenção em 5 de dezembro de neste quadro legal de espaços marítimos,
1990 e consagrado seus pilares por meio delimitações e competências que Angola
da Lei no 21/92, de 28 de agosto, sobre deve projetar o seu posicionamento como
as Águas Interiores, o Mar Territorial e Nação costeira, consolidando-se com sua
a ZEE, e mais tarde pela Lei no 14/10, atuação dentro e para além destes limites,
de 14 de julho, dos Espaços Marítimos. em defesa do interesse nacional.
Neste cenário, encontram-se definidos os Portanto, o Espaço Estratégico de In-
espaços marítimos nacionais e os direitos teresse Nacional (EEIN), cujos controle,
e responsabilidades do Estado nesses es- fiscalização e manutenção reforçam as
paços, com um mar territorial de 12 MN potencialidades de Angola enquanto ator
e uma ZEE de 200 MN (518.433 km²), o na cena internacional, contempla todos
que faz com que a superfície do mar a ser os espaços cruciais e de interesse a nível
controlada seja de cerca de 162.000 MN2 global, que interferem ou influenciam
(CUNHA, 2008, p. 32). na prossecução dos interesses nacionais,
Encontra-se em curso o processo de em que o núcleo duro é constituído pelo
delimitação da fronteira lateral norte entre “território nacional”, a “ZEE”, o “espaço
a República de Angola e a República De- interterritorial” e o “espaço aéreo” sob
mocrática do Congo, por ser a que oferece responsabilidade nacional (FERREIRA,
maior complexidade, designadamente por 2011, p. 229). Entende-se o EEIN “por
estarem envolvidos muitos interesses para toda superfície terrestre, marítima e aérea
o Estado, a saber: a exploração dos recur- que possa ser relevante para os interesses
sos no mar, o exercício da soberania nesses nacionais, no âmbito da soberania, da
espaços e a unidade nacional (localização segurança (incluindo defesa avançada),
geográfica do enclave de Cabinda). Con- econômico ou de projeção de poder ou
trariamente, a delimitação da fronteira sul influência” (FERREIRA, 2011, p. 241).
do mar territorial, da ZEE e da plataforma Este espaço corresponde ao conjunto
continental de Angola foi definida pelo dos espaços necessários e fundamentais
Tratado de Delimitação assinado entre para o desenvolvimento das ações mili-
Angola e Namíbia, a 4 de junho de 2002, tares de Segurança e Defesa do território
à luz do artigo 13o da Lei no 14/10. nacional, que contribuem para a prossecu-
Outrossim, o Projeto de Extensão ção dos interesses vitais permanentes do
da Plataforma Continental de Angola Estado, sendo que, no contexto marítimo,
(PEPCA), submetido, inicialmente em os EEINM traduzem o conjunto dos es-
dezembro de 2013, à Comissão de Limites paços marítimos sob soberania, respon-
da Plataforma Continental da Organização sabilidade, jurisdição, controle, entre
das Nações Unidas (ONU), permitirá outros espaços marítimos de importância
que o Estado tenha em sua jurisdição geopolítica e geoestratégica para o Estado,
uma superfície oceânica com uma ex- tendo em vista os interesses nacionais de

6 Disponível em: https://revistademarinha.com/o-poder-naval-em-angola/. Acesso em: 15 dez. 2020.

RMB3oT/2021 125
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

segurança, desenvolvimento econômico, a efetivação e a consolidação do processo


emergência e afirmação internacional de Reestruturação, Redimensionamento e
(GINGA, 2014, p. 185). Reequipamento (RRR) do aparelho militar
Em síntese, entende-se que os EEINM das Forças Armadas em geral, e da Marinha
transcendem as águas sob jurisdição na- de Guerra num contexto mais específico,
cional, alcançando espaços estratégicos dentro do panorama das Reformas do Setor
ao longo do Atlântico Sul, entre os quais de Segurança (RSS) e das Reformas do
a região do Golfo da Guiné (GoG), na Setor de Defesa (RSD), sobretudo tendo
medida em que, para Angola, o Oceano, em conta as necessidades de fazer face às
nas suas diferentes dimensões, deve principais ameaças que colocam em causa
representar um “espaço vital” para o a segurança regional e a sua integridade
seu progresso, surgindo como um es- territorial (GINGA, 2014).
paço necessário à completa e perfeita No plano interno, considera-se que,
realização do Estado, tanto nos níveis nos últimos anos, o Estado tem desen-
interno e externo como nos níveis políti- volvido algumas dinâmicas que visam ao
co e econômico, sendo essenciais para a aprimoramento do seu Poder Naval, uma
concretização do interesse nacional. Por- vez que as autoridades nacionais come-
tanto, a valorização do mar pelo Estado çam a ter presente a consciência de que
angolano deverá, assim, continuar a ser o desenvolvimento nacional encontra-se
marcada pela sua responsabilidade com dependente da preservação de um contex-
os compromissos no âmbito do Direito to de estabilidade política localmente e da
Internacional Marítimo e pelo fortaleci- pacificação das regiões circundantes, que
mento de alianças “bimultilaterais”, tendo só serão possíveis garantir se o Estado,
em vista o estabelecimento da paz, da simultaneamente, construir uma “nova
segurança e da desestabilidade no quadro cultura securitária”, em que a componen-
geopolítico em que se insere, ou seja, no te naval de jure e de facto faça parte da
Atlântico Sudeste, Atlântico Sul e Oceano identidade nacional, e não descurar das
Atlântico, na sua mais alargada extensão. suas responsabilidades enquanto “agente
das Relações Internacionais”.
ANGOLA E SUA ATUAÇÃO NOS No plano externo, Angola tem procu-
ESPAÇOS ESTRATÉGICOS DE rado expandir suas águas jurisdicionais
INTERESSE NACIONAL NO MAR junto à ONU, por meio do PEPCA, o que,
naturalmente, deve se traduzir no reforço
Tal como Friedrich Ratzel colocou um dos seus laços de cooperação “bimul-
acento tônico na importância do espaço tilaterais”, centrados no Atlântico Sul.
vital para os Estados, numa dupla pers- Para o efeito, será importante continuar a
pectiva de “espaço habitável” e “espaço estreitar laços de cooperação, no âmbito
“acessível”, a proximidade de Angola com das questões de defesa e segurança ma-
o Oceano deve incentivar o devido controle rítimas e da Economia Azul, com outros
do mar sob sua soberania e jurisdição, a ex- Estados com interesses no Atlântico Sul,
ploração sustentável dos recursos marinhos nomeadamente no quadro da Zona de Paz
e o asseguramento das linhas de comunica- e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas),
ções marítimas e navegação que por aí cru- da Comunidade dos Países de Língua Por-
zam (GINGA, 2014, p. 185). De fato, para tuguesa (CPLP), da Comissão do Golfo da
melhor atuação, considera-se fundamental Guiné (CGoG), da Comunidade Econômi-

126 RMB3oT/2021
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

ca de Estados da África Central (CEEAC) Memorando de Entendimento8 (MdE) de


e da Comunidade de Desenvolvimento da cooperação militar, fortalecido em 2014
África Austral (SADC). (REVISTA ÁFRICA 21, 2013, p. 19). Entre
Neste domínio, no quadrante do Atlân- as várias áreas de possíveis parcerias, o maior
tico Sul, o Brasil, pela proximidade histó- destaque foi o da cooperação naval, com a
rica e por suas capacidades tecnológica, implementação do Programa de Desenvolvi-
econômica e militar, surge como um aliado mento do Poder Naval de Angola (Pronaval),
estratégico, contribuindo no reforço do por meio da Empresa Gerencial de Projetos
poder funcional do Estado angolano entre Navais (Emgepron), da Marinha brasilei-
o Atlântico Norte e ra9. Neste particular,
o Atlântico Sul, no foi sublinhada a im-
triângulo estratégico O Brasil, pela proximidade portância do Brasil
Angola-Brasil-Cabo para a consolidação
Verde. A relação histórica e por suas do Sistema Nacional
com o Brasil no setor capacidades tecnológica, de Vigilância Maríti-
marítimo é deveras econômica e militar, surge ma (Sinavim), criado
importante, não ape- por meio do Decreto
nas pelo potencial como um aliado estratégico n o 59/09 de 26 de
brasileiro nos As- para Angola outubro de 2009,
suntos dos Oceanos, que visa garantir o
mas também pela exercício dos direitos
necessidade partilhada da existência de soberanos nas águas sob soberania e juris-
países com capacidade naval ao longo do dição nacional. Outrossim, as relações de
Atlântico Sul, de forma a salvaguardar este cooperação na esfera da segurança marítima
espaço dos interesses de outros players7, à com o Brasil surgem também no âmbito
luz dos Acordos da Zopacas. da Diretriz para as Atividades do Exército
Nesta consciência, no primeiro trimestre Brasileiro na Área Internacional (Daebai),
de 2013, Angola e Brasil assinaram um porquanto esta aponta “para a promoção de

7 A reativação da IV Esquadra norte-americana, em 2008, veio criar alguma tensão nessa região assumidamente
desmilitarizada, designadamente porque deixa a descoberto os elevados interesses estratégicos nas regiões
do Atlântico Sul. A IV Esquadra está integrada o Southern Command dos Estados Unidos da América
(EUA) e é responsável pelas operações da Marinha norte-americana na área de interesse do Southcom
(Comando do Sul dos EUA), pelo que a sua reativação, na ótica estadunidense, deve-se sobretudo a razões
de caráter humanitário, embora em 2009 o General Douglas Fraser, então comandante do Southcom,
tenha defendido que a esquadra dava aos EUA maior atuação no Atlântico Sul, que constitui uma área
de valor geoestratégico, pela sua importância para os transportes e rotas marítimas e pela sua riqueza
em recursos naturais. Deste modo, o então Presidente do Brasil, Lula da Silva, defendeu que, “quando
os EUA estabelecem como prioridade reforçar a Quarta Frota do Atlântico, obviamente temos que nos
preocupar” (FONSECA, 2010, p. 81).
8 O ministro da Defesa Nacional à época, Cândido Pereira dos Santos Van-Dúnem, durante visita do seu ho-
mólogo Celso Amorim, enfatizou que Angola pretendia contar com a ajuda do Brasil para a criação da
Indústria Militar Nacional e para o fortalecimento da indústria de Defesa, a fim de reduzir a dependência
que as Forças Armadas tinham na aquisição de meios logísticos do exterior, sendo que a componente
naval faz parte das prioridades deste projeto. De fato, a atuação política do ministro Celso Amorim,
enquanto responsável pela pasta da Defesa, teve um impacto positivo no que diz respeito ao estreitamento
de relações entre o Brasil e os Estados africanos.
9 Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/2014/mes09/memorandoa_dea_entendimen-
toa_brasila_angola.pdf. Acesso em: 20 jan. de 2021.

RMB3oT/2021 127
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

intercâmbios e cooperações inseridas na tima de Portugal pode ampliar a dimensão


Diplomacia Militar, construindo relações geoestratégica de Angola, porquanto o po-
de confiança mútua, com a finalidade de tencial científico e doutrinário de Portugal,
colaborar com a segurança, o desenvol- associado à dinâmica econômica no setor
vimento, a estabilidade regional e a paz das ciências do mar do Brasil e ao serviço
mundial” (NUNES, 2015, p. 11). do potencial geoestratégico de Angola,
Ora, além dos interesses identificados pode consolidar o amadurecimento de um
por atores externos à região, existem triângulo estratégico lusófono do Oceano
pontos de instabilidade no Atlântico Sul Atlântico (Brasil-Angola-Portugal).
(região do GoG) que ultrapassam a capa- Assim, quanto à CPLP, o plano políti-
cidade de intervenção isolada de qualquer co diplomático dentro desta comunidade
Estado, no sentido de que torna-se cada surge como uma alavanca aos interesses
vez mais oportuno o reforço dos laços de marítimos angolanos, mormente devido
cooperação técnica com o Brasil, servin- ao capital de influência que é possível
do, assim, de catalisador para a construção movimentar pelas relações mantidas com
de um poder naval angolano, em benefício esses dois países, surgindo como relações
da segurança marítima na região. essenciais para o desenvolvimento e para
Num outro quadrante, a ligação histó- a afirmação de Angola na esfera interna-
rica e privilegiada mantida com Portugal cional. Com efeito, os exercícios militares
surge também como uma mais-valia no anuais da série Felino convergem com a
âmbito das sinergias que podem ser desen- intenção de existir maior integração e par-
volvidas no seio da CPLP, numa visão de tilha das questões de segurança e defesa
cooperação internacional Norte-Sul, sobre- entre os Estados da CPLP, nomeadamente
tudo porque a política externa portuguesa no que diz respeito às Marinhas ou Guar-
ao longo dos vários anos defendeu o projeto das Costeiras, permitindo, desde logo, a
de uma unidade estratégica do Atlântico, interoperabilidade das forças, bem como a
nomeadamente nas questões relacionadas consolidação de uma doutrina operacional
com a segurança, a defesa, o ambiente e a comum (GINGA, 2014).
investigação científica (CABRITA, 2019). Neste panorama, a vertente da coope-
A concertação diplomática entre os dois ração nas questões de segurança e defesa
Estados, no seio comunitário e no fórum marítimas permite que Angola disponha
bilateral, deve cada vez mais servir de das facilidades de cooperação bilateral e
vetor para este posicionamento geopolítico multilateral estratégica, para a criação de
que se espera do Estado angolano, tendo capacidades que contribuam internamente
em vista o fortalecimento de Angola nas no Maritime Angolan Ownership10, pelo
matérias de segurança e defesa marítimas, que deve continuar a explorar a sua in-
proteção e exploração sustentável dos oce- serção na CPLP de forma a servir como
anos e de investigação oceânica. ponte transatlântica, Sul-Sul e Sul-Norte
Ademais, em relação ao RRR do seu (Angola-Brasil e Angola-Portugal), par-
poder naval e a uma maior atuação nos ticularmente porque o estreitamento dos
EEINM, considera-se que a tradição marí- laços de cooperação no seio deste bloco

10 O conceito de “Maritime Angolan Ownership”, traduzido por “Propriedade Marítima Angolana” ou “Causa
Marítima Angolana”, de criação do autor, pode ser entendido como o conjunto de instrumentos, fatores
e valores, ligados aos assuntos dos oceanos e não só, que direta e indiretamente contribuem para a va-
lorização, o posicionamento e a afirmação de Angola enquanto Estado costeiro.

128 RMB3oT/2021
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

comunitário reveste-se de enorme impor- e Angola, “Angola é um país que tem um


tância para a edificação de uma indústria papel muito importante na região, e por
marítima nacional e para o estreitamento isso a França assinou o acordo de defesa
dos laços com os Países Africanos de para fortalecer esta capacidade, para asse-
Língua Oficial Portuguesa (Palop) (BER- gurar toda a região do Golfo da Guiné”12.
NARDINO; LEAL, 2011, p. 64). O acordo no domínio militar assinado
Por sua vez e no que diz respeito à entre França e Angola, durante a visita
região do GoG, em que seu posiciona- do Presidente João Lourenço àquele país
mento tem sido marcado sobretudo pelas europeu, em maio de 2018, constitui um
relações mantidas com São Tomé e Prín- reforço aos laços de cooperação entre os
cipe, com uma posição geográfica insular dois Estados, sendo que prevê a coopera-
que lhe confere vantagem geoestratégica ção nos domínios de manutenção da paz
a nível continental, podendo servir de e da segurança marítima, potenciando,
plataforma giratória naquela região, deste modo, as capacidades das Forças
enquanto base logística para a indústria angolanas. A dimensão e a cultura naval
marítima (GUEDES, 2011. p. 62), as francesas surgem como uma mais-valia
autoridades angolanas têm mostrado um para o treino das capacidades de inte-
olhar mais atento, seja fortalecendo as roperabilidade das forças no mar, bem
suas relações com os Estados da região como um instrumento para a capacitação
ou participando com maior frequência das material e humana da Marinha de Guerra
iniciativas securitárias destinadas a ela. Angolana (MGA), mormente no que se
Neste quadro, a participação de Angola refere ao combate à pesca ilegal e à pira-
no exercício militar Grand African Nemo taria e à assistência a navios em perigo.
2018, em que o Estado foi representado Essa aproximação entre os dois Estados
por sua Marinha de Guerra, demonstra não traduz não apenas a importância que Angola
apenas a preocupação do Estado com as pode desempenhar no âmbito da defesa e
questões de segurança e defesa marítimas, segurança marítimas do GoG, mas também
mas também a sua vontade em ser um ente expressa o fortalecimento de uma relação de
ativo no quadro geopolítico regional11. cooperação técnica há muitos anos “ador-
Na verdade, e de acordo com o diplo- mecida”13, porquanto foram renovadas as
mata militar Géry Mangez durante uma intenções preconizadas durante o Fórum
conferência de imprensa em que abordou Econômico Angola-França, em julho de
o novo ciclo na cooperação entre a França 2015, em que os dois Estados assinaram

11 O Grand African Nemo é um exercício que acontece uma vez por ano, e sua vocação é de envolver os
países da região do GoG e outros países parceiros. O primeiro Exercício Nemo aconteceu em setembro
de 2013, com a participação do Togo e da França. Disponível em: http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/
marinhas_de_guerra_fazem_treino_conjunto/. Acesso em: 20 fev. 2021.
12 A preservação da paz e a manutenção da segurança marítima são dois domínios em que a França quer
muito trabalhar com Angola, porquanto os dois países precisam atuar juntos no GoG, para a garantia de
um mundo melhor e seguro. O adido da Defesa da França em Angola considerou positivos os resultados
dos exercícios navais realizados entre as Marinhas dos dois países. Para ele, “estes exercícios foram um
grande sucesso para a França e Angola” na medida em que, agora, os militares angolanos e franceses
estão em melhores condições de trabalhar em conjunto no domínio da segurança marítima, com destaque
para a planificação. Disponível em: http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/franca_destaca_papel__estra-
tegico_de_angola. Acesso em: 10 nov. 2020.
13 Disponível em: https://jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=416845. Acesso em: 18 fev. 2021.

RMB3oT/2021 129
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

cartas de intenção para encomendas no va- intervenção nos EEIMN. Neste espírito, a
lor de 220 milhões de euros em construção partir do ano 2019, Angola passou a inte-
naval e infraestruturas associadas14. grar o Programa Militar dos EUA (Capsto-
De igual modo, ainda no quadro de ne 20-1), que visa preparar novos oficiais
atuação do GoG, as relações de coope- generais selecionados para futuras missões
ração entre Angola e os Estados Unidos de responsabilidade interinstitucionais,
de América (EUA) nos últimos anos têm intergovernamentais e multinacionais de
assumido um papel mais relevante, con- alto nível. O Programa está igualmente
cretamente no que diz respeito às matérias voltado para as questões ligadas à seguran-
de segurança marítima. A integração de ça marítima e à formação, uma vez que a
Angola nos exercícios militares navais cooperação é feita a nível dos dois Estados
Obangame Express15 (EMNoe), a partir do e entre instituições acadêmicas e militares.
ano de 2014, e nos exercícios combinados Por ocasião da visita de uma delegação de
(Angola-EUA) MED-Flag16, reflete este oficiais superiores do Ministério da Defesa
novo alinhamento geoestratégico entre os dos EUA a Luanda, no quadro do Caps-
dois Estados. Neste particular, em março tone 20-1, em agosto de 2019, o antigo
de 2015, durante a visita do navio militar ministro das Relações Exteriores, Manuel
USNS Spearhead, a embaixadora Helena Domingos Augusto, asseverou que, na
La Lime realçou a importância do reforço qualidade de um dos parceiros estratégicos
da cooperação no domínio da segurança dos EUA na África, Angola “tem adotado
marítima com Angola, defendendo a ne- mecanismos de prevenção e combate ao
cessidade de se aprofundar a cooperação crime transnacional, nomeadamente a
bilateral e internacional em matéria de imigração ilegal, o terrorismo, a pirataria
segurança marítima para o reforço da marítima, o tráfico de seres humanos e o
segurança marítima no GoG17. narcotráfico […] elementos que colocam
Esta ligação aos EUA é de subliminar em risco a soberania nacional em particular
importância para a construção de uma e dos Estados em geral”18.
doutrina naval e o fortalecimento da ca- Na verdade, a preocupação de Angola
pacidade de interoperabilidade para maior com a segurança regional tem sido marca-

14 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/angola-e-fran%C3%A7a-assinam-um-novo-acordo-de-


-coopera%C3%A7%C3%A3o-bilateral/a-18560153. Acesso em: 22 fev. 2021.
15 O Obangame Express (OE) é um exercício marítimo, conduzido pelo Comando Africano dos Estados Unidos
(United States Africa Command − US Africom), com o propósito de aumentar a segurança marítima no
GoG, visando ao emprego de operações e técnicas de visita e inspeção a bordo. É um exercício marítimo
internacional que reúne forças africanas, europeias, sul-americanas e norte-americanas, enquanto parte de
uma Rede Global de Marinhas, para melhorar a cooperação e o conhecimento em operações de segurança
marítima. O OE procura avaliar e melhorar a capacidade de aplicação da lei marítima internacional, procu-
rando maximizar o envolvimento dos países signatários do Código de Conduta Yaoundé (CCY), por meio
da implementação de uma estratégia regional para a segurança marítima na África Central e Ocidental,
criando-se uma parceria entre os 20 países que assinaram o CCY. O exercício visa testar as forças marítimas
multinacionais numa ampla gama de operações navais, a fim de aumentar a capacidade e as habilidades
como um todo das nações do GoG para deter a pirataria, o tráfico ilícito e outras ameaças marítimas.
Disponível em: https://www.emgfa.pt/pt/operacoes/exerc/obangamexpress. Acesso em: 5 dez. 2020.
16 Disponível em: http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2005/8/37/Med-Flag-assiste-mais-mil-
-pacientes-Ambriz,835ccc45-9006-45bf-9520-a35b2fdbc6e0.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
17 Disponível em: https://ao.usembassy.gov/pt/us-strengthens-maritime-security-angola-pt/. Acesso em: 10 dez. 2020.
18 Disponível em: https://ao.usembassy.gov/pt/delegacao-de-oficiais-superiores-do-ministerio-da-defesa-dos-
-estados-unidos-da-america-em-angola/. Acesso em: 8 dez. 2020.

130 RMB3oT/2021
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

da sobretudo pela sua atuação no âmbito regionais, sendo que a conferência visou
da região do GoG, na medida em que, com examinar e recomendar linhas de atuação
a parceria do Secretariado Executivo da para desenvolver uma capacidade de
CGoG, realizou a Conferência Internacio- implementação integrada das estratégias
nal sobre a Paz e Segurança na Região do locais no âmbito da segurança marítima.
Golfo da Guiné, de 27 a 29 de novembro A participação de Angola como parte
de 2012, sob a matriz de que sem paz e se- ativa no quadro das principais iniciativas
gurança não há desenvolvimento regional, regionais de cooperação no domínio da
pelo que foi assinada a Declaração de Lu- segurança marítima constitui, por isso,
anda sobre a Paz e Segurança e decidido interesse nacional (REVISTA GOLFO
transformar a região do GoG em Zona de DA GUINÉ, 2015).
Paz e Segurança (CHATHAM HOUSE, Outrossim e no quadro de atuação ex-
2012; CGoG, 2012). Esta noção fortalece terna (out of area), a sub-região da África
a perspectiva defendida por Alfred Mahan, Central surge também como uma região
que, em sua obra The influence of sea po- de vital importância para o país, nomea-
wer upon History − 1660-1783, defendeu damente por ser muito importante para a
a necessidade de um poder naval forte para economia nacional, mais concretamente
o progresso das nações (MAHAN, 1889). para a indústria petrolífera, o que faz com
Mais tarde, entre 7 e 9 de outubro de que Angola continue a ser uma parte
2015, Angola realizou a Conferência ativa na resolução e gestão de conflitos
Internacional sobre Segurança Marítima dos países dessa região. Assim e em linha
e Energética no Golfo da Guiné, na qual com a sua estratégia de atuação, Angola
juntou parceiros públicos e privados dos tem aumentado sua participação militar na
setores marítimos e da energia ao nível região da CEEAC, por meio dos exercícios
global, tendo permitido a partilha de militares da série Kwanza, tendo organi-
informações sobre as boas práticas inter- zado o exercício militar anual no ano de
nacionais no quadro da Agenda Africana 2010 (Kwanza 2010), aquele que foi um
2063, para que os Estados africanos pu- dos principais exercícios militares realiza-
dessem melhorar a coordenação ao nível dos na região, com o país envolvendo um
da segurança regional e reforçassem as número significativo de efetivos e meios
parcerias público-privadas nas matérias militares (BERNARDINO, 2011, p. 113).
dos Assuntos dos Oceanos 19 . Neste No que diz respeito à manutenção
certame foram analisadas as respostas à do seu status quo, ao nível da região da
insegurança marítima, bem como a coope- SADC, Angola tem participado nos exer-
ração internacional entre as organizações cícios militares das séries Dolphin, Blue20

19 Disponível em: http://m.redeangola.info/seguranca-maritima-e-energetica-discutida-em-outubro/. Acesso


em: 10 fev. 2021.
20 Na verdade, os exercícios militares da série Blue, que reúnem as forças aéreas dos países da SADC, foram
idealizados em conformidade com o Artigo 13 do Protocolo do Conselho de Paz e Segurança da União
Africana (UA), que deu origem às cinco Stand by Forces (Forças de Prontidão) africanas sub-regionais,
incluindo a força da SADC, pelo que todas as forças de sub-regiões devem ser capacitadas para responder
com rapidez e em tempo a qualquer crise, incluindo a prestação de apoio humanitário e ajuda humanitária.
O exercício Blue Kunene foi o sétimo do seu gênero depois dos exercícios Blue Angel, realizado na Zâmbia,
em 2005; Blue Ruvuma, na Tanzânia, em 2007; Blue Hungue, no Zimbábue, em 2009; Blue Cluster, na
África do Sul, em 2011; Blue Zambezi, em Angola, em 2013; e Blue Okavango, realizada em 2015. Dis-
ponível em: https://neweralive.na/posts/sadc-prepares-for-joint-military-exercise. Acesso em: 12 jan. 2021.

RMB3oT/2021 131
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

e Golfinho21, entre outras iniciativas regio- ocidental e oriental; e o Fairway Buoy


nais com o propósito principal de treinar Exercise, exercício de posto de comando
a capacidade de interoperabilidade e de organizado anualmente pela Marinha
projeção das Forças Armadas Angolanas namibiana para treinar a componente
(FAA) em geral e a sua componente marí- de Cooperação Naval e Orientação do
tima em particular; interagindo com outras Transporte Marítimo (Naval Cooperation
forças que tenham maior capacidade de and Guidance for Shipping − NCAGS)
meios, de forma a permitir uma atuação no contexto da SADC. Esses treinamen-
conjunta na luta contra os principais de- tos têm os propósitos de permitir a inte-
safios à segurança na região. Na verdade, roperabilidade entre as várias forças de
a realização dos exercícios militares tem defesa e segurança marítimas e melhorar
permitido que Angola mantenha a pron- a capacidade de prontidão das forças e o
tidão das suas forças, isoladamente e desenvolvimento das suas doutrinas. No
empenhada enquanto força da Southern quadro inter-regional, importa sublinhar
Africa Standby Brigade22 (SADCBrig). o programa Critical Maritime Routes
Portanto e no quadro das dinâmicas in the Gulf of Guinea Programme 23
intrarregionais, considera-se fundamen- (Crimgo), da União Europeia (UE),
tal a participação em outras iniciativas lançado em 2009; o Atlasur, exercício
continentais que envolvam a vertente naval conjunto que se realiza desde 1993,
marítima, nomeadamente aquelas desen- envolvendo Brasil, Argentina, Uruguai
volvidas com países vizinhos ou Estados- e África do Sul; e o Ibsamar, exercício
-membros do quadro regional em que se marítimo multinacional realizado entre
insere, entre as quais importa sublinhar as Marinhas da Africa do Sul, do Brasil
o Interop West e o Interop East, exer- e da Índia, como extensão do Acordo
cícios entre a Marinha sul-africana e as Tripartida IBSA (DoD, 2015; IISS, 2017,
outras Marinhas do continente nas costas p. 475; GINGA, 2014).

21 O exercício é uma Operação de Apoio à Paz conduzida pelos Estados-membros da SADC. Seu propósito
é garantir a prontidão operacional das forças de acordo com o programa das Stand by Forces da União
Africana (UA). É uma demonstração do compromisso dos Estados da SADC com a participação no
treinamento regional de apoio à paz e espera obter melhor cooperação regional no campo das Operações
de Apoio à Paz. Disponível em: https://www.defenceweb.co.za/land/land-land/troops-arriving-for-
-exercise-golfinho/. Acesso em: 13 mar. 2021.
22 Em declarações à Agência Angola Press, o chefe da Direção das Operações do Estado-Maior da Marinha,
Joaquim João Gouveia, sublinhou que as manobras conjuntas de busca e salvamento integrariam meios
como helicópteros da Força Aérea, destacamento de mergulhador da MGA, serviços de emergência médica
dos bombeiros e meios da Capitania do Porto de Luanda. Disponível em: http://m.portalangop.co.ao/
angola/pt_pt/mobile/noticias/politica/2011/1/9/Cidade-acolhe-exercicios-militares-conjuntos-Angola-
-Namibia,902fa2bd-f917-4bb6-8049-6113ecea02da.html?version=mobile. Acesso em: 22 dez. 2020.
23 A União Europeia criou as Rotas Marítimas Críticas (CMR) programadas para enfrentar o desafio da segu-
rança e proteção marítima em diferentes regiões, como o Sudeste Asiático, o Oceano Índico Ocidental e
o GoG. As rotas marítimas críticas são, assim, as rotas consideradas cruciais para o comércio marítimo,
o transporte, a pesca e outras atividades marítimas essenciais. O relevo do CMR é na capacitação, por
meio de prestação de assistência jurídica e formação a nível regional, para o intercâmbio de informação e
experiência, posterior à sua implementação a nível nacional. As intervenções concentram-se em ampliar
o poder das guardas costeiras, reforçando a aplicação da lei marítima nestes espaços. Os Estados são
selecionados considerando o quadro de ameaças recentes e frequentes e a escassez dos recursos. A ação
atual consiste em seis projetos, dois dos quais em duas regiões principais: o Oceano Índico e a África
Ocidental. O propósito dos projetos CMR é formar progressivamente uma ação conjunta global que
contribuirá para criar sinergias entre regiões, e aumentar a segurança marítima. Disponível em: https://
criticalmaritimeroutes.eu. Acesso em: 12 fev. 2021.

132 RMB3oT/2021
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

Em resumo, o reforço de alianças espaços marítimos, em obediência ao


já existentes e a participação em novas quadro legal internacionalmente estabe-
iniciativas permitirão que Angola de- lecido em relação às principais matérias
senvolva um conjunto de capacidades dos Assuntos dos Oceanos.
navais técnicas e operacionais (intero- Na verdade, a cooperação na con-
perabilidade, mobilidade, projeção de certação político-diplomática marítima,
forças, comando e controle, graduação mediante um conjunto de instrumentos do
de respostas e transporte, entre outras) quadro global dos assuntos marítimos, por
e disponha de um leque de instrumentos meio de sinergias “bimultilaterais” que
no âmbito da diplomacia naval, da coo- podem ser movidas dentro dos principais
peração internacional e dos Assuntos dos fóruns regionais e internacionais de que
Oceanos, em defesa do interesse nacional Angola é parte, deve fazer parte da linha
(GINGA, 2020). de frente das prioridades das políticas
públicas marítimas nacionais. Não ape-
CONSIDERAÇÕES FINAIS nas pelo potencial estratégico dos seus
espaços marítimos,
Na perspectiva mas também pelas
de realçar as princi- Alianças e novas iniciativas múltiplas funções
pais linhas de pen- permitirão que Angola estratégicas que este
samento traçadas pode desempenhar,
ao longo deste arti- desenvolva capacidades seja no nível da es-
go científico sobre navais e instrumentos tratégia integral do
a centralidade dos Estado (interesse
oceanos na políti-
para diplomacia naval, nacional) ou no ní-
ca internacional e a cooperação internacional e vel das diferentes
consequente atua- assuntos dos oceanos estratégias setoriais
ção de Angola nos (setor marítimo-
EEINM, considera- -portuário), consti-
-se que, enquanto no passado os oceanos tuindo-se num “elemento geopolítico e
representaram um vetor estratégico para o geoestratégico importante” para as di-
expansionismo, hoje estes são vistos como nâmicas de desenvolvimento de Angola.
o maior recurso natural, com enorme valor Portanto, trata-se de inverter as prio-
econômico e político, na medida em que ridades e investir mais nas questões
representam a base de sobrevivência da relativas aos Assuntos do Mar e ao posi-
população mundial. cionamento de Angola enquanto Estado
No plano interno, reconhece-se que o costeiro, nomeadamente naquelas do âm-
mar surge como um espaço de materiali- bito da segurança marítima, que surgem
zação de inúmeras atividades da economia como a matriz essencial para a exploração
nacional, pelo que o Estado deve ter uma econômica do oceano. A sustentabilidade
atuação adequada à melhor exploração da segurança marítima, nas suas várias
das oportunidades que daí surgem, fomen- vertentes, deve ser, assim, um imperativo
tando, desde logo, a criação de condições para Angola, pois dela depende o melhor
que se traduzam na utilização segura dos aproveitamento do espaço EEIN no mar.

RMB3oT/2021 133
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Direito Marítimo; Mar Territorial; Zona Econômica Exclusiva
(ZEE);

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERNARDINO, Luís. “Contributos de Angola para a Arquitectura de Paz e Segurança Africana.


A Cooperação Militar no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, uma
Estratégia de afirmação regional”. In Pavia, J. (coord.). A Política Externa de Angola no
Novo Contexto Internacional. Lisboa: Quidjuris, 2011, p. 107-126.
BERNARDINO, Luís; LEAL, José. “A Arquitectura de Segurança e Defesa da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (1996-2011)”. IDN Cadernos, Lisboa, n. 6, p. 1-193, 2011.
CABRITA, Cristiano. “O Vector Transatlântico da Política Externa Portuguesa”. In Pavia, J.
(coord.), Política Externa Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Universidade Lusíada
Editora, 2019, pp. 145-180.
CASTRO, Therezinha. Atlântico Sul: Geopolítica e Geoestratégia. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1998.
CHATHAM HOUSE. Angola e o Golfo da Guiné rumo a uma Estratégia Marítima Integrada,
Relatório da Conferência do Angola Fórum, a bordo do HMS Dauntless, em Luanda, 29
de junho de 2012. Londres: Royal Institute of International Affairs, 2012.
CGoG. Declaração de Luanda sobre a Paz e Segurança na Região do Golfo da Guiné. 29 de no-
vembro de 2012. Luanda: CGoG. Disponível em: http://cggrps.org/wp-content/uploads/
De-clara%C3%A7aodeLuanda-PT.pdf. Acesso em: 12 jan. 2021.
CUNHA, Augusto. “Angola no contexto da Defesa e Segurança Marítima do Golfo da Guiné”.
Cadernos Navais, Lisboa, n. 26, p. 31-34, 2008.
DEPARTMENT OF DEFENCE REPUBLIC OF SOUTH AFRICA [DoD]. Department of Defence
Annual Report. Together we move South Africa forward. Pretoria: DoD, 2015, p. 1-415.
DUARTE, António. “As Fronteiras Marítimas, a Segurança e a Cooperação Internacional”. Maria
Scientia – Revista Científica Electrónica Scientific e-Journal, Lisboa, n. 1, p. 2-34, 2011.
FERREIRA, João. “Os Espaços Estratégicos de Interesse para Portugal” (I Parte). Revista Militar,
Lisboa, vol. 63, n. 2.509/2.510, 213-269, 2011.
FONSECA, Cármen. “O Brasil e a Segurança no Atlântico Sul”. Nação e Defesa, Lisboa, vol.
5, n. 128, p. 77-91, 2010.
GALDORISI, G.; VIENNA, K. Beyond the Law of the Sea. New Directions for U. S. Oceans
Policy. Westport: Praeger Publisheirs, 1997.
GINGA, Damião F. Angola e a Complementaridade do Mar: O mar enquanto fator geoestratégico
de segurança, defesa e de afirmação. Tese de doutoramento, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias de Lisboa, p. 1-415, 2014.
GINGA, Damião F. “A Influência do Mar como Elemento da Política Externa Angolana: uma
Diplomacia Naval Angolana”. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, vol. 26,
n. 2, p. 526-555, maio/agosto 2020.
GUEDES, Armando. “As constantes emergentes e a atipicidade das linhas de força na política
externa de Angola 1975-2002”. In Pavia, J. F. (Coord.). A Política Externa de Angola no
Novo Contexto Internacional. Lisboa: Quidjuris, 2011, p. 21-72.
INTERNATIONAL INSTITUTE FOR STRATEGIC STUDIES [IISS]. “The annual assessment
of the military capabilities and defense economics”. The Military Balance, vol. 117, n. 1,
p. 1-576, fevereiro 2017.

134 RMB3oT/2021
ANGOLA, UMA NAÇÃO ATLÂNTICA? − Sua atuação nos espaços estratégicos de interesse nacional no mar

LEANDRO, José. “Caminhos para uma Segurança Alargada em Portugal”. Nação e Defesa,
Lisboa, vol. 4, n. 124, p. 133-165, Outono-Inverno 2009.
OLIVEIRA, Joaquim. Subsídios para o Estudo da delimitação e jurisdição dos Espaços Marítimos
em Angola. Coimbra: Almedina, 2007.
MAHAN, Alfred. The influence of sea power upon History, 1660-1783. Cambridge: Cambridge
Library Collection, 1889.
MAWDSLEY, Evan. World War II: A New History (2a Edição). Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 2020.
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES [MIREX]. Angola Candidato a Membro-Não
Permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Luanda: MIREX, 2014.
Disponível em: http://www.panapress.com/ANGOLA_ONU_CANDIDATURA_CS.pdf.
Acesso em: 20 nov. 2020.
NUNES, Rogério. “Cooperação Brasil-Angola”. Revista Militar, n. 2.566, novembro de 2015,
p. 891-907.
REVISTA ÁFRICA 21. “Brasil apoia indústria militar angolana. Revista África 21, Brasília, n.
74, p. 1-19, maio 2013.
REVISTA GOLFO DA GUINÉ. “Conferência de Luanda sobre Paz e Segurança no Golfo da
Guiné: Comunicado Final”. Luanda: CGoG, dezembro de 2015.
RIBEIRO, Manuel. A Zona Económica Exclusiva. Lisboa: ISCSP, 1992.
ROYAL NETHERLANDS NAVY [RNN]. Fundamentals of Maritime Operations Netherlands
maritime military doctrine. Den Helder: Commander of the Royal Netherlands Navy, 2014.
TILL, Geoffrey. “Britain, Portugal and Maritime Globalization: past, present and future”. Cadernos
Navais. Lisboa, n. 24, p. 13-20, 2008.
UNCLOS. United Nations Convention on the Law of the Sea. Montego Bay: Nações Unidas, 1982.
UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT [UNCTAD]. Review
of Maritime Transport 2020. Nova Iorque: Nações Unidas, 2020.
WEIGART, Stephen L. Angola: A Modern Military History, 1961-2002. Londres: Palgrave
Macmillan, 2011.

Legislação e Documentos Oficiais

REPÚBLICA DE ANGOLA. Lei no 21/92, de 28 de agosto de 1992. Lei sobre as Águas Inte-
riores, Mar Territorial e a Zona Económica Exclusiva. Diário da República, I Série no 34,
1992, 388-389.
REPÚBLICA DE ANGOLA. Lei no 14/10, de 14 de julho de 2010. Lei dos Espaços Marítimos
(regula o exercício de poderes e define os limites dos espaços marítimos sob soberania e
jurisdição de Angola). Diário da República, I Série n. 131, 2010, 1.396-1.397.

RMB3oT/2021 135
ECONOMIA AZUL: O Programa Oceanos, Zona Costeira
e Antártica na Política de Governança da Administração
Pública Federal*

THIAGO SILVA E SOUZA**


Capitão de Corveta (IM)

ALEXANDRE ROCHA VIOLANTE***


Capitão de Mar e Guerra

SUMÁRIO

Introdução
Pressupostos teóricos
(Re) Pensando o papel da MB na agenda
de Governo
O Programa Oceanos, Zona Costeira e
Antártica no PPA 2020-2023
Considerações finais

INTRODUÇÃO de gestão costeira que promovam o uso e


a conservação da biodiversidade, legal-

A Economia Azul se apresenta como


uma nova fonte de crescimento eco-
nômico, associada a uma oportunidade de
mente amparados e focados no interesse
da sociedade brasileira.
Diante de um cenário de escolhas de-
equilíbrio entre investimento responsável vido à conciliação de recursos orçamen-
e oceano sustentável. Isso requer práticas tários limitados e escassos e às crescentes

* Artigo adaptado de monografia apresentada à Escola de Guerra Naval (EGN) como requisito para a conclusão
do Curso Superior (C-Sup 2019).
** Mestre em Gestão pela Universidade do Minho (Portugal). Subcoordenador Adjunto do Orçamento na
Coordenadoria do Orçamento da Marinha − Secretaria-Geral da Marinha (SGM/COrM) e pesquisador
do Centro de Estudos Estratégicos do Planejamento Espacial Marinho (Cedepem).
*** Doutorando do Programa de Pós-Graduação de Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança da Uni-
versidade Federal Fluminense (PPGest-UFF). Instrutor de Relações Internacionais da EGN. Professor
colaborador de Relações Internacionais da UFF e coordenador executivo do Cedepem.
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

demandas por serviços públicos de boa estratégicos para o estabelecimento de um


qualidade, o País ainda se encontra incapaz Poder Naval crível2, capaz de garantir a
de mensurar a efetiva contribuição econô- soberania diante das “novas” e tradicio-
mica dos recursos ofertados pelo mar para nais ameaças3, atendendo aos interesses
a geração de renda, emprego e bem-estar nacionais de desenvolvimento e de busca
social (GANDRA, BONETTI, SCHERER, por maior inserção no concerto das nações.
2018; MARRONI et al., 2016). Ademais, Os aspectos metodológicos centraram-
distingue-se o fomento por um Estado -se na coleta de dados empíricos, por
moderno e atuante, não mais como único observação direta, nas oficinas de for-
financiador do desenvolvimento, atuando, mulação do Programa Oceanos, Zona
além de promotor de intervenções e regu- Costeira e Antártica, durante o processo
lações, na mediação de ações inovadoras de elaboração do PPA 2020-2023, em que
na gestão do setor público (MATIAS- foi possível identificar oportunidades na
-PEREIRA, 2010; REZENDE, 2015). exploração do valor público das atribui-
Lacunas como essas ganham impor- ções subsidiárias4 da MB, que poderão
tância na gestão pública ao sinalizar um resultar em incremento político nas arenas
ambiente de oportunidades por arranjos de planejamento e orçamentação da agen-
institucionais governamentais, responsá- da governamental.
veis por orientar a formação e articulação Em outras palavras, ao emprestar
de diversos stakeholders, bem como seus visibilidade à exploração da identidade
interesses na implementação de políticas Amazônia Azul e à sua cooperação com
públicas. Isto posto, percebe-se o Plano o desenvolvimento econômico e social
Plurianual (PPA)1 como legítimo espaço (BRASIL, 2013), admite-se que a Força
político-decisório de planejamento e corrobora com a proposta metodológica do
orçamentação da agenda governamental, PPA 2020-2023 de visão estratégica e foco
onde diretrizes, objetivos e derivações de em resultados. Com isso, visualiza-se o sur-
políticas públicas serão implementados gimento de um ambiente mais favorável à
para a solução de problemas e aproveita- estabilidade, regularidade e previsibilidade
mento de oportunidades a fim de atender de recursos orçamentários da União.
à confiança e às expectativas da população
(BRASIL, 2019d). PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Nesse contexto, o artigo apresenta
uma reflexão sobre o protagonismo da Planejar e orçamentar políticas públi-
Marinha do Brasil (MB) nos debates sobre cas capazes de buscar o equilíbrio das
a governança dos oceanos e como suas contas nacionais e institucionalizar uma
responsabilidades nesses espaços marinhos visão orçamentária estratégica no Planeja-
e marítimos poderão assegurar os recursos mento para o Desenvolvimento Nacional
orçamentários necessários à sua adequada Equilibrado (PDNE) são desafios da nova
manutenção e consecução de projetos agenda governamental.

1 Ver Constituição Federal de 1988: art. 84, XXIII, art. 166, §6o e art. 35, §2o, I da ADCT.
2 Entende-se como moderno, equilibrado e balanceado, sendo capaz de cumprir as tarefas básicas da Marinha.
3 Ameaças tradicionais são aquelas oriundas de outros Estados. Novas ameaças são, comumente, pirataria,
terrorismo, roubo armado, tráfico ilegal de drogas, de armas e humano, descaminho, contrabando e
outros ilícitos transnacionais.
4 Ver art. 17 da Lei Complementar no 97, de 1999.

RMB3oT/2021 137
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

Cardoso Jr. (2014, p.19) defende que na economia global5. Assim, percebe-se
planejamento se trata de “processo tec- um claro aumento do interesse no plane-
nopolítico (contínuo, coletivo e cumula- jamento do uso do mar, com particular
tivo), por meio do qual se dá concretude ênfase no ordenamento do espaço marí-
a projetos oriundos da própria sociedade, timo, assim como no seu enquadramento
canalizados por grupos que disputam, de jurídico e político internacional, o que
forma legítima e democrática, a condução passa pela elaboração de um processo
das ações de governo”. Dessa maneira, que vise à integração de políticas públicas
expectativas de contribuições oriundas ligadas ao mar, que pode ser chamado de
do contemporâneo conceito de Economia Planejamento Espacial Marinho (PEM).
Azul sugerem sua inserção no contexto Assim, o PEM ganha importância ao
da nova agenda de condução dos rumos “criar e estabelecer uma organização
do País, por meio de políticas públicas mais racional do uso do espaço marinho
consoantes à transformação do status quo e as interações entre seus usos, para
dessa atividade em prol da geração de equilibrar demandas de desenvolvimento
renda, emprego e bem-estar social (IPEA, com a necessidade de proteger o meio
2015; MARRONI, 2014; SECCHI, 2017). ambiente e alcançar objetivos sociais e
econômicos de forma aberta e planejada”
Da Economia Azul ao Planejamento (DOUVERE, 2008, p.766).
Espacial Marinho As principais áreas de estudo do PEM
englobam o Transporte Marítimo, as Ener-
A Economia Azul se baseia no uso sus- gias Renováveis, a Conservação/Proteção
tentável dos oceanos e de seus recursos, Marinha, a Mineração, a Pesca, a Aquicultu-
voltado ao crescimento econômico, à se- ra e Exploração de Óleo e Gás, o que aflora
gurança alimentar, à geração de emprego a percepção da necessidade de integração,
e à preservação do meio ambiente marinho em um processo contínuo e cíclico – que é
(PATIL et al. 2016). São “atividades eco- o Planejamento Espacial Marinho.
nômicas que apresentam influência direta Da experiência internacional, Beirão,
do mar, incluindo aquelas que não têm o Marques e Ruschel (2018) destacam o
mar como matéria-prima, mas que são ano de 2007 como o início da Política
realizadas nas suas proximidades” (CAR- Marítima Integrada da União Europeia,
VALHO, 2018, p. 34) e cuja importância a partir do lançamento do “Livro Azul”,
pode ser resumida na constatação de ser que, além de tornar público o reconhe-
“inadequado chamarmos esse planeta cimento dos espaços marítimos e das
de Terra quando claramente é Oceano” costas como essenciais ao bem-estar e
(EHLERS, 2016, p. 203). à prosperidade e fator de integração da
Tem-se a expectativa de crescimento comunidade, alertou quanto ao desafio
do setor para os próximos anos, haja vis- da rápida globalização e das alterações
ta a presença de cerca de três bilhões de climáticas no horizonte, abrangendo
pessoas vivendo em zonas costeiras, além políticas transversais como: crescimen-
das 13 maiores megametrópoles do setor to azul, conhecimento e dados sobre o
pesqueiro gerando US$ 100 bilhões/ano meio marinho, ordenamento do espaço

5 Por exemplo, o Mar da China respondeu por 10% do seu PIB em 2014, segundo projeções da OCDE sobre
mudanças na Economia Azul para 2030 (OCDE apud PATIL et al. 2016, p. 69).

138 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

marítimo, vigilância marítima integrada zação, da governança (ou globalismo,


e estratégias para as bacias marítimas. quando entendido como redução crítica
Já Ehlers (2016), no mesmo contexto da globalização à dimensão econômica)
europeu, reforça que a Estratégia de e da análise e alocação das atividades
Crescimento Azul (Blue Growth Strategy) humanas no mar, fundamentais no equi-
busca desenvolver cinco setores conside- líbrio geopolítico entre Estados costeiros
rados de elevado potencial de crescimento (GANDRA; BONETTI; SCHERER,
econômico, criação de emprego e inova- 2018; MARRONI, 2017).
ção, a saber: transporte e turismo costeiro
e marítimo, pesca e aquicultura, energia A Política de Governança Pública e o
eólica offshore, biotecnologia marinha e Plano Plurianual (PPA)
mineração do fundo do mar.
A construção do conceito de gover- Do art. 165 da Constituição Federal
nança sustentável dos oceanos ganhou de 1988 (CF/88) extrai-se a competência
força em 2015, a partir do compromisso do PPA para estabelecer, de forma regio-
assumido por 193 Estados-membros na nalizada, diretrizes, objetivos e metas da
Assembleia Geral da Organização das Na- administração pública federal para seu
ções Unidas (ONU), aprovando o texto in- período de vigência. Em outras palavras,
titulado “Transformando o nosso mundo: o legislador constituinte definiu um cami-
a Agenda 2030 para o Desenvolvimento nho institucional para despesas públicas,
Sustentável” (DOUVERE, EHLERS, atribuindo ao plano o papel central na
2009). De concreto, no Brasil, criou-se a organização da ação do Estado, assim
Comissão Nacional para os Objetivos de submetendo a elaboração dos demais
Desenvolvimento Sustentável (CNODS), documentos de planejamento e orçamento
por meio do Decreto no 8.892, de outubro às suas disposições, relacionando diver-
de 2016, com a finalidade de internalizar, sos planos e apontando o que deve ser
difundir e dar transparência ao processo priorizado nas decisões orçamentárias do
de implementação da Agenda 2030, com- governo eleito (PAULO, 2010).
posta por 32 representantes (titulares e su- Já o art. 174 da CF/88 prevê que compe-
plentes) da sociedade civil e de governos. tirá à lei ordinária estabelecer as diretrizes
Releva destacar que, em relação ao ODS e bases da Política de Desenvolvimento
no 14 (Conservar e usar sustentavelmente Nacional Equilibrado (PDNE), devendo
os oceanos, os mares e os recursos mari- não só incorporar, mas também compati-
nhos para o desenvolvimento sustentável), bilizar os planos nacionais e regionais de
assumiu-se, na Conferência dos Oceanos desenvolvimento. Para tal, encontra-se em
da ONU de 2017, o compromisso de imple- tramitação no Congresso Nacional o Proje-
mentar o PEM visando à garantia da sobe- to de Lei (PL) no 9.163, de 2017, que dispõe
rania, ao uso compartilhado e sustentável sobre a Política de Governança Pública e
do ambiente marinho e à segurança jurídica busca suprir a ausência do instrumento
para investidores em prol do desenvolvi- norteador do processo de desenvolvimento
mento sustentável (EPRS, 2019). sustentável de longo prazo no País.
Contudo, estudos dessa natureza ainda Do projeto, destaque para a Estratégia
são incipientes no País, com lacunas tanto Nacional de Desenvolvimento Econômico
nas discussões quanto nos entendimentos e Social (ENDES), que tem por “objetivo
da importância do processo de globali- orientar, articular e influenciar as discus-

RMB3oT/2021 139
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

Figura 1 – Abordagem dos arranjos institucionais de implementação


Fonte: PIRES; GOMIDE, 2018, p. 30

sões dos demais instrumentos do PDNE a capturar as capacidades derivadas da


– planos nacionais, setoriais e regionais e inclusão e as interações entre os múltiplos
o PPA da União” no horizonte temporal atores nos processos de políticas públicas”
de 2020 a 2031 (BRASIL, 2018b, p. 5). (PIRES; GOMIDE, 2018, p.28-29), con-
Depreende-se, então, que o PPA é o forme sintetizado na Figura 1.
espaço institucional que objetiva conferir Para tal, o PPA 2020-2023 revisitou
caráter estratégico ao planejamento do os conceitos de cadeia causal do Mode-
Governo Federal, isto é, um instrumento lo Lógico, relevante nas discussões da
de gestão da ação governamental efetivo reforma orçamentária de 2000, tendo
e transparente na apresentação de infor- como foco a resolução de problemas que
mações quanto a subsídios, regionalização afligem a toda sociedade e não a simples
e investimentos plurianuais prioritários, consecução de sucessos setoriais ou
alinhado com os princípios e diretrizes de monitoramento da execução físico-
de Governança Pública estabelecidos no -financeira (BRASIL, 2019d).
Decreto no 9.203, de 2017.
Assim, considerando a ne-
cessidade de uma visão holística
da importância dos oceanos em
todas as suas dimensões (social,
econômica, cultural, ambiental,
científica, estratégia e geopolíti-
ca), inserida em planos e progra-
mas de governo formulados em
ambientes político-institucionais
específicos e complexos, tem-se
nos arranjos institucionais verda-
deiras arenas em que “decisões
e ações das burocracias gover-
namentais se entrelaçam com Figura 2 – Modelo Lógico de construção dos Programas do PPA
as decisões e as ações de atores 2020-2023
políticos e sociais [...] dedicados Fonte: BRASIL, 2019d, p. 61

140 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

A explicitação da cadeia de efeitos e Portanto, reforça-se a relevância do


premissas, em um quadro lógico, além momento desse estudo, pois planejar e or-
de auxiliar na detecção de eventuais fa- çamentar políticas públicas transversais e
lhas na contextualização do desenho do multissetoriais são atividades complexas,
problema, facilita ao tomador de decisão sobretudo quando relacionadas ao ciclo de
planejar, avaliar e comunicar acerca do avaliação da gestão, à adequação de rumos
funcionamento do Programa, permitindo e à busca por informações de desempenho.
aferir objetivamente os indicadores, o Sendo assim, discussões sobre Economia
cumprimento do propósito da intervenção Azul e transbordamento de benefícios
(política pública) e a resolução (ações) de para o desenvolvimento social, econômico
problemas (causas) previamente identifi- e ambiental são oportunidades para aque-
cados e discutidos. Com isso, aprimora- les que melhor demonstrarem estrutura e
-se a gestão do erário e possibilita-se a ciência de suas responsabilidades.
demonstração dos resultados esperados
para os stakeholders (CASSIOLATO; (RE) PENSANDO O PAPEL DA
GUERESE, 2010). MB NA AGENDA DE GOVERNO
Nesse enquadramento, destacam-se os
quatro pilares que apoiam a metodologia Aqui iremos discorrer sobre os instru-
do PPA: mentos de que a Força dispõe para su-
portar seu Planejamento
Pilares Descrição Estratégico e Orçamentá-
Foco na circunscrição de diretrizes, objetivos rio, assim como trazer à
e metas, reduzindo a quantidade expressiva de audiência a importância
Simplificação categorias e atributos vigentes, tornando-os claros, de seu devido alinha-
precisos e coerentes com um objetivo, uma meta e mento, a fim de subsidiar
metodológica um indicador para cada um dos programas; facilita
o processo decisório da
a comunicação entre os atores e a integração do
planejamento (PPA) com o orçamento (LOA). Alta Administração Naval
(ZAMPRONIO, 2019).
Compatibilizar o PPA com o espaço fiscal
disponível (projeção), definido pelo Novo As palavras iniciais
Regime Fiscal (NRF), instituído pela Emenda proferidas pelo então che-
Realismo fiscal
Constitucional no 95, de 2016, em que o fe do Estado-Maior da
crescimento das despesas públicas não poderá ser Armada, Almirante de
superior à inflação do período.
Esquadra Liseo Zampro-
Aprimorar a governança do PPA, procurando nio, em aula inaugural dos
acoplar a avaliação à gestão orçamentária e
Integração entre Cursos de Altos Estudos
acompanhar, sistematicamente, a execução
planejamento e das políticas públicas; esse processo de Militares (C-AEM) da
avaliação monitoramento é indispensável para detecção Escola de Guerra Naval
de possíveis falhas e indicação tempestiva para (EGN), em 18 de feve-
mudanças de rumo. reiro de 2019, retratam
Tornar o PPA um locus estratégico de decisão o alinhamento da ad-
Visão estratégica e governamental e realização de escolhas ministração naval com
foco em resultados alocativas, prioritárias e com efetivo impacto o horizonte da agenda
sobre a realidade social do País.
governamental, baseada
Tabela 1 – Pilares metodológicos do PPA 2020-2023 na institucionalização de
Fonte: BRASIL, 2019d uma política de governan-

RMB3oT/2021 141
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

ça focada no desenvolvimento sustentável pilares da integração entre planejamento


em longo prazo no País. e avaliação e da visão estratégica e foco
Naquela ocasião, ao apresentar “os em resultados constantes da proposta me-
grandes desafios que a Marinha do Amanhã todológica do PPA 2020-2023 (BRASIL,
e a Marinha do Futuro impõem à Marinha 2014; 2017b; 2019d).
do Presente”, constatou-se a preocupação
da Força para que as “necessidades estra- O alinhamento entre o Planejamento
tégicas sejam devidamente reconhecidas, Estratégico e o Orçamentário da MB
priorizadas e atendidas pelo Estado”
(ZAMPRONIO, 2019). Isso está em con- O Livro Branco de Defesa Nacional
sonância com a diretriz de reestruturação de 2016 (LBDN) esclarece que “um
de sua governança, que prevê “aprimorar eficiente sistema de Defesa Nacional
a capacidade de cumprimento de suas requer investimentos de grande vulto e de
atribuições, tanto nas tarefas relacionadas longo prazo” (BRASIL, 2018a, p. 156).
ao emprego da Força como nas imprescin- Logo, constata-se que, normalmente,
díveis atividades vinculadas ao desenvol- projetos de Defesa têm caráter plurianual,
vimento econômico e social” (BRASIL, esbarrando no “conflito político entre o
2019b, p. 1). controle mais amiú-
Nesse contex- de que o Congresso
to, observa-se que “Um eficiente sistema de deseja exercer e o
possibilitar avaliar o tempo mais longo
alcance de objetivos Defesa Nacional requer que o Executivo
estratégicos do Plano investimentos de grande gostaria de dis-
Estratégico da Mari- por para executar,
nha por meio de in- vulto e de longo prazo” adequadamente, as
dicadores de desem- Livro Branco de Defesa políticas públicas”
penho e monitorar Nacional, 2016 (FORTIS; GASPA-
física e financeira- RINI, 2017, p. 30).
mente metas do Sis- Assim, do desa-
tema do Plano Diretor (SPD) confere à MB cordo institucional pela “realização das
um papel de destaque no Sistema de Plane- escolhas alocativas, prioritárias e com
jamento e Orçamento Federal (SPOF), pois maior impacto positivo na sociedade
externa o mesmo entendimento do núcleo [...] cabe ao PPA zelar pela qualidade
de governo de que “a visão estratégica com do desenho dos programas de governo”
foco em resultados é requisito importante (BRASIL, 2019d, p. 30), uma vez que
para fortalecer a atuação governamental e “foi concebido para ser um instrumento de
aumentar o impacto das políticas públicas planejamento estratégico, na medida em
sobre a realidade social” (OCDE, 2015 que estabelece um compromisso político
apud BRASIL, 2019d, p. 30). para além do mandato presidencial, que
Logo, diante dos pressupostos teóricos vai orientar a formulação das leis orça-
apresentados, entende-se que a estrutura mentárias e planos setoriais e regionais”
de alinhamento do Sistema de Planeja- (PAULO, 2010, p. 174).
mento Estratégico da Marinha (Sispem) Todavia, apesar de estudos apontarem
ao Sistema de Acompanhamento do Plano para um papel coadjuvante do Poder
Diretor (Siplad) atende, diretamente, aos Legislativo na elaboração e discussão

142 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

do processo orçamentário, não há que se pela orientação ao planejamento em mé-


discutir que sua participação significa o dio e longo prazos, por meio de objetivos
aval da sociedade quanto ao destino dos estratégicos organizados em uma cadeia
recursos do governo, reforçando-se a ide- de valor, orientados pela Visão de Futuro
alização de que conscientizar a população da Força (BRASIL, 2017b). Importante
quanto ao valor público das atividades ressaltar que o PEM é elaborado com ho-
desempenhadas pela Autoridade Marítima rizonte temporal de 20 anos e que utiliza
é fundamental para qualquer pleito orça- como conceitos de curto, médio e longo
mentário por parte da MB (MACHADO, prazos a equivalência de um, três e até
2009; PEREZINHO, 2008). cinco PPA, respectivamente, apesar de ser
Nesse propósito, o Plano Diretor da revisto e atualizado, sistematicamente, a
MB, criado pelo Aviso no 1.923, de 1963, cada quatro anos.
estabelece políticas e diretrizes básicas Dessa forma, a Figura 3 apresentada
que permitem à Alta Administração Na- na aula inaugural da EGN resume esse
val coordenar as ações de planejamento, alinhamento entre o Sispem e o SPD,
execução e controle das atividades orça- dentro dos conceitos de governança sobre
mentárias. Além disso, tem-se no Siplad avaliação, monitoramento e direção, assim
seu suporte tecnológico, correlacionado como naqueles de gestão voltados ao
ao SPOF, que possibilita a produção de planejar, executar, controlar e agir –dou-
informações gerenciais qualificadas à trinariamente defendidos pelo Tribunal
tomada de decisão, além de credibilizar a de Contas da União (TCU, 2014, p. 32).
Força ao apresentar demandas ao Poder Na oportunidade, resta destacar que os
Legislativo (BRASIL, 2014). Objetivos Nacionais de Defesa, constantes
Já do Planejamento Estratégico da da PND, têm como principais áreas de
Marinha − formulado com base nas dire- interesse para o Brasil a Amazônia e o
trizes estabelecidas pela Política Nacional Atlântico Sul – o que reforça o entendi-
de Defesa (PND) e cujo instrumento de mento da necessidade de melhor explorar-
auxílio é o Sispem –, percebe-se a busca mos o conceito de Economia Azul.

Figura 3 – Alinhamento Sispem e SPD


Fonte: ZAMPRONIO, 2019

RMB3oT/2021 143
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

O PROGRAMA OCEANOS, ZONA (MCTI); Minas e Energia (MME); De-


COSTEIRA E ANTÁRTICA NO fesa (MD); Desenvolvimento Regional
PPA 2020-2023 (MDR); e Meio Ambiente (MMA),
além de especialistas do Conselho Na-
O Programa Oceanos, Zona Costeira cional de Desenvolvimento Científico
e Antártica tem origem no PPA 2008- e Tecnológico (CNPq), do Instituto de
2011, quando foram criados o Programa Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e
Recursos do Mar e o Programa Antártico da Companhia de Pesquisa de Recursos
Brasileiro (Proantar). No ciclo seguinte Minerais (CPRM).
(PPA 2012-2015), observa-se que as Em discussão estava o futuro do Pro-
estruturas de financiamento das políticas grama, cuja atribuição de órgão coorde-
públicas referentes às temáticas “Mar e nador, por se enquadrar como programa
Antártica” foram aglutinadas no Programa multissetorial, foi inicialmente atribuída
denominado Mar, Zona Costeira e An- ao MCTI, mas que, em face de reuniões
tártica e que, no PPA 2016-2019, este foi técnicas com os ministérios, foi redire-
apenas rebatizado para o atual Oceanos, cionado para a Secretaria da Comissão
Zona Costeira e Antártica. Interministerial para os Recursos do Mar
Cabe o registro de seu alinhamento (Secirm).
com os pilares metodológicos do PPA Dessa forma, compete ao Comandante
2020-2023, as diretrizes da governança da Marinha, enquanto Autoridade Marí-
do setor público (art. 4o, Decreto no 9.203, tima, a função de coordenador da Cirm
de 2017) e a lógica organizacional do (art. 3o, Decreto no 6.979, de 2009). Ele é
Sistema de Planejamento e Orçamento o responsável por arranjos institucionais
Federal (art. 2, Lei no 10.180, de 2001), necessários e convenientes à gestão da
pois a Comissão Interministerial para política pública, envolvendo diversos
os Recursos do Mar (Cirm), criada pelo stakeholders e seus objetivos intermediá-
Decreto no 74.557, de 1974 (BRASIL, rios, compondo, assim, o Programa e seus
2019a), tem como finalidade primeira a respectivos planos setoriais6.
coordenação de assuntos relativos à Po- Retornando à construção do Programa
lítica Nacional para os Recursos do Mar e sob o amparo do modelo lógico, por
(PNRM), além de gerenciar o Proantar, se tratar de uma política pública já em
inserido na Política Nacional para Assun- execução, o tratamento se torna mais desa-
tos Antárticos (Polantar). fiador, pois há, de antemão, a necessidade
de quebra de paradigmas e preconceitos
A construção do Programa Oceanos, que compõem a teoria do “sempre foi
Zona Costeira e Antártica no PPA assim”, criando certa “miopia funcional”
2020-2023 no gestor, especialmente observada nos
programas multissetoriais. Por exem-
Nos dias 22 e 23 de maio de 2019, plo, no modelo do PPA 2016-2019, ao
foram realizadas as oficinas de elaboração privilegiar a segregação funcional por
do Programa Oceanos, Zona Costeira e metas e iniciativas individualizadas,
Antártica, com representantes dos Minis- obscureceu-se o pensar “fora da caixa”,
térios da Ciência, Tecnologia, Inovações ou seja, o pensar no objetivo final, que é

6 Detalhamento dos Planos Setoriais. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/secirm. Acesso em: 5 nov. 2020.

144 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

a produção de resultados para a sociedade. A dinâmica de construção do modelo


No entanto, grande valia foi a percepção lógico passa por três fases sequenciais:
quanto à necessidade de cooperação, si- a explicação do problema e referências
nergia e especialização em prol do todo, básicas do Programa; a estruturação do
principalmente da coordenação com foco Programa para o alcance de resultados; e
em resultado. a identificação dos fatores de contexto. As
Em outras palavras, o problema de figuras 4a, 4b, 5 e 6, a seguir, apresentam
um passou a ser problema de todos, logo o detalhamento dos produtos interme-
diversas causas, consequências e possí- diários e final das discussões ocorridas
veis soluções propostas perpassariam à nas Oficinas de Capacitação da Escola
competência dos órgãos e das entidades Nacional de Administração Pública
componentes do Programa. Com isso, o (Enap), em 22 e 23 de maio de 2019. Elas
pano de fundo da governança se fez pre- atenderam aos atributos do novo arranjo
sente e reforçou suas bases de liderança, institucional, sob coordenação da Secirm,
controle e estratégia para a elaboração e, considerado consistente com a proposta
futuramente, o monitoramento e avaliação metodológica de orientação e elaboração
dessa política pública. do PPA 2020-2023.

Figura 4a – Modelo Lógico: explicação do Problema identificado para o Programa


Fonte: BRASIL, 2019c

RMB3oT/2021 145
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

Figura 4 b – Modelo lógico: Informações finais pactuadas entre os representantes dos órgãos presentes na
Oficina PPA 2020-2023 do Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica
Fonte: Elaboração própria, a partir de BRASIL, 2019c

146 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

Figura 5 – Modelo Lógico: Estruturação do Problema para Alcance de Resultados


Fonte: Elaboração própria, a partir de BRASIL, 2019c

Figura 6 – Modelo Lógico: Identificação dos Fatores de Contexto


Fonte: Elaboração própria, a partir de BRASIL, 2019c

RMB3oT/2021 147
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

Na perspectiva de um programa mul- constitucionalmente previsto para 31 de


tissetorial, ou seja, daquele que possui agosto de 2019, tornou-se disponível, na
mais de um Ministério participando de seu base de dados do Sistema Integrado de
desenvolvimento, mas sob a coordenação Planejamento e Orçamento do Governo
de apenas um deles (no caso em tela, o Federal (Siop)7, o espelho final do Progra-
Ministério da Defesa, por intermédio da ma Oceanos, Zona Costeira e Antártica,
Secirm), faz-se mister registrar algumas com todos os atributos e subsídios para a
questões, já como subsídios iniciais para montagem dos Planejamentos Estratégi-
futuros aprofundamentos de pesquisa: cos dos Ministérios componentes, bem
a) Quanto à análise situacional: metodo- como para análises a serem efetuadas
logicamente, não cabem questionamentos pelos controles interno, externo e social.
futuros, uma vez que seriam formulados Em resumo, sob a Diretriz Governa-
com base em diferentes explicações, de ou- mental no 8, de “promoção do uso susten-
tros atores não presentes naquele contexto tável e eficiente dos recursos naturais, con-
de discussões. Assim, não é razoável repli- siderando custos e benefícios ambientais”
car a definição do problema central pactu- (BRASIL, 2019d, p.69), pactuou-se que os
ado do Programa em realidades distintas. principais problemas a serem combatidos
Quanto à estruturação do Programa: a pelo Programa Oceanos, Zona Costeira e
pertinência e a consistência com a propos- Antártica, nos próximos quatro anos (2020-
ta de mudança da situação do problema 2023), são: o aproveitamento limitado
são os critérios que nortearam a análise, do potencial socioeconômico, ambiental
podendo ser desdobrada em: recursos, e científico; a existência de conflitos de
orçamentários ou de parceiros; ativida- uso nos espaços marinhos sob soberania
des, gerando pelo menos um produto e jurisdição nacionais; e a necessidade de
que contribua para o resultado; produtos, garantir a presença e os interesses do Brasil
que podem contribuir para mais de um nos oceanos e na Antártica.
resultado intermediário; resultados inter- Dado o enfoque transversal de que a
mediários, que podem ser consequência exploração sustentável dos recursos do
de um ou mais produtos; e resultado final, mar, sejam eles vivos e não-vivos, está
este apenas um enunciado relacionado ao diretamente ligada ao desenvolvimento
objetivo geral do Programa, que espelha a socioeconômico, o que envolve atividades
mudança da situação problema. de vários órgãos governamentais, na agen-
Quanto aos fatores de contexto: aque- da governamental constará um Programa
les que podem vir a comprometer ou a que visa incrementar o conhecimento e
contribuir com o progresso das ações melhoria da gestão, contribuindo para
sugeridas para a solução do problema; e a garantia dos interesses do Brasil nos
reflexões sobre possíveis influências na oceanos, na zona costeira e na Antártica.
implementação do Programa e a compre-
ensão da sustentabilidade das hipóteses Os próximos passos: PPA e a
assumidas, quando da estruturação lógica Economia Azul em perspectivas futuras
ao alcance de resultados para a sociedade.
Portanto, ao término do processo de Esta pesquisa baseou-se em dados
elaboração do projeto de lei do PPA, obtidos até 31 de junho de 2019. Todavia

7 Disponível em: https://www.siop.planejamento.gov.br. Acesso em: 1o nov. 2020.

148 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

isso não impediu uma análise maior da certezas, atreladas a falhas na capacidade
fase qualitativa do processo de elaboração de análise dos stakeholders (participantes
do PPA 2020-2023, no momento em que da montagem da ferramenta). Daí a im-
foram definidos os atributos da política portância da Secirm na coordenação do
pública constantes da nova agenda go- grupo, nas discussões sobre tais vulnerabi-
vernamental. Portanto, não houve interfe- lidades (alta, média ou baixa), com possí-
rência no objetivo principal de discutir o veis efeitos combinados de probabilidade
protagonismo da MB na cooperação para e impacto, buscando atenuar tais incerte-
o desenvolvimento nacional, emprestan- zas e potencializar seu protagonismo na
do visibilidade e valor público às suas gestão da política pública.
atribuições subsidiárias, visando maior Registra-se, também, que a definição
estabilidade, regularidade e previsibili- de indicadores de desempenho tornou-se
dade de recursos orçamentários perante a peça fundamental dentro da nova meto-
sociedade brasileira. dologia proposta ao PPA 2020-2023, pois
Diferentemente do processo do PPA “se os produtos e resultados não estiverem
2016-2019, em que os empreendimen- bem definidos e se as informações forem
tos foram individualizados pelo valor precárias, de forma que mensurações
de referência8, para o processo do PPA inapropriadas sejam realizadas, o moni-
2020-2023 houve a definição, no âmbito toramento da execução poderá levar a
do Comitê Interministerial de Governança decisões equivocadas” (CASSIOLATO;
(CIG), de critérios de seleção e priori- GUERESI, 2010; FERREIRA; CASSIO-
zação daqueles que comporiam o anexo LATO; GONZALEZ, 2009, p. 25).
específico da Lei do PPA, a princípio Dentro dessa lógica, de modo a miti-
denominado “Anexo de prioridades do gar um recorrente histórico de execução
Governo Federal”. de programas multissetoriais, marcado
Simplificação metodológica, realismo pela duplicidade de esforços e conse-
fiscal, integração entre planejamento e ava- quente perda de efetividade das ações
liação, visão estratégica e foco em resulta- governamentais, tem-se, na capacidade
dos são os pilares que resultaram na decisão de coordenação da MB (conforme relato
de constar do instrumento legal apenas da elaboração do Programa Oceanos,
os empreendimentos compatíveis com a Zona Costeira e Antártica), assentada
agenda proposta pelo Poder Executivo, nos instrumentos de apoio à tomada de
ou seja, aquilo que se julgou prioritário e decisão (alinhamento do Sispem com o
passível de execução ao longo do mandato. SPD), a consistência e a estrutura metodo-
Destaca-se a análise de vulnerabilidade logicamente esperadas pelo governo para
das hipóteses assumidas na estruturação a execução de sua agenda – planejada e
lógica do Programa, que pode ser patroci- orçada a partir do PPA 2020-2023.
nada nos moldes da Oficina Enap. Assim, Portanto, o arranjo institucional da
como na definição de seus atributos, por se política pública do PPA 2020-2023,
tratar de uma aferição qualitativa, tem-se voltada às demandas da Economia Azul,
no grau de subjetividade a geração de in- propõe como objetivo central promover

8 Valor de Referência: parâmetro financeiro utilizado para fins de individualização de empreendimento como
iniciativa de anexo próprio da lei do PPA, estabelecido por Programa Temático e especificado para as
esferas Fiscal e da Seguridade Social e para a esfera de Investimentos das Empresas Estatais (Inc. IV,
art. 6o, Lei no 13.249, de 13 de janeiro de 2016 – Institui o Plano Plurianual para o período 2016-2019).

RMB3oT/2021 149
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

o conhecimento científico e tecnológico, pensamento estratégico. A proposta


a conservação da biodiversidade, o uso metodológica do PPA 2020-2023 exigiu
sustentável dos recursos naturais, a gestão dos órgãos e entidades da administração
efetiva dos espaços marinhos e os interes- pública federal tomadas de decisões mais
ses do País nos oceanos e na Antártica. realistas dos pontos de vista fiscal e de
Para apreciação do Poder Legislativo, suas próprias capacidades organizacionais.
no segundo semestre de 2019, observou-se Com isso, a consolidação da governança
um Programa construído de forma colabo- fortalece sistemas de gestão de risco, mo-
rativa, a partir da identificação, discussão, nitoramento e avaliação, transparência e
compreensão e pactuação das seguintes accountability das ações governamentais.
causas, transversais e multissetoriais, em O primeiro passo foi dado, a partir da
atendimento ao Modelo Lógico proposto: compreensão dos stakeholders quanto
vulnerabilidade diante de eventos extre- à construção colaborativa do Programa
mos, aumento do nível do mar e aqueci- Oceanos, Zona Costeira e Antártica,
mento da água do mar; vulnerabilidade assim como de sua capacitação para
das pesquisas que garantam a presença do elaborarem seus planejamentos estra-
Brasil na Antártica e nas decisões sobre tégicos e orçamentarem seus objetivos
o futuro do continente; conhecimento ministeriais. Enfim, cabe relembrar que
insuficiente e não in- “a lei que instituir
tegrado e suas apli- o plano plurianual
cações; mentalidade Cenários de maior estabelecerá, de for-
marítima e visão es- ma regionalizada,
tratégica aquém do
austeridade econômica diretrizes, objetivos
desejável; integra- apresentam oportunidades e metas da adminis-
ção de programas e ao pensamento estratégico tração pública fede-
projetos deficitários; ral para as despesas
insuficiente orde- de capital e outras
namento das potencialidades do espaço delas decorrentes e para as relativas aos
marinho e costeiro; e monitoramento programas de duração continuada” (art.
insuficiente – oceanográfico, climatoló- 165, §1o da CF/88), bem como “nenhum
gico, de recursos vivos e não-vivos e das investimento cuja execução ultrapasse um
atividades econômicas desenvolvidas. exercício financeiro poderá ser iniciado
Para tal, a meta dos órgãos e das en- sem prévia inclusão no plano plurianual
tidades componentes desse Programa do (...) sob pena de crime de responsabilida-
PPA é a execução de, no mínimo, 80% das de” (art. 167, §1o, da CF/88).
ações previstas, no período 2020-2023, no Isto posto, enquanto ao PPA cabe con-
Plano Setorial para os Recursos do Mar solidar a agenda estratégica e prioritária
(PSRM), no Plano Nacional de Gerencia- do Governo Federal para os próximos
mento Costeiro (PNGC), nos Planos de quatro anos (2020 a 2023), ao Progra-
Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação ma Oceanos, Zona Costeira e Antártica
(PACTI-Antártica e PACTI-Oceanos) e compete implementar o melhor arranjo
no Plano de Levantamento da Plataforma institucional para o alcance de metas
Continental Brasileira (Leplac). e resultados almejados pela sociedade
Cenários de maior austeridade eco- brasileira no campo da Economia Azul,
nômica apresentam oportunidades ao potencializando o uso mais eficiente dos

150 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

recursos públicos disponíveis a políticas, Percebeu-se que há um ambiente


programas, projetos e atividades, agora propício à candidatura do Programa
formalmente coordenados pela Autorida- Oceanos, Zona Costeira e Antártica como
de Marítima nacional. benchmarking da Política de Governança
Pública, sendo protagonista no processo
CONSIDERAÇÕES FINAIS de institucionalização do Planejamento
Espacial Marítimo (PEM) na agenda de
A percepção do quase desconheci- governo, alinhado às diretrizes da ENDES
mento das potencialidades que envolvem e ao caráter estratégico que se busca
o equilíbrio da equação – investimento conferir ao PPA, como instrumento de
responsável e oceano sustentável – moti- gestão da ação governamental de médio
vou este estudo, que procurou destacar a prazo no País.
importância da exploração da identidade A MB possui um potencial exemplo de
Amazônia Azul nas vertentes científica, “melhores práticas” diante das mudanças
ambiental, econômica e de soberania em propostas pela nova agenda do poder
prol de uma visão holística dos desafios e central de integração entre planejamento e
das oportunidades da sociedade. avaliação de políticas públicas, programas
Em outras palavras, pretendeu-se e projetos. Recorrer à estrutura organiza-
reduzir esse hiato identificado na nova cional e a instrumentos de suporte ao pro-
fronteira do crescimento econômico cesso decisório – como os que permitem
mundial, a partir de um olhar integrado da o alinhamento do planejamento (Sispem)
totalidade e não distorcido dos benefícios e da gestão orçamentária e financeira
e da importância estratégica dos oceanos (SPD) – corrobora a proposta metodoló-
para o desenvolvimento nacional. gica do Plano Plurianual 2020-2023 de
Os pressupostos teóricos sustentam visão estratégica e foco em resultados no
o fato de que os instrumentos do pla- espaço político-decisório de orçamento
nejamento e a análise sistemática das do Governo Federal.
políticas públicas são pré-requisitos de Discutir o protagonismo da Autoridade
uma atuação efetiva, eficaz e eficiente do Marítima no Planejamento do Desenvolvi-
Estado no fomento do desenvolvimento mento Nacional Equilibrado (PDNE) lança
econômico e na redução das desigual- luzes sobre o valor público das atividades
dades sociais. Dessa forma, permite-se ditas subsidiárias da MB, criando, conse-
fortalecer a ideia de pensar o orçamento quentemente, um ambiente de confiança
de forma cada vez mais estratégica. social, próprio e oportuno ao pleito por
Ademais, a percepção de ausência de estabilidade, regularidade e previsibilidade
efetivo ordenamento do espaço marinho de recursos do orçamento público, à altura
reforça o entendimento de que a explo- da crescente relevância político-estratégica
ração do intitulado cluster marítimo é do Brasil no cenário internacional.
oportunidade legítima de atuação da Auto- O Programa Oceanos, Zona Costeira
ridade Marítima no preenchimento dessa e Antártica incrementa o protagonismo
lacuna no processo decisório. Buscou-se, da MB nas arenas de planejamento e
assim, alertar a sociedade sobre a impor- orçamentação da agenda governamental,
tância estratégica desses espaços, o que a uma vez que retrata a Política Nacional de
Marinha do Brasil fez ao denominá-lo de Recursos do Mar (PNRM), entre outras
Amazônia Azul. que deverão ser implementadas no enfren-

RMB3oT/2021 151
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

tamento de problemas e aproveitamento junto ao Estado, institucionalizando uma


de oportunidades da Economia Azul pelos visão orçamentária de médio prazo em
próximos quatro anos. seu planejamento.
O claro transbordo de benefícios Por fim, registra-se que, apesar da com-
proporcionados por esta nova fonte de pulsória necessidade de redução de escopo
recursos para o desenvolvimento social, de um tema tão amplo de possibilidades,
econômico e ambiental do País é uma a rica experiência nas Oficinas da Enap
oportunidade para o arranjo institucional trouxe informações, valores, conceitos e
alinhado à proposta metodológica do PPA percepções que habilitam a sugestão por
2020-2023. Busca-se, dessa forma, alinhar novos trabalhos que passam por desafios
as melhores práticas de planejamento complementares ao preenchimento da
que valorizem a eficiência alocativa, a lacuna de conhecimentos sobre a Econo-
preocupação da distribuição regional dos mia Azul, voltados às políticas públicas
recursos públicos e o foco em resultados e embasados na governança e no forta-
para a sociedade. O que se depreende são lecimento dos pilares metodológicos do
possibilidades que a coordenação de um PPA 2020-2023. Essas sugestões visam
Programa finalístico multissetorial do pla- unir o orçamento destinado à MB com o
no de governo pode vir a resultar, quanto seu pensamento estratégico, por ocasião
ao devido reconhecimento, priorização e da esperada retomada do crescimento
atendimento de demandas da Força Naval econômico brasileiro.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO> Autoridade Marítima; Importância Estratégica; Organização
Marítima Internacional; Zona Econômica Exclusiva (ZEE);

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEIRÃO, A. P.; MARQUES, M.; RUSCHEL, R. R. O valor do mar: uma visão integrada dos
recursos do oceano no Brasil. Editora Essencial Idea, São Paulo, SP, 2018. 259 p.
BRASIL. Decreto no 9.203, de 2017. Dispõe sobre a Política de Governança da Administração
Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
23 de novembro de 2017a.
BRASIL. Decreto no 9.858, de 2019. Dispõe sobre a Comissão Interministerial para os Recursos
do Mar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 de junho de 2019a.
BRASIL. Decreto Legislativo no 179, de 2018. Aprova a Política Nacional de Defesa, a Estratégia
Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 17 de dezembro de 2018a.
BRASIL. Marinha do Brasil. Amazônia Azul: a última fronteira. Centro de Comunicação Social
da Marinha (CCSM). Brasília, DF, 2013.
BRASIL. EMA-300: Plano Estratégico da Marinha (PEM). 3a rev. Brasília, DF, 2017b.
BRASIL. Memorando no 06/2019: Diretrizes para a continuidade da reestruturação da Marinha.
Brasília, DF, 2019b.
BRASIL. SGM-401: Normas para a gestão do Plano Diretor. Brasília, DF, 2014.

152 RMB3oT/2021
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

BRASIL. Ministério da Economia. Capacitação de Servidores Públicos Federais: Metodologia


PPA 2020-2023. In: Oficinas de Capacitação da Escola Nacional de Administração Pública
(Enap), Brasília, Apresentação. Subsecretaria de Planejamento Governamental (Sepla).
Brasília, DF, 2019c.
BRASIL. Manual Técnico do Plano Plurianual do Governo Federal 2020-2023. Subsecretaria
de Planejamento Governamental (Sepla). Brasília, DF, 2019d.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Estratégia Nacional de Desen-
volvimento Econômico e Social – Sumário Executivo. Brasília, DF, 2018b.
CARDOSO JR, J. C. Política e Planejamento no Brasil: balanço histórico e propostas ao Plano
Plurianual 2016-2019. Textos para Discussão no 2020, Editora Ipea, Brasília, DF, dez.
2014. 43 p.
CARVALHO, A. B. Economia do Mar: conceito, valor e importância para o Brasil. 200f. Tese
(Programa de Pós-Graduação em Economia do Desenvolvimento) – Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, 2018.
CASSIOLATO, M.; GUERESI, S. Como elaborar Modelo Lógico: roteiro para formular pro-
gramas e organizar avaliação. Nota Técnica no 6, Editora Ipea, Brasília, DF, 2010. 35 p.
DOUVERE. F. The importance of marine spatial planning in advancing ecosystem-based sea use
management. Marine Policy 32(5): p. 762-771.2008.
DOUVERE, F; EHLERS, C. N. “New Perspectives on sea use management: Initial findings from
European experience with marine spatial planning”. Journal of Environmental Management,
v. 90, ed. 1, pp. 77-88, 2009.
EHLERS, P. “Blue growth and ocean governance – how to balance the use and the protection of
the seas”. WMU Journal of Maritime Affairs, v. 15, pp. 187-203, out. 2016.
EPRS – EUROPEAN PARLIAMENTARY RESEARCH SERVICE. “Ocean governance and blue
growth: challenges, opportunities and policy responses”. In: High-Level Conference Oceans:
The Future of the Blue Planet, Bruxelas, 2019, Briefing ..., Bruxelas, Bélgica, mar. 2019.
FERREIRA, H.; CASSIOLATO, M.; GONZALEZ, R. Uma experiência de desenvolvimento me-
todológico para avaliação de programas: o Modelo Lógico do Programa Segundo Tempo.
Textos para Discussão no 1.369, Editora Ipea, Brasília, DF, 2009. 47 p.
FORTIS, M. F. A; GASPARINI, C. E. Plurianualidade orçamentária no Brasil: diagnósticos,
rumos e desafios. Editora Enap, Brasília, DF, 2017. 338 p.
GANDRA, T. B. R.; BONETTI, J.; SCHERER, M. E. G. “Onde estão os dados para o Planeja-
mento Espacial Marinho (PEM)? −Análise de repositórios de dados marinhos e das lacunas
de dados geoespaciais para a geração de descritores para o PEM no Sul do Brasil”. Revista
Desenvolvimento e Meio Ambiente (RDMA), Ed. Especial: X Encontro Nacional de Ge-
renciamento Costeiro, v. 44, pp. 405-421, fev. 2018.
IPEA − INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS. Megatendências mundiais
2030: o que entidades e personalidades internacionais pensam sobre o futuro do mundo?
− Contribuições para um debate de longo prazo. MARCIAL, E. C. (Org.), Editora Ipea,
Brasília, DF, 2015. 184 p.
MACHADO, A. R. “O processo de elaboração da proposta da Lei Orçamentária Anual: respon-
sabilidade compartilhada entre os Poderes Executivo e Legislativo”. Revista de Políticas
Públicas e Gestão Governamental (Respública), vol. 8, n. 1, pp. 53-64, jan./jun., Brasília,
DF, 2009.
MARRONI, E. V. “The importance of public policy for Blue Amazon marine spatial planning”.
Development Studies Research, v. 1, pp. 161-167, set. 2014.
MARRONI, E. V. “O equilíbrio do poder e a geopolítica oceânica: breves considerações”. In: 6o
Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais – Segurança Internacional,
Estudos Estratégicos e Política de Defesa, 2017, Belo Horizonte, Anais..., Belo Horizonte,
MG, jul. 2017.

RMB3oT/2021 153
ECONOMIA AZUL:
O Programa Oceanos, Zona Costeira e Antártica na Política de Governança da Administração Pública Federal

MARRONI, E. V; VERZENHASSI, D. C.; KIMURA, B. O; REIS, T. S.; CORREA, I. S. “Planeja-


mento Espacial Marinho: estudos básicos na graduação”. In: II Congresso Ibero-Americano
de Gestão Integrada de Áreas Litorais, Florianópolis, Anais..., Florianópolis, SC, 2016.
MATIAS-PEREIRA, J. “A governança corporativa aplicada no setor público brasileiro”. Revista
Administração Pública e Gestão Social, vol. 2, n. 1, pp. 109-134, jan./mar, Viçosa, MG, 2010.
OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMI-
CO. Policy shaping and policy making: the governance of inclusive growth. Paris: OCDE
Publishing, 2015, apud BRASIL. Ministério da Economia. Manual Técnico do Plano
Plurianual do Governo Federal 2020-2023. Subsecretaria de Planejamento Governamental
(Sepla). Brasília, DF, 2019a.
PATIL, P.; VIRDIN, J.; DIEZ; S. M.; ROBERTS, J.; SINGH, A. Toward a Blue Economy: a
promise for sustainable growth in the Caribean. World Bank Group. Washington, 2016.
PAULO, L. F. A. “O PPA como instrumento de planejamento e gestão estratégica”. Revista do
Serviço Público (RSP), v. 61, n. 2, pp.171-188, abr./jun. Brasília, DF, 2010.
PEREZINHO, L. F. M. A preponderância do Poder Executivo no processo orçamentário. 113f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Programa de Pós-graduação em Direito Legislativo).
Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis), Brasília, DF, 2008.
PIRES, R. R. C; GOMIDE, A. “Governança e capacidades estatais a partir da abordagem dos
arranjos e instrumentos de políticas públicas”. In: IPEA. Boletim de Análise Político-
-Institucional no 19: Governança Pública. Editora Ipea, Brasília, DF, dez. 2018.
REZENDE, F. A política e a economia da despesa pública: escolhas orçamentárias, ajuste fiscal
e gestão pública − elementos para o debate da reforma do processo orçamentário. Editora
FGV, Rio de Janeiro, RJ, 2015. 166 p.
SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos, 2a ed. Editora
Cengage Learning, São Paulo, SP, 2017. 169 p.
TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Referencial básico de Governança, aplicável a
órgãos e entidades da administração pública, 2a ver., Secretaria de Planejamento, Gover-
nança e Gestão, Brasília, DF, 2014.
ZAMPRONIO, L. “Alinhamento do Planejamento Estratégico com o Sistema do Plano Diretor
e perspectivas orçamentárias para a Marinha”. In: Aula Inaugural dos Cursos de Altos Es-
tudos Militares (C-AEM). Rio de Janeiro. Escola de Guerra Naval (EGN). Apresentação.
Rio de Janeiro, RJ, 2019.

154 RMB3oT/2021
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO
AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945*

MANNOM TAVARES DA COSTA**


Capitão de Cabotagem

SUMÁRIO

Introdução
Policiamento nas Águas Brasileiras no Brasil Império (1808-1889)
Primeira República (1889-1930)
República na Era Vargas (1930-1945)
Análise Qualitativa

INTRODUÇÃO jurisdicionais sob diversas influências, em


especial da Autoridade Marítima e, por

O policiamento das águas litorâneas


brasileiras foi estabelecido no Brasil
Império e, na época, era chamado de Po-
conseguinte, da Marinha do Brasil (MB),
é um desafio enfrentado pelo Estado
no decorrer da História. Outros órgãos
lícia Naval. Ao longo de 156 anos, esse públicos também exerceram função de
policiamento evoluiu, influenciado por polícia marítima, e as razões motivadoras
variáveis federais, estaduais e munici- de suas criações representam um insumo
pais. A ação efetiva de patrulhar as águas relevante para a pesquisa histórica. É

* Artigo originário de trabalho apresentado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM)


da Escola de Guerra Naval (EGN).
** Formada pela Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (Efomm/Ciaga), trabalhou em navios,
embarcações PSV e de apoio às plataformas, mergulho e plataformas de perfuração. Mestranda em
Segurança Internacional e Defesa na Escola Superior de Guerra. Autora do livro A Origem das Leis,
Regulamentos e Normas que regem a Marinha Mercante.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

importante que todos conheçam os esfor- formar oficiais da Marinha e pilotos da


ços dos homens do mar para proteger os Marinha de Comércio, não dispúnhamos
mares, relatados sob o ponto de vista de de meios próprios para proteção das águas
um deles, um mercante. brasileiras. A função do nosso poder naval
Foi feita uma análise qualitativa divi-foi a proteção do tráfego marítimo e do li-
dida em partes que integram este texto, toral contra ataques de corsários inimigos,
a saber: Brasil Império (1808 a 1893), impedindo a ação de tais embarcações
República Velha (1889-1930) e Era Var- para adentrar ou sair dos portos, para
gas (1930-1945). As informações aqui romper bloqueios navais em Montevidéu
reportadas foram baseadas nas legislações e para preservar os navios mercantes para
dos períodos informados e em livros de livre fluxo.
História das Marinhas de Guerra e Mer- Os filhos da Pátria não eram aceitos
cante e da Academia da Polícia Federal. na marinhagem da recém-criada frota,
só se fossem “bem apadrinhados”. Então
POLICIAMENTO NAS ÁGUAS adotava-se o método de contratação de
BRASILEIRAS NO BRASIL estrangeiros – ingleses e portugueses.
IMPÉRIO (1808-1889) Nosso adestramento naval baseou-se na
Marinha inglesa, já
Como resquícios que muitos de seus
do Brasil Colônia, oficiais e praças por
desde 1803, práti-
Nosso adestramento aqui permaneceram;
cos do Maranhão e naval baseou-se na com isso, adquiri-
do Pará tripulavam Marinha inglesa; com isso, mos a doutrina, a
escunas armadas tradição e a prática.
para patrulhar nos- adquirimos doutrinas, A primeira Cons-
sas águas. Com a tradições e prática tituição Nacional
certidão do Conse- (CN), datada em
lho do Almirantado 1824, não mencio-
português, os alunos civis eram admitidos na policiamento no mar territorial ou na
ao serviço da Marinha Real. segurança das fronteiras.
A formação da Esquadra brasileira, Do início da formação da Armada
datada de 1823, deu-se por navios por- nacional no mar até a primeira reforma
tugueses e navios mercantes adquiridos da Instituição Educacional da Marinha,
por subscrição popular, os quais se en- entramos em guerra e conflitos armados
contravam no porto do Rio de Janeiro. relativos aos portos e ao comércio de
Apesar da abertura dos portos brasileiros importação e exportação, como: Guerra
para o comércio marítimo com países da Cisplatina, Guerra do Corso, Guerra
amigos e da criação da Junta de Comér- da Tríplice Aliança, Setembrada, Novem-
cio, Agricultura, Fábricas e Navegação brada, Abrilada, Cabanagem, Sabinada e
terem acontecido em 1808, a esquadra o início da Balaiada.
não foi instituída no sentido proativo ou A atividade marítima estava vinculada
preventivo, mas em decorrência do início em grande parte aos índios Tupinambás,
da Guerra da Cisplatina. na pesca, na grande habilidade na nave-
Embora a Academia Real dos Guardas- gação e na utilização do serviço indígena
-Marinha tivesse a dupla finalidade de na Bahia, tanto na Marinha Real como na

156 RMB3oT/2021
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

comercial. O País também possuía uma tado e não oferecíamos uma navegação
navegação de cabotagem e litorânea, des- internacional com grande volume de
de a criação da Companhia de Navegação negócios. Não se tinha a ambição de am-
a Vapor para a Região Norte, em 1836. pliar a Marinha de Guerra para resguardar
Em 1839, a Academia teve sua primei- o comércio de longo curso, deixando-a
ra reforma como fator importante para a nas sombras da Marinha de Comércio; a
análise da conjuntura em que se tentava primeira ficou atrofiada pela limitação de
formar uma educação militar com admis- navegação da segunda, e ambas ficaram
são em caráter mais moderno, retirando-se à mercê da política.
o requisito do título de nobreza. Podemos O governo, sob a liderança do Barão
supor que, a partir daquele ano, brasi- do Rio Branco, por meio de regulamento,
leiros natos começaram a ingressar na em 1873, com o propósito de incentivar
instituição e, então, proteger o País e o a Marinha Mercante, isentou homens
meio aquático. do serviço ativo da Guarda Nacional
A primeira aparição do termo “polícia” (criada em 1824) para que tripulassem
foi no Decreto no 447/1846, com o regu- em serviço ativo, em tempos de paz, nos
lamento de criação das Capitanias dos estabelecimentos nacionais de construção
Portos, que menciona o termo ora como e embarcações civis e coordenava o em-
Polícia Naval do Porto, ora como Polícia barque de guardas-marinha nos vapores
dos Portos. Quatro anos mais tarde, surgiu para aprendizado da arte marinheira. A
o Código Comercial, que aborda, em sua Lei 2.348 daquele ano informava que
Segunda Parte, o comércio marítimo, com os capitães, mestres e pilotos poderiam
ênfase na melhoria econômica da época. ser nacionais ou estrangeiros, contanto
Logo após a Independência, o Brasil que um terço da tripulação, pelo menos,
não fixou seus limites no mar como fron- fosse de brasileiros. Vale lembrar que o
teira. Só o fez em 1850, informando o mercado inglês possuía quase metade da
limite de três milhas marítimas, que era o tonelagem de carga de toda a indústria dos
alcance máximo com que um canhão em transportes marítimos no País.
terra poderia atingir uma nau. A Flotilha do Em 1874 dispúnhamos de uma esqua-
Amazonas foi criada em 1868 para garantir dra composta por cinco navios pequenos
o controle das áreas de fronteiras fluviais mistos, empregados para serviço de
do que hoje conhecemos como Amazônia correios e policiamento da costa para
Ocidental. Esse conflito de interesses ser- coibir o tráfico de escravos. Dois anos
viu de alerta para a fragilidade de controle mais tarde, criou-se a Flotilha do Mato
das nossas fronteiras aquáticas. Grosso, em decorrência da Guerra do
A Companhia Brasileira de Navegação Paraguai, e o País teve como experiência
surgiu em 1872, porém já era permitido os males resultantes de um deficiente
contratar navios nacionais e estrangeiros aparelhamento marítimo.
para navegação de cabotagem. O Bra-
sil, com grandes interesses marítimos, PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930)
não pôde dispensar a existência de uma
Marinha Mercante com sua bandeira, e, A República foi instituída em 1889 e,
naquela época, a Marinha recomendada com ela, houve uma grande mudança de
só poderia ser a de cabotagem, porque regime governamental, com a disputa de
tínhamos um comércio marítimo limi- novos atores políticos pelo poder e forte

RMB3oT/2021 157
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

crise econômica (Crise do Encilhamen- imposto de transmissão de proprie-


to). Na intenção de ampliar e favorecer a dade e de matricula; gozarão todos
transformação da navegação marítima, a os privilegios, isenções e vantagens
Marinha de Guerra e o Exército, durante de paquete, praticando-se a respeito
o governo do Marechal Manoel Deodoro de suas tripolações, como se pratica
da Fonseca, e o Ministério da Agricultu- com as dos navios de guerra, o que,
ra, Comércio e Obras Públicas, ao qual entretanto, não os isentará das dispo-
a Marinha Mercante era vinculada na sições dos regulamentos de policia,
época, optaram pela fusão de todas as das alfandegas e capitanias de portos
empresas de navegação nacionais para (...). (BRASIL, Decreto no 857, 1890)
fazer frente às inglesas. Baseados nos
decretos no 208 e no 857 de 1890, organi- Com a Constituição de 1891, foi vin-
zaram e regularam o serviço da empresa culado o direito da União e dos Estados
Lloyd Brazileiro, na qual os tripulantes de legislarem sobre a viação férrea e a
dos paquetes eram oficiais da Marinha de navegação interior. O policiamento era
Guerra ou ex-militares, para constituir a feito pelos próprios tripulantes armados,
frota mercantil, com o Almirante Arthur oriundos da Escola Naval, com licença
Jaceguay e outros dois senhores adminis- para operar como policiais.
trando a sociedade em questão, conforme O conceito de segurança pública
o documento que regulava o serviço do para Polícia do Porto surgiu na cidade
Lloyd Brazileiro: de Santos (SP), sede do maior porto de
exportação de café, a partir do Decreto
O Marechal Manoel Deodoro da no 121/1892, o qual determinava ser esta
Fonseca, Chefe do Governo Provisó- polícia subordinada à Repartição Central
rio da República dos Estados Unidos de Polícia do Estado. Era composta por
do Brazil, constituído pelo Exercito e mercantes com as patentes de patrões e re-
Armada, em nome da Nação: meiros. Posteriormente, a criação de uma
(...) Polícia do Porto de outro órgão que não o
VII - Os paquetes serão comman- de Marinha, juntamente com a formação
dados de preferencia por officiaes da política influenciada pelas oligarquias de
Armada nacional ou que tenham a ella São Paulo e Minas Gerais à época, tornou
pertencido, ou por capitães experimen- o ambiente naval conflituoso, o que gerou
tados da Marinha Mercante do paiz. a primeira Revolta da Armada.
VIII - O pessoal das machinas O Almirante Jaceguay, no comando da
será escolhido de preferencia entre frota mercante brasileira, criou o plano de
os machinistas e foguistas nacionais uma navegação oficial em que militares
e as tripolações tambem formadas de eram parte da tripulação a bordo dos va-
preferencia por ex-praças do Corpo pores. Com isso, parte do armamento era
de Marinheiros Nacionais, ou praças embarcado para casos de conflitos, como
effectivas do mesmo corpo que hajam meio de aumentar o Poder Naval brasi-
para esse fim obtido a necessaria licen- leiro, garantindo maior reserva naval, em
ça do Ministério da Marinha. busca de uma liberdade marítima, com boa
(...) defesa e autonomia do Brasil como nação.
X - Os vapores serão nacionalisa- Após a renúncia do Marechal, deve-
dos brazileiros e isentos de qualquer riam ter sido convocadas novas eleições

158 RMB3oT/2021
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

para escolha do novo presidente, todavia importância das companhias de navegação


Floriano Peixoto sustentou-se no poder fluviais para a Amazônia, não apenas no
com o apoio da oligarquia paulistana e as- sentido de integração e dinamismo da
sumiu o País, a contragosto de muitos, in- economia regional, mas também em acrés-
clusive os navegadores. Com divergências cimo de inovações técnicas de transporte
entre o governo florianista e os navais, o e habilidades marinheiras. Apesar de o
País sofreu a segunda Revolta da Armada, Lloyd ser uma empresa privada, exercia a
diante da insatisfação com o governo. Um função de tropa auxiliar da Marinha, além
manifesto sentimento de inferioridade deu de garantir a soberania e o policiamento
lugar a uma sensível hipertrofia de espírito nos rios nacionais.
de classe e à reação à dominação militar No início de 1900, foi criada a Inspe-
pelo Exército, levando os elementos mais toria Geral da Navegação, subordinada
radicais a se levantarem contra o governo não ao Ministério da Guerra (Exército e
de Floriano, o que agravou a posição da Marinha), mas ao Ministério dos Negó-
Marinha no contexto nacional. cios da Indústria, da Viação e das Obras
O homem do mar Públicas. Cabia ao
foi visto como sus- capitão dos Portos,
peito tanto no nível As companhias de como Polícia do
operacional como navegação fluviais foram Porto, verificar os
no estratégico, sen- aspectos técnicos
do negado quais- importantes para a e operacionais das
quer crescimento, Amazônia tanto para empresas de nave-
renovação ou pro- gação e seus per-
gresso à classe, e integração e dinamismo tences. A Compa-
assim as Marinhas da economia regional nhia de Navegação
(de comércio e de como para o incremento Lloyd Brazileiro foi
guerra) foram re- transferida à empre-
criminadas, mesmo de inovações técnicas de sa civil Buarque &
que isso afetasse a transporte e habilidades Cia. Nesse ínterim,
economia e a defesa houve a Revolta
do território. Diante marinheiras dos Marinheiros,
desse cenário, o Al- também conhecida
mirante Júlio de Noronha, ao assumir a como Revolta da Chibata, a qual veio
pasta da Marinha, propôs um programa corroborar com a má visão pública sobre
naval para reorganizar toda a Esquadra os amantes do mar.
brasileira e a Marinha Mercante com No final do primeiro decênio, houve
postos, patentes e uniformes e relacionou uma reorganização da Capitania dos Por-
a Marinha Mercante a uma espécie de tos do Distrito Federal (a capital era no
Guarda Nacional do Mar. Rio de Janeiro), criando-se a Inspetoria
Os tenentes da Armada realizavam dos Portos. Essa reorganização descre-
viagens de instrução em paquetes do veu como uma das atividades da Polícia
Lloyd com o propósito de praticar e com- Naval a proteção do tráfego marítimo e
plementar sua formação, principalmente regulamentou a alteração da formação de
em viagens do Estado do Amazonas até pilotos fluviais e maquinistas na região do
Rosário, na Argentina. Esse fato expõe a Amazonas para a Escola de Marinha Mer-

RMB3oT/2021 159
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

cante (apesar de a instituição formadora Mercante, vinculando-a à Marinha de


de ambas as diretrizes de militares e civis Guerra para fins de prestação do serviço
para o meio aquático ainda ser a Escola militar, e atualizou a administração das
Naval, no Rio de Janeiro). Capitanias, reafirmando seu poder de
O fato de a Marinha ter sido palco de Polícia Naval nas águas brasileiras.
duas revoltas, uma de oficiais (1893) e A companhia Lloyd Brazileiro passou
outra de marinheiros (1910), contribuiu a ser patrimônio nacional e, em 1915, o
largamente para a constante escassez de Estado-Maior da Armada (EMA) reorga-
recursos concedidos pelo governo à pasta, nizou suas bases para se adaptar à nova
diante dos receios de novas rebeliões. No estrutura da antiga companhia privada,
contexto estadual, em 1911 e 1915, São informando a possibilidade de mobiliza-
Paulo reorganizou a Polícia Marítima sob ção nacional e da Marinha Mercante, já
as ordens do secretário da Justiça, deter- preparando o ambiente para uma possível
minando a composição de homens com crise militar internacional. Nessa época,
formação em Ciências Náuticas. atores externos já se encontravam em
O ministro das Relações Exteriores, conflito desde julho de 1914, com a Pri-
Barão do Rio Branco, atuou de 1902 meira Guerra Mundial.
a 1912 com uma O pensamento
base de apoio para do ministro era em-
modernização da O fato de a Marinha ter sido barcar o maior nú-
Marinha e se preo- mero de oficiais da
cupou com as defe- palco de revoltas contribuiu Marinha nos navios
sas militares diante para a constante escassez do Lloyd Brazileiro,
da relação com nos-
sos vizinhos no con-
de recursos concedidos pelo por espaço de tempo
não determinado,
texto internacional, governo à pasta, diante dos devendo o embar-
principalmente com receios de novas rebeliões que ser feito por tur-
o Peru e a Bolívia mas, ministrando-se
na fronteira com a instrução militar às
Amazônia. Rio Branco fundamentava- guarnições dos navios mercantes. Como
-se no pensamento de Lorde Cochrane recíproca, aprendia-se sobre a arte de
(1775-1860), o qual, por meio de sua ex- navegar e seria facilitada a identificação
periência, apresentou ao governo imperial com a navegação de cabotagem por todos
comentários pertinentes à formulação da os pontos da nossa extensa costa, o que
política naval brasileira: com extraor- não podia ser feito com navios da Mari-
dinária percepção, dizia que o princípio nha, pela dificuldade em se obter verba
brasileiro seria só travar guerras de caráter para exercícios dos navios de guerra,
defensivo, cujas ações ficariam limitadas à diante da aguda crise financeira do País.
área do Atlântico Sul, fatores que condu- Assim, nossas águas foram policiadas
ziram a uma reavaliação do Poder Militar pelos mesmos navios mercantes com as
brasileiro, em especial do Poder Naval. duas corporações.
Quanto ao enfoque político, o Almi- A Marinha Mercante nacional não era
rante Faria de Alencar foi convocado para estruturada de forma sólida na Primeira
assumir a pasta da Marinha em 1913. Ele Guerra Mundial; mal chegava a suprir
aprovou o Regulamento para a Marinha as necessidades do tempo de conflito,

160 RMB3oT/2021
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

não sendo possível encontrar reservas lise do drama vivido pelos homens que
de pessoal que poderiam ser cedidas à tinham como tarefa proteger nosso tráfego
Marinha de Guerra sem graves prejuízos marítimo de exportação e importação,
aos serviços intensos e exaustivos que essencial para manter o desenvolvimento
competiam à frota mercante durante o do País, que procurava se industrializar
período de hostilidades. Durante os tem- e se modernizar na cabotagem para o
pos difíceis que enfrentamos, a Marinha abastecimento do Norte e do Nordeste,
norte-americana ficou a cargo de batalhas e, ainda, prover uma Marinha Mercante
em alto-mar, combates mais ostensivos; capaz de se tornar forte e independente.
já o Brasil, sem material bélico de grande O problema da formação de uma reser-
montante, deixava a Marinha brasileira va naval de pessoal para uso da Marinha
mais na defensiva, devido às suas poucas de Guerra, a fim de atender a uma mobi-
embarcações, executando ações subsi- lização militar, irrompeu com a Primeira
diárias, como a proteção dos comboios Guerra Mundial. A administração naval
mercantes, guardando as linhas de comu- percebeu que a falta de homens mercantes
nicação mercantil. para o contínuo tra-
Uma consequência balho embarcado e
da influência dos O problema da formação para servir a ambas
pensamentos ingle- Marinhas era um
ses sobre o Poder de uma reserva naval problema. Precisá-
Naval sul-america- de pessoal para uso da vamos nos adequar à
no foi uma guerra grandeza econômica
regional, de caráter
Marinha de Guerra, a e territorial do País.
defensivo apenas, fim de atender a uma O policiamento era
tornando verdadeiro mobilização militar, feito de duas for-
o pensamento de mas: com oficiais
Lorde Cochrane. irrompeu com a Primeira militares licencia-
Nos anos seguin- Guerra Mundial dos do serviço ativo
tes ao término do em navios mercan-
conflito armado, foi tes para manter a
estabelecido um sistema de defesa do proteção do tráfego marítimo e com
nosso litoral com cinco bases navais e embarcações oficiais da Marinha como
um porto militar e foi criada a Diretoria Polícia Naval.
de Pesca e Saneamento do Litoral, subor- Em 1924, o Decreto no 16.486 regu-
dinada à Inspetoria de Portos e Costas. lamentou a Diretoria de Portos e Costas
A inexistência de um programa per- (DPC) com atribuições de administra-
manente de renovação e ampliação de ção naval, inspeção e superintendência
material flutuante compatível com as dos serviços concernentes ao material
possibilidades econômico-financeiras flutuante não pertencente à Marinha
do País e com uma política marítima de de Guerra, ao pessoal, oficinas navais,
governo difusa tornou-se, muitas vezes, estaleiros, carreiras, pesca, estiva de
nociva aos interesses nacionais. embarcações e praticagem dos portos,
É importante, para entendimento da rios, lagoas e canais, inscritos na reserva
postura naval brasileira no período pós- naval, além do balizamento de portos,
-guerra, que nos detenhamos numa aná- rios, lagoas e canais.

RMB3oT/2021 161
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

No Porto de Santos foi criada a Inspe- São Paulo e Minas Gerais se revezavam
toria de Polícia Marítima para o referido na presidência do País, e trouxe consigo
local, sob ordens da Delegacia de Polícia outro fato que marcou a história da jus-
Marítima, composta por mercantes. No tiça marítima brasileira: o bombardeio
final dos anos 20, foi feita uma organi- do Navio Mercante Baden na Baía de
zação para regulamentar os transportes Guanabara, em 1930.
marítimos e normatizar o conhecimento Se fosse possível, após uma breve
desse transporte de mercadorias. reflexão, tal fato histórico poderia ser
renomeado como “O desrespeito ao
REPÚBLICA NA ERA VARGAS policiamento marítimo brasileiro”, uma
(1930-1945) vez que foi o navio de passageiros Baden
que decidiu prosseguir viagem do Rio de
O governo provisório, constituído por Janeiro para o sul do País sem autorização
homens republicanos com diferentes for- das polícias marítima e naval.
mações e contraditórias interpretações da O caso teve repercussão internacional,
legislação, caracterizou-se por sérios con- por ser um navio estrangeiro. Na inexis-
flitos ao tentar homogeneizar as soluções. tência de uma corte marítima no Brasil,
Com a Constituição de 1891 cancelada foi julgado por um tribunal marítimo
e o Congresso Nacional fechado desde alemão − o país de origem do navio. O
outubro de 1930, o chefe do Governo, veredicto dado pelo Tribunal Marítimo
numa tentativa de alavancar a economia de Hamburgo foi o de que a Fortaleza de
do País, criou a Diretoria da Marinha Santa Cruz não teria obedecido às exigên-
Mercante. A navegação prestava uma cias internacionais.
multiplicidade de serviços públicos e era Era um momento de reformulação po-
submetida à jurisdição de quase todos os lítica e de possibilidade de reestruturação
ministérios, e o governo considerou que dos órgãos e ministérios, facilitada pelos
interferências administrativas seriam pre- fatos recentes da navegação no Brasil,
judiciais aos interesses dessa navegação e incluindo, com destaque, o Caso Baden.
aos próprios interesses da defesa nacional. Como resultado, foi criado o Tribunal
Assim, levou-se em consideração que, por Marítimo (TM), um ato corretivo sobre o
grande parte da natureza dos serviços ter policiamento marítimo nas águas jurisdi-
correlação com a Marinha de Guerra, era cionais brasileiras, assim como a Diretoria
vantajoso, sob o ponto de vista da defesa de Marinha Mercante, em substituição à
nacional, que a repartição ficasse direta- DPC, em 1931, e o Conselho da Marinha
mente ligada ao Ministério da Marinha. Mercante (CMM), informando que a Po-
No meio internacional, na Convenção lícia Naval era competência da Marinha.
de Haia, a delegação brasileira foi favo- Já a Polícia Aduaneira era parte do Mi-
rável a uma expansão do mar territorial nistério da Fazenda, e a Polícia Marítima
de 3 para 6 milhas. No entanto, a Con- ficava sob ordens do Ministério da Justiça.
ferência de Haia de 1930 não conseguiu No inverno seguinte, ocorreu o inci-
obter consenso em torno da largura do dente militar conhecido como Questão
mar territorial. Letícia, entre o Peru e a Colômbia, o qual
O término do governo do Presidente teve como objeto o controle de uma área
Washington Luís pôs fim à chamada Re- do extremo sul do território colombiano
pública Velha, em que as oligarquias de fronteiriço ao Peru e ao Brasil e na qual se

162 RMB3oT/2021
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

localiza a cidade de Letícia. A ocorrência ensino volta a ser na Escola Naval, sendo
de choques armados na proximidade da este outro fator que limitou o crescimen-
fronteira com o Brasil chamou a atenção to do setor e, com isso, da Marinha de
do governo para os riscos à soberania do Guerra (ainda vista exclusivamente como
País, envolvendo as Relações Exteriores, protetora do tráfego marítimo). O gover-
com o policiamento naval nas águas ad- no criou uma “zona de pesca costeira”,
jacentes aos territórios. Ainda em 1932, aprovando o Código de Caça e Pesca, com
a criação do Fundo Naval foi um impulso distância de até 12 milhas, aumentando a
para renovação de material flutuante da jurisdição brasileira para a fiscalização.
Marinha de Guerra, pois havia preocupa- A nova Constituição de 35 reformulou
ção com as situações da época. o Regulamento para as Capitanias dos
Os recursos alocados à Marinha pelo Portos ou, como chamavam, Regulamento
Governo Federal, expressos em percen- do Tráfego Marítimo (RTM). Esse texto
tuais da despesa geral da União, foram já contempla a Polícia Naval, a Polícia
minguando de ano para ano, conforme Marítima e a Alfândega como atores dife-
se reduzia o medo e aumentava-se o pe- rentes e sob diferentes órgãos ministeriais.
ríodo de paz ou entre conflitos. Isso não No relatório de 1935, o ministro volta
obstante o fato de a tratar do assunto
que se mantiveram naval em termos de
numerosos os encar- Quanto menos desenvolvido serviços esparsos
gos atribuídos à Ma-
rinha em setores não
é o país, maior é a utilização pela costa e pelos
rios e que deveriam
vinculados direta- de suas Forças Armadas ser agrupados sob
mente às funções de como instrumento de a autoridade de um
defesa e segurança. pequeno número de
Via de regra, quanto execução de serviços não chefes autônomos,
menos desenvolvido relacionados diretamente à equiparando-se aos
é o país, maior é a países mais adian-
utilização de suas
defesa e à segurança tados. Essa medida,
Forças Armadas imposta também
como instrumento de execução de certos pela expansão e importância internacional
serviços não relacionados diretamente à do nosso litoral e pelos serviços marítimos
defesa e à segurança, situados em áreas de guerra (defesa do litoral brasileiro) e de
geográficas ou em setores de atividades paz (fiscalização), viria ainda descentrali-
não atendidos pelos demais órgãos dos zar o ministro de providências que pertur-
governos regionais e nacional, como o bam a ação administrativa. A Delegacia
policiamento marítimo. Regional de Santos ficou responsável pela
A Constituição de 1934 aparece com Superintendência da Polícia Marítima
uma nova roupagem para o policiamento, Civil, com a reforma do serviço policial.
como a Polícia Marítima e Portuária sob As atividades de exploração de petró-
competência da União, sem prejuízo dos leo começaram. Na Constituição de 1937,
serviços policiais dos Estados. Ela não houve uma nova definição nos conceitos,
menciona mais o termo Polícia Naval; no surgindo mais atores, como a Polícia
mesmo ano, é extinta a Escola de Marinha Marítima, a Polícia Portuária e a Polícia
Mercante do Rio de Janeiro (EMMRJ) e o das Vias Fluviais. Houve, então, uma

RMB3oT/2021 163
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

separação entre a antiga Polícia Marítima são de Marinha Mercante, como órgão
e Portuária e a polícia e a segurança das regulamentador do setor normativo e de
fronteiras, mas não se menciona a Polícia política, autarquia do governo, não rece-
Naval como a do Regulamento das Capi- bendo orientação político-administrativa
tanias dos Portos. de outros ativos.
O Conselho Nacional do Petróleo Com a entrada do Brasil na Segunda
(CNP) foi criado em 1938, com a per- Guerra Mundial, após uma série de navios
furação do primeiro poço de petróleo, mercantes nacionais terem sido alvos de
DNPM-163, no Campo de Lobato, Bahia. ataques do submarino alemão U-507, foi
Com a Segunda Guerra Mundial, em 1o emitido o decreto-lei relativo à reserva
de setembro de 1939, sob sentimento de naval a ser utilizada para a defesa naval
receio com a história mercante brasileira da Nação (tripulações armadas), a bordo
na última situação de crise internacional, de navios militares, suprindo as baixas do
foi recriada a Escola de Marinha Mer- pessoal da ativa. Mas isso somente nos
cante, nas instalações da empresa Lloyd casos de emergência, para não atrapalhar
Brazileiro, numa tentativa de prover o tráfego mercantil.
pessoal suficiente para reserva naval A zona de guerra para o Brasil foi de-
caso o Estado entrasse em guerra, na limitada, com as águas do Atlântico Sul
intenção do controle do tráfego marítimo compreendidas como Faixa de Segurança
e da manutenção da frota mercantil, com estabelecida na Declaração do Panamá,
metas de policiamento na repressão ao aprovada em setembro de 1939, que
contrabando e descaminho durante o pe- instituía uma zona neutra nas Américas e
ríodo hostil. Enquanto isso, a Marinha de propunha medidas para a defesa territorial
Guerra poderia, de fato, deixar as ações do comércio e da navegação. Já no segun-
subsidiárias e combater como as grandes do ano da década de 40, foi decretada a
Marinhas da época. instituição da Polícia Marítima no período
Os crimes percebidos nas águas bra- de guerra, em que lanchas do serviço de
sileiras foram abarcados pelo Código saúde dos portos faziam o policiamento,
Penal de 1940, nos artigos 261 e 334, cabendo ao pessoal de Marinha Mercante
porém não se viam limites territoriais de a vigilância do litoral.
soberania brasileira. Ainda sobre o Estado Na ausência de homens para patrulhar
de Neutralidade perante o conflito interna- nossas águas, fosse em relação à defesa
cional, em 1940 tivemos um novo RTM nacional ou à segurança pública, já que
para as Capitanias dos Portos, atuando estávamos em guerra, em 1944 foi criado
como Polícia Naval e Patrulha Costeira, o Departamento Federal de Segurança
na segurança nacional, ambas atividades Pública – nomeado de Polícia Federal −,
abrangendo todas as águas em que o País órgão responsável pela Polícia Marítima,
exercia algum grau de soberania. Aérea e de Fronteiras.
Ainda sob alarme com a questão fron- Em 1946, foram criados os Centros de
teiriça entre os nossos vizinhos, expressa Instrução de Oficiais da Reserva da Ma-
pela guerra entre Peru e Equador, a qual rinha (Ciorm), embasados na carência de
resultou que o Peru deixasse de fazer fron- oficiais civis brasileiros adestrados e com
teira com o Brasil, foi criado o Comando tempo de mar suficiente para comandar.
Naval do Amazonas, a fim de policiar as Este foi outro aprendizado obtido pelo
águas locais em 1941, além da Comis- governo (o primeiro foi a necessidade

164 RMB3oT/2021
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

das escolas de Marinha Mercante, e o como Guarda Nacional do Mar, a tropa


segundo a importância da continuidade auxiliar da Marinha.
de carreira dos mercantes até os postos O setor político procurou separar o
de comando), já que oficiais superiores RTM da legislação vigente. Conforme
da ativa da Marinha de Guerra tiveram leis e decretos foram criados, a instituição
que ser alocados para comandar os navios do mar teve que se adequar aos nomes
mercantes na Segunda Guerra, nas paten- e reformular os RTM periodicamente,
tes de capitão de mar e guerra e capitão de não pela falta de acurácia, mas sim pela
fragata, sendo arrolados com as categorias mudança conceitual dos atores existentes.
de capitão de longo curso e capitão de Durante a Primeira Guerra Mundial, as
cabotagem, respectivamente, durante o Marinhas se fundiram para defender o
conflito internacional. Brasil, então viu-se a necessidade de se-
paração das forças, no meio de formação
ANÁLISE QUALITATIVA e organização das corporações. A Marinha
Mercante brasileira não tinha pessoal
O ato de proteção de nossas águas suficiente para suprir o tráfego mercantil
esteve à mercê da política reinante. No e ainda substituir ou complementar o efe-
início, mesmo com a Armada brasileira, tivo nos navios de guerra. O policiamento
eram os tripulantes oficiais estrangeiros das águas foi feito por navios mercantes
que comandavam o policiamento, pois com oficiais licenciados para operar como
até 1839 não eram brasileiros natos que Polícia Naval.
ingressavam na Academia Real. A primei- Os termos Polícia Naval, Polícia
ra Constituição brasileira não menciona Marítima e Polícia Aduaneira no porto
o ato de proteger o território aquático. A surgiram na legislação, já segregados por
Marinha Real buscou, então, uma forma órgãos dos Ministérios da Marinha, da
de defender nossas águas, antes com prá- Justiça e da Fazenda, buscando uma so-
ticos em escunas armadas, depois com lução homogênea que satisfizesse a todos
o Regulamento do Tráfego Marítimo, os envolvidos. Com isso, na Constituição
definindo o termo Polícia Naval e quem Federal de 1934 vigoraram os termos
faria essa patrulha, pois na época ainda Polícia Marítima e Polícia Portuária,
não tínhamos a extensão marítima que mas não Polícia Naval. A Marinha, sem
temos hoje. Eram apenas três milhas de tempo a perder, tratou de recorrer a uma
distância, ou 5.556 quilômetros fora da atualização do RTM.
linha de terra. Com o exposto, podemos perceber que,
Com a disputa de poder entre oligar- em pouco mais de um século, as águas
quias paulistas e mineiras contra o resto da brasileiras foram apresentadas a mais de
Nação, surge em São Paulo, no Porto de dez atores, independentemente do nível
Santos (o maior porto da época), oriunda gerencial de Nação ou estadual, ficando
das flutuações políticas e divergências muito suscetível ao poder e à vontade dos
de gosto pelo poder, a Polícia do Porto senhores representantes do povo. Só a par-
de Santos, causando desconforto entre tir de 1930 foi percebida a complexidade
os navais, os quais permaneceram como que envolvia todo o ambiente marítimo
Polícia Naval e adestrando o pessoal e seu tráfego, com a criação da Diretoria
de Marinha do Comércio para proteção de Marinha Mercante. A figura a seguir
armada dos paquetes, sendo chamados mostra como foram surgindo esses atores.

RMB3oT/2021 165
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

Figura 1 – Mapa cronológico dos atores do policiamento aquaviário brasileiro


Fonte: Compilação da autora

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Autoridade Marítima; Polícia Marítima; Polícia Naval;
Tráfego Marítimo;

166 RMB3oT/2021
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO POLICIAMENTO AQUÁTICO BRASILEIRO − 1808-1945

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, Alberto Pereira de (Org.). História da Marinha Mercante brasileira. 2a ed., v. 1. Rio de
Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2019.
ARANTES, Marcus Vinícius de Lima. O torpedo − o terror no Atlântico. Rio de Janeiro: Livre Ex-
pressão, 2012.
BESKOW, Gabriela Carames. “A modernização da Marinha brasileira no início do século XX na visão
da imprensa: os jornais O Paiz e Correio da Manhã”. Navigator − Subsídios para a História
Marítima do Brasil. V.10; n. 20; p. 50-51,55-69; dez. 2014.
BRAGA, Cláudio da Costa. 1910 − O fim da Chibata – Vítimas ou Algozes. Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação da Marinha, 2010.
CAMINHA, Herick Marques. História Administrativa do Brasil. Organização e Administração do
Ministério da Marinha na República. Funcep, v. 36, 1989.
CONAPRA. Conapra de 1808 a 2008: 200 anos de praticagem regulamentada no Brasil. Rio de Janeiro:
Conapra − Conselho Nacional de Praticagem, 2008.
FLORES, Mário César. Panorama do Poder Marítimo Brasileiro. Coleção General Benício, v. 105.
Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército/Serviço de Documentação Geral da Marinha., 1972.
GAMA, Arthur Oscar Saldanha da. A reconciliação do Brasil com o mar. Serviço de Documentação
Geral da Marinha, 1976.
MARINHA, Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da. “Participação da Marinha no Ciclo
Revolucionário dos anos 20 e 30”. Revista Marítima Brasileira, v. 137, suplemento. 2017, p.
250-266.
MARINHA, Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da. “A evolução do pensamento
estratégico naval brasileiro”. Revista Marítima Brasileira, v. 138, suplemento. 2018, p. 47-57.
MARTINS, Hélio Leôncio. História Naval Brasileira, Volume Quinto, Tomo IA. Rio de Janeiro: Serviço
de Documentação da Marinha. 1995.
MARTINS, Hélio Leôncio. História Naval Brasileira, Volume Quinto, Tomo IB, Rio de Janeiro. Serviço
de Documentação da Marinha, 1997.
MARTINS, Hélio Leôncio. A Revolta da Armada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1997.
POLÍCIA FEDERAL. “A Polícia Federal”. In: Polícia Federal − Apostila de Introdução ao Estudo
da Polícia. Documento de Acesso Restrito, Brasília, Portaria no 8.714-DG, de 13 de agosto de
2018, p. 69-70, 2019.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Constituição Polí-
tica do Império do Brazil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D.
Pedro I, em 25 de março de 1824.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Decreto no 208, de
19 de fevereiro de 1890.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, 24 de fevereiro de 1891.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, 16 de julho de 1934.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, 10 de novembro de 1937.
QUINTAS, Humberto; QUINTANS, Luiz Cesar. A história do petróleo no Brasil e no mundo. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2010.
RIBEIRO, Mozart Junqueira. “A importância da Marinha do Brasil no Pantanal”. Revista Marítima Brasileira,
v. 138, n. 4/6, p. 9-30, 2018.
RIO DE JANEIRO. Decreto no 447, de 19 de maio de 2018. Coleção de Leis do Império do Brasil –
1846. Rio de Janeiro, v. 1, p.5.
RIO DE JANEIRO. Lei 2.348, de 25 de agosto de 1873. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1873,
v.1, p. 265, 1873.
TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Construção Naval no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação
de Estudos do Mar, 2001.

RMB3oT/2021 167
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA
REPÚBLICA DA COREIA

THIAGO NASCIMENTO*
Capitão de Corveta (EN)

SUMÁRIO

Introdução
Força de Submarinos
O Futuro Submarino Nuclear
Conclusão

INTRODUÇÃO ar (AIP). Entretanto, com o avançado par-


que tecnológico, sobretudo na área nuclear,

A República da Coreia, popularmente


conhecida como Coreia do Sul, possui
uma recém-estabelecida Marinha de guerra
a Marinha sul-coreana anseia construir uma
arma ainda mais complexa: um submarino
balístico de propulsão nuclear. [4]
e, portanto, uma jovem força de submari- Após o armistício no fim da Guerra das
nos. A utilização de submarinos vem desde Coreias (1950-1953), a península coreana
os minissubmarinos, atualmente inativos, foi dividida pelo paralelo 38. Formaram-
passando por modernos submarinos ale- -se, ao sul, a República da Coreia e, ao
mães, chegando a um modelo genuinamen- norte, a República Popular Democrática
te coreano, de propulsão independente de da Coreia, ou Coreia do Norte. [1]

* Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV/MG). Master of Science-M.Sc
(mestrado) em Nuclear Power Plant Engineering. Kepco International Nuclear Graduate School. Republic
of Korea. Serve atualmente no Centro de Instrução e Adestramento Nuclear de Aramar, em Iperó (SP).
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

Com o apoio dos Estados Unidos de outros meios de defesa – submarinos


da América (EUA) e por meio de uma de 1.200 toneladas tipo 209, submarinos
economia de mercado, a Coreia do Sul se de 1.800 toneladas tipo 214 (ambos de
reergueu de um estado de extrema pobreza tecnologia alemã) e o recém-lançado sub-
para se tornar, atualmente, um dos países marino de 3.000 toneladas, classe Dosan
mais desenvolvidos do Sudeste Asiático. Ahn Chang-ho. [4]
Com população de aproximadamente 51 No início, o então Esquadrão de Sub-
milhões de habitantes e um exemplar nível marinos 57 era ligado à Flotilha no 5. Em
educacional, a Coreia do Sul ocupa um seguida, em 1995, após aquisição dos sub-
lugar de destaque no mundo em termos marinos tipo 209 da Classe Jang BoGo,
tecnológicos. [2] o esquadrão foi promovido a Flotilha de
O rápido desenvolvimento econômico Submarinos no 9. Finalmente, a Força de
e tecnológico e, principalmente, as cons- Submarinos foi oficialmente estabeleci-
tantes ameaças do vizinho ao norte contri- da em fevereiro de 2015, na cidade de
buíram para que o país desenvolvesse seus Jinhae. [4]
meios de defesa rapidamente. O moderno O estabelecimento da força se deu
parque industrial naval e a consistência como parte de uma estratégia para aqui-
na busca de se fortalecer militarmente sição de submarinos. Assim, no fim da
permitiram a independência coreana na década de 1980, a Marinha coreana lançou
construção de navios de guerra, submari- um ambicioso programa de aquisição de
nos e também de armas sofisticadas, como submarinos de ataque (KSS), dividido em
mísseis de cruzeiro. [3] três fases. [5]: a primeira fase com a aqui-
sição de submarinos de 1.200 toneladas
FORÇA DE SUBMARINOS tipo 209; a segunda fase com submarinos
de 1.800 toneladas tipo 214; e a terceira
No início da década de 1990, a Marinha fase com submarinos de 3.000 toneladas
coreana contava com apenas três minis- com tecnologia coreana.
submarinos da classe Dolgorae (Figura O programa, porém, não contemplava
1). Porém a necessidade de fazer frente apenas a compra de submarinos, mas tam-
às ameaças da Coreia do Norte compeliu bém a obtenção de capacidade de fabrica-
a Marinha sul-coreana a adquirir – além ção e exportação, o que veio a acontecer
com um contrato de US$ 1,1
bilhões para fornecimento de
três submarinos para a Indo-
nésia, em 2011. [5][6][7]

Submarinos classe Jang


BoGo

A classe de submarinos
Jang BoGo (antes chamada
Chang BoGo) foi adquiri-
da como parte da primeira
fase do Programa KSS, que
Figura 1 − Minissubmarino classe Dolgorae contemplava a aquisição de

RMB3oT/2021 169
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

nove submarinos. O projeto escolhido foi


o tipo 209, desenvolvido pela empresa
alemã Howaldtswerke-Deustche Werft
(HDW).[5][6]
Considerado de baixo ruído, o meio
tem 56 metros de comprimento e seção de
6,2 metros. Ele possui um deslocamento
submerso de 1.285 toneladas e conta com
até 33 militares na tripulação. [6]
O sistema de propulsão possui quatro
motores diesel MTU tipo 12V493 AZ80
GA31L e um motor elétrico Siemens de
4600HP. Na superfície, é capaz de atingir
velocidade máxima de 11 nós e submerso
pode chegar a 20 nós. [10]
O sistema de combate instalado é o
Atlas Elektronik Integrated Sensor (Isus),
e o sonar é o CSU83 [11]. São oito tubos
de torpedos de 533 mm, que possibilitam
o disparo dos 14 torpedos SST-4 armaze-
nados a bordo. O submarino possui, ainda,
Figura 3 − Submarino Jung Woon (SS-067)
capacidade de carregar 28 minas no lugar
dos torpedos. [6] [12] montados na Coreia do Sul, utilizando
O primeiro contrato de aquisição foi as- equipamentos adquiridos da Alemanha. O
sinado em 1987, contemplando um lote de SS-062, Lee Chun, foi comissionado em
três submarinos. O primeiro foi construído junho de 1994, e o SS-063, Choe Museon,
na Alemanha, em Kiel, e os dois restan- em fevereiro de 1995. [6][4]
tes são construções do estaleiro coreano O segundo contrato para aquisição de
Daewoo Shipbuilding and Marine Engi- outros três submarinos foi assinado com
neering (DSME), na Ilha de Dokpo. [8][4] a Daewoo em outubro de 1989. Assim, o
O primeiro da classe, o SS-061 Jang SS-065, Park Wi, foi comissionado em
BoGo (Figura 2), foi comissionado em agosto de 1995; o SS-066, Lee JongMoo,
junho de 1993. Os dois restantes foram em agosto de 1996; e, completando o
segundo contrato, o SS-067, Jung
Woon, foi comissionado em agosto
de 1997 (Figura 3). [4] [6]
O terceiro contrato para os ou-
tros três submarinos restantes da
classe foi assinado também com a
Daewoo, em janeiro de 1994. As-
sim, o sétimo submarino, SS-068
Yi Sunsin, foi comissionado em
fevereiro de 2000. Em seguida, o
SS-069, Na Daeyong, foi comis-
Figura 2 − Submarino Jang BoGo (SS-061) sionado em dezembro de 2000, e,

170 RM3oT/2021
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

finalmente, o último submarino, SS-071 O submarino possui 65 metros de com-


Yi Eokgi, em dezembro de 2001.[4][6] primento e 6,3 metros de diâmetro. O des-
Os dois últimos submarinos da classe locamento submerso é de 1.860 toneladas,
contaram com uma modernização do siste- e a tripulação é de até 27 militares. [14]
ma de armas, que possibilita o lançamento O sistema de propulsão de baixo ruído
de mísseis Sub Harpoon UGM-84. Após (skew back propeller) é independente de
essa modernização, em 2011, os submari- ar com dois geradores de carregamento
nos passaram também a equipar o sistema tipo Piller Ntb56.40-10 de 0,97MW. O
de navegação inercial Sigma 40XP. [6] sistema independente de ar é formado por
É possível observar que de 1992 a 2001 dois módulos de células combustível tipo
nove submarinos foram comissionados, o HDW PEM BZM120, de 120 kW cada. O
que demonstra consistência na execução motor elétrico de propulsão é o Siemens
dos projetos. Os contratos foram cumpri- Permasyn de 2,85MW, que possui uma
dos, sem longas interrupções, e a empresa potência de saída menor que o tipo 209,
privada Daewoo obteve a tecnologia devido à diferença na curva de carga dos
transferida com sucesso. motores. A propulsão conta também com
É importante mencionar que a tecno- dois geradores diesel MTU 16V-396 de
logia transferida para a Daewoo permitiu 3.96MW. [14]
que a Coreia do Sul passasse não apenas O sistema de combate é o Atlas ISUS
a construir seus próprios submarinos, mas 90, e o sonar é o STN Atlas DBQS-40,
também a exportar, como ocorreu com o ambos da empresa Atlas Elektronik. São
contrato com a Indonésia. Além da Co- oito tubos de torpedo de 533 mm capazes
reia do Sul, estavam na disputa por este de disparar o torpedo Baek Sang Eo (White
contrato Rússia, França e Alemanha. [9] Shark) da empresa Lig Nex1 [15]. Além de
Os dois primeiros submarinos foram torpedos, é armado com mísseis de alcance
construídos na Coreia do Sul, e o último de até mil quilômetros. Tanto os torpedos
na Indonésia, pelo estaleiro estatal Perse- quanto os mísseis são de tecnologia corea-
roan Terbatas Penataran Angkatan Laut na. O submarino é equipado também com o
(PT-PAL), que recebeu equipamentos e radar Thales SPHINX-D mais os terminais
a transferência de tecnologia da Coreia de satélite Thales X-band Satcom. [16][17]
do Sul. [9] O primeiro contrato foi assinado com
a Hyundai Heavy Industries para a fabri-
Submarinos classe Sohn Won-Yil cação dos três primeiros da classe no esta-
leiro da cidade de Ulsan. O SS-072, Sohn
A segunda fase do programa de aqui- Won-il (Figura 4), foi comissionado em
sição de submarinos de ataque, a KSS-II, dezembro de 2007. O SS-073, Jeong Ji,
começou no ano 2000. São mais nove foi comissionado em dezembro de 2008,
submarinos tipo 214 de 1.800 toneladas, e o SS-075, An Jung-Geun, em dezembro
que deram início à classe Sohn Won-Yil. de 2009. [16]
O modelo, também alemão, projetado pela O segundo contrato foi assinado em
HDW, possui propulsão independente do 2008 com a Daewoo e a Hyundai Heavy
ar (AIP – air-independent propulsion), Industries, que lançaram os outros seis
além de um casco não magnético, que submarinos da classe alternadamente. O
o torna mais difícil de ser detectado quarto submarino da classe, SS-076 Kim
(stealth). [13][14] Jwa-jin, foi comissionado pela Daewoo em

RMB3oT/2021 171
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

2020, a Marinha coreana adquiriu outros


novos submarinos, agora com propulsão a
células de combustível (AIP). Não apenas
a Daewoo, mas também a Hyundai Heavy
Industries, obtiveram a tecnologia transfe-
rida pela empresa alemã DHW.

Submarinos classe Dosan Ahn


Chang-ho

A terceira e última fase do programa


de aquisição de submarinos de ataque,
a KSS-III, se iniciou no ano de 2012,
depois de um atraso de dois anos. Serão
ao todo mais nove submarinos diesel-
-elétricos de 3.000 toneladas divididos
em dois lotes, com tecnologia totalmente
Figura 4 − Submarino Sohn Won-il (SS-072) coreana, compondo a nova classe Dosan
Ahn Chang-ho (Figura 6). O primeiro
dezembro de 2014; o SS-077, Yun Bong- lote será composto por três meios, e o
-Gil, pela Hyundai, em junho de 2016; o segundo lote por outros seis. A nova
SS-078, Yu Gwan-sun, pela Daewoo, em classe apresenta uma novidade: o sistema
julho de 2017; o SS-079, Hong Beom-do, de lançamento submarino de mísseis de
pela Hyundai, em janeiro de 2018; o SS- cruzeiro Hyunmoo-3, desenvolvido pela
081, Lee Beom-seok, pela Daewoo, em Samsung Thales. [17][18][19]
maio de 2019 (Figura 5); e, finalmente, o Ele possui 83,3 metros de comprimen-
SS-082, Shin Dol-seok, foi comissionado to e 9,6 metros de diâmetro, com capaci-
pela Hyundai em janeiro de 2020. [16] dade para acomodar uma tripulação de até
Repetindo o mesmo sucesso que ob- 50 militares. [20]
teve com a classe Jang BoGo, de 2007 a O sistema de propulsão é diesel-elé-
trico com sistema
independente de ar
(AIP). São quatro
células de combus-
tível Bumhan Indus-
try PH1 PEM. As
baterias dos subma-
rinos KSS-III são de
células de lítio, di-
ferente dos demais
submarinos, das
classes Jang BoGo
e Sohn Won-il, que
utilizam baterias de
Figura 5 − Lançamento do submarino SS-081 Lee Beom-seok chumbo-ácido. Ele

172 RM3oT/2021
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

Figura 6 − Submarino Dosan Ahn Chang-ho (SS-083)

é capaz de operar submerso por até 20 dias 2020, e o SS-086, Lee Dong-nyeong, está
sem necessidade de vir à superfície. [20] atualmente em construção no estaleiro da
O sistema de combate conta com oito Hyundai. O SS-087, Lee Bong-chang, já
tubos de torpedos de 533 mm e seis tubos possui contrato assinado e será fornecido
verticais de lançamento de mísseis VLS pela Daewoo. [21][22]
(Vertical Launch System). O VLS irá aco- Ao final do programa, em 2029, a Co-
modar o míssil de cruzeiro Cheon Ryong, reia do Sul terá 27 submarinos de ataque
que possui alcance de até 1.500 quilôme- convencionais.
tros. O primeiro lote de submarinos utili-
zará o sistema de defesa (ESM) espanhol O FUTURO SUBMARINO
Pegaso. Os sonares de flanco serão forneci- NUCLEAR
dos pela LIG Nex, e o sistema de combate
pela empresa Hanwha. Os submarinos do A Coreia do Sul busca formar uma
segundo lote serão maiores, aproximando Armada de águas azuis com navios de
de 4.000 toneladas, e terão dez VLS, além guerra de alta tecnologia, como destróie-
de baterias de lítio e motor de propulsão res Aegis, porta-aviões leves e subma-
com tecnologia de supercondutor de alta rinos, inclusive com propulsão nuclear.
temperatura (HTS). [21] Este último, aliás, foi uma promessa de
O primeiro contrato foi assinado campanha do atual Presidente coreano,
também com as empresas Daewoo e a Moon Jae-in. [23]
Hyundai Heavy Industries, sendo os dois Ao longo das últimas três décadas, a
primeiros fornecidos pela Daewoo e o Marinha coreana obteve imenso sucesso
terceiro pela Hyundai. Em setembro de não apenas na aquisição de novos sub-
2018, o SS-083, Dosan Ahn Chang-ho, marinos, mas também na independência
foi lançado, se encontrando em testes de na construção. O know-how adquirido
mar no presente momento. O SS-085, permitiu a ampliação da Força de Sub-
Ahn Mu, foi lançado em novembro de marinos e exportação de meios altamente

RMB3oT/2021 173
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

tecnológicos pelos principais estaleiros que de geração elétrica possui 24 plantas


privados, Daewoo e Hyundai. nucleares de potência, com capacidade
Observa-se também que o país não se instalada total de 23GW, correspondendo
desenvolveu apenas na construção de na- a aproximadamente 23% da geração total
vios de guerra, mas também em diversas do país. A obtenção de tecnologia nuclear
outras áreas, como eletrônica, computa- se iniciou com a aquisição de instalações
ção, automação, automobilística etc., além Westinghouse, por meio de contratos de
de uma área extremamente estratégica, a transferência de tecnologia. [24]
indústria nuclear. A Coreia do Sul possui Após diversos projetos, construções e
um parque industrial nuclear avançado, aperfeiçoamentos, a Coreia do Sul lançou
com modelos de instalações nucleares mais o modelo de instalação nuclear, total-
totalmente coreano. mente coreano, o APR1400. Este modelo
atualmente está em construção não apenas
A Indústria Naval e Nuclear da na Coreia do Sul, mas também nos Emirados
Coreia do Sul Árabes Unidos (UAE), depois de vencer um
competitivo contrato para construção de
A indústria naval coreana é avançada, quatro instalações nucleares naquele país.
possuindo grandes estaleiros com capa- Algumas grandes empresas formam
cidade técnica para construção de navios o poderio tecnológico coreano, tanto na
mercantes, plataformas de petróleo e área de construção naval quanto na área
navios de guerra. nuclear. A Tabela 1 apresenta alguns
Similarmente, a tecnologia nuclear dos principais atores da indústria naval e
coreana também é muito avançada. O par- nuclear na Coreia do Sul. [24]

Empresa Produtos e Serviços


Estaleiro de capital aberto que possui capacidade de construção
Daewoo Shipbuilding and Marine de navios para fins especiais, como submarinos e fragatas,
Engineering plataformas marítimas (offshores) e perfuratrizes marítimas
(drilling rig), além de serviços de reparos.
Maior estaleiro do mundo (lista Bloomberg), possui capacidade
Hyundai Heavy Industries de construção de navios mercantes de grande porte, navios
plataformas de petróleo, submarinos, fragatas etc.
Estaleiro com capacidade de fornecimento de navios mercantes e
navios de guerra (porta-helicópteros, navios-patrulha, navios de
Hanjin Heavy Industries & apoio logístico etc.). A empresa também atua na construção de
Construction Co Ltd pontes, aeroportos e plantas químicas industriais. Também oferece
serviços de reparos e modernização de instalações industriais.
KEPCO E&C – KEPCO Engineering Empresa subsidiária da KEPCO que oferece projetos de reatores e
and Construction controle de qualidade de projetos na área nuclear.
KHNP – Korea Hydro and Nuclear Empresa subsidiária da KEPCO construtora de reatores nucleares
Power Corporation e responsável pela operação dos reatores e treinamento de pessoal.
KEPCO Korea Plant Service and Empresa subsidiária da KEPCO que conduz a manutenção das
Engineering instalações nucleares.
Empresa subsidiária da KEPCO que fabrica e fornece o
KEPCO Nuclear Fuel combustível nuclear.
Empresa que fabrica e fornece turbinas, geradores e componentes
Doosan Heavy Industry com classificação segurança para o sistema de vapor nuclear
(NSSS).

Tabela 1 – Principais empresas na área nuclear e naval

174 RM3oT/2021
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

Além das empresas, o instituto de pes- A pesquisa se iniciou em 1997, e o


quisa de energia atômica coreano, Korean primeiro projeto foi aprovado em 2012
Atomic Energy Research Institute (Kaeri), (Figura 7). Embora a aplicação oficial
e o instituto de segurança nuclear, Korean do modelo seja para sistemas de dessa-
Institute of Nuclear Safety (KINS), con- linização e geração de eletricidade para
tribuem com pesquisa e desenvolvimento cidades de até 100 mil habitantes, o Smart
na área nuclear. [25] preenche o espaço estratégico de um rea-
Importante observar que a Coreia do tor de pequeno porte para um submarino
Sul não possui reservas de urânio nem nuclear. [28]
tecnologia de enriquecimento. Porém o
país conta com tecnologia de ponta na
fabricação do combustível nuclear e na
construção de instalações nucleares de
potência. O Brasil, por outro lado, tem
imensas reservas de urânio e tecnologia
de enriquecimento isotópico, mas não
possui tecnologia nacional na construção
de reatores de potência.

O projeto do Submarino

Diante de um cenário que apresenta


empresas privadas com tecnologia para
construção de submarinos e construção
de instalações nucleares de potência, além
de diversas indústrias de equipamentos Figura 7 − Reator modular coreano Smart
pesados, mecânica fina, eletrônica e au-
tomação, a ambição da Marinha coreana A obtenção de um submarino nuclear
para um submarino nuclear se tornou ain- pela Coreia do Sul aumentará seu poder
da maior. Sobretudo diante de constantes militar, o que dispensaria a onerosa alian-
ameaças do vizinho ao norte. ça com os EUA. Porém o poder de dissua-
Atualmente, a Coreia do Sul busca são americano poderá ser fortalecido com
contornar barreiras impostas pela Agência uma Marinha coreana mais fortalecida,
Internacional de Energia Atômica (AIEA) o que aliviaria a atuação americana no
e pelos EUA. O limite de 20% de enrique- Sudeste Asiático.
cimento do combustível nuclear e a parce- O limite de enriquecimento do com-
ria militar com os EUA são desafios que o bustível poderá ser contornado com a
país espera contornar em um futuro breve. aproximação da Coreia com a França, que
O projeto do submarino de propulsão possui um modelo de submarino de baixo
nuclear passa pela obtenção de um reator enriquecimento, o Barracuda. Este proje-
modular de pequeno porte (SMR − Small to já foi negociado com a Austrália, que
Modular Reactor). Neste sentido, a Coreia escolheu a parceria com a França mirando
do Sul lançou o System-integrated Modu- um futuro submarino nuclear. Porém a
lar Advanced Reactor (Smart), um reator indústria nuclear australiana não tem o
de 330MWt de pequeno porte. [28] mesmo alcance da coreana. Um acordo

RMB3oT/2021 175
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

semelhante com a Coreia do Sul tornará Planos estratégicos são elaborados para
o submarino nuclear uma realidade em períodos de 30 anos e são cumpridos com
futuro muito breve. [29][30] rigor. Os desafios orçamentários e tecno-
lógicos são enfrentados com praticidade
CONCLUSÃO e, principalmente, agilidade.
Esta agilidade coreana é bem represen-
A Coreia do Sul apresenta um forte tada na popular expressão “bali-bali”, que
modelo de organização e estratégia na significa algo como “rápido-rápido”. A
busca do fortalecimento econômico e mi- pressa coreana é usada como regra na so-
litar. A exemplar dedicação à formação de ciedade para tudo, desde a travessia de uma
qualidade e o consistente investimento em avenida até o reparo de um buraco na rua.
educação – não apenas governamental – Portanto, ao ritmo que se desenvolve
resultam na aplicação de métodos técnicos a Marinha de Guerra da Coreia do Sul,
ancorados nas melhores práticas em todos o lançamento de um submarino com
os ramos de atividade no país. propulsão nuclear não será surpresa. A
A Marinha da República da Coreia capacidade tecnológica e a necessidade de
(ROK Navy) é beneficiada com um fazer frente às ameaças são catalizadores
quadro de pessoal altamente qualificado. para o projeto.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Construção Naval; Força de Submarinos; Submarino Nuclear;

REFERÊNCIAS

[1] History Channel. Korean War. Disponível em: https://www.history.com/topics/korea/korean-


-war.
[2] Federal Reserve Bank of Saint Louis. How did South Korea’s Economy Develop so Quickly?
Disponível em: https://www.stlouisfed.org/on-the-economy/2018/march/how-south-korea-
-economy-develop-quickly.
[3] Brittanica. The World Standard in Knowledge since 1768. South Korea. Disponível em: https://
www.britannica.com/place/South-Korea.
[4] NTI – Nuclear Threat Initiative. South Korea Submarine Capabilities. Disponível em: https://
www.nti.org/analysis/articles/south-korea-submarine-capabilities/.
[5] Wikia – Military. Republic of Korea Navy. Disponível em: https://military.wikia.org/wiki/
Republic_of_Korea_Navy.
[6] Naval-Technology. ROKN Chang Bogo Class Submarine. Disponível em: https://www.naval-
-technology.com/projects/chang-bogo-class-submarine-south-korea-rokn/.
[7] The National Interest. Why is South Korea Building up Its Submarine Fleet? Disponível em: https://
nationalinterest.org/blog/buzz/why-south-korea-building-its-submarine-fleet-110641.
[8] Archive. Submarine Commissioning. Disponível em: https://web.archive.org/
web/20181224170558/http://kookbang.dema.mil.kr/newsWeb/20130916/6/BBSMS-
TR_000000010024/view.do.

176 RM3oT/2021
O FUTURO SUBMARINO NUCLEAR DA REPÚBLICA DA COREIA

[9] Navy Recognition. South Korea Signed Contract to Export Submarines to Indonesia. Disponível
em: https://www.navyrecognition.com/index.php/news/defence-news/2019/april/6979-
-south-korea-signed-contract-to-export-submarines-to-indonesia.html.
[10] Wikiwand. ROKS Jang Bogo SS-061. Disponível em: https://www.wikiwand.com/en/
ROKS_Jang_Bogo_(SS-061).
[11] Atlas Elektronik. ISUS 100. Disponível em: https://www.atlas-elektronik.com/solutions/
submarine-systems/isusr-100.html.
[12] The Diplomat. South Korea goes “all-in” on Submarines. Disponível em: https://thediplomat.
com/2013/08/south-korea-goes-all-in-on-submarines/.
[13] Defpost. HHI Delivers Seventh Sohn Won-yil Class Submarine to ROK Navy. Disponível
em: https://defpost.com/hhi-delivers-seventh-sohn-won-yil-class-submarine-rok-navy/.
[14] Wikiwand. Type 214 submarine. Disponível em: https://www.wikiwand.com/en/Type_214_
submarine.
[15] The Diplomat. South Korea Launches New Stealth Submarine. Disponível em: https://thedi-
plomat.com/2016/04/south-korea-launches-new-stealth-submarine/.
[16] Namu. Hand over from Sohn Won-il Class. Disponível em: https://namu.wiki/w/손원일급%20.
[17] Defense Review Asia. Regional “surge” in Submarines and Technologies. Disponível em:
https://defencereviewasia.com/regional-surge-in-submarines-technologies/.
[18] Naval News. ROK Navy’s 1st 3000 tons KSS-III Submarine Dosan Ahn Chang-ho Passes Max
Depth Test. Disponível em: https://www.navalnews.com/naval-news/2019/08/rok-navys-
-1st-3000-tons-kss-iii-submarine-dosan-ahn-chang-ho-passes-max-depth-test/.
[19] Wikiwand. Dosan Ahn Chang-ho Class Submarine. Disponível em: https://www.wikiwand.
com/en/Dosan_Ahn_Changho-class_submarine.
[20] The Diplomat. South Korea Launches First of Class 3000 ton KSS-III Diesel Electrick Attack
Submarine. Disponível em: https://thediplomat.com/2018/09/south-korea-launches-first-of-
-class-3000-ton-kss-iii-diesel-electric-attack-submarine/.
[21] Naval News. ROK Navy’s 1st 3000 tons KSS-III Submarine Dosan Ahn Chang-ho Started
Sea Trials. Disponível em: https://www.navalnews.com/naval-news/2019/06/rok-navys-
-1st-3000-tons-kss-iii-submarine-dosan-ahn-chang-ho-started-sea-trials/.
[22] Korea Times. South Korea to Launch New 3000 tons Submarine. Disponível em: https://
www.koreatimes.co.kr/www/nation/2021/01/113_299040.html.
[23] Korea Times. Korea Accelerates Submarine Development Project. Disponível em: https://
www.koreatimes.co.kr/www/nation/2021/01/113_299175.html.
[24] Phillip Andrews-Speed. “South Korea’s Nuclear Power Industry: Recovery from Scandal”.
Journal of Wourld Energy, Law, and Business.
[25] IAEA. Country Nuclear Power Profiles. Republic of Korea. Disponível em: https://cnpp.iaea.
org/countryprofiles/KoreaRepublicof/KoreaRepublicof.htm.
[26] Dun&bradstreet. Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering Co. Ltd. Disponível em: https://
www.dnb.com/business-directory/company-profiles.daewoo_shipbuilding__marine_engi-
neering_co_ltd.28d5856a440cb3ad8fc53fedcef0e135.html.
[27] Hanjin Heavy Industries and Construction Co. Ltd. Disponível em: https://www.hanjinsc.
com/en/main/.
[28] Smart Power Co Ltd. Development History. Disponível em: http://smart-nuclear.com/
tech/d_history.php.
[29] The Strategist. The Strange Submarine Saga: Nuclear-Powered Poser. Disponível em: https://
www.aspistrategist.org.au/the-strange-submarine-saga-nuclear-powered-poser/.
[30] Defense Connect. South Korea Pursuit of Nuclear Submarines Heats Up Regional Competition.
Disponível em: https://www.defenceconnect.com.au/maritime-antisub/4938-south-korea-
-pursuit-of-nuclear-submarines-heats-up-regional-competition.

RMB3oT/2021 177
JET LAG SOCIAL: Conhecendo para prevenir

CAIO CESAR LEITE BARROS*


Capitão de Corveta (Md)

CARINA DORNELLES PORTO BARROS**


Capitão de Corveta (Md)

SUMÁRIO

Introdução
Conceito
Cronotipos
Consequências do Jet Lag Social
Erros e Acidentes
Prevenção
Considerações Finais

INTRODUÇÃO Sabe-se que o JLT pode desencadear pro-


blemas no sono, dificuldade de concentra-

O Jet Lag Transmeridiano (JLT) é um


termo consagrado na aviação, sendo
correlacionado a uma série de queixas
ção, cansaço e fadiga, colocando em risco
as operações aéreas (TAVARES, 2019).
Mais recentemente, vem sendo ampla-
e desconfortos decorrentes de viagens mente discutida a expressão Jet Lag Social
acima de três fusos horários, o que leva a (JLS), cujos efeitos são análogos aos do
uma dessincronização temporária entre o JLT, mas com o agravante de promover
relógio biológico interno e o meio externo. um padrão crônico de desregulação do

* Graduado em Medicina pela Escola Superior de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória
(Emescam). Curso Básico de Perícia Médica na Aviação Civil – CBPM/Anac (2018). Serve atualmente
no Departamento de Medicina de Aviação da Policlínica Naval de São Pedro da Aldeia (RJ).
** Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Campos (FMC). Curso Especial de Medicina de
Aviação para Oficiais da MB (2016). Preside a Junta Regular de Saúde da Policlínica Naval de São
Pedro da Aldeia, onde serve.
JET LAG SOCIAL: Conhecendo para prevenir

ritmo circadiano biológico (TAVARES, ser compensado nos fins de semana, oca-
2019), tendendo, com isso, a desencadear sionando, com isso, um padrão irregular
uma restrição mais contínua do sono, piora do ciclo sono-vigília (ROENNEBERG
na performance acadêmica (HARASZTI et al., 2012).
et al., 2014), abuso de substâncias e disfun- Para caracterizar o JLS, usa-se a dife-
ções metabólicas (ROENNEBERG et al., rença entre o tempo médio de sono nos
2012; WITTMANN et al., 2006). Soma- dias de semana (trabalho/estudo) e o tem-
-se a isso o fato de estudos populacionais po médio de sono nos finais de semanas
demonstrarem uma alta prevalência de (folga), conforme demonstra a Figura 1.
JLS, variando de 33 a 69 %, dependendo Indivíduos com diferenças absolutas entre
da metodologia e da população avaliada os pontos médios de sono entre os dias de
(RUTTERS et al., 2014; WITTMANN et semana e os dias livres maiores que duas
al., 2006; ROENNEBERG et al., 2012). A horas tendem a apresentar o JLS com
grande diferença entre o JLT e o JLS é que prejuízos laborais (TAVARES, 2019).
o primeiro tende a ser transitório e
preocupa relativamente poucas pes-
soas, enquanto o último é crônico e
diz respeito à maioria da população
de países industrializados (WITT-
MANN et al., 2006).
Portanto, torna-se fundamental
que a Aviação Naval se familiarize
com esse novo conceito, buscando
disseminar o conhecimento nas
mais diferente unidades aéreas
e, com isso, prevenir ocorrências
aeronáuticas.

CONCEITO

O Jet Lag Social tem origem


multifatorial, envolvendo de fa-
tores biológicos a ambientais
(TAVARES), tendo sido descrito
pela primeira vez na Alemanha, Figura 1 − Jet Lag Social (JLS) = (Ponto Médio do Sono no
em 2006 (WITTMAN et al., 2006). final de semana) – (Ponto Médio do Sono durante a semana)
e Ponto Médio do Sono = (tempo de duração do sono/2) +
Ele ocorre em pessoas que modi- Horário do início do sono. Baseado em: https://www.vitalaire.
ficam seus horários de sono entre com.br/jet-lag-social-vitalaire-brasil
a semana de trabalho e o final de
semana/dias de folgas. Dessa maneira, o CRONOTIPOS
JLS ocorre por má sincronização entre o
relógio biológico interno e a demanda so- A relação entre o relógio biológico in-
cial (DÍAZ-MORALES e ESCRÍBANO, terno e o padrão sono permite caracterizar
2015), desencadeando um deficit de sono os indivíduos em três padrões, ou cronoti-
durante os dias de trabalho, o qual tende a pos (Tabela 1), que correspondem à prefe-

RMB3oT/2021 179
JET LAG SOCIAL: Conhecendo para prevenir

Tabela 1− Classificação dos cronotipos


desencadear uma incapaci-
dade de obter sono adequado
Cronotipos Característica em duração ou qualidade,
Indivíduos que preferem dormir mais cedo podendo gerar fadiga, tempo
e naturalmente despertam cedo pela manhã. de reação lento e redução da
Matutino
Apresentam melhor e maior rendimento nas atenção (GEAR, 2018). Espe-
atividades durante este turno. cial atenção deve ser dada à
Indivíduos que preferem dormir e acordar fadiga, principalmente porque
Vespertino muito tarde e têm melhor desempenho nas ela é um dos 12 mais relevan-
atividades à tarde ou à noite. tes fatores contribuintes para
o erro humano na aviação,
Indivíduos que conseguem se ajustar aos
estando incluída no Dirty
Intermediário horários impostos mais facilmente do que os
Dozen (Figura 2), que faz
vespertinos e matutinos.
referência aos principais fa-
WITTMANN et al. 2006; TAVARES tores contribuintes para erros
na manutenção (FAA, 2012).
rência individual por momentos específicos
durante o período de 24 horas para dormir
e realizar atividades (TAVARES, 2019).
Os vespertinos tendem a reportar mais
JLS em comparação com os matutinos e
intermediários (WITTMANN et al., 2006).

CONSEQUÊNCIAS DO JET LAG


SOCIAL

Estudos sobre a relação entre o JLS e


prejuízos para o estilo de vida demonstram
uma diminuição do nível de atividade
física (ALVES et al., 2016; WONG et
al., 2015; RUTTERS et al., 2014), con-
sumo aumento de tabaco (PARSONS et
al., 2015; WITTMANN et al., 2006),
inatividade física (RUTTER et al., 2014),
Figura 2 − Fatores humanos na manutenção de
piores escolhas alimentares (BULHÕES, aeronaves que mais contribuem para acidentes
2012), obesidade (ROENNEBERG et
al., 2012) e pior performance acadêmica É importante ressaltar, ainda, o estudo
(BEAUVALET et al., 2017). Outra pre- de Cheng e Hang (2018), o qual sugere
ocupação relevante é a associação entre o uma possível associação entre o JLS e o
JLS com sintomas psiquiátricos menores, esgotamento profissional (Burnout), sen-
uso de drogas, agressividade e problemas do este último tema abordado no PPAA-
de conduta (BEAUVALET et al., 2017; -MB 2020, no campo Recomendações de
TAVERNIER et al., 2015). Segurança ao Serviço de Investigação e
O JLS pode interferir de forma crônica Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da
no ciclo circardiano interno e, com isso, Marinha (SIPAAerM).

180 RMB3oT/2021
JET LAG SOCIAL: Conhecendo para prevenir

ERROS E ACIDENTES É possível, ainda, que diversas ocor-


rências aeronáuticas possam ter o JLS
A modificação do meio interno bioló- como um fator contribuinte, contudo, por
gico provocado pelo JLS pode contribuir ser um tema pouco conhecido da comu-
para incidentes e acidentes, principal- nidade ligada à aviação, ele tende a não
mente pela fadiga e sonolência geradas ser investigado.
pela interferência no padrão de sono.
Foi demonstrado, ainda, que a restrição PREVENÇÃO
de sono causada pelo JLS ocasiona uma
piora neurocognitiva e aumento da chance A primeira recomendação fundamental
de erros (UMEMURA et al., 2018). na prevenção do JLS é seguir as medidas
Acidentes históricos relevantes foram de higiene do sono (Tabela 2), tendo como
relacionados a erros secundários à fadiga destaque tentar manter sempre o mesmo
e sonolência, como, por exemplo, os horário para deitar e levantar, indepen-
do navio Exxon Valdez e de Chernobyl dente se está numa semana de trabalho ou
(SPEATH et al., 2012). Nos últimos num final de semana de folga.
anos, estudos foram feitos no ambiente
militar, como o realizado por Loprest Tabela 2 − Medidas de higiene do sono
et al. (2016) em soldados americanos no
Afeganistão, em que cerca de 14,6% dos 1. O quarto de dormir deve ser silencioso,
militares relataram acidentes que afetaram escuro e com temperatura agradável.
uma determinada missão, sendo metade 2. Procurar manter o mesmo horário para
deles (51%) atribuídos à sonolência. deitar e levantar.
(LOPRESTI et al., 2016). 3. Não realizar exercícios extenuantes
Uma preocupação relevante referente imediatamente antes de deitar.
ao JLS envolve os trabalhadores em tur- 4. Não ingerir bebidas alcoólicas ou
nos, uma vez que pode ocorrer uma piora bebidas com cafeína antes de deitar.
das reações psicomotoras, das funções 5. Não falar ao telefone, assistir televisão
cognitivas e da capacidade de reagir ade- ou fazer refeições na cama.
quadamente às mudanças no ambiente
6. Evitar o uso crônico de medicações para
(TARANOV et al., 2017). No âmbito da
insônia sem a recomendação médica.
MB, a preocupação deve existir em mili-
tares que concorrem à chamada “escala de 7. Evitar longas sestas ou minimizar os
serviço apertada”, em que desempenham cochilos diurnos.
funções no horário entre 00:00 – 04:00 e Baseado em KAPLAN e SADOCK
04:00 – 08:00. Atenção especial deve ser
dada aos Controladores do Tráfego Aéreo Por fim, recomenda-se ter cuidado
(CTA) no ambito da Aviação Naval, uma com o excesso de luz noturna emitida pe-
vez que trabalham em escalas de turnos, los equipamentos eletrônicos, incluindo
incluindo o período noturno. A Federal telefones celulares. Segundo Nasirudeen
Aviation Administration já alertava, em (2017), o uso prolongado das mídias
1986, para os perigos da fadiga em CTA, sociais, especialmente na cama, tem um
e muito dos conceitos abordados no DOT/ impacto negativo na sonolência diurna.
FAA/AM-82 podem ser entendidos com Recomenda-se desconectar os aparelhos
o que hoje chamamos de JLS. eletrônicos duas horas antes de dormir

RMB3oT/2021 181
JET LAG SOCIAL: Conhecendo para prevenir

ou, caso não seja possível, ativar a fun- Estudos demonstram que o JLS pode de-
ção “luz noturna”, que bloqueia a luz sencadear queda do rendimento profissio-
azul emitida pelo equipamento e gera nal e, consequentemente, contribuir para
um menor prejuízo do ciclo do sono ocorrências aeronáuticas. Difundir seus
(ZERBINI et al., 2018). conceitos básicos, formas de identificação
precoce e meios de prevenção contribuem
CONSIDERAÇÕES FINAIS para que a Aviação Naval busque moder-
nizar os conhecimentos do aspecto médico
O JLS é um conceito relativamente do Fator Humano e, com isso, possa con-
novo na Medicina, ainda pouco difundido tribuir de forma ainda mais efetiva para a
no âmbito operativo da Marinha do Brasil. segurança das operações aéreas.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<CIÊNCIA & TECNOLOGIA>; Aviação Naval; Estudos; Pesquisa;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Mariana Silva et al. “Social Jetlag among night workers is negatively associated with the
frequency of moderate or vigorous physical activity and with energy expenditure related to
physical activity”. Journal of Biological Rhythms, v. 32, n. 1, p. 83-93, 2017.
BEAUVALET, Juliana Castilhos. “Social jetlag in health and behavioral research: a systematic
review”. Chrono Physiology and Therapy, v.7, p.19-23, 2017.
BULHÕES, Cláudia Corrêa. Distúrbios do sono e acidentes ou incidentes no trabalho em turnos
de profissionais de enfermagem. Recife, 2012.
CHENG WJ, HANG LW. “Late chronotype and high social jetlag are associated with burnout in
evening-shift workers: Assessment using the Chinese-version MCTQshift”. Chronobiol
International. 2018:1-10.
DÍAZ-MORALES, Juan F.; ESCRIBANO, Cristina. “Social jetlag, academic achievement and
cognitive performance: Understanding gender/sex differences”. Chronobiology Internatio-
nal, v. 32, n. 6, p. 822-831, 2015.
FEDERAL AVIATION ADMINISTRATION (FAA). US. Department of Transportation Federal
Aviation Administration. Avoid the Dirten Dozen: 12 commom causes of human factors
erros. Disponível em: https://www.faasafety.gov/files/gslac/library/documents/2012/
Nov/71574/DirtyDozenWeb3.pdf. Acesso em: mar. 2020.
FEDERAL AVIATION ADMINISTRATION (FAA). US. Department of Transportation Federal
Aviation Administration. DOT/FAA/AM-86/2, 1986.
GEAR, Melissa E. Poor Sleep Health in American Adults: Implications for Screening in Civil
Aviation. 2018. Disponível em: https://corescholar.libraries.wright.edu/mph/224. Acesso
em: mar. 2020.
HARASZTI, Réka Ágnes et al. “Social jetlag negatively correlates with academic performance in
undergraduates”. Chronobiology International, v. 31, n. 5, p. 603-612, 2014.
LOPRESTI ML, et al. “The impact of insufficient sleep on Combat Mission performance”. Journal
Military Behavioral Health. Vol. 4, 2016.

182 RMB3oT/2021
JET LAG SOCIAL: Conhecendo para prevenir

MARINHA DO BRASIL. Diretoria da Aeronáutica da Marinha − SIPAAerM. Programa de


Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Marinha (PPAA-MB), 2020.
NASIRUDEEN, Ama et al. "Impact of social media usage on daytime sleepiness: A study in a sam-
ple of tertiary students in Singapore". Digital Health, vol. 3, First Published April 16, 2017.
PARSONS, Michael J. et al. “Social jetlag, obesity and metabolic disorder: investigation in a
cohort study”. International Journal of Obesity, v. 39, n. 5, p. 842, 2015.
ROENNEBERG, Till et al. “Social Jetlag and obesity”. Current Biology, v. 22, n. 10, p. 939-943, 2012.
RUTTERS, Femke et al. “Is social jetlag associated with an adverse endocrine, behavioral, and
cardiovascular risk profile?” Journal of Biological Rhythms, v. 29, n. 5, p. 377-383, 2014.
TARANOV, A. O. et al. Associations Between Chronotype, Road Accidentes and Polymorphisms
in Genes Linked With Biological Clock and Dopaminergic System. Zh Nevrol Psikhiatr Im
S S Korsakova, 2017.
TAVARES, Patrice de Souza. Jetlag Social é semelhante aos Jetlag Transmeridiano? Jetlag
Social é semelhante ao Jetlag Transmeridional? Resultados de um estudo de validação
com estudantes universitários de uma universidade do Sul do Brasil. Orientadora: Luciana
Tovo Rodrigues Tavares; Coorientadora: Marina Xavier Carpena. Pelotas, 2019.
TAVERNIER, Royette; MUNROE, Melanie; WILLOUGHBY, Teena. “Perceived morningness–
eveningness predicts academic adjustment and substance use across university, but social
jetlag is not to blame”. Chronobiology International, v. 32, n. 9, p. 1.233-1.245, 2015.
UMEMURA, Guilherme Silva et al. “Social Jetlag Impairs Balance Control”. Scientif Reports, 2018.
VITALAIRE. Cada dia dormindo em um horário diferente? Cuidado, você pode sofrer de Jet
Lag Social. Disponível em: https://www.vitalaire.com.br/jet-lag-social-vitalaire-brasil.
Acesso em: mar. 2020.
WITTMANN, Marc et al. “Social jetlag: misalignment of biological and social time”. Chrono-
biology International, v. 23, n. 1-2, p. 497-509, 2006.
WONG, Patricia M. et al. “Social jetlag, chronotype, and cardiometabolic risk”. The Journal of
Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 100, n. 12, p. 4.612-4.620, 2015.
ZERBINI, G. KANTERMANN, T. MERROW, M. “Strategies to decrease social jetlag: Reducing
evening blue light advances sleep and melatonin”. European Journal of Neuroscience, 2018.

RMB3oT/2021 183
BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

ANTÔNIO TÂNGARI FILHO*


Capitão de Corveta (Refo -IM)

SUMÁRIO

Introdução
Origens e Grupo Familiar
A Intendência dos Diamantes
Início da carreira em Portugal
Regresso ao Brasil
Seu último comando
Conclusão

INTRODUÇÃO e sua formação profissional, mostrando


uma vida dedicada exclusivamente à Ma-

O Capitão de Fragata (CF) Luiz Barro-


so Pereira tem lugar de destaque nas
tradições da Marinha, tanto assim que um
rinha, desde os 15 anos de idade até sua
morte em combate, no comando de uma
belonave da Marinha Imperial do Brasil.
dos navios-transporte da força, já fora do Por não ser muito divulgada sua trajetó-
Serviço Ativo, teve, em 13 de dezembro ria no Brasil, que foi curta, porém coberta
de 1953, a quilha batida com seu nome: de glória, e por ser também um marinheiro
Navio-Transporte de Tropas Barroso das Minas Gerais, este autor teve motiva-
Pereira, G 16, o “Barrosão”. ção para estudá-lo um pouco mais.
O presente ensaio sobre o herói foi di- Com tal propósito, além de buscas na
recionado especialmente para suas origens internet via Wikipédia, foi consultada

* Economista. Colaborador da Revista Marítima Brasileira.


BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

documentação da Marinha considerada diamantes no Brasil”, incluindo também


de conhecimento público e não reservada. o município vizinho, antigo Serro Frio.
De muita valia foram leituras sobre temas Luiz foi o segundo dos quatro filhos do
relevantes, tais como as Guerras Navais desembargador Antônio Barroso Pereira e
da Independência e da Cisplatina, assim de Mariana Jacinta de Macedo. Batizado e
com notas biográficas de personagens registrado na Igreja de Santo Antonio no
relacionados com o ensaio, muito bem Tejuco, teve como padrinho Luiz Beltrão
elaboradas pela Diretoria do Patrimônio de Gouveia e Oliveira, um amigo de seu
Histórico e Documentação da Marinha pai, companheiro dos tempos de estu-
(DPHDM) e pelo antigo Serviço de Do- dante em Coimbra, Portugal, no curso de
cumentação Geral da Marinha. bacharelado em Direito. Beltrão também
Necessário se faz registrar que, em exerceu os cargos de ouvidor e intendente
seu resumo biográfico, Barroso Pereira é dos Diamantes.
citado como historiador e que teria escrito Sua mãe, mineira de São João Del Rey,
“História sobre a Marinha”. Fica para uma era filha do fazendeiro José de Rabello de
próxima oportunidade um estudo sobre Macedo e de Maria de Carvalho Duarte. A
esse documento, por não ter sido identifi- fazenda dos seus avós ficava bem próxima
cado nas buscas feitas pelo presente autor. da divisa das províncias do Rio e de Minas,
entre os rios Paraibuna, Piabanha e Paraíba
ORIGENS E GRUPO FAMILIAR do Sul, nos caminhos para Mar de Espanha.
Conhecida à época como Entre Rios, é a re-
O futuro Capitão de Fragata Barroso gião do atual município de Três Rios (RJ).
Pereira nasceu no ano de 1786 no Arraial O distrito de Entre Rios, quando foi alçado
do Tejuco, atual Diamantina. A histórica a município, teve que mudar de nome, pois
cidade situa-se bem próxima das nascen- já havia duas cidades com o nome de Entre
tes do Rio Jequitinhonha, na Serra do Rios, uma em Minas e outra na Bahia.
Espinhaço, centro-norte de Minas Gerais. Seu pai era português de família da ci-
Como o nome atual indica, era a “terra dos dade histórica de Santa Maria do Salto, de

Diamantina
Fonte: Wikipédia

RMB3oT/2021 185
BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

onde eram também os ancestrais dos várias oportunidades. A casa principal da


duques de Bragança, que então reinavam Fazenda da Santarém, construída em ter-
em Portugal. Tinha parentes também na ras que pertenceram à família de Barroso
cidade do Porto. Seu irmão um ano mais Pereira, dá uma ideia da opulência das
velho, Bento Barroso Pereira, também fazendas de café da região.
nascido no Tejuco, foi brigadeiro, minis-
tro da Guerra e senador do Império. Seu A INTENDÊNCIA DOS
outro irmão, Antônio Barroso Pereira, não DIAMANTES
se dedicou à carreira militar, mas à admi-
nistração das propriedades rurais da fa- Antes de entrar propriamente no ensaio
mília, tendo recebido o título de Primeiro sobre o Comandante Barroso Pereira, cabe
Barão de Entre Rios, em reconhecimento um esclarecimento quanto à existência no
por seus serviços prestados ao desenvol- Arraial do Tejuco, feito por um represen-
vimento da região. Sua irmã, Madalena tante da Coroa Portuguesa na função de
Maria Pereira de Carvalho, desposou o Intendente dos Diamantes, cargo criado
alferes Damaso José de Carvalho, ficou em 1734.
viúva ainda nova e também era fazendeira. Na segunda década do século XVIII,
A mãe de Barroso Pereira, bem mais foi descoberto que, no Rio Jequitinhonha
jovem que o primeiro marido, tornou a se e em seus pequenos afluentes, eram en-
casar após enviuvar. Não teve filhos desse contrados diamantes de excelente grau de
segundo casamento e ficou novamente pureza, retirados dos rios com o peneira-
viúva. Dessa forma, após seu falecimento, mento da água por meio de bateias, onde
suas fazendas passaram por herança, na brilhavam, ao final, as lindas pedras de
década de 1840, aos filhos ainda remanes- grande valor. Tal atividade extrativa − que
centes do primeiro casamento, Antônio continua, de maneira predatória, por meio
Barroso Pereira e Madalena Maria Pereira de barcaças que varrem o fundo do leito do
de Carvalho. Rio Jequitinhonha − cresceu de tal forma
Com a introdução do plantio do café, naquela época que Portugal estabeleceu
as propriedades rurais da família prospe- um controle de sua exploração, instituindo
raram. Mudaram de donos e de nomes em elevadas taxas na sua comercialização.
Dessa forma, surgiu
também a necessidade
de se ter um alto fun-
cionário, nomeado pela
Corte, encarregado de
controlar o pagamento
das taxas e o fluxo da
exploração e do co-
mércio dos diamantes.
Tal era a função do de-
sembargador Antônio
Barroso Pereira, pai
do personagem deste
Casa principal da Fazenda da Santarém artigo, exercida até
Fonte: Wikipédia 1789. Ele também foi

186 RM3oT/2021
BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

ouvidor da Intendência dos Diamantes porque, em conjunto, faziam oposição


(fiscal), de 1782 até 1786, ano em que, aos sonhos de Napoleão de conquistar
nomeado por Dona Maria I, rainha de toda a Europa.
Portugal, assumiu o cargo de intendente, Naqueles tempos, não havia Academia
sendo seu o oitavo ocupante. da Marinha no Brasil. Nossa Escola Naval
somente foi criada em 1808, com a vinda
INÍCIO DA CARREIRA EM de D. João VI e da Corte para o Brasil.
PORTUGAL Com justo orgulho, este autor mencio-
na que pertence à Turma do Sesquicente-
Barroso Pereira, conforme afirma o nário da Escola Naval – Guardas-Marinha
Barão do Rio Branco na biografia que de 1958, tendo sido, por este motivo, um
escreveu em 1861, estava destinado para dos convidados para assistir à Declaração
a Marinha. Seu pai, após regressar ao a Guardas-Marinha da Turma do Bicente-
Rio de Janeiro, enquanto se dedicava a nário, em 2008.
cuidar das terras que obtivera próximas Após ser comissionado como tenente
da fazenda do seu sogro, preocupava-se pela Marinha de Portugal, Barroso Pereira
em preparar seu filho para ser oficial da foi convocado para as lutas contra a ocu-
Marinha. Coroando esse esforço, Luiz foi pação francesa na Península Ibérica. Teve
admitido, aos 15 anos, na Academia Real participação de destaque na expulsão das
de Marinha de Lisboa. Em 1802, concluiu tropas francesas que, sob o comando do
ele seus estudos, “tendo-se distinguido por General Massena, ocupavam terras de
um talento espantoso e por uma aplicação Portugal. Naqueles tempos difíceis da
não vulgar”, conforme afirma o Barão do guerra contra Napoleão, Barroso Pereira
Rio Branco na biografia já citada. assumiu o comando de uma das canho-
Barroso Pereira teve uma passagem neiras que bloqueavam o recebimento
pela Academia da Marinha britânica. O de suprimentos pelos franceses via Rio
relacionamento da Grã-Bretanha com Por- Tejo. Essas canhoneiras foram instru-
tugal era muito grande na época, não só mentos importantes para as vitórias das
pelos interesses comerciais, mas também forças britânicas e de Portugal nas lutas

Frente e verso da Medalha Comemorativa do Sesquicentenário de Criação


da Escola Naval da Marinha do Brasil
Acervo do autor

RMB3oT/2021 187
BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

pela cidade de Santarém e seu entorno, obtida nos embates contra a Marinha fran-
próxima de Lisboa. cesa. Participando das ações da Esquadra
Sofrendo vários reveses, as tropas fran- portuguesa nas lutas no sul do país, Barro-
cesas iniciaram sua retirada de Portugal so Pereira destacou-se por sua tenacidade,
a partir de março de 1811. A atuação das perícia e galhardia e por seu fino trato,
canhoneiras nas ações contra os franceses conforme palavras de Rodrigo Lobo. Foi,
foi muito reconhecida pelo Alto Comando então, indicado ao General Lecor para ser
da Marinha de Portugal. seu representante junto aos dirigentes de
Buenos Aires nas negociações para o fim
REGRESSO AO BRASIL do conflito, que foram bastante espinho-
sas. De oficial da Marinha a diplomata!
Solucionado o impasse das lutas contra E dessa missão saiu-se, mais uma vez, de
Napoleão na Península Ibérica, Portugal forma impecável. Permaneceu no Sul do
pôde se dedicar com mais afinco aos pro- Brasil até as vésperas da declaração da
blemas militares nos territórios no Novo Independência, quando, já estando no Rio
Mundo. Em 1816, enviou tropas para o de Janeiro, aderiu na primeira hora à sepa-
Brasil sob o comando do General Carlos ração de Portugal. O imperador D. Pedro
Frederico Lecor, embarcadas na Esqua- I, ciente da necessidade de fortalecer a
dra portuguesa, comandada pelo Chefe Marinha em formação, contratou oficiais,
de Divisão Rodrigo José Ferreira Lobo. na sua maioria ingleses, que comandaram
No País, ocorriam conflitos relacionados seus principais navios e designou oficias
com a Província Cisplatina, que, além de brasileiros natos para os demais cargos
Brasil e Portugal, envolviam a Argentina importantes. Desta forma, Barroso Perei-
e a região do atual Uruguai. ra, com duas experiências de guerras na-
Nosso herói teve, então, a oportunidade vais, foi designado segundo comandante
que tão ansiosamente aguardava: voltar (imediato) da Fragata Nictheroy, sob o
à sua pátria natal para prestar serviços comando de John Taylor, oficial oriundo
ao Brasil. E já com bastante experiência, da Marinha britânica.

Fragata Nictheroy
Fonte: Wikipédia

188 RM3oT/2021
BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

A Fragata Nictheroy pertenceu à Ar- sido convocado. Diante do líder Mano-


mada do Portugal, com o nome de Fragata el de Carvalho Paes de Andrade e de
Sucesso, antes de aderir à Independência. demais apoiadores da revolução, apesar
Por caprichos da História, o imediato de estar só, não tergiversou. Mostrou de
Barroso Pereira e o voluntário a guarda- forma desassombrada aos revoltosos que
-marinha Joaquim Marques Lisboa (futuro aquela atitude em nada contribuía para a
Marques de Tamandaré e Patrono da Independência e que as ações do Governo
Marinha), um dos seus bravos tripulantes, Imperial visavam manter o Brasil isento
estiveram juntos na Fragata Nictheroy, de divisões internas que abalassem a sua
lutando contra os portugueses pela inde- integridade territorial.
pendência do nosso país. Podemos fazer
apenas uma ideia dos ensinamentos que SEU ÚLTIMO COMANDO
o experiente imediato terá passado para o
então jovem tripulante. Concluída a missão em Recife, Barroso
A bordo da Fragata Nictheroy, Bar- Pereira partiu para o Pará, onde assumiu o
roso Pereira participou do bloqueio do comando para o qual havia sido designa-
porto de Salvador e da perseguição da do, seguindo, posteriormente, com a Fra-
frota portuguesa até a foz do Rio Tejo, gata Imperatriz rumo ao Rio de Janeiro.
regressando a fragata ao Brasil com várias Mal havia atracado, teve já um novo
presas de valor, tomadas às forças navais encargo. Foi enviado ao Sul do Brasil,
de Portugal. Teve ainda, em razão da sua onde ocorriam novas lutas, agora com a
passagem pela Academia Naval Britânica, Argentina, envolvendo mais uma vez a
a oportunidade de servir como intérprete região do atual Uruguai, então Província
para o Comandante John Taylor, princi- Cisplatina do Brasil. Seguiu para Monte-
palmente perante a tripulação. vidéu na Força Naval Imperial, coman-
Chegando ao Rio de Janeiro vitorioso, dando a Fragata Imperatriz.
John Taylor manifestou-se de forma alta- A Esquadra brasileira ficou fundeada
mente elogiosa a respeito do seu imediato, ao largo do porto de Montevidéu, dando
o que levou o imperador a conceder a uma demonstração de força diante da
Ordem do Cruzeiro a Barroso Pereira, incipiente Armada argentina de então,
jovem com menos de 40 anos de idade. que naquela época se valia mais de
Foi também, meritoriamente, nomeado atividades corsárias. Os comandantes
comandante da Fragata Imperatriz, que se dos navios argentinos realizavam ações
encontrava no Pará, tornando-se um dos esporádicas, por saberem que não po-
primeiros oficiais da Marinha Imperial deriam enfrentar frente a frente a Força
nascidos no Brasil a receber encargo de Naval brasileira. Conforme relata ainda
tal responsabilidade. Rio Branco, Barroso Pereira considerava
Antes de ir para o Pará, passou, ainda, que deviam ser tomadas ações decisivas
por Pernambuco, a bordo da Fragata pela nossa Esquadra.
Nictheroy, no bloqueio do porto do Re- Embora esperasse uma ação mais
cife. Nessa ocasião, realizou mais uma enérgica da parte do comandante da
missão “diplomática”. Por designação Força Naval do Brasil (ainda segundo
do Comandante John Taylor, reuniu-se Rio Branco), Barroso Pereira cumpriu
com os revoltosos da Confederação do fielmente suas determinações, permane-
Equador, no Conselho Geral que havia cendo fundeado bem próximo ao porto,

RMB3oT/2021 189
BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

juntamente com a Fragata Nictheroy, que deixando cerca de dez marinheiros que
estaria em “fabrico” (expressão usada estavam sob seu comando e que morreram
por Rio Branco), possivelmente fazendo na indigitada empreitada.
algum reparo ou manutenção. Barroso Pereira, abatido em comba-
Em 24 de abril de 1826, o Almirante te, com a valentia e o desassombro que
Brown, oficial britânico, adentrou ao por- demonstrara em toda a sua vida, tanto na
to, seguido de outros navios da Esquadra Marinha de Portugal quanto na Marinha
argentina, sob seu comando. Como a For- do Brasil, passou para a História como
ça Naval do Brasil estava a uma distância exemplo edificante de dedicação, até o
que não lhe permitia controlar com eficá- sacrifício da sua própria vida.
cia a entrada e a saída do porto e tendo a
ação se desenrolado na madrugada, com CONCLUSÃO
o propósito de despiste e surpresa, foi o
oficial de quarto da Fragata Imperatriz No infeliz episódio da tentativa frus-
quem deu o sinal de “navio à vista”, pelo trada de sequestro da Fragata Imperatriz,
que seus tripulantes foram colocados em perdeu-se também um dos comandantes
“postos de combate”. pioneiros da Marinha do Brasil, no ápice
Próximo à meia-noite, os navios argen- da sua experiência em combates, aos
tinos, liderados pela Corveta Veinte y Cin- 40 anos de idade. O Capitão de Fraga-
co de Mayo, abriram ta Barroso Pereira,
fogo contra a Fraga- que tombou lutan-
ta Imperatriz. A in- Dando exemplo de luta, do por sua pátria,
tenção do Almirante por certo teria um
Brown era abordar a Barroso Pereira ficara de futuro promissor
Fragata Nictheroy. pé, liderando a resistência. na recém-formada
Desejava capturar o Até que, atingido Marinha do Império
navio e incorporá-lo do Brasil, mercê do
à Armada argenti- mortalmente, deu as últimas seu preparo, de sua
na. Mas tudo indica ordens de manter o fogo grande experiência,
que se confundiu de apesar de novo, e de
alvo e, mais ainda, sua bravura.
que não contava com a pronta reação da Junte-se a tudo o que foi dito o fato
Imperatriz e de sua tripulação. Foram marcante de o nosso herói estar entre um pe-
infrutíferas as tentativas de abordagem. queno número de brasileiros natos com que
A resistência da Fragata Imperatriz Armada do Brasil contava naqueles tempos
impediu a sua captura, mas a custo da vida idos, no início da consolidação do Império,
de um marinheiro e do seu comandante. quando boa parte dos oficiais da Marinha
Dando exemplo de luta para todos, Bar- era de origem portuguesa ou inglesa.
roso Pereira ficara de pé, liderando a re- Uma breve síntese da história de
sistência. Até que, atingido mortalmente, Barroso Pereira pode ser apresentada na
deu as últimas ordens de manter o fogo. sequência seguinte:
A Esquadra brasileira, ouvindo os tiros − quando criança, em Minas Gerais,
de canhão, suspendeu. Esta movimentação três anos;
fez com que o Almirante Brown abando- − estudo e preparação para a Marinha,
nasse a luta, fugindo com seus navios, mas no Rio de Janeiro, 12 anos;

190 RM3oT/2021
BARROSO PEREIRA − Herói mineiro da Marinha do Brasil

Bento Barroso Pereira CF Luiz Barroso Pereira


(Wikipédia) (Nomar-1988)

− Academia Naval e lutas na Marinha Com relação à fisionomia do nosso


em Portugal,15 anos; herói, o autor deste ensaio não obteve
− lutas e pacificação no Sul do Brasil, nenhuma outra imagem além da que é mos-
cinco anos; e trada aqui: com o Uniforme da Marinha do
− lutas pela Independência na Fragata Brasil, colocada lado a lado com foto de seu
Nictheroy, comando da Fragata Imperatriz irmão, Bento Barroso Pereira − observa-se
e combate final no Sul, cinco anos. que são muito parecidos.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<NOMES>; Vultos Navais;

BIBLIOGRAFIA

Biografia do CF Luiz Barroso Pereira, Barão do Rio Branco, 1861.


Nomar 451, set/1988, CF Barroso Pereira.
Vale dos Calçados, História da Fazenda Santarém, Pedro Viana Born, 2011.
Os Diamantes do Brasil, David Rabello, Wikipédia.
Familiares de Barroso Pereira – Wikipédia.
De Arraial do Tejuco a Diamantina – Jornal A Voz da Serra da cidade de Nova Friburgo, RJ.
Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil, Augusto de Saint Hilaire. Tradução de
Leonam de Azevedo Pena, 1941.
A Última Campanha Napoleônica contra Portugal, José Custódio Madaleno Geraldo (oficial do
Exército de Portugal).
O Erário Régio e a Real Extração de Diamantes, Júlio Pereira Furtado.

RMB3oT/2021 191
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS
NAVAJOS

Faça com que seus planos sejam obscuros e impenetráveis como a noite
e quando se mover caia como um relâmpago.
Sun Tzu

JOÃO VICTOR NUNES DE SOUSA*


Engenheiro

SUMÁRIO

Introdução
Criptografia, Códigos e Cifras
A escolha do idioma Navajo
Preparação para o combate
Entrando em ação
Legado
Conclusão

INTRODUÇÃO em especial aos inimigos dos que trocam


as mensagens, afinal, num conflito, um

A comunicação sempre foi e ainda é


fundamental para que governantes
dirijam seus países e generais coman-
general inimigo teria enorme vantagem
sobre outro conhecendo sua situação de
estoque de munições, posicionamento
dem suas tropas com eficiência. Tão de tropas e planejamentos futuros, assim
importante quanto manter canais de co- como um país levaria enorme vantagem
municação eficientes é fazer com que as sobre outro se tivesse acesso às suas
mensagens que circulam pelos mesmos comunicações diplomáticas e estratégias
sejam inacessíveis ao grande público, comerciais.

* Mestre e Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Campina Grande (PB). Perito
Criminal da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

Esse medo de que comunicações si- e contribuindo para a vitória americana


gilosas chegassem às mãos inimigas fez naquele conflito.
com que surgissem técnicas de mascara-
mento das mesmas por meio de códigos CRIPTOGRAFIA, CÓDIGOS E
e cifras, que transformavam, quase que CIFRAS
magicamente, mensagens perfeitamente
entendíveis em monstros linguísticos, sem O termo criptografia é derivado das
qualquer nexo, sendo essas mensagens palavras gregas kriptos, que significa
entendidas apenas pelo destinatário. “oculto”, e graphein, que significa “escre-
Ao longo dos séculos, códigos e ci- ver”, podendo então ser entendido como
fras eram criados, dando uma segurança “escrita oculta”. De fato, a criptografia
temporária às comunicações, mas eram, tenta ocultar o significado da mensagem,
depois de algum período, quebrados pelos não a existência da mesma, por meio de
inimigos dos que se correspondiam. Esses um processo chamado encriptação. Na
últimos criavam então novos códigos e prática, a encriptação consiste em mistu-
cifras mais difíceis de serem quebrados rar a mensagem seguindo um protocolo
e entravam em um ciclo que se mantém específico, só conhecido pelo emissor e
até hoje. O importante nesse ciclo é que pelo receptor.
há um período, curto ou longo, em que o Um código pode ser definido como um
código e a cifra são efetivos, ou seja, em protocolo de substituição de uma palavra
que o conteúdo das mensagens trocadas ou frase ou, de forma mais geral, de uma
de fato é secreto [1]. mensagem por uma palavra, uma frase,
No âmbito militar, surgiu a ideia de um número ou um símbolo desprovido
usar como código para comunicações de correlação com o significado real da
sigilosas idiomas muito específicos, com mensagem. Um exemplo de código seria
poucos falantes e que fosse virtualmente a substituição das palavras “ataque” por
fora do alcance e conhecimento do inimi- “sol” e “recue” por “lua”. Para quem des-
go. Os indivíduos que eram empregados conhece o protocolo do código, que estaria
nessa estratégia de comunicação ficaram descrito em um livro-código, a mensagem
conhecidos como code talkers (em portu- não teria o menor sentido.
guês, “falantes em código”). Alternativamente aos códigos, existem
O uso oficial dos code talkers foi as cifras, que são mais usuais e flexíveis.
iniciado, mesmo que de forma bastante Na cifragem, as letras da mensagem são
limitada, na Primeira Guerra Mundial, substituídas por outras letras ou símbolos,
em que americanos usaram índios nati- que juntos são desprovidos de sentido.
vos do seu território para codificar men- Para execução de uma cifragem, define-
sagens trocadas por rádio ou telefone, -se um protocolo de mistura (algoritmo)
sendo a tribo Choctaw pioneira nessa e como esse protocolo será usado (chave
ação. Porém a aplicação mais maciça de cifragem). Para decifrar a mensagem,
e marcante dessa estratégia se daria na é necessário conhecer tanto o algoritmo
Segunda Guerra Mundial, no teatro de quanto a chave. Um exemplo de cifra
operações do Pacífico, onde americanos simples seria a substituição de cada letra
utilizaram índios Navajo para codificar da mensagem por uma letra algumas
suas mensagens [2], ajudando a mudar posições à frente da mesma no alfabeto
o rumo de cada batalha naquelas selvas (algoritmo), sendo, no nosso exemplo, a

RMB3oT/2021 193
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

quantidade de posições de avanço igual a 1 safio real para os criptoanalistas aliados.


(chave): “ataque” se tornaria “BUBRVF” Na verdade, se as máquinas de cifragem
e “recue” se tornaria “SFDVF”. tivessem sido usadas de forma adequada,
A eterna batalha na ciência da cripto- sem chaves repetidas, sem mensagens
grafia consiste, então, na criação constante padronizadas e sem restrições nos seus
de códigos e cifras mais fortes (mais difí- ajustes, possivelmente não seriam deci-
ceis de serem quebrados) e, em paralelo, fradas durante a guerra. Um exemplo de
na tentativa de terceiros em decodificar e cifra que foi usada de forma correta e não
decifrar os mesmos. foi decifrada durante a Segunda Guerra é a
SIGABA, que foi usada pelos americanos
A ESCOLHA DO IDIOMA até meados dos anos 50.
NAVAJO Entretanto, mesmo dispondo de um
sistema de cifras robusto e seguro, os
Enquanto os criptoanalistas britânicos comandantes militares se viam com um
quebravam a cifra da máquina alemã grande problema: o uso das máquinas de
Enigma e alteravam dramaticamente o cifragem era extremamente lento. As men-
curso da guerra na Europa, seus aliados sagens militares eram majoritariamente
norte-americanos estavam envolvidos em transmitidas via rádio, que era um meio
acontecimentos igualmente relevantes no rápido de comunicação, porém tinha a
Pacífico ao decifrarem a cifra japonesa, desvantagem de ter seu tráfego facilmente
conhecida como Púrpura (Figura 1). captado pelo inimigo, demandando que
Embora as cifras alemãs e japonesas fosse feito algo para “embaralhar” as
acabassem sendo quebradas depois de al- mensagens (ou, em termos mais técnicos,
gum tempo, elas forneceram um relevante cifrá-las/codificá-las) e torná-las inúteis
nível de segurança para as comunicações para os inimigos, porém perfeitamente
ao serem implementadas, sendo um de- inteligíveis e úteis para suas tropas1. A

Figura 1 – Máquina de cifragem japonesa Datilógrafo Alfabético ‘97 ou, como foi apelidada pelos norte-
americanos, Púrpura, fechada (à esquerda) e com seu mecanismo interno exposto (à direita). Fonte: [3]

1 Vale destacar que transmitir comunicações sigilosas em inglês estava totalmente fora de cogitação, visto que
esse idioma era amplamente conhecido pelos japoneses, italianos e alemães, que dominavam inclusive
os regionalismos e as gírias, pois muitos dos seus oficiais estudaram em universidades americanas antes
da Segunda Guerra Mundial.

194 RMB3oT/2021
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

mensagem tinha que ser datilografada Após levar sua ideia ao Camp Elliott,
na máquina de cifragem, letra por letra. base dos Fuzileiros Navais em San Die-
O texto cifrado, então, era anotado, letra go, Califórnia, Johnston realizou uma
por letra, e transmitido, letra por letra, magnífica demonstração da eficiência do
pelo operador de rádio. Por sua vez, outro método de comunicações que ele sugeria,
operador de rádio recebia a mensagem e foi então aprovado um projeto-piloto
cifrada e a anotava cuidadosamente, letra baseado em sua ideia.
por letra, e a passava para o especialista O primeiro passo do projeto-piloto era
em cifras, que a datilografava na máquina a seleção da tribo indígena nativa ameri-
de cifragem, letra por letra, decifrando-a. cana mais apta para a tarefa. Os requisitos
Esse processo exigia considerável tempo, básicos eram que a tribo pudesse fornecer
além de um espaço mínimo adequado para grande quantidade de homens que fos-
o uso da máquina de cifras, não sendo sem fluentes em seu idioma nativo e em
problema para os centros de comando a inglês (falado e escrito) e que o idioma
bordo de navios ou quartéis, mas sendo da tribo fosse totalmente desconhecido
totalmente inviável para os ambientes por alemães, italianos e japoneses. Em
hostis e dinâmicos das selvas do Pacífico. uma pré-seleção, foram escolhidas qua-
A solução para tro tribos: Navajo,
o problema estava Sioux, Chippewa e
surgindo no início A língua Navajo equivalia Pima-Papago.
de 1942, quando Ao final, a gran-
o engenheiro civil a um código secreto e de escolhida foi a
Philip Johnston co- podia ser utilizada para tribo Navajo, com
meçou a formular sua língua de mes-
um sistema de có-
comunicações militares mo nome. O Navajo
digos baseado na rápidas e seguras era a língua ideal,
língua indígena Na- visto que era muito
vajo. Johnston era complexa, comple-
filho de um missionário e cresceu nas tamente incompreensível para todas as
reservas indígenas Navajo, no estado outras tribos americanas, não tinha raiz,
americano do Arizona, sendo uma das nem similaridade estrutural com línguas
poucas pessoas fora da tribo a dominar europeias ou asiáticas, sendo totalmente
o seu idioma. Johnston imaginou que incompreensível também para esses
um idioma indígena nativo americano povos e não tinha forma escrita2. Outro
seria um sistema de códigos ideal, em ponto importante era de que essa tribo
que cada unidade americana no Pacífico não recebera visitas de estudantes de An-
poderia usar um par de índios para prover tropologia alemães nos últimos 20 anos,
comunicações seguras via rádio. Para se como ocorrera com outras tribos, sendo
ter ideia, uma mensagem de três linhas que sua língua, então, totalmente inacessível
antes levava cerca de 30 minutos para ser às potências do Eixo. De fato, a língua
transmitida de forma criptografada podia Navajo equivalia a um código secreto e
ser repassada em apenas 20 segundos poderia ser utilizada para comunicações
usando os Navajos. militares rápidas e seguras.

2 Atualmente o idioma Navajo possui uma forma escrita difundida e é falado por cerca de 170 mil pessoas.

RMB3oT/2021 195
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

PREPARAÇÃO PARA O em Navajo) se tornaria “avião de caça”;


COMBATE lo-tso (pronúncia de “baleia” em Nava-
jo), “encouraçado”; e assim por diante.
Mesmo o nativo americano sendo um Esse dicionário continha inicialmente
povo inferiorizado na década de 40 nos 274 palavras e fora ampliado para 508
Estados Unidos da América (EUA), não palavras no transcorrer da guerra.
foi difícil encontrar uma grande quantida- Mesmo com o dicionário, havia ainda
de de candidatos a code talkers Navajos. a necessidade de se traduzirem nomes me-
A primeira turma de Navajos no curso nos usuais e previsíveis, tais como nomes
de comunicações militares do Corpo de de lugares e pessoas. Para isso, foi criado
Fuzileiros Navais dos EUA foi formada um alfabeto fonético para soletração
quatro meses após o ataque japonês a (Figura 3). Por exemplo, “Guam” seria
Pearl Harbor (7 de dezembro de 1941), soletrado em inglês como goat (cabra),
composta por 29 indivíduos (Figura 2). ute (tribo), ant (formiga), mouse (rato),
Um dos problemas que tinham de sendo codificado em Navajo como klizzie,
ser resolvidos antes de se adotar o uso no-da-ih, wol-la-chee, na-as-tso-si.
do idioma Navajo como código para Visando dificultar uma eventual que-
comunicações residia no fato de não bra do código Navajo pelos japoneses,
existir em Navajo palavras ou expres- os americanos fortaleceram o alfabeto
sões equivalentes aos modernos termos fonético de soletração criando homófonos.
militares. Os militares americanos, Por exemplo, a palavra “Saipan” seria
com ajuda dos índios, montaram então soletrada com repetição do termo Navajo
um dicionário que relacionava termos equivalente ao “a”, que seria wol-la-chee,
Navajos com palavras/expressões in- o que permitiria aos japoneses deduzir que
glesas de referências militares. Assim, aquele som repetido poderia corresponder
Da-he-tih-hi (pronúncia de “beija-flor” ao som de uma letra repetida. Com uma

Figura 2 – Primeira turma de code talkers Navajos. Na foto há três instrutores não-indígenas. Fonte: [4]

196 RMB3oT/2021
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

análise de frequências3 bem feita, seria poderia ser soletrado também como apple
possível, em algum tempo, deduzir todo (maçã) ou axe (machado), ou, em Navajo,
o alfabeto fonético codificado. Assim, os be-la-sana e tse-nihl, respectivamente.
americanos introduziram homófonos para Isso dificultava, ou mesmo inviabilizava,
letras mais comuns; por exemplo, “a” a análise de frequências.

Figura 3 – Página da apostila de treinamento em comunicações militares usada pelos Navajos. Fonte: [5]

3 Análise de frequências é uma técnica utilizada por criptoanalistas que pode ser definida, de forma simplificada,
na correlação dos percentuais de aparições das letras do texto criptografado com os percentuais médios
de aparições das letras em textos de um determinado idioma. Por exemplo, se sabemos (ou supomos)
que o texto criptografado está em inglês e verificamos que o termo “wol-la-chee” consiste em 8% das
aparições em uma mensagem longa ou em um conjunto de mensagens curtas, podemos supor com
razoável certeza que ele se refere à letra “a”, que consiste em 8% das aparições em textos em inglês.
A análise de frequências foi criada no século IX pelo cientista e filósofo árabe Abu Yusef Ya’qub ibn
Is-haq as-Sabbah ibn omran ibn Ismail al-Kindi.

RMB3oT/2021 197
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

Após oito semanas de curso,


formou-se a primeira turma de
militares Navajos, que memo-
rizaram todo o dicionário e o
alfabeto fonético para soletração,
dispensando a necessidade de
uso de livros-código no campo
de batalha. Os Navajos tinham
excelente memória, visto que seu
povo não tinha linguagem escrita,
fazendo com que essa qualidade
fosse uma característica comum
entre eles. Enfim, os Navajos
estavam prontos para o combate.

ENTRANDO EM AÇÃO Figura 4 – Fuzileiros americanos descansando na selva de


Guadalcanal. Fonte: [6]

Os Navajos fizeram
seu batismo de fogo jun-
to à Primeira Divisão
de Fuzileiros, em 7 de
dezembro de 1942, na
invasão americana de
Guadalcanal, uma das
Ilhas Salomão, na época
colônia britânica (Figura
4). Rapidamente, cam-
panha após campanha,
os Navajos mostravam
eficiência no desem-
penho de suas funções Figura 5 – Militares Navajos operando rádio na Ilha de Bougainville, hoje
território de Papua-Nova Guiné. Fonte: [4]
(Figura 5). Mensagens
eram transmitidas com velocidade e clare- conhecidos por serem extremamente
za, além de serem consideradas imunes a calmos, mesmo sobre condições críticas,
falsificações. Os japoneses não conseguiam como em um ataque inimigo4, errando
sequer transcrever os sons produzidos pouquíssimo em suas transmissões. Além
pelos Navajos, quanto mais reproduzi-los. disso, em prol do cumprimento do dever
Toda a comunicação que circulava em como militares, os índios passavam por
Navajo era entendida automaticamente cima de suas próprias crenças. Os Navajos
pelos americanos como autêntica. acreditavam que os espíritos dos mortos
Há que se destacar a postura dos mi- habitavam o local de sua morte até que
litares Navajos diante da batalha. Eram uma cerimônia fosse realizada no corpo.

4 Vale ressaltar que operadores de rádio, como os code talkers Navajos, oficiais e socorristas eram alvos prefe-
renciais nos ataques japoneses. Esses militares corriam um risco de morte maior que o restante da tropa.

198 RMB3oT/2021
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

Enquanto isso não acontecia, o local onde cifrar alguns códigos usados pelos america-
esse corpo se encontrava era tido como nos, mas não avançaram nada na quebra do
impuro. Obviamente, as condições de código Navajo. Sem dúvida, podemos dizer
combate nas selvas das ilhas do Pacífico que a cultura, sob a forma de sua língua,
não permitiam enterros de imediato, e daquelas tribos isoladas nos rincões dos
muitas vezes os índios tinham que passar Estados Unidos, muitas vezes marginaliza-
longos períodos ao lado de cadáveres, das e inferiorizadas, foi fundamental para
executando suas funções, mesmo diante a vitória em muitas batalhas no Pacífico.
do desrespeito a uma tradição tribal. Os O povo americano tem uma dívida eterna
Navajos colocaram seu dever para com a com o povo Navajo (Figura 6).
pátria acima de suas tradições seculares.
CONCLUSÃO
LEGADO
Conforme exposto, o uso do idioma
Ao final da Segunda Guerra Mundial, Navajo para codificação de mensagens
foram empregados 420 code talkers Na- militares na Segunda Guerra Mundial
vajos. Seu emprego como codificadores foi fundamental para a vitória americana
militares foi definido como informação no Pacífico, impondo aos japoneses a
classificada pelo Alto-Comando ameri- surpresa.
cano. O público só foi ter conhecimento De fato, uma guerra se torna drama-
sobre sua contribuição para a vitória na ticamente mais fácil de ser vencida se
guerra em 1968 quando o código Navajo você tem pleno acesso às comunicações
foi desclassificado. Em 1982, o governo do seu adversário, conhecendo seus
americano batizou o dia 14 de agosto como planos e acompanhando em tempo real
o Dia Nacional dos Codificadores Navajos. sua situação, enquanto mantém as suas
Anos depois de findada a guerra, os próprias comunicações blindadas contra
japoneses admitiram que conseguiram de- os ouvidos do seu inimigo.

Figura 6 – Monumento em homenagem aos code talkers Navajos em Window Rock,


Arizona, EUA. Fonte: [4]

RMB3oT/2021 199
CRIPTOGRAFIA MILITAR E OS CODE TALKERS NAVAJOS

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<INFORMAÇÃO>; Código; Criptografia;

REFERÊNCIAS

[1] SINGH, S. O Livro dos Códigos. 12a edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2020.
[2] Navajo Code. Disponível em: https://navajocodetalkers.org. Acesso em: 9 de fev. 2021.
[3] Cipher Machines. Disponível em: https://ciphermachines.com/purple. Acesso em: 18 de fev.
2021.
[4] AZ Central. Disponível em: https://www.azcentral.com/story/news/local/arizona/2018/07/11/
navajo-code-talker-facts-unbreakable-code/460262002/. Acesso em: 8 de fev. 2021.
[5] Northern Arizona University Digital Library. Disponível em: http://archive.library.nau.edu/
digital/collection/cpa/id/44806. Acesso em: 22 de fev. 2021.
[6] Guadalcanal Campaign. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Guadalcanal_campaign.
Acesso em: 18 de fev. 2021.

200 RMB3oT/2021
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS
OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

OZÉIAS BRAZ DE MATTOS*


Capitão-Tenente (AFN)

SUMÁRIO

Introdução
Operações de Informação versus Operações Psicológicas
Comunicação Social versus Operações Psicológicas
Considerações Finais

INTRODUÇÃO Neste contexto é o emprego de Opera-


ções de Informação, que conquistam um

N os momentos em que há uma sen-


sação de estado de paz absoluto,
a guerra pode estar acontecendo, sem
significativo espaço de atuação, com o
principal propósito de influenciar percep-
ções, atitudes, opiniões e comportamentos
alardes, sem declarações, sem tiros ou e, consequentemente, levar o oponente
concentração de tropas, inclusive pode a destruir sua defesa com as próprias
estar voltada para a própria população mãos. Como complemento do cenário,
e em crescimento, como um câncer percebe-se que as Operações Psicológi-
imperceptível. cas (OpPsc), bem como a Comunicação

* Chefe do Departamento de Pessoal do Centro de Avaliação da Ilha da Marambaia. Orientador do Programa


de Orientação e Acompanhamento de Oficiais. Especializado em Inteligência de Estado e Segurança
Pública pela Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduando em Direito Cons-
titucional pelo Instituto Federal do Amazonas.
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

Social (ComSoc), se firmam como coad- à informação a que a humanidade está


juvantes principais desse processo. exposta (ZINOVIEV, 1996).
Em que pese a publicação EMA-335 No contexto militar, as Operações de
estar bem atualizada ao doutrinar Ope- Informação ou, em sentido mais comple-
rações de Informação, ainda aborda de to, a Guerra da Informação, não é muito
forma incipiente e bastante abstrata a forte diferente da Guerra Convencional. O que
relação entre OpPsc e ComSoc e deixa difere são as armas utilizadas, a maneira
de atribuir um papel efetivo, particular- que atinge o objetivo e, principalmente,
mente às ComSoc, demonstrando um ar pelo fato de a Guerra da Informação não
de neutralidade que deve ser repensado. ter fim, ou seja, não há razão para o agres-
A propósito, alguns estudiosos da Guerra sor cessar sua influência sobre a vítima.
da Informação, como demonstraremos, Assim sendo, os meios físicos são apenas
têm postulado pela defesa das atividades complementos. Se não precisar utilizá-los,
de ComSoc como parte importante e melhor (KRYSKO, 1999).
complementar das OpPsc e não somente Para efeito conceitual, Operações de
sendo uma ferramenta de retransmissão de Informações são definidas no EMA-335
informações ou esclarecimentos precisos. como coordenação do emprego integrado
das Capacidades Relacionadas à Informa-
OPERAÇÕES DE INFORMAÇÃO ção (CRI)1, para informar e influenciar
VERSUS OPERAÇÕES os alvos escolhidos de forma que possam
PSICOLÓGICAS impactar positivamente ou negativamente
nos objetivos políticos e militares, bem
A informação sempre possuiu uma como comprometer o processo decisório
força construtiva ou destrutiva ao longo da dos oponentes ou potenciais oponentes,
história. As nações que tinham o domínio enquanto garantindo a integridade do
na obtenção, na compreensão, no controle nosso processo (BRASIL, 2018a).
e no uso dessa ferramenta ganhavam uma É interessante observar que, em muitos
vantagem significativa (BRASIL, 2018) países, as definições são praticamente idên-
quando comparadas às suas oponentes. ticas à do EMA-335, inclusive em países
Consequentemente, o grande interesse não ocidentais, como se observa no artigo
pelo assunto, não só no meio militar, do russo Zavadsky (1996) o qual define
mas também no meio civil, vem levando que Operações de Informação são “ações
muitos pesquisadores a estudar o tema, o tomadas para alcançar a superioridade da
que tem resultado no surgimento de uma informação, garantindo a estratégia militar
diversidade de trabalhos sobre Opera- nacional, influenciando os sistemas de in-
ções de Informações com novos nomes formação do inimigo, fortalecendo e prote-
e expressões, muitos dos quais têm sido gendo os próprios sistemas de informação”
colocados em prática, principalmente (RASTORGUEV S.P.,1997).
no meio político. A preocupação sobre Em complemento, o EMA-335 esta-
o tema cresce ainda mais devido aos belece como conceito básico dentro das
avanços tecnológicos e ao fácil acesso OpInfo a CRI, a qual é representada prin-

1 Aptidões requeridas para afetar a capacidade de oponentes ou potenciais adversários de orientar, obter,
produzir e difundir informações, em qualquer uma das três perspectivas da dimensão informacional
(física, cognitiva ou lógica).

202 RMB3oT/2021
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

cipalmente pelas Operações Psicológicas ção de erros aleatórios na transferência de


(OpPsc); Ações de Guerra Eletrônica, de dados, armazenamento de informações e
Despistamento e de Ações Cibernéticas; serviços, a conexões não autorizadas a
Segurança da Informação; Destruição redes, a ao acesso não autorizado a dados
Física e Atividades de Comunicação So- fechados para fins de chantagem.
cial. As CRI guardam certas semelhanças 6. Guerra de Informação Econômica.
com os tipos de guerra de informação 7. Ciberguerra.
apresentados no livro What is Informa- Percebe-se a importância de todas as
tion Warfare?, de Martin Libicki (1995), categorias de CRI, porém, para atingir o
publicado pelo Institute for National efeito desejado, este artigo se limitará às
Strategic Studies. OpPsc e atividades de ComSoc.
Martin Libicki identificou sete formas Nesse contexto é conveniente iniciar
de guerra de informação: com o confronto do entendimento que
1. O Comando e Controle, no sentido se tem de OpPsc com o de Operações de
moderno, visa aos canais de comunicação Informação apresentada pelo EMA-335.
entre o comando e os executores e visa à O Exército Brasileiro (EB) doutrina que
privação de controle. OpPsc é “o conjunto
2. Guerra de Re- de ações de qualquer
conhecimento − a co- A maior parte dos modus natureza, destinadas
leta de informações a influir nas emo-
militarmente impor-
operandi da Guerra da ções, nas atitudes e
tantes e a proteção Informação é balizada em nas opiniões de um
das suas próprias. conquistar a opinião pública grupo social, com
3. Guerra Ele- a finalidade de ob-
trônica − dirigida e influenciar ou confundir a ter comportamentos
contra os meios de consciência do alvo predeterminados”
comunicação eletrô- (BRASIL,1999,p. 1-4).
nica (comunicações De forma análo-
por rádio, estações de radar, redes de ga, na definição do Departamento de De-
computadores). fesa norte-americano, as OpPsc são “ati-
4. Guerra Psicológica − propaganda, vidades políticas, econômicas, militares e
processamento de informações da popu- ideológicas planejadas, voltadas a países,
lação. Na forma de minar o espírito civil, organizações e indivíduos estrangeiros,
desmoralizar as Forças Armadas, deso- com o intuito de gerar emoções, posturas,
rientar o comando e a guerra de culturas. entendimentos, crenças e comportamentos
5. A guerra de hackers consistindo em favoráveis à consecução dos objetivos
ações de sabotagem contra objetos civis políticos e militares dos EUA”2.
do alvo e proteção contra eles (ações Ao estudar o tema e considerar que,
contra os militares são consideradas praticamente, a maior parte dos modus
guerra eletrônica). As ações dos hackers operandi da Guerra da Informação é
podem levar à paralisia total das redes, a balizada em conquistar a opinião pública
interrupções na comunicação, à introdu- e influenciar ou confundir a consciên-

2 Field Manual 3-53, Military Information Support Operations (Washington, DC: U.S. Government Publishing
Office [GPO], 2013).

RMB3oT/20201 203
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

cia do alvo, com o propósito de mudar Uma das formas clássicas de expressão
comportamento e impor metas que não de OpPsc é a propaganda, a qual encon-
estão entre os interesses do objeto, bem tramos largamente mencionada durante a
como a proteção contra tais influências Segunda Guerra Mundial. Assim sendo,
(KIKHTAN V. V.; KACHMAZOVA exemplificaremos, por meio de alguns
Z.N., p. 231), a tendência natural, em ocorridos no mundo, o poder destruidor
última análise, é perceber as OpPsc como que as OpPsc possuem.
viés principal da Guerra da Informação.
Desta forma, no que se refere à Guer- Suicídio da Alemanha Nazista
ra da Informação, cabe acrescentar que
esta é associada ao uso extensivo de Como era de se esperar, o povo
tecnologias da informação para alcançar alemão também sofreu com as agruras
sua efetividade e eficiência, de modo a das OpPsc, as quais não eram voltadas
impactar todas as dimensões do ambiente somente para os inimigos. Na pequena
operacional3. Assim, como se pode obser- cidade alemã de Demmin, a nordeste
var, o entendimento sobre OpPsc é muito da Alemanha, houve uma consequência
próximo à definição de OpInfo postulado notória desse tipo de operação.
pelo EMA-335. Entretanto, o conceito Em Demmin, entre 30 de abril e 2 de
de OpPsc guarda uma certa amplitude maio de 1945, ocorreu o maior suicídio
por incluir ações políticas, diplomáticas, coletivo da história da Alemanha devido
econômicas e militares. ao início da chegada do Exército Ver-

Figura 1 – Russos descobrindo alguns habitantes locais que cometeram suicídio em Demmin
Fonte: Internet4

3 BRASIL, 2018a.
4 Disponível em: http://elcadenazo.com/index.php/mayor-suicidio-masivo-la-historia-europea/. Acesso em:
10 set. 2020.

204 RMB3oT/2021
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

melho. Ao longo da guerra, a máquina Operações Psicológicas no Vietnã


de propaganda nazista se encarregou de
semear medo e repulsa sobre o Exército Durante a Guerra do Vietnã, a propa-
Vermelho, de modo que nasceu, nos ganda ganhou nova expressão. No curso
moradores, um medo descontrolado dos da guerra, surgiram as unidades de OpPsc
soviéticos. americanas (Maj David Cowan e Maj
Famílias inteiras se lançavam ao rio, Chaveso Cook, 2018), sendo amplamente
com pedras presas aos corpos, na tenta- empregadas em combinação com as For-
tiva de se afogarem todas juntas. Outros ças Especiais. Um exemplo interessante
casos, pais atiravam e matavam filhos é a intimidação irracional, cuja técnica
e esposas e logo em seguida cometiam é usar o medo do sobrenatural profunda-
suicídio. Houve autodegolações, pessoas mente enraizado na psique de uma pessoa
ateando fogo em si mesmas, famílias comum, de forma a afetar principalmente
usando venenos, entre outros terrores. seu subconsciente.
Muitos corpos flutuavam no Rio Peene Os norte-americanos praticaram “in-
ou enchiam ruas e casas. timidações irracionais com bases cientí-
Foram necessárias semanas para ficas”, em um verdadeiro laboratório de
recuperar todos os corpos e enterrá-los OpPsc em plena guerra. Por exemplo,
em vala comum. A propaganda nazista folhetos enfatizavam que os vietnamitas
atingia a psique da população alemã com mortos não seriam enterrados na terra
conteúdo diversificado. “Dizia-se que as de seus ancestrais em exatamente 49
hordas mongóis, como eram chamados dias (a comemoração dos mortos no
os russos, cortavam a língua e arranca- Vietnã). Folhetos com “ameaças celes-
vam os olhos das crianças e estupravam tiais” foram jogados nos assentamentos
as mulheres”. Essas mensagens eram onde viviam os parentes dos soldados
complementadas por testemunhos reais vietcongues caídos. Em transmissões
e outros inventados. O pânico chegou por alto-falantes, nas proximidades dos
ao ponto de as pessoas preferirem pelo vilarejos, os americanos usavam gritos
suicídio5, acreditando que era a única de horror, gritos desesperados de mulhe-
forma de escapar dos horrores. res e crianças, música fúnebre budista
A história da Segunda Guerra Mundial e gritos de animais selvagens. Para o
fornece inúmeros exemplos de OpPsc esgotamento psicológico dos comba-
realizadas pelo nazismo. Hitler acreditava tentes da Frente de Libertação Nacional
firmemente nos resultados do assunto, a do Vietnã do Sul, as transmissões altas
ponto de enfatizá-los em seus escritos e eram frequentemente organizadas para
discursos. uma determinada área durante a noite.
Paul Goebbels, ministro da propaganda Seus programas foram preparados na
nazista de Adolf Hitler, também demons- forma de apelos aos seus entes queridos
trava sua crença, e chegou a revelar o efei- “almas errantes” de partidários não en-
to desejado ao afirmar: “Nós não falamos terrados. O resultado foi um alto número
para dizer alguma coisa, mas para obter de desertores com o início da aplicação
um certo efeito” (CAPELATO, 1999). de tais métodos (KRYSKO V.,1999).

5 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52518120. Acesso em: 10 set. 2020.

RMB3oT/20201 205
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

Figura 2 – Soldado vietcongue suspeito carregando um rifle de fabricação russa, aguardando interrogatório
Fonte: Internet6

Ilha dos Condenados Assim, no curso do conflito, desde o


momento em que os argentinos desembar-
Exemplos mais próximos ao Brasil caram nas ilhas até sua rendição em menos
também ocorreram. O planejamento de de seis meses, os britânicos realizaram
Operações Psicológicas britânicas pode operação psicológica, com o propósito
ser estudado em um arquivo de 189 pági- de que seus próprios cidadãos e também
nas que contém documentos classificados a comunidade internacional apoiassem as
como ultrassecretos, sob a referência ações do Reino Unido. A opinião pública
DEFE 24/2254, os quais estão disponíveis foi influenciada, principalmente, por meio
por ter vencido o prazo do grau de sigilo7. da mídia. O governo britânico rapidamen-
O conflito anglo-argentino sobre as te conseguiu obter apoio para manter o
Ilhas Malvinas (Falklands) ocorreu em conflito (KRYSKO V.,1999).
1982. A posição estratégica da ilha foi No cenário internacional, concentrou
muito cobiçada, bem como os grandes seus esforços de propaganda principal-
depósitos de variados minerais desco- mente nos países da Organização do
bertos lá. Apesar da história dessa guerra Tratado do Atlântico Norte (Otan) e em
não se resumir a isso, as informações membros da Comunidade Britânica das
aqui apresentadas serão limitadas pelo Nações, unindo os domínios ingleses
escopo do assunto. e as antigas colônias, bem como con-

6 Disponível em: https://www.thirteen.org/blog-post/vietnam-war-questions-answered/. Acesso em: 10 ago. 2020.


7 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-40883247. Acesso em: 31 ago. 2020.

206 RMB3oT/2021
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

seguiu influenciar a Organização das Diante da situação, alguns objetivos


Nações Unidas (ONU) para condenar a das operações psicológicas da Grã-Bre-
Argentina como agressora, passando-se tanha durante o conflito foram:
por vítima. − demonstrar sua superioridade no
Ato contínuo, com o início das hosti- poder militar e total confiança na vitória;
lidades, os britânicos realizaram várias − desmotivar a convicção do sentido da
operações psicológicas táticas interco- resistência das forças argentinas;
nectadas. Foram realizadas propagandas − legitimar a rendição de militares
por meio de estações de transmissão e argentinos; e
de redes militares de rádio do Exército − intensificar a percepção, entre os
argentino, distribuídos panfletos com argentinos, de que seus líderes são irres-
mensagens de desmotivação para a tropa ponsáveis.
argentina etc. Finalmente, por meio de um poderoso
bombardeio nas po-
sições argentinas, os
britânicos demonstra-
ram claramente supe-
rioridade de fogo. Ato
contínuo, representan-
tes argentinos foram
enviados com uma ban-
deira branca ao chefe
da guarnição para lhe
dar um ultimato de ren-
dição, enfatizando que
era obrigado a salvar
as vidas de seus solda-
Figura 3 – “Soldados das forças argentinas: vocês estão completamente dos, caso contrário eles
sozinhos. Da sua pátria não há esperança ou ajuda. Vocês estão condenados
morreriam em vão, pois
à triste tarefa de defender uma ilha remota (...). Não é justo que paguem com
suas vidas pelas ambições tortuosas desta louca aventura” a ilha seria tomada de
Fonte: Internet8 qualquer forma. Como
resultado, uma guarni-
A estação de rádio inglesa Voice of ção de 1.500 militares se rendeu.
the Atlantic, instalada na Ilha da Ascen- Conforme se pode constatar, as OpPsc
são, transmitia programas para as forças têm um poder avassalador e letal. Assim,
argentinas em espanhol. Os prisioneiros deve estar presente no mais alto escalão
argentinos eram postos para falar durante e em qualquer planejamento operacional
as transmissões, testemunhando o trata- desenvolvido. Para tanto, as OpPsc, como
mento correto, digno e cortês recebido esforço principal das OpInfo, propiciam a
em cativeiro inglês. As transmissões desta um comandante atingir o efeito desejado
estação de rádio contribuíram significati- de forma mais completa e consolidada,
vamente para superar o medo de rendição pois o comportamento das Forças envol-
pelos militares argentinos. vidas é afetado.

8 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-40883247. Acesso em: 31 ago. 2020.

RMB3oT/20201 207
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

Figura 4 – Rendição de militares argentinos


Fonte: JWS9

Por outro lado, o planejamento de de- proporções, objetivos de acordo com o


fesa de OpInfo inimiga não deve ser igno- resultado desejado.
rado, uma vez que, em virtude do estágio A presença de uma infinidade de inte-
de desenvolvimento, toda a infraestrutura resses escusos, bem como o surgimento
informacional se tornou vulnerabilidade de novas tecnologias de informação
crítica que merece a devida preocupação. para manipular a opinião pública, sugere

COMUNICAÇÃO
SOCIAL VERSUS
OPERAÇÕES
PSICOLÓGICAS

Geralmente, a Com-
Soc é de particular in-
teresse para o pesquisa-
dor de OpPsc. De fato,
qualquer campanha no
campo da ComSoc pode
ser considerada como
uma miniguerra de infor-
mações e até confundida
com OpPsc, pois contém,
Figura 5 – A realidade pode ser distorcida pelo interesse
guardadas as devidas Fonte: Internet10

9 Disponível em: https://www.jws.com.br/2020/04/1982-a-rendicao-da-argentina-na-guerra-das-malvinas/.


Acesso: 31 ago. 2020.
10 Disponível em: https://me.me/i/mal-real-bom-arealidade-pode-ser-distorcida-pelo-interesse-de-867316.
Acesso em: 22 set. 2020.

208 RMB3oT/2021
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

à ComSoc o desafio para controlar as Pelo fato da comunicação de massa


atividades do adversário no ambiente de ter se tornado parte integrante da vida
informação e estabelecer tarefas que po- moderna e, na maioria das Operações
dem não se limitar em somente esclarecer desenvolvidas, a ComSoc estar presente,
ou informar (NYAKLYAEV S.E., 2000). seja para convencer a opinião pública ou
Entretanto, essa nova característica justificar o uso da Força, é importante
dificilmente é aceita por alguns teóricos de não confundir os parâmetros doutrinários
OpPsc, pois ainda existe a crença de que empregados pela Marinha do Brasil.
a ComSoc é limitada, resumindo-se a um
mecanismo de ajuste da opinião pública CONSIDERAÇÕES FINAIS
por meio de um relacionamento de con-
fiança com a sua audiência, o qual poderá Portanto, como se pode notar, ser
ser afetado se houver evidência de que ela apenas distribuidor de informação se
está tentando influenciar, em vez de infor- tornou restritivo, pois, diante da realida-
mar. Por certo, encontramos na publicação de atualmente apresentada, é primordial
doutrinária EMA-860 esta delimitação, de possuir um mecanismo de ajuste da opi-
forma que suprime totalmente da ComSoc nião pública. Assim, em tempo de paz
a tarefa de manipuladora e controladora. arriscamos sugerir que nos campos de
Em termos gerais, é possível realizar batalha das mentes floresce a necessidade
um resumo comparativo entre OpPsc e da utilização da ComSoc como comple-
ComSoc: mento das OpPsc.

Indicador OpPsc Comunicação Social


Interação com Impacto ofensivo Manter uma comunicação
o público-alvo: mutuamente benéfica.
Estabelecer uma comunicação
Mudar o modelo de comportamento bidirecional entre a instituição e
existente para obter uma vantagem
Objetivo seu público, com base na verdade,
sobre o lado oposto e controlar seu no conhecimento e na consciência
espaço de informações. plena.
Manipulação de consciência; Informar o público;
Supressão de informação;
Metodologia Construir uma reputação;
Supersaturação de informação, Identificar os interesses do público.
Substituição de fatos; entre outros.
Comentários Não obrigatório Obrigatório
Informações educacionais ou
Informações de natureza ofensiva; encorajadoras;
Público-alvo; Público-alvo;
Componentes Proteção contra-ataques de informação; Abertura à cooperação em
principais Lado agressor (geralmente informações;
desconhecido). Empresa de informações (quase
sempre conhecida).
Meios de comunicação de massa,
boatos, Internet, discursos de
palestrantes, livros, brochuras, eventos, Mídia, internet, eventos
especiais, palestrantes, encontros
Ferramentas reuniões, correspondência, encontros pessoais com público, encontros
pessoais, impacto físico (qualquer profissionais, patrocínios e outros.
meio destinado a mudar o modelo de
pensamento existente).

RMB3oT/20201 209
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA VERSÃO DAS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS

Do lado prático, a análise mostra que alguns dos fatores decisivos para a vitória
a ComSoc, de modo aprimorado, poderia são o estado/humor psicológico e o moral
perfeitamente se concentrar na contrapro- do alvo, e obviamente esses indicadores
paganda, protegendo a instituição ou inte- podem ser facilmente influenciados por
resses dela contra influências inescrupulo- atividades sutilmente planejadas, parti-
sas internas ou externas, considerando que cularmente nos dias atuais.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PSICOSSOCIAL>; Comunicação Social; Opinião Pública; Psicologia;

REFERÊNCIAS

BRASIL. Marinha. Estado-Maior da Armada. EMA-335: Doutrina de Operações de Informação,


Brasília, 2018a.
BRASIL. Marinha. Estado-Maior da Armada. EMA-860: Manual de Comunicação Social da
Marinha. Brasília, 2018b.
CAPELATO, M. H. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. In: PANDOLFI,
D. (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
KIKHTAN, V. V.; KACHMAZOVA, Z. N. GUERRA DE INFORMAÇÕES: CONCEITO,
CONTEÚDO E FORMAS BÁSICAS DE MANIFESTAÇÃO, 2010.
KRYSKO, V.G. SEGREDOS DA GUERRA PSICOLÓGICA (METAS, OBJETIVOS, MÉ-
TODOS, FORMULÁRIOS, EXPERIÊNCIA). EDITORA MINSK, 1999.
MANUAL 3-53, Military Information Support Operations. Washington, DC: U.S. Government
Publishing Office [GPO], 2013.
MARTIN, C. Libicki. What is Information Warfare? Washington, DC: Library of Congress
Cataloging-in-Publication, 1995.
NYAKLYAEV, S. E. Meios de comunicação de massa na estrutura da informação e tecnologias psi-
cológicas do conflito político-militar local. Moscou: Universidade Estadual de Moscou, 2000.
RASTORGUEV, Sergey Pavlovich. Guerra de Informação. Moscou: Editora Radio and Com-
munication, 1997.
SULEYMANOVA, Sh. S. Guerras de Informação: passado e presente, Guia de estudo para
estudantes universitários. Moscou, 2017.
ZAVADSKY, I. I. A Guerra da Informação – o que é isso? Editora Confiante, 1996.
ZINOVIEV, A. Experimento. L’Age d’Homme, 1996.

210 RMB3oT/2021
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

JADER ESTEVES DA SILVA*


Primeiro-Tenente

SUMÁRIO

Introdução
Breve apresentação histórica e da estrutura administrativa do
Tribunal Marítimo brasileiro
Competência do Tribunal Marítimo para o julgamento dos
acidentes e fatos de navegação
Funções Cartorárias do Tribunal Marítimo
Conclusão

INTRODUÇÃO viagem sem autorização para sair da Baía


de Guanabara. A Fortaleza de Santa Cruz

E m 24 de outubro de 1930, aconteceu


um incidente que teve forte influência
na reformulação da Marinha Mercante
alertou, por meio de sinais visuais, que o
navio não tinha autorização e determinou
que parassem máquinas. Como não houve
e criação do Tribunal Marítimo (TM). resposta, o Forte de Vigia, presente no
Naquele dia, final da tarde, o Paquete1 Leme, devidamente autorizado, abriu fogo
Baden, navio alemão em escala no Rio sobre o navio, forçando o seu retorno ao
de Janeiro, decidiu desatracar e prosseguir porto do Rio de Janeiro.

* Hidrógrafo graduado em Ciências Navais pela Escola Naval. Pós-graduado em Direito Militar pela Universi-
dade Estácio de Sá e em Direito Público pela Faculdade Legale. Graduando em Direito pela Universidade
Federal Fluminense (UFF).
1 Paquete era a denominação dada aos antigos navios de luxo de grande velocidade, geralmente movidos a vapor.
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

Enquanto na Alemanha o caso foi jul- geral, a competência do órgão para julga-
gado pelo Tribunal Marítimo do país, no mento dos acidentes e fatos de navegação,
Brasil foi instaurado um inquérito admi- e, por fim, suas funções cartorárias. Ao
nistrativo. Na solução, o tribunal alemão final, será feita uma breve conclusão,
constatou que os erros foram mútuos, com exposição do juízo de valor do autor
tanto por parte do comandante do paquete acerca do tema.
quanto das fortalezas envolvidas no caso.
O desenrolar dessa história provocou BREVE APRESENTAÇÃO
grande comoção nacional e internacional HISTÓRICA E DA ESTRUTURA
para com o tema, fazendo com que as au- ADMINISTRATIVA DO
toridades brasileiras voltassem seus olhos TRIBUNAL MARÍTIMO
para a importância da existência de um BRASILEIRO
órgão nacional especializado, de forma a
não ficar o Brasil à mercê das decisões de Em 21 de dezembro de 1931, por meio
órgãos estrangeiros. do Decreto no 20.829, foram criados a
Este artigo visa analisar, de maneira Diretoria de Marinha Mercante, substi-
breve, as atribuições do Tribunal Maríti- tuindo a Diretoria de Portos e Costas, e,
mo, tribunal administrativo responsável no seu artigo 5o, os Tribunais Marítimos
pelos julgamentos dos acidentes e fatos Administrativos. Porém estes últimos,
de navegação, manutenção dos registros embora previstos na legislação, não foram
gerais de propriedade e hipoteca navais efetivados, permanecendo apenas o Tribu-
e armadores de navios brasileiros e a nal Marítimo do então Distrito Federal2.
atividade cartorária, com os propósitos Hoje, a atual legislação3 prevê apenas
de disseminar e incentivar os estudos um TM, com jurisdição em todo o territó-
ligados ao Direito Marítimo, pouco rio nacional. Como consta no próprio sítio
abordado, de maneira geral, na forma- eletrônico do órgão4, é uma instituição
ção jurídica pátria. O desenvolvimento autônoma, vinculada ao Comando da
desta pesquisa contribuirá para análise Marinha, que auxilia o Poder Judiciário,
e estudo de um tema de forte impacto tendo competência para julgar os aci-
administrativo e econômico no cenário dentes e fatos da navegação marítima,
nacional e internacional. fluvial e lacustre e manter o Registro da
A metodologia utilizada foi a pesquisa Propriedade Marítima, de armadores de
bibliográfica, enriquecida com algumas navios nacionais, do Registro Especial
fontes eletrônicas, como sites, em que Brasileiro (REB) e do ônus que incidem
dados foram analisados quantitativa e sobre as embarcações brasileiras. O TM
qualitativamente, a fim de aprofundar o tem, em sua composição, sete juízes5,
conhecimento acerca dos fatos que influen- conforme explicitado a seguir:
ciam diretamente o objeto investigado.
O artigo está organizado de forma a a) Um Presidente, Oficial-General
realizar uma introdução histórica e legal do Corpo da Armada da ativa ou na
do TM, abordando em seguida, de forma inatividade;

2 Nessa época, o Rio de Janeiro era o Distrito Federal.


3 Lei no 2.180, de 5 de fevereiro de 1954.
4 Disponível em: https://www.marinha.mil.br/tm/?q=atribuicao. Acesso em: 29 out. de 2020.
5 Os juízes do TM gozarão da inamovibilidade e das deferências devidas ao seu cargo (Lei no 2.180/54, art. 148).

212 RMB3oT/2021
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

b) Dois Juízes Militares, sendo um acidentes e fatos de navegação e, ainda,


oficial do Corpo da Armada e outro realizar a manutenção dos registros gerais
do Corpo de Engenheiros da Marinha, de propriedade e hipoteca navais e arma-
ambos na inatividade; e dores de navios brasileiros e a atividade
c) Quatro Juízes Civis, sendo: dois cartorária. É necessário salientar que suas
bacharéis em Direito (um especia- decisões, por serem de cunho administrati-
lizado em direito marítimo e outro vo, podem ser reformadas pelo Judiciário,
em direito internacional público), um conforme exemplo a seguir:
especialista em armação de navios e
navegação comercial e um Capitão de RESPONSABILIDADE CIVIL.
Longo Curso da Marinha Mercante. AFRETADORA E ARMADORA
É válido ressaltar que todos os juízes DE EMBARCAÇÃO MARÍTIMA.
civis são nomeados pelo Presidente da ACIDENTE NÁUTICO. TRIBUNAL
República (PR), após aprovação em MARÍTIMO. PARECER. EFEITOS.
certame público.6 O Tribunal Marítimo é órgão in-
tegrante da administração auxiliar do
O TM atua em conjunto com a Pro- poder judiciário, com competência
curadoria Especial da Marinha (PEM), para processar e julgar acidentes e fa-
instituída pela Lei tos da navegação
no 7.642/87. Nas pa- marítima, fluvial
lavras da professora As decisões do TM, e lacustre, definin-
Eliane M. Octavia- do sua natureza
no Martins:
por serem de cunho e extensão, indi-
administrativo, podem ser cando suas cau-
Trata-se de or- reformadas pelo Judiciário sas, apontando os
ganização militar responsáveis, apli-
do Ministério da cando-lhes penas
Marinha, com atribuições na área de administrativas e propondo medidas
assessoria da alta administração naval. preventivas e de segurança para a nave-
A PEM é composta de um diretor, sete gação. Seus pareceres são suscetíveis
procuradores admitidos por concurso de reexame pelo Poder Judiciário, pois
público, advogados de ofício, servi- tem caráter relativo, não se cogitando
dores militares e servidores civis do de coisa julgada. Avaliação da culpa.
Ministério da Marinha, necessários às Novo critério. Variações subjetivas do
tarefas administrativas, consoante com standard proposto como modelo geral,
a Lei no 2.180/54 e a Lei no 7.642/87, na doutrina tradicional. Indivíduo que,
arts. 1o a 4o. A PEM subordina-se dire- na situação concreta, ou no cumpri-
tamente ao Ministro da Marinha.7 mento de seus deveres, podia dispor
de informações ou potencialidades
Logo, o Tribunal Marítimo, atuando notavelmente superiores às do homem
em conjunto com a Procuradoria Especial médio. Consoante novo critério de
da Marinha, será responsável por julgar avaliação da culpa, que tem em conta

6 MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, volume I, 2008.


7 Idem.

RMB3oT/2021 213
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

variações subjetivas do standard pro- evitar reincidência e novas ocorrências de


posto como modelo geral, na doutrina atos ilícitos8. Dessa forma, os artigos 14 e
tradicional, quando entra em jogo a 15 da Lei no 2.180/54 relacionarão uma
responsabilidade de sujeitos que dis- série de fatos que decorrem da atividade
ponham de informações, notavelmente de navegação e seus acidentes. São consi-
superiores às do homem médio, estas derados acidentes de navegação: encalhe,
devem conduzir a maior severidade colisão, naufrágio, abalroação, incêndio,
na apreciação da conduta do agente. avaria e defeitos no navio. Já os fatos da
Sentença mantida. Voto vencido. navegação seriam o mau aparelhamento
(TJRS − AC no 70001379965 − 9a ou impropriedade da embarcação para
Câmara Cível − Rel. Des. Ana Lúcia serviço, a injustificada recusa em prestar
Carvalho Pinto Vieira − j. 29.04.2002). socorro à embarcação em perigo, a má alo-
cação de carga que cause risco à navegação
ou quaisquer fatos que incorram em risco
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL a passageiros e às próprias embarcações.
MARÍTIMO PARA O A competência do Tribunal Marítimo,
JULGAMENTO DOS ACIDENTES para José Haroldo dos Anjos e Carlos
E FATOS DE NAVEGAÇÃO Rubens Caminha Gomes9, é dividida entre
competência administrativa exclusiva e
Para melhor entender como atua o TM, competência concorrente. A competên-
é necessário ter uma noção básica de sua ju- cia administrativa exclusiva se daria em
risdição, sua competência para julgamento relação a fatos ligados exclusivamente à
de acidentes e o valor jurídico dos parece- navegação, desgarrados de repercussões
res técnicos do órgão em questão. Quanto em matérias do direito civil, criminal,
à natureza da jurisdição exercida, o Tribu- comercial e administrativo, entre outros
nal Marítimo é um órgão administrativo, ramos. Quanto à competência concorrente,
autônomo e auxiliar do Poder Judiciário. o Tribunal Marítimo fica restrito a maté-
Quanto à esfera do poder, está circunscrito rias de sua competência e concorre com o
ao Poder Executivo, sendo considerado Poder Judiciário, sobretudo em casos que
órgão especializado deste poder. contemplem interesses conexos ao que
O TM possui competência para julgar compete ao Tribunal Marítimo.
administrativamente acidentes e fatos Quanto ao valor dos pareceres técni-
da navegação marítima, por meio de cos do referido órgão administrativo no
processos administrativos. Estes pro- ordenamento jurídico pátrio, cito o artigo
cessos possuem natureza sancionatória de Larissa Thomaz Coelho, publicado
e punitiva. Compete ao Tribunal definir em 2016 na Revista Política Judiciária,
circunstâncias, causas, responsáveis, bem Gestão e Administração da Justiça. Este
como a natureza e a extensão do ilícito faz um estudo da valoração de pareceres
administrativo, processando e aplicando técnicos, do Tribunal Marítimo e de sua
sansões administrativas, além de promo- influência no ordenamento jurídico pátrio10.
ver, se possível, medidas preventivas para Como resultado da forte expansão do Poder

8 Art. 72 da Lei no 2.180, de 5 de fevereiro de 1954.


9 ANJOS, Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de Direito Marítimo, FGV, Direito Rio, 1992.
10 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72609/o-tribunal-maritimo-nao-e-orgao-do-poder-judiciario-a-
-questao-da-prova-de-maior-valia. Acesso em: 4 nov. de 2020.

214 RMB3oT/2021
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

Judiciário, é possível observar um fenô- função, quando se trata da navegação em


meno globalizado de intervenção judicial águas nacionais brasileiras11:
cada vez mais presente. Essa assimetria
jurídica entre os três poderes estatais, com Pelo fato de os navios terem neces-
o Judiciário assumindo papel principal, tem sidade de navegar sob a égide de uma
levado a um aumento no número de proces- bandeira, os países que dispõem de
sos, que outrora tinham sido resolvidos de Marinha Mercante organizada criaram
maneira administrativa. A autora apresenta um órgão especial para proceder ao re-
os pensamentos de Ernani Rodrigues de gistro ou inscrição de embarcações, re-
Carvalho (2004, p 121), que afirma que gistro esse que, em consequência, lhes
essa problemática é mais qualitativa do que confere nacionalidade, nominando-as
quantitativa. Para o autor, esse aumento da e exigindo-lhes o preenchimento de
judicialização não necessariamente comi- certos requisitos.
nou em interferência efetiva do Judiciário,
uma vez que a tendência seria pela manu- Por outro lado, é importante ressaltar
tenção do atestado pelo Tribunal Marítimo, que, para proceder a qualquer tipo de re-
já que se trata de um órgão especializado gistro no Tribunal Marítimo, o interessado
na matéria. Outro doutrinador citado, deve reunir a documentação necessária
José Cretella Júnior (1994, p. 101), por específica para o tipo de registro preten-
fim, declara que cabe ao Poder Judiciário dido, pagar as custas correspondentes e
apenas a apreciação formal das decisões protocolar requerimento na Capitania dos
do Tribunal Marítimo quanto às questões Portos, Delegacia ou Agência da Marinha
relacionadas à legalidade dos pareceres do Brasil (MB), onde for domiciliado o
técnicos emitidos pelo Tribunal, sendo proprietário ou o armador ou onde for
vedada a indagação ao mérito. operar a embarcação. Estas Organizações
Militares da MB farão a inscrição da em-
FUNÇÕES CARTORÁRIAS DO barcação na Capitania respectiva ao local
TRIBUNAL MARÍTIMO e enviarão os documentos para o Tribunal
Marítimo, visando à efetivação do registro.
Para além da atividade julgadora dos Caso alguém compre ou adquira uma
acidentes e fatos de navegação, o Tribunal embarcação e não faça o seu registro no
Marítimo exerce outras atividades-fim Tribunal Marítimo, será aplicada uma
muito importantes, que são parte de sua multa, pelo próprio Tribunal, de 5 Ufir ou
função cartorária, esta designada pelo outro índice de atualização monetária que
artigo 13 da Lei no 2.180/54. Essa obri- vier a ser legalmente instituído por mês ou
gação é disciplinada pelo artigo 2o da Lei fração decorrido após o prazo fixado para
no 7.652/88, no qual se esclarece que o o registro, até o limite máximo de 200 Ufir
registro da propriedade “tem por objeto (Art. 28 da Lei no 7.652/88). Ainda assim,
estabelecer a nacionalidade, validade, vale ressaltar, segundo Biolchini:
segurança e publicidade da propriedade
de embarcações”. Nesse sentido, Moni- Estão dispensadas do registro as
que Biolchini fala da importância dessa embarcações que possuam arqueação

11 BIOLCHINI, Monique Calmon de A. “A nacionalidade no registro da Propriedade Marítima no Brasil”.


Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro, 32(1/2): 64-100. 1o/2o trim. 1989.

RMB3oT/2021 215
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

bruta inferior a 20 toneladas e as des- por sua própria natureza, transita pelo
tinadas à navegação fluvial e lacustre, mundo” (GRECCO, 2015)13. Essa resolu-
construídas no País e com arqueação ção garante o reconhecimento e a execução
bruta inferior a 50 toneladas, sendo, de hipotecas, penhores e gravames reais,
entretanto, exigida sua inscrição na passíveis de inscrição, constituídos sobre
Capitania dos Portos competente. as embarcações de navegação marítima,
nos Estados partes, porém, segundo
Dessa feita, é função do órgão central Grecco, isso só pode ser feito mediante
deste artigo a realização e manutenção dos inscrição desses institutos em um registro
seguintes tipos de registro12: que obedeça à legislação do Estado em que
a) Registro da Propriedade Marítima, esteja registrado o navio.
explicado acima como registro em que se Em notícia publicada no jornal digi-
define a nacionalidade da embarcação, que tal Petróleo Hoje14, a partir da qual são
possui o efeito da publicidade, ou seja, que baseados os próximos parágrafos, foi
garante à embarcação a validade contra analisado o acórdão do Resp 1.705.222/
terceiros; SP (2017/0065899-5)15, em que a Quarta
b) Registro de Hipoteca Naval e demais Turma do Supremo Tribunal de Justiça
ônus sobre embarcações brasileiras; (STJ) reconheceu, por unanimidade, a va-
c) Registro de Armadores; e lidade de uma hipoteca naval constituída
d) Registro Especial Brasileiro (REB). de acordo com as leis da Libéria sobre a
No que tange aos três últimos tipos de embarcação OSX-3. Essa foi a primeira
registro, vale dedicar uma parte para cada oportunidade em que o STJ enfrentou
um, em exclusividade. o tema da validade de hipotecas navais
estrangeiras no Brasil com profundidade.
Registro de Hipoteca Naval e demais Segundo os advogados Marcelo Frazão,
ônus sobre embarcações brasileiras Patrícia Winter e Daniel Becker, redato-
res da nota, entre os argumentos trazidos
Segundo a Resolução 46/213 da Orga- pelo Banco BTG, que iniciou a disputa,
nização Marítima Internacional (IMO), estava o de que não haveria no Brasil
órgão das Nações Unidas, a hipoteca naval previsão legal para reconhecer os efeitos
é uma forma de garantia de pagamento extraterritoriais de hipoteca marítima
de dívidas relacionadas ao navio ou a sua constituída no estrangeiro, exceto para
carga, principalmente, pela certeza da aquelas constituídas em países signatários
execução das medidas que asseguram essa da Convenção de Direito Internacional
quitação. Isso ocorre mesmo que o bem Privado de Havana de 1928 (Código de
dado não esteja em seu país de origem, Bustamante) e da Convenção de Bruxe-
de forma que a proteção dos direitos de las de 1926, e, ainda assim, neste rol de
crédito ganha “proporção internacional países signatários, não estaria incluída a
típica de um bem dado em garantia que, República da Libéria.

12 Disponível em: https://www.marinha.mil.br/tm/?q=perguntas. Acesso em: 4 fev. de 2020.


13 Disponível em: http://estadodedireito.com.br/hipoteca-naval1. Acesso em: 10 abr. de 2021.
14 Disponível em: https://petroleohoje.editorabrasilenergia.com.br/stj-reconhece-hipoteca-naval-
estrangeira/. Acesso em: 23 abr. de 2021.
15 Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/549846396/recurso-especial-resp-1705222-
sp-2017-0065899-5/inteiro-teor-549846405. Acesso em: 3 maio de 2021.

216 RMB3oT/2021
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

Contudo, nas conclusões contidas mente ao Tribunal Marítimo, mediante


no voto vencedor do Sr. Ministro rela- requerimento ao presidente do órgão.
tor Luis Felipe Salomão, invocou-se os Entretanto, há benefícios para quem ad-
artigos 91, 92 e 94 da Convenção das quire esse registro, que podem ser encon-
Nações Unidas sobre o Direito do Mar trados na Lei no 9.432/97. Sendo assim,
(CNUDM), que tem aplicabilidade as Empresas Brasileiras de Navegação
inquestionável tanto no Brasil, quanto (EBN) autorizadas a operar pelo órgão
Libéria, por serem signatários. Sendo competente podem requerer o registro de
assim, os dispositivos que vinculam o uma embarcação no REB, bem como as
caso “preveem a soberania dos Estados embarcações brasileiras operadas pelas
para estabelecer requisitos à atribuição Empresas Brasileiras de Navegação, exce-
de nacionalidade a embarcações, e to aquelas que estão listadas no Parágrafo
para exercer jurisdição e controle em Único do art. 1o da Lei no 9.432/97.
questões administrativas, técnicas e so- Vale ressaltar que, segundo a mesma
ciais sobre embarcações que arvorem lei, mesmo as embarcações estrangeiras
sua bandeira” (FRAZÃO, WINTER e podem ser registradas, desde que seja
BECKER, 2018). sob contrato de afretamento a casco nu,
condicionado à suspensão provisória de
Registro de Armadores bandeira no país de origem.

Primeiramente, deve-se esclarecer, ar- CONCLUSÃO


mador brasileiro é a pessoa física residente
e domiciliada no Brasil que, em seu nome Em um país continental, com longa
ou sob sua responsabilidade, apresta a extensão de costa, malha aquaviária rica,
embarcação para sua exploração comercial águas sob sua jurisdição com enorme
(Lei no 9.432/97, art. 2o, IV), isto é, aquele potencial social e energético e que tem
que, à sua custa, equipa, mantém e explora no transporte marítimo seu maior com-
comercialmente a embarcação mercante, ponente de exportação e importação,
podendo ser ou não o proprietário16. Dito é inegável a importância de um órgão
isso, note-se que a validade do Certificado especializado no tema. Assim, desde a
de Registro de Armador é de cinco anos. sua criação, o Tribunal Marítimo cresce
Sendo assim, ao aproximar-se do quinto em reconhecimento e relevância em
ano, o armador deverá solicitar a renovação âmbito nacional. Tendo em vista a sua
do seu certificado (Portaria no 53, de 1o de contribuição para garantir a segurança do
outubro de 2013, do Tribunal Marítimo). material e salvaguarda da vida humana
no mar, seja com a suspensão do tráfego
Registro Especial Brasileiro (REB) de embarcações em situação de irregula-
ridade, seja por meio de recomendações
Esse tipo de registro de embarcações é à Autoridade Marítima ou da proteção
facultativo, conforme o art. 2o do Decreto do meio ambiente aquático, o Tribunal
no 2.256/97 e pode ser solicitado direta- Marítimo, embora pouco conhecido pela

16 Disponível em: https://www.marinha.mil.br/tm/?q=perguntas#:~:text=Armador%20%C3%A9%20pes-


soa%20f%C3%ADsica%20ou,ser%20ou%20n%C3%A3o%20o%20propriet%C3%A1rio. Acesso em:
3 maio de 2021.

RMB3oT/2021 217
UM BREVE ENSAIO SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO

população, mostra sua importância e seu maior ênfase nas instituições de ensino
sucesso inegável como relevante tribunal civis e militares ligadas ao tema, o que
administrativo nacional. ensejaria ricos debates interdisciplinares,
Em virtude da imprescindibilidade do de forma que, por meio da produção
mar para nosso País, as disciplinas ligadas científica, impactariam nos processos le-
ao Direito Marítimo poderiam possuir gislativos quanto ao mar e à sua utilização.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Direito Marítimo; Marinha Mercante; Tribunal Marítimo;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANJOS, Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha Gomes. Curso de Direito Marítimo,
FGV, Direito Rio, 1992.
BIOLCHINI, Monique Calmon de A. “A nacionalidade no registro da Propriedade Marítima
no Brasil”. Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro, 32(1/2): 64-100. 1o/2o trim. 1989.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Brasília: Senado Federal, 1988.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23a edição, São Paulo: Atlas, 2010.
MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, volume I, 2008.

218 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA
MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL
E DA AMAZÔNIA*

ANTÔNIO JOSÉ DE JESUS JÚNIOR**


Suboficial (PL)

LIDIANE DE BRITO CURTO***


Advogada

SUMÁRIO

Introdução
Do Direito Universal à Saúde e ao Bem-Estar Social
A Marinha brasileira e suas atribuições subsidiárias
O ribeirinho, cidadão de direitos, humanidades
Navegação solidária: do Pantanal à Região Amazônica,
uma nobre missão
O Colosso Amazônico e os Navios da Esperança
Considerações Finais

INTRODUÇÃO alvo de uma expectativa (ESPERANÇA,


2021). Assim sendo, nutrem-se muitos

A pesar de polissêmico, o conceito de


esperança, segundo a corrente majo-
ritária do nosso vernáculo, indica: que algo
em expectativas de um mundo melhor,
uma vida melhor. O presente artigo
mostra como embarcações pertencentes à
bom acontecerá; crença de que um desejo Marinha do Brasil (MB) transformam ex-
se torne realidade; algo ou alguém que é pectativas em realidades. Tais navios são

* Publicado originalmente na Revista GeoPantanal, v. 15, n. 29, 2020. Editora UFMS. Disponível em: https://
periodicos.ufms.br/index.php/revgeo/issue/view/606.
** Supervisor da Divisão de Finanças do Centro de Intendência da Marinha em Ladário (CeIMLa), historiador,
bacharel em Direito e especialista em Direito Militar.
*** Mestre em Estudos Fronteiriços, perita da Coordenadoria-Geral de Perícias da Secretaria de Justiça e
Segurança Pública do Mato Grosso do Sul.
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

conhecidos como Navios da Esperança, DO DIREITO UNIVERSAL


que, por intermédio de seus poderosos mo- À SAÚDE E AO BEM-ESTAR
tores, levam às comunidades tradicionais, SOCIAL
conhecidas como ribeirinhas, assistências
médico-hospitalares e odontológicas, me- Os horrores da Segunda Guerra Mun-
dicamentos, vacinas e cidadania. dial trouxeram à humanidade uma nova
Como metodologia adotada, utilizou- oportunidade de mudanças em relação
-se de pesquisa aplicada, a fim da geração a conceitos como alteridade, holismo,
de conhecimento por meio de fontes solidariedade e, principalmente, huma-
documentais, com ênfase em documen- nidade. Nesse contexto, alude ao Artigo
tos públicos extraídos dos respectivos XXV da Declaração Universal dos Di-
Comandos de Força Militar. reitos Humanos:
Também recorreu-se a pesquisa biblio-
gráfica em livros, jornais, revistas impres- Todo ser humano tem direito a um
sas e eletrônicas, sites, entendimentos ju- padrão de vida capaz de assegurar-lhe,
risprudenciais, julgados, artigos jurídicos e a sua família, saúde e bem-estar,
e jornalísticos publicados, pertinentes ao inclusive alimentação, vestuário, habi-
tema proposto. Propõe-se, dessa forma, tação, cuidados médicos e os serviços
comprovar a efeti- sociais indispen-
vidade dos atendi- sáveis, e direito à
mentos em lide, com Os contornos de uma nova segurança em caso
base no que pre- de desemprego,
conizam as regras sociedade justa e doença, invalidez,
legais que versam fraterna carecem ainda viuvez, velhice ou
sobre a temática, outros casos de
com ênfase nos di- de um longo caminho a perda dos meios
reitos fundamentais ser percorrido de subsistência em
da dignidade da pes- circunstâncias fora
soa humana. de seu controle
A primeira abordagem se dá justa- (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
mente quanto aos imperativos legais e à DIREITOS HUMANOS, 1948, p.13).
missão subsidiária da Marinha brasileira.
As análises partem desde a Declaração Os contornos de uma nova sociedade
Universal dos Direitos Humanos e vão justa e fraterna, como se sabe, carecem
até os convênios que se vertem na co- ainda de um longo caminho a ser percor-
operação entre diversos entes no ato da rido. No entanto, algumas nações recep-
elaboração das mais diversas missões e cionaram as novas diretrizes em relação
seus propósitos. Em seguida, apresenta- a uma condição mínima de fatores para
-se o Navio de Assistência Hospitalar o pleno desenvolvimento das potenciali-
(NAsH) Tenente Maximiano, navio dades humanas.
lotado no Pantanal, com suas caracterís- No esteio do que preconiza as Nações
ticas operativas, capacidades e regiões Unidas, por meio do documento em epí-
de atuação. Nesse mesmo esteio segue a grafe, o Brasil, por intermédio da Carta de
apresentação dos navios de assistência da 1988, declara em seu Artigo 6o: “São direi-
região amazônica. tos sociais a educação, a saúde, a alimen-

220 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

tação, o trabalho, a moradia, o transporte, As ações de serviços que ampliam o


o lazer, a segurança, a previdência social, oferecimento de préstimos de saúde, no
a proteção à maternidade e à infância, a caso da análise deste artigo, mostram-se
assistência aos desamparados, na forma fundamentais, em função dos aspectos
desta Constituição” (BRASIL, 1988). geográficos, antropológicos, históricos e
Igualmente, não cabe apenas a dicção sociais das populações ribeirinhas. Faz-
jurídica positivando direitos; cabe a garantia -se mister esclarecer, conforme anuncia
destes, conforme doutrina o Artigo 196 da Santos (2019, p. 110):
Constituição Federal: “A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante Na etapa de promoção do direito
políticas sociais e econômicas que visem à saúde, estão as ações de prevenção
à redução do risco de doença e de outros do risco de doenças e outros agravos
agravos e ao acesso universal e igualitário de que são exemplos as campanhas
às ações e serviços para sua promoção, para prevenção da contaminação pelo
proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). vírus HIV, de prevenção de doenças
O dispositivo legal analisado é tão im- endêmicas, de vacinação etc. Na etapa
portante que, ao se verificar o que insculpe de proteção, propriamente dita, estão
o Artigo 3o da Lei 8.080/90, mudada pela o atendimento e o tratamento necessá-
Lei 12.864/2013, percebemos a responsa- rios. E na etapa de recuperação deve ser
bilidade do Estado e de suas políticas de facilitado o acesso a próteses, órteses
universalização do acesso: e demais equipamentos necessários ao
retorno para a vida em comunidade.
Os níveis de saúde expressam a
organização social e econômica do O oferecimento de possibilidades,
País, tendo a saúde como determinan- conforme visto, é vasto e amplo, carecen-
tes e condicionantes, entre outros, a do de recursos orçamentários, políticos e
alimentação, a moradia, o saneamento humanos para se efetivarem os imperativos
básico, o meio ambiente, o trabalho, a legais. Diante da garantia constitucional
renda, a educação, a atividade física, o de dever do Estado na salvaguarda dos
transporte, o lazer e o acesso aos bens direitos sociais, cabe à análise da sua efi-
e serviços essenciais (BRASIL, 2013). cácia no oferecimento de tais direitos, no
caso singular, o acesso a saúde. Para tal,
Atingir os mais diversos cidadãos e discorrem-se dois conceitos importantes: a
rincões do País necessita de ampla e con- reserva do possível e o mínimo existencial.
junta organização. Nesse diapasão, institui Os lineamentos e a construção con-
a Carta de 1988 em seu Artigo 197: ceitual da noção de reserva do possível,
segundo Sarlet e Figueiredo (2008, p.14),
São de relevância pública as ações seguem os seguintes contornos:
e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre A construção teórica da “reserva do
sua regulamentação, fiscalização e con- possível” tem, ao que se sabe, origem
trole, devendo sua execução ser feita na Alemanha, especialmente a partir
diretamente ou através de terceiros e, do início dos anos de 1970. De acordo
também, por pessoa física ou jurídica com a noção de reserva do possível,
de direito privado (BRASIL, 1988). a efetividade dos direitos sociais a

RMB3oT/2021 221
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

prestações materiais estaria sob a re- encontra fundamento. Para a formação de


serva das capacidades financeiras do uma sociedade melhor informada e parti-
Estado, uma vez que seriam direitos cipativa na gestão dos recursos públicos,
fundamentais dependentes de presta- proporcionando melhor compreensão aos
ções financiadas pelos cofres públicos. cidadãos do conteúdo do orçamento públi-
A partir disso, a “reserva do possível” co da União, cabe a todos a responsabili-
(Der Vorbehalt des Möglichen) passou dade por uma sociedade mais equitativa,
a traduzir (tanto para a doutrina majo- sem deixar de assistir aos compatriotas
ritária, quanto para a jurisprudência hipossuficientes nos saberes aqui descritos.
constitucional na Alemanha) a ideia de A teoria do mínimo existencial, tam-
que os direitos sociais a prestações ma- bém fruto do direito alemão, insculpe-se
teriais dependem da real disponibilida- em um direito fundamental, pois, sem o
de de recursos financeiros por parte do mesmo, as condições mínimas de existên-
Estado, disponibilidade esta que estaria cia e dignidade deixam de existir, sendo
localizada no campo discricionário das inclusive alvos de políticas estatais posi-
decisões governamentais e parlamenta- tivas. Tal princípio tem sua importância
res, sintetizadas no orçamento público. em virtude da criação de uma educação
ou mentalidade abrangente em relação aos
Cabe-nos abordar a questão da dispo- direitos humanos e às vicissitudes de cada
nibilidade orçamentária e financeira do área de aplicação, segundo Nunes Júnior
Estado em relação à benesse da eficácia (2019, p. 978):
plena ao direito à saúde. Tal teoria não
pode ser alvo de uso indiscriminado e A teoria do mínimo existencial (...)
sem fundamentação concreta por parte dos fortaleceu-se ao longo das últimas
agentes públicos. Nesse sentido, aponta décadas, sobretudo nos países em
Nunes Júnior (2019, p. 956): desenvolvimento, em razão do déficit
histórico na implementação dos direi-
Não obstante, embora a adjudicação tos sociais mais basilares, como saúde
dos direitos sociais seja uma questão e educação. Essa teoria é uma tentativa
que sempre estará presente, deve ser de minimizar os riscos decorrentes
ela subsidiária, residual, na medida em da teoria da reserva do possível (...)
que deve o poder público “maximizar sempre considerada um limite para a
os recursos e minimizar o impacto da implantação dos direitos sociais.
reserva do possível” (...) Para tanto,
são indispensáveis aos menos dois Por mais que haja crítica em relação à
fatores: a) controle social e jurisdicio- teoria do mínimo existencial, em especial
nal da moralidade; b) controle social e em governos que possam ver tal princípio
jurisdicional das alocações financeiras. como uma oportunidade de limitação de
investimentos em saúde, ou simplesmente
A participação de toda a sociedade e o um mínimo de investimento, conhecer
nível de conhecimento de deveres e direi- os direitos mínimos da dignidade huma-
tos são fatores preponderantes para que a na constitui um marco importante para
aplicação da teoria da reserva do possível sua ampliação e seu desenvolvimento,
seja ao máximo mitigada, relembrando lembrando ainda, conforme alude Nunes
que a sua utilização, em certas questões, Júnior (2019. p. 983), que “o mínimo

222 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

existencial dos direitos é irredutível, intan- No entendimento da Marinha, as diver-


gível, inviolável e não pode ser objeto de sas parcerias se revestem de importância
ponderações”. E mesmo diante de crises, ímpar, tendo em vista a soma de expertises
devem-se proibir retrocessos em relação que, necessariamente, vertem-se em prol
a essa conquista. do bem comum às diversas comunidades
Materializadas no que hodiernamente tradicionais que habitam as margens das
alvitram os imperativos legais, surgem principais vias fluviais do Brasil, além
as atividades da Marinha brasileira, por dos brasileiros que vivem em áreas onde o
intermédio dos navios de assistência hos- acesso se faz por meio de embarcações me-
pitalar, na consecução desta nobre missão. nores, ou até mesmo helicópteros. Desvelar
Para tanto, torna-se indeclinável entender esse país que teima em não ser notícia é a
como uma instituição pertencente às For- maior pugna que a instituição perfaz. Nesse
ças Armadas detém esse labor. sentido, salienta a Marinha brasileira:

A MARINHA BRASILEIRA Essa atividade se reveste de signi-


E SUAS ATRIBUIÇÕES ficado especial por seu caráter huma-
SUBSIDIÁRIAS nitário e por sua contribuição para o
desenvolvimento socioeconômico e a
A missão precípua da Marinha do Bra- integração nacional da Amazônia. A
sil é preparar e empregar o Poder Naval, a Asshop às populações ribeirinhas da
fim de contribuir para a defesa da Pátria; Amazônia resulta de uma parceria de
para a garantia dos poderes constitucionais sucesso entre a MB e o Ministério da
e, por iniciativa de qualquer destes, da Saúde. Este contribuindo com os recur-
lei e da ordem; para o cumprimento das sos financeiros – destinados a remédios,
atribuições subsidiárias previstas em Lei; combustíveis, manutenção dos meios
e para o apoio à Política Externa. Neste envolvidos e reposição e melhoria de
artigo, serão feitas as análises no que tange equipamentos e material permanente
às atividades subsidiárias, assim dispostas: de saúde − e a Marinha com seus
meios – navios-hospitais, helicópteros,
Art. 17. Cabe à Marinha, como tripulações e corpo médico. Os Polos
atribuições subsidiárias particulares: de Saúde a serem visitados são reava-
(...) liados anualmente pela MB e pelo Mi-
IV- Implementar e fiscalizar o nistério da Saúde, com o concurso das
cumprimento de leis e regulamentos, Secretarias Estaduais de Saúde, para o
no mar e nas águas interiores, em co- estabelecimento da prioridade de aten-
ordenação com outros órgãos do Poder dimento. A seleção das comunidades a
Executivo, federal ou estadual, quando serem atendidas em cada Polo depende
se fizer necessária, em razão de compe- do grau de dificuldade para o acesso
tências específicas (BRASIL, 1999). dos recursos de saúde desde a sede dos
municípios; dos indicadores de saúde
As missões que assistem aos ribeiri- desfavoráveis; das zonas endêmicas
nhos, além de iniciativas da força naval, de patologias infecto-contagiosas; e de
encontram em políticas públicas de saúde aspectos demográficos das localidades
fundamento para a existência, o uso e a pesquisadas, entre outros (BRASIL,
extensão dos navios-hospitais. 2017, p. 6-2).

RMB3oT/2021 223
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

Percebe-se assim a organização políti- universalização do acesso à saúde e com


ca, com fulcro nas atividades subsidiárias a capacidade operativa de seus navios, ae-
atribuídas à força naval, no interesse e ronaves, embarcações de pequeno porte e
na preocupação das ações assistenciais corpo médico, que acessam áreas difíceis,
aos sujeitos de direito em epígrafe. Além com o interesse humanitário e na atuação
da Região Norte, as atenções também se dos navios-hospitais nas áreas geográficas
convergem para a Região Centro-Oeste, do Pantanal e da Amazônia
conforme preconiza a Estratégia Nacional
de Defesa (END).
O RIBEIRINHO, CIDADÃO DE
A Marinha adensará sua presença DIREITOS, HUMANIDADES
nas vias navegáveis das duas grandes
bacias fluviais, a do Amazonas e a do A história da ocupação do interior
Paraguai-Paraná, empregando tanto na- do Brasil perfaz caminhos diversos e
vios-patrulha como navios-transporte, distintos em relação às regiões em lide.
ambos guarnecidos por helicópteros, Não nos cabe uma análise histórica mais
adaptados ao regime das águas. A pre- depurada desta ocupação para se entender
sença da Marinha nas bacias fluviais as idiossincrasias dos sujeitos de estudo
será facilitada pela dedicação do País aqui versados. As análises passarão por
à inauguração de um paradigma mul- uma abordagem a respeito do território
timodal de transporte. Esse paradigma ocupado e das características sociais.
contemplará a construção das hidrovias Os hiatos entre as políticas de assistên-
do Paraná-Tietê, do Madeira, do Tocan- cia social previstas no texto constitucional
tins-Araguaia e do Tapajós-Teles Pires. e o Brasil real demonstram a ocultação
As barragens serão, quando possível, da realidade social de muitos brasileiros
providas de eclusas, de modo a assegu- relegados à categoria de quase esquecidos.
rar franca navegabilidade às hidrovias Cabe verificar que “o território são formas,
(BRASIL, 2012, p. 71). mas o território usado são objetos e ações,
sinônimo de espaço humano, espaço ha-
Ao se inspecionar o dispositivo legal bitado” (SANTOS; SOUZA, 1998. p. 16).
acima, nota-se que, no adensamento da Os povos ribeirinhos são um bom exemplo
presença naval na região do Pantanal do aqui exposto. A ocupação dos espaços
brasileiro, fica tácita a menção ao único geográficos aqui estudados, a dificuldade
navio-hospital da região, o NAsH Tenente da presença do Estado e o status de quase
Maximiano. No entanto, ainda se depura invisíveis de seus habitantes dimensionam
do exposto que a perenidade da presença a dificuldade destes na consecução da sua
naval nas áreas de interesse nacional condição de cidadãos brasileiros, até mes-
abarca a maioria da população carente que mo em relação à sua identidade, entendida
vive à margem das grandes bacias nacio- por Goffman (1982), citado por Castro
nais, constituindo, assim, possibilidades e (2016, p.83), como:
serviços continuados, como apresentado
neste breve artigo. A identidade pessoal, assim como
Tudo isso baseia-se nas atribuições a identidade social, estabelece uma
subsidiárias da MB, em combinação com separação, para o indivíduo, no mundo
os preceitos e as políticas de acesso e individual das outras pessoas. A divi-

224 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

são ocorre, em primeiro lugar, entre os comercializarem as iscas vivas e dos


que conhecem e os que não conhecem. barqueiros para venderem o peixe.
Os que conhecem são aqueles que têm Logo, a renda familiar é baixa, não che-
uma identificação pessoal do indiví- gando, às vezes, a um salário mínimo.
duo; eles só precisam vê-lo ou ouvir Vivem precariamente com o pouco que
o seu nome para trazer à cena essa ganham e com a ajuda da Prefeitura
informação. Os que não conhecem são de Corumbá por meio da Secretaria
aqueles para quem o indivíduo é um Especial de Integração de Políticas
perfeito estranho, alguém cuja biogra- Sociais com apoio do programa “Povo
fia pessoal não foi iniciada. das Águas”, que vai às comunidades de
três em três meses, levando diferentes
A identificação do indivíduo conheci- tipos de atendimento, tais como: mé-
do como ribeirinho, fazer conhecer seus dico, tratamento odontológico, apoios
direitos e trazê-lo ao corpus social se sociais, educacionais e assistenciais,
traduzem em necessidades imperiosas. entre outros, além do apoio esporádico
Ainda de acordo com Santos e Silveira da Marinha e de ONGs.
(2006, 1998, p. 35) “são os movimentos
da população, a distribuição da agricultura, Os jovens até concluem seus estudos
da indústria e dos serviços que, juntamente na cidade, mas não se habituam ao modo
com o alcance e a de vida, e os empre-
extensão da cida- gos que encontram
dania, configuram A identificação do indivíduo são na construção
as funções do novo civil, com baixos
espaço geográfico”. conhecido como ribeirinho, salários e trabalho
Quanto às ativi- fazer conhecer seus direitos exaustivo.
dades dos ribeiri- No que tange às
nhos pantaneiros,
e trazê-lo ao corpus social comunidades ribei-
o rio é uma das se traduzem em rinhas da Amazônia,
principais formas necessidades imperiosas podemos analisá-las
de sustento destas como um ambiente
comunidades, que, complexo, envol-
em muitos dos casos, estão isoladas vendo questões naturais e socioculturais
por quilômetros de distância da cidade e o estabelecimento das relações entre os
mais próxima, não diferente do contexto homens e a natureza.
amazônico. A pesca, o turismo de pesca, Chaves (2001, p. 11) ressalta que:
a extração de iscas e a agricultura de sub-
sistência são parte do cotidiano. Estas se fundamentam no desen-
São comunidades em que o acesso volvimento de técnicas simples e
aos direitos sociais básicos depende de apropriadas ao atendimento de suas
políticas públicas locais, como vemos, necessidades prioritárias. Dentre as
conforme argumentos de Santana, Silva atividades desenvolvidas, destacam-se:
e Silva (2017, p. 247): o acesso aos recursos pesqueiros e a
produção agrícola para subsistência.
Consequentemente, essas famílias A pesca é uma prática que vem sendo
dependem do turismo de pesca para desenvolvida por séculos na Amazô-

RMB3oT/2021 225
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

nia, primeiramente pelos indígenas e, demográfica, trazendo ao Estado desafios


logo após, pelos ribeirinhos, todavia das mais diversas ordens.
sempre tomando como referência os A precisão da navegação, o preen-
hábitos da pesca indígena, aprimoran- chimento dos hiatos positivados em lei
do os utensílios e adequando-os às suas e a vida real, além de levar esperança e
necessidades de maior produção por concretude social aos cidadãos brasileiros
tempo disponível à atividade. ocupantes das diversas ribeiras das vias
fluviais, são os desafios que encontram
A relação homem-natureza guia as os navios hospitais.
dinâmicas produtivas, associadas aos
costumes locais, que passam por gerações. NAVEGAÇÃO SOLIDÁRIA:
São saberes tradicionais de extração de re- DO PANTANAL À REGIÃO
cursos naturais e locais, como os presentes AMAZÔNICA, UMA NOBRE
na fauna, no corte de madeira, na pesca e MISSÃO
no manejo de recursos naturais. Entende-
-se, também, que as práticas produtivas Segundo o Comando do 6o Distrito Na-
se encontram pautadas por uma dinâmica val (Ladário-MS), a representação naval
peculiar, e não em função das relações de na região do Pantanal brasileiro data do
produção para atender às comunidades ano de 1827. A jurisdição da MB cabe ao
ribeirinhas na Amazônia: organizações Comando do 6o DN, cuja área geográfica
socioculturais e políticas. São relações abrange os estados de Mato Grosso e Mato
de respeito ao meio ambiente e de manu- Grosso do Sul. O bioma predominante na
tenção da subsistência de seus grupos. As área é o do Pantanal.
modalidades de organização sociocultural Entre os diversos rios existentes na
das comunidades na Amazônia, em suas região, dois navegáveis se destacam: o
singularidades, criam mecanismos e Paraguai e o Cuiabá, vias percorridas pelo
práticas que visam à construção coletiva navio em questão.
de alternativas e soluções para atender às A Marinha do Brasil, secularmente
suas necessidades básicas, tendo como colaboradora com a assistência aos bra-
fundamento os conhecimentos tradicio- sileiros que ocupam o vasto território
nais (CHAVES, 2009, p.115). avaliado e em cumprimento aos preceitos
“Navegar é preciso, viver não é pre- constitucionais a fim de prestar melhor
ciso!”. A expressão, imortalizada pelo assistência, adquiriu o navio Scorpions,
poeta lusitano Fernando Pessoa e origi- efetivando, assim, mais uma etapa do
nalmente atribuída ao general romano Programa de Reaparelhamento da Força
Pompeu, demonstra-nos uma verdade a Naval. O Scorpions foi convertido e adap-
ser encarada: a vida não é precisa, não tado em navio hospitalar, sendo batizado
se podem traçar rumos e cálculos exatos como Navio de Assistência Hospitalar
na condução desta. O Brasil, um titã (NAsH) Tenente Maximiano.
geográfico, de proporções continentais, Os versos da canção Comitiva Esperan-
apresenta inúmeras realidades sociais. ça (“Nossa viagem não é ligeira (…) Não
A ocupação do território brasileiro ainda interessa onde vai dar”) (SATER, 1984),
observa diversas irregularidades de ordem executada em todo suspender1 do Tenente

1 Desencostar do cais onde esteve atracado é “desatracar”; e largar a boia onde esteve é “desamarrar ou largar”.

226 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

Localidades Consultas Consultas Procedimentos Procedimentos Medicação


Ano Vacinas
visitadas médicas odontológicas médicos odontológicos distribuída

2009 a
603 22.734 11.737 23.574 41.826 1.110.571 1.218
2020

Quadro 1 − Dados estatísticos2 de atendimento na Região Pantaneira


Fonte: Comando da Flotilha do Mato Grosso (2009 a 2020)

Maximiano, trazem uma salutar lembrança de Justiça do Mato Grosso, resultando


da missão cultural que percorreu os rios na Operação Ribeirinho Cidadão, com a
pantaneiros com o mesmo nome da música finalidade de levar assistência de saúde,
em apreço. A alusão sofre uma saudável jurídica e social de forma gratuita aos
analogia em referência à missão do navio: ribeirinhos pantaneiros.
assistir às comunidades ribeirinhas. A via- O lema do navio, “Partilhar a vida é a
gem não é ligeira e pouco importa onde vai razão deste barco”, traduz perfeitamente a
dar, a missão será cumprida, a efetividade missão da embarcação, em especial após
constitucional será concretizada. análises de seus números. A presença
As missões do navio são: intensificar as naval nos mais longínquos cenários pan-
ações de assistência cívico-social e prover taneiros traz aos seus autóctones cidadania
assistência médico-hospitalar, odontoló- e esperança, melhorando suas condições
gica e sanitária às populações ribeirinhas; de vida por meio das assistências aludidas.
conduzir campanhas de medicina preven- Os significativos números demonstram
tiva; e coletar material para pesquisas de a indelével importância desta embarcação
doenças tropicais e infectocontagiosas, na condução de políticas públicas em uma
nos rios Paraguai e Cuiabá. área geográfica de navegação difícil e de
O navio dispõe de diversos equipa- ecúmeno, porém pouco conhecida por
mentos, que possibilitam capacidade de muitos brasileiros.
atendimento médico-ambulatorial com até Ao se observar a área de atuação,
quatro médicos e dois dentistas. Isso per- percebe-se o desafio das mais diversas
mite o mínimo diário de 80 atendimentos ordens na consecução da missão do navio,
clínicos e 40 atendimentos odontológicos. em especial a logística. A organização e
Cabe salientar o apoio a resgates de pes- a prontidão da embarcação demonstram
soas, em locais de difícil acesso, por meio o compromisso e o profissionalismo da
das embarcações miúdas, orgânicas do tripulação e dos profissionais de saúde
navio, além de armazenamento e distribui- que compõem cada navegação. O Tenente
ção de medicamentos e vacinas. Desde sua Maximiano, além de assistência médica,
incorporação, já foram realizados mais de realiza distribuição de roupas, brinque-
22 mil consultas médicas, 11 mil consultas dos e material de cama, mesa e banho
odontológicas e mais de mil vacinações. para a população ribeirinha nos locais de
Além das atribuições intrínsecas ao na- atendimento. O material é proveniente de
vio, são dignos de nota os convênios com doação da Receita Federal que foi apreen-
outros órgãos públicos, como o Tribunal dido. Seguem as regiões de atendimento:

2 Os dados e as informações a respeito dos convênios e os dados de atendimento podem ser requeridos por
meio do que preconiza a Lei 12.527, Lei de Acesso à Informação.

RMB3oT/2021 227
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

Codrasa, Volta do Mirim, Ilha Santana, Volta do Formigueiro, Volta Barros, Ilha
Miguel Henrique, Carandazal, Ilha Tira Catinga, Ilha Piraputanga, Saladeiro
Otila, Porto Manga, Estirão Cambará Ferrado, Ilha Caraguatá, Albuquerque,
Ilha Caraguatá, Porto Morrinho, Ponte Rodoviária, Porto Esperança, Volta
Acurizal, Ilha Nabileque, Passo Gaivota, Ilha Ferradura, Porto Passagem dos
Bugres, Fazenda Sapucaia, Ilha Piuval, Forte Coimbra, Fazenda Primavera,
TRAMO Estirão da Baía Verde, Passo Rebojo Grande, Ilha Santa Fé, Fazenda Bela
SUL Vista e Estância, Fazenda São Tomé, Fazenda Jassanã, Porto Vitória, Porto
Carem, Porto Clevelândia, Porto Kalipá, Fazenda Sombrerão, Fazenda Volta
Rápida, Fazenda Nu Guazu, Prox. Ilha Algodão, Hotel Americano, Hotel
Sonho de Nabileque, Barranco Branco, Volta do Genipapo, Estância Santa
Ana, Porto São Francisco, Tereré, Fazenda Chuvisquinho, Porto Conceição,
Ilha Florinda, Fazenda Tarumã, Fazenda Ilha Maria, Retiro Paraguaio, Porto
Murtinho, Fazenda Três Garras, Fazenda Flores e Ilha Santa Maria

Corumbá, Aracuã, Ilha Tagiloma, Cancha Tuiuiú, Porto Piuval, Prox.


Porto Piuval, Capim Gordura, Volta da Saracura, Fazenda Curva do Rio,
Porto Barraqueirinho, Domingos Ramos Superior, Carandazinho, Fazenda
Califórnia, Baía do Castelo, Jatobazinho, Porto Fandango, Fazenda
TRAMO Laranjeirinha, Porto Laranjeira, Corixo Baia Vermelha, Porto Santa Catarina,
NORTE Porto Quero Vê, Paraguai Mirim, Porto Tamarineiro, Porto São Francisco,
CÁCERES Choupana, Porto Coqueiro, P. São Pedro, Porto Chané, Fazenda Amolar,
Estirão Zé Dias, Volta do Ingazal, Barra de São Lourenço, Zé Dias/Itapuã,
Fazenda Acurizal, Fazenda Bela Vista, Porto Conceição, Fazenda Jatobá,
Santo Antônio das Lendas, Baiazinha, Fazenda Barranco Vermelho, Simão
Nunes, Fazenda São Matheus, Fazenda Ret Velho e Cáceres

Fazenda Boa Esperança, Porto Benica (Porto Dona Bélica), Porto Santa
Marta, Mangueiral, Fazenda 7 de Setembro, Sítio 13 de Junho, Porto Bananal,
Porto Horizonte, Porto Zé Viana, Ilha do Alegre, Porto Santo Amaro, Porto
da Fazenda São Jorge, Porto da Fazenda Recreio, casa localizada em frente
à Ilha, próximo ao Porto Jofre, Porto Jofre, Fazenda São Bento Rio Bananal,
Fazenda Camargo Carreia, Vila São João, Porto da Fazenda Exu, Porto da
Fazenda São Miguel, Pindorama ou Porto Santa Maria, Porto Santa Luzia,
Barranco Azul, Volta M. de Paula, Fazenda Natureza, Rancho Pouso do
TRAMO Mutum, Porto da Fazenda Borba, Porto São Gonçalo, próximo ao Porto São
NORTE Gonçalo, Porto Novo Paraíso, Riacho Porto Fede, Porto Cassange, Porto
CUIABÁ do Plácido, Porto São Luís, antes do Braço do Morto, depois do Braço do
Morto, Porto Biguaçal, Porto Santo, Porto Santo, Fazenda Jatobá, Fazenda
Bocaiuva, Porto ABC, Porto Jatobá, Pesqueiro Jacaré, Porto São Benedito,
Sapé Pantanal Lodge, Pesqueiro Santa Rose, Rancho Tucum, Porto das
Conchas, Porto Emiliano, Cuiabá Mirim, Porto Cuiabá Mirim, Porto da
Fazenda Flecha, Boca do Manoel Isaac, Porto Brandão ou Porto Cardal,
Estirão Comprido, Rio Piraim, Barão de Melgaço, Piúva, Croará, Fazenda
Santa Maria, Fazenda Tamandaré, Fazenda Itaici, Fazenda Itaicizinho,
Barra do Aricá, Porto Acaia, Fazenda Santa Luzia, Cooperativa Pequenos
Agricultores e Santo Antônio de Leverger

Quadro 2 − Locais de Atendimento Área Pantanal


Fonte: Comando da Flotilha do Mato Grosso, 2020

Levar dignidade ao universo de co- em prestar o melhor serviço e assistência


munidades pantaneiras é uma honrosa aos seus semelhantes, levando às comuni-
missão, realizada por uma embarcação dades atendidas alegria e satisfação com
que representa o espírito pantaneiro em sua chegada, conforme poeticamente diz
sua estrutura e por uma tripulação imbuída a música:

228 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

Onde a comitiva Esperança chega, já micas estáveis e lucrativas e da falta de


começa a festança. Através do Rio Negro, infraestrutura de saneamento básico (água
Nhecolândia e Paiaguás, vai descendo o potável e esgoto tratado). Estas condições
Piqueri, o São Lourenço e o Paraguai (…) adversas resultam numa situação precária
É que as águas chegaram em janeiro. de saúde da população ribeirinha.
Descolamos um barco ligeiro, fomos pra Os NAsH, e antes deles as corvetas
Corumbá (SATER, 1984). que a Marinha do Brasil possui na região
há mais de 40 anos, são conhecidos pelas
O COLOSSO AMAZÔNICO E OS populações ribeirinhas como os “Navios
NAVIOS DA ESPERANÇA da Esperança”. As operações assistenciais
na região amazônica tiveram início em
Conforme a história do Comando do 1984. Embarcados nesses navios, profis-
9o Distrito Naval (Manaus-AM), em 1728 sionais de saúde provenientes de outras
foi criada a Divisão Naval do Norte, com regiões do Brasil lançam-se nas barrancas
sede em Belém do Grão-Pará, de onde era dos rios da Amazônia, levando alívio a
exercido o controle do acesso de navios essa gente tão carente.
ao Rio Amazonas. Desde remota data, a Os navios-hospitais da região amazô-
presença naval na região amazônica se faz nica são: U16 – Doutor Montenegro, U18
por uma virtuosa sinergia caracterizada − Oswaldo Cruz, U19 − Carlos Chagas e
por amplas redes de solidariedade, sejam U21 − Soares de Meirelles. Os nomes das
pessoais, profissionais ou por meio de embarcações referem-se a figuras impor-
políticas de integração nacional. tantes da medicina nacional e regional.
A política naval de assistência huma- Os navios prestam atendimento às po-
nitária é empreendida de forma ampla pulações ribeirinhas por ocasião de suas
por intermédio das chamadas Operações passagens pelas localidades. A cinemática
de Assistência Hospitalar à População para tal atendimento é feita de acordo
Ribeirinha (Asshop). Em cada Asshop, com a programação estabelecida pelo
um navio atende a uma determinada Comando do 9o DN e pelo Comando da
região escolhida antecipadamente, de Flotilha do Amazonas. A bordo, há uma
acordo com uma programação feita com equipe de saúde que atua nas áreas médica
antecedência. Esta antecedência é neces- e odontológica, podendo realizar exames
sária para se preverem todos os recursos laboratoriais de análises clínicas, derma-
logísticos necessários em uma empreitada tológicos e radiológicos, além de partos
dessa envergadura. As experiências obti- vaginais, pequenas cirurgias, tratamento
das nas passagens anteriores dos navios odontológico e vacinação em larga escala.
são utilizadas no planejamento. As regiões Com a parceria entre a Marinha do Bra-
a serem visitadas são denominadas Polos sil e o Ministério da Saúde, promove-se, a
de Saúde. As Asshop são realizadas nas cada ano, atendimento aos seguintes Pólos
localidades ribeirinhas mais carentes de de Saúde: Amazonas/ Tapajós/Trombetas/
atendimento de saúde dos Polos visitados. Nhamundá/Paraná do Ramos; Juruá A;
Esta carência é resultante da distância dos Juruá B; Juruá C-Acre; Madeira; Negro/
centros urbanos da região; da inexistência Branco; Purus A; Purus B; Purus C-Acre;
de serviços de saúde, públicos ou priva- Solimões A/Japurá/Aranapu/Auti-Paraná/
dos; da falta de cultura de higiene nas Paraná do Copeá; Solimões B/Içá/Javari;
populações, da falta de atividades econô- e Xingu/Jari /Marajó/Tocantins.

RMB3oT/2021 229
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

A esperança na chegada dos navios-


CONSULTAS / -hospitais nas regiões de operação se
ANO
PROCEDIMENTOS reveste da máxima importância, pois em
muitos casos é a única forma de acesso
1996 a 2017 2.731.955 dos povos à prestação do Estado na
garantia aos direitos básicos de saúde e,
Quadro 3 − Dados estatísticos3 de atendimento na
por conseguinte, a uma vida melhor. A
Região Amazônica seguir, as regiões de atendimento, tendo
Fonte: Comando da Flotilha do Amazonas como fonte de informação o Comando
(1996 a 2017) da Flotilha do Amazonas:

Porto São Francisco, Boca do Júlio, Barreirinha de Cima, Miriti, Monte


das Oliveiras, Barreirinha, Cordeiro, Murizal, Vencedor, Boa Vista do
Boca do Pena, São Luís, Acari, Maguari, Viola, Nova Jerusalém, Boca
do Panauã, São Francisco do Bota, Pentecostal, Ponto X, Vila Cuinha,
SOLIMÕES A
Vila Murituba, Vila Tapiira II, Vila Câmara, São João do Catuá,
JAPURÁ
Vila Jutica, Vila Caimbé, Maraã, Cardoso, Canavial I e II, Abacatal/
AUATI-PARANÁ
Boa Esperança, Xauaé, Santa Fé, Macupiri, Coadi, Punã, Uarini,
ARANAPU
Porto Praia, Novo Horizonte, São João, Porto Braga, Vila Gororoba,
Nova Betânia, Cuiú-Cuiú, São Pedro, Porto Alegre, Jubará, Japurá
(Limoeiro), Altamira, Acanauí, Santa Maria do Cururu, Mamirauá,
Mamoriá, São José do Mocó, Saracura e Jutaí
Foz do Jutaí, São Sebastião, Vargem Grande, Porto Gama, São
Domingos, Miraflor, São José das Candeias, Belém do Solimões,
Umariaçu II, Sarraria São João, São Luís, Estirão do Equador, São
Pedro, Palmari, Pirapitinga, Boa Vista, Ponta Alta, Boca do Ituí,
Vendaval, Santa Rita do Weill, Nova Ressureição, Tarará do Meio,
Tarará de Baixo, Porto Alegre, Jerusalém, São José do Amparo, Santa
SOLIMÕES B
Cruz da Nova Aliança, Bela Vista, Vila Guarani, Recreio, Liberdade,
IÇÁ-JAVARI
Monte Tabor, Monte Tabor II, Boa Vista, Pinheiro ou Floresta, São
João, São Francisco, Nova Canaã, Espírito Santo, Vista Alegre, Vila
Alterosa, Pendão, Itu e Macuripe, Porto Lutador, Porto Redenção,
Baracuá, Boa Esperança, Santa Luzia, Marimari, Síria, Santa Helena,
Nova Jesuana, Boa União Moinho, Cachoeira, São Cristóvão, Rocha
Forte, São Lázaro, São José, Irari e Jaburu
Beruri, Sururá, Itapuru, Cuiuanã, Paricatuba, Supiá, Tapauá, Membeca,
Beabá, Barreirinha ou Ponta da Nova Alegria, Piranha, Porto Artur,
Jacaré, Baturiti, Nova Olinda, Boca do Tapauá, Nova Aliança, Boca do
Jari, Cassian, Seringal do Tambaqui, Ribeira, Belo Monte, Jamunduá,
Glória do Rouca, Novo Ariá, Nova Colônia, Forte Veneza, Moará,
PURUS A Seringal do Jaburu, Caburité, Canutama, Itapera, Santana do Supiá,
Tapiras, Tuiué, Frangulhão, Macapá, Santa Rosa, São Salvador,
Maguari, Boca do Cachimbo, Morada Nova, Santo Antônio, Bom
Intento, São Carlos, Jitimari, Acumã, Aimin, Maduru, Porto Alegria,
Samaúma, São Francisco, Bacadaru, Fortaleza, São Raimundo do
Curá-Curá, São João do Curá-Curá e Ilhazinha

3 Os dados e as informações a respeito dos convênios e dos dados de atendimento podem ser requeridos por
meio do que preconiza a Lei 12.527, Lei de Acesso à Informação.

230 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

Santo Antônio do Apitauá, Vista Alegre, S. José do Paraíso, Porto


Alegre, Nova Vista de Gadelha, Açaituba, Coari, Praia do Pirão,
Aracati, Fazenda Capaciny, Bom Futuro, São Clemente, Paxiuba,
Santa Cândida, Remanso, Cacau, Novo Brasil, São Francisco, Sitiá,
Realeza, Prainha, Porungaba, Pacovalzinho, Luzitânia, Materi-Poá,
Vila Limeira, Independência do Jurupuá, José Gonçalves, Vila Acima,
PURUS B
Praia do Teixeira, Santa Quitéria, São Pedro I, Sinhimbu, Santo Elias,
Fazenda Anori, Pauini, Vitória do Afogado, Tabocal, São Miguel, Serra
do Caraperi, São Pedro, Içá, Ajuricaba, Conceição, Estirão do Baturité,
Repouso Velho, Urucuri, Cana, Vista do Urucurituba, Terra Firme do
Passiá, Santa Luzia, Retiro, Maquiri, Cachoeira Hilário, Monte Sião,
Paraíso, Santa Rosa e Praia do Pirão
Floriano, Santana, Maracaju II, Santa Luzia, Santa Amélia, Remanso,
São Miguel, Campo Grande, Cachoeirinha, São Salvador, Oriental,
PURUS C Costa Rica, Bananal, Samaúma, Paissandu, Paris, Nova Andirá,
ACRE Sena Madureira, Manuel Urbano, Santa Rosa do Purus e pequenas
localidades entre Santa Rosa do Purus e Manuel Urbano, Preferência,
Porto Acre, Seringal Humaitá, Seringal do Bagaça e Boca do Acre
Pauapixuna, Seringal do Idá, Barranco Botafogo, Juruá, Arati, Forte
JURUÁ A da Graça, Joanico, Caroçal, Monte D'Ouro, Foz do Rio Meneroá, Vila
Nova e Aruajá
São Sebastião, Maravilha, Santo Antônio, Bacabal, Itamarati, Walter
Buri, Cubiu, Porto Machirichi, Porto Gaviãozinho, Porto Veneza,
Altamira, Petrópolis, Mamoal, Soledade, Soriano, Aurora, Sorte,
JURUÁ B Taititu, Caititu, Carapanã, Carauari, Idílio, Independência, Gume
do Facão, Papuiaí, Pupunha, Nova Esperança, Imperatriz, São José,
Chibauá, Pau do Alho, Eirunepé e pequenas localidades entre Eirunepé
e Envira
Mâncio Lima, Porto Walter, Santa Rosa, Santa Luzia, Katukinas,
Pucalpa, Paraná dos Mouras, Cruzeiro do Sul, Vila Lagoinha, Assis
Brasil, Nova Cintra, Rodrigues Alves, 13 de Maio, Uruburatama,
JURUÁ C
Jaburu, Marechal Thaumaturgo, Ashaninkas, Foz do Breu, Carneiro,
Boa Fé, Pixuna, Boca do Campina, Ipixuna, Reconquista, Monte
Lígia, Foz do Gregório e São Pedro
Axini, Porto Curuçá e Lago Azul, Auxiliadora, Barreiras do Tambaqui,
Porto Caiari, Porto Bom Futuro, Aliança, Itacoã, São Miguel,
Calama, Urucurituba, Pombal, São Sebastião, São Carlos, Prainha,
Congregação Galera, Amparo, Santa Maria do Boiuçu, Carvoeiro,
MADEIRA
Barcelos, Vencedor, Água Azul, Meditação, São Sebastião do Itapiun,
Cajubim, Verdun, Novo Aixinim, Aliança, Itacoã, Vila Judas, Porto
Tambaqui, Democracia, Cristo Rei, Povoação, Floresta, Canavial, São
Francisco, Civita e Santo Antônio Jamundá
Novo Airão, Camanaú, Moura, Carvoeiro, Barcelos, Santa Maria do
NEGRO/BRANCO Boiuçu, Sacai, Cantagalo, Remanso, Tucandirá, Maracaná, Acanga,
Pedro II, Panarica e Tupanaruca

RMB3oT/2021 231
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

Boim, Fordlândia, Brasília Legal, Tapari, Aveiro, Belterra, Porto


TAPAJÓS São José, Porto São Luís, Monte Tabor, Vila Canaã, São Miguel
TROMBETAS dos Macacos, Abuí, Tapagem, Cachoeira Porteira, Faro, Nhamundá,
NHAMUNDÁ Terra Santa, Vila Aracua, Bacabal, São Sebastião, Cristo Rei, Andira,
PARANÁ DO Fazenda São João Batista, Barreirinha, Terra Preta do Limão, Vila
RAMOS de Pedras, Vila São Pedro, Terra Pedro Castanhal, República São
Benedito e Boa Vista do Ramos
Curralinho, Piriá, Jarilândia, Fazenda Saudade, Vitória do Jari,
Ajuruxi, Porto Maruá, Carmelino, Tapará, Carrezedo, Nazaré, Vilarim
JARI
do Monte, Vila Nova, Vila São João, Portel, Melgaço, Vila Progresso,
MARAJÓ
Porto Brasil, Porto Capinal, Anajás, Curunau, Antônio Lemos, Porto
XINGU
São Luís, Vila Nova do Bagre, Limoeiro do Ajuru, Juaba, Carapajó,
TOCANTINS
Curuçambaba, Vila Carapajó, Baião, Itucuara, Vila do Carmo, Vila
Mojucaba, Vila Vizânia, Afuá e Chaves

Quadro 4 − Locais de Atendimento na Área da Amazônia Legal


Fonte: Comando da Flotilha da Amazônia, 2020

Tudo em relação à Amazônia toma O sujeito de direitos que frui do aten-


proporções continentais, fato observado dimento em lide possui características e
nos números de atendimentos e na região volubilidades singulares em suas necessi-
percorrida pelos navios. dades. As missões dos navios hospitalares
vão além da fria letra da lei ao levarem,
CONSIDERAÇÕES FINAIS além de atendimentos médicos, conheci-
mento e esclarecimento aos ribeirinhos
Os preceitos legais da dignidade da de seus direitos como seres humanos e
pessoa humana, todos insculpidos em lei, brasileiros, conforme políticas, convênios
instrumentalizam-se, institucionalmente, e similares.
de maneiras diversas. No caso em tela, As navegações solidárias, com seus
nota-se um meio que, mesmo desco- navios da esperança, demonstram como é
nhecido por grande parte da população possível, mesmo com baixos orçamentos,
nacional, executa de forma eficaz a mais realizar políticas públicas eficazes e per-
nobre missão humana: assistir ao próximo manentes. As atividades aqui descritas são
em proveito da vida. fruto de inúmeras reportagens, grande parte
O imperativo legal em relação ao direi- internacionais. Propicia-se ao meio acadê-
to à saúde e as atribuições subsidiárias da mico o conhecimento e a oportunidade de
Marinha do Brasil são a subsunção no to- interação junto às políticas aqui abordadas.
cante à eficácia na identificação de áreas, O profissionalismo de todos os envol-
nas regiões do Pantanal e da Amazônia, vidos faz a diferença, principalmente, em
onde os navios podem chegar, estendendo muitas ocasiões, em razão da descoberta
sua área de atuação por intermédio de de uma nova terra brasilis por jovens mé-
aeronaves e embarcações orgânicas de pe- dicas, médicos, enfermeiros e militares,
queno porte, além da garantia aos direitos que com ela se identificam e os tornam
essenciais de um número de brasileiros sensíveis ao conjunto de idiossincrasias
com deficiência assistencial. alusivas aos ribeirinhos.

232 RMB3oT/2021
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

Destarte, ao se analisarem os dados amazônicas, por meio das atividades dos


e as premissas aqui descritos, percebe- navios-hospitais da Marinha do Brasil e
-se a efetividade do direito à saúde, no da perfeita subsunção das políticas navais
contexto dos direitos humanos aplicados de interesse nacional, ao que se aplicam os
às comunidades ribeirinhas pantaneiras e ditames jurídicos e legais pátrios.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Navio de Assistência Hospitalar;
<SAÚDE>; Assistência Dentária; Assistência Médica; Assistência Social;
<PSICOSSOCIAL>; Assistência Social;

REFERÊNCIAS

AMAZÔNIA. Estudo aponta que ecossistemas de água doce da Amazônia são vulneráveis à
degradação ambiental. Disponível em: http://amazonia.org.br/2013/02/estudo-aponta-que-
-ecossistemas-de-%c3%a1gua-doce-da-amaz%c3%b4nia-s%c3%a3o-vulner%c3%a1veis-
-%c3%a0-degrada%c3%a7%c3%a3o-ambiental/. Acesso em: 23 set. 2020.
ASSEMBLEIA-GERAL DA ONU (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos (217
A). Paris. Disponível em: http://www.un.org/en/universal-declaration-human-rights/.
Acesso em: 1o set. 2020.
BLOG DA FLORESTA. Ribeirinhos. Disponível em: https://blogdafloresta.com.br/tags/ribeiri-
nhos. Acesso em: 23 set. 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência
da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm. Acesso em: 28 ago. 2020.
BRASIL. Estratégia Nacional de Defesa, Decreto no 6.703, de 18 de dezembro de 2008, Bra-
sília: Casa Civil, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Decreto/D6703. htm. Acesso em: 1o set. 2020.
BRASIL. Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no
inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição
Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de
maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras provi-
dências. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/
lei/l12527.htm. Acesso em: 5 set. 2020.
BRASIL. Marinha do Brasil. Estado-Maior da Armada. EMA-322. O posicionamento da Marinha
do Brasil nos principais assuntos de interesse naval. 2a.Rev., Brasília: EMA, 2017.
BRASIL. Marinha. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/comflotam/node/8. Acesso em:
23 out. 2020.
CASTRO, Celso. Textos Básicos de Sociologia, de Karl Marx a Zygmunt Bauman. Rio de Janeiro:
Zahar, 2016.
CHAVES, Maria R.; BARROSO, Silvana C.; LIRA, Talita M. “Populações tradicionais: manejo
dos recursos naturais na Amazônia”. Revista Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2,
p. 111-122, jul./dez. 2009.
COM6oDN. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/com6dn/. Acesso em: 2 fev. 2021.

RMB3oT/2021 233
OS NAVIOS DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA MB E A EFETIVIDADE NO ATENDIMENTO ÀS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO PANTANAL E DA AMAZÔNIA

COM9oDN. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/com9dn/. Acesso em: 1o fev. 2021.


COMFLOMT. Disponível em: http://www.comflotmt.mb/sites/default/files/sites/default/files/
ARQUIVOS/Carta_de_Servicos_ao_Cidadao.pdf. Acesso em: 28 ago. 2020.
ESPERANÇA. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/trabalho/. Acesso em: 3 fev. 2021.
FOLHA DO MEIO. “Dia do Pantanal”. Folha do Meio Dia. Disponível em: http://www.folhado-
meio.com.br/fma_nova/noticia.php?id=4432. Acesso em: 23 set.2020.
NUNES JÚNIOR, F.M. Alves. Curso de Direito Constitucional. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
SANTANA, L. L.T.; SILVA, A.; SILVA, Beatriz Lima de Paula. “A importância das ‘freteiras’
para as comunidades ribeirinhas do pantanal”. Revista GeoPantanal, Corumbá-MS, Número
Especial, p. 247-264, 2017.
SANTOS, M. Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil, Território e Sociedade no século XXI. Rio de Janeiro:
Record, 2006.
SANTOS, M; SOUZA, M. A. Território, Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec, 1998.
SARLET, I. W.; FIGUEIREDO, M. F. “Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde:
algumas aproximações”. Revista de Doutrina da 4a Região, Porto Alegre (RS), 24ª ed.,
julho 2008. Disponível em: https://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://www.
revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html. Acesso em: 4 set. 2020.
SATER, Almir. “Comitiva Esperança”. In: Documentário Comitiva Esperança. Categoria: Curta
metragem/sonoro/não-ficção, 16 mm, 50 min. Produção: CARVALHO, Wagner; SATER,
Almir; SIMÕES, Paulo, 1986. São Paulo. Companhia: Tatu Filmes Ltda.

234 RMB3oT/2021
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, o


que se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses.
Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicas e
por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha.
São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas.
Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso
por carta, ou por e-mail.

LONA E AREIA*
Era uma faina divertida, e penso que Da noite para o dia seguinte, o barro
não mais existe, pois não há mais navios absorvia a mancha, e o convés, depois de
com convés coberto de tábuas. esfregado, ficava perfeitamente limpo.
Que eu me lembre, os últimos foram os Neste dia, não havia a rotineira parada
cruzadores Tamandaré e Barroso, o Salda- quando o imediato dá as ordens do dia
nha e o Guanabara e, depois de um grande para os encarregados de divisão. Não
hiato, o Navio-Veleiro Cisne Branco. Mas, havia tempo a perder!
no meu tempo de Barroso, era rotina. O pessoal envolvido diretamente na
A faina animava a guarnição; todos, de faina não usava sapatos nem botinas. Os
uma maneira ou de outra, participavam dela. pés descalços entravam por um pedaço de
Os preparativos começavam na quinta- mangueira velha, rasgado apropriadamen-
-feira, véspera da faina propriamente dita. te para casar com o dedão do pé. O novo
Havia uma mistura densa de água e “chinelo” não saía do pé. O marinheiro
barro jogada sobre as manchas de óleo ou sabia como segurá-lo.
graxa deixadas, durante a semana, caídas, O raspar do convés de madeira era pre-
por acaso, sobre o convés. cedido de um marinheiro que jogava areia

*Texto integrante do livro Minhas Travessuras (Editora Luz, 2021), de autoria de Luiz Edmundo
Brígido Bittencourt.
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

grossa pelo convés. O atrito conseguia Depois, vinha o pessoal do rodo que
verdadeiros milagres: um convés branco deixava o convés praticamente seco.
e reluzente! Mas não poderia haver “regime de
Mas é neste raspar do convés com areia sexta-feira” sem outra faina de longa
que residia o encanto da faina! tradição e ainda atual: a limpeza dos ama-
Os marinheiros, em grupos de seis ou relos. Um ou dois marinheiros tomavam
oito, entrelaçavam seus braços por cima conta da faina, e tome Kaol, que deixava
do pescoço formando um bloco único. os metais como se fossem ouro!
Arrastavam o pé direito e batiam com Dizem as más línguas que um amarelo
o esquerdo, entoando cantigas antigas, reluzente ofusca qualquer sujeira num raio
talvez com origem no tempo dos navios de três metros!
a vela. Era divertido. Num momento se- Depois da faina, vinha o prêmio: licen-
guinte, outros marinheiros, empunhando ciamento geral às 13 horas e um bom fim
mangueiras velhas do controle de avarias, de semana, como bem o mereciam.
escoavam a areia que levava a sujeira para
o mar, saindo pelos embornais; pequenas Luiz Edmundo Brígido Bittencourt
cachoeiras caíam ao mar. Vice-Almirante (Refo)

ESPÍRITO DE LORDE COCHRANE

Em 1984, como jovem capitão-tenente Nesse momento de lazer instrutivo,


já COA (Comandante Operativo da Aero- comecei a me identificar com algumas
nave) de um Lynx SAH 11 do 1o Esqua- das características do nosso polêmico
drão de Helicópteros de Esclarecimento “lobo dos mares”, como alguns autores
e Ataque (HA-1), navegava pela costa do se referiam ao nosso Lorde marinheiro
Maranhão, a bordo da Fragata Constitui- em questão. Herói ou vilão? Essa era a
ção, sob o comando do então Capitão de questão que me vinha à mente a todo
Mar e Guerra Dumont1. Acompanhados momento, enquanto progredia a minha
do Contratorpedeiro Marcílio Dias, leitura. Entre o turbilhão de episódios e
compúnhamos um Grupo-Tarefa (GT) títulos que acompanharam a vida daquele
brasileiro que faria parte de um exercício nauta, o título de “Marquês do Maranhão”
Venbras, junto à Marinha da Venezuela. me chamava atenção pela coincidência
Nos momentos de folga entre as atividades de estar naquele momento cruzando
de preparação do DAE (Destacamen- águas maranhenses. Outra característica
to Aéreo Embarcado), composto pelo que marcou a vida de Cochrane foi sua
Capitão-Tenente Wilson Rocha2 (meu associação às atividades de “pirata” ou
amigo, mais antigo e chefe do DAE) e “corsário” atribuídas por vários histo-
pelas praças de manutenção, me dediquei riadores. Sendo bom ou mau, fato é que
à leitura sobre o nosso primeiro almirante essas características sempre povoaram o
brasileiro, Lorde Cochrane. imaginário de qualquer nauta, assim como

1 Almirante de Esquadra Paulo Augusto Garcia Dumont, posteriormente.


2 Capitão de Mar e Guerra Wilson Silva da Rocha, posteriormente.

236 RMB3oT/2021
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

eu, naquele momento incorporando a ati- estávamos nos aproximando da famosa Isla
vidade profissional de um “nauta alado” La Tortuga. Agucei meu principal equi-
em direção ao Mar do Caribe, famosa área pamento de busca, a visão. Busquei uma
de operação da “pirataria internacional”. posição favorável, evitando o reflexo dos
Atracamos em La Guaira, porto prin- raios solares na água do mar. Rodeamos
cipal da Venezuela, sede da Marinha toda a ilha e grande decepção: não havia
venezuelana, onde encontramos os navios nenhum navio de guerra escondido em
daquela Armada que formariam os GT suas margens, apenas um pequeno veleiro
que participariam da Operação Venbras. atracado num barranco. Frustrado, resolvi
Fomos ao briefing da missão e soubemos não perder a oportunidade de sobrevoar
que seria um exercício simples, que visava a famosa e desértica ilha. Qual não foi a
apenas à cooperação entre nossas Forças, nossa surpresa, minha e do copila Wilson
buscando estreitar laços de amizade e co- Rocha, quando vimos um pequeno mono-
operação mútua. Nosso Lynx a bordo da motor pousado numa área plana perto do
Constituição faria voos de esclarecimento veleiro atracado. Constatamos que havia
em busca de uma fragata venezuelana, uma movimentação de caixas transporta-
acompanhado pelo nosso Marcílio Dias, das nos ombros por alguns homens entre
e, caso a identificassem, transmitiríamos a o veleiro e o pequeno avião. Percebemos
posição para um engajamento tipicamente que, ao ouvirem o barulho do helicóptero,
naval entre os navios envolvidos. houve uma desordenada correria dos ho-
Fiquei emocionado quando recebi a mens largando as caixas. “Bode Wilson”
informação de que a área onde o exercício e eu nos entreolhamos, e comentei pela
se desenvolveria incluía a Isla La Tortuga, fonia interna: “Acho que achamos alguma
famoso porto de reunião de piratas cari- coisa irregular na ‘Ilha dos Piratas’ e não
benhos. Eu estaria voando em busca de podemos fazer nada. Somos militares es-
um inimigo fictício (pirata ou não) para trangeiros em terra estrangeira”.
mostrar a superioridade da Marinha de Bode Wilson, como mais antigo e
Cochrane, séculos depois. chefe do DAE, decidiu: “Fragata Cons-
Os navios envolvidos se fizeram ao mar tituição, Falcão 22. Movimento suspeito
na área determinada para cada GT, cerca entre veleiro e avião de pequeno porte na
de 100 milhas náuticas a nordeste de La costa leste da Isla La Tortuga. Solicito
Guaira, na região da Bacia La Cochila. informar Marinha venezuelana. Aguar-
Depois de alguns exercícios de passagem damos instruções”.
de carga leve, o freeplay começou. Decolei “Falcão 22. Constituição. Mantenha
para um plano de esclarecimento durante observação e aguarde instruções”, foi a
o dia, em condições totalmente visuais. resposta.
Sem encontrar sinais dos navios inimigos, A correria em terra era grande. Nos
resolvi tentar a sorte nas proximidades de afastamos um pouco, procurando sair do
uma ilha que despontava no horizonte. Os alcance de armas leves, que pareciam
navios poderiam estar utilizando a ilha estar sendo buscadas pelos envolvidos em
para, com a proximidade, camuflar nosso terra. Depois de alguns minutos, ouvimos
radar de busca. Em 1984, nossos SAH 11 no rádio: “Falcão 22. Fragata Constitui-
não tinham o modernismo tecnológico ção. Helicóptero H1H venezuelano se
dos atuais Wildcats de hoje. Constatei aproximando da posição. Exercício encer-
pela carta náutica (não havia GPS) que rado. Regressar ao navio-mãe”.

RMB3oT/2021 237
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

Sem conhecer detalhes, regressamos, Guatacarazo. Recomendou que fôssemos


pousamos na Constituição e nos dirigimos fardados de “chiquinho”. Disse que era
ao passadiço. As informações eram desen- um hábito “pirata” da região, para impor
contradas. Adotamos a proa de Puerto La respeito. Estranhamos, mas, em nome do
Cruz, balneário venezuelano na costa e bom relacionamento internacional entre
terminal de abastecimento marítimo numa Marinhas, aquiescemos.
refinaria. Algumas horas depois, juntou- O comandante venezuelano tinha
-se a nós uma das fragatas venezuelanas, razão. No Guatacarazo, fomos atendidos
que atracou ao nosso contrabordo, e o com pompa, respeito e muito alegre
comandante pediu para reunir os oficiais cortesia. Foi uma noite inesquecível de
na praça-d’armas. verdadeiros piratas do bem nas “Águas
Entre brindes, o comandante venezue- dos Piratas”, o Mar do Caribe.
lano contou o que havia ocorrido. Agrade- Todas as vezes que recordo essa pas-
ceu a participação da Marinha do Brasil sagem naval, me pergunto: Seria esse o
na apreensão, pela Marinha da Venezuela, verdadeiro espírito de Lorde Cochrane, o
de um grande carregamento de cocaína e primeiro almirante da Marinha do Brasil?
nos convidou para comemorarmos o fato
e o brilhantismo da Operação Venbras 84 José Luiz Barreira Batista
em um bar de Puerto La Cruz chamado Capitão de Mar e Guerra (Refo)

238 RMB3oT/2021
DOAÇÕES À DPHDM
JUNHO A AGOSTO DE 2021

DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Almirante de Esquadra (Refo) Mauro César Flores


Almirante de Esquadra (Refo) Roberto de Guimarães Carvalho
Vice-Almirante (RM1) José Carlos Mathias
Contra-Almirante André Martins de Carvalho
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Girlano Bezerra Santiago Freitas
Elaine Deccache Porto e Albuquerque
Gerson Antônio Fonseca
José Alves de Vasconcellos
Luisa Nogueira de Almeida
Biblioteca do Exército (Bibliex)
Centro de Comunicação Social da Marinha (CCSM)
Clube Naval (CN)
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Marinha espanhola
Marinha portuguesa

LIVROS E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ALEMANHA
Naval Forces, v. 40, n. 3; n. 4; n. 5; n. 6, 2019
Naval Forces, v. 41, n. 1; n. 5, 2020
Tecnologia Militar, v. 42, n. 1; n. 2; n. 3, 2020

CHILE
Revista de Marina, n. 974, Jan/Fev; n. 975, Mar/Abr; n. 976, Mai/Jun; n. 977, Jul/Ago;
n. 978, Set/Out, 2020

ESPANHA
Revista General de Marina, n. 277, Dez, 2019
Revista General de Marina, n. 278, Jan/Fev; n. 278, Abr; n. 278, Jun; n. 279, Ago/Set;
n. 279, Nov, 2020
Cuadernos de Pensamiento Naval, n. 28, 1o Semestre; n. 29, 2o Semestre, 2020
Guerra e Pace Nel Pensiero Contemporaneo, Mar, 2020
Il Sistema di Comando delle Forze Armate, Out, 2020
Revista de Historia Naval, v. 38, n. 148; n. 149; n. 150, 2020
Revista de Historia Naval, Suplemento, v. 37, n.150, 2020
Revista de Historia Naval, v. 39, n. 151, 2021
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

EUA
Naval War College Review, v. 73, n. 01, Winter; n. 4, Autumn, 2020
Proceedings, v. 145, n. 1392, Fev; n. 1393, Mar; n. 1394, Abr; n. 1395, Mai; n. 1396,
Jun; n. 1397, Jul; n. 1398, Ago; n. 1399, Set; n. 1400, Out; n. 1401, Nov; n. 1402, Dez, 2019

ITÁLIA
Rivista Marittima, v. 153, n. 11, Dez, 2019
Rivista Marittima, v. 153, n. 2, Fev; n. 3, Mar; n. 4, Abr; n. 5, Mai; n. 7, Jul/Ago; n. 9,
Out, 2020
Glossario di Diritto del Mare, Nov, 2020
Rivista Marittima, Suplemento Especial, Mar; Suplemento Especial, Abr; Suplemento
Especial, Out, 2020

PORTUGAL
Revista da Armada, v. 48, n. 533, Set/Out; n. 534, Nov; n. 535, Dez, 2018
Revista da Armada, v. 48, n. 536, Jan; n. 537, Fev; n. 538, Mar; n. 539, Abr; n. 540, Mai;
n. 541, Jun; n. 542, Jul; n. 543, Ago; n. 544, Set/Out, 2019
Revista da Armada, v. 49, n. 547, Jan; n. 548, Fev, 2020
Revista da Armada, v. 50, n. 554, Ago, 2020
Revista da Armada, v. 50, n. 562, Mai, 2021
Anais do Clube Militar Naval, Jul /Dez, 2019
Revista de Marinha, v. 83, n.1014, Mar/Abr, 2020

BRASIL
10 bilhões, 2013
18 princípios de uma vida espiritual, 2013
Art Nouveau em Belém, 2019
Arroz de palma, 2017
Azulejaria em Belém do Pará: Inventário – Arquitetura civil e religiosa – século XVII
ao XX, 2016
Bracolper Naval– 40 anos, 2014
Cadernos da Salvaguarda de Bens Registrados, n.1, 2020
Capitania Fluvial do Rio Paraná – 80 anos, 2021
Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a nova síntese, 2016
Como o segredo mudou minha vida, 2016
O combate dos chefes, 2015
Contos do dia a dia, 2013
Da cartografia do poder aos itinerários do saber, 2014
A descoberta da criança: pedagogia científica, 2017
Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender, 2017
Diversidade linguística indígena: estratégias de preservação, salvaguarda e fortaleci-
mento, 2020
Dois irmãos, uma guerra, 2014
As espiãs do dia D, 2015
O evangelho segundo o espiritismo, 2018
Fool me once, 2016
Gestão do Patrimônio Mundial Cultural, 2016

240 RMB3oT/2021
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

Insurgente, 2013
Intervenções em Bens Culturais Móveis e Integrados à Arquitetura, 2019
A invenção da Superquadra, 2020
Jesus no lar, 2017
O lado obscuro da Primeira Guerra Mundial: as frentes sangrentas de combate russas, 2021
A magia, 2014
Manual de uso e aplicação do emblema do Patrimônio Cultural Brasileiro, 2017
Maritime Studies Visions and Perspectives, 2021
Matrizes do Samba no Rio de Janeiro, 2014
Os miseráveis, 2016
Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos, 2014
O morro dos ventos uivantes, 2016
Mudar: caminhos para a transformação verdadeira, 2014
Pântano de sangue, 2014
Paraty e Ilha Grande: Cultura e Biodiversidade na lista do Patrimônio Mundial Misto, 2019
Paulo e Estevão, 2017
Meu pequeno evangelho, 2014
Poluição das águas, 2013
Propósito: a coragem de ser quem somos, 2016
Preservação do Patrimônio Edificado, 2016
Quinhentos anos de História do Brasil – Tomo I/II, 2020
Qual a medida do seu amor?, 2013
Se eu ficar, 2014
O segredo, 2015
Serviços de referência e informação em bibliotecas universitárias da América Latina:
análise de seus websites, 2020
Sítio Arqueológico Cais do Valongo – Rio de Janeiro, 2017
The girl on the train, 2015
O valor do mar: uma visão integrada dos recursos do oceano do Brasil, 2020
Viagens de um marujo, 2017
A vingança veste Prada, 2013
Anais do Clube Militar Naval, 2o Semestre, Jul/Dez, 2020
Âncoras e Fuzis, v. 21, n. 51, 2020
Boletim do Clube Naval, Jun/Jul/Ago, 2021
Brasil Nuclear, v. 26, n. 50, Out, 2019
Centro de Decisão de Alcance Global em Contexto Marítimo, n. 49, Jul/Set, 2018
O conhecimento científico do oceano. Instituto Hidrográfico, conhecer o mar para que
todos o possam usar, n. 57, Jul/Set, 2020
Integrando a Amazônia, n. 60, 2021
LAQFA: Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica, n. 61, 2021
Legado Caderno de Leitura – Alerj, v. 1, n. 2, Mai, 2021
Liga da Defesa Nacional/RJ, v. 1, n. 1, Out/Dez, 2019
O mar em perspectiva, n. 50, Out/Dez, 2018
Marinha em Revista, v. 10, n. 14, Set, 2020
Metodologia dos Estudos Marítimos, n. 54, Out/Dez, 2019
Navigator, v. 17, n. 33, Jun, 2021
Nomar, v. 56, n. 944, Mar/Abr; n. 945, Mai/Jun, 2021

RMB3oT/2021 241
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

Noticiário Incaer, v. 22, n. 99, Jul/Dez, 2020


Políticas e Estratégias Marítimas da Europa e de Portugal, n. 48, Abr/Jun, 2018
Portugal como potência costeira, n. 51, Jan/Mar, 2019
O pensamento de Defesa em Portugal, n. 58, Out/Dez, 2020
Revista de Educação Física, v. 17, n. 77, Jan/Mar, 2021
Revista de História Naval, v. 38, n. 149, 2020
Revista Militar de Ciência e Tecnologia, v. 37, 3o trimestre; 4o trimestre, 2020
Revista Pesquisa Naval, n. 26, 2014
A segurança do ciberespaço em Portugal e no setor marítimo, n. 52 , Abr/Jun, 2019

242 RMB3oT/2021
A MARINHA DE OUTRORA

AS LIÇÕES DE ONTEM PARA A MARINHA


DE HOJE E DE AMANHÃ

–O adeus à Corveta Jaceguai


A MARINHA DE OUTRORA

O ADEUS À CORVETA JACEGUAI

Os homens e as mulheres do mar acre- Barão de Jaceguai na difícil Passagem


ditam que os navios têm alma, e esta só se por Humaitá.
desprega de seus cascos quando estes são Nossa corveta nasceu, portanto, sob
desmontados ou afundados. o signo do heroísmo e foi incorporada à
Fui o segundo comandante da Corveta MB em 1991.
Jaceguai, de nossa Marinha do Brasil Dois anos depois, ao se apresentar à
(MB), e me sinto na obrigação de expres- Esquadra, a V-31 teve que ser avaliada,
sar o sentimento de todos os que passaram passando por listas de verificação opera-
por bordo e dos orgulhosos integrantes cional (as mesmas de suas irmãs fragatas)
da dinastia de ex-comandantes da “Gato até chegar à fase III de adestramento de
Preto”, como era carinhosamente conhe- sua tripulação.
cida pelas suas tripulações e pelos demais Estava, então, pronta para desem-
navios da nossa Esquadra. penhar todos os requisitos que a MB
Nesse comando, ao suceder ao Coman- havia imaginado para sua construção,
dante Afonso Barbosa, que nos deixou, quando sua quilha foi batida, em 1984:
e que já havia feito as difíceis provas de proteção das linhas de comunicação
recebimento do navio no Setor de Mate- marítimas e capacidade para as guerras
rial, coube a mim a passagem da corveta de superfície, antissubmarino e antiaé-
para a área operacional. rea de ponto.
A Jaceguai (V-31) é o segundo navio Sua primeira operação, integrada a
de sua classe, projetada pela Marinha e uma Força-Tarefa, foi em viagem a Porto
construída em seu Arsenal, no Rio de Rico, para exercícios conjuntos com a
Janeiro. Seu nome é uma homenagem ao Marinha dos Estados Unidos. Era uma
Almirante Artur Silveira da Mota, Barão estreia que nos enchia de brios, pois íamos
de Jaceguai, herói da Guerra da Tríplice demonstrar internacionalmente o valor
Aliança. O brasão da V-31 (seu indica- da construção militar e dos marinheiros
tivo de costado) alude à participação do brasileiros – raça de bravos.

Corveta Jaceguai

244 RMB3oT/2021
A MARINHA DE OUTRORA

A primeira passagem pelo Equador será afundado, gerando, até o seu fim,
nos ficou gravada no coração. Netuno ensinamentos à Marinha.
embalou o batismo de sal, e os ventos O costado da ex-Jaceguai já tem se-
quentes nos trouxeram bons presságios de tores pintados de vermelho e de amarelo,
sucesso em nossas missões no mar. Havia sobre o cinza que sempre ostentou, e ela
o sentimento de que a Jaceguai chegava será rebocada até o horizonte, onde o mar
para continuar a vigilância pela paz, que encontra o céu...
para nós se vestia de branco e azul, as Imagino como será a emoção de seu
cores de nossos uniformes. afundamento.
Nessa viagem, sucederam-se inúmeras Netuno virá à superfície e comandará:
operações e a Jaceguai foi sempre a pri- “Em continência, um!”.
meira a dar o alarme e a combater ataques As águas do mar entrarão nas entranhas
aéreos e de submarinos, expressando a da nossa Jaceguai (ex-V 31), e o ar será
vocação oceânica da MB. expulso como o ruído de um apito, um
Não éramos gigantes, mas era como suspiro que será homenageado pelo apito
nós, todos os 134 tripulantes, nos sentíamos dos demais navios na área de sua despe-
no mar. Sucederam-se muitas e intensas dida, em profundo respeito.
emoções e experiências vividas, ricas em A Jaceguai iniciará a sua derradeira
relacionamentos e em ensinamentos. viagem...findando 28 anos de excepcio-
E como tudo tem seu fim, chegou o nal carreira.
dia da baixa da V-31 do serviço ativo da Seu Comandante Afonso Barbosa a
Marinha, com a assinatura de seu termo aguardará e lhe dirá: “Corveta Jaceguai,
de desarmamento, em 16 de outubro sua alma não é pequena!”.
de 2019. Netuno: “Em continência, dois!”
Dois anos se passaram, e agora a
Jaceguai servirá de alvo na Missilex/ José Alberto Cunha Couto
Torpedex, operação em que nosso navio Capitão de Mar e Guerra (Refo)

RMB3oT/2021 245
NECROLÓGIO

A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos seguintes colaboradores e assinantes:

CMG (EN) Arthur Ramos Figueiredo  30/03/1927 † 14/05/2021


CMG Lucio Tinoco Balloussier  07/06/1940 † 03/04/2021
CMG (FN) Licinio Correa Dias Filho  16/12/1943 † 16/06/2021
CMG (IM) Cícero Pimenteira  20/02/1946 † 07/09/2021
CMG (IM) William Pinto Coelho  28/12/1949 † 11/08/2021
CMG José Carlos Guapyassu Trovão  11/01/1948 † 26/05/2021
CMG Francisco de Paula Costa Filho  15/10/1951 † 27/06/2021
CMG (FN) Ney Soares Barbosa  09/05/1953 † 24/05/2021
CMG (CD) Osvaldo Almeida e Silva  23/08/1937 † 22/06/2021
CMG (T) Antônio José Vieira Nascimento  27/06/1966 † 17/05/2021
CF José Barbosa da Silva  05/02/1932 † 01/08/2021
CF Antônio Pereira do Valle  20/02/1933 † 06/07/2021
CF (Md) Durval Figueiredo Filho  17/11/1940 † 06/07/2021
CF (T) Helio Crisóstomo da Silva  02/07/1951 † 14/08/2021
CF (T) José Ismar Quevedo Valls  04/09/1952 † 29/03/2021
CF (T) Fernando Antônio Gonçalves  22/09/1965 † 18/06/2021
CC (T) João Luiz de Almeida Rocha  23/06/1945 † 23/07/2021
CC (T) Sergio Antônio Albuquerque da Silva  04/01/1955 † 08/04/2021
CT Raimundo Pereira Pires  19/12/1937 † 11/05/2021

246 RMB3oT/2021
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e


notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes do
mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reportados pela
Revista Marítima Brasileira.
Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observaremos
a grafia então utilizada.

PSYCHOLOGIA DO MARINHEIRO NO COMBATE


PELO COMMANDER H. SPENCER COOPER
Traducção: Capitão de Fragata C.A.R.
(RMB, julho/1921, n. 13, pp. 191-197)

Quaes serão as impressões de um mari- Durante a acção o Commandante de


nheiro durante um combate naval? um navio de guerra fica geralmente no
É evidentemente muito difficil respon- blockhauss protegido por algumas pol-
der judiciosamente, tão numerosas são as legadas de aço e pode inspeccionar todo
razões que nos fazem hesitar. Dois facto- o horizonte pelas frestas entre o tecto e a
res principaes estão em jogo: o ambiente e couraça lateral.
o temperamento pessoal de cada homem; Deste posto escolhido elle se com-
além desses, outros como a experiencia, a munica com o Director do tiro, com os
educação e o caracter individual não são diversos canhões, com as machinas, com
para desprezar. Como toda tentativa de a camara de torpedos, em uma palavra
generalisação acarreta a critica, é sem com todos os órgãos da usina compli-
grande enthusiasmo que expomos nosso cada em que se transformou o moderno
modo de pensar, deixando cada um tirar navio de guerra. Sem duvida alguma,
as conclusões que melhor lhe parecer. durante seos longos annos da carreira
Há naturalmente uma grande differença de marinheiro passados no mar, elle
entre o moral e por consequencia o estado de procurou representar o que seria uma
espirito de um homem que se acha na culatra batalha naval, mas muito provavelmente,
de um canhão ou em outro logar qualquer não se deo ao trabalho de pensar nas
d’onde possa ver e julgar os acontecimentos sensações que elle experimentaria; e
e o do machinista, foguista ou carvoeiro, em mesmo que pensasse ficaria muito aquem
trabalho nos fundos do navio. da realidade. (…)
(…) (...)
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Cada homem á bordo tem seo posto de nado; pode ter sido apenas uma simples
combate, os próprios taifeiros dão a sua interrupção na batalha; só a “retirada”
ajuda na passagem das munições; á parte indica o fim; o “rancho” segue de perto.
alguns raros marinheiros expostos em virtu- Os canhões são peados, as munições re-
de de suas funcções todo mundo está por trás enviadas para os paióes e estes fechados
de uma couraça ou abaixo da fluctuação. á chave. Alguns homens são dispensados,
(…) a machina recebe ordem para velocida-
(...) Um outro accidente que é neccessa- de de navegação, alguns foguistas são
rio não deixar passar em silencio é aquelle mandados repousar e o serviço de alguns
que os marinheiros chamam "tomar uma carvoeiros supprimido.
ducha que não custa caro", accidente (...)
que se reproduz frequentemente quando Finalmente sobrevem o completo esgo-
um obus de grosso calibre, atirado com tamento physico e moral, não se tem senão
o máximo alcance, cahe no mar proximo um único desejo “comer-beber-dormir” e
do navio e levanta uma espessa columna um único pensamento: “Emfim a guerra
de agua, algumas vezes de 60 a 80 metros está terminada”.
de altura. Nas Falklands foi-se frequente- (...)
mente molhado; os homens da direcção Aquelles a quem o serviço forçara a
do tiro empoleirados nos cestos de gavea, ficar de quarto no convés ou nas machinas
no alto das tripedes de nossos cruzadores tinham o maior trabalho do mundo para
de batalha, se queixavam de não terem conservarem-se de olhos abertos.
podido se utilisar convenientemente de O periodo de surmenage passado, a
seos instrumentos em consequencia dos tensão cahe e é preciso mesmo fazer um
numerosos borrifos que elles recebiam. grande esforço para não se deixar ir e
Pode-se facilmente conceber que estado mesmo para não morrer de fome.
de esgotamento segue uma acção desta sor- Honra áquelles que não arriaram e
te: no momento a maioria dos homens não continuaram seo serviço dominando a
se apercebe disso e não sente esta depressão fadiga; elles tambem anceavam pelo mo-
senão depois do combate. Na marinha cada mento bemdito em que seo navio ancoras-
official, cada homem tem sua parte de res- se em um porto interdito aos submarinos
ponsabilidade e muitas vezes está em suas pelas redes; em que as guarnições das
mãos a existencia de seos camaradas; pode peças não fossem obrigadas a ficar em pé
ter que executar uma manobra das mais em seo posto, ou em que os fogos fossem
importantes, tal como o fechamento de uma afinal apagados.
porta estanque, a extincção de um incendio Desde que o serviço de carvoar termi-
produzido por um projectil ou qualquer nou concedeo-se ás equipagens um longo
outra operação desse genero.(…) periodo de descanso durante o qual pude-
(...) ram dormir e recobrar as horas perdidas
O toque de “Cessar fogo” não signifi- e “a paz”, a “paz integral” reinou á bordo
ca necessariamente que tudo está termi- durante algum tempo.

248 RMB3oT/2021
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

REVISTA DE REVISTAS
(RMB, julho/1921, pp. 235-237)

Aeroplano contra encouraçado − (Ibe- zadas, só figuram alvos immoveis ou typo


rica de 7 de abril de 1921) − É um proble- antiquados de navios e que na últimas
ma que ainda desperta grande celeuma e construcções, já nada mais ha a temer
tem sido estudado exhaustivamente pelas d’aquelles ataques.
grandes potencias navaes. Sua solução Na verdade, não se póde imputar como
acertada muito interessa, porque ella de todo improcedentes os argumentos dos
envolverá ou o desapparecimento dos constructores navaes; mas também não se
grandes navios de combate ou a adoção, deve abraçar o enthusiasmo de Mitchell,
n’estes, de dispositivos protectores contra quando este refere que, em certos cazos,
os ataques vindos do ar. póde se obter até 80% de acertos com
Das leituras que nos tem sido dado aeroplanos voando a 3000 metros de
fazer, se verifica o grande emprego que o altura. Si é verdade que nas experiencias
aeroplano vae tendo, em terra e no mar, realizadas, incluzive a recente com o en-
para os serviços de exploração e mesmo couraçado ex-allemão “Ostfriesland”, o
de bombardeio, o que não acontece com alvo estava imovel ou dotado de fraca ve-
a aeronave que, pelas suas exageradas locidade e os atacantes voando a pequena
dimensões, além de offerecer grande alvo altura sem serem alvejados, também não
aos projectis adversos, encontra perigo- deixa de ser verdade que taes experiencias
sos inimigos na velocidade dos ventos, provaram a gravidade das avarias pro-
que diminue sua marcha e contraria sua duzidas por um acerto bem locado e não
róta, na electricidade athmospherica, podemos dizer que este acerto, em con-
cujas descargas têm produzido explosões dições de combate, seja mais improvavel
do gaz de seu enchimento e na humidade que o dos torpedos. No entanto, quanto ás
que, depositando-se no seu envolucro, avarias que estes pudessem produzir, já
augmenta o pezo do apparelho, isto muita cousa havia realizada antes da re-
aggravado quando essa humidade se cente guerra e muito se projecta realizar
congela, devido a baixas temperaturas. ainda com ensinamentos d’ella tirados.
D’ahi naturalmente nasceu a presente Os allemães, em particular, viram, por
questão, cujo termo parece ainda não es- mais de uma vez, confirmado, durante
tar proximo, não havendo as opiniões an- a dita guerra, o sabio criterio que seus
tagonistas aceito nenhum dos argumentos constructores navaes já haviam adoptado
contrarios. Assim o General Mitchell que, n’esse sentido.
na Grande Guerra, commandou as forças Si nos lembrarmos, como já era pre-
aereas da patria de Washington, affirma, visto e foi confirmado pelas ultimas ac-
com o valor de sua grande competencia ções navaes, que nos combates a grande
e o resultado da experiencias feitas, que distancia, os alvos ficando collocados
é necessario que os constructores navaes fora da parte tensa das trajectorias, os
cogitem seriamente da protecção dos projectis d’artilharia irão chocar os con-
grandes navios, contra os ataques de vezes dos navios ao envez de seus flancos,
inimigos aereos. veremos que uma efficaz protecção dos
Aquelles porém não dão o braço a ditos convezes é imperiozamente reque-
torcer e retrucam que experiencias reali- rida por mais esta razão.

RMB3oT/2021 249
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Julgamos, pois, que, ao par de maior do-se-lhes a respectiva area, seja dotando-a
desenvolvimento da artilharia anti-aerea de conveniente couraçamento ou, melhor,
dos navios, se deve ter na melhor conta a adoptando-se simultaneamente estas duas
protecção horizontal d’estes, seja diminuin- providencias, em justas proporções.

NOTAS SOBRE TACTICA


(RMB, julho/1921, n. 13, pp. 7-14)
A. Thompson

Aos alumnos da Escola Naval de Guerra por outra” – é o princípio geral da Tacti-
ca, ao qual se subordina toda a concepção
Uma nação no concerto de seus inte- da arte de combater, dando o maior ex-
resses com outra age por “convenção” poente ao vocabulo “Força”, que domina
ou “accôrdo”, por “arbitragem” ou pela toda a philosophia da Guerra, pois que é
“força”, isto é pela − guerra. a razão, o fim e o sucesso.
O emprego da força obedece a um – O Almirante francez Duquesne já sen-
objectivo político. tia que nenhum meio de preencher a sua
O preparo para a guerra se consegue missão era mais certo que o de destruir
pelos meios logísticos. a força naval inimiga (…)
O conduzir os elementos combatentes Tourville, o segundo afamado almi-
ao theatro de operaçõe nos é dado pela rante, que no dizer dos seus biographos
– Strategia. teve a fortuna de reunir a maior somma
Quando e onde deve ser empenhado o de qualidades, desde o 6o sentido ma-
combate,− a ella o devemos. ritimo – o golpe de vista, até o sangue
frio, o julgamento, a intuição das de-
COMO? cisões a tomar, o sentimento profundo
É do dominio da Tactica. das opportunidades sem fallar da sua
_____ coragem natural, queria a destruição
O engajamento entre duas forças ad- da força do inimigo e dizia que, desde
versas é o leitmotiv da Tactica. que duas forças se achassem em pre-
Toda a preparação scientifica, poli- sença, o combate não podia ser evitado.
tica, organica, logistica, strategica das (…)
forças navaes (particularisando) tem Segundo Mahan: A concentração re-
aquelle escopo supremo. sume em si todos os factores, o completo
_____ alphabeto da efficiencia militar. O seu
“Ser forte”− para poder combater; objectivo é ser superior ao inimigo no
“Ser superior ao inimigo”− para ponto decisivo, qualquer que seja a força
reduzi-lo á impotencia: são principios relativa das duas partes sobre o todo.
a que a Strategia empresta todo o seu (...)
engenho. Esse governo tactico de uma força
“Operar com forças superiores um naval se dará quando ella obedece a uma
esforço combinado sobre o inimigo n’um só cabeça, achando-se á ella entregue o
ponto decisivo, de modo a aniquilar parte desenvolvimento da acção.
ou todo, sem que aquella seja auxiliada Isso quer dizer centralisação.

250 RMB3oT/2021
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

A força naval deve ser tida como um 8o – No caso de falta de ordens cada
instrumento perfeito, manejado por mão navio tomar a parte que lhe deve caber
de mestre. na acção;
Para tal é mister procurar-se a maxima 9o – O inimigo ser perseguido e an-
utilisação das armas, afim de ser obtido o niquilado.
maximo rendimento tactico. Esses principios ahi estabelecidos são
(…) a summula dos applicados e estabelecidos
Na celebre batalha de Trafalgar (21 pelo Grande Almirante Inglez, os quaes
outubro 1805) que serve de marco á nova nas suas linhas gerais consistem:
era da Historia Naval, de accôrdo com a) Objectivo principal – destruição
o plano e com a exposição de Nelson, completa da esquadra inimiga. A destrui-
seu lugar-tenente Collingwood conduzio ção parcial é insufficiente.
a sua divisão para as proximidades da b) Factor-tempo – cinco minutos de
retaguarda inimiga formada em linha tempo determinam a differença entre a
desigual de marcação para evitar a for- victoria e a derrota (phrase de Nelson).
matura em T e atacou com todo o vigor os c) Concentração – a das forças con-
11 navios da retaguarda alliada. tra as fracções inimigas em tempo. É
O que mais notabilisa Trafalgar é o fundamental.
facto de ser a acção de grandes frotas em- d) Acção cerrada e decisiva – quanto
penhadas, na qual foi fielmente executado menos manobra, melhor. Os navios se
o plano delineado antes. devem proteger mutuamente apertando
(...) o inimigo.
Do “Memorandum” de Nelson foram e) Signaes – são de inutilidade uma vez
extrahidos os seguintes pontos, que ser- começada a acção.
vem de principios tacticos e maximas de f) Acção do Commandante em Chefe
combate naval: – Attrahir o inimigo para o combate nos
1o – Impossibilidade de trazer uma termos mais favoraveis; inicial-o segundo
frota de 40 navios em acção decisiva em os planos por elle dados os quaes devem
simples linha; ser simples.
2o – A ordem de navegação é a ordem g) Papel dos Commandantes em sub-
de batalha; -ordens – o desfecho da acção naval
3o – Dividir a frota de 40 navios em 3 di- depende da autonomia destes.
visões, duas de 16 e uma de 8 navios rapidos; h) Ordem de batalha – deve ser a de
4o – Concentrar o ataque em uma parte navegação.
da força do inimigo; i) Factor moral – é de grande im-
5o – Effectuar um ataque coordenado portância, quer o obtido pelo desen-
simultaneo por divisões; volvimento das qualidades moraes dos
6o – Visar de preferencia o navio ini- chefes, quer pela observação das do
migo de pavilhão; inimigo.
7o – Terem iniciativa os commandantes j) Alguma cousa deve ser entregue á
de divisão; Sorte.

RMB3oT/2021 251
REVISTA DE REVISTAS

Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos leitores


matérias que tratam de assuntos de interesse marítimo, contidas
em publicações recebidas pela Revista Marítima Brasileira e pela
Biblioteca da Marinha.
As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas ao
acervo da Biblioteca, situada à Rua Mayrink Veiga 28 – Centro –
RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO
COMEMORAÇÃO
A Hidrografia na Marinha nos últimos dois séculos (253)

ARTES MILITARES
ESTRATÉGIA NAVAL
Vai à guerra com a China? Ignore Corbett. Tire a poeira de Mahan! (253)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
ENERGIA ALTERNATIVA
DTOceanplus (255)

FORÇAS ARMADAS
MOBILIZAÇÃO
Suponha que estamos em guerra e a Marinha Mercante não veio (255)

INFORMAÇÃO
SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO
Um dissuasor com credibilidade contra ataques cibernéticos chineses (257)

RELAÇÕES INTERNACIONAIS
OTAN
A defesa como motor da integração europeia (258)
PROBLEMA DE FRONTEIRA
Tráfico no Mediterrâneo Ocidental: situação, evolução e implicações para
a Marinha (259)
REVISTA DE REVISTAS

A HIDROGRAFIA NA MARINHA NOS ÚLTIMOS


DOIS SÉCULOS
Instituto Hidrográfico de Portugal
(Revista da Armada, Portugal, nov/2020, pp. 17-20)

Para marcar as comemorações dos seus que as Missões, inclusive porque a Missão
60 anos, o Instituto Hidrográfico (IH) apre- tinha um navio especializado para a faina
senta, neste artigo, um resumo da história de construção da carta náutica”. E comen-
da Hidrografia em Portugal. O texto infor- ta a expansão do trabalho das Missões e
ma que a gênese da instituição remonta Brigadas para as colônias, quando, “curio-
aos tempos dos descobrimentos e da ex- samente, estas ficam não mais sob a pasta
pansão marítima e que sua organização à da Marinha, mas passam para o Ministério
época ainda não era bem clara − o Serviço das Colônias/Ultramar”.
Hidrográfico se resumia em depósitos de A síntese chega a 1960, quando foi
instrumentos e documentos náuticos, aí criado o Instituto Hidrográfico, com o
inclusas as cartas náuticas e os roteiros. propósito principal de garantir a unidade
Com o passar do tempo, surgiu a de orientação, de terminologia e de mé-
necessidade de formalização dos conhe- todos, centralizando os serviços nacionais
cimentos de construção de cartas náuticas, de hidrografia, oceanografia e de nave-
em especial devido ao desenvolvimento gação. Acrescenta, ainda, que, apesar de
da Geodésia, decorrendo, então, no apa- haver, durante algum período, lideranças
recimento do Corpo de Engenheiros Hi- distintas, o produto cartográfico e o conhe-
drógrafos e, na organização da Marinha, cimento da coluna d’água acompanharam
da Seção Hidrográfica, em 1849. as evoluções tecnológicas do mundo. E
O resumo histórico nos fala das Missões conclui: “O IH de hoje, inspirado por uma
e Brigadas Hidrográficas: “Suas divisões herança histórica monumental deixada por
eram muito mais uma questão de dimensão todos os que nos antecederam, continua a
dos meios e de pessoal do que de diferença ser uma organização ambiciosa e de refe-
no trabalho a ser realizado. As Brigadas rência internacional não só na hidrografia,
eram organizações de trabalho menores mas nas ciências do mar em geral”.

VAI À GUERRA COM A CHINA? IGNORE CORBETT.


TIRE A POEIRA DE MAHAN!
Primeiro-Tenente Matthew Suarez*
(Proceedings, EUA, dezembro/2020, vol. 146/12/1, 414, pp. 48-53)

Inúmeras são as referências que in- tudo comparativo entre Corbett e Mahan,
dicam um futuro engajamento entre os discutindo as formas como o poder naval
Estados Unidos da América (EUA) e a americano deve se preparar para este
China. Suarez faz, em seu artigo, um es- enlace. Em sua introdução, explana: “O

* Do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Graduado em História. Atualmente, cursa Aviação Naval.

RMB3oT/2021 253
REVISTA DE REVISTAS

rápido aumento do comércio exterior no “É uma teia de vias comerciais dinâmicas


início do século XX levou legisladores de e mutáveis. Produtores e consumidores
todo o mundo a considerar seriamente as dependem de um fornecimento constante
implicações da interdição comercial. Na de bens; qualquer interrupção no forne-
véspera da Convenção de Haia de 1907, cimento inibe a produção de riqueza”.
Mahan e Corbett apresentaram seus pen- Ao fazer uma análise de como Corbett
samentos sobre este assunto, escrevendo e Mahan tratam a destruição e a apreen-
para o mesmo público ao mesmo tempo, são de bens no mar, realça suas diferentes
uma raridade. Nesses ensaios, fica claro formas de avaliar prejuízos, destacando
que os dois tinham ideias diferentes sobre que Mahan, ao visualizar uma economia
o funcionamento da economia interna- global que funciona de forma interde-
cional e, portanto, perspectivas diversas pentente, percebe que “interromper o
sobre a aplicação do poder marítimo no fluxo de uma mercadoria em uma parte
dia a dia. Mahan considerou o dinamismo do sistema poderia ter efeitos indiretos
de uma economia globalizada para en- em todo o sistema − os preços sobem e
tender seus ʽpontos de pressãoʼ e aplicar as receitas diminuem, a oferta de bens
o poder marítimo de forma mais eficaz; torna-se insuficiente”. E acrescenta que,
Corbett, por outro lado, não levou em por essa visão, “o poder marítimo pode
conta esse desenvolvimento econômico ser usado para interditar o comércio ma-
transformador”. rítimo e, com isso, perturbar a economia
Na sequência, o autor faz uma ana- nacional de forma significativa a ponto
logia entre a situação mundial do início de obrigar o inimigo a pedir a paz. Já
do século XX e o comércio globalizado Corbett considerava o domínio marítimo
atual, mostrando como a tecnologia alte- subordinado à terra”.
rou a forma de comércio e transporte de Suarez considera que, embora a sim-
mercadorias e que essas alterações ainda plicidade de Corbett seja atraente, sua
estão em desenvolvimento. “Muitas ve- utilidade para a Marinha de hoje é questio-
zes era mais barato comprar mercadorias nável: “A missão de interdição de comér-
a milhares de quilômetros de distância cio é complexa. O aparente desconforto
do que a dezenas de quilômetros. A e a incapacidade de Corbett expressar o
economia internacional de hoje se asse- significado econômico da interdição do
melha àquela em um grau surpreendente. comércio apenas ampliam sua questioná-
Economias nacionais individuais nova- vel relevância na estratégia marítima. No
mente se transformaram em uma teia entanto, seus pontos de vista são conside-
complexa em que cada linha garante a rados nas atuais discussões da Marinha dos
força e a fidelidade da outra. O sistema EUA sobre estratégia e doutrina naval”. E
de comércio globalizado é caracterizado conclui que, em vez de confiar na teoria
por movimento constante − fluxos ou operacional de Corbett, talvez a Marinha
correntes de informação, capital, bens e devesse colocar a estratégia em primeiro
pessoas”, avalia. lugar, como Mahan fez: “Se proibir o
Por outro lado, aponta fragilidade na comércio chinês é o plano, então é hora
economia globalizada e interdependente: de tirar o pó de Mahan, não de Corbett”.

254 RMB3oT/2021
REVISTA DE REVISTAS

DTOceanplus
Francisco Correa da Fonseca*
(Revista de Marinha, Portugal, jul/ago 2020, pp. 72-73)

A descarbonização do setor elétrico ção das tecnologias de aproveitamento


passa pelos oceanos, por serem estes e da energia dos oceanos. O DTOceanplus
os mares algumas das maiores fontes de consiste em desenvolver e validar um
energia renovável e limpa do planeta, pacote de ferramentas computacionais
com potencial de satisfazer uma parcela com o mesmo nome, gratuito e de código
significativa das necessidades humanas aberto. Contando com financiamento da
de energia elétrica. Fonseca inicia seu ordem de 8 milhões de euros e com 18
artigo chamando a atenção para este parceiros internacionais e dois labora-
fato e comenta a importância, para a tórios de referência nos Estados Unidos
Europa, da transição do setor elétrico da da América, sua primeira versão de
matriz baseado em combustíveis fósseis ferramentas foi prontificada e lançada
e importados para um sistema próprio, em maio do ano passado, após dois anos
“flexível e interligado, em função da de trabalho.
necessidade do controle da emissão de “Ao longo dos próximos meses, as
carbonos para diminuir os efeitos do ferramentas serão testadas e validadas em
aquecimento global”. cenários reais, até que a versão final do
O artigo esclarece que o DTOceanplus software seja lançada e disponibilizada
é um projeto do programa Horizon 2020 publicamente”, explica.
(H2020) de três anos (2018-2021), finan- Mais informações sobre o projeto
ciado pela Comissão Europeia, que tem estão disponíveis em www.dtocean-
como propósito acelerar a comercializa- plus.eu.

SUPONHA QUE ESTAMOS EM GUERRA


E A MARINHA MERCANTE NÃO VEIO
Salvatore R. Mercogliano **
(Proceedings, EUA, janeiro/2020, vol. 146/1/1, 403, pp. 48-54)

A importância da logística na guerra bem pensadas, pois suas consequências


moderna não é mais discutida, o que só poderão ser medidas quando não
se busca agora é como melhorar o seu for mais possível reagir. Mercogliano
emprego e como diminuir o seu custo, levanta a questão do apoio logístico
porém algumas decisões devem ser muito para o transporte do material necessário

* Engenheiro especialista em Operações Offshore da WavEC – Offshore Renewables.


**Bacharel em Ciências em Transporte Marítimo pela State University of New York Maritime College e
PhD em História Militar e Naval pela Universidade do Alabama. Licenciado como oficial de Convés da
Marinha Mercante. Professor de História na Campbell University (Carolina do Norte) e na US Merchant
Marine Academy.

RMB3oT/2021 255
REVISTA DE REVISTAS

ao combate e, focando sua análise nas E apresenta, como base da estratégia


necessidades de uma força de transporte de transporte do apoio logístico (sealift
de material, trabalho que sempre foi re- trident), os seguintes pontos:
alizado pela Marinha Mercante, comenta − resposta rápida, por navios do go-
a importância não só de haver um plano verno, afretados diretamente da força
de mobilização factível, mas também de de superfície pré-posicionada;
este ser testado. − uma força mobilizada de navios
O artigo sublinha a participação da mercantes de bandeira dos EUA e
Marinha Mercante dos Estados Unidos daqueles oriundos das frotas de trans-
da América (EUA) na história do país porte marítimo de reserva dos serviços
desde a guerra de 1898 contra a Espanha MarAd e MSC implantados a partir do
até a Guerra Fria, quando o transporte território continental do país; e
de cargas para as áreas de conflito foi − sustentação, pela Marinha Mer-
atendido pela frota mercante e pela cante dos EUA, por meio de sua frota
criação do núcleo da frota de navios comercial e redes corporativas, para
mercantes, operado pelo Serviço de fornecer suprimentos que mantenham as
Transporte Marítimo Militar (atual Co- forças dos EUA no campo de batalha,
mando de Transporte Marítimo Militar onde quer que este seja.
− MSC) e pela frota reserva, operada O autor analisa o comportamento dos
pela Administração Marítima (MarAd). navios de apoio logístico que realizarão a
“Com o passar dos anos, a idade da fro- base estratégica acima descrita, mostrando
ta construída para a guerra aumentou, a situação atual de cada componente naval
enquanto o número de suas unidades do sealift trident. E conclui: “É hora de
diminuía. Surgiram novas bandeiras colocar a logística marítima na frente e
de registro, com navios mais baratos no centro. A Marinha Mercante deve ser
para construir, operar e documentar e incluída em quaisquer novas estratégias
criaram-se rodovias interestaduais e conjuntas. Os militares devem garantir
sistemas de dutos. Os pagamentos di- que a Lei Jones1 seja mantida, que a prefe-
ferenciados no final da década de 1980 rência de carga seja ampliada e que os fun-
terminaram, e a mudança nos estaleiros dos e números do Programa de Segurança
nacionais para a construção de vice- Marítima sejam aumentados para atender
-comércio naval levou a um declínio às necessidades dos interesses militares e
na Marinha Mercante. De um pico de comerciais dos EUA. Caso contrário, a
1.288 navios em 1951, hoje apenas 180 nação pode se ver com forças militares
navios de mais de mil toneladas brutas desdobradas no exterior sem meios para
permanecem ativos”, discorre. alimentá-las, armá-las ou sustentá-las”.

1 N.R.: Jones Act – Lei de 1917 que proíbe embarcações estrangeiras de transportarem combustíveis entre
portos norte-americanos.

256 RMB3oT/2021
REVISTA DE REVISTAS

UM DISSUASOR COM CREDIBILIDADE


CONTRA ATAQUES CIBERNÉTICOS CHINESES
Norman Friedman*
(Proceedings, USA, junho/2021)

“Com o uso de armas cibernéticas de um dissuasor deve representar ameaça


vários tipos, o mundo parece estar em um com credibilidade suficiente para indicar
novo tipo de era estratégica. Pela primeira ao inimigo a possibilidade de que sofrerá
vez em muitas décadas, existem armas reação causadora de danos a ponto de
estratégicas que podem ser usadas sem convencê-lo a evitar atividades ou ata-
destruir o mundo.” ques cibernéticos.
Esta assertiva inicial pontua este arti- Em relação à China, Friedman avalia
go de Friedman, por meio do qual busca que o Partido Comunista chinês já demons-
indicar que um ataque desse tipo poderia trou que fará enorme esforço para manter
justificar uma resposta nuclear. Ele analisa controle rígido de sua população e que o
e discute, ainda, o que poderia ser feito governo teme, ainda, distúrbios internos.
antes de se adotar essa reação extrema. O sistema de crédito social é o alvo ciber-
E pondera que, no caso da China, poder- nético da China que mais se aproxima dos
-se-ia ameaçar o seu sistema de crédito abrigos nucleares dos líderes soviéticos e
pessoal, ou seja, a própria sobrevivência é vulnerável. Segundo ele, esse sistema
econômica do país. de imposição de disciplina social prova-
O autor considera que os Estados velmente se tornará um produto de expor-
Unidos da América (EUA) vêm sendo tação, assim como a Alemanha Oriental
alvo de ataques cibernéticos de diversos e a Coreia do Norte antes exportavam
tipos, intensidades e origens e analisa treinamento em suas habilidades de ma-
alguns exemplos. A fim de coibir esses nutenção de estados policialescos. Parece
ataques, ele sugere que seu país possua provável, então, que o software-chave do
algum tipo de arma dissuasória. Para ele, sistema chinês se espalhará − e se tornará
ainda mais vulnerável a interferências. Esse
sistema, segundo Friedman, é tão central
para a vida do governo chinês que é o
melhor alvo dos EUA para uma dissuasão
cibernética eficaz.
Finalizando, o autor questiona: os
EUA podem realmente “hackear” o
sistema de computador social chinês?
E novamente pondera: é possível que
o simples fato de se discutir este tema
O sistema de crédito social chinês pode ser com seriedade tenha impacto sobre o
alvo de ataques cibernéticos** governo chinês.

* Analista naval. É autor de mais de 30 livros, incluindo The Fifty-Year War: Conflict and Strategy in the
Cold War.
** Disponível em: https://www.usni.org/magazines/proceedings/2021/june.

RMB3oT/2021 257
REVISTA DE REVISTAS

A DEFESA COMO MOTOR DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA


Almirante Giampaolo Di Paola*
(Rivista Marittima, Itália, janeiro/2020, pp. 20-25)

A defesa europeia sempre oscilou entre pela afirmação da “identidade” (movimen-


dois grupos de defensores: de um lado os tos soberanos) nas sociedades modernas
visionários e fideístas pró-europeus, que liberais, abertas, líquidas e internaciona-
acreditam na integração europeia e na sua listas; e grande divisão da desigualdade
capacidade militar estratégica autônoma; externa e interna à Europa. Também é
contra estes se posicionam os da aliança apresentada a diferença do impacto, para
pró-atlântica, convencidos de ser indis- os dois lados da Aliança Atlântica, das
pensável manter uma forte aproximação crises que ocorrem no mundo. “Diante
com os Estados Unidos da América da ameaça da China, os EUA estão mais
(EUA). Di Paola avalia que, embora o preocupados com o eixo Ásia-Pacífico
emprego e a estabilidade econômica sejam em relação ao eixo euroatlântico e espe-
hoje as principais preocupações do povo ram que seus aliados assumam maiores
italiano, há motivos de se levar a sério o responsabilidades na gestão dos desafios
debate sobre a modernização das Forças europeus”, avalia.
Armadas da Europa. Ao mostrar a importância de a Euro-
O texto lista diversos fatores que im- pa mudar seu posicionamento em rela-
pactam o cenário de segurança europeu, ção às políticas para a Defesa, defende
destacando: explosão demográfica na que esta se constitua num motor para
África e na Ásia; expansão do terroris- dar ao continente uma verdadeira iden-
mo jihadista na África Subsaariana e no tidade e uma nova dimensão política,
Oriente Médio; mudança do centro de “como ator de segurança internacional,
gravidade econômico e geopolítico da capacitando a Otan para atuar tanto no
área euroatlântica para a região da Ásia- cenário europeu como nas duas margens
-Pacífico; surgimento de novas potências do Atlântico”.
globais, como China e Índia; ressurgimen- E conclui dizendo que é chegado
to da Rússia e a crescente reafirmação de o momento de começar “um novo re-
potências regionais, como Irã e Turquia; naissance de segurança europeu e uma
crise das principais instituições interna- barganha transatlântica adaptada para
cionais que representam o mundo liberal- novo renaissance transatlântico” e que
-democrático (Organização das Nações a concretização depende principalmente
Unidas, União Europeia e Organização do dos próprios europeus, em particular dos
Tratado do Atlântico Norte − Otan); luta principais países, incluindo Itália.

* Especializado em Submarinos, serviu em diversos cargos em submarinos e unidades de superfície. Frequentou


o Nato Defense College, em Roma (Itália). Também serviu no Comando Aliado do Atlântico (Saclant),
em Norfolk, Virgínia, EUA.

258 RMB3oT/2021
REVISTA DE REVISTAS

TRÁFICO NO MEDITERRÂNEO OCIDENTAL:


SITUAÇÃO, EVOLUÇÃO E IMPLICAÇÕES
PARA A MARINHA
Capitão de Mar e Guerra (Espanha) Ramón Fernández Borra*
e Capitão de Corveta (Espanha) Francisco Delgado Urrutia**
(Revista General de Marina, Espanha, maio/2020, pp. 689-701)

A grande preocupação com a imigração O contrabando de outros produtos


ilícita domina as estratégias das nações também é citado como presente na área
banhadas pelo Mediterrâneo, em especial em questão, com destaque para o taba-
aquelas com proximidade da costa africa- co e outras falsificações. “O tráfico de
na, com o agravante do estreitamento que armas existe, porém a regulamentação e
Gibraltar representa geograficamente. Os a estabilidade da UE fazem com que isto
autores apresentam o problema lembrando seja uma preocupação menor, diferente
que o tráfico no Mediterrâneo Ocidental do que pode acontecer em outras partes
vem, nos dias de hoje, de origens diversas do mundo. No entanto, a possibilidade
para um ponto de encontro na Africa. de transporte de armas de destruição
“Afeta-nos especialmente o que ocorre em massa por grupos terroristas não
nos países da margem sul ou do Magrebe, pode ser descartada”, analisam. Ainda,
como podemos constatar. No entanto, o diferenciam o tráfico de seres humanos
problema tem raízes que, na maioria dos da migração ilegal de pessoas, expli-
casos, estão em lugares muito distantes cando que existem grupos de crime
da África, na América, no Oriente Médio organizado especificamente dedicados
e até na Ásia”. àquela atividade, que, em alguns casos,
Borra e Urrutia preveem um agrava- pode utilizar redes envolvidas em outras
mento da situação e ampliam sua análise atividades ilegais.
abordando a questão do tráfico de drogas, O artigo é finalizado detalhando a ação
revelando que a UE constitui um mercado da Marinha como ator fundamental e des-
de drogas com movimentação estimada tacando os desafios da Força para cumprir
em cerca de 24 milhões de euros por ano. as novas tarefas a ela afetas.

* Foi comandante das Unidades da Força de Ação Marítima em Ferrol (2019-2021).


** Graduado em Inteligência Militar pela Esfas e especialista em Guerra Eletrônica e Energia e Propulsão.

RMB3oT/2021 259
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importantes


da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante, dar
aos leitores informações sobre a atualidade e permitir a pesquisado-
res visualizarem peculiaridades da Marinha.
Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com
fotografias.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO
ATIVAÇÃO
Ativação do Grupo de Embarcações de Operações Ribeirinhas do Norte (264)
Mostra de Ativação do Grupo de Embarcações de Operações Ribeirinhas do
Amazonas (265)
BAIXA DE SERVIÇO
Mostra de Desarmamento da Fragata Greenhalgh (266)
Mostra de Desarmamento do Navio-Varredor Albardão (267)
COMEMORAÇÃO
70o Aniversário do Colégio Naval (268)
POSSE
Assunção de cargos por Almirantes (270)
MB assume comando da Combined Task Force 151 (270)
PRÊMIO
BHMN recebe prêmios Qualidade Águia Americana e Quality Awards 2021 (271)
NPaOc Araguari é condecorado com diploma (271)
Vencedor do Concurso de Arquitetura para o Museu Marítimo é anunciado (272)
PROGRAMA ANTÁRTICO BRASILEIRO
DHN participa de Conferência da Comissão Hidrográfica para a Antártica (273)
PROGRAMA NAVAL
Emgepron inaugura Escritório Técnico em Itajaí (274)
RECEBIMENTO
Marinha recebe aeronave UH-15 Super Cougar (274)
TRANSFERÊNCIA
Comando da Força de Submarinos é transferido para o Complexo Naval de
Itaguaí (275)
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

APOIO
MANUTENÇÃO
Aeronave AF-1B volta a operar em homenagem ao CC Igor (278)

ÁREAS
ÁRTICO
Cirm cria o Grupo Técnico Ártico (278)
CABO VERDE
Missão Naval em Cabo Verde recebe visita da ministra da Defesa Nacional (279)
PARAGUAI
MB participa de evento sobre Rota Bioceânica Brasil-Chile (280)

ARTES MILITARES
JOGO DE GUERRA
EGN participa do 47o Interamerican War Game (280)

ATIVIDADES MARINHEIRAS
SALVAMENTO
Marinha resgata tripulante de navio mercante (281)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
ENERGIA ALTERNATIVA
Secirm assina Acordo de Cooperação com Cepel (282)
NAVEGAÇÃO
Sinergia entre ICT gera avanços em Sistemas de Informação para Navegação (282)
OCEANOGRAFIA
CHM lança boia ondógrafo do Projeto Remo Observacional (283)
Radar Oceanográfico HF Codar é inaugurado na Ilha do Cabo Frio (284)

CONGRESSOS
CONFERÊNCIA
Brasil participa de eventos da Unesco (285)
Fuzileiros Navais apresentam suas capacidades ao UNPCRS (286)
Marinha representa o Brasil em Conferência Internacional de Desminagem
Humanitária (286)
REUNIÃO
1oBtlOpRib promove 1o Workshop de Cinotecnia Militar (287)
Camas realiza 1a Reunião Operativa de Monitoramento Marítimo (288)
DHN participa da IRCC (288)
Marinha participa da reunião do GTI do Setor Cibernético (289)
MB promove Sessão Ordinária da ComTecPolÓleo com comunidade científica (290)
SEMINÁRIO
1o Webinar Economia de Defesa no Brasil (291)
SIMPÓSIO
Simpósio Marinha do Brasil: o mar e a sociedade (292)

RMB3oT/2021 261
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

EDUCAÇÃO
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
Integrante da EGN é convidado para lecionar no King's College London (293)
ESPORTE
CDM participa da Reunião da Alta Direção do Desporto Militar (293)
ComFFE divulga programas do Ministério da Defesa (294)
CTecCFN reinicia as atividades presenciais do Profesp (295)
Resultado Esportivo – Mundial de Canoagem Eletrônica (296)
VIAGEM DE ADESTRAMENTO
Ciaga realiza Mercantex 2021 (296)

FORÇAS ARMADAS
ADESTRAMENTO
Meios da Esquadra realizam tiro real contra alvo de superfície (297)
EXERCÍCIO
Batalhão de Combate Aéreo realiza Exercício de Fogo de Artilharia Antiaérea (298)
Brasil, Peru e Colômbia realizam exercícios táticos nos rios Solimões e Marañon (298)
Comando da Flotilha de Mato Grosso realiza AdeFase e Exercício de Tiro 2021 (299)
EsqdHS-1 lança míssil contra ex-Corveta Jaceguai (299)
MODERNIZAÇÃO
Marinha recebe a quarta aeronave modernizada MK-21B (300)

MEIO AMBIENTE
OCEANO
Marinha celebra Dia Mundial dos Oceanos (300)
POLUIÇÃO DO MAR
Plano Decorrente de Combate ao Lixo no Mar (301)

PODER MARÍTIMO
APRESAMENTO
Delegacia Fluvial de Uruguaiana apreende soja no Rio Uruguai (302)
MB e PF interceptam veleiro com haxixe (302)
ORLA MARÍTIMA
CFAOC apoia a primeira Feira Flutuante do Brasil (303)
PATRULHA NAVAL
NPaFLu Rondônia apreende mineral raro em Patrulha Naval (303)
POLÍCIA NAVAL
Agência Fluvial de Itacoatiara apreende empurrador sem documentação (304)
PORTOS E COSTAS
CPAOR acompanha teste de transbordo de granéis com guindaste flutuante
no Pará (305)
Formalização da parceria para o Corredor Centro-Norte (305)
Terminal de Contêineres de Rio Grande registra sua maior operação de transbordo
(306)

262 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO
CFT e EsqsHU-91 atuam em acidente ambiental no Amazonas (306)
Inaugurada nova estação DGNSS no Farol da Ilha Rasa (307)
SEGURANÇA NO MAR
Cismar realizará Estágio Básico de Segurança Marítima a Distância (308)

PSICOSSOCIAL
AJUDA HUMANITÁRIA
CPAOR recebe doação de coberturas de eixos (308)
ASSISTÊNCIA
Marinha presta apoio logístico ao Exército (309)
ASSISTÊNCIA SOCIAL
MB promove Aciso em Barcarena (309)
NAsH Oswaldo Cruz realiza sonho infantil (310)
CINEMA
Lançamento da série documental Luzes da Amazônia Azul (311)

SAÚDE
ASSISTÊNCIA MÉDICA
NAsH Carlos Chagas atende ribeirinhos e indígenas no Rio Javari (311)
NAsH Doutor Montenegro encerra 21a Operação Acre (312)
EVACUAÇÃO
8o DN coordena Evam de tripulante de navio maltês (313)
Comando do 6o DN realiza resgate no Pantanal (313)
PANDEMIA
MB segue com ações de combate à Covid-19 (314)
PESQUISA
Fundação Amarcílio (317)
PRIMEIROS SOCORROS
Batalhão Tonelero recebe certificação em atendimento a vítimas de combate
tático (317)

VALORES
LIDERANÇA
Liderança Naval – Rosa das Virtudes (318)

RMB3oT/2021 263
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ATIVAÇÃO DO GRUPO DE EMBARCAÇÕES


DE OPERAÇÕES RIBEIRINHAS DO NORTE

A Marinha do Brasil ativou, em 4 de A ativação do GrEOpRibN, portanto,


agosto último, o Grupo de Embarcações coaduna-se com o objetivo estratégico de
de Operações Ribeirinhas do Norte. manter e ampliar a presença naval na região
Transcrevemos abaixo a Ordem do amazônica, ao proporcionar, por meio de
Dia alusiva à Mostra de Ativação, emitida suas Lanchas de Operações Ribeirinhas
pelo comandante de Operações Navais, (LOpRib) e Lanchas de Ação Rápida (LAR),
Almirante de Esquadra Alipio Jorge Ro- maior capilaridade às ações táticas conduzi-
drigues da Silva. das pelos ComGptPatNavN e 2o Batalhão de
“É com grande orgulho e satisfação Operações Ribeirinhas, permitindo a proje-
que tenho a honra de anunciar a ativação ção de poder em furos e igarapés normal-
do Grupo de Embarcações de Operações mente inacessíveis a meios de maior porte.
Ribeirinhas do Norte (GrEOpRibN). Em síntese, as especificidades das em-
Esta Mostra coroa o contínuo e dedicado barcações subordinadas ao GrEOpRibN
trabalho, motivado pela necessidade de permitirão que a Marinha reforce suas
incrementar a aplicação do Poder Naval características de mobilidade, permanên-
cia, flexibilidade e versatilidade, por meio
de ações coordenadas com outros meios
navais, aeronavais e de Fuzileiros Navais,
nas hidrovias amazônicas e suas margens.
Ao Capitão-Tenente Victor da Silva
Bruzão, oficial que ora assume a cana do
leme da mais nova OM do Setor Operativo
de nossa Marinha, formulo votos de êxito
na importante e desafiadora missão, certo
Descerramento de placa de inauguração de que contará com o discernimento e
do GrEOpRibN
competência para a singradura.
na Amazônia Oriental, por intermédio de Por fim, exorto a tripulação do Grupo
uma organização dedicada ao aprestamen- de Embarcações de Operações Ribeirinhas
to dessas embarcações. do Norte e a todos os que trabalharam
O GrEOpRibN assume, preponderan- diuturnamente para a ativação desta OM, a
temente, a responsabilidade de concorrer manterem inabaláveis seu profissionalismo,
para o esforço logístico, com a adequa- entusiasmo e dedicação. Tenham a certeza
da preparação dos meios, nas diversas de que as crescentes demandas impostas à
operações conduzidas pelo Comando do Marinha do Brasil reafirmam o comprometi-
Grupamento de Patrulha Naval do Norte mento e a capacidade profissional de nossos
(ComGptPatNavN), contribuindo para a marinheiros, características indispensáveis
defesa das Águas Jurisdicionais Brasilei- para a manutenção da elevada confiabilidade
ras e para o cumprimento das atividades que desfrutamos perante nossa Nação.
subsidiárias previstas em Lei, na área de Viva a Marinha! Tudo pela Pátria!”
jurisdição do Comando do 4o Distrito (Fontes: Centro de Comunicação Social
Naval, em especial no segmento fluvial. da Marinha e Bono no 729, de 4/8/2021)

264 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MOSTRA DE ATIVAÇÃO DO GRUPO DE EMBARCAÇÕES


DE OPERAÇÕES RIBEIRINHAS DO AMAZONAS

Foi realizada, em 30 de agosto último, das baixas profundidades provocadas pela


a cerimônia de Mostra de Ativação do variação do nível dos rios durante o ano;
Grupo de Embarcações Ribeirinhas além de auxiliar em ações de fiscalização,
do Amazonas (GrEOpRibAM). O de combate aos crimes transfronteiriços e
comandante de Operações Navais, de assegurar o cumprimento das normas
Almirante de Esquadra Alipio Jorge legais relacionadas com a salvaguarda
Rodrigues da Silva, assim se pronunciou, da vida humana, a segurança do tráfego
em Ordem do Dia, sobre a ativação da aquaviário e a defesa do patrimônio
nova Organização Militar (OM): natural brasileiro.
“É com grande satisfação que tenho a As Lanchas de Operações Ribeirinhas
honra de ativar o Grupo de Embarcações Blindadas (LOpRiB) e as Lanchas de Ação
de Operações Ribeirinhas do Amazonas. O Rápida (LAR), doravante manutenidas e
GrEOpRibAM assume a responsabilidade operadas pelo GrEOpRibAM, não só
de contribuir para a defesa das Águas continuarão a se destacar nas Operações
Jurisdicionais Brasileiras e do Território Ribeirinhas, ações de Patrulhamento
Nacional, motivado pelas necessidades de e Inspeção Naval desencadeadas na
incrementar a aplicação do Poder Naval área do Comando do 9o Distrito Naval,
na Amazônia Ocidental, por meio das mas, sobretudo, permitirão que a
ações de Patrulha e Inspeção Naval, e de Marinha reforce suas características de
aperfeiçoar a doutrina de emprego das mobilidade, permanência, flexibilidade
embarcações em Operações Ribeirinhas. e versatilidade, por meio de ações
Subordinada ao Comando da Flotilha coordenadas com outros meios navais,
do Amazonas (ComFlotAM), esta nova aeronavais e de Fuzileiros Navais nas
Organização Militar possibilitará também, hidrovias amazônicas e suas margens.
à Marinha do Brasil, maior participação Ao Capitão-Tenente Miqueias Bezerra
em ações de Garantia da Lei e da Ordem, Oliveira, oficial que ora assume o Comando
missões com órgãos extra-Marinha e o da mais nova OM do Setor Operativo de
incremento na interoperabilidade com nossa Marinha, formulo votos de êxito
o Exército e a Força Aérea Brasileira. na importante e desafiadora comissão,
Para tal, todos esses desafios demandam certo de que contará com discernimento
o constante aperfeiçoamento da utilização e competência para a condução de suas
de suas embarcações, especialmente atividades e para a superação dos desafios
quando se trata de navegação nos rios que se apresentarão em sua singradura.
da Amazônia. Por fim, concito a tripulação do
A desafiante missão de fiscalizar Grupo de Embarcações de Operações
mais de 22 mil quilômetros de extensão Ribeirinhas do Amazonas e a todos
dos rios da Região Norte terá, a partir que trabalharam diuturnamente para a
de hoje, o reforço do GrEOpRibAM, ativação desta OM a manterem firmes o
proporcionando maior capilaridade profissionalismo e a dedicação em prol de
operacional, justificada nas áreas onde um mesmo ideal, entregando à sociedade
os meios subordinados ao ComFlotAM brasileira mais uma organização militar
não conseguem se projetar, em virtude que busca incessantemente a excelência.

RMB3oT/2021 265
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Tenham a certeza de que as crescentes manutenção da elevada confiabilidade


demandas impostas à MB reafirmam de que desfrutamos perante todos os
o comprometimento e a capacidade brasileiros.
profissional de nossos marinheiros, Viva a Marinha! Tudo pela Pátria!”
características indispensáveis para a (Fonte: Bono no 803, de 30/8/2021)

MOSTRA DE DESARMAMENTO DA
FRAGATA GREENHALGH

Foi realizada, em 10 de agosto último, zada em Plymouth, Inglaterra, conferindo


a cerimônia de Mostra de Desarmamento maior vigor à Força de Superfície e am-
da Fragata Greenhalgh. A solenidade, pliando a capacidade de nossa Esquadra.
presidida pelo chefe do Estado-Maior da A configuração do navio incluía sis-
Armada, Almirante de Esquadra Marcos temas sofisticados à época, dos quais se
Silva Rodrigues, aconteceu no Píer 2 da destacavam: lançadores de mísseis Exo-
Base Naval do Rio de Janeiro. cet; mísseis antiaéreos de defesa de ponto
O Almirante Silva Rodrigues emitiu a Sea Wolf, com seu sistema de controle
seguinte Ordem do Dia alusiva ao evento: (GWS 25); radares de vigilância combina-
“Em cumprimento ao disposto na da (aérea e de superfície) 967-968; sonar
Portaria no 224, de 4 de agosto de 2021, de casco 2050; processamento centrali-
do comandante da Marinha, reali- zado de informações de combate
za-se, na presente data, a Mostra (CAAIS) e enlace automático de
de Desarmamento da Fragata dados entre navios.
Greenhalgh, quarto navio a ser- Em seus pouco mais de 26 anos
viço da Marinha do Brasil a de incorporação à Armada Brasi-
ostentar esse nome, que faz refe- leira, o ‘Lobo Guerreiro’ alcançou
rência ao Guarda-Marinha João marcas expressivas, totalizando
Guilherme Greenhalgh, perso- 1.234 dias de mar e 247.119,62
nagem heroico de nossa história, milhas náuticas navegadas e
cuja notoriedade ocorreu na Batalha tendo participado de inúmeras
Naval do Riachuelo. comissões, cabendo destacar:
A Fragata Greenhalgh, Brasão da Fragata Paradex, Tropicalex/Aprestex,
Greenhalgh
ex-HMS Broadsword − F-88, Aderex, Venbras 2000, Aspi-
primeiro navio da classe no Brasil, foi rantex, Missex, Unitas, Poit e Adefasex.
construída pelo estaleiro Yarrow Shi- A Fragata Greenhalgh visitou e bem
pbuilders Ltd., em Scotstoun, Glasgow, representou o Brasil em variados portos
na Escócia. O contrato de compra da no País e no exterior, tais como: Vitória
Greenhalgh, de suas três irmãs e de três (ES), Santos (SP), Recife (PE), Itajaí
varredores da classe River foi assinado em (SC), Salvador (BA), Ilhéus (BA), Ca-
18 de novembro de 1994, com as trans- bedelo (PB), Natal (RN), Maceió (AL),
ferências ocorrendo à medida que foram Montevidéu (Uruguai), Norfolk (EUA),
deixando o serviço ativo na Royal Navy. San Juan (EUA) e Baltimore (EUA).
Foi incorporada à Marinha do Brasil em Outro marco importante da Fragata
30 de junho de 1995, em cerimônia reali- Greenhalgh foi a participação da comissão

266 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

em apoio aos Jogos Olímpicos e Paralím- forjar a alma deste navio com espírito de
picos do Rio de Janeiro, no período com- sacrifício, abnegação, fogo sagrado, pa-
preendido entre 6 e 18 de agosto de 2016, triotismo e, acima de tudo, camaradagem.
contribuindo para a segurança dos Jogos, A sua singradura vitoriosa permanecerá
elevando o nome do Brasil perante o mundo. viva nas lembranças dos seus tripulantes.
Ao término do Cerimonial à Bandei- Ao Lobo Guerreiro, Bravo Zulu!
ra, ato que encerra a sua vida operativa, Marinha Forte! Brasil Soberano!”.
exaltamos todos os marinheiros, verda- (Fontes: Bonos nos 740, de 9/8/2021,
deiros heróis anônimos, que ajudaram a e 748 de 10/8/2021)

MOSTRA DE DESARMAMENTO
DO NAVIO-VARREDOR ALBARDÃO

Foi realizada em 4 de maio último, para redução de sua assinatura magnética.


na Base Naval de Aratu (BA), a Mostra Com equipamentos de alto grau de com-
de Desarmamento do Navio-Varredor plexidade e específicos para realização
Albardão. A cerimônia foi presidida pelo de tarefas de varredura, foi o primeiro
chefe do Estado-Maior da Armada, Almi- navio a serviço da Marinha do Brasil a
rante de Esquadra Marcos Silva Rodri- ostentar esse nome, em referência ao farol
gues, e contou com a presença do chefe localizado na península do Albardão, no
de Operações Conjunta do Ministério da Rio Grande do Sul.
Defesa, Almirante de Esquadra Petrônio Em continuidade às atividades de con-
Augusto Siqueira de Aguiar, além do co- tramedidas de minagem na Marinha do
mandante do 2o Distrito Naval (Salvador- Brasil, em substituição aos navios-varre-
-BA), Vice-Almirante Humberto Caldas dores classe Javari, de projeto americano,
da Silveira Junior, e do comandante da datados da década de 40, o Navio-Varre-
Força de Minagem e Varredura, Capitão dor Albardão foi o último navio de sua
de Fragata Fábio Borges Gonçalves. Os classe a entrar em operação. Sua quilha
Almirantes de Esquadra Silva Rodrigues foi batida em 12 de outubro de 1973 e foi
e Petrônio foram homenageados durante lançado ao mar em 5 de setembro de 1974.
o evento, por terem comandado o navio. A partir de 30 de junho de 1975 iniciou
O Almirante Silva Rodrigues emitiu a as provas de mar e realizou a Mostra de
seguinte Ordem do Dia alusiva ao evento: Armamento em 25 de fevereiro de 1976,
“Em cumprimento ao disposto na no Cais Alfa da Base Naval de Aratu. O
Portaria no 127, de 4 de maio de 2021, do Ato de Incorporação foi publicado pelo
Comandante da Marinha, realiza-se na Aviso no 120, de 10 de fevereiro de 1976,
presente data a Mostra de Desarmamento do Sr. Ministro da Marinha, Almirante
do Navio-Varredor Albardão. de Esquadra Geraldo Azevedo Henning.
O Navio-Varredor Albardão foi cons- Em seus 45 anos e dois meses de incor-
truído pelo Estaleiro Abeking & Rasmus- poração à Armada brasileira, o “Tubarão”
sen, em Lemwerden, na Alemanha, com alcançou as expressivas marcas de 1.876
características bastante peculiares, como o dias de mar e 231.266,7 milhas náuticas
casco de madeira e um sistema de proteção navegadas, tendo visitado diversos por-

RMB3oT/2021 267
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

tos no litoral brasileiro, como Fortaleza, chefe do Estado-Maior da Armada; e o


Natal, Recife, Maceió, Aracaju, Ilhéus, Almirante de Esquadra Petronio Augusto
Vitória, Rio de Janeiro, Santos, Parana- Siqueira de Aguiar, chefe de Operações
guá, Itajaí, Porto Alegre e Rio Grande, Conjuntas do Estado-Maior Conjunto
além de tremular o Pavilhão Nacional no das Forças Armadas do Ministério da
porto de Montevidéu, no Uruguai, bem Defesa. Os dois últimos, ainda na ativa,
representando nossa Marinha no exterior. prestam hoje suas homenagens a este
Em seu ciclo operativo, recebeu por valoroso navio ao participarem desta
diversas vezes o prêmio de Navio-Var- significativa cerimônia.
redor Eficiência e participou, sempre na Nesta manhã, o arriar do Pavilhão
vanguarda, de inúmeras operações, nas Nacional a bordo do “Tubarão” tem um
quais contribuiu para o adestramento e significado singular, marcando, de forma
manutenção da doutrina de Guerra de solene e respeitosa, o fim de suas ativida-
Minas, cabendo destacar as seguintes des em prol da Marinha do Brasil, exigin-
comissões: Águas Claras, Adevarex, do, assim, o devido reconhecimento a toda
Aderex, Deportex e as Operações Dra- história de profissionalismo, dedicação,
gão e Cabrália. camaradagem e espírito de sacrifício
Desde sua incorporação, 43 capitães- deixada por todos os heroicos tripulantes
-tenentes ostentaram as suas respectivas que tiveram a honra de guarnecer seus
estrelas douradas de Comando. Dentre conveses, fazendo valer a ideia “homens
estes, sete alcançaram o posto de oficial- de ferro em navios de madeira”, em sua
-general, sendo que três ex-comandantes máxima expressão. “Albardão: Raia cor-
galgaram o posto máximo da carreira na- rida, mina varrida”! Bravo Zulu!
val: o Almirante de Esquadra (Reforma- Viva a Marinha! Marinha Forte, Brasil
do) Arthur Pires Ramos, ex-diretor-geral Soberano!”.
do Material da Marinha; o Almirante (Fontes: Bono Especial no 481, de
de Esquadra Marcos Silva Rodrigues, 23/5/2021, e www.marinha.mil.br)

70o ANIVERSÁRIO DO COLÉGIO NAVAL

Foi realizada em 13 de agosto último, Leonardo Pacheco Viana, emitiu a seguin-


em Angra dos Reis (RJ), a cerimônia mi- te Ordem do Dia:
litar alusiva aos 70 anos do Colégio Naval “Gostaria de agradecer ao Vice-Al-
(CN). Em virtude do cumprimento das mirante Renato Garcia Arruda, diretor
medidas sanitárias para o enfrentamento de Ensino da Marinha, pela honra que
da Covid-19, a presença na cerimônia foi nos concede em presidir esta cerimônia.
restrita, com transmissão em tempo real Agradeço também ao prefeito de An-
pelo canal oficial da Marinha no Facebook. gra dos Reis, Sr. Fernando Jordão, aos
Como parte das comemorações, a Banda do membros do Executivo e Legislativo
Colégio Naval realizou uma apresentação no Municipal e Estadual e aos convidados
dia 17 do mesmo mês, sem público, também aqui presentes, que abrilhantam com suas
transmitida pelo mesmo canal. presenças esta cerimônia.
Por ocasião do aniversário, o coman- Formulo um agradecimento especial
dante do CN, Capitão de Mar e Guerra, aos componentes da Turma de 1951,

268 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

a pioneira, que demonstram com suas fissionalismo e eficiência na execução de


marcantes presenças a importância que o cada tarefa. Estejam certos de que a soma
Colégio Naval possui em suas vidas. Hoje, do esforço das senhoras e senhores, e de
eles representam todos os jovens que há todos aqueles que nos antecederam, nos
70 anos chegaram a Angra dos Reis, a permitiu chegar aos 70 anos de história,
bordo dos Contratorpedeiros Beberibe e pois manter-se capaz de bem preparar
Baependi, marcharam por uma pequena jovens requer constante busca pelo aprimo-
estrada e pouco tempo depois encontraram ramento. E assim vem fazendo o Colégio
um edifício amarelo, de fachada imponen- Naval, com o apoio da Diretoria de Ensino
te, emoldurado numa bela enseada, entre da Marinha, buscando a excelência do
o verde da mata e o azul do céu e que ensino, incentivando o engrandecimento
guardava, em seu interior, os desafios e cultural de nossos professores e propor-
conquistas que transformariam seus alu- cionando oportunidades aos nossos alunos
nos em homens do mar. Iniciaram, assim, de melhor conhecerem a nossa força e as
a história do nosso Colégio. instituições de fomento intelectual, cientí-
Hoje, passados 70 anos, o Colégio vive fico e tecnológico do nosso País.
uma fase madura, mas mantém a essência Entretanto, independente da evolução
da juventude, devido ao contínuo proces- da tecnologia, que já nos obrigou a reali-
so de renovação, que decorre das tarefas zar várias alterações nos currículos e nas
anuais de receber jovens oriundos de todo disciplinas aqui estudadas, é importante
o Brasil e transferir novos aspirantes para ressaltar que um aspecto não mudou
a Escola Naval. Essa rotina, que faz parte nestes anos − que é o ensino dos valores
de nossa missão, nos enche de orgulho, que norteiam a nossa Marinha, e que es-
entusiasmo e esperança de um futuro cada tão representados na Rosa das Virtudes,
vez melhor para a nossa força. E como ex- como honra, iniciativa, espírito militar,
-aluno e atual comandante, é indescritível a disciplina e patriotismo.
minha emoção de estar participando desta Por fim, ao concluir minhas pala-
cerimônia. Sinto-me honrado e agradecido vras, dirijo-me aos alunos, a razão de
por ter recebido esta oportunidade. ser desta instituição, e incentivo-os a
E assim, agradeço aos oficiais, praças, seguir sempre em frente, a fim de atin-
servidores e professores que dedicam ao girem a meta de tornarem-se oficiais
Colégio seu trabalho. Suas honrosas tarefas da Marinha do Brasil. Empenhem o
exigem determinação e responsabilidade, melhor de si, com dedicação e lealdade,
pois, além de despertar nos alunos a von- e continuem a envergar com orgulho
tade de vencer novos desafios e de superar o uniforme branco de nossa força. O
limites, servirão como seus primeiros en- caminho é árduo, exige tenacidade e
sinamentos na Marinha e deixarão, como abnegação, mas, tenham certeza, que o
legado, exemplos que eles levarão não só futuro revelar-se-á brilhante e pleno de
para a carreira naval, como também para conquistas e realizações.
suas vidas. É com orgulho que agradeço Parabéns ao Colégio Naval! Que Deus
pelo profícuo trabalho até aqui realizado e continue iluminando nossa jornada”.
os incentivo a buscar, cada vez mais, pro- (Fonte: Secom do Colégio Naval)

RMB3oT/2021 269
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES

− Contra-Almirante Antônio Ca- − Vice-Almirante Luiz Octávio Bar-


pistrano de Freitas Filho, chefe do ros Coutinho, diretor da Procuradoria
Gabinete do Comandante da Marinha, Especial da Marinha, em 8/7;
em 17/6; − Vice-Almirante Arthur Fernando
− Vice-Almirante Alexandre Ra- Bettega Corrêa, comandante em chefe
bello de Faria, presidente do Conselho da Esquadra, em 9/7;
de Delegados da Junta Interamericana − Contra-Almirante Rogerio Pinto
de Defesa, em 22/6; Ferreira Rodrigues, adido Naval nos
− Vice-Almirante Claudio Henrique Estados Unidos da América, em 19/7;
Mello de Almeida, chefe do Estado- − Contra-Almirante (IM) Alexandre
-Maior do Comando de Operações Chaves de Jesus, diretor do Centro de Con-
Navais, em 30/6; trole de Inventário da Marinha, em 21/7; e
− Vice-Almirante Eduardo Machado − Vice-Almirante Amaury Calheiros
Vazquez, comandante do 1 o Distrito Boite Junior, diretor de Gestão de Pro-
Naval, em 1/7; gramas da Marinha, em 25/8.

MB ASSUME COMANDO DA COMBINED


TASK FORCE 151

Em cerimônia interna, realizada em marítima multinacional, que promove


9 de junho último, na Combined Mari- segurança, estabilidade e prosperidade em
time Forces (CMF-Bahrain), a Marinha aproximadamente 3,2 milhões de milhas
do Brasil (MB) assumiu o Comando da quadradas de águas internacionais, as
Combined Task Force (CTF) 151. A CTF
151 é uma força-tarefa multinacional de
combate à pirataria e que provê proteção
ao comércio marítimo global em uma área
que abrange o Mar da Arábia, o Golfo de
Omã, o Golfo de Áden, a costa da Somália
e o sul do Mar Vermelho.
O Contra-Almirante André Luiz An-
drade Felix assumiu o Comando da CTF
151 pelas mãos do Comodoro Abdul
Munib, da Marinha do Paquistão, para um
mandato de junho a novembro deste ano.
MB comanda pela primeira vez a CTF
Essa é a primeira vez que a MB assume
o Comando da CTF 151, com o Brasil quais abrangem algumas das rotas marí-
sendo o primeiro país sul-americano a timas mais importantes do mundo.
ocupar papel de destaque nessa parceria (Fonte: www.marinha.mil.br)

270 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

BHMN RECEBE PRÊMIOS QUALIDADE ÁGUIA


AMERICANA E QUALITY AWARDS 2021

A Base de Hidrografia da Marinha em


Niterói (BHMN) conquistou os prêmios
Qualidade Águia Americana – Sustentabi-
lidade e Quality Awards 2021 (Excelência
em Gestão) concedidos, respectivamente,
pelo Instituto Nacional da Qualidade So-
cial (INQS) e pela International Quality
Company no Brasil. As cerimônias de
premiação foram realizadas em 18 e 19
Os oficiais Fernanda Chames e Jônathas Malaguth
de junho último, no Hakka Plaza Eventos, representaram a BHMN e receberam os prêmios
em São Paulo (SP).
Os prêmios destinam-se a homena- satisfação dos componentes da Força
gear e a divulgar as organizações com- de Trabalho, além de parceiros e clien-
prometidas com a recuperação e preser- tes. A premiação da BHMN demonstra
vação do meio ambiente e benefícios sua preocupação em contribuir com o
sociais, dedicadas à qualidade de vida, desenvolvimento nacional.
qualificação profissional, segurança e (Fonte: www.marinha.mil.br)

NPaOc ARAGUARI É CONDECORADO COM DIPLOMA

O Navio-Patrulha Oceânico (NPaOc) dedicado relevantes serviços ao estado


Araguari, subordinado ao Comando do de Pernambuco. A condecoração, reali-
Grupamento de Patrulha Naval do Nordeste, zada durante a cerimônia alusiva ao 8o
recebeu, em 21 de julho último, por ocasião Aniversário de Incorporação do NPaOc
de sua estadia no porto de Recife (PE), o Araguari à Armada, foi concedida ao
Diploma Capitão de Fragata Vital de Oli- navio pelo Instituto dos Docentes do
veira, em reconhecimento aos bons serviços Magistério Militar de Pernambuco, re-
prestados no litoral pernambucano. presentado, na ocasião, pelo assessor da
A distinção é ofertada a personalida- Presidência do Instituto, Fernando José
des e instituições militares que tenham Pereira Cavalcante.
No primeiro semestre deste ano, o Ara-
guari realizou ações de patrulha naval em
parceria com a Polícia Federal, apreendendo
entorpecentes que circulavam nas Águas
Jurisdicionais Brasileiras. As operações
contribuíram para o cumprimento de uma
das atividades subsidiárias da Marinha,
que é a repressão ao tráfico de ilícitos na
Amazônia Azul.
Entrega do diploma durante a cerimônia do (Fonte: Centro de Comunicação Social
8o Aniversário de Incorporação
do Araguari à Armada da Marinha)

RMB3oT/2021 271
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

VENCEDOR DO CONCURSO DE ARQUITETURA


PARA O MUSEU MARÍTIMO É ANUNCIADO

O Departamento Cultu-
ral do Abrigo do Marinheiro
(DCAMN), em parceria com
a Marinha do Brasil (MB) e o
Instituto de Arquitetos do Brasil
no Rio de Janeiro (IAB/RJ),
anunciou, em 9 de julho último,
o projeto vencedor do Concurso
de Arquitetura para o Museu
Marítimo do Brasil. A equipe
conjunta formada por Messina/
Projeto do Museu Marítimo do Brasil
Rivas Arquitetos, de São Paulo,
e Ben-Avid Studio, com base em Córdoba, ceitual inédita e de caráter nacional, é
Argentina, conquistou o primeiro lugar no estimular o conhecimento sobre a história
certame. O grupo tem o arquiteto e urba- marítima que está intrinsecamente ligada
nista Rodrigo Quintella Messina como à formação do País, destacando o mar e
responsável técnico. os rios como instâncias culturais, simbó-
Ao todo, 191 equipes, distribuídas por licas e míticas. O museu fará parte de um
17 estados do País, candidataram-se para complexo de centros culturais existentes
enviar projetos – um recorde na história na área central do Rio, como o Museu
das chamadas públicas do IAB/RJ. Além Histórico Nacional, o Centro Cultural do
do vencedor, foram anunciados os premia- Banco do Brasil, a Casa França-Brasil, o
dos com as segunda e terceira posições, Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu
sob a liderança de Nonato Veloso (Brasília do Amanhã.
– DF) e Álvaro Puntoni (São Paulo – SP), O Projeto Museu Marítimo do Brasil
respectivamente. (Fase 1) é realizado pelo DCAMN, pela
O Museu Marítimo do Brasil será cons- MB e pelo IAB/RJ, por meio da Lei Fede-
truído no Espaço Cultural da Marinha, ral de Incentivo à Cultura, da Secretaria
localizado no Centro do Rio de Janeiro, Especial de Cultura do Ministério do Tu-
próximo à Praça XV. A finalidade deste rismo. O projeto conta com o patrocínio
novo espaço, que tem uma proposta con- da Empresa Gerencial de Projetos Navais
(Emgepron), da Wilson
Sons, da Qualicorp, da
Companhia de Navega-
ção Norsul e da Granado
Pharmacias, além do
apoio do Conselho Na-
cional de Praticagem do
Brasil (Conapra).
“Pretendemos trazer
O projeto retoma a proximidade com o mar. Os visitantes essa bela história que
terão que atravessar a água para entrar acompanha o nosso País

272 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

e ajuda a manter a integridade da Nação. harmônica o local onde será construído”,


Ainda não temos tal representação em um disse o diretor do Patrimônio Histórico e
museu desse porte. O projeto vencedor Documentação da Marinha, Vice-Almi-
precisava não só atender às necessida- rante José Carlos Mathias.
des apontadas, mas integrar de maneira (Fonte: Revista Projeto)

DHN PARTICIPA DE CONFERÊNCIA DA COMISSÃO


HIDROGRÁFICA PARA A ANTÁRTICA

A Diretoria de Hidrografia e Nave- produziu e mantém atualizadas seis


gação (DHN), na condição de Serviço cartas náuticas em papel e cinco cartas
Hidrográfico Brasileiro, participou vir- náuticas eletrônicas, que se encontram
tualmente, em 14 de junho último, da 17a estabelecidas no III Plano Cartográfico
Conferência da Comissão Hidrográfica Náutico Brasileiro. Ainda resta a produção
Regional para a Antártica (HCA). de duas cartas náuticas em papel e suas
O Brasil integra a HCA como mem- respectivas cartas náuticas eletrônicas que
bro pleno pelo fato de ter aderido ao cobrem as Ilhas Shetlands do Sul.
Tratado da Antártica. Mesmo antes do Na reunião da HCA, foram discutidas
estabelecimento da HCA, o País reali- a participação da Organização Hidro-
zou levantamentos hidrográficos na Ilha gráfica Internacional na 43 a Reunião
do Rei George e nas proximidades da Consultiva do Tratado da Antártica
Ilha Elefante que culminaram na elabo- (ATCM XLIII), a atualização do plano de
ração de cartas náuticas naquela região. levantamentos hidrográficos e a situação
da produção cartográfica na região. Res-
salta-se a aprovação, pelos países-mem-
bros do Tratado da Antártica nas ATCM
de 2008, 2014 e 2019, de resoluções em
apoio à realização de levantamentos
hidrográficos e à produção e atualização
cartográficas em águas antárticas, em
prol da segurança da navegação.
A DHN participa, ainda, de outras duas
Comissões Hidrográficas Regionais: para
o Atlântico Sudoeste, com os serviços
hidrográficos da Argentina e do Uru-
Conferência virtual da HCA
guai, e para a Meso América e o Mar do
O ex-Navio de Apoio Oceanográfico Caribe, que conta com a participação de
(NApOc) Barão de Teffé foi pioneiro representantes de serviços hidrográficos
na atuação da Hidrografia brasileira nacionais de grande relevância, como é
na Antártica. Atualmente, o NApOc o caso da França, dos Estados Unidos da
Ary Rongel e o Navio Polar Almirante América, da Holanda e do Reino Unido,
Maximiano prestam uma contribuição e é presidida pelo diretor de Hidrografia
à comunidade marítima internacional e Navegação.
que atua na região Antártica. O Brasil (Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 273
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

EMGEPRON INAUGURA ESCRITÓRIO TÉCNICO EM ITAJAÍ

Próximo de completar um ano de imple- A nova área facilitará o acompanha-


mentação do seu escritório em Itajaí (SC), a mento e a fiscalização da execução do
Empresa Gerencial de Projetos Navais (Em- PFCT e será utilizada para alocar o cor-
gepron) inaugurou, em 27 de julho último, po técnico do Programa, além de servir
mais um espaço no município, agora voltado para a realização de reuniões gerenciais,
para a parte técnica do Programa Fragatas apresentações, debates e arquivo dos
Classe Tamandaré documentos e ma-
(PFCT). teriais utilizados
Instalado no in- nas atividades.
terior do Estaleiro O evento de
Brasil Sul, local que inauguração con-
será utilizado como tou com a presença
base para a constru- do comandante da
ção das fragatas da Marinha, Almirante
classe Tamandaré e de Esquadra Almir
onde também fun- Garnier Santos, e
ciona um escritó- de membros do Al-
rio da SPE Águas mirantado, além de
Cerimônia de Descerramento da Placa de
Azuis, o espaço Inauguração do novo escritório da Emgepron representantes das
também será capaz empresas envolvi-
de prover apoio à Marinha do Brasil nos das no projeto e outras autoridades civis
assuntos relacionados ao projeto, assim e militares, como o prefeito de Itajaí,
como servirá de elemento de ligação com Volnei José Morastoni.
a Prefeitura da cidade e a sua empresa de (Fonte: Centro de Comunicação Social
fomento, a Itajaí Participações. da Marinha)

MARINHA RECEBE AERONAVE UH-15 SUPER COUGAR

A Marinha do Brasil recebeu,


em 29 de junho último, da em-
presa Helibras, a 11a aeronave
H-225M dentro do escopo do
Projeto H-XBR. O Setor do Ma-
terial, por intermédio da Direto-
ria de Aeronáutica da Marinha,
entregou a aeronave para o Setor
Operativo. Aeronave H-225M recebeu o indicativo
visual N-7108
A aeronave recebeu o indi-
cativo visual N-7108 e é a oitava da geral, SAR diurno e noturno e em apoio
versão UH-15 Super Cougar a ser in- às Operações Anfíbias e Operações
corporada ao acervo da Aviação Naval, Especiais.
sendo utilizada em missões de emprego (Fonte: www.marinha.mil.br)

274 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

COMANDO DA FORÇA DE SUBMARINOS É TRANSFERIDO


PARA O COMPLEXO NAVAL DE ITAGUAÍ

Foi realizada, em 12 de julho último, submersíveis em serviço e mais 40 em


no Complexo Naval de Itaguaí (RJ), construção, quase o triplo das unidades
a cerimônia de comemoração do 107o da Tríplice Aliança. Ao final da Guerra,
Aniversário da Força de Submarinos. a Revolução de Assuntos Militares provo-
No mesmo dia, o Comando de Força de cada pelo submersível foi tão disruptiva,
Submarinos (ComForS) foi transferido trazendo tanto desbalanceamento em com-
para o Complexo Naval de Itaguaí. A bate, que a arma foi acusada de ultrajante
solenidade, presidida pelo comandante da e desonrosa.
Marinha, Almirante de Esquadra Almir A Marinha do Brasil trabalhava a
Garnier Santos, contou com a presença operação abaixo d’água desde 1891,
do comandante da Força de Submarinos, pelo então Tenente Filinto Perry. A ele
Contra-Almirante Thadeu Marcos Orosco juntavam-se Luís Jacinto Gomes, Luís de
Coelho Lobo, e do comandante de Ope- Mello Marques e Emílio Júlio Hess, proje-
rações Navais, Almirante de Esquadra tando e construindo protótipos. Entretanto
Alipio Jorge Rodrigues da Silva, entre os primeiros submersíveis foram compra-
outras autoridades. dos na Itália, chegando entre 1913 e 1914,
quando é criada a Flotilha, subordinada ao
Comando da Defesa Móvel e sediada na
Ilha de Mocanguê Grande.
Os ‘temíveis navios negros’ tiveram
desenvolvimento notável, firmando-se
como pedra angular no combate naval.
A reação nuclear proporcionou excesso
de energia anaeróbia, garantindo plena
ocultação e adicionando novo espectro de
capacidades e, portanto, potencializando
sua característica ofensiva e sua letali-
Cerimônia alusiva ao 107o Aniversário dade. O perfil do submarinista é assim
da Força de Submarinos
construído, buscando sempre a iniciativa
ORDEM DO DIA DO das ações, aventurando-se como ponta de
ALMIRANTE LOBO lança do Poder Naval, operando onde só
o submarino consegue.
“A Força de Submarinos comemora Durante a história da Força de Subma-
seu 107o aniversário no dia 17 de julho. rinos a atividade se desenvolveu, criando
Às vésperas da eclosão da Primeira Guerra robusta doutrina, calcada em sólidos
Mundial, exatamente uma semana antes, procedimentos de segurança e coerente
era criada, na Marinha do Brasil, a Flotilha com o contexto estratégico do Brasil.
de Submersíveis. Homens e mulheres são divididos entre
A arma já havia entrado no inventário os submarinos, a escafandria, o mergulho
das Marinhas das potências mundiais. de combate, a medicina hiperbárica e a
A Tríplice Entente contava com 184 psicologia dedicada a essas atividades;

RMB3oT/2021 275
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

mas somente unidos traduzem poder que, no momento que representa todos os
único. São corajosos, competentes, com- submarinistas, é guardião de nosso ethos.
prometidos e disponíveis. Foram, todos, A Força de Submarinos veio por mar e
forjados no aço de Mocanguê Grande. por terra, atracando em sua nova Base.
São todos submarinistas, os responsáveis No mar, veio protegida pela Alta Admi-
pelas façanhas fantásticas abaixo d’água. nistração Naval; em terra, foi recebida
Com a Amazônia Azul enorme e de pelos chefes navais, de ontem, de hoje e
futuro promissor e um Entorno Estraté- de sempre, com quem é honra combater
gico superlativo, o Brasil desencadeou ombro a ombro.
Programa de Estado de longo prazo, para, É muito bem recebida pelo Setor de
em complemento ao Programa Nuclear da Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico
Marinha, dotar o Poder Naval de subma- da Marinha, com percebido cuidado e
rino convencional de propulsão nuclear. zelo. Aqui encontra instalações que, de
O Programa de Desenvolvimento de pronto, oferecem modernidade, opera-
Submarinos (Prosub) produz entregas cionalidade e conforto compatível com o
anuais, obedecendo seu cronograma. A da adorada casa. Sob notável esforço de
formatura dos novos submarinos para a apoio da Marinha, nosso maior patrimônio
atracação na Base de Submarinos da Ilha chega bem assistido.
da Madeira está no visual. Ativada em Muito há, ainda, por fazer. Os subma-
2020, recebeu submarinos no primeiro rinos classe Riachuelo recuperam capa-
semestre de vida e, no primeiro aniversá- cidades e agregam outras inéditas para a
rio, vem abrigar o Comando da Força de Força de Submarinos, que segue, como de
Submarinos. O Estado-Maior se transfere hábito, em processo evolutivo. Os desafios
para o Complexo Naval de Itaguaí, lhe detectados pelo sonar representam, para
conferindo a devida importância e utili- os aguerridos submarinistas, um futuro
zando-se do êxito do Prosub. animador! Após 107 anos, os Marinheiros
A Força de Submarinos não abando- Até Debaixo D’Água firmam, uma vez
na Mocanguê Grande; começa a operar mais, posição como pioneiros, prontos
desdobrada a partir de duas posições. Em para escrever mais um capítulo na história
Itaguaí estarão sediados os submarinos e o da gloriosa Flotilha de Submarinos.
Ciama, que, pioneiro neste Complexo Na- Usque Ad Sub Acquam Nauta Sum!
val, dará prosseguimento à transferência Glória à Flotilha! Viva a Marinha!”
em futuro próximo, com o
andamento do cronograma
de obras civis. Em Mo-
canguê, permanecerão a
escafandria e o mergulho
de combate – formação e
operação –, sob o mesmo
Comando de Força.
A despedida de Mocan-
guê Grande contou com o
suporte do submarinista
mais antigo, Almirante de
Esquadra Alfredo Karam, Vista aérea do Complexo Naval de Itaguaí

276 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ORDEM DO DIA DO de negação do uso do mar, prioridade


ALMIRANTE ALIPIO JORGE estabelecida na postura dissuasória do
Poder Naval.
“Desde que projetou o Poder Naval A atual renovação teve início com
brasileiro para o ambiente silencioso e o acordo de cooperação estratégico
desconhecido existente abaixo da su- firmado entre o Brasil e a França, pro-
perfície do mar, com os primeiros sub- porcionando o fortalecimento da base
mersíveis da Classe Foca, a centenária industrial de defesa por meio da parti-
Força de Submarinos tem construído, cipação de empresas dos dois países na
com abnegado espírito marinheiro, uma transferência de tecnologia e na geração
história de superação e inovação na de- de empregos. Sob a coordenação da
fesa da Pátria. Diretoria-Geral de Desenvolvimento
O simbolismo envolto na transferên- Nuclear e Tecnológico da Marinha, es-
cia do Comando da Força de Submarinos tão sendo edificadas as condições para
para o Complexo Naval de Itaguaí, por que os atuais submarinistas, homens
ocasião da celebração do aniversário e mulheres, profissionais motivados
de 107 anos de sua criação, confere ao e comprometidos, possam continuar
Programa de Desenvolvimento de Sub- perseguindo a capacidade operacional
marinos (Prosub), cujo propósito final plena em facilidades onde existe o
é a obtenção por construção no País do que há de mais moderno em preparo e
submarino convencional com propulsão treinamento, proporcionais ao perfil de
nuclear, a acepção mais importante para alto desempenho requerido pelos meios
o Setor Operativo, o Pessoal, seu princi- navais para atuação na imensidão da
pal e mais precioso elemento. Em Itaguaí, Amazônia Azul.
estão pulsando o coração e a alma vibran- Portanto, a melhor reverência que
tes dos marinheiros até debaixo d’água, podemos prestar aos ilustres chefes na-
inspirados na referência do Almirante de vais, comandantes e tripulações que nos
Esquadra Alfredo Karam, ex-ministro antecederam é perseverar com afinco e
da Marinha, e sob a orientação de seu entusiasmo no cumprimento de nossas
decano no serviço ativo, o Almirante de atribuições, para o fortalecimento da
Esquadra Marcos Silva Rodrigues, chefe Marinha e do Brasil. Neste marcante
do Estado-Maior da Armada. momento, formulo ao Contra-Almirante
Conjugada com o cronograma do Pro- Thadeu Marcos Orosco Coelho Lobo e a
sub, a chegada do ComForS ao mais novo todos os submarinistas, que construíram
Complexo de Defesa do Estado, um ano e mantêm esse legado de tradição e evo-
após a ativação da Base de Submarinos da lução, os cumprimentos pelo aniversário
Ilha da Madeira, precederá o recebimento, da Força de Submarinos e os votos de um
pelo Setor Operativo, ainda em 2021, do futuro promissor, sob as bênçãos do Nosso
Submarino Riachuelo, o primeiro de uma Senhor dos Navegantes. Glória à Flotilha!
classe de unidades navais que congregam Viva a Marinha! Tudo pela Pátria!”
as melhores características para a tarefa (Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 277
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

AERONAVE AF-1B VOLTA


A OPERAR EM HOMENAGEM AO CC IGOR

A aeronave AF-1B, N-1001, do 1o do cone de cauda e reparo estrutural e


Esquadrão de Aviões de Interceptação e dos sistemas modernizados. Além disso,
Ataque, voltou a operar, após o Grupo Ae- com o apoio do Parque de Material Ae-
ronaval de Manutenção (GAerNavMan) ronáutico da Força Aérea, foi executada
finalizar a recuperação. O primeiro voo, a verificação dos reparos realizados por
após 1.711 dias em solo, ocorreu em 1o de ensaios não destrutivos, inspeção de raio-x
abril último.
A última decolagem da aero-
nave aconteceu em 26 de julho
de 2016, quando, ao realizar voo
de formatura a baixa altura simu-
lando ataque a navio, ocorreu um
acidente. Na ocasião, as aerona-
ves N-1001 e N-1011 colidiram,
o que não só resultou em consi-
deráveis danos estruturais, como
na inestimável perda do Capitão
de Corveta Igor Simões Bastos,
o Falcão 60, a bordo da N-1011.
O GAerNavMan executou Aeronave AF-1B N-1001, do 1o Esquadrão de Aviões de
Interceptação e Ataque
a recuperação da aeronave com
apoio do Comando da Força Aeronaval e e tratamento de corrosão na região interna
da Embraer S.A. por meio da assinatura da asa e das áreas afetadas.
de contrato de reparo pós-acidente, reali- Essa conquista foi dedicada, como
zando os serviços de análise de engenharia homenagem póstuma, ao Capitão de
e estruturas, execução de SDLM (Stan- Corveta Igor.
dard Depot Level Maintenance), reparo (Fonte: www.marinha.mil.br)

CIRM CRIA O GRUPO TÉCNICO ÁRTICO

A Comissão Interministerial para os do Ártico, embora o Brasil possa ser con-


Recursos do Mar (Cirm), em sua 205a siderado ator polar destacado em razão
Sessão Ordinária, realizada em 18 de de sua presença na Antártica, realizando
maio último, aprovou a criação de um pesquisa científica relevante naquele
Grupo Técnico (GT) sobre Atividades no continente desde 1982.
Ártico. A criação se justifica visto que não A criação do GT é importante devido
existe atualmente política definida pelo à crescente visibilidade geopolítica e
Estado brasileiro no que diz respeito às econômica do Ártico, com o aumento da
atividades do Brasil em relação à região exploração de petróleo e gás, da pesca

278 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

e do turismo naquela região, bem como possíveis efeitos sobre o transporte mundial
à relevância do Ártico para fenômenos de carga. Além disso, parte dos fundos
climáticos globais, somados à ampliação marinhos do Oceano Ártico estão em áreas
das rotas marítimas no Oceano Ártico e aos fora de jurisdição nacional dos Estados
árticos e tem status de “patri-
mônio comum da humanidade”,
de acordo com a Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito
do Mar (CNUDM).
O GT tem a finalidade de
avaliar a conveniência e oportu-
nidade de o Governo brasileiro
participar mais ativamente das
atividades da comunidade in-
ternacional no que diz respeito
ao Ártico, podendo, ao final dos
seus trabalhos, realizar propostas
sobre como poderia ocorrer even-
tual participação do País.
Geleira no Oceano Ártico (Fonte: www.marinha.mil.br)

MISSÃO NAVAL EM CABO VERDE RECEBE VISITA


DA MINISTRA DA DEFESA NACIONAL

A Missão de Assessoria Naval do


Brasil em Cabo Verde (MAN Cabo Ver-
de), com sede em Mindelo, Ilha de São
Vicente, recebeu, em 28 de junho último,
a visita da ministra de Estado da Defesa
Nacional de Cabo Verde, Janine Tatiana
Santos Lélis, acompanhada do chefe do
Estado-Maior, Major-General Anildo
Emanuel da Graça Morais.
Na ocasião, o chefe da MAN apresen-
tou o histórico das atividades desenvol-
Chefe da MAN fez apresentação à ministra
vidas junto à Guarda Costeira de Cabo da Defesa de Cabo Verde
Verde (GCCV) desde 2013, bem como
as perspectivas que visam incrementar a a GCCV, fator importante para interesses
transmissão de conhecimentos técnico- estratégicos brasileiros no âmbito da Zona
-profissionais e consolidar a cultura or- de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zo-
ganizacional daquela Força Naval amiga. pacas) e para o enfrentamento à insegurança
A visita contribui para o fortalecimento marítima da região do Golfo da Guiné.
da cooperação entre a Marinha do Brasil e (Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 279
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MB PARTICIPA DE EVENTO SOBRE ROTA


BIOCEÂNICA BRASIL-CHILE

A Marinha do Brasil (MB), por meio do de dólares e faz parte da Rota Bioceânica,
Comando do 6o Distrito Naval (Ladário- que ligará o Oceano Pacífico ao Atlântico.
-MS), participou de evento visando divul- A bordo de embarcação regional, nas
gar a licitação para a construção de ponte proximidades do local de construção da
internacional sobre o Rio Paraguai, entre ponte, e com a presença do governador
Porto Murtinho (MS) e Carmelo Peralta, no de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azam-
Paraguai. A obra é orçada em 82 milhões buja, e de autoridades civis e militares,
o presidente da Itaipu Paraguai, Manoel
Cáceres, declarou o compromisso do
Paraguai com a continuidade do projeto,
marcando a divulgação da licitação para
julho deste ano.
A Rota Bioceânica será uma ligação
estratégica para os países, em função da
competitividade que trará para as expor-
tações e importações, especialmente para
a Ásia. Fomentará, também, o desenvol-
vimento de Porto Murtinho, onde a MB
possui uma Agência Fluvial subordinada
Autoridades durante evento de divulgação à Capitania Fluvial do Pantanal.
da licitação para construção da
Rota Bioceânica (Fonte: www.marinha.mil.br)

EGN PARTICIPA DO 47o INTERAMERICAN WAR GAME

A Escola de Guerra Naval (EGN) Naval do Peru a responsabilidade pela


participou, de 7 a 18 de junho último, do montagem e condução do jogo na edição
47o Interamerican War Game (IAWG), deste ano.
jogo de guerra anual conduzido à dis- Como propósitos gerais, a atividade
tância via web, reunindo as Escolas de busca: promover o intercâmbio aca-
Guerra Naval do continente americano. dêmico; incrementar o conhecimento
Coube à Escola Superior de Guerra profissional e promover a integração
das Escolas de Guerra
Naval dos países par-
ticipantes, por meio
do emprego simulado
de uma força naval;
aperfeiçoar a intero-
perabilidade e a con-
fiança mútua entre os
Integrantes da EGN participaram do 47o IAWG participantes; e empre-

280 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

gar procedimentos de doutrina comum comando e controle; logística; alocação


para análise, planejamento e resolução de meios e elaboração de regras de en-
de problemas operacionais complexos, gajamento para diversas tarefas.
promovendo a criatividade e a liberdade Neste ano, além do Brasil e do Peru,
acadêmica de forma não vinculante para o jogo contou com a participação dos
as Marinhas participantes. seguintes países: Argentina, Bolívia,
Durante o evento, os principais temas Chile, Colômbia, Equador, Estados
abordados foram: planejamento e em- Unidos da América, México, República
prego de força-tarefa multinacional para Dominicana e Uruguai.
estabilização e assistência humanitária; (Fonte: www.marinha.mil.br)

MARINHA RESGATA TRIPULANTE DE NAVIO MERCANTE

A Marinha do Brasil resgatou, em 28


de julho último, um tripulante do Navio
Mercante Goldeneye, de bandeira do Chi-
pre, que navegava a cerca de 480 milhas
náuticas (aproximadamente 870 km) do
litoral da Bahia, com destino a San Loren-
zo, na Argentina. Dois dias antes, o navio
havia entrado em contato com o Salvamar
Sueste, estrutura orgânica responsável
por Operações de Busca e Salvamento
(SAR) do Comando do 1o Distrito Naval,
solicitando o resgate de um tripulante que
apresentava forte cefaleia e episódios de
perda de consciência. Um médico já havia
prestado serviço de assistência por tele-
Momento em que o tripulante é resgatado
medicina para tentar estabilizar o quadro pela aeronave
de saúde do tripulante, mas sem sucesso.
Após análise das possibilidades, foi o ponto de encontro, contudo, em razão
decidida a realização de Evacuação Ae- de condições climáticas adversas, não foi
romédica (Evam), empregando a Aero- possível realizar a retirada do tripulante.
nave de Serviço da Esquadra (ASE), um Em nova tentativa, na manhã do dia se-
SH-16 pertencente ao 1o Esquadrão de guinte e com condições meteorológicas
Helicópteros Antissubmarino. O navio adequadas, o resgate foi realizado, sendo
foi, então, orientado a alterar o rumo para o enfermo transportado para o aeroporto
as proximidades do Porto de Vitória (ES), de Vitória, onde uma equipe SAR da Capi-
sendo a ASE desdobrada no aeroporto tania dos Portos do Espírito Santo (CPES)
local para, quando tivesse alcance, ser o aguardava. Na sequência, o tripulante
lançada e realizar o resgate. foi encaminhado a um hospital local para
Com o navio estando a pouco mais de tratamento médico.
155 milhas (aproximadamente 280 km) de (Fonte: Centro de Comunicação Social
Vitória, a ASE decolou, no dia 27, para da Marinha)

RMB3oT/2021 281
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

SECIRM ASSINA ACORDO DE COOPERAÇÃO COM CEPEL

A Secretaria da Comissão Interminis- Zona Econômica Exclusiva ao seu redor,


terial para os Recursos do Mar (Secirm) razão pela qual torna-se imprescindível
celebrou, em 25 de maio último, Acordo promover o fortalecimento contínuo da
de Cooperação Técnica com o Centro de presença do Estado nesses remotos locais.
Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), A Secirm coordena programas voltados,
centro de excelência que se tornou re- especificamente, para garantir a opera-
ferência no Brasil cionalidade de Es-
e no exterior por tações Científicas no
sua contribuição Arquipélago de São
para a autonomia Pedro e São Paulo e
tecnológica do na Ilha da Trindade.
País. O propósito Existe a perspectiva
do acordo é buscar de implantar uma
soluções técnicas Estação Científica
para o abasteci- também em Fernan-
mento elétrico das do de Noronha.
ilhas oceânicas por Como a habita-
fontes renováveis, bilidade dessas Es-
em adição ou em Ato de assinatura do Acordo tações passa, neces-
substituição de outras fontes fósseis sariamente, pela condição de geração de
eventualmente preexistentes. energia, o acordo exerce papel de grande
Além do interesse estratégico, as ilhas relevância, uma vez que proporcionará a
oceânicas incorporam inegável interesse implementação de soluções inovadoras,
científico e ambiental. São verdadeiros observado o caráter de sustentabilidade ao
laboratórios a céu aberto que abrigam processo de geração de energia nas ilhas
inúmeras espécies e proporcionam ao oceânicas brasileiras.
País a incorporação de uma considerável (Fonte: www.marinha.mil.br)

SINERGIA ENTRE ICT GERA AVANÇOS EM


SISTEMAS DE INFORMAÇÃO PARA NAVEGAÇÃO

O resultado de uma linha de pesquisa (CTMRJ), o Centro de Instrução Almiran-


sobre um mecanismo de ataque cyber te Wandenkolk (CIAW) e a Universidade
eletrônico em sistemas radar, fruto do Federal Fluminense (UFF), resultou em
trabalho sinérgico entre Instituições de uma aplicação tecnológica de interesse
Ciência, Tecnologia e Inovação (ICT), relevante para a sociedade.
foi destaque no renomado jornal científico A parceria entre o Casnav e os re-
Sensors. A cooperação técnica entre o presentantes acadêmicos possibilitou a
Centro de Análises de Sistemas Navais elaboração de uma versão estendida do
(Casnav), ICT subordinada ao Centro artigo publicado na conferência virtual
Tecnológico da Marinha no Rio de Janeiro International Workshop on Metrology

282 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

for the Sea, na Itália, em 2020. Os resul- ção acadêmica do grupo de pesquisa do
tados obtidos a partir do desdobramento Curso de Segurança da Informação, dos
dessa pesquisa, iniciada no Curso de Computadores, das Comunicações e do
Aperfeiçoamento Avançado em Segu- Espaço Cibernético (SICCCiber), da UFF.
rança da Informação e Comunicações A interação entre os especialistas
(CApA-SIC 2019/2020), do CIAW, do Casnav, os alunos do CApA-SIC
obteve seu conceito expandido para os do CIAW e o corpo acadêmico da UFF
sistemas integrados AIS/ECDIS (Auto- motivou o reconhecimento da publicação
científica Sensors, jornal clas-
sificado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes)
como nível A1, considerada a
classificação mais proeminente
no sistema brasileiro de avalia-
ção de periódicos, na área de
ciência da computação.
Esse trabalho reitera o po-
tencial do Setor de Ciência
e Tecnologia e Inovação da
Marinha, por meio do CTMRJ,
Exemplo de uma tela ECDIS exibindo dados AIS recebidos
para catalisar as pesquisas em
matic Identification System/Electronic curso no âmbito das instituições civis e
Chart Display and Information System), militares em benefício do processo de
com design e cenários desenvolvidos inovação dos projetos científicos e tecno-
pelo Casnav, demonstrando o valor e a lógicos da Marinha, por meio de soluções
aplicabilidade do trabalho de referência. tecnológicas autóctones.
O artigo também contou com a colabora- (Fonte: www.marinha.mil.br)

CHM LANÇA BOIA ONDÓGRAFO DO PROJETO


REMO OBSERVACIONAL

O Centro de Hidrografia da Marinha Boanerges, da Delegacia da Capitania


(CHM) realizou, em 22 de junho último, dos Portos em Porto Seguro e do Insti-
o lançamento de uma boia ondógrafo tuto Chico Mendes de Conservação da
Spotter nas proximidades do Parque Na- Biodiversidade (ICMBio).
cional Marinho de Abrolhos, no escopo A boia ondógrafo de Abrolhos é a
do Projeto Rede de Modelagem Oceano- terceira do tipo a ser lançada pelo CHM
gráfica Observacional (Remo Observa- − a primeira foi lançada na Antártica, e a
cional), fruto do Termo de Cooperação segunda na Ilha de Trindade. O equipa-
firmado entre o CHM e a Petrobras. A mento foi fundeado a uma profundidade
atividade contou com o apoio do Navio de 16 metros e tem como propósito mo-
Hidroceanográfico Balizador Tenente nitorar as ondas, o vento e a temperatura

RMB3oT/2021 283
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ambientais do Serviço Meteorológico


Marinho (SMM).
As boias Spotter fazem parte de um
experimento realizado entre o CHM e a
Petrobras, no âmbito do Projeto Remo
Observacional, que visa à utilização de
novas tecnologias para coleta de dados
meteoceanográficos, contribuindo para
o desenvolvimento científico nacional, a
Segurança da Navegação e a Salvaguar-
da da Vida Humana no Mar.
Os dados coletados pela boia estão
disponíveis, em tempo real e de forma
Boia ondógrafo monitora as ondas, o vento e
a temperatura da superfície do mar gratuita, na página do CHM na internet,
no endereço eletrônico https://www.ma-
da superfície do mar, contribuindo para rinha.mil.br/chm/dados-do-goos-brasil/
ampliar o conhecimento sobre a dinâmi- pnboia-mapa.
ca local, além de auxiliar as previsões (Fonte: www.marinha.mil.br)

RADAR OCEANOGRÁFICO HF CODAR


É INAUGURADO NA ILHA DO CABO FRIO

Foi inaugurada, em 25 de junho últi-


mo, a estação radar instalada na Ilha do
Cabo Frio, em Arraial do Cabo (RJ). O
Radar Oceanográfico HF Codar (Coas-
tal Ocean Dynamics Application Radar)
é decorrente da parceria celebrada entre
o Instituto de Estudos do Mar Almirante
Paulo Moreira (IEAPM), instituição de
Ciência, Tecnologia e Inovação (ICT)
subordinada ao Centro Tecnológico da
Marinha no Rio de Janeiro (CTMRJ),
na estrutura orgânica da Diretoria-Geral Vista aérea do Radar Oceanográfico
nas proximidades do Farol de Cabo Frio
de Desenvolvimento Nuclear e Tec-
nológico da Marinha (DGDNTM), e a Gurgel de Souza; e do presidente da
empresa OceanPact. OceanPact, Flávio Nogueira Pinheiro de
A inauguração, transmitida ao vivo Andrade, além de outros representantes
pelo canal da OceanPact no YouTube, da empresa e da Marinha.
contou com a participação do diretor de O radar realizará medições contínuas
Hidrografia da Marinha, Vice-Almirante e temporais da corrente na superfície e de
Edgar Luiz Siqueira Barbosa; do diretor ondas em tempo real. Os dados coletados
do CTMRJ, Contra-Almirante Marcelo são requisitos para a calibração de mode-

284 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

los operacionais de previsão atmosférica e ambiental e nas ações de mitigação aos


oceanográfica, para modelos de dispersão incidentes de poluição por óleo. Os mes-
de poluentes no mar e para apoio às ativi- mos dados serão utilizados pela iniciativa
dades de Busca e Salvamento. privada para a geração de produtos em
As informações obtidas por meio da re- situações de emergência no mar, em
ferida parceria serão utilizadas no projeto apoio a plataformas de petróleo e navios
do Sistema Tático de Fatores Ambientais de operação offshore.
(STFA), em complemento ao Sistema de A Ilha do Cabo Frio está sob a jurisdi-
Previsão do Ambiente Acústico em apoio ção da Marinha, em conformidade com as
às Operações Navais (Sispres), assim normas de responsabilidade administrati-
como no projeto Sistema de Avaliação va exaradas pelo IEAPM, ICT referência
das Condições de Ocorrência de Nevoei- no âmbito do sistema de CT&I da Marinha
ros (Sisacon). Esses sistemas integram o na execução de pesquisas, desenvolvi-
Sistema de Gerenciamento da Amazônia mentos, inovações e serviços tecnológicos
Azul (SisGAAz) e auxiliam nas linhas na área dedicada às Ciências do Mar.
de pesquisa voltadas ao monitoramento (Fonte: www.marinha.mil.br)

BRASIL PARTICIPA DE EVENTOS DA UNESCO

O Brasil participou, entre os dias 14 e


25 de junho último, da 54a Sessão do Con-
selho Executivo e da 31a Sessão da Co-
missão Oceanográfica Intergovernamental
da Unesco (Unesco/COI), realizadas por
videoconferência. A delegação brasileira
foi chefiada pelo delegado permanente
do Brasil junto à Unesco, Embaixador
Santiago Mourão, e composta por repre-
sentantes da Marinha do Brasil, como o
diretor de Hidrografia e Navegação, Vice-
-Almirante Edgar Luiz Siqueira Barbosa, Durante a assembleia, foi ressaltada a participação
da DHN na Infraestrutura Nacional
e por integrantes do Ministério da Ciência, de Dados Espaciais
Tecnologia e Inovações.
Durante a assembleia, a delegação O Brasil manteve a sua posição no
brasileira manifestou a importância de dis- Conselho Executivo, e o Capitão de
ponibilizar e compartilhar dados, produtos, Mar e Guerra Frederico Antonio Saraiva
serviços e informações dos oceanos, além Nogueira, oficial da DHN, foi reeleito
de ressaltar a participação da Diretoria de vice-presidente para o Grupo Eleitoral
Hidrografia e Navegação (DHN) na In- III (América Latina e Caribe – Grulac).
fraestrutura Nacional de Dados Espaciais. (Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 285
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

FUZILEIROS NAVAIS APRESENTAM SUAS


CAPACIDADES AO UNPCRS

Uma equipe formada por oficiais Operativo de Fuzileiros Navais de Força


do Comando da Força de Fuzileiros da de Paz (GptOpFuzNavFPaz), atualmente
Esquadra (ComFFE), do Comando do organizado pelo 2o Batalhão de Infantaria
Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de de Fuzileiros Navais.
Fuzileiros Navais (CDDCFN) e do Centro O GptOpFuzNavFPaz é composto
de Operações de Paz de Caráter Naval, por 220 militares da Força de Fuzileiros
do Centro de Instrução Almirante Sylvio da Esquadra, que estão sendo treinados
de Camargo (Ciasc), conduziu, de forma desde maio deste ano para se tornar um
virtual, uma série de apresentações sobre componente especializado, em condições
as capacidades do Corpo de Fuzileiros de ser empregado nas Operações de Paz
Navais (CFN), direcionada ao Sistema de das Nações Unidas (ONU), em local e mo-
Prontidão de Capacidades de Manutenção mento oportuno. Durante as apresentações,
da Paz das Nações Unidas (United Na- foram expostas as estruturas de recursos
tions Peacekeeping Capability Readiness humanos, materiais e doutrinários, bem
como toda a Sistemática de Treinamento
e Avaliação em apoio àquela tropa.
As apresentações tiveram como propó-
sito fornecer subsídios ao Serviço de Trei-
namento Integrado das Nações Unidas e
marcaram uma das etapas do processo que
visa à elevação do GptOpFuzNavFPaz, do
tipo Companhia de Reação Rápida (QRF
COY, sigla em inglês), ao segundo nível,
no contexto do UNPCRS. Após a elevação
ao nível 2 do Sistema, o Brasil conseguirá
Militares do ComFFE, do Ciasc e do CDDCFN manter a representatividade internacional
em videoconferência com a ONU
de suas Forças Armadas, estando apto
System − UNPCRS). As atividades, rea- a enviar contingentes militares para as
lizadas em 28 e 29 de junho último, com diferentes missões de paz sob a égide da
apoio do Centro de Ensino a Distância do Organização das Nações Unidas (ONU).
CFN, foram relacionadas ao Grupamento (Fonte: www.marinha.mil.br)

MARINHA REPRESENTA O BRASIL EM CONFERÊNCIA


INTERNACIONAL DE DESMINAGEM HUMANITÁRIA

O Brasil participou, de 25 a 28 de maio Logística do Batalhão de Engenharia de


último, da 4a Conferência Internacional Fuzileiros Navais (BtlEngFuzNav), Capi-
de Desminagem Humanitária, realizada tão de Corveta (FN) Stanley Couto Rocha.
em Moscou, Rússia. A convite da Rússia, A conferência contou com mais de 30
o País foi representado pelo oficial de países e dez organizações internacionais

286 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

e tratou de assuntos como desminagem


humanitária, explosivos remanescentes de
guerra e artefatos explosivos improvisados.
Os temas são relevantes para o Brasil, e
em especial para o BtlEngFuzNav, que nas
últimas décadas tem se destacado pelo pro-
fissionalismo de seus militares selecionados
para atuarem como monitores em Operações
de Desminagem Humanitária sobre a égide
da Junta Interamericana de Defesa (JID).
A conferência permitiu um intercâmbio Palestra abordou atuação brasileira no combate
a minas e artefatos explosivos improvisados
com outras nações a respeito de condutas
para a neutralização de explosivos que de Artefatos Explosivos do BtlEngFuzNav
possam afetar a população civil, nos meios se mantenha atualizado sobre a evolução
rural e urbano. A participação de um ofi- da doutrina e do material empregado nessa
cial brasileiro, engenheiro de combate, atividade ao redor do mundo.
possibilitou que o Grupo de Desativação (Fonte: www.marinha.mil.br)

1oBtlOpRib PROMOVE 1o WORKSHOP


DE CINOTECNIA MILITAR
O 1o Batalhão de Operações Ribeirinhas Este foi o primeiro evento do segmento
(1 BtlOpRib) promoveu, de 21 a 24 de
o
realizado em Manaus.
junho, em Manaus (AM) o 1o Workshop Dentre as instituições participantes,
de Cinotecnia Militar. Participaram da ação destacaram-se: 7o Batalhão de Polícia
instituições civis e militares manauaras, que do Exército e 3a Companhia de Forças
realizam atividades com cães. Especiais, do Exército Brasileiro; Grupo
O evento teve como propósito promo- de Segurança e Defesa, da Força Aérea
ver o intercâmbio de conhecimentos na Brasileira; Companhia Independente de
área de cinotecnia militar, além de estrei- Policiamento com Cães, da Polícia Militar
tar os laços entre as instituições públicas do Amazonas; Corpo de Bombeiros Mi-
e privadas que possuem canis e desem- litar do Amazonas; Polícia Civil; Receita
penhem atividades com cães de guarda Federal; Canil Guarda e Proteção; Grupo
e proteção, faro e busca e salvamento. Suçuarana; e a empresa Royal Canin, que
compartilhou informações sobre nutrição
de cães que exercem atividades policiais.
O workshop foi transmitido, por meio
de videoconferência, para todas as organi-
zações militares da Marinha que possuem
canil. Além das palestras, foi realizado
um torneio com os cães das instituições
participantes, que teve como primeiro
colocado o cão Kurô, da raça Rottweiler,
Atividade ocorreu na sede do 1oBtlOpRib, com do 1o BtlOpRib.
palestras e atividades práticas (Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 287
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

CAMAS REALIZA 1a REUNIÃO OPERATIVA


DE MONITORAMENTO MARÍTIMO

O Coordenador da Área Marítima do Capitão de Mar e Guerra João Batista Bar-


Atlântico Sul (Camas), Contra-Almirante bosa, destacou a importância da troca de
Gustavo Calero Garriga Pires, presidiu, informações e os exemplos de interações
em 8 de junho último, a 1a Reunião Ope- com agências governamentais nacionais
rativa de Monitoramento Marítimo. O en- e internacionais em prol da Segurança
contro foi realizado por videoconferência Marítima. O encontro contou também com
e teve como propósito integrar a atuação a participação dos assessores do Camas,
dos Comandantes bem como de seu
Locais de Controle chefe de Operações.
Operativo (Colco) A reunião repre-
da Argentina, do sentou uma oportu-
Brasil, do Paraguai nidade de integra-
e do Uruguai, visan- ção, em virtude de
do ao intercâmbio o Atlântico Sul ser
de informações re- uma das principais
lacionadas ao trá- áreas utilizadas para
fego marítimo. o comércio maríti-
A reunião teve mo mundial, apre-
início com as pa- Intercâmbio de informações marítimas entre Colco sentando inúmeros
e Camas foi um dos propósitos da reunião
lavras do Camas, desafios comuns.
seguidas de uma apresentação por parte Dentro deste contexto, o intercâmbio
de cada Colco, ocasião em que foram de informações e experiências torna-se
abordadas suas capacidades e sistemas de fundamental para o sucesso da missão
monitoramento. A Marinha apresentou da- do Camas, assim como das Marinhas in-
dos sobre a atuação do Centro Integrado de tegrantes da Área Marítima do Atlântico
Segurança Marítima (Cismar), sendo que Sul (Amas).
o comandante do Centro e Colco Brasil, (Fonte: www.marinha.mil.br)

DHN PARTICIPA DA IRCC

A Diretoria de Hidrografia e Navega- Durante o evento, as 16 Comissões


ção (DHN), por meio de seu diretor, Vice- Hidrográficas Regionais apresentaram
-Almirante Edgar Luiz Siqueira Barbosa suas realizações, seus desafios e ensina-
(na condição de presidente da Comissão mentos. Os conhecimentos permitem o
Hidrográfica Regional da Meso América e desenvolvimento das atividades de Hidro-
do Mar do Caribe – MACHC), participou grafia, Cartografia Náutica, informações
da 13a Reunião do Comitê da Organização de Segurança Marítima e infraestrutura
Hidrográfica Internacional de Coorde- de dados espaciais marinhos nas regiões
nação Inter-Regional (IRCC), realizada de interesse do Brasil. Também foi dada
virtualmente de 23 a 25 de junho último. atenção à atuação dos Serviços Hidrográ-

288 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ficos nacionais, como Avisos aos Nave- A MACHC atua na região do Caribe,
gantes e Avisos-Rádio Náuticos, além da na América Central e no norte da América
produção e validação de Cartas Náuticas do Sul, ao norte do Equador, e conta com a
Eletrônicas, criação de capacidades, cer- participação de representantes de serviços
tificação e acreditação da formação de hidrográficos nacionais de relevância,
hidrógrafos e cartógrafos náuticos e ma- como é o caso da França, dos Estados
peamento oceânico. Unidos da América, da Holanda e do Rei-
no Unido. O Brasil é membro
pleno do órgão e estará na sua
presidência até 2023.
A DHN participa também
de outras duas Comissões
Hidrográficas Regionais como
membro pleno: para o Atlânti-
co Sudoeste, com os serviços
hidrográficos da Argentina e
Reunião virtual do Comitê da Organização do Uruguai, e para a Antártica.
Hidrográfica Internacional (Fonte: www.marinha.mil.br)

MARINHA PARTICIPA DA REUNIÃO DO GTI


DO SETOR CIBERNÉTICO

A Marinha do Brasil (MB) participou, Exército Brasileiro (EB) e da Força Aérea


em 30 de junho último, da reunião anual Brasileira (FAB), além de representantes
do Grupo de Trabalho Interforças (GTI) do Ministério da Defesa (MD) e do Ga-
do Setor Cibernético. O GTI teve como binete de Segurança Institucional (GSI).
propósito coordenar as atividades do Durante o encontro, foram debatidos
setor em um ambiente conjunto e sinér- diversos temas de interesse do Setor Ci-
gico. Os trabalhos desenvolveram-se nas bernético, com destaque para o Sistema
dependências do Comando de Defesa Militar de Defesa Cibernética; projetos
Cibernética (ComDCiber), localizado no na área de cibernética implementados
Forte Marechal Rondon, em Brasília (DF). pela Diretoria de Comunicações e Tec-
Estiveram presentes oficiais da MB, do nologia da Informação da Marinha e pelo
Comando Naval de Operações Especiais;
a participação do GSI em atividades e
iniciativas na área de segurança ciberné-
tica; e as atividades desenvolvidas pela
Autoridade Certificadora de Defesa.
A reunião foi presidida pelo coman-
dante de Defesa Cibernética, um Comando
Operacional Conjunto permanentemente
ativado subordinado à estrutura regimen-
tal do EB e que possui, em seu efetivo,
Reunião do GTI militares das três Forças. O evento foi

RMB3oT/2021 289
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

coordenado pelo Estado-Maior Conjunto ligência da Marinha; do diretor do Depar-


do ComDCiber e contou com a participa- tamento de Tecnologia da Informação e
ção, por videoconferência, da diretora de Comunicação do MD; e de representante
Comunicações e Tecnologia da Informação do Estado-Maior da Armada.
da Marinha; do diretor do Centro de Inte- (Fonte: www.marinha.mil.br)

MB PROMOVE SESSÃO ORDINÁRIA DA


ComTecPolÓleo COM COMUNIDADE CIENTÍFICA

A Marinha do Brasil (MB), por meio missão, ocorreu na modalidade de video-


da Diretoria-Geral de Desenvolvimen- conferência. A programação consistiu em
to Nuclear e Tecnológico da Marinha uma exposição de abertura com a temática
(DGDNTM), promoveu, em 1o de julho, “Poluição Hídrica em Águas Jurisdicionais
a 2a Sessão Ordinária da Comissão Téc- Brasileiras”, feita pelo Capitão de Fragata
nico-Científica para o Assessoramento e Felipe Otavio Melo Jácome Gurgel, do
Apoio das Atividades de Monitoramento Comando de Operações Navais; e em
e Neutralização dos Impactos Decor- duas apresentações, uma sobre “Poluição
rentes da Poluição Marinha por Óleo Marinha por Derramamento de Óleo”, mi-
e Outros Poluentes nistrada pelo profes-
na Amazônia Azul sor doutor Moacyr
(ComTecPolÓleo), Araújo (vice-reitor
que contou com a da Universidade Fe-
participação da co- deral de Pernambu-
munidade cientí- co), e a outra sobre
fica. O evento, de “Poluição Marinha
cunho estratégico, por Plásticos”, pelo
atendeu ao Memo- professor doutor
rando n o 11/2020 Alexander Turra,
do comandante da do Instituto Ocea-
Marinha, que trata nográfico da Univer-
Almirante de Esquadra Olsen, Contra-Almirante
sobre a comissão, Gurgel e Janice Trotte-Duhá (assessora especial sidade de São Paulo,
tendo como pro- da ComTecPolÓleo) conduziram ambas consolidando
a 2a Sessão Ordinária
pósito integrar as as sínteses sobre os
iniciativas de caráter técnico-científico webinários já realizados. Por fim, a reunião
em andamento, assim como monitorar também debateu a proposta para elabora-
os encaminhamentos decorrentes dos ção de um Acordo de Cooperação Técnica
webinários sobre poluição marinha por entre a MB; o Ministério da Ciência,
derramamento de óleo e por plásticos, Tecnologia e Inovações; o Instituto Bra-
realizados em abril último. sileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
A reunião, presidida pelo diretor-geral Naturais Renováveis (Ibama); o Instituto
de Desenvolvimento Nuclear e Tecnoló- Nacional de Pesquisas Espaciais e demais
gico da Marinha, Almirante de Esquadra parceiros, apresentada por Fernanda Pi-
Marcos Sampaio Olsen, presidente da Co- rillo, do Ibama.

290 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A realização de eventos como esse 2020, e tem por propósito conceber um


ratifica a importância do diálogo entre mecanismo de articulação técnico-cien-
os membros da comunidade científica, tífico inclusivo, em prol do aumento da
das autoridades governamentais e da capacidade de detecção, prevenção de
Academia na coordenação de ações para impactos, formulação de ações propositi-
aperfeiçoar as técnicas de monitoramen- vas, ações de respostas tempestivas, bem
to, prevenção e controle de incidentes como em auxílio à mitigação de danos
futuros de derramamento por óleo e e à definição de melhores práticas, na
outros poluentes na Amazônia Azul e em eventualidade de incidentes ambientais
zonas costeiras. decorrentes da poluição por óleo e outros
A ComTecPolÓleo foi criada pela poluentes no mar.
Portaria no 313/MB, de 26 de outubro de (Fonte: www.marinha.mil.br)

1o WEBINAR ECONOMIA DE DEFESA NO BRASIL


Sob coordenação do Núcleo de Brasil: gastos militares e suas interfaces
Economia Industrial e da Tecnologia com a indústria e inovação”, no âmbito
(NEIT) da Universidade Estadual de do Programa Pró-Defesa IV.
Campinas (Unicamp), foi realizado, Participaram, pela EGN, os professo-
em 25 de junho último, o 1o Webinar res doutores William de Sousa Moreira,
Economia de Defesa no Brasil, com o Erika Cristina Barbosa de Almeida
propósito de apresentar os estudos que Ribeiro e Thauan dos Santos e o pro-
vêm sendo desenvolvidos pelos profes- fessor José Augusto Abreu de Moura,
sores e pesquisadores das instituições que abordaram o tema “Planejamento,
participantes do Projeto Economia de projetos estratégicos, aquisições de
Defesa, do qual faz parte a Escola de defesa e BID: impactos dos gastos no
Guerra Naval (EGN). O evento se inse- crescimento econômico”. Na sequên-
re no projeto “Economia de Defesa no cia, o professor Marcos José Barbieri
Ferreira e o doutor Celso
Neris Junior, da Unicamp,
apresentaram o tema “In-
dústria aeronáutica brasi-
leira, empresas estratégicas
e tecnologias disruptivas
(Indústria 4.0)”. O evento
contou com a participação
do chefe do Departamento
de Financiamento e Econo-
mia de Defesa do Ministério
“Planejamento, projetos estratégicos, aquisições de defesa da Defesa, Major-Brigadeiro
e BID” foi o tema dos participantes da EGN (Int) Marcos Aurélio Pereira
Silva.
(Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 291
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

SIMPÓSIO MARINHA DO BRASIL: O MAR E A SOCIEDADE

O Centro de Estudos Político-Es- do presidente do Instituto Brasileiro de


tratégicos da Marinha (Cepe-MB), em Direito do Mar e colaborador do Cepe-
parceria com a Escola de Guerra Naval -MB, Professor Doutor Tiago Vinícius
(EGN), realizou, em 30 de junho último, Zanella, que discorreu sobre o tema “O
o simpósio virtual “Marinha do Brasil: Brasil e a CNUDM: reflexões sobre
o mar e a sociedade”. A abertura do alguns de seus ditames”, apresentando,
evento foi realizada pelo chefe do Es- sob uma abordagem jurídica, alguns
tado-Maior da Armada, Almirante de aspectos da CNUDM (Convenções
Esquadra Marcos Silva Rodrigues, que das Nações Unidas sobre o Direito do
ressaltou a importância das atribuições Mar) sujeitos a diversas interpretações
da Autoridade Marítima conduzidas e seus possíveis desdobramentos para
pela Marinha do Brasil (MB) e a
conexão com a sociedade.
A primeira apresentação foi feita
pelo subchefe de Organização do
Estado-Maior da Armada (EMA),
Contra-Almirante Marco Antônio
Linhares Soares, que tratou dos
“Aspectos a Considerar na Elabo-
ração da Nova Política Marítima
Nacional”, enfatizando a contribui-
ção da MB nos trabalhos do Grupo
Interministerial que está executando
a atualização e a modernização Chefe do Estado-Maior da Armada durante
dessa política nacional, bem como a abertura do evento
a complexidade desse desafio.
O secretário da Comissão Intermi- o Estado brasileiro, como a pirataria e
nisterial para os Recursos do Mar, Con- a plataforma continental.
tra-Almirante Antonio Cesar da Rocha Também foram desenvolvidos de-
Martins, abordou o tema “Planejamento bates sobre aspectos a serem conside-
Espacial Marinho”, apresentando o rados na elaboração da nova Política
esforço brasileiro para realizar essa Marítima Nacional, mediante Grupos
tarefa que é uma necessidade nacional de Discussão (workshop), com a par-
e, também, um compromisso interna- ticipação exclusiva de oficiais-alunos
cional, e frisando que a MB, pelas suas e professores do Curso de Políticas e
características e atribuições, contribui Estratégias Marítimas da EGN.
com esse processo. A última palestra foi (Fonte: www.marinha.mil.br)

292 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

INTEGRANTE DA EGN É CONVIDADO PARA


LECIONAR NO KING’S COLLEGE LONDON

O Capitão de Mar e Guerra (RM1) diretor do King’s Brazil Institute, Profes-


William de Sousa Moreira, professor dou- sor Vinicius M. Carvalho. A nova versão
tor integrante do corpo docente da Escola estende a parceria também ao Centro de
de Guerra Naval (EGN), foi convidado Estudos Político-Estratégicos da Marinha
pelo King’s College London (KCL) para (Cepe-MB) e ao Instituto Naval de Pós-
atuar como professor visitante naquela -Graduação (INPG).
instituição inglesa. O convite representa o A posição de professor visitante foi
reconhecimento aos resultados alcançados ativada para o período de um ano, junto
na parceria acadêmica firmada em 2015 ao Departamento de Estudos de Defesa
entre as duas instituições, por intermédio (Defence Studies Department), no qual está
de um Memorando inserido o Corbett
de Entendimentos. Centre for Maritime
Esse instrumento Policy Studies. A
administrativo pos- iniciativa representa
sibilitou, desde en- um passo adiante
tão, realizar eventos, para a parceria e am-
seminários, confe- pliação das intera-
rências e sessões tu- ções acadêmicas de
toriais, entre outras interesse mútuo. No
atividades acadêmi- momento, está em
cas, na EGN e no CMG William de Sousa Moreira, convidado andamento o projeto
KCL, em benefício pelo King's College London de coedição de um
dos corpos docente e discente, profissionais livro sobre Estudos Marítimos, com a
e pesquisadores da Marinha do Brasil e de participação de professores de ambas as
instituições parceiras. instituições. O Comandante William Mo-
Os resultados alcançados levaram reira é professor da Linha III do Programa
à renovação do Memorando de Enten- de Pós-Graduação em Estudos Marítimos
dimentos por mais cinco anos, em uma (PPGEM), que trata de Política, Gestão e
cerimônia presidida pelo chefe do Estado- Logística em Ciência, Tecnologia e Inova-
-Maior da Armada em dezembro de 2020, ção no Ambiente Marítimo.
na EGN, que contou com a presença do (Fonte: www.marinha.mil.br)

CDM PARTICIPA DA REUNIÃO DA ALTA


DIREÇÃO DO DESPORTO MILITAR

A Comissão de Desportos da Marinha Exército (CDE), cidade do Rio de Janeiro.


(CDM) participou, em 26 de maio último, Organizada pela Comissão Desportiva
da 1a Reunião da Alta Direção do Desporto Militar do Brasil, a reunião teve a partici-
Militar (Radem) do ano de 2021, realizada pação dos presidentes e vice-presidentes
na sede da Comissão de Desportos do das Comissões de Desportos das Forças.

RMB3oT/2021 293
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O propósito do evento foi aperfeiçoar os atletas do programa pertencem e as


as ações e o desenvolvimento do esporte confederações e federações esportivas,
nas Forças Armadas. Entre os assuntos, com a finalidade de fortalecer as equipes
tiveram destaque os Jogos Olímpicos de militares brasileiras em eventos espor-
Tóquio 2021, o Programa Paradesportivo tivos de alto nível. A Marinha, com o
Militar e o Sistema de Planejamento do Prolim, foi a pioneira.
Desporto Militar. Durante a reu-
Sobre as Olimpía- nião, debateu-se,
das, foi pontuado ainda, juntamente
que, até aquele ao Departamento de
momento, haviam Desporto Militar, a
sido classificados preparação de um
para participar do acordo de coopera-
evento 62 atletas ção a ser assinado
militares do Pro- com o Comitê Para-
grama de Incorpo- límpico Brasileiro,
ração de Atletas de cuja intenção é via-
Alto Rendimento 1 Reunião da Alta Direção do Desporto
a bilizar aos militares
(PAAR) das Forças Militar 2021 reformados o apoio
Armadas, em 17 modalidades esportivas, assistencial por meio do esporte adaptado.
sendo 28 atletas pertencentes ao Progra- Em cumprimento às medidas de pro-
ma Olímpico da Marinha (Prolim). O teção para o enfrentamento à Covid-19, o
PAAR foi criado em 2008, em integração evento foi restrito ao público diretamente
com o Ministério da Cidadania, o Comitê envolvido.
Olímpico do Brasil, os clubes aos quais (Fonte: www.marinha.mil.br)

ComFFE DIVULGA PROGRAMAS


DO MINISTÉRIO DA DEFESA
O Comando da Força
de Fuzileiros da Esquadra
(ComFFE) promoveu, em
27 de maio último, encon-
tro reunindo os comandan-
tes de suas Organizações
Militares (OM) subordi-
nadas, na sede da Força,
em Duque de Caxias (RJ).
O propósito foi divulgar
informações sobre o fun-
Foto oficial do evento com autoridades e alunos do Profesp
cionamento do Programa
Forças no Esporte (Profesp) e do Projeto parceria com os ministérios da Educação;
João do Pulo (PJP), programas sociais de- da Cidadania; e da Mulher, da Família
senvolvidos pelo Ministério da Defesa em e dos Direitos Humanos. As atividades

294 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

são conduzidas por OM da Marinha, do A FFE apoia o Profesp desde 2018,


Exército e da Força Aérea Brasileira, com por meio de dois núcleos, um em Duque
parcerias públicas e privadas. de Caxias, por meio da Base de Fuzileiros
Durante o evento, o diretor de Des- Navais do Rio Meriti, e outro em São Gon-
porto Militar do Ministério da Defesa, çalo (RJ), sob a coordenação da Base de
Major-Brigadeiro do Ar José Isaías Fuzileiros Navais da Ilha das Flores. De-
Augusto de Carvalho, proferiu palestra vido à pandemia da Covid-19, o programa
sobre o funcionamento do Profesp e interrompeu as atividades presenciais em
do PJP. Em seguida, a assistente social março de 2020, mas começou a retomá-
Geovana Silva apresentou os projetos da -las gradualmente em maio de 2021. O
Pastoral do Menor do Rio de Janeiro. Por Profesp da FFE chegou a atender cerca
fim, o comandante da Base de Fuzileiros de 400 crianças mensalmente. Este ano,
Navais do Rio Meriti, Capitão de Fragata retornou com a intenção de alcançar pelo
(FN) Dagoberto Ferreira da Silva Jr, apre- menos 160 crianças, sendo 80 em Duque
sentou as atividades desenvolvidas pelo de Caxias e 80 em São Gonçalo. Os jovens
núcleo Profesp em Duque de Caxias. Na estão sendo divididos em grupos de 20
ocasião, todos os participantes visitaram crianças por período (manhã ou tarde),
instalações e acompanharam as atividades com atividades realizadas duas vezes por
esportivas que estavam sendo desenvolvi- semana para cada grupo.
das pelos jovens. (Fonte: www.marinha.mil.br)

CTecCFN REINICIA AS ATIVIDADES


PRESENCIAIS DO PROFESP

O Centro Tecnológico do Corpo de medidas sanitárias preventivas recomen-


Fuzileiros Navais (CTecCFN) reiniciou, dadas na época.
em 1o de junho, as atividades presenciais Atualmente, 200 crianças encontram-
do Programa Forças no Esporte (Profesp). -se cadastradas no Profesp-CTecCFN,
Devido ao início da pandemia em 2020, o sendo 88 de manhã e 112 à tarde. O
Programa teve suas ações suspensas para retorno do Programa em 2021 obedece
que os participantes pudessem cumprir as aos protocolos de segurança sanitá-
ria recomendados, fundamentados nas
orientações emitidas pela Prefeitura do
Rio de Janeiro, pelo Centro de Educação
Física Almirante Adalberto Nunes e pela
Federação de Judô do Estado do Rio de
Janeiro, e ocorrerá de forma gradual,
com os beneficiados divididos em grupos
de 22 crianças nos períodos da manhã e
21 da tarde, e com atividades realizadas
três vezes por semana. Para o retorno das
atividades esportivas foi elaborado um
Foto oficial do retorno das atividades do Profesp protocolo de medidas sanitárias (indivi-

RMB3oT/2021 295
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

duais e coletivas) para conter o avanço tes que residem em áreas localizadas no en-
da Covid-19. torno do Complexo Naval Parada de Lucas
O CTecCFN disponibiliza pessoal e ins- (Parada de Lucas, Vigário Geral, Quitungo,
talações para oferecer atividades esportivas Cordovil e Cidade Alta), beneficiados pelo
a crianças e adolescentes que vivem em convênio com a Arquidiocese do Rio de
áreas de vulnerabilidade social. O Profesp Janeiro (Pastoral do Menor).
do CTecCFN atende crianças e adolescen- (Fonte: www.marinha.mil.br)

RESULTADO ESPORTIVO − MUNDIAL


DE CANOAGEM OCEÂNICA

Atletas da equipe Amazônia Azul


(Amazul), formada por remadores de
alto desempenho da Marinha e do Clube
Naval de Brasília, garantiram o lugar
mais alto do pódio no Campeonato Mun-
dial de Canoagem Oceânica, realizado
de 4 a 6 de julho último em Lanzarote,
uma das Ilhas Canárias, na Espanha. Os
canoístas Carmen Lúcia Silva e Califa
Abud Cury Filho conquistaram o ouro
nas categorias Master E e Paracanoagem, Comandante do 7o Distrito Naval, também
respectivamente. Segundo a Confedera- comodoro do Clube Naval de Brasília,
comemora conquista junto aos atletas
ção Brasileira de Canoagem, o resultado
é inédito para o País. A modalidade é praticada em caiaques
O Brasil contou com 17 atletas, sendo de alta performance, denominados surfskis,
dez da Amazul. Eles competiram com inspirados nas pranchas de salvamento e res-
mais de 200 atletas, de 21 países, em uma gate australianas, combinando a propulsão
prova de 27 km ao longo da costa da ilha, a remo e a navegação nas ondas oceânicas.
com início na praia La Garita (Arrieta) e (Fonte: Centro de Comunicação Social
chegada na praia El Reducto (Arrecife). da Marinha)

CIAGA REALIZA MERCANTEX 2021

No ano em que o Centro de Instrução alunos da Escola de Formação de Oficiais


Almirante Graça Aranha (Ciaga) come- da Marinha Mercante (Efomm), do 1o e do
mora seus 50 anos, foi realizada, de 7 a 3o ano escolar.
13 de julho último, a comissão Mercantex Na chegada a bordo, os alunos da
2021, entre Rio de Janeiro (RJ) e Santos Efomm conheceram as capacidades do
(SP), a bordo do Navio Doca Multipro- navio e receberam instruções sobre segu-
pósito Bahia. Estiveram presentes 196 rança. A rotina em viagem contou com

296 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

e a navegação astronômica e em águas


restritas, além de simulação de evacuação
aeromédica realizada por aeronave UH-
15 do 2o Esquadrão de Helicópteros de
Emprego Geral.
Esta foi uma oportunidade de os alunos
do 1o ano da Efomm conhecerem a rotina no
mar e as atividades de máquinas e náutica,
informações imprescindíveis para decidi-
rem, ao fim deste ano, em qual área serão
habilitados nos seus próximos dois anos na
Comandante-Aluna Mônica utiliza Efomm. Os alunos do 3o ano praticaram os
instrumento marítimo
conhecimentos adquiridos no curso em sala
diversas atividades relacionadas com a de aula, laboratórios e simuladores.
futura carreira, entre as quais destacam-se (Fonte: Centro de Comunicação So-
o guarnecimento de postos de abandono cial da Marinha)

MEIOS DA ESQUADRA REALIZAM TIRO REAL


CONTRA ALVO DE SUPERFÍCIE

Durante a primeira semana de junho, e Liberal. A missão contou também com


navios e aeronaves da Esquadra realizaram a participação dos helicópteros Lince,
o lançamento de armas sobre um alvo Águia e Guerreiro e dos aviões Falcão.
de superfície na área marítima oceânica Os meios da Esquadra empregaram
entre o Rio de Janeiro e Cabo Frio (RJ). diferentes tipos de armamento, incluindo
O propósito foi manter elevado o grau de torpedos, mísseis superfície-superfície,
proficiência das suas bombas e metralha-
tripulações e seus doras de aeronaves
sistemas de combate. e canhões das fra-
Desta vez, o alvo gatas, culminando
foi o casco do ex- com o afundamento
-Navio de Desem- do alvo, em decor-
barque Doca Cea- rência dos impactos
rá, considerado de provocados pelo ar-
grande porte, que foi mamento.
rebocado pelo Na- A Operação se
Lançamento de míssil superfície-superfície
vio de Apoio Oceâ- Exocet MM-40 pela Fragata Independência reveste de elevada
nico Purus desde a importância para a
Base Naval do Rio de Janeiro até a área do Marinha, pois permite verificar con-
exercício, localizada a uma distância se- cretamente a eficácia dos sistemas de
gura da costa. Participaram da operação o armas de nossos navios e aeronaves,
Navio de Socorro Submarino Guillobel, o responsáveis por assegurar a soberania
Submarino Tupi, o Navio-Doca Multipro- do Brasil no mar.
pósito Bahia e as Fragatas Independência (Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 297
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

BATALHÃO DE COMBATE AÉREO REALIZA EXERCÍCIO


DE FOGO DE ARTILHARIA ANTIAÉREA

Integrantes do Batalhão de Combate


Aéreo, organização subordinada ao Co-
mando da Força de Fuzileiros da Esqua-
dra, realizaram, em 21 de junho último,
exercício Escola de Fogo de Artilharia
Antiaérea (EsFog-AAe). A atividade
aconteceu no Centro de Avaliações do
Exército (CAEx), em Guaratiba (Restin-
ga da Marambaia), Rio de Janeiro (RJ),
com a participação de 58 militares.
A EsFog-AAe teve o propósito de Militares treinam com metralhadora P12,7 mm
HBM2 QCB
adestrar os integrantes do Batalhão na
realização de disparos reais da Me- talhão Logístico de Fuzileiros Navais,
tralhadora P12,7 mm HBM2 QCB em do Batalhão de Operações Especiais de
alvos aéreos lançados pela Companhia Fuzileiros Navais e da Unidade Médica
de Aeronaves Remotamente Pilotadas. Expedicionária da Marinha.
O exercício contou com o apoio do Ba- (Fonte: www.marinha.mil.br)

BRASIL, PERU E COLÔMBIA REALIZAM EXERCÍCIOS


TÁTICOS NOS RIOS SOLIMÕES E MARAÑON

Navios da Marinha do Brasil (MB), da exercícios táticos destinados às áreas de


Marinha de Guerra do Peru e da Armada Guerra de Superfície, Comando, Controle
da República da Colômbia realizaram, e Comunicações nos rios Solimões e
de 20 de julho a 1o de agosto, manobras e Marañon. O propósito foi o de elevar
o grau de adestramento e prontidão
em ambiente fluvial, como parte da
programação da Bracolper Naval 2021.
O Grupo-Tarefa foi formado pelos
Navios-Patrulha Fluviais (NPaFlu) Pedro
Teixeira e Roraima, Navio de Assistência
Hospitalar (NAsH) Soares de Meirelles
e uma aeronave UH-12 do 1o Esquadrão
de Helicópteros de Emprego Geral do
Noroeste, da MB; navio ARC Letícia, da
Armada da República da Colômbia; e os
navios BAP Clavero e BAP Castilla, da
Exercício de Leap Frog entre o NPaFlu Pedro
Teixeira e o navio BAP Clavero Marinha de Guerra do Peru.

298 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A elevação gradativa da complexidade de seu ambiente de trabalho, resultando em


dos exercícios permite que as tripulações maior coordenação e agilidade das equipes
adquiram crescente grau de adestramento e dos meios navais e aeronavais.
tornem-se cada vez mais familiarizadas com (Fonte: Centro de Comunicação Social
os procedimentos, equipamentos e sistemas da Marinha)

COMANDO DA FLOTILHA DE MATO GROSSO


REALIZA AdeFase E EXERCÍCIO DE TIRO 2021

Navios e lanchas subordinados ao e de Exercício de Tiro de Superfície na


Comando da Flotilha de Mato Grosso hidrovia do Rio Paraguai.
(ComFlotMT), em conjunto com um des- Participaram da comissão: Monitor
tacamento do 3o Batalhão de Operações Parnaíba, Transporte Fluvial Paraguassu,
Ribeirinhas (3oBtlOpRib), realizaram, Navios-Patrulha Pirajá e Piratini e duas
de 10 a 14 de maio último, a comissão Lanchas de Operações Ribeirinhas Exca-
de Adestramentos de Fase (AdeFase) III libur. O AdeFase e o Exercício de Tiro
têm o propósito de incre-
mentar o adestramento
de pessoal, por equipes e
entre unidades, em cum-
primento aos Requisitos
Mínimos de Adestramen-
to, na área compreendida
entre o Complexo Naval de
Ladário e o Forte Coimbra,
no Mato Grosso do Sul.
(Fonte: www.marinha.
Navios realizam corrida da raia de tiro mil.br)

EsqdHS-1 LANÇA MÍSSIL CONTRA EX-CORVETA JACEGUAI

O 1o Esquadrão de Helicópteros An- Doca Multipropósito Bahia pelas praças


tissubmarino (EsqdHS-1) participou, de da Divisão de Armamento do EsqdHS-1.
20 a 26 de junho último, da Comissão Após o lançamento em um voo de um
Missilex II, na qual foi lançado o Míssil minuto e 40 segundos, o míssil atingiu
Ar-superfície AGM-119 Penguin com a alheta de boreste do casco da Jace-
cabeça de combate contra a ex-Corveta guai, que foi a pique sete minutos após
Jaceguai, navio alvo. o impacto, mostrando a letalidade da
O lançamento ocorreu no dia 24, Aviação Naval.
quando a aeronave SH-16 Seahawk As aeronaves SH-16 Seahawk são
(N-3033) foi armada a bordo do Navio empregadas em proveito das forças

RMB3oT/2021 299
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

navais na Amazônia Azul, com a capa-


cidade de realizar tarefas de detecção,
localização, acompanhamento, identi-
ficação e ataque a alvos de superfície
e submarinos. Suas características de
projeto, robustez e confiabilidade lhes
conferem a capacidade de atuar em
ações de busca e salvamento e evacua-
ção aeromédica.
Míssil Ar-Superfície AGM-119 Penguin (Fonte: www.marinha.mil.br)

MARINHA RECEBE A QUARTA AERONAVE


MODERNIZADA MK-21B

Foi realizado, em 10 de junho último,


o voo de aceitação final e entrega, pela
empresa Leonardo UK Ltd. à Marinha
do Brasil, da ANV N-4003. Na ocasião,
o Setor do Material, por intermédio da
Diretoria de Aeronáutica da Marinha,
retornou a aeronave, agora modernizada,
para o Comando da Força Aeronaval.
O 1o Esquadrão de Helicópteros de Aeronave Modernizada MK-21B
Esclarecimento e Ataque (EsqdHA-1)
passa a dispor de quatro aeronaves Wild passará a operar com o inventário final de
Lynx. Futuramente, serão recebidos mais oito aeronaves modernizadas MK-21B.
quatro helicópteros, quando o EsqdHA-1 (Fonte: www.marinha.mil.br)

MARINHA CELEBRA DIA MUNDIAL DOS OCEANOS


Foi comemorado, em 8 de junho últi- A data foi estabelecida durante a Con-
mo, o Dia Mundial dos Oceanos. Como ferência das Nações Unidas sobre o Meio
acontece todos os anos, a Diretoria de Ambiente e Desenvolvimento, realizada
Hidrografia e Navegação (DHN) e de- no Rio de Janeiro em 1992 (RIO-92), e
mais organizações da Marinha do Brasil tem o propósito de chamar atenção sobre
aproveitaram a ocasião para divulgar a o mar e inspirar iniciativas que colaborem
importância da Hidrografia e da Ocea- para a sua proteção.
nografia para a sociedade, de modo a Os oceanos cobrem mais de 70% da
estimular o desenvolvimento da Mentali- superfície terrestre e reúnem 97% de
dade Marítima na população, para que as toda a água do planeta. São os maiores
potencialidades do mar sejam exploradas reguladores do clima e das condições
de forma sustentável, segura e profícua, meteorológicas, além de abrigarem a
em benefício do País. maior biodiversidade global. O enten-

300 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

dimento dos mares assume um


papel fundamental para o Brasil,
detentor de uma área marítima
com mais de 5,7 milhões de
km², a Amazônia Azul. É por
esse patrimônio que transitam
95% do nosso comércio exte-
rior e é nele que se concentram
97% da produção nacional de Amazônia Azul − 5,7 milhões de km² de patrimônio
petróleo. Para o País, os oceanos oceânico brasileiro
representam fator preponderante para o
desenvolvimento nacional. que resultam em informações ambien-
A Hidrografia e a Oceanografia são tais aplicadas em apoio à aplicação do
duas das ciências que contribuem para Poder Naval, à Segurança da Navegação
o conhecimento do espaço oceânico. A e à execução de projetos de pesquisa.
Diretoria de Hidrografia e Navegação Beneficiam-se, assim, setores como
(DHN) é a instituição nacional respon- meio ambiente, agronegócio, transporte,
sável por promover e coordenar, no defesa civil e indústria do petróleo e a
Brasil, as atividades de levantamentos sociedade em geral.
e análises de dados hidroceanográficos, (Fonte: www.marinha.mil.br)

PLANO DECORRENTE DE COMBATE AO LIXO NO MAR

Em cumprimento às ações de combate com destaque na prevenção e na redução


ao lixo no mar previstas no Memorando da poluição hídrica.
11/2020 do Comandante da Marinha, a O lixo no mar constitui um dos maiores
Diretoria-Geral de Navegação (DGN) es- obstáculos para o desenvolvimento eco-
tabeleceu o Plano Decorrente de Combate nômico e social dos países costeiros. Seus
ao Lixo no Mar. efeitos ameaçam a segurança marítima
Este Plano é executado por meio da e ambiental, afetando negativamente a
Carta de Instrução “Mar Limpo é Vida”, a pesca, o turismo, as reservas biológicas
qual consolida e integra as ações ambien- e a vida marinha, com impacto político
tais internas e externas promovidas pela econômico, psicossocial e sanitário para
Marinha do Brasil (MB), com participação as populações litorâneas e ribeirinhas.
das OM do Setor DGN, Comandos de Por sua vez, a magnitude da ocorrência
Distritos Navais e OM componentes do de detritos lançados em águas marinhas
Sistema de Segurança do Tráfego Aqua- vem afetando a segurança da navegação
viário (SSTA). Visa, também, ampliar de modo contínuo e crescente.
a conscientização ambiental nas OM da Ações relevantes, como a implantação
MB, bem como na sociedade brasileira, do Sistema de Gestão Ambiental na MB,
quanto ao enfoque das ações de promoção sob supervisão da Diretoria de Portos e
da Mentalidade Marítima voltadas para a Costas (DPC), mutirões de limpeza de
preservação do meio ambiente marinho, praias e subaquática, realização de regatas

RMB3oT/2021 301
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ecológicas e outras iniciativas, no âmbito vimento contínuo da Mentalidade Marítima


da Organização Marítima Internacional e favorecem a compreensão da importância
(IMO) e do Plano Nacional de Combate ao da biota marinha para o progresso do País.
Lixo no Mar, contribuem para o desenvol- (Fonte: Bono no 317, de 25/3/2021)

DELEGACIA FLUVIAL DE URUGUAIANA


APREENDE SOJA NO RIO URUGUAI

A Delegacia Fluvial de Uruguaiana


(DelUruguaiana) realizou, em 20 de
maio último, Inspeção Naval no muni-
cípio de Tiradentes do Sul (RS), com o
apoio da Secretaria de Estado do Meio
Ambiente, Polícia Civil e Patrulha Am-
biental (Patram), da Brigada Militar do
Rio Grande do Sul. Na ocasião, foram
apreendidas no Rio Uruguai, fronteira
com a Argentina, cem sacas de soja,
totalizando cerca de seis toneladas, em
Embarcação apreendida com soja
situação irregular.
Durante a ação, também foram apreen- a DelUruguaiana, em conjunto com os
didas duas embarcações utilizadas para o mesmos órgãos de segurança, apreendeu
transporte da soja. É a segunda apreensão 1,5 tonelada de milho na região.
desse tipo realizada no ano. Em março, (Fonte: www.marinha.mil.br)

MB E PF INTERCEPTAM VELEIRO COM HAXIXE

A Marinha do Brasil (MB) e a Polícia


Federal (PF), em coordenação com au-
toridades estrangeiras, interceptaram, na
noite de 16 de junho último, um veleiro
carregado com 4,3 toneladas de haxixe,
droga elaborada a partir da planta da ma-
conha. Durante a ação, foi empregado o
Navio-Patrulha Oceânico Araguari, que
realizou a interceptação e o apresamento
da embarcação a cerca de 360 quilôme-
tros da costa de Recife (PE). No interior
do veleiro, dois tripulantes foram presos O Araguari atuou na interceptação
e apresamento de embarcação
e conduzidos para a Superintendência da Foto: João Barconi − Comunicação
PF na capital pernambucana. Social da Polícia Federal

302 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A operação é decorrente da troca de in- repressão a crimes transnacionais, como o


formações entre as agências internacionais, tráfico internacional de drogas.
a PF e o Centro Integrado de Segurança A ação destaca a importância de im-
Marítima da MB, com a identificação de que plementar e fiscalizar o cumprimento de
o veleiro teria partido do continente europeu leis e regulamentos em águas jurisdicio-
carregado da droga. A atuação conjunta nais brasileiras, na Plataforma Continental
entre a Marinha e as Agências Federais tem brasileira e no alto-mar, respeitados os
sido intensificada no intuito de assegurar a tratados, as convenções e os atos interna-
proteção ao meio ambiente e à segurança cionais ratificados pelo Brasil.
nas fronteiras marítimas, em especial na (Fonte: www.marinha.mil.br)

CFAOC APOIA PRIMEIRA FEIRA


FLUTUANTE DO BRASIL

A Capitania Fluvial da Amazônia Oci-


dental (CFAOC), subordinada ao Comando
do 9o Distrito Naval, prestou apoio à Pre-
feitura de Manaus (AM) na estruturação da
primeira Feira Flutuante do Brasil, inaugu-
rada 19 de maio último. O evento abriga os
comerciantes da Feira da Manaus Moderna,
atingida pela cheia do Rio Negro.
A nova estrutura tem capacidade para
212 feirantes e 288 consumidores. A ci-
dade de Manaus viveu a segunda maior Feira flutuante estruturada com base
cheia desde 1902. No dia 21 de maio, o em orientações da Capitania
rio atingiu a cota de 29,84 metros, 1,36 cumpridos os requisitos de segurança
metros a mais em relação ao mês anterior. expressos na Lei de Segurança do Tráfe-
A CFAOC orientou a Prefeitura na go Aquaviário (Lesta) e nas Normas da
reclassificação da balsa que serve de base Autoridade Marítima (Normam).
para o empreendimento, para que fossem (Fonte: www.marinha.mil.br)

NPaFLu RONDÔNIA APREENDE MINERAL


RARO EM PATRULHA NAVAL

O Navio-Patrulha Fluvial (NPaFlu) tipo ferry boat que vinha de Santa Isabel
Rondônia apreendeu, em 25 de maio últi- do Rio Negro, também no Estado do Ama-
mo, 260 quilos de um mineral raro durante zonas, com destino a Manaus.
Patrulha Naval no Rio Negro, nas proxi- Durante a abordagem, os inspeto-
midades de Barcelos (AM). O minério foi res navais identificaram duas caixas
encontrado dentro de uma embarcação do de propriedade de um dos passageiros

RMB3oT/2021 303
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

contendo o material. O responsável não


apresentou documentação válida da
Agência Nacional de Mineração, órgão
regulador da atividade, o que configura
a prática como crime de usurpação do
patrimônio da União, conforme Art 2o da
Lei no 8.176/91.
O material apreendido foi conduzido
pelo NPaFlu Rondônia até Manaus e en-
tregue à Polícia Federal, que em perícia
preliminar apontou tratar-se de vivianita,
minério raro que possui uma coloração
Militar durante apreensão de minério verde semelhante à da esmeralda.
em embarcação (Fonte: www.marinha.mil.br)

AGÊNCIA FLUVIAL DE ITACOATIARA APREENDE


EMPURRADOR SEM DOCUMENTAÇÃO

A Equipe de Inspeção Naval da


Agência Fluvial de Itacoatiara, subor-
dinada à Capitania Fluvial da Amazônia
Ocidental, apreendeu, em 22 de julho
último, um comboio composto por um
empurrador e uma balsa carregada com
900 m3 de madeira que descumpriam o
Regulamento da Lei de Segurança do
Tráfego Aquaviário (RLesta). A apreen-
são ocorreu no Paraná do Maraca, Rio
Madeira, nas proximidades de Nova
Olinda do Norte (AM).
Equipe de Inspeção Naval abordou o comboio
Durante abordagem às embarcações, no Rio Madeira
os inspetores navais constataram que
o empurrador não possuía documen- madeira e, apesar de o Documento de
tação. A Marinha acionou a Secretaria Origem Florestal estar correto, algumas
de Meio Ambiente do município para madeiras não foram enquadradas na
verificar a documentação da carga. categoria especificada. A carga também
Após análise do técnico florestal, foi foi apreendida.
detectado que a embarcação não apre- (Fonte: Centro de Comunicação
sentava autorização para o transporte de Social da Marinha)

304 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

CPAOR ACOMPANHA TESTE DE TRANSBORDO


DE GRANÉIS COM GUINDASTE FLUTUANTE NO PARÁ

A Capitania dos Portos da Amazônia de boias, sem estar atracado no porto, e


Oriental (CPAOR) acompanhou, de 19 no transbordo de granéis de comboios
de março a 5 de abril, o teste da operação procedentes de Miritituba (PA), utili-
de transbordo de granéis sólidos vegetais zando um guindaste flutuante. A ação
no terminal do Porto Organizado de Vila possibilitará uma alternativa para carre-
do Conde (PA). A operação consistiu na gamento de navios, visando à ampliação
amarração de um navio mercante tipo de escoamento da produção de grãos no
Panamax, de 230 metros, a um sistema Norte do País.
O teste, acompanhado por
inspetores navais da CPAOR
e representantes da Diretoria
de Portos e Costas (DPC) e do
Comando do 4o Distrito Naval,
foi considerado satisfatório. A
experiência realizada subsidia-
rá alteração da Normam-08/
DPC, na qual serão incluídos
procedimentos para operações
deste tipo.
Navio mercante e guindaste flutuante em Vila do Conde (Fonte: www.marinha.mil.br)

FORMALIZAÇÃO DE PARCERIA PARA


O CORREDOR CENTRO-NORTE

A VLI, companhia de soluções logísticas As obras tiveram início em agosto


que opera terminais, ferrovias e portos, e a último, e o investimento para a viabili-
Companhia Operadora Portuária do Itaqui zação do projeto é de aproximadamente
(Copi), formalizaram parceria com o pro- R$ 200 milhões. A capacidade inicial de
pósito de desenvolver uma nova estrutura movimentação proporcionada por esta
logística para atender à crescente demanda nova estrutura será de 1,5 milhão de to-
do setor produtivo agricultor por insumos neladas ao ano.
fertilizantes no Norte do País. No acordo Com o início das operações, previsto
está prevista a criação de um novo ramal para o segundo semestre de 2022, a nova
ferroviário, conectado à malha do Corredor estrutura permitirá a movimentação do
Centro-Norte e interligado ao Terminal da fertilizante importado pelo Terminal
Copi no Porto de Itaqui (MA) por meio Portuário Copi no Porto do Itaqui pelo
do qual os insumos serão carregados e modal ferroviário, conectando o porto –
transportados por quase 1 mil quilômetros via Estrada de Ferro Carajás e Ferrovia
até um novo terminal intermodal que será Norte-Sul – até o novo terminal que
construído em Palmeirante, no Tocantins. será construído e operado pela Copi em

RMB3oT/2021 305
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Palmeirante, e que contará com linha competitivos, utilizando-se do frete de


ferroviária para até 80 vagões e moega retorno dos veículos que levam grãos ao
para descarga de dois vagões. Nele, os terminal da VLI no mesmo local. Os in-
fertilizantes serão descarregados e trans- sumos atenderão aos produtores situados
portados em esteiras mecanizadas para um numa área que abrange os estados do Mato
novo armazém com capacidade estática de Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia
60 mil toneladas. A partir do terminal, o e Piauí, além de Tocantins, Maranhão e
produto poderá ser expedido a granel ou do Distrito Federal.
em big bags em caminhões, com custos (Fonte: Máquina Cohn & Wolfe)

TERMINAL DE CONTÊINERES DE RIO GRANDE


REGISTRA SUA MAIOR OPERAÇÃO DE TRANSBORDO

O Terminal de Contêineres de Rio O último recorde em transbordo foi


Grande (Tecon Rio Grande), no Rio registrado no Tecon Rio Grande em
Grande do Sul, registrou, em 12 de maio junho de 2012, com o cargueiro Leblon,
último, sua maior operação de transbordo, da empresa Aliança, quando foi feita a
realizada pela Wilson Sons. A companhia transferência de 2.763 contêineres.
finalizou, naquela data, 7.833 movimentos Os dois navios também tiveram mo-
de transbordo, realizados com os navios vimentação de exportação e importação,
CSAV Trancura e Skyros, ambos da com um total de 4.271 movimentos no
companhia Hapag Lloyd. Skyros e 4.324 movimentos no CSAV
A operação ocorreu para reposicio- Trancura. Ambos atingiram recorde de
namento de contêineres vazios entre movimentação em uma só operação des-
o Brasil e outros dez países (Holanda, de o início das atividades do Tecon Rio
Inglaterra, Portugal, Alemanha, França, Grande. As duas operações ocorreram
Rússia, Índia, Israel, Turquia e Senegal). simultaneamente, utilizando até quatro
O Skyros seguiu para Singapura, na Ásia, guindastes do tipo sts (ship to shore)
e o CSAV Trancura foi incorporado ao em cada navio.
serviço marítimo da rota Brasil-Europa. (Fonte: Textual Comunicações)

CFT E EsqsHU-91 ATUAM EM ACIDENTE


AMBIENTAL NO AMAZONAS

A Capitania Fluvial de Tabatinga de combustível no município de Atalaia


(CFT) e o 1o Esquadrão de Helicópteros de do Norte (AM), em 17 de julho último.
Emprego Geral do Noroeste (EsqdHU-91) A aeronave UH-12 do EsqdHU-91, que
atuaram em conjunto na coleta de infor- na ocasião estava em Tabatinga (AM),
mações e avaliação de danos ambientais apoiou a Capitania no transporte de um ins-
ocasionados pelo naufrágio de uma balsa petor naval e um agente da Polícia Federal
que operava como posto de abastecimento até a região do incidente. No local, foram

306 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

avaliados os danos ambientais e coletadas


informações que subsidiarão os inquéritos
abertos pela Marinha e Polícia Federal.
Após o recolhimento de amostra da
água no local do ocorrido, a Capitania ins-
taurou inquérito administrativo para apu-
rar causas, circunstâncias e responsabili-
dades. O Instituto de Proteção Ambiental
do Amazonas também foi acionado para
a adoção de medidas visando à proteção
do meio ambiente.
Aeronave UH-12 durante sobrevoo
(Fonte: Centro de Comunicação Social
na região do naufrágio da Marinha)

INAUGURADA NOVA ESTAÇÃO DGNSS


NO FAROL DA ILHA RASA

O diretor-geral de Navegação, Almi- Navigation Satellite System), em fase


rante de Esquadra Wladmilson Borges de final de instalação.
Aguiar, acompanhado do diretor de Hi- Os almirantes foram recepcionados pelo
drografia e Navegação, Vice-Almirante diretor do Centro de Auxílios à Navegação
Edgar Luiz Siqueira Barbosa, inaugurou, Almirante Moraes Rego, Capitão de Mar e
em 23 de julho último, no Farol da Ilha Guerra Jansen Santos Poças. A organiza-
Rasa, o compartimento que abriga a ção militar é responsável pelo farol, que,
moderna estação de correção diferen- com a implementação da nova tecnologia,
cial para o posicionamento obtido por possibilitará ao navegante determinar sua
satélite, o DGNSS (Differential Global posição com maior exatidão e confiança,
fornecendo um importante serviço de au-
xílio à navegação.
A Ilha Rasa está localizada na entrada da
Baía da Guanabara. Seu farol possui alcance
luminoso de 51 milhas náuticas (82 km) e
começou a ser construído em 1819, por or-
dem do Rei D. João VI, sendo inaugurado em
31 de julho de 1829. Desde então, o auxílio
possibilita aos navegantes determinar a sua
posição e rumo, contribuindo para a seguran-
ça da navegação e para a salvaguarda da vida
humana no mar, constituindo-se também em
um valioso patrimônio histórico e cultural.
Conheça mais sobre a história do farol
em https://www.marinha.mil.br/camr/rasa.
Almirante de Esquadra Borges (ao centro),
Vice-Almirante Edgar (à esquerda) e Capitão (Fonte: Centro de Comunicação Social
de Mar e Guerra Jansen da Marinha)

RMB3oT/2021 307
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

CISMAR REALIZA ESTÁGIO BÁSICO DE SEGURANÇA


MARÍTIMA A DISTÂNCIA
Em caráter pioneiro, o Centro Inte- Marinha, como o Comando de Operações
grado de Segurança Marítima (Cismar) Navais, Diretoria-Geral de Navegação,
realizou, de 22 de março a 7 de abril, o Diretoria de Comunicações e Tecnologia
1o Estágio Básico de Segurança Marítima da Informação da Marinha, Estação Ra-
a Distância (E-BAS-SegMar- EAD-T diogoniométrica de Campos Novos.
01/21). O Estágio visa aprofundar os Extra-Marinha houve participação
conhecimentos dos da Força Aérea;
militares do Setor da Agência Nacio-
Operativo, em es- nal de Vigilância
pecial dos Distritos Sanitária; Polícia
Navais, Grupamen- Federal; Ins­t ituto
tos, Flotilhas, Capi- Brasileiro do Meio
tanias, Delegacias Ambiente e dos
e Agências, no que Recursos Naturais
concerne aos con- Renováveis (Iba-
ceitos de Segurança ma); Instituto Chico
Marítima em suas Men­des de Conser-
duas vertentes (Se- Turma 01/21 do E-BAS-SegMar-EAD vação da Biodiver-
gurança do Tráfego Aquaviário e Proteção sidade (ICMBio); Receita Federal;
Marítima), bem como de esforço intera- Secretaria de Aquicultura e Pesca do
gências na Amazônia Azul. Ministério da Agricultura, Pecuária e
O evento contou com a participação Abastecimento; e Agência Nacional de
de instrutores do próprio Cismar e de Transporte Aquaviário.
diversas Organizações Militares (OM) da (Fonte: www.marinha.mil.br)

CPAOR RECEBE DOAÇÃO DE COBERTURAS DE EIXOS

A Capitania dos Portos da Amazônia


Oriental (CPAOR) recebeu, em 27 de maio
último, doação de 20 coberturas de eixos
a serem instaladas gratuitamente em em-
barcações de comunidades ribeirinhas, du-
rante as ações de Fiscalização do Tráfego
Aquaviário no estado do Pará. A entrega
dos equipamentos foi feita pelo engenheiro
naval Arnaldo Sinésio Guerreiro da Costa,
acompanhado do cônsul estrangeiro do
Japão em Belém, Hiroaki Aizawa.
A ação de combate ao escalpelamen-
to faz parte do Programa de Segurança Capitão dos Portos da Amazônia Oriental
da Navegação na Amazônia, que tem recebeu a doação das coberturas de eixo

308 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

como propósito desenvolver campanhas atua de forma preventiva para alertar


voltadas para a segurança da navegação, sobre os riscos de acidentes em em-
a salvaguarda da vida humana e a pre- barcações que navegam com o eixo do
venção da poluição junto à comunidade motor exposto.
ribeirinha. Assim, a Marinha do Brasil (Fonte: www.marinha.mil.br)

MARINHA PRESTA APOIO LOGÍSTICO


AO EXÉRCITO

O Navio de Assistência Hospitalar


(NAsH) Oswaldo Cruz, subordinado
ao Comando da Flotilha do Amazonas,
prestou, de 11 de março a 7 de abril,
apoio logístico ao Comando Militar da
Amazônia. O Oswaldo Cruz transportou
suprimentos para o 3o Pelotão Especial
de Fronteira do Exército Brasileiro (3o
PEF), localizado em Vila Bittencourt
Parte dos suprimentos levados pelo NAsH
(AM), junto à fronteira com a Colômbia, Oswaldo Cruz e recebidos por militares do 3o PEF
às margens do Rio Japurá.
No período, também foram realizados e Japurá: Nova Betânia, Santa Fé, Vila
atendimentos básicos de saúde às comu- Mendonça e Santa Maria, além da Vila
nidades do entorno da região. Para chegar Bittencourt.
até Vila Bittencourt, o navio precisou Foram realizados 225 atendimentos
percorrer 745 milhas náuticas, equiva- médicos e 153 procedimentos laborato-
lente a 1.199 quilômetros de distância riais, aplicadas 105 vacinas pertencentes
da cidade de Manaus. ao calendário nacional de vacinação e
A atividade ocorreu durante a Opera- distribuídos 4.514 medicamentos e 287
ção Asshop Polo Solimões-Rio Japurá, kits de higiene bucal. Durante os procedi-
com o propósito de levar assistência mentos, foram seguidas as recomendações
médica básica às populações ribeirinhas de prevenção à Covid-19.
que vivem às margens dos rios Solimões (Fonte: www.marinha.mil.br)

MB PROMOVE ACISO EM BARCARENA

A Marinha do Brasil (MB), em serviços gratuitos, visando ao bem-estar


parceria com diversos órgãos, pro- e à promoção da cidadania.
moveu, em 31 de julho último, Ação Uma equipe multidisciplinar de saú-
Cívico-Social (Aciso) na comunidade de do Hospital Naval de Belém (HNBe)
da Fazendinha, no Furo do Arrozal, em prestou 110 atendimentos médicos e
Barcarena (PA). Na ocasião, mais de pediátricos e distribuiu medicamentos
300 famílias foram beneficiadas com da atenção básica e kits de higiene bu-

RMB3oT/2021 309
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

cal, com orientação sobre escovação.


Foram realizados 120 testes rápidos
laboratoriais para HIV, hepatite, sífilis e
glicemia, além de vacinação de cerca de
100 crianças e adultos (HPV, hepatite,
influenza e outras).
Na área social, foram oferecidos ser-
viços de emissão de documentos, como
título eleitoral, RG, CPF, certidões de
nascimento e óbito, e prestadas orien-
tações jurídicas. Também ocorreram
atividades de conscientização sobre Após consulta, cidadão recebe medicamentos
prevenção e combate ao acidente de
escalpelamento, alcançando mais de das Secretarias de Saúde de Barcarena
300 pessoas. e do Estado do Pará, do Tribunal Re-
O evento foi coordenado pelo Co- gional Eleitoral, da Defensoria Pública
mando do 4o Distrito Naval, com parti- e do Ministério Público.
cipação da Praticagem da Barra do Pará, (Fonte: Centro de Comunicação Social
da Sociedade Amigos da Marinha Pará, da Marinha)

NAsH OSWALDO CRUZ REALIZA SONHO INFANTIL

A pequena Fernanda, de oito anos de militares da Capitania Fluvial de Porto


idade, viveu uma emoção diferente no dia Velho (RO).
27 de julho último. Em tratamento contra Durante um retorno para sua casa
o câncer, ela realizou o sonho de conhecer em um carro do Hospital do Amor, do
um navio da Marinha, com a ajuda dos município de Candeias do Jamari (RO),
onde realiza o tratamento, sua avó, que
a acompanhava, abordou um veículo da
Capitania e revelou o sonho da neta aos
militares da Marinha. Três dias depois,
acompanhada de seus familiares, Fernan-
da foi levada até o Navio de Assistência
Hospitalar (NAsH) Oswaldo Cruz, que
estava atracado na cidade. A bordo
do navio, tomou café da manhã com a
tripulação, conheceu uma aeronave da
Marinha e a rotina marinheira e viajou
por cerca de uma hora pelo Rio Madeira.
Fernanda (à esquerda), acompanhada de sua mãe, (Fonte: Centro de Comunicação Social
e o capitão dos Portos de Porto Velho,
durante visita ao navio da Marinha)

310 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

LANÇAMENTO DA SÉRIE DOCUMENTAL


LUZES DA AMAZÔNIA AZUL
Foi lançada, em 14 de junho último, a local definido para o lançamento da série
série documental Luzes da Amazônia Azul. por ser o mais antigo farol em operação na
A cerimônia de lançamento, presidida pelo costa brasileira e um dos mais conhecidos
comandante da Marinha, Almirante de Es- postais brasileiros. Inaugurado em 1698, o
quadra Almir Garnier Santos, foi realizada Farol da Barra foi escolhido pela Associação
no Farol da Barra, em Salvador (BA). Internacional dos Auxílios à Navegação
Produzida pela empresa Larty Mark, (International Association of Lighthouse
com o apoio institucional e logístico da Authorities) – Iala − como o “Farol Patri-
Marinha do Brasil (MB), a série docu- mônio Histórico e Cultural de 2020”, um
mental é composta por 13 episódios com reconhecimento internacional ao bom traba-
26 minutos de duração cada, inspirados no lho desenvolvido nas áreas de conservação,
livro Luzes do Novo Mundo, do Capitão de
Mar e Guerra Ney Dantas (in memoriam).
Em forma de expedição e aventura,
a série revela histórias oriundas da cos-
ta brasileira, tendo como personagens
principais 16 faróis marítimos mantidos
pela Marinha, além de tocantes depoi-
mentos do Comandante Ney Dantas, que
mostram a importância de cada um dos
faróis. Em 2017, a MB aprovou o projeto O Farol da Barra será retratado
apresentado pela produtora e passou a em um dos episódios da série
dar suporte às gravações realizadas nos acesso público e educação, destacando os
faróis. Os episódios, que serão exibidos faróis mais preciosos do mundo.
pelo canal Travel Box Brazil, têm direção O Almirante Garnier externou sua
de Wiltonauar Moura, e a série foi finan- satisfação pela produção de uma série
ciada com recursos do Fundo Setorial do voltada a esses instrumentos fundamentais
Audiovisual (FSA), administrado pela de navegação que, além de toda a beleza e
Agência Nacional do Cinema (Ancine). imponência que transmitem, buscam sal-
O Farol de Santo Antônio, popularmen- vaguardar a vida humana no mar, alertando
te conhecido como Farol da Barra, que é ao navegador sobre os perigos da região.
personagem de um dos episódios, foi o (Fonte: www.marinha.mil.br)

NAsH CARLOS CHAGAS ATENDE RIBEIRINHOS


E INDÍGENAS NO RIO JAVARI

O Navio de Assistência Hospitalar ribeirinhas do Rio Javari, no Estado do


(NAsH) Carlos Chagas, subordinado ao Amazonas. As ações aconteceram em con-
Comando da Flotilha do Amazonas, rea- junto com o BAP Rio Yavari, da Marinha
lizou, entre 30 de abril e 5 de maio, ações do Peru, durante a Comissão Binacional
de assistência hospitalar em comunidades 2021 – Rio Javari.

RMB3oT/2021 311
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

atividades de conscientização
sobre a prevenção da Covid-19
e distribuíram kits de saúde bu-
cal às comunidades ribeirinhas
e aldeias indígenas da calha do
Rio Javari, contabilizando 433
atendimentos realizados.
Durante as atividades, o navio fi-
cou abarrancado nas proximidades
de Estirão do Equador, em Atalaia
NAsH Carlos Chagas navega no Rio Javari
durante comissão do Norte (AM). A ação contou com
o apoio do 4o Pelotão Especial de
Ao longo de cinco dias, os profissio- Fronteira do 8o Batalhão de Infantaria de
nais do navio proporcionaram atendi- Selva, do Exército Brasileiro.
mento médico e odontológico, realizaram (Fonte: www.marinha.mil.br)

NAsH DOUTOR MONTENEGRO ENCERRA


21a OPERAÇÃO ACRE

O Navio de Assistência Hospitalar


(NAsH) Doutor Montenegro, subordinado
ao Comando da Flotilha do Amazonas,
retornou para Manaus (AM) em 29 de
junho último, encerrando a 21a edição
da Operação Acre. Na comissão, foram
realizados mais de 11 mil atendimentos e
56 mil procedimentos médicos, odontoló-
gicos e de enfermagem em moradores de
comunidades ribeirinhas do Acre.
Navio atracou na Estação Naval do Rio Negro
A Operação teve início em 1o de março após quatro meses de comissão
deste ano, quando o navio partiu da capital
amazonense com destino a Cruzeiro do pré-natal; exames de mamografia e
Sul (AC). Foram atendidos ribeirinhos radiografia, palestras educativas, dis-
do município de Rodrigues Alves e das tribuição de medicamentos e ação de
comunidades de Pentecostes, Areal, Nari atenção farmacêutica. A equipe de saú-
do Moa, Santa Rosa, São Pedro, Buritira- de do navio foi composta por médicos
na, Puyanawa, Foz do Paraná, Liberdade, de Clínica Geral, Ginecologia, Pediatria
Campinas, Igarapé Preto, Onça, Ramal 2 e Radiologia; dentistas; enfermeiros;
e 11, Lagoinha, Miritizal, Canela Fina, técnicos de Radiologia e Higiene Den-
Santa Luzia, Cumaru e Mourapiranga. tal; enfermeiros e vacinadores.
Durante a comissão, foram realiza- A ação seguiu todos os protocolos
das consultas médicas e odontológicas, estabelecidos pelo Ministério da Saúde
exames clínicos e laboratoriais, cirur- para a prevenção ao coronavírus.
gias de pequeno porte, atendimentos (Fonte: www.marinha.mil.br)

312 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

8o DN COORDENA EVAM DE TRIPULANTE DE NAVIO MALTÊS

O Comando do 8o Distrito Naval coor- um tripulante de nacionalidade croata


denou, em 27 de maio último, a evacua- apresentou um problema de saúde, ne-
ção aeromédica (Evam) de tripulante do cessitando ser removido para um hospital.
Navio Mercante Ap Libertas, de bandeira Após o atendimento médico remoto do
de Malta. O navio encontrava-se a 1.170 Salvamar Sul Sueste confirmar a necessi-
milhas da costa de Santa Catarina quando dade de evacuação imediata, foi iniciada
a Operação de Busca e Salvamento, coor-
denada pelo Salvamar, que contou com
a participação da Fragata União e sua
aeronave orgânica Águia 82.
Os meios operativos efetuaram a ope-
ração de resgate do tripulante do navio
com sucesso, superando as dificuldades
impostas pelas condições meteorológicas,
a uma distância de 400 milhas do litoral
do Rio de Janeiro.
Resgate do tripulante croata (Fonte: www.marinha.mil.br)

COMANDO DO 6o DN REALIZA RESGATE NO PANTANAL

A Marinha do Brasil, por meio do Co-


mando do 6o Distrito Naval (Ladário-MS),
realizou, em 29 de maio último, o trans-
porte de uma mulher de 45 anos na região
do Paiaguás, no Pantanal, a cerca de 180
km do centro de Corumbá (MS). A ação
foi realizada após solicitação de apoio do
Corpo de Bombeiros.
A paciente apresentava desmaios Resgate foi realizado por aeronave do EsqdHU-61
e possível quadro clínico de pedra na
vesícula. O resgate foi efetuado com o A Marinha esclarece que o resgate de
auxílio de uma aeronave do 1o Esquadrão vítimas por meio de Evacuação Aeromé-
de Helicópteros de Emprego Geral do dica (Evam), empregando helicópteros
Oeste (EsqdHU-61), Organização Militar do 6o DN, é realizado, após solicitação
subordinada ao 6o DN. do Corpo de Bombeiros, apenas em locais
O deslocamento foi feito com acompa- onde o acesso é difícil ou inviável via
nhamento de um médico do Hospital Na- terrestre e em caso de emergência. O voo
val de Ladário e, na chegada ao heliponto depende, ainda, de diversos fatores, como
do EsqdHU-61, uma ambulância do Corpo condições meteorológicas, período diurno
de Bombeiros seguiu com a paciente para e distância, entre outros.
a Santa Casa de Corumbá. (Fonte: www.marinha.mil.br)

RMB3oT/2021 313
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MB SEGUE COM AÇÕES DE COMBATE À COVID-19

A Marinha do Brasil (MB) segue Além disso, militares da Delegacia da


apoiando as ações de prevenção e combate Capitania dos Portos em São Francisco
ao novo coronavírus no País, agora espe- do Sul (DelSFSul), em Santa Catarina,
cialmente as relacionadas à desinfecção de desinfectaram a Escola Básica Municipal
ambientes e ao apoio à vacinação contra Waldemar da Costa, para preparar o am-
a doença. Essas ações são integradas à biente para a aplicação de prova objetiva
Operação Covid-19, do Ministério da De- do processo seletivo de Marinheiro Au-
fesa, que envolve as três Forças Armadas. xiliar de Convés/Máquinas, realizada em
Paralelamente, realiza a Operação Grande 17 de julho último. Ao término da prova,
Muralha, para atender e orientar a família foi realizada nova desinfecção.
naval na pandemia.
Em relação à desinfecção, foi intensa a
atuação de militares da Marinha em esta-
belecimentos de educação, já que escolas
e universidades voltaram às aulas presen-
ciais, o que exigiu preparo desses am-
bientes para receber alunos, professores e
outros profissionais da área. Destacamos
algumas das várias instituições de ensino
descontaminadas, nos seguintes estados:
− Pará: Instituto Federal do Pará
(IFPA), em Belém, e Escola Estadual de Sala de aula do Instituto Federal do Pará é
higienizada por militar da Marinha
Ensino Fundamental e Médio Professor
Leônidas Monte, em Abaetetuba; Os militares da Marinha especializados
− Mato Grosso do Sul: Unidade II da em Resposta Nuclear, Biológica, Quími-
Universidade Federal de Mato Grosso do ca e Radiológica também atuaram em
Sul (UFMS) e Escola Municipal Almiran- instituições e áreas públicas e agências
te Tamandaré, em Corumbá; bancárias. Destacamos as seguintes ações:
− Rio Grande do Norte: Escolas Es- − Pará: em Belém, agências do Banco
taduais João Alves de Melo e Natalia do Estado do Pará (Banpará), Fundação
Fonseca e Escola Municipal Alice Garcia ParáPaz, Delegacia Especializada de
Freire, em Bom Jesus; e Atendimento à Mulher, Aeroporto Inter-
− Rio de Janeiro: em Maricá, Escola nacional, Catedral Metropolitana, sede
Municipal Vereador Osdevaldo Marins do Serviço de Atendimento Móvel de
da Matta; na capital, Escola Padre Dr. Urgência (Samu), unidades do Centro de
Francisco da Motta, no bairro da Saúde Referência de Assistência Social (Cras),
− na ocasião, foram entregues 60 cestas Central do Cadastro Único e Centro de
básicas para as famílias das crianças per- Referência Especializado para População
tencentes ao Projeto Música e Cidadania, em Situação de Rua (Centro POP); em
com alimentos doados pelos militares do municípios da Região Metropolitana,
Batalhão Naval e pela Escola, em campa- Espaço de Acolhimento Recomeçar,
nha de solidariedade às famílias carentes Centro de Referência Especializado de
neste período da pandemia. Assistência Social Comércio, Espaço

314 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

de Acolhimento Euclides Coelho Filho, do ao Plano Nacional de Imunização do


Conselho Tutelar II Daico, Fundação João Governo Federal e ao enfrentamento da
Paulo II e Casa Abrigo para Moradores pandemia de Covid-19.
Adultos de Rua.
− Rio Grande do Norte: em Natal,
prédios administrativos e operacionais da
Companhia Brasileira de Trens Urbanos;
em Mossoró, Hospital Regional Dr. Tar-
císio Maia e Unidade Central de Agentes
Terapêuticos; em Currais Novos, prédio
administrativo da Secretaria de Saúde Pú-
blica; em Bom Jesus, Unidades de Saúde
Centro e Capim; em Parnamirim, Centro
Administrativo Agnelo Alves da Prefeitura.
Desinfecção das arquibancadas do Maracanã
− Paraíba: em João Pessoa, Centro de
Distribuição Domiciliar dos Correios. Em Manaus, o Comando do 9o Distrito
− Mato Grosso do Sul: em Corumbá, Naval atuou, em parceria com a Secretaria
Santa Casa da Misericórdia. Municipal de Saúde do Amazonas, com
− Rio de Janeiro: em Duque de Caxias, militares da área de saúde do 1o Batalhão
sede da Fundação de Apoio à Escola de Operações Ribeirinhos e da Policlínica
Técnica, Ciência, Tecnologia (Fundec); Naval de Manaus fazendo aplicação das
em Maricá, Centro de Referência de As- doses no posto do campus da Univer-
sistência Social Santa Paula. sidade Paulista. Ainda no Amazonas, a
− Santa Catarina: em Itajaí, Terminal Capitania Fluvial de Tabatinga prestou
de Ônibus no bairro Cordeiros e Igreja apoio logístico à Secretaria Municipal
Nossa Senhora da Paz. de Saúde de Tabatinga transportando por
− Rio Grande do Sul: em Rio Grande, via fluvial seis profissionais da saúde,
no entorno do Hospital Universitário e no além de doses de vacinas para ribeirinhos.
material da Estação de Apoio Antártico Foram atendidas as comunidades de Bom
no Rio Grande (Esantar), em apoio à Uni- Futuro, Terezina I, Terezina III, Terezina
versidade Federal do Rio Grande (Furg). IV, Araçari, Vila Nova, Vila Eternidade,
Especial menção merece a ação do Praia de Fátima e Limeira.
Grupamento Operativo de Fuzileiros Em Belém, o Aviso-Auxiliar Breves
Navais de Defesa Nuclear, Biológica, apoiou a campanha de vacinação da Secre-
Química e Radiológica (GptOpFuzNav- taria Municipal de Saúde. A ação contou
-DefNBQR) realizada em 15 de julho, com a participação de 35 militares da MB
que simbolizou a marca de 300 ações de e ocorreu no Terminal Hidroviário Ruy
descontaminação executadas no Rio de Barata, onde o meio naval ficou atracado.
Janeiro. Na ocasião, o Estádio Jornalista Desde o início do apoio à vacinação
Mário Filho (Maracanã) passou pelo contra a Covid-19, militares do Comando
procedimento para ser utilizado no Con- Conjunto Norte (CCjN), formado pelo
curso de Formação de Soldados Fuzileiros Comando do 4o Distrito Naval, Coman-
Navais Turmas I e II/2022. do Militar do Norte e Comando Aéreo
O apoio à vacinação também teve Norte, aplicaram mais de 40 mil doses de
destaque no trabalho da Marinha, alinha- vacina nas populações de Belém e São

RMB3oT/2021 315
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Luís (MA). As ações ocorrem em apoio Atlético Monte Líbano, no Shopping


às secretarias estaduais e municipais de Ibirapuera e na Galeria Extra Aeroporto.
Saúde, por meio de montagem e operação Em Rio Grande, o 5o Distrito Naval
de postos de vacinação. Na capital paraen- apoiou a Secretaria Municipal da Saúde
se, os militares das três Forças Armadas na imunização de trabalhadores da área de
atuam em conjunto, atualmente, em postos limpeza urbana e do transporte coletivo,
de vacinação localizados nos shoppings além de pessoas com 46 e 45 anos. Durante
Bosque Grão-Pará e Boulevard, na Casa três dias, foram empregados enfermeiros
de Plácido, na Unidade Médico Integrada da Policlínica Naval do Rio Grande, além
da Marinha, no Aeroporto Internacional de militares do Grupamento de Fuzileiros
e no ginásio do Mangueirinho, além do Navais do Rio Grande para apoio logístico.
Aviso-Auxiliar Breves. Em São Luís, Em outras frentes de atuação, um exem-
o posto funciona no estacionamento da plo de ação foi o apoio logístico da Capita-
Universidade Ceuma. nia Fluvial do Pantanal à Agência Nacional
No Estado do Rio de Janeiro, entre de Vigilância Sanitária (Anvisa). A atuação
as inúmeras ações de apoio à vacinação da Anvisa teve como propósito realizar
destacamos, em São Pedro da Aldeia, a da notificações sanitárias em embarcação de
Policlínica Naval de São Pedro da Aldeia bandeira estrangeira atracada na cidade de
(PNSPA), em parceria com a Secretaria Ladário (MS). Para a ação, foi empregada
Municipal de Saúde, no mutirão denomina- a embarcação ECR-Chachara (CFPN-
do “Xô Covid”. A ação contou com o apoio 14), que conduziu a chefe do posto de
de enfermeiros e técnicos de enfermagem Vigilância Sanitária de Portos, Aeroporto
da PNSPA. Em Paraty, a Agência da Ca- e Fronteira de Corumbá, Karen Marques do
pitania dos Portos em Paraty (AgParaty) Amaral, a qual, além das notificações, fez
transportou, em apoio à Secretaria de Saúde recomendações sobre medidas profiláticas
e à Defesa Civil, doses de vacina contra para evitar a contaminação da tripulação,
Covid-19, bem como os agentes de saúde em função da pandemia.
da Prefeitura, para a vacinação da popula- Todas as ações da MB e das outras
ção residente em localidades isoladas e de Forças Armadas permanecem tendo
difícil acesso por terra. A AgParaty mobi- por base dois pilares: a Serenidade, que
lizou dez militares e duas embarcações que rege as ações preventivas, individuais e
transportaram a estrutura de saúde para as coletivas, para neutralizar os efeitos do
localidades de Mamanguá, Ponta Grossa, vírus; e a Firmeza, que define as decisões
Ponta do Cavalo, Praia Grande, Joatinga, assertivas, mantendo a máxima capacida-
Calhaus, Pouso e Cajaíba. A parceria entre de operativa para cumprimento da missão
a Prefeitura de Paraty e a AgParaty tem e atuação em prol da sociedade.
minimizado os impactos da pandemia na A Covid-19 já contaminou mais de 20
região, caracterizada por dificuldade de milhões de pessoas no Brasil, causando
acesso terrestre. mais de 580 mil mortes. No Mundo, regis-
Na cidade de São Paulo, o 8o Distrito traram-se aproximadamente 219 milhões
Naval participou da vacinação em apoio de infectados, com mais de 4 milhões de
à Secretaria Municipal de Saúde. A ação, vidas perdidas.
denominada “Vacina Sampa”, contem- (Fonte: Centro de Comunicação Social
plou três postos, instalados no Clube da Marinha)

316 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

FUNDAÇÃO AMARCÍLIO

Com o intuito de apoiar e intermediar


os setores de saúde da Marinha do Brasil
em áreas como a pesquisa biomédica, a
Fundação de Apoio à Pesquisa Científica
no Hospital Naval Marcílio Dias (Funda-
ção Amarcílio), criada em 2008, segue da mais alta complexidade, no exercício
viabilizando inúmeros projetos de ensino, das atividades médicas, exigindo a par-
pesquisa, extensão, desenvolvimento ticipação integrada de profissionais com
institucional, científico e tecnológico e capacitação técnica específica.
estímulo à inovação. A formalização de contratação ou
Um desses projetos é o de apoio à outras formas de parcerias da Fundação
implantação do Programa de Especiali- Amarcílio com o HNMD para a execução
zação em Medicina Intensiva (PEMI) no de projetos, incluindo propostas, planos de
Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD), trabalho e outros documentos, são previa-
no Rio de Janeiro (RJ), iniciado em mar- mente analisadas, atendem ao seu Plano
ço de 2020. Como resultado, o HNMD de Desenvolvimento Institucional (PDI) e
foi credenciado como Centro Formador são autorizadas pela Direção do HNMD,
de Médicos Intensivistas, capacitando obedecidas as Normas Internas daquela
aqueles profissionais em diversos proce- instituição e a legislação em vigor.
dimentos na especialidade, considerados (Fonte: www.marinha.mil.br)

BATALHÃO TONELERO RECEBE CERTIFICAÇÃO


EM ATENDIMENTO A VÍTIMAS DE COMBATE TÁTICO

Militares do Batalhão de Operações


Especiais de Fuzileiros Navais, o Batalhão
Tonelero, participaram, de 12 a 21
de julho último, de adestramento em
Atendimento Pré-Hospitalar (APH)
coordenado pelo Centro de Medicina
Operativa da Marinha (CMOpM). Após
a conclusão do treinamento, foi recebida
certificação internacional em Tatical
Combat Casualty Care-TC3 (atendimento
a vítimas de combate tático), sendo essa Adestramento no procedimento de emergência
a primeira turma da Marinha do Brasil a cricotireoidostomia
receber o reconhecimento.
A certificação seguiu as diretrizes de A equipe certificada foi composta por
TC3 baseadas no Prehospital Trauma 19 militares da Marinha, sendo 15 dos
Life Support da National Association of Comandos Anfíbios/Operações Especiais e
Emergency Medical Technicians (NAEMT). quatro Mergulhadores de Combate.

RMB3oT/2021 317
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O curso em TC3 da NAEMT é endossado O adestramento foi conduzido por


pelo Joint Trauma System e pelo American médicos e enfermeiros do CMOpM, e
College of Surgeons e abrange desde o a certificação pela equipe da LifeAir5
atendimento prestado a uma vítima ainda Treinamentos, com colaboração de
sob fogo efetivo até o gerenciamento e policiais do estado de São Paulo.
procedimentos realizados na evacuação (Fonte: Centro de Comunicação Social
para uma instalação de tratamento médico. da Marinha)

LIDERANÇA NAVAL – ROSA DAS VIRTUDES

Em cumprimento ao Memorando no 6/ funções no Ministério das Relações


MB/2019, a Marinha do Brasil divulgou Exteriores. Como chefe da Comissão
ao seu público interno mais três dos 16 Brasileira Demarcadora de Limites,
valores que compõem a Rosa das Virtu- atuou em inúmeras missões nos rincões
des, relativos à Liderança Naval. do território nacional, enfrentando as
− Abnegação: a Abnegação é o condições insalubres, os pântanos, a
esquecimento voluntário do que há de ameaça constante das febres e das ciladas
egoístico nos desejos e nas tendências dos indígenas. Sua abnegada existência o
naturais, em proveito de uma pessoa, dignifica como ilustre brasileiro, defen-
causa ou ideia. É a renegação de si sor da unidade nacional e da integração
mesmo e a disposição de se colocar a da Amazônia.
serviço dos outros com o sacri- − Disciplina: É a força de
fício dos próprios interesses. coesão de qualquer coletivi-
O caráter marinheiro é dade humana, sendo in-
carregado de abnegação: dispensável não só a um
tem a consciência do organismo militar, mas
“servir” (inclui a base a qualquer outro que
de todas as virtudes, a pretenda reunir indiví-
humanidade) e possui a duos em uma unidade
simplicidade em todas sólida e eficaz. A disci-
as suas ações e palavras. plina não visa a tolher a
A abnegação, portanto, personalidade, mas sim a
fortalece o desenvolvimento regular e coordenar esforços.
de todas as atividades de servi- Ela somente torna-se fecunda
ço à Marinha, criando a unidade de quando há condições de ser alegre e
ação, pois ela é passar por cima de qual- ativa. Um simples conformismo ou o re-
quer interesse individual. A trajetória de ceio das censuras ou sanções não trazem
vida do Almirante Braz Dias de Aguiar a Disciplina. O que a faz presente e aceita
ilustra muito bem esta valorosa virtude. é um forte sentimento de interesse comum
Após relevantes serviços prestados à e, principalmente, a correta percepção
Marinha, onde atuou em levantamentos de um dever comum. Assim entendida,
hidrográficos e sondagens, em canais de não haverá o risco de ela coibir ou en-
navegação e pontos afastados da costa, fraquecer as iniciativas, pois não será
passou a exercer, em 1910, importantes imposta, mas sim adquirida. A Disciplina

318 RMB3oT/2021
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Militar manifesta-se basicamente: pela des do Hino Nacional e ao ver desfraldada


obediência pronta às ordens do superior; a bandeira de sua pátria. Em essência, é a
pela utilização total das energias em prol crença na defesa dos ideais de nacionali-
do serviço; e pela correção de atitudes e dade. Expressão de carinho que os liga à
cooperação espontânea em benefício da terra que serviu de berço, o patriotismo é
disciplina coletiva e da eficiência da ins- a força de coesão poderosa que os torna
tituição. Prima da Ordem, a Disciplina é solidários em um interesse comum, ensi-
fundamental em qualquer área de atuação nando-os a bem querer, servir, honrar e
humana, posto que, sem ela, todo conheci- defender a pátria. O amor à pátria é um
mento, motivação, eficiência e talento são sentimento nobre que une os brasileiros
afetados ao surgir a primeira dificuldade. e que, em especial no meio naval, pode
− Patriotismo: O patriotismo é o sen- ser manifestado por meio do respeito
timento irresistível que prende os indiví- aos símbolos nacionais e pela atuação na
duos à terra em que nasceram. É a trama vigilante defesa da Amazônia Azul. Esse
de afetos que, através das gerações, vai sentimento, definido como patriotismo, é
sendo tecido em suas almas ao redor do o âmago da nossa nacionalidade.
solo querido. Externamente, é a emoção (Fontes: Bonos nos 546, de 9/6/2021;
que os indivíduos sentem ao ouvir os acor- 642, de 7/7/2021; e 684, de 21/7/2021)

RMB3oT/2021 319

Você também pode gostar