2-2014 Revista

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DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA
MARÍTIMA
BRASILEIRA
(Editada desde 1851)

v. 134 n. 04/06
abr./jun. 2014

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Elói Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt


Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 134 n. 04/06 p. 1-304 abr. / jun. 2014
A Revista Marítima Brasileira, a partir do 2o trimestre
de 2009, passou a adotar o Acordo Ortográfico de 1990,
com base no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,
editado pela Academia Brasileira de Letras – Decretos nos
6.583, 6.584 e 6.585, de 29 de setembro de 2008.

Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha.


–– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro:
Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943.


Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. MARINHA — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359.005


COMANDO DA MARINHA
Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA
Almirante de Esquadra Airton Teixeira Pinho Filho

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA


Vice-Almirante (Refo-EN) Armando de Senna Bittencourt

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA


Corpo Editorial
Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor)
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva
Capitão de Mar e Guerra (RM1-T) Nelson Luiz Avidos Silva
Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro
Jornalista Manuel Carlos Corgo Ferreira

Diagramação
Desenhista Industrial Felipe dos Santos Motta
Artífice de Artes Gráficas Celso França Antunes

Assinatura/Distribuição
Terceiro-Sargento-RM1-ES Mário Fernando Alves Pereira
Artífice de Artes Gráficas Celso França Antunes
Marinheiro-RC Pedro Paulo Moreira Cerqueira

Departamento de Publicações e Divulgação


Primeiro-Tenente (RM2-T) Luiz Cesário da Silveira do Nascimento

Apoio Administrativo e Expedição


Suboficial-CN Maurício Oliveira de Rezende
Suboficial-MT João Humberto de Oliveira
Artífice de Artes Gráficas Ilda Lopes Martins

Impressão / Tiragem
Meneghetti’s Gráfica e Editora Ltda. / 8.600
A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA é uma publicação oficial da MARINHA DO BRASIL desde
1851, sendo editada trimestralmente pela DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMEN-
TAÇÃO DA MARINHA. A opinião emitida em artigo é de exclusiva responsabilidade de seu autor, não
refletindo o pensamento oficial da MARINHA. As matérias publicadas podem ser reproduzidas. Solicitamos,
entretanto, a citação da fonte.

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Rua Dom Manuel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ
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SUMÁRIO

9 nossa CAPA
9 A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar
Mucio Piragibe Ribeiro de Bakker – Contra-Almirante (Refo)
Uso do mar – breve panorama histórico – evolução do Direito do Mar. Regula-
mentação no Brasil – Margem Continental e Zona Econômica Exclusiva. O Atlântico e a
Amazônia Azul

29 Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade


brasileira?
Reginaldo Gomes Garcia dos Reis – Contra-Almirante (Refo)
O espaço marítimo e sua evolução – desafio do desenvolvimento. Áreas estra-
tégicas – geopolítica. Dinâmica do mundo real e câmbios na balança do poder mundial.
Dimensões estratégicas e ciberespaço. “Revolução Brasílica” – destino manifesto

46 ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval


Eduardo Italo Pesce – Professor
“Armadilha da renda média” – o crescimento econômico. Implicações para a
Defesa – valores. Poder Naval – renovação, adequação – Planos. Duplicação da Esquadra

63 OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul (Parte 2)


Renato Rangel Ferreira – Capitão de Mar e Guerra (FN)
Mentalidade marítima – aspectos estratégicos. Poder Naval. Marinhas modernas
e pós-modernas – estratégias. Proteção da Amazônia Azul – doutrina – tarefas básicas

  

90 O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais


Reis Friede – Desembargador
Proposta de Emenda Constitucional – análise da PEC 187/2012. Critérios de acesso
e exercício da Presidência de Tribunais no exterior e no País. Critério para a Presidência
nas Casas do Congresso e no Poder Judiciário

102 EM TEMPOS DE GUERRA


Antonio Carlos Didier Barbosa Viana – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
Alocução do autor na Escola Naval sobre sua participação na Segunda Guerra
Mundial. Dificuldades – desempenho – dedicação

105 A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON:


A vida cotidiana e as táticas de combate (Parte IV – final)
Francisco Eduardo Alves de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Rotina dos navios da Royal Navy. A medicina a bordo. Disciplina e punições – a
chibata e a pena de morte. Tática e o modo britânico de combater

120 EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação militar naval


Marcelo Felipe Duarte – Professor
Importância da virtude no pensamento do homem, desde a Grécia, para a cultura.
Relação entre ética e educação. Rosa das Virtudes – os princípios
127 AZUL COm a ToRRe
Marcos Rogério Amorim – Capitão de Corveta
A experiência de 50 anos de operações de navio-aeródromo. Responsabilidade
de manter o conhecimento operacional – as condições extremas para preservar a segurança

131 O tabuleiro de Midway


Mário Roberto de Souza Lima – Capitão de Fragata (T)
Breve histórico da atuação japonesa na Segunda Guerra Mundial – tentativa do
Almirante Chuichi Nagumo para aniquilar a Marinha dos EUA no Pacífico. Equívoco na
conduta – gestão de competência e talento

136 COMO A FERRAMENTA MAINTENANCE RESOURCE MANAGEMENT (MRM) PODE


CONTRIBUIR PARA MELHORAR A SEGURANÇA DE VOO
Guilherme Conti Padão – Capitão de Corveta
A fundamental manutenção para obter bons índices de segurança nas aeronaves
em linha de voo. O programa de treinamento para contribuir no trabalho em equipe visando
à redução de erros

141 O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices:


Como tomar uma boa decisão?
Igor de Assis Sanderson de Queiroz – Capitão de Corveta (IM)
Histórico dos mísseis – conceito e classificação. Tipos utilizados na Marinha.
Desenvolvimento no Brasil – parque industrial e tecnologia

162 Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: Um breve panorama


Anderson Chaves da Silva – Capitão de Corveta (IM)
Origem das parcerias – no País – características. Emprego na Marinha

GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo


175
no Pamesq
Romero de Albuquerque Maranhão – Capitão-Tenente (T)
Maria Tereza Saraiva de Souza – Doutora em Administração
Cláudia Echevenguá Teixeira – Doutora em Engenharia Civil e Ambiental
Estudo no Posto de Atendimento Médico da Esquadra sobre resíduos de serviços
de saúde. Desafio para o setor público. Providências. Classificação dos resíduos – análises
– quantidades – identificação – tratamento e destinação

189 NAVEGAR É PRECISO, RESGUARDAR É OBRIGATÓRIO


Daniel Theberge de Viveiros – Aspirante
Costa nacional e águas interiores. Convenções internacionais para o meio ambiente.
Papel da Marinha

194 VELEJANDO NO MEDITERRÂNEO


Luiz Fernando do Nascimento Vieira – Aspirante
Troféu Accademia Navale e Cittá di Livorno. A Academia Naval da Itália
ARTIGOS AVULSOS
200
200 GÊNERO MASCULINO E SAÚDE
Thalita Mayan Esquerdo Andrade – Assistente Social

201 MARINHA DO BRASIL E O VALOR DESTINADO


À INSTRUTORIA
Glauber Olympio Gomes e Silva – Terceiro-Sargento (DT)

201 AS CONTRIBUIÇÕES DA ENERGIA NUCLEAR PARA O


PODER NAVAL
Rafael Teixeira de Freitas e Silva – Capitão-Tenente (FN)

202 SUBSÍDIOS PARA HISTÓRIA DA PROPRIEDADE


FUNDIÁRIA NO BRASIL
Mucio Piragibe Ribeiro de Bakker – Contra-Almirante (Refo)
Fredy Rebentisch Heredia – Historiador

204 NECRoLÓGIO

205 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

209 Doações à dphdm

212 ACONTECEU HÁ CEM ANOS


Seleção de matérias publicadas na RMB há um século. O que acontecia em nossa
Marinha, no País e em outras partes do mundo

226 REVISTA DE REVISTAS


Sinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações rece-
bidas do Brasil e do exterior

233 NOTICIÁRIO MARÍTIMO


Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil e de outras
Marinhas, incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima

289 NoSSOS aRTIsTAS


Reprodução de exposição no Museu Naval, com aquarelas de quatro pintores
A SEGUNDA MAIS ANTIGA DO MUNDO

A Revista Marítima Brasileira completou 163 anos em


1o de março de 2014. Fundada em 1851 pelo
Primeiro Tenente Sabino Elói Pessoa,
foi a segunda revista mais antiga do mundo
a tratar de assuntos marítimos e navais.
Conforme os registros obtidos, a Rússia foi o
primeiro país a lançar uma revista marítima,
a Morskoii Sbornik, (1848).
Depois vieram:
Brasil – Revista Marítima Brasileira (1851),
França – Revue Maritime (1866),
Itália – Rivista Marittima (1868),
Portugal – Anais do Clube Militar Naval (1870),
Estados Unidos – U.S Naval Institute Proceedings (1873)
República Argentina – Boletín Del Centro Naval (1882).
NOSSA CAPA

A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção


das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

“O mar... expressão de imenso, do


infinito, limitado apenas pelos céus... e
que realmente mais possui a terra do
que é por ela possuído”.
Hugo de Grotius
(1583-1645)

MUCIO PIRAGIBE RIBEIRO DE BAKKER*


Contra-Almirante (Refo)

* O autor é conferencista, escritor e colaborador assíduo da RMB. Comandou o Navio-Hidrográfico Argus e o


Navio-Oceanográfico Saldanha, foi diretor da Escola de Guerra Naval, secretário da Comissão Interministerial
para os Recursos do Mar e diretor de Hidrografia e Navegação da Marinha.
A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

SUMÁRIO

Apresentação
Introdução
O uso do mar
Um breve panorama histórico
Novas perspectivas para o uso do mar
Uma nova disciplina jurídica para o uso do mar
Evolução do Direito do Mar – novos conceitos
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – aspectos principais
Os novos conceitos e suas definições. A regulamentação no Brasil
A delimitação da Margem Continental. Os recursos biológicos da
Zona Econômica Exclusiva (ZEE)
A Amazônia Azul
Os recursos do mar – o Atlântico – a Amazônia Azul
Os recursos do mar – a importância dos oceanos
O Atlântico – A Amazônia Azul
O Atlântico
A Amazônia Azul
Considerações finais

APRESENTAÇÃO longo trabalho que publicamos sobre “O


Mar e seus Recursos”, na Revista Marítima

A nova realidade jurídica resultante da


III Conferência das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar, em vigor desde
Brasileira (v. 132, no 01/03, jan/mar 2012).
O Atlântico Sul é um oceano geologi-
camente tranquilo. Não possui o “Cinturão
1994, outorga ao Brasil uma área marítima de Fogo” que cerca o Pacífico, responsável
no Atlântico que pode atingir mais de 4,5 pelos abalos sísmicos e tsunamis ocorridos
milhões de km2. Essa área, devido à sua na região. Possui várias ilhas, inclusive em
extensão e às riquezas nela existentes, a sua parte central e sul (Ascensão, Santa He-
Marinha denominou, em expressão oportu- lena, Tristão da Cunha, Geórgias do Sul),
na e feliz, de Amazônia Azul, associando-a que poderiam servir de base para execução
assim à Amazônia Verde, cuja importância de estudos e pesquisas sobre o oceano, de
para o País já é devidamente reconhecida seu solo e subsolo.
pelos brasileiros. Para administrar e aproveitar os re-
Estas notas pretendem explicar como cursos de área marítima de tal magnitude
surgiu a Amazônia Azul, enfatizando tam- – praticamente metade de suas terras emer-
bém a necessidade e a urgência de juntar sas –, torna-se imperativo para o Brasil a
ao desenvolvimento nacional as imensas execução de uma política agressiva para
riquezas biológicas, minerais e energéticas o setor, que englobe o estabelecimento de
nela existentes. Diante da possibilidade de uma organização flexível e suficientemen-
fome e sede em futuro próximo, provoca- te ampla em seus propósitos – a Fundação
da tanto por mudanças climáticas quanto Oceano – com o objetivo principal de
pelo alarmante crescimento da população promover os estudos técnicos e científicos
humana, o uso imediato dos recursos no necessários à utilização de mares, águas
mar constitui, sem dúvida, a principal pro- interiores, Antártica e ilhas oceânicas
vidência que deve ser tomada a curto prazo. do Atlântico Sul. Assim, o Brasil estaria
Para isso, torna-se inadiável a criação da devidamente preparado não somente
Fundação Oceano, conforme proposta em para enfrentar os desafios do século, mas

10 RMB2oT/2014
A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

sobretudo para participar de seus princi- quanto foram capazes de usar o mar como
pais eventos, os quais, inevitavelmente, instrumento indispensável à sua segurança
ocorrerão nos oceanos. e ao seu desenvolvimento.
O Direito do Mar, resultante da con-
INTRODUÇÃO venção aprovada pela III Conferência das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar,
Escrever sobre a Amazônia Azul obriga- de 1982, estabelece a estrutura da nova
nos, inicialmente, a escrever sobre o mar ordem jurídica internacional para o uso do
e seus recursos, especialmente na área do mar, consentânea com a atual conjuntura
Atlântico de interesse imediato do Brasil, política, estratégica, econômica, social e
e, ainda, sobre a nova realidade jurídica tecnológica do mundo contemporâneo. Ela
criada pela Convenção das Nações Unidas constitui o marco inicial para a exploração
sobre o Direito do Mar, que regulamenta as dos oceanos, de seu solo e subsolo, dentro
atividades humanas sobre uma área marítima da ordem jurídica internacional, inclusive
superior a 70% da superfície da Terra. De das áreas marítimas fora das jurisdições dos
acordo com os termos da convenção, o Brasil estados, consideradas patrimônio comum
poderá determinar, de- da humanidade.
finitivamente, as suas
fronteiras marítimas Todos os povos que Novas perspectivas
no Leste, incorporan- para o uso do mar
do às suas pretensões exerceram o poder, além de
uma área de mais de seus próprios territórios, Há pouco mais de
4,5 milhões de km2 – a cem anos, as nações
Amazônia Azul.
usaram o mar e o não exploravam o pe-
dominaram para poderem tróleo de suas plata-
O USO DO MAR influir sobre a vida de formas continentais
– porém os nódulos
Um breve panorama outros povos polimetálicos já consti-
histórico tuíam curiosidade cien-
tífica; a exploração dos
O mar, em todas as épocas, sempre recursos vivos do mar, em escala industrial,
teve decisiva influência sobre os povos, era quase inexistente; e o homem ainda não
constituindo-se em fator de capital im- tinha atingido profundidades muito maio-
portância para a sua sobrevivência e seu res do que 50 metros. Atualmente, com o
desenvolvimento. Todos os povos que desenvolvimento da ciência oceanográfica,
exerceram o poder, além de seus próprios com o correspondente avanço tecnológico
territórios, usaram o mar e o dominaram e com a invenção e o aperfeiçoamento
sucessivamente através dos séculos, para de submersíveis capazes de mergulhar
poderem influir sobre a vida de outros a profundidades bem maiores que 1.000
povos, de acordo com seus interesses. metros, o mar adquiriu novas dimensões e
Fenícios, gregos, cartagineses, romanos e, surge efetivamente como a última fronteira,
mais tarde, genoveses, venezianos, portu- a abranger mais de 70% da superfície do
gueses, espanhóis, holandeses, franceses planeta, e no qual os recursos vivos, mine-
e ingleses, principalmente, progrediram e rais e energéticos existem em escala nunca
engrandeceram suas respectivas nações, en- antes imaginada pelo homem.

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

As inúmeras possibilidades da ocea- e a cor enegrecida), podem representar uma


nografia permitem não apenas explicar a importante fonte alternativa de recursos
origem da Terra, mas talvez a origem da minerais.
própria vida, que, indubitavelmente, se O desenvolvimento das ciências ma-
iniciou nos mares. Por outro lado, pesquisas rinhas tem inclusive alterado o nosso co-
já levadas a efeito vieram comprovar a exis- nhecimento da evolução do planeta Terra.
tência de montanhas A descoberta das placas
de lama e sedimentos, tectônicas e da deriva
a milhares de metros A oceanografia permite não continental, temas por
de profundidade, con- apenas explicar a origem da si mesmo fascinantes,
tendo percentagem
ainda imprevisível de
Terra, mas talvez a origem veio também acarretar
consequências econô-
metais estratégicos, da própria vida, que se micas. Nas regiões oce-
como manganês, fer- iniciou nos mares ânicas onde o solo do
ro, cobre, zinco e até mar está se abrindo, me-
ouro e prata, em con- tais e minerais afluem
sequência tanto de resíduos acumulados du- pelas rachaduras do manto terrestre, o que
rante longos períodos de tempo quanto da permite antever o nascimento da mineração
ação de fontes hidrotérmicas existentes no do fundo dos mares, como novas formas
fundo dos mares, a grandes profundidades. industriais. De outra fonte, o novo conhe-
Se sempre foi grande e conhecida a pos- cimento da dinâmica do solo oceânico e a
sibilidade de utilização da oferta alimentar tecnologia desenvolvida na sua compro-
proveniente do oceano, é muito mais vação e verificação vieram alterar o mapa
recente e mais espe- petrolífero do mundo.
tacular o crescimento Acha-se hoje que existe
da produção mineral Estudo realizado por mais petróleo e gás sob
de origem marinha. o leito dos oceanos do
Atualmente, cerca de cientistas de seis países que em terra, e sabe-se
87% do petróleo na- considerou a possibilidade também como localizá-
cional vêm de poços
marítimos, e esta per-
da existência de um imenso los em regiões cada vez
mais afastadas da costa
centagem certamente e oculto oceano na região e em áreas cada vez
aumentará significa- de transição entre o manto mais profundas.
tivamente com a ex- Recentemente, um
ploração do petróleo superior e o interior do estudo realizado por
dos campos do pré-sal. planeta cientistas de seis países
Por outro lado, uma considerou a possibili-
das mais fascinantes dade da existência de
possibilidades de exploração de recursos um imenso e oculto oceano na região de
minerais nos oceanos reside nos nódulos transição entre o manto superior (de 100 a
polimetálicos, que são corpos de forma 410 quilômetros sob a superfície da terra)
quase esférica, compostos basicamente por e o interior (a partir de 660 quilômetros de
manganês, além de níquel, cobre e cobalto. profundidade) do planeta. Essa região não
Estes nódulos, que agora já estão sendo seria seca, mas uma área repleta de água
pesquisados (têm tamanho e peso variáveis capaz de influenciar toda a dinâmica da

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Terra. Segundo os cientistas, a presença do do mar vinha sendo feito livre e predato-
líquido nessa região de transição coincide riamente, sem o gerenciamento adequado e
com estudos sobre condutividade elétrica sem a preocupação de preservação dos seus
realizados nos últimos anos por geofísicos. recursos naturais. Além desses aspectos,
Ainda é impossível estudar detalhadamente outros fatores impunham a necessidade
as características dessa zona, porque não de se regulamentar o uso do mar de uma
existe tecnologia para se chegar a uma maneira global, como o dramático aumento
região tão profunda. Mas não há dúvidas da população e o consequente aumento da
de como o grande e oculto oceano pode demanda dos alimentos dele originários;
influenciar a dinâmica do planeta: a água o crescimento industrial em todos os
da zona de transição poderia dissolver o continentes; a concentração da população
magma e alcançar a parte inferior das pla- em áreas costeiras; o aumento da extração
cas continentais. Desta forma, ela criaria do petróleo e gás das plataformas conti-
regiões propensas a vulcões. A água retida nentais; a intensificação da navegação e o
pode explicar as posições irregulares de emprego de navios de tonelagem cada vez
algumas rochas vulcânicas. Além disso, a maior, inclusive com propulsão nuclear; e
súbita liberação de água, a partir desta zona, o crescente uso de substâncias químicas,
poderia enfraquecer as placas tectônicas, com significativa proporção lançada aos
ressaltam os cientistas. oceanos. A cada dia, uma nova perspectiva
de conflito poderia ocorrer na competição
Uma nova disciplina jurídica para o uso pelo uso do mar, conflito que nenhum país
do mar poderia enfrentar sozinho. De outra parte,
existe uma constante interação entre os vá-
Em face dessas novas perspectivas de rios usos do mar: a explotação dos recursos
uso do mar, de seu solo e subsolo, os esta- do seu leito poderá afetar o uso das águas
dos passaram então a tomar conhecimento sobrejacentes, e vice-versa; e atividades nas
de suas dimensões econômicas, as quais, áreas internacionais e nas áreas nacionais
por sua vez, começaram a influenciar costeiras adjacentes poderão afetar umas
definitivamente os antigos conceitos de as outras. O mar, com a atmosfera que o
segurança e defesa. Descobre-se, ainda, que cobre, constitui um imenso e grandioso
os recursos vivos não são inesgotáveis, ao ecossistema cujas interações requerem
contrário do que se pensava; que a sua ex- ações e perspectivas integradas, com es-
plotação nacional é uma necessidade vital pecial atenção ao meio ambiente marinho.
para o estado costeiro; que a antiga regra Foram essas possibilidades as respon-
de 3 milhas é absolutamente insuficiente sáveis, no âmbito internacional, por um
para protegê-los; que as novas técnicas de rosário de reuniões e conferências levadas
explotação podem resultar em devastação a efeito na tentativa de harmonização das
e destruição do equilíbrio ecológico; e que múltiplas e divergentes reivindicações dos
o grau diferente do desenvolvimento dos diversos países sobre seus usos, posses e
estados permite que uns poucos explotem direitos. Em essência, estavam em jogo
indevida e abusivamente recursos que interesses econômicos, políticos e militares
naturalmente deveriam pertencer a todos. influenciados basicamente por problemas
Por conseguinte, tornava-se necessário de segurança e desenvolvimento, binômio
que a atitude humana em relação ao mar que, independentemente de acepções, é a
sofresse fundamentais alterações. O uso meta que todos os países desejam alcançar.

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Tais perspectivas, visualizadas em sua ple- Plataforma Continental ao longo das costas
nitude, vieram impor uma nova disciplina americanas. A apropriação da Plataforma
jurídica que, finalmente, foi consubstan- Continental por uma nação em ato de so-
ciada na nova Lei do Mar, resultante da berania e a pronta aceitação desse ato pelo
III Conferência das Nações Unidas sobre Direito Internacional levaram outras nações
o Direito do Mar, oficialmente encerrada a fazer idênticas proclamações, inclusive
em 10 de dezembro de 1982, na Baía de sobre mares territoriais e espaços aéreos.
Montego, Jamaica. Assim, inúmeros países também afirmaram
seus direitos sobre a continuação geológica
Evolução do Direito do Mar – novos de seus respectivos territórios, estendida
conceitos sob as águas do mar adjacente, inclusive
o Brasil, que, pelo Decreto no 28.840 de
O Direito do Mar, por conseguinte, “for- 1953, declarava integrada ao território
mou-se lentamente nacional a plataforma
ao longo dos séculos, submarina que borda o
pela sedimentação de A apropriação da continente e ilhas, tendo
fatos e costumes na como limite máximo a
prática da navegação, Plataforma Continental profundidade de 200
da guerra e da pesca; por uma nação em ato metros.
nos choques de inte- Cerca de dois anos
resses nacionais; na
de soberania e a pronta após a Proclamação
expansão de impérios; aceitação desse ato pelo Truman, em 1947, Chi-
na longa elaboração Direito Internacional le e Peru, por meio de
jurisdicional das gran- respectivos atos unila-
des potências; na con- levaram outras nações terais, aumentaram para
tribuição silenciosa a fazer idênticas 200 milhas a largura de
e variada de eminen-
tes juristas” (Clovis
proclamações, inclusive suas águas territoriais,
incluindo solo e subso-
Ramalhete, em seu sobre mares territoriais e lo subjacentes, com o
Parecer de 30/12/69). espaços aéreos propósito de preservar
Entretanto, antes do para os seus nacionais
término da primeira os inúmeros recursos
metade do século passado, dois novos pesqueiros de suas águas costeiras. A
conceitos vieram juntar-se às velhas regras atitude chilena e peruana foi logo seguida
jurídicas sobre o uso do mar, constituindo- pelo Equador e, mais tarde, por Costa
se em fatos de relevo nas transformações Rica (1948), El Salvador (1950), Hondu-
por que passou o Direito do Mar: o de Pla- ras (1951), Nicarágua (1965), Argentina
taforma Continental e o de exclusividade (1966), Panamá (1967), Uruguai (1969) e,
de pesca, além do Mar Territorial. finalmente, pelo Brasil, por meio do De-
Esboçado vagamente desde o princípio creto-Lei no 1.098 de 1970. Já nessa época,
do século passado, o conceito de Plataforma havia ocorrido um generalizado emprego
Continental afirmou-se a partir da pioneira de atos unilaterais de estados, distendendo
proclamação do Presidente Truman, dos sua faixa marítima adjacente. Deve ser
Estados Unidos, em 1945, quando este rei- lembrado que medida semelhante, embora
vindicou a posse de recursos econômicos da provisória, havia sido tomada logo após o

14 RMB2oT/2014
A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

início da Segunda Guerra Mundial, quando acordo com as disposições da convenção


os países americanos estabeleceram em tor- previstas para o assunto.
no das Américas uma zona de segurança de – Os estados costeiros exercerão direi-
200 milhas, com a finalidade de controlar o tos de soberania sobre suas respectivas
tráfego marítimo dentro dessa área. plataformas continentais (partes nacio-
nais do leito oceânico), para efeitos de
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES exploração e explotação dos recursos
UNIDAS SOBRE O DIREITO DO naturais ali encontrados, e nenhum outro
MAR – ASPECTOS PRINCIPAIS estado poderá empreender as ditas ati-
vidades sem o expresso consentimento
As principais características da Conven- de tais estados, independentemente de
ção das Nações Unidas sobre o Direito do ocupação real ou fictícia. Os direitos
Mar (CNUDM) foram as seguintes: de soberania sobre a Plataforma Con-
– Os estados costeiros deverão exercer tinental não alteram o status legal do
soberania sobre seus mares territoriais, mar ou do espaço aéreo sobre ela. Os
cuja extensão não deverá ultrapassar estados costeiros deverão dividir com a
12 milhas marítimas; porém os navios comunidade internacional uma parcela
estrangeiros terão permissão para a do rendimento obtido pela explotação do
passagem inocente através dessas águas, petróleo e de outros recursos de qualquer
desde que tal passagem não seja prejudi- parte de suas respectivas plataformas,
cial à paz, à boa ordem ou à segurança além das 200 milhas marítimas.
do estado costeiro e seja efetuada de – Todos os estados farão uso do tradi-
acordo com a convenção e as demais cional direito de navegação, sobrevoo,
normas do Direito Internacional. pesquisa científica e pesca em alto-mar.
– Os estados costeiros terão direitos de Eles deverão adotar medidas para geren-
soberania sobre uma Zona Econômica ciamento e conservação dos recursos
Exclusiva (ZEE) de 200 milhas, no que vivos, inclusive em cooperação com
se refere a recursos naturais e certas ati- outros estados.
vidades econômicas, além de certo tipo – Os estados interiores deverão ter
de jurisdição sobre pesquisa científica e acesso ao mar e deverão fazer uso da
preservação ambiental. Na ZEE, todos liberdade de trânsito através do territó-
os estados gozarão de liberdades regula- rio dos estados limítrofes, por todos os
mentadas para a navegação, lançamento meios de transporte.
de cabos, construção de tubulações sub- – A Autoridade Internacional dos Fun-
marinas e outros usos do mar internacio- dos Marinhos possuirá como órgãos
nalmente legítimos, relacionados com principais uma Assembleia, constituída
estas liberdades. Os estados interiores por todos os estados-partes da Conven-
e aqueles com características especiais ção, um Conselho composto de 36 mem-
terão direito de participar, numa base bros e um Secretariado, que compreende
equitativa, da explotação de uma parte um secretário-geral e o pessoal que a
dos excedentes dos recursos vivos das Autoridade possa necessitar. Disporá,
ZEE de estados ribeirinhos da mesma ainda, de uma empresa, órgão por in-
sub-região, tendo em conta os países termédio do qual a autoridade exercerá
econômicos e geográficos pertinentes as funções que lhe forem atribuídas pela
de todos os estados interessados e de convenção.

RMB2oT/2014 15
A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

– Os estados serão recomendados a usar dos estados possuidores, dos fornece-


dos melhores meios à sua disposição dores, assim como dos recebedores de
para prevenir e controlar a poluição tecnologia.
marinha, qualquer que seja a sua origem. – Os estados deverão procurar resol-
O texto da convenção definiu quais as ver suas disputas e desentendimentos
categorias de estados que seriam respon- sobre a interpretação ou a aplicação da
sáveis pela prevenção da poluição e pela Convenção sempre por meios pacífi-
punição dos poluidores, particularmente cos. Quando julgado necessário, eles
das poluições ocasionadas por navios. terão ainda quatro opções: um tribunal
Os estados também serão considerados internacional para o Direito do Mar, a
responsáveis por danos causados em ser estabelecido pela Convenção; a já
virtude do não cumprimento de suas existente Corte Internacional de Justi-
obrigações internacionais com relação ça; a arbitragem; e os procedimentos
ao combate à poluição marinha e serão especiais de arbitragem – essas duas
solicitados a cooperar, de modo global últimas, previstas nos Anexos VII e VIII
e regional, na formulação de regras da Convenção.
e de padrões de proteção ambiental, – O secretário-geral das Nações Unidas
obrigando-se a promover assistência será considerado o depositário da Con-
técnica para o desenvolvimento regional venção e das emendas à mesma.
nessa área.
– Toda pesquisa científica marinha na OS NOVOS CONCEITOS
ZEE e na Plataforma Continental estará E SUAS DEFINIÇÕES. A
sujeita à autorização do estado costeiro REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL
respectivo. Entretanto, tal estado será
obrigado a conceder autorização a ou- A Zona Econômica Exclusiva (ZEE),
tros estados, se as pesquisas pretendidas aprovada por ampla maioria, constituiu-se,
tiverem propósitos pacíficos ou satisfi- assim, em nova figura jurídica do Direito
zerem a outros critérios definidos pela Internacional. Ela assegurou aos estados
Convenção. O estado costeiro poderá costeiros direitos de soberania sobre todos
negar a permissão para as pesquisas os recursos vivos e não vivos existentes no
solicitadas ou determinar a sua interrup- subsolo, no leito e nas águas sobrejacentes
ção, mas sempre sob as circunstâncias do fundo do mar até 200 milhas, haja ou
definidas pela Convenção. Em caso não plataforma geológica em toda essa
de ocorrer um desentendimento sobre extensão. Por outro lado, com o nascimento
o assunto, o estado responsável pelas da ZEE, limitou-se a extensão do Mar
pesquisas poderá requerer ao estado Territorial, segundo os conceitos atuais de
costeiro a submissão do assunto a uma plena soberania, a 12 milhas, seguindo-se
arbitragem de conciliação, conforme os uma Zona Contígua de até 12 milhas; isto
dispositivos da Convenção. é, ela não poderá estender-se além de 24
– Os estados serão obrigados a promover milhas marítimas, contadas a partir da linha
o desenvolvimento e a transferência da de base utilizada para medir a extensão do
ciência e da tecnologia marinhas segun- Mar Territorial. Zona Contígua é, então,
do modalidades e condições equitativas a faixa que se estende de 12 a 24 milhas
e razoáveis. Isso poderá ser feito com a marítimas, onde o Brasil poderá tomar as
devida atenção aos legítimos interesses medidas de fiscalização necessárias para

16 RMB2oT/2014
A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

evitar ou reprimir quaisquer infrações às de, pelo menos, 1% da distância desses


suas leis e aos seus regulamentos. pontos do pé do talude continental.
Com relação à Plataforma Continental,
foi estabelecido seu novo conceito jurídico: Depois de determinado o limite da borda
“A Plataforma Continental de um estado exterior da Margem Continental, que passa
costeiro compreende o leito do mar e o a ser a Margem Continental jurídica, o cri-
subsolo de áreas submarinas que se esten- tério final estabelecido para fixar o limite
dem além de seu Mar Territorial, em toda a exterior da Plataforma Continental, que
extensão do prolongamento natural do seu passa a ser a Plataforma Continental jurídi-
território terrestre, até a borda exterior da ca, deveria recair em um dos casos abaixo:
margem continental, ou até uma distância – 100 milhas marítimas a partir da isó-
de 200 milhas marítimas das linhas de base bata de 2.500 metros; ou
a partir das quais se mede a largura do – 350 milhas marítimas da linha-base a
Mar Territorial, nos casos em que a borda partir de onde se conta o Mar Territorial.
exterior da margem continental não atinja
essa distância”. O diagrama representado na figura 1
A Margem Continental constitui a parte contém um gráfico dos critérios alternativos.
imersa dos continentes e representa a sua A Convenção aprovada estabeleceu,
transição para as bacias oceânicas. É forma- ainda, que os estados costeiros, ao deter-
da pela Plataforma Continental, pelo talude minarem a extensão de suas respectivas
continental e pela elevação continental que plataformas continentais, deveriam subme-
lhe dá continuidade para a fixação do limite tê-la à Comissão de Limites da Plataforma
exterior da Margem Continental sempre Continental (CLPC), a fim de que tal exten-
que a mesma se estender além de 200 mi- são, uma vez ratificada, possa ter amparo
lhas das linhas de base a partir das quais legal e, em consequência, ser aceita pela
se mede a extensão do mar territorial. A Comunidade das Nações. A apresentação
Convenção aprovou que esse limite exterior à mencionada Comissão deverá conter in-
seria então o determinado, em linhas gerias, formações sobre todos os dados utilizados
por um dos seguintes critérios alternativos: para a determinação do limite da plataforma,
– 60 milhas marítimas a partir do pé do que verificará se os critérios aprovados pela
talude continental; ou Convenção foram atendidos.
– uma linha unindo os pontos onde a es- Além desses aspectos, a Convenção
pessura da camada de sedimentos fosse estabeleceu que as ilhas rochosas que não

Figura 1 – Embasamento Cristalino


X = 100 vezes a espessura das rochas sedimentares

RMB2oT/2014 17
A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

podiam servir à habitação humana, ou que a caracterização da margem continental até


não tinham vida econômica própria, não o talude. Assim, a soberania brasileira sobre
teriam Zona Econômica Exclusiva, nem os fundos marinhos que lhe couberem, fora
Plataforma Continental. Seria, por exem- da ZEE, veio exigir a execução de um amplo
plo, o caso do Arquipélago de São Pedro e levantamento da Margem Continental, que in-
São Paulo, ilhas de formação basicamente clui a Plataforma Continental e o talude, cujo
rochosa, que constitui o ponto mais avan- acúmulo de sedimentos em sua base ou sopé
çado do Brasil no Oceano Atlântico Norte, poderia ter levado bem mais para leste o limi-
distando 610 km de Fernando de Noronha e te exterior da Margem Continental (o que foi
1.010 km de Natal, no Rio Grande do Nor- comprovado), ampliando significativamente
te. Com a ocupação do Arquipélago, por a extensão ou a continuidade do território
meio da construção da Estação Científica brasileiro submerso. Tal levantamento, uma
do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, vez concluído, deveria ser submetido à Co-
inaugurada em 1998, a presença brasileira missão de Limites da Plataforma Continental
no local passou a ser permanente, o que da ONU (CLPC) com as características do
veio garantir ao Brasil uma área de cerca limite pleiteado, juntamente com as informa-
de 450 mil km2 de ZEE. ções técnicas e científicas necessárias à sua
A Convenção das avaliação. Durante um
Nações Unidas para o período de cerca de dez
Direito do Mar entrou A ocupação do Arquipélago anos, de 1987 a 1996, na-
em vigor em 1994 e de São Pedro e São Paulo vios da Marinha (DHN),
foi regulamentada, no com especialistas da Pe-
Brasil, pela Lei no 8.617 veio garantir ao Brasil uma trobras e pesquisadores
de 4 de janeiro de 1993 área de cerca de 450 mil universitários (Projeto
e pelo Decreto no 4.983 Leplac – Levantamento
de 10 de fevereiro de km2 de ZEE da Plataforma Conti-
2004. A lei dispõe so- nental), coletaram os
bre o Mar Territorial, Zona Contígua, Zona dados necessários para a determinação do
Econômica Exclusiva e Plataforma Con- limite exterior da Plataforma Continental, em
tinental, de acordo com o estabelecido na atendimento aos requisitos técnicos definidos
Convenção, e o decreto estabelece os pontos pela CLPC.
apropriados para o traçado das linhas de Em linhas gerais, o Brasil determinou
base ao longo da costa brasileira, a partir das uma extensa área oceânica, além das 200
quais se medem as dimensões dos espaços milhas, onde, de acordo com os termos de
marítimos definidos na convenção. Convenção, serão exercidos direitos de
exploração e aproveitamento dos recursos
A DELIMITAÇÃO DA MARGEM naturais de solo e subsolo marinhos. Essa
CONTINENTAL. OS RECURSOS área oceânica compreende duas grandes
BIOLÓGICOS DA ZONA porções: uma ao norte, abrangendo o cone
ECONÔMICA EXCLUSIVA (ZEE) do Rio Amazonas e outra ao sul, que se
estende desde o litoral do Espírito Santo até
A nova realidade jurídica criada pela a fronteira marítima com o Uruguai. Assim,
CNUDM condiciona o exercício da jurisdição o Brasil poderá anexar às suas fronteiras
nacional sobre a Plataforma Continental à marítimas no Atlântico Sul uma área de, no
determinação dos seus limites, o que requer mínimo, 773 mil km2 ou, no máximo, 963

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

mil, em valores aproximados. Em qualquer A Amazônia é uma região geográfica


caso, seja qual for o resultado final o Brasil da América do Sul que inclui terras de
estará construindo as bases para o traçado Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana
definitivo da sua fronteira leste, no Atlân- Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. No
tico Sul, ao incorporar uma área de mar de Brasil, abrange os estados Amazonas, Acre,
mais de 4,5 milhões de km2. Roraima, Rondônia, Pará, Tocantins, uma
De outra parte, a otimização do uso área sul do Amapá, o norte de Mato Grosso
dos recursos biológi- e o leste maranhense,
cos da ZEE, confor- o que equivale aproxi-
me recomendação da Os “Bandeirantes das madamente a 3.900.000
Convenção, deverá km2, cerca de 45,82%
requerer um amplo e
Longitudes Salgadas”, do território brasileiro.
minucioso levanta- por meio do Leplac, É a Amazônia Verde.
mento das espécies alargaram as fronteiras Um dos maiores fei-
marinhas existentes na tos da Marinha, nas úl-
ZEE brasileira e uma do Brasil para Leste, timas décadas, foi, sem
sensível ampliação da como fizeram para Oeste dúvida, ter participado
capacidade nacional
de explotação desses
os antigos bandeirantes, ativamente do levan-
tamento da Plataforma
recursos, tarefas de e proporcionaram Continental – Projeto
notável complexidade recursos essenciais ao Leplac –, trabalho de
e magnitude, para as grande envergadura
quais o Brasil deverá desenvolvimento, em área desenvolvido por cerca
se preparar com a de- marítima maior que a nossa de dez anos (de 1987 a
vida urgência. 1996), que criou para o
Amazônia terrestre Brasil a perspectiva de
A AMAZÔNIA aumentar sua extensão
AZUL territorial, pela anexação à sua soberania
de uma imensa área marítima que se esten-
A soma do Mar Territorial com a Zona de por toda a costa, englobando também
Econômica Exclusiva e a Plataforma Con- as áreas situadas no entorno de Fernando
tinental totaliza cerca de 4,5 milhões de de Noronha, Trindade e Martins Vaz,
quilômetros quadrados, mais da metade do Atol das Rocas e São Pedro e São Paulo,
território emerso do Brasil e superior à soma totalizando aproximadamente 3.600.000
das áreas territoriais de Argentina e Uruguai, km2 (a figura 2, copiada da publicação do
igual a 3.173.641 km , e da Índia, 3.287.263
2
Cembra – Centro de Excelência para o Mar
km2. Devido à sua extensão e às riquezas Brasileiro, Conceitos Básios e Estratégia
existentes nessa área, o Almirante Roberto –, apresenta uma comparação entre as
de Guimarães Carvalho, então comandante áreas do território terrestre do País, da
da Marinha, em artigo para o jornal Folha Amazônia Verde e do Mar Brasileiro – a
de São Paulo sobre esse assunto, referiu-se à Amazônia Azul).
área marítima sob jurisdição nacional como As avaliações da CLPC ocorreram
uma outra Amazônia – a Amazônia Azul –, durante três anos, de 2004 a 2007 e, antes
associando-a, assim, à Amazônia Verde, de da decisão final, a delegação do Brasil,
grande importância para o País. composta de diplomatas e especialistas da

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

a expressão “Bandei-
Brasil
rantes das Longitudes
8.512.000 km2
Salgadas” para referir-
se aos especialistas da
Bacia Amazônica
3.900.000 km 2 Marinha, da Petrobras e
da comunidade científica
Mar Territorial e que permitiram alargar
Zona Econômica as fronteiras do Brasil
Exclusiva para o Leste, como o
3.600.000 km2 fizeram para Oeste os
antigos bandeirantes. A
Extensão da contribuição dos “Ban-
Plataforma Continental
deirantes das Longitudes
950.000 km 2
Salgadas” proporcionou
ao Brasil uma extensão
Figura 2 de área marítima maior
Marinha, da Petrobras e da comunidade do que a nossa Amazô-
científica, fez uma apresentação à Comis- nia terrestre, tanto em dimensão como em
são, na qual foram detalhados os argumen- biodiversidade, e seguramente em recursos
tos científicos e técnicos que serviram de essenciais ao desenvolvimento do Brasil.
base à proposição brasileira. Entretanto,
embora a CLPC tenha concordado integral- OS RECURSOS DO MAR – O
mente com a extensão ATLÂNTICO – A AMAZÔNIA AZUL
dos limites exteriores
da PC proposta para Os oceanos contêm 97% Os recursos do mar
– a importância dos
o Platô de São Paulo,
o mesmo não ocorreu da água da Terra e da oceanos
em relação a outras biosfera. A vida fervilha
áreas marítimas es- Os oceanos são hoje
pecíficas. Assim sen- da linha d’água às a grande fronteira da
do, o Brasil decidiu fossas hidrotermais das biodiversidade, do clima
enviar nova proposta e dos recursos minerais.
profundezas São as minúsculas plan-
à CLPC, insistindo
nos limites exteriores tas de fitoplâncton que
inicialmente apresentados e na coleta de no- produzem mais de 50% de todo o oxigênio da
vos dados oceanográficos para respaldá-la. Terra, como resultado de sua fotossíntese. No
Em qualquer dos casos, importa ressaltar, mesmo processo, elas absorvem entre 25%
estarão sendo construídas as bases para o e 30% de todo o CO2 emitido pelo homem.
traçado definitivo da fronteira leste do País, Os oceanos contêm 97% da água da
no Atlântico Sul. Terra e 97% da biosfera. A vida fervilha
O Editorial da Revista do Clube Na- da linha d’água às fossas hidrotermais
val, no 343, de jul/ago/set de 2007, então das profundezas. Está nos mares também
presidente do Clube, o saudoso Almirante a oportunidade das riquezas do pré-sal e
José Júlio Pedrosa, foi muito oportuno e de minérios, como o cobalto, de grande
elucidativo, e também muito feliz, ao usar importância para a indústria de eletrônicos.

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Os mares absorvem, ainda, 80% do – competição e tecnologia cada vez mais


calor adicionado pela ação do homem nos sofisticadas têm aumentado a quantidade
últimos 200 anos e governam a química de pescado capturado, chegando a 2,5
planetária. A água dos mares que evapora vezes do nível de sustentabilidade.
para a atmosfera retorna à superfície como
chuva e neve, num ciclo de restauração de Por toda a nossa história, nos habituamos
rios e lagos. Sem os oceanos salgados não a acreditar que os mares seriam tão vastos
haveria água doce na Terra. Sem os ocea- que jamais poderiam sofrer qualquer impac-
nos, nem a humanidade nem qualquer outra to. Mas hoje sabe-se que 90% das espécies
forma de vida existiriam. de peixes de valor comercial estão supe-
O pulmão do mundo está no azul dos rexploradas. Há mais de 485 zonas mortas
mares, e não no verde das florestas. Os em áreas costeiras do mundo – onde não é
oceanos provêm boa parte do oxigênio possível existir vida marinha – que cobrem
que respiramos e absorvem o excesso de 250 km2, graças ao aumento do escoamento
gás carbônico que lançamos na atmosfe- da agricultura, especialmente dos fertilizan-
ra. Eles controlam o clima e a água do tes nitrogenados, grande fonte de poluição
planeta. dos mares. Também 35% dos manguezais,
Os números apresentados a seguir com- 30% das algas e 20% dos atóis foram des-
provam a importância truídos pela expansão
capital dos recursos do da ocupação urbana do
mar para a sobrevivên- O pulmão do mundo está litoral. Em cada 2,6 km2
cia da humanidade1: no azul dos mares, e não no de mar podem se encon-
– 1 bilhão de pes- trados 46 mil pedaços de
soas têm nos peixes
verde das florestas plástico.
sua principal fonte O número de zonas
de proteína; mortas também pode crescer em função de
– 350 milhões de empregos no mundo alterações na química oceânica decorrente
estão ligados ao oceano; de poluição e mudanças climáticas.
– 10 bilhões de dólares por ano é o valor Os mares estão em processo de acidifica-
do comércio apenas do atum; ção devido ao acúmulo de CO2 absorvido da
– 25 bilhões de dólares é o valor do atmosfera. A acidificação é a maior ameaça,
mercado de peixes (o dobro do comércio pois afeta o fitoplâncton e os moluscos.
de café); Todas as formas de vida marinha sofrerão
– 85 países e 102 bilhões de dólares as consequências. O futuro da humanidade
por ano estão ligados ao comércio de depende dos oceanos, que representam o
frutos do mar e produtos derivados do maior desafio ambiental da atualidade.
pescado;
– 85% da pesca nos oceanos é classi- O Atlântico – a Amazônia Azul
ficada como superexplorada, sobre-
explorada ou esgotada; O Atlântico
– 22 trilhões de dólares é a perda esti-
mada com o manejo errado da atividade O Atlântico é um oceano relativamente
pesqueira nos últimos 30 anos; e jovem; começou a se formar durante o

1.: Fonte: Jornal O Globo, Planeta Terra – 3/4/2012.

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Período Triássico, há cerca de 190 milhões fossa de Porto Rico, que é o ponto mais
de anos, quando o supercontinente Pangeia profundo do Atlântico. No seu leito existe
se fragmentou em dois outros continentes uma cordilheira submarina, a Dorsal Me-
menores – Eurásia e Gondwana. O espaço soatlântica, que se estende da Islândia até
que se abriu entre eles foi então preenchido quase a Antártica (58ºS). Essa cordilheira
pelo Oceano Atlântico, ainda embrionário. assinala uma linha de falha onde as placas
No fim do Cretáceo, há 65 milhões de anos, na crosta terrestre estão se afastando uma
o mundo começou a se aproximar do que da outra, a uma velocidade de 2,5 cm por
é hoje, mas somente no início do Eoceno, ano. Por isso, o Atlântico está ficando maior
há 50 milhões de anos, o Oceano Atlântico à medida que o leito oceânico aumenta a
pôde apresentar uma configuração próxima partir da Dorsal Mesoatlântica.
de seus contornos atuais. O Atlântico tem os maiores cardumes de
O Atlântico era o Mar Oceano, ou Mar águas rasas do mundo. Existem reservas de
Tenebroso, na Idade Média, habitado, em petróleo e gás natural nas costas da África
suas profundezas, por seres monstruosos. e da América do Sul (Brasil), no Caribe
Antigamente, o ho- e no Golfo do México
mem se preocupava e reservas de minerais
mais com os céus, por- O grosso dos oceanos, cerca nas costas das Américas
que via os astros, do de 90%, as regiões centrais do Norte e do Sul e da
que com o mar, que África.
só conhecia por sua sobre as profundezas Certamente, mais
superfície. Ptolomeu, abissais, são estéreis, pela de 80% das riquezas
Copérnico, Galileu,
Newton, Laplace, Ke-
ausência de mecanismos biológicas dos oceanos
estão contidas no mar
pler e Einstein estu- naturais que façam subir as epicontinental, o mar
daram os astros, suas águas profundas raso que recobre a pla-
formas, suas leis e taforma continental e
seus movimentos no que é bastante diverso
espaço. Já o nascimento da Oceanografia, do oceano propriamente dito. A existência
como hoje é entendida, somente ocorreu das plataformas continentais possibilita
com a expedição do navio inglês Challen- a formação de uma zona de vida intensa,
ger, iniciada nos fins de 1872. O mar só que é, talvez, uma da mais densamente po-
era conhecido superficialmente, pelos seus voadas do planeta. Uma enorme massa de
ventos e suas correntes, que interessavam à animais pulula por essas águas, nadando ou
navegação. A pesca era costeira. Nos astros, rastejando, alimentando-se de uma popula-
somente o Sol para a altura e a estrela Polar ção ainda maior de algas que a zona produz.
para orientação. Essa zona costeira representa cerca de 10%
O Atlântico é o segundo maior oceano e da área oceânica e a ela se acrescenta 0,1%
cobre cerca de um quinto da superfície da de área em que condições naturais fazem
Terra, com uma área aproximada de 76,8 subir as águas profundas (ressurgência),
milhões de km2. Separa a África e a Europa extremamente ricas em nutrientes, como é
das Américas e tem duas grandes bacias: o exemplo o que ocorre na costa do Brasil,
Atlântico Norte e o Atlântico Sul, com uma na região de Cabo Frio (estado do Rio de
profundidade média de 3.660 metros e uma Janeiro), onde uma corrente proveniente
profundidade máxima de 8.605 metros, na da Antártica aflora. O grosso dos oceanos,

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

portanto cerca de 90%, as regiões centrais reações químicas e parte dele se transfor-
sobre as profundezas abissais, são virtu- ma em ácido carbônico, responsável por
almente estéreis, pela ausência de meca- reduzir o pH (coeficiente que caracteriza
nismos naturais que façam subir as águas o estado ácido-básico de uma solução que
profundas, com os elementos necessários contém íons H+) da água, o que interfere
à vida marinha. Entretanto, elas poderiam nos organismos, com maior dificuldade na
ser fertilizadas por meio do bombeamento formação do esqueleto calcário; mas cada
para a superfície da água profunda, fria espécie tem uma resposta diferente para
e fértil, expondo-a à luz solar. Aliás, nas essas transformações. Por outro lado, o
grandes tempestades, como nos furacões, aumento médio da temperatura das águas
com o mar revolto e agitado, as águas pro- do oceano em 0,5 grau, em 2010, foi sufi-
fundas podem, às vezes, aflorar à superfície, ciente para provocar grande migração de
fertilizando-as; mas trata-se apenas de um espécies. Algumas que se limitavam aos
acontecimento eventual, sem continuidade trópicos chegaram a regiões temperadas;
e, portanto, sem maiores consequências. e aquelas que se estabeleceram ali estão
No artigo que publicamos na Revista chegando a regiões polares, competindo na
Marítima Brasileira busca de alimento com
(v. 132, no 01/3, jan./ animais que habitam
mar. 2012) sob o tí-
tulo “O mar e seus
O espectro das mudanças adeárea. A proliferação
espécies invasoras
recursos”, abordamos climáticas está presente é apontada como uma
detalhadamente os no oceano. Quanto mais das consequências das
recursos biológicos, mudanças climáticas.
minerais e energéticos carbono é emitido, mais Estudos realizados
existentes no oceano, CO2 é absorvido por ele pelo Instituto de Bio-
no seu solo e subsolo, geoquímica da Uni-
e enfatizamos a ne- versidade de Zurique
cessidade de o Brasil adotar uma política (Suíca) prevêem que a acidificação dos
agressiva na pesquisa e explotação desses oceanos resultará em uma redução do con-
recursos, inclusive com a criação de uma teúdo de carbonato de cálcio das águas, o
organização destinada a estudar os oceanos, que tornará a vida mais adversa para a flora
seus sistemas e suas interações com os e a fauna marinhas. Com menos calcário
sistemas antártico, atmosférico e costeiro, na água, corais, moluscos, crustáceos e
especialmente para um país que incorporou outros animais marinhos que desenvolvem
uma área marítima de cerca de 4,5 milhões conchas enfrentariam problemas para se
de km2, a Amazônia Azul. Na realidade, desenvolver e poderiam até desaparecer.
com a exceção honrosa da Petrobras, as A maior acidez também afetará os man-
atividades nacionais em relação ao uso do guezais, maiores produtores de matéria
mar, quando comparadas com outras áreas orgânica do mar, e o fitoplâncton, respon-
de atuação do País, são ainda modestas e, sável pela produção de cerca de metade do
em alguns setores, quase inexistentes. oxigênio que respiramos. De acordo com
Entretanto, o espectro das mudanças os estudos citados, a velocidade da acidi-
climáticas também está presente no oceano. ficação dos oceanos poderá causar enorme
Quanto mais carbono é emitido, mais CO2 desequilíbrio nos oceanos e, com isso, uma
é absorvido pelo oceano. No mar, ele sofre grande ameaça para a vida marinha.

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Uma outra consequência da acidifica- é que o topo dessa cadeia de montanhas no


ção dos oceanos diz respeito aos recifes Atlântico Norte.
de corais. Segundo as previsões, até 60% Há cerca de um ano, aproximadamente,
dos recifes de corais, o habitat mais fértil a imprensa (O Globo, 7/5/2013) noticiou
dos oceanos, pois abrigam 25% de todos que havia sido realizada uma expedição
os animais marinhos, poderiam desapare- científica nipo-brasileira no Atlântico Sul,
cer nos próximos dois anos por causa da em águas internacionais, a cerca de 1,5
acidificação. Os recifes de corais também mil quilômetro da costa brasileira, entre os
apresentam grande importância social e estados do Rio de Janeiro e de São Paulo,
econômica, pois só eles garantem a so- onde está localizada a chamada Elevação
brevivência de 500 milhões de pessoas no do Rio Grande, um dos destinos da expe-
mundo inteiro, com um valor econômico dição. Essa expedição também pesquisa
calculado em cerca de 170 bilhões de dó- a geologia e a vida nas profundezas do
lares. Os oceanógrafos brasileiros não têm Atlântico Sul, assim como estuda a Dorsal
informações suficientes sobre a acidificação de São Paulo, uma cadeia de montanhas
do Atlântico Sul, o que é um problema que no fundo do mar, mais próxima do litoral
exigiria um monitora- do Brasil.
mento a longo prazo A expedição foi re-
e meios disponíveis Os recifes de corais alizada a bordo de um
adequados. garantem a sobrevivência submersível japonês,
Por outro lado, no capaz de atingir 6,5 mil
fundo do Atlântico, de 500 milhões de pessoas – metros de profundida-
a Cordilheira Dorsal valor econômico de de, o Shinkai 6.500*,
Mesoatlântica, com operado a partir do
montanhas de até 2,5
US$ 170 bilhões Navio Oceanográfico
mil metros de altura, Yokosuka. Os pesquisa-
se expande e forma ilhas. São transforma- dores admitem que a Elevação do Rio Gran-
ções de tamanha magnitude que têm atraído de, um gigantesco planalto que se ergue no
os pesquisadores oceanógrafos. As monta- fundo do mar, no Oceano Atlântico, seja na
nhas subaquáticas são vitais para os diver- verdade um continente submerso, que teria
sos ecossistemas marinhos. Fluxos de água afundado no Cretáceo (144-65 milhões de
quente de origem vulcânica correm sob a anos), durante as gigantescas perturbações
cordilheira e, assim, liberam uma solução geológicas ocorridas naquele período,
rica em metais. Devido à sua distância da quando a África se separou da América
superfície, a maioria dos seres vivos que do Sul e do bloco ibérico. Também foi
existem junto às fontes termais é formada considerada a hipótese de que tal elevação,
de bactérias que praticam a quimiossíntese, localizada em águas internacionais, seria a
pois são independentes da luz. Mas, além Atlântida, a ilha lendária de grandes dimen-
dessas formas de vida, outros microorga- sões que teria existido no Oceano Atlântico,
nismos, também encontrados em grandes próxima das Colunas de Hércules (Estreito
profundidades, têm atraído a atenção dos de Gibraltar), habitada por um povo forte e
pesquisadores por terem potencial para guerreiro. Após violento cataclismo, a ilha
oferecer compostos inovadores para a in- teria submergido no oceano (Platão descre-
dústria farmacêutica. A Islândia nada mais ve minuciosamente sua organização e suas
* N.R.: Ver RMB do 3o trim./2013.

24 RMB2oT/2014
A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

riquezas no Timeu e Crítias). É possível, Drilling Program – ODP) por um consór-


ainda, que tal elevação seja composta de cio de instituições norte-americanas, que
fragmentos de uma “ponte” que, segundo pesquisas científicas no assoalho oceânico
alguns geólogos, teria unido a América do vêm sendo realizadas. Em 1974, para
Sul (Brasil) à África. ampliar os recursos do Programa, ele foi
O Brasil, por meio do Ministério da aberto à participação de outros países,
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), como associados, e conta hoje com Cana-
da Petrobras, da Marinha e da Vale, assinou dá, Alemanha, França e Japão. A coleta de
acordo de cooperação para aquisição de um amostras de sedimentos em grandes pro-
navio de pesquisas oceanográficas, consi- fundidades e de rochas ígneas subjacentes
derado um dos mais modernos do tipo, em proporcionou novas informações sobre a
construção em um estaleiro de Cingapura. evolução da Terra e, pode-se dizer, inau-
Seria a providência inicial, embora insufi- gurou uma nova disciplina nas ciências da
ciente e bastante atrasada, para efetuar o Terra: a paleo-oceanografia. Assim, por
levantamento de informações detalhadas exemplo, descobriu-se que o Mediterrâneo
sobre os recursos mi- secou completamente
nerais e biológicos da há cerca de 7 milhões
Amazônia Azul – uma Provavelmente, o de anos. Em 1983, o
área marítima de mais Brasil foi admitido
de 4,5 milhões de km2 hidrogênio líquido será como observador.
–, que precisaria, no a energia portátil que Ainda não foram
mínimo, de quatro na- superados todos os
vios oceanográficos.
substituirá os combustíveis aspectos relativos à
Mas já é um passo! O fósseis, à medida que os tecnologia necessá-
valor do navio é de R$ obstáculos tecnológicos ria à utilização das
162 milhões. fontes de energia dos
Desde as últimas para o seu emprego oceanos, para os fins
décadas do século pas- generalizado forem sendo práticos da atividade
sado, tem crescido o humana, bem como
interesse dos países e
superados aqueles ligados à eco-
de empresas, ao redor nomicidade dos em-
do mundo, nos vastos depósitos de metais preendimentos. Entretanto, é fora de dú-
preciosos e outros minérios existentes no vida que, ultrapassadas tais dificuldades,
leito dos oceanos. Agências governamentais as grandes energias utilizáveis da massa
estrangeiras já investiram milhões de dólares oceânica serão empregadas em benefício
para identificar e avaliar possíveis métodos da humanidade. Porém, a mais importante
de mineração e processamento dos nódulos fonte de energia do mar, se bem que ainda
polimetálicos no leito marinho. Também, em potencial, é o deutério existente em
graças aos avanços dos conhecimentos so- suas águas. Como os oceanos contêm
bre geologia marinha, centenas de veios de cerca de 97,5% da água da Terra, ele é,
ouro, prata, cobre, cobalto, chumbo e zinco, efetivamente, a grande reserva de deuté-
avaliados em trilhões de dólares, já foram rio, representando, em energia potencial
identificados no fundo do mar. realizada pela fusão, aproximadamente
Aliás, desde 1964, com a criação do 1026 Mwh, cerca de 1012 vezes a reserva
Programa de Perfuração Oceânica (Ocean total de todos os combustíveis fósseis.

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Quando o homem vier a realizar a fusão água do mar e nos organismos marinhos,
controlada, o fará em reações que envol- como as algas, vêm tendo cada vez maior
vam o deutério, isto é, o hidrogênio pesa- aceitação e uso na farmacologia.
do (o deutério, isótopo do hidrogênio, tem
o seu átomo com um próton e um nêutron A Amazônia Azul
no núcleo, enquanto o hidrogênio tem só
um próton; o outro isótopo do hidrogênio As necessidades de alimentação para uma
é o trítio, com dois nêutrons no núcleo). população em constante expansão, assim
Obtendo a fusão controlada e superando como de matérias-primas e energia para a
o obstáculo e o confinamento de altíssi- manutenção e ampliação de toda a ativida-
mas temperaturas, haverá necessidade de de econômica mundial, somente poderão
uma energia em forma portátil, que será ser atendidas por meio da explotação dos
certamente o hidrogênio líquido, também recursos encontrados nas áreas marinhas
extraído por eletrólise da água do mar. O do planeta. É indispensável, portanto, que o
Brasil já pertence ao grupo de países que Brasil se integre na nova visão mundial dos
integram o International Thermonuclear problemas marítimos, de modo a poder par-
Experimental Reactor ticipar decisivamente da
(Iter), que pretende exploração e explotação
não só investigar a É indispensável, que dos recursos do mar. A
fusão termonuclear o Brasil se integre na Amazônia Azul e as áre-
controlada, mas prin-
cipalmente verificar
nova visão mundial dos as marítimas na jurisdi-
ção internacional são as
a possibilidade de problemas marítimos, de partes principais des-
obtenção de nova modo a poder participar se desafio do mar que
fonte de energia – o lhe é veementemente
deutério. decisivamente da apresentado. E cabe ao
O u t r a p a r t e d e exploração e explotação dos Brasil, por sua posição
energia do mar é o hi- geográfica, aceitá-lo.
drogênio líquido, ex-
recursos do mar A busca de recursos,
traído de suas águas sobretudo alimentares
por eletrólise, e que está sendo empre- e minerais, é parte substancial da resposta a
gado como combustível para projetos esse desafio. Além disso, o desenvolvimento
espaciais. Provavelmente, o hidrogênio do País exige a pesquisa imediata, na área
líquido será a energia portátil que subs- marítima nacional – a Amazônia Azul –, de
tituirá os combustíveis fósseis, à medida fontes alternativas de minerais e matérias-
que os obstáculos tecnológicos para o primas que permitam manter a demanda do
seu emprego generalizado forem sendo parque industrial brasileiro e as necessidades
superados. da vida econômica da Nação, substituindo
Mas o interesse da humanidade sobre o as fontes existentes no território emerso do
mar não se refere apenas aos seus recursos. País que forem se aproximando do estado de
Muitas vezes, na História, o mar foi lem- esgotamento ou de exaustão ou, ainda, que
brado como fonte de medicamentos e de devam ser preservadas com reservas estraté-
tratamentos. Atualmente, a “talassoterapia” gicas, para uso em situações de emergência.
parece renascer na medicina moderna, da De outra parte, o deslocamento das
mesma forma que os elementos contidos na atividades econômicas e técnico-científicas

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

para a área da Amazônia Azul e as respon- Azul, cujos recursos constituir-se-ão no


sabilidades que advirão para o País, em mais importante fator de desenvolvimento
decorrência de sua atuação nesse campo, econômico e social, especialmente quando
irão consolidar novos e significativos in- as previsões futuras admitem a ocorrência
teresses marítimos e, consequentemente, de fome e sede em virtude de alterações
a necessidade de protegê-los. Sem dúvida, climáticas e do aumento incontrolável da
isto beneficiará a Marinha, como ocorreu população humana?
com a exploração do petróleo na Plata-
forma Continental quando uma parcela CONSIDERAÇÕES FINAIS
dos ganhos auferidos pela Petrobras, sob
a forma de royalties, coube à Força, com O oceano é um universo líquido que
o propósito de reforçar os meios navais começa no litoral, na área dos mangues,
necessários à proteção e defesa dos campos à beira do mar e ao nosso alcance, usado
petrolíferos daquela área marítima. como berçário por diversos organismos e
Muito acertadamente, o Brasil possui o área de alimentação para outros, e que ter-
Instituto de Pesquisas mina a 11.035 metros
Espaciais (INPE) e de profundidade na
uma Agência Espa- Que o legado da Amazônia Fossa das Marianas,
cial, cuja base está no Pacífico Sul.
sediada em Alcân- Azul seja o ponto de partida Enquanto o homem
tara, no Maranhão, para a caminhada do Brasil pesquisa o universo
além de participar espacial, pretendendo
de atividades de pes- para o Leste, para o Mar até ocupar o planeta
quisa no continente Oceano, para a retomada Marte, somente 5%
antártico e de outras de sua vocação marítima! desse universo líquido
iniciativas arrojadas já foi observado, e me-
no campo da pes- nos de 1% da vida nos
quisa científica pro- mares é conhecida. A
priamente dita, inclusive no da energia maior parte dos oceanos está mergulhada
nuclear e, mais recentemente, integrando da escuridão.2
o Iter. Então, por que não criar também Nas últimas décadas do século XX
uma organização destinada a estudar os e no início deste século, com o avanço
oceanos, seus sistemas e suas interações científico, sobretudo com os submersíveis,
com os sistemas atmosférico, costeiro descobriu-se mais sobre os mares do que
e antártico, especialmente para um país em toda a história da humanidade. Mas,
com uma área marítima maior que a da nesse mesmo período, as ações humanas
Amazônia terrestre e mais da metade de provocaram mais destruição nos oceanos
suas terras emersas? Por que primeiro do que em toda a história precedente.
o espaço e o austro e não também os No Brasil, poucos conhecem os direi-
oceanos, principalmente o Atlântico que tos que o País tem sobre o mar que lhe é
lhe é fronteiro, como a área da Amazônia adjacente e sobre o imenso território marí-

2.: Esse imenso universo líquido pode ser dividido em quatro zonas: Zona Epipelágica – da superfície até 150
metros; Zona Mesopelágica – de 150 a 1.000 metros; Zona Batipelágica – até 4 mil metros; e Zona Abisssal
ou Abissopelágica – com as áreas mais profundas do leito oceânico. As zonas no interior das fossas abissais
são chamadas de Hadalpelágicas.

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A AMAZÔNIA AZUL: O Mar e seus Recursos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

timo que lhe foi outorgado, especialmente extraídas. A falta de uma organização
sobre o significado político, estratégico e nacional destinada ao estudo dos oceanos
econômico que eles representam. Talvez é apenas um sintoma.
não tenha havido a divulgação necessária Que o legado da Amazônia Azul seja
de tais conquistas, nem políticas públi- o ponto de partida para a caminhada do
cas voltadas para o aproveitamento dos Brasil para o Leste, para o Mar Oceano,
recursos e benefícios que dela podem ser para a retomada de sua vocação marítima!

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Política internacional; ONU; Direito do Mar;

BIBLIOGRAFIA

BAKKER, Mucio Piragibe Ribeiro de. “A humanidade conquista um patrimônio comum”. Revista
Brasileira de Tecnologia, vol. 15, n. 6, nov/dez 1984.
BAKKER, Mucio Piragibe Ribeiro de. “O mar: uma nova fronteira”. Revista Brasileira de Tecnologia,
vol. 18, n. 2, fev 1987.
BAKKER, Mucio Piragibe Ribeiro de. “A Terra, o oceano e a atmosfera. O clima e o aquecimento
global (Apontamentos sobre)”. Revista Marítima Brasileira. V. 131, n. 01/03, jan/mar 2011.
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR. Reproduzido da Diretoria
de Hidrografia e Navegação, 1990.
CEMBRA – Centro de Excelência para o Mar Brasileiro. 2a edição. Rio de Janeiro, 2012.
CEMBRA – Centro de Excelência para o Mar Brasileiro. Conceitos Básicos e Estratégia. 1/7/2010.
REVISTA DO CLUBE NAVAL. Editorial. Ano 115, no 343, jul/ago/set 2007.

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Atlântico Sul e Amazônia Azul:
Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

Se não existem guerras no presente nas quais o soldado profissional possa


aprender seu ofício, ele é, então, compelido a estudar as guerras do passado...
como insistiu Clausewitz [as guerras são...], um elemento peculiar caracteri-
zadas pelo perigo, pelo medo, pela confusão. Em suma, um grande grupo de
homens tenta impor a sua vontade sobre um outro por meio da violência; e,
em todas, ocorrem casos que são inconcebíveis em qualquer outro campo do
conhecimento. Naturalmente que as diferenças levadas a cabo entre uma e ou-
tra guerra em função das mudanças sociais e tecnológicas são imensas, e um
estudo de história militar que não tome em consideração tais mudanças pode ser
realmente, com muita facilidade, bem mais perigoso do que, de qualquer modo,
a não realização de qualquer estudo.
Michael Howard,
em The course of war and other Essays
(Tradução livre do autor do artigo)

REGINALDO GOMES GARCIA DOS REIS*


Contra-Almirante (Refo)

SUMÁRIO

Introdução
Um “espaço” marítimo e sua evolução
O multilateralismo geopolítico contemporâneo e o
desafio da sociedade brasileira
Conclusão

Introdução plexidade diante dos desafios geopolíticos


que se apresentam para os diferentes atores

A advertência que nos faz Michael


Howard é de relevante importância,
especialmente diante do quadro cada vez
estatais em diferentes regiões deste planeta.
O mundo contemporâneo vê-se atur-
dido diante dos avanços da tecnologia de
mais instável, incerto e inseguro ao qual informações e comunicações. Os “espaços”
denomino “cenário dos 3 I”. e as “posições” vão além dos limites geo-
A geopolítica é reconhecida de forma gráficos. Um pertencimento virtual veio
por vezes simplista, como tratando de somar-se às ameaças e oportunidades que
“espaço” e “posição”. Há uma certa per- se apresentam aos Estados. Parece que os

* Chefe do Departamento de Ensino da EGN, exerceu comandos nos diversos postos da carreira. Serviu no Comando
em Chefe da Esquadra (Operações) e no CAAML (chefe do Departamento de Instrução). Foi vice-diretor da
EGN e instrutor de Planejamento Militar e Jogos de Guerra. Autor de trabalhos para revistas especializadas e
capítulos em livros sobre estratégia; defesa e segurança; e relações internacionais. Recebeu o Prêmio Revista
Marítima Brasileira, em 2007.
Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

modelos tradicionais para tentar dissecar os contribui para a perplexidade com que se
conflitos e as suas tendências não respon- deparam os analistas estratégicos. A estra-
dem aos múltiplos impactos produzidos, em tégia deve ser simples, mas não significa
grau variável de intensidade, pelos atores que ela seja fácil e simplista.
estatais e não estatais. Estes fazem a gera- A natureza dos conflitos pode não ser
ção de eventos geopolíticos cada vez mais volátil, mas a característica, o meio pelo
associados a uma construção arquitetada qual a natureza toma forma, muda frequen-
social e politicamente. temente. Hoje, diz-se que o contemporâneo
As lições da história precisam ser estuda- é um híbrido que mescla vários aspectos
das amplamente, profundamente e de acordo diferentes. No campo militar, isto se ma-
com o contexto. Entretanto, não se deve tomar nifesta por meio das “velhas” e “novas”
tais lições como verdades absolutas, uma vez ameaças. Portanto, agir estrategicamente
que as peculiaridades e singularidades do é cada vez mais difícil em um mundo
contexto em que ocorreram têm componentes crescentemente interdependente. Um
próprios e específicos, em especial no cam- problema de segurança e os aspectos de
po subjetivo. Deve-se poder a ele associados
sempre estar atento para hoje ocupam um amplo
não cair na “falácia da A Amazônia Azul espectro. Pense-se, por
projeção linear”. exemplo, nas consequ-
O olhar para representa o desafio ências das mudanças
o Atlântico Sul e a de projetar sonhos de climáticas. É algo que
Amazônia Azul re- afeta toda a socieda-
quer um breve recurso
desenvolvimento e de de, logo um problema
à História, adequado alcançar outros patamares de segurança. O pla-
aos limites de pági- para as futuras gerações nejamento estratégico
nas deste artigo. Para implicará alocar recur-
isso, ir-se-á recorrer de brasileiros sos para fazer face ao
aos primeiros passos problema. Um grande
da independência do desafio para os planeja-
Brasil e ao papel do poder marítimo e, em dores estratégicos. Mas tal tipo de desafio,
consequência, do poder naval. inerente à crescente interdependência, é
Daremos uma breve visão teórica e uma singularidade da nossa época? É um
apresentaremos as implicações estratégicas problema sem respostas? Ou o slogan de
de uma região que cresce economicamente, modismos atuais não foi percebido?
atraindo diversos atores de outras regiões. O auxílio da História ajuda em recompor
Ao final, pretende-se despertar um debate o sentido conceitual da estratégia, que alguns
que é de todo interesse daqueles que têm grandes pensadores nos legaram com um
consciência da amplitude do desafio geo- sentido tradicional: a arte do estratego. Ela
político do Atlântico Sul. é aplicada para conseguir criar poder de
modo a obter o objetivo político, usando
Um “espaço” marítimo e sua especialmente os meios militares de acordo
evolução com o modelo tradicional. Vamos verificar
tal aspecto em uma breve incursão histórica.
O alargamento do conceito de estraté- O ponto de partida para o périplo deve
gia, que também alcançou o de segurança, ser a saga portuguesa da Escola de Sagres.

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

Tal como hoje, o Brasil descoberto revelou- e naval, antes e depois de Mahan. A linha é
se um locus de grandes oportunidades. baseada nos atributos do mar como:
Então, já naqueles tempos, despertou a a) fonte de recursos;
cobiça, e surgiram grandes ameaças ao b) meio para transportar e intercambiar
controle português, normalmente, no caso (não só material, mas também ideias e
brasileiro, vindo pelo mar. A Amazônia culturas);
Azul representa o desafio de projetar so- c) meio de projeção de poder, seja ele
nhos de desenvolvimento e de alcançar positivo ou negativo, porque são duas
outros patamares para as futuras gerações faces de uma mesma moeda. A projeção
de brasileiros. dar-se-á pela cooperação ou coerção; e
Um salto no tempo leva até a figura de d) meio de domínio.
José Bonifácio, que nos deixou as lições
de como utilizar o pensar estratégico não O poder naval não é um simples inventá-
somente no sentido do uso da força, mas rio de meios e sua capacidade de combate.
do controle das ações para conquistar os A vinculação ao poder marítimo está con-
interesses vitais dentro de objetivos polí- substanciada na frase de Walter Raleigh, no
ticos bem definidos. O livro magistral do século XVII: “Quem dominasse o comércio
Almirante Fernando Diégues, A Revolução mundial dominaria o mundo”. Uma outra
Brasílica: O Projeto Político e a Estratégia versão dessa frase foi adaptada por geopolí-
da Interdependência, é um estudo bem ticos como Mackinder e Spykman. Segundo
aprofundado do desafio daquela época. Geoffrey Till, Adam Smith identificou o
Segundo Diégues, “a Independência (...) mar como um elemento fundamental para
é um marco político notável na evolução a circulação das riquezas produzidas e, em
da sociedade brasileira, que se credencia a consequência, para o comércio e a economia
assumir livremente o deu destino”. (Till, p. 33). Seria a globalização uma Mari-
O mar foi o espaço estratégico por onde timização do mundo? Ou o reconhecimento
o Brasil avançou para consolidar o processo de que vivemos no “planeta Água”?
de sua independência. O emprego da Es- Till ainda deduz, das concepções es-
quadra foi uma forma inexorável de chegar tratégicas formuladas no campo histórico
a todos os propósitos do governo brasileiro até hoje, as seguintes funções clássicas do
para que o objetivo político de mais longo poder marítimo:
prazo fosse alcançado. a) assegurar o controle do mar;
O estudo da “Revolução Brasílica”, ex- b) projetar poder sobre terra, tanto na
pressão usada por José Bonifácio, permite paz quanto na guerra;
verificar como estão presentes elementos c) agir de modo a proteger ou atacar o
básicos de uma teoria do poder marítimo que tráfego marítimo; e
só ao final do século XIX foram explicitados d) manter a segurança de forma ampla,
por Alfred Thayer Mahan. Mahan não usou de acordo com as normas legais para que
a palavra geopolítica, mas, em sua obra, os haja uma “boa ordem” no mar.
termos “espaço” e “posição” em relação ao
controle do mar estão bem presentes. A sua As funções deixam sobressair os aspec-
análise geo-histórica enfatiza a importância tos econômicos, que são tanto motivo de
do mar para a humanidade. A visão de uma cooperação como competição. Essa pecu-
linha de referência permanente é consenso liaridade coloca ênfase no poder marítimo.
entre os estudiosos das estratégias marítima Em decorrência, isto acresce ao poder na-

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

val, como elemento constitutivo e integrado f) o caráter das instituições do governo,


ao poder marítimo, o seu significado mais que conduz a um projeto de Estado e à
amplo do que o do poder terrestre e aéreo vontade política e estratégica de executá-lo.
na dimensão do campo militar no ambiente (Stevens, W.O. e Westcoot, 1942)
estratégico e operacional.
A modelagem apresentada até aqui tem O acaso de datas leva a que, no mesmo
a faculdade de estabelecer a origem da ano do falecimento de Mahan, 1914, tenha
investigação e do debate acadêmico e pro- sido inaugurado o Canal do Panamá. Era
fissional para a compreensão dos assuntos uma das sugestões da visão geopolítica dele
do mar. A ideia-força dá uma visão macro para os Estados Unidos da América (EUA)
do poder marítimo para identificá-lo como tornando-se realidade.
fonte vital de alimentos, energia e matérias- Mahan fundamentou muito da sua análise
primas. Além disso, contribui para aclarar no que o século XIX reconheceu como a
que é um poder relativo. Ele é desigual “Pax Britannica”. Entretanto, para atingir
entre os países. tal nível de controle houve um processo
No passado, como ensina o exemplo histórico que se inicia com Henrique VIII,
histórico da Companhia das Índias e das li- ao criar a estrutura organizacional do Al-
gadas ao comércio, tanto na Holanda como mirantado Britânico e as ações iniciadas
no caso britânico, tais atividades serviram por Elizabeth I. Desse modo, não se pode
de base de fomento, aí incluído o aporte hoje atribuir a Mackinder uma visão de
financeiro, para que o poder naval tivesse enlevar o poder terrestre com a detecção da
um tamanho adequado às demandas dos ameaça proveniente do Heartland. A sua
interesses advindos dos campos político preocupação era manter inalterado o poder
e econômico. Essa é uma diferença fun- do Império Britânico, decorrente das suas
damental em relação aos poderes terrestre ações marítimas.
e aéreo. Julian Corbett e seus seguidores, fruto
A obra de Mahan vai além de alguns de um novo contexto e dos testes da reali-
críticos ex-post facto, com base em acon- dade a que foram submetidos pelos acon-
tecimentos após o seu contexto, vivenciado tecimentos da Primeira Guerra Mundial,
por aquele pensador, praticarem a falácia aí inseridas as inovações decorrentes da
do ceticismo crítico. Entretanto, o enten- evolução tecnológica (ferrovia, telégrafo
dimento do conceito “Sea Power” dá um nas comunicações, submarino, aviação
arcabouço para os fatores que delineiam o etc.), propuseram ajustes coerentes. Não é
poder do Estado no mar. Mahan enfatizou de vital importância a afirmação de Corbett
seis fundamentos: de que o homem habita em terra e, por
a) a posição geográfica do país; consequência, o poder marítimo não pode
b) a configuração física, como a quan- existir sem levar em conta os acontecimen-
tidade de portos e as facilidades, bem tos em terra. Ele manteve a relevância das
assim os aspectos dos recursos naturais e operações marítimas (Lorot e Thual, 2002).
do clima; Na época do Império Britânico, além do
c) a extensão territorial; controle dos choke-points, visualizados por
d) a população (refém especial no as- Mahan e que continuam válidos até hoje,
pecto demográfico); outro aspecto favorecia as ações marítimas
e) o caráter da população (o ethos da do Reino Unido. O centro mundial do poder
sociedade); e estava em terra na Europa ocidental. As

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

linhas de comunicações marítimas precisa- A menção acima também serve para


vam chegar, trazendo os recursos primários relembrar que a potência da “Pax Britanni-
das colônias ou das áreas de influência ca”, após os acontecimentos das Primeira e
ou levando os produtos com maior valor Segunda Guerras Mundiais, foi substituída
agregado para os mercados controlados pela nova potência – os Estados Unidos.
pelo mercantilismo. Assim, a posição do Como no caso britânico, as linhas de comu-
Império Britânico diante dos adversários nicações marítimas do Atlântico Norte e do
em terra da “velha Europa” proporciona Sul eram objetivos bem definidos em razão
um facilitador para a sua capacidade de da vantagem auferida pela posição geográ-
controle de áreas marítimas. fica em relação ao comércio internacional.
É conveniente relembrar que a expres- A Guerra Fria, entre a ex-União das
são inglesa Sea Power não existia nos dicio- Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
nários quando foi empregada por Mahan. e os EUA, apresentou vários campos de
Porém a expressão mantém sua força até enfrentamento, em especial pela ameaça
os dias atuais. De tempos em tempos é de destruição mútua decorrente das armas
necessário resgatar o sentido amplo do nucleares e seus vetores lançadores. A
termo. Por tal razão, em 1979, a Marinha previsão de Tocqueville no início do século
dos Estados Unidos XIX, do enfrentamento
promoveu o “V Sea entre os dois países
Power Simposium” Sea Power é a resultante emergentes naquela
para discutir as ex- época, também fez-se
pressões Sea Power, da soma de todos os presente no mar. Em
Maritime Power e componentes desse poder, que pese as dificul-
Naval Power (Garcês dades decorrentes da
e Martins, 2009).
sejam armados ou não geografia, a negar aos
Ao final do sim- armados. É o poder do russos o “acesso às
pósio, a conceituação Estado no mar águas quentes”, elas
reafirmou a amplitu- foram contornadas
de do tema, até hoje pelas concepções do
incorporada nas doutrinas de diferentes Almirante Sergei Gorshkov. A partir de
Marinhas, das quais pode-se citar a ênfase 1956, implementou a sua doutrina, tendo
apresentada pela China e pela Índia nas considerado em sua concepção as lições
concepções estratégicas atinentes ao Pa- de Mahan.
cífico e ao Índico. Cabe aqui apresentar as No caso específico do Oceano Atlântico,
definições que emanaram do “V Sea Power Gorshkov valeu-se da descolonização na
Simposium”. Sea Power é a resultante da África e da turbulência no Caribe, com
soma de todos os componentes desse poder, Cuba atuando como a ponta da lança sovié-
sejam armados ou não armados. É o poder tica. Além disso, levava a ameaça às linhas
do Estado no mar. Resulta do todo que são o de comunicações marítimas (LCM), em
Maritime Power e o Naval Power. O Mari- especial na rota do Cabo (África do Sul) e
time Power é constituído pelo poder naval e do Estreito de Drake, canal de ligação entre
por “outros elementos armados”, acrescido o Atlântico e o Pacífico no Sul da América
de outras forças não navais. O Naval Power do Sul. Identificou Choke points vitais.
corresponde à Marinha militar, incluindo os Cuba não só levou a ameaça para próximo
meios aéreos embarcados. do território dos EUA (episódio da crise

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

dos mísseis, em 1962) como se afigurava pelas diversas teorias, em especial no que
em potencial base para atuar nas LCM do diz respeito ao Atlântico Sul e ao subconti-
Atlântico Norte e no Canal do Panamá nente da América do Sul, é que estas áreas
(Coutau-Bégarie, 1985). seriam reservas estratégicas a serem usadas
As possibilidades que se abriram para para propiciar o suporte necessário aos
a Doutrina Gorshkov foram também fruto interesses vitais das potências principais.
das evoluções tecnológicas que, como no A segunda metade do século XX e
passado (vide a Escola de Sagres), permi- o inquietante início do século XXI não
tiram a manifestação do poder do Estado revelam mudanças claras e significativas
no mar por meio de outras concepções para do quadro histórico até aqui apresentado.
contemplar o emprego político do poder O Clube de Roma, embrião do G-7 (grupo
naval. Ontem como hoje, o conhecimento, dos países mais ricos), desde os anos 1960
decorrente da valorização da educação, mantém uma visão centro e periferia para a
permitiu alterar condições adversas. discussão dos temas da agenda dominante.
A diplomacia naval, dentro do amplo A proposta feita por Mackinder, em 1924,
espectro do conflito, oferece uma forma para a criação da Midland Ocean Alliance
ampla de variadas atuações graças ao que foi a base para o surgimento da própria
se convencionou chamar de características Organização do Tratado do Atlântico Norte
do poder naval: a mobilidade (deslocar-se (Otan). A força desta organização não foi
com os meios navais e estar presente em mitigada pelos ventos de unificação que
qualquer parte a partir do mar), a permanên- sopravam ao início dos anos 1990, com
cia (ao valer-se da mobilidade, fazê-lo por os avanços da União Europeia. No âmbito
um longo período graças ao apoio logístico do comércio mundial, as propostas que se
móvel), a versatilidade (adaptar-se às mais afiguram nos dias atuais potencialmente
variadas condições, ao passar de uma situ- significativas seriam aquelas oriundas
ação operacional em uma área-crise para dos EUA: a “transpacífico” como forma
levar o apoio de uma ação humanitária a um de “contenção” da China e uma Aliança
país amigo) e a flexibilidade (a graduação do Atlântico Norte reforçando os elos já
do emprego da força conforme a evolução existentes (Flint, 2006).
da situação de crise e ou conflito). O que resta aos países lindeiros ao
As características do poder naval, aliadas Atlântico Sul? A presença de outros ato-
aos avanços tecnológicos, permitiram que, res, como China e Índia, na África e na
nos anos 1940, um outro pensador geopo- Ámerica do Sul, em busca de recursos
lítico invertesse a visão de Mackinder. Foi primários para sustentar os respectivos
durante a Segunda Guerra Mundial que processos de desenvolvimento, repete ou
Nicholas Spykman, apesar de reconhecer a não as ações geopolíticas passadas? Como
existência de um “Heartland”, apresentou a gerar um pensamento político e estratégico
sua teoria do controle do “Rimland” (região marítimo brasileiro? Pensar conceitos e
intermediária entre o “Heartland” e os mares doutrinas adequados aos próprios interesses
ribeirinhos). As “franjas” seriam a zona pivô. vitais? Buscar, além das três autonomias
Posteriormente, a teoria irá tomar forma com seculares (alimentar, energética e militar),
a estratégia da “contenção” utilizada pelos a autonomia do conhecimento parece ser
EUA em oposição à então União Soviética. um caminho que pode ajudar a modificar
A observação em relação à periferia que a figura contemporânea abaixo: ela facilita
circunda os centros de poder apresentados entender o desafio das últimas fronteiras

34 RMB2oT/2014
Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

ÁREAS MARÍTIMAS ESTRATÉGICAS Saara

Guiana Francesa
Mauritânia
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Suriname
Guiana
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Dorsal Mesoatlântico
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África do
Atlântico Sul
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Uruguai
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Chile
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Sul
na

Gough
Malvinas
Geórgia
Orcadas do Sul
do Sul

Fonte: Marinha do Brasil, Estado-Maior da Armada

brasileiras a serem demarcadas. A conven- O multilateralismo


ção das Nações Unidas sobre o Direito do geopolítico
Mar, em vigor desde 16 de novembro de contemporâneo e o desafio
1994, dá o suporte legal e a legitimidade da sociedade brasileira
para incorporar áreas
marítimas ao patri- Alguns fenômenos
mônio da sociedade Em abril o primeiro navio, ocorrem e se mani-
brasileira.
Até hoje, de norte
com 60 mil t de soja, partiu festam no mundo real
que somente podemos
a sul, uma cadeia de de Vila do Conde, PA, observá-los, sem que
ilhas, como Ascensão, para a Europa. Dá vida possamos explicá-los.
Santa Helena, Tristão Por tal razão, iniciare-
da Cunha e Shetlands, a projetos que utilizam mos esta parte do arti-
todas pertencentes ao as vias hidrográficas go recorrendo a alguns
Reino Unido, transmite tópicos aleatórios para
uma mensagem simbó-
brasileiras que possa ser identifi-
lica do poder do Estado cada a existência ou não
no mar. É um exemplo prático e real do Sea de algum referencial comum que dê suporte
Power como concepção política e estratégi- ao exposto anteriormente na evolução das
ca. E o Brasil, diante do seu próprio desafio? concepções sobre o poder do Estado no mar.

RMB2oT/2014 35
Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

Em 25 de abril de 2014, o jornal Valor (p. e do Banco Interamericano de Desenvol-


B-16) anunciava que o primeiro navio, com vimento. Cerca de US$ 85 bilhões foram
60 mil toneladas de soja, partiria no dia 26 de emprestados a quatro países: Venezuela,
abril do terminal portuário de Vila do Conde, Brasil, Argentina e Equador. A China já é
município de Barcarena, no Pará, com desti- o maior investidor em mineração no Peru.
no à Europa. É a produção do Centro-Oeste Há condição para que a China aumente os
brasileiro valendo-se da geografia da chama- diversos tipos de investimento no exterior.
da “Saída Norte”. É um marco histórico que Estaria sendo alterada a face do detentor
simboliza e dá vida aos inúmeros projetos do modelo mercantilista, que tanto valeu-
pensados geopoliticamente para utilizar as se no passado do poder no mar? Ou um
veias hidrográficas brasileiras. retorno aos séculos XIV e XV?
Um futuro destino para as exportações Por fim, mas não o suficiente para es-
agrícolas que vão se valer da Saída Norte gotar o tema, em 4 de fevereiro de 2014,
será a Ásia, por razões hoje facilmente o presidente do Equador assinou um de-
identificadas em função do crescimento de creto, enviado à Organização dos Estados
China, Índia e outros países daquela região. Americanos (OEA), pelo qual o Equador
Dentro desse quadro, qual a importância comunica sua saída do Tratado Interame-
que o Canal do Panamá representará para o ricano de Assistência Recíproca (Tiar). Em
Brasil? Recentemente, o Japão questionou janeiro de 2014, a medida foi aprovada
a autoridade responsável pelo canal por ter pela Assembleia Nacional daquele país.
fixado a largura máxima (boca) dos navios Outros países já anunciaram que vão seguir
que aí transitarão em 49 metros. E a questão o mesmo caminho, entre eles Nicarágua,
das mudanças climáticas e as novas derro- Venezuela, México e Peru.
tas que surgem no Ártico? Não só o Canal Daria a soma dos fatos acima uma base
de Suez ver-se-ia afetado, mas o do Panamá para que o secretário de Estado dos EUA
poderia perder um tráfego marítimo signifi- John Kerry declarasse que a Doutrina
cativo (Serra, Neto e Weber, 2012). Monroe não existisse mais? Então tal de-
Na citação de exemplos, cabe men- claração significa o fim da tão propagada
cionar o artigo de Robin Phillips, diretor “defesa hemisférica”? Em 18 de novembro
mundial de Operações Bancárias do HSBC de 2013, um histórico discurso foi feito
(Jornal Valor, p. A9, 17 de fevereiro de pelo secretário John Kerry, na sede da
2014), em que enfatiza ser hoje a América Organização dos Estados Americanos
Latina o segundo destino dos investi- (OEA). Foi anunciado formalmente que
mentos financeiros feitos pela China no estava encerrado o período marcado pela
exterior. Este país é possuidor de uma Doutrina Monroe. Uma nova forma de
reserva de US$ 3,82 trilhões em moedas relação deve ser buscada.
estrangeiras e US$ 7 trilhões em poupança. A Doutrina Monroe foi lançada em 1823
Como a China é altamente dependente das e propunha uma integração do continente
importações de matéria-prima e energia, americano. Sob qual perspectiva? Uma
percebe-se a intenção de mitigar tal vul- forma de análise é valer-se da perspectiva
nerabilidade valendo-se do investimento histórica; com base nela pode-se entender a
direto. Os empréstimos para a América ótica e compreender o que estava subtendi-
Latina oriundos da China foram maiores do no uso de certos termos. A doutrina ne-
do que somados os do Fundo Monetário cessita ser compatibilizada com os termos
Internacional (FMI), do Banco Mundial “América Latina” e “defesa hemisférica”.

36 RMB2oT/2014
Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

Faz sentido uma “defesa hemisférica”? lições que a história deixou para o nosso
O léxico esclarece de forma cristalina o aprendizado. Em verdade, a rivalidade
que é hemisfério: “metade de uma esfera” de interesses já nascia quando Thomas
ou “cada uma das duas metades em que Jefferson afirmou: “A América tem um
a Terra é imaginariamente dividida pelo hemisfério para si mesma”. A diretriz
círculo do Equador”. Como pode o conti- geopolítica emanada era bem objetiva e
nente americano, dentro de um conceito de deu base para que surgisse um mito de
“defesa hemisférica”, isolar-se das demais uma defesa “hemisférica” em oposição aos
partes do planeta Terra? atores estranhos ao continente americano.
A diretriz geopolítica que amparou o O avanço tecnológico tem permitido
lançamento da Doutrina Monroe tinha em uma crescente importância do mar no
seu cerne interesses vitais dentro da ótica campo econômico. Isto não modifica a
de um país que dava os seus passos para um visão dos antigos pensadores em relação
lugar de destaque no cenário internacional, às questões marítimas. A Convenção das
como bem observou Alexis de Tocqueville. Nações Unidas sobre o Direito do Mar
A força de um tipo de patriotismo amalga- veio legalizar e legitimar a possibilidade
mava “os interesses do uso do mar como
próprios aos interesses via de interconexão do
do país”. A coerência Não basta ter acesso legal e comércio internacional
estratégica é tão ampla legítimo às áreas oceânicas; e, também, como fonte
que tomaria muitas de recursos para a busca
páginas para ser des- é preciso ter vontade das autonomias alimen-
crita. Sinteticamente, política para assegurar a tares, em energia e de
pode-se apontar o Co- insumos. A entrada em
rolário Polk, que serviu
jurisdição sobre elas vigor da Lei do Mar,
de justificativa para a em 16 de novembro
anexação de territórios mexicanos, indo até de 1994, criou, inclusive, discussões por
o período de Theodore D. Roosevelt, que parte de alguns países que não se tornaram
decide sustentar a ideia “da América para signatários. Em verdade, alguns estudiosos
os americanos”, lançada em 1823 (Silva, proclamam existir um confronto entre a
Almeida e Leão, 2013). antiga ideia do mare liberum e a do “mar
E qual a razão do surgimento do termo fechado”, em razão da existência da juris-
América Latina? Em verdade foi uma dição legal, por força da Lei do Mar, sobre
criação francesa para antepor-se à Doutrina áreas oceânicas.
Monroe. Os recursos primários existentes A estratégia marítima precisa ser pensada
tinham olhos sobre eles de cobiça há muito hoje de acordo com as oportunidades ofe-
orientados para a manutenção de algum recidas pela Convenção das Nações Unidas
grau de controle sobre uma periferia rica em sobre o Direito do Mar, a Lei do Mar. Não
matérias-primas. A experiência francesa de basta ter acesso legal e legítimo às áreas
Napoleão III no México, que chegou ao oceânicas; é preciso ter vontade política
auge ao ocupá-lo e impor como imperador para assegurar a jurisdição sobre elas. Não
o Arquiduque Maximiliano, configura um basta, de forma simplista, pensar que a in-
bom exemplo da rivalidade entre os centros terdependência cada vez maior irá impedir
de poder. Infelizmente, temos hoje o uso do a ocorrência de conflitos. Tal modismo foi
termo “América Latina” sem cuidarmos das desastroso no início do século passado.

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

Hoje, em 2014, faz cem anos do No passado, soubemos, como brasi-


episódio do assassinato do Arquiduque leiros (é verdade que por poucas vezes),
Francisco Ferdinando, herdeiro do trono inverter o rumo e retirar do Brasil a
austríaco, por um estudante sérvio inte- presença do colonizador. A evolução
grante do grupo terrorista Mão Negra. Um teórica do poder do Estado no mar
episódio de aparente pouca significância reafirma conceitos que contemporanea-
serviu de estopim para desencadear uma mente explicam o porquê de a US Navy
guerra total: a Primeira Guerra Mundial. fazer-se presente nos mares do planeta
Sabe-se que cada conflito é único. No Terra (ou seria planeta Água), fruto de
início do século XX, a ideia-força era que, uma Oceanopolítica. Conceito esse vi-
graças ao intenso intercâmbio comercial sualizado por Therezinha de Castro ao
entre os países, a “globalização” da época, chamar a atenção: “Compartir a terra
não haveria condições para ocorrer uma com base nas massas oceânicas e onde o
guerra. Tal ato seria impedido pela forte Atlântico representa um papel relevante
interdependência. na circulação marítima, uma vez que a
O livro de autoria de Norman Angell circulação terrestre não pode prescindir
denominado A Grande Ilusão, lança- dos caminhos marítimos”. Uma síntese
do em 1909, alinhava diversas razões adequada ao entendimento do conceito
para que não se produzisse um conflito de Poder Marítimo (Sea Power) (Castro,
bélico entre as principais potências. O 1999).
argumento-chave era o de que o fato dos Ao retornar ao século XX e passando
possíveis antagonistas serem parceiros pelas consequências deixadas aos términos
comerciais não permitiria a ocorrência da Primeira e da Segunda Guerra Mundial,
de guerra. Uma lição a ser aprendida com observa-se que não houve mudanças nas
a História? influências e interferências no Atlântico
O ano de 2014, além de continuar a Sul. O Brasil não exerce papel de protago-
apresentar a instabilidade, a incerteza e nista. Durante o período de confrontação
a segurança demarcadas por eventos ge- da Guerra Fria, o papel tem características
opolíticos recentes que apontam para um de complementaridade. O Tiar nascido
assustador início do século XXI, reserva em 1947 foi enquadrado na perspectiva
outras coincidências com os 75 anos do da “segurança hemisférica”, como decor-
início da Segunda Guerra Mundial e os 25 rência da Doutrina Monroe. Entretanto, a
anos da queda do Muro de Berlim. visão privilegiada estava orientada para o
É diante de tais desafios que no Brasil Atlântico Norte.
fez-se necessário efetuar uma abordagem A criação da OEA, em 30 de abril de
para pensar o mar na direção inversa dos 1948, ocorreu dentro da mesma diretriz
pensadores das escolas geopolíticas domi- política e estratégica do Tiar. A crise
nantes. O Atlântico Sul será relevante se os dos mísseis de Cuba, em 1962, mostrou
brasileiros, com a contribuição dos demais claramente a importância de eventos
países lindeiros a ele, somarem esforços geopolíticos que tinham uma dimensão
para ocupar o espaço e a posição geopolí- bem maior do que a dos fóruns das bu-
ticos contemporâneos e engendrarem uma rocracias instituídas. O peso da Doutrina
visão coerente com os interesses que olhem Monroe era mais significativo do que a
para o Atlântico Sul a partir do Hemisfério existência de uma relação de integração
Sul como protagonista. que expandisse o sentido de segurança

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

para as dimensões política, econômica O fluxo do comércio global, ao ser


e social. Faltou um Plano Marshall para lançado sobre os mapas, mostra como o
as Américas? Brasil está distante do adensamento que
Nos anos 1970, o Brasil ensaiou passos ocorre no Hemisfério Norte. O controle
de maior afirmação, inclusive atraves- das cargas pelos sistemas de comunica-
sando o Atlântico Sul e aproximando-se ções hoje disponíveis permitido pelas
dos vizinhos geológicos e geopolíticos Tecnologias de Informação e Comunica-
da África. O reconhecimento de Angola ção (TIC) permitiu visualizar o contêiner.
marca simbolicamente a dimensão do É um símbolo bem atual do comércio que
ato executado. O decorrer do tempo só conecta o mundo. Tal uso dual das TIC
fez acentuar a percepção de um enfra- leva-nos obrigatoriamente a pensar em
quecimento da “segurança hemisférica”. planejamento em uma Quarta e Quinta
Os governos Carter e Reagan, nos EUA, Dimensão Estratégica.
apesar de terem estabelecido diretrizes A Quarta Dimensão Estratégica am-
geopolíticas bem distintas, foram similares plia os horizontes da Geopolítica. Pensa-
no distanciamento. O controle do sul do se em uma Astropolítica. Ela reproduz
Atlântico Sul, na perspectiva da Geoes- no espaço os sentidos de orientação que
tratégia Global, foi decisivo na questão fizeram a dimensão marítima impactar a
das Malvinas. saga do ser humano. A figura na próxi-
O período Reagan, nos EUA, foi ma página busca transmitir, quase sem
marcado pelo acirramento do desafio no palavras, a ideia síntese do novo clube
campo tecnológico e militar. O projeto fechado das potências que desejam ter a
Guerra nas Estrelas foi uma disputa “Terra controlada da Terra”. (“A Quarta
conduzida no campo econômico. De um Dimensão Estratégica”, Reginaldo Go-
lado um país, os EUA, que conseguia mes Garcia dos Reis, Revista Marítima
expandir e dar aplicação dual aos de- Brasileira, abr/jun 2010, v. 30)
senvolvimentos e inovações que surgiam A Quinta Dimensão Estratégica envol-
nas pesquisas induzidas pelo campo mi- ve tudo e todos por meio das possibili-
litar. Do outro, um país de planejamento dades e surpresas a cada dia constatadas
centralizado, a ex-URSS, que dedicava pelo potencial de levar-se o conflito
cada vez mais percentuais elevados do ao campo cibernético. Ao envolver e
PIB estritamente na aplicação militar. interpenetrar as quatro dimensões estra-
Alan Greenspan, em seu livro A ERA tégicas, passa-se ao ciberespaço. Nesse
da Turbulência, revela um pouco do que domínio ocorre a facilidade do acesso à
hoje é reconhecido por alguns analistas informação e a conexão das pessoas em
como uma ação de “keynesianismo mi- redes sociais (pertencimento virtual),
litar”. Será que os autores chineses Qiao “diminuindo” as distâncias físicas. Ao
Liang e Wang Xiangsui consolidaram tal mesmo tempo, podem ocorrer fraudes
visão no que denominaram de “guerra bancárias de elevado impacto finan-
além dos limites”? O conflito no século ceiro, como também danos materiais
XXI não se daria somente no campo significativos revelados pela avaria de
militar, mas estaria vivo em todas as equipamento de uma central nuclear no
manifestações dos diversos campos: Irã (caso Stuxnet).
políticos, econômicos, social, militar, Os eventos dos anos 1980 e 1990 que
ambiental e científico. produziram câmbios nas relações de poder

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

muito a credibilidade de o
Brasil agir com autonomia
no plano internacional. O
papel desempenhado até o
final do século XX é o de
seguir as agendas fixadas
pelos principais atores in-
ternacionais. Vê-se surgir
uma proposta interessante,
a Zona de Paz e Coope-
ração no Atlântico Sul
(Zopacas), porém sem a
percepção profunda que os
ventos da Guerra Fria per-
deram intensidade. É uma
lição a ser analisada com
detalhamento e profun-
didade para que se saiba
observar corretamente os
fatos portadores de futu-
ro. As tentativas atuais de
fazer crescer a semente da
Zopacas do século passado
Fonte: Coutau-Bégarie – Tratado de Estratégia, adaptado pelo autor não têm sido frutíferas.
são normalmente simbolizados pela queda Falta uma sintonia com os
do Muro de Berlim e pelo colapso da União novos tempos?
Soviética. Várias previsões feitas naqueles A iniciativa da integração regional,
tempos não se confirmaram. O mundo cujo principal projeto começou com o
atual, com suas novas e velhas crises, rea- Mercado Comum do Sul (Mercosul),
cende os temores quanto à possibilidade de está hoje cheia de incertezas. Tal ideia
conflitos de mais ampla abrangência, como mirava muito o aparente sucesso da
os do século XX. União Europeia (UE). Após a crise de
O Brasil, nos anos de 1980 e 1990, 2008, que se espalhou por todo o mundo
vivenciava uma série de turbulências e trouxe, até hoje, imensas dificuldades,
internas. As crises econômicas foram tão em especial para a UE, indica-se que a
fortes que hoje pode-se verificar a existên- integração precisa ser mais bem estuda-
cia de duas décadas perdidas em termos da. Não se trata aqui de pensar o proces-
de desenvolvimento. Somente a partir de so somente pela perspectiva comercial.
1993 e 1994, com o início de um processo É necessário ampliar o foco e verificar
de estabilidade econômica, foi possível que as tratativas para integração em
pensar-se algo além das contradições in- outros campos, como, por exemplo, em
ternas brasileiras. política externa, não tiveram os avanços
Não se pode deixar de apontar que a pretendidos. A crise de 2008, marcada
ação de suspender o pagamento da dívi- simbolicamente pela falência do Banco
da externa nos anos de 1980 afetou em Lehman Brothers, mostrou a importância

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

de se ter autonomia para decidir sobre disso não são bem definidas. Entretanto,
políticas econômica e financeira. a visão de curto prazo impede que sejam
A mesma crise de 2008, que ainda conectadas as ações com os interesses
assola o mundo, não deixou de atingir nacionais, dentro de uma visão prospectiva
o Brasil. Ela fez ressurgirem incertezas de longo prazo sonhada por José Bonifácio
sobre a economia e, desse modo, acen- em sua “Revolução Brasílica”.
tuou as contradições internas que não O slogan de uma “nova ordem mundial”
têm permitido um processo consistente e não resistiu aos desafios da realidade da
durável para o desenvolvimento. O pleito dinâmica geopolítica. Um novo xadrez de
acalentado de um lugar no Conselho de interesses surge, com alguns atores bem
Segurança (CS) da ONU, advindo de distintos dos protagonistas do século XX.
uma adequação da organização a um Analistas de curto prazo ou conhecidos
novo cenário de reestruturação das rela- na área de pensadores anglo-saxões como
ções de poder no mundo, vê-se contido armchair strategists chegaram a questionar
em função do recuo do Brasil em ações a necessidade do poder militar. Os oráculos
mais afirmativas na cena internacional. do exterior eram decodificados aqui no
Evidentemente que Brasil, pondo em dúvi-
as vulnerabilidades da até a existência das
internas também con- Será que no Atlântico Forças Armadas. É o
tribuem para a fal- momento de questioná-
ta de sustentação da Sul não se precisa pensar los, diante do processo
demanda brasileira. em uma nova concepção de insegurança que se
Não se pode deixar
de constatar que a
diante do surgimento de espalha contempora-
neamente. Os projetos
ação de modificar o novos atores estatais e não de segurança coletiva
CS também contri- estatais? buscam novos modelos,
bui para minar a cre- inspirações e arranjos
dibilidade daquela que encontrem susten-
organização. tação para os novos desafios. Será que no
A visão cética acima não é de todo pre- Atlântico Sul não se precisa pensar em uma
dominante. Alguns projetos que nasceram nova concepção diante do surgimento de
nas duas últimas décadas do século passa- novos atores estatais e não estatais?
do têm resistido à inconstância do cresci- A União das Nações Sul-Americanas
mento brasileiro. A presença na Antártida (Unasul) teve o Tratado Constitutivo
é um exemplo da capacidade de enfrentar aprovado em 23 de maio de 2008. O
as adversidades, em especial por parte da processo de criação teve como embrião
Marinha do Brasil. A cooperação iniciada as movimentações e rupturas dos eventos
com a Namíbia e que começa a estender-se geopolíticos da última década do século
a outros países da África também fortalece XX. A Unasul ampliou os desejos de in-
a ideia de manter uma atitude positiva na tegração regional surgidos em 2004, com
concepção de uma estratégia marítima. Por a criação da Comunidade Sul-Americana
vezes, esta ação, necessariamente de longo de Nações (Casa), com a transformação
prazo, não tem sido contemplada com uma desta para Unasul em 2007. Dentro do
vontade política por parte de diversos processo ocorreram várias iniciativas e,
setores do governo brasileiro. As razões entre elas, pode-se enfatizar a criação, a

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

partir de 2008, do Conselho de Defesa Por outro lado, os ventos favoráveis


Sul-Americano (CDS) para constituir que enfunavam as velas de um possível
uma comunidade de segurança e defesa. crescimento econômico duradouro do
A estrutura acima ainda é recente e não Brasil parecem ter ganho intensidades
desenvolveu uma base consistente, com contrárias após a crise que assolou o
perspectivas duradouras de segurança mundo a partir de 2008. Dúvidas surgem
e defesa, diante do cenário desafiador no horizonte, e um dos dados marcantes
trazido desde o começo do século XXI. é o declínio da presença do setor indus-
Com vistas aos aspectos do Atlântico trial na geração de riquezas. Um rápido
Sul, não se percebe escrutínio da balança
no âmbito da Unasul comercial brasileira
uma abordagem que Um rápido escrutínio vê uma crescente par-
busque respostas às ticipação da exporta-
demandas de uma da balança comercial ção de commodities,
“Oceanopolítica”. brasileira vê uma crescente sempre sujeitas às
O fato geopolítico é
que as “velhas amea-
participação da exportação oscilações de preços
fixados pelo mercado
ças” permanecem no de commodities internacional.
mundo contemporâ- O sinal acima apon-
neo em um quadro de tado acende os alertas
crescentes conflitos e acrescido das per- para uma “reprimarização” da economia
turbações advindas das “novas ameaças”. brasileira. Acrescente-se aqui o monu-
O Sea Power, em especial por meio da mental desafio em termos de investi-
sua função clássica de assegurar a “boa mentos, sem considerar outros, para pôr
ordem” no mar, ainda se fará necessário em condições de produção os campos
por um longo período. de petróleo e gás do
A globalização (mari- “pré-sal”. Estaríamos
timização?) gera uma O desafio geopolítico para a fadados a sofrer da
intensa interdepen- tão falada “maldição
dência que está sub- sociedade brasileira no que do ouro negro” sem
metida diretamente se relaciona ao Atlântico ter sequer começado
das “linhas de comu-
nicações marítimas”.
Sul é de vital importância anidade? usufruir da oportu-
Quem estará
Isto está ausente no em posição, além do
Atlântico Sul? próprio Brasil, para participar de um
No caso específico do Brasil, há uma modelo de defesa que proporcione “a boa
questão desafiadora: ao comprometer-se ordem no mar” considerando os interes-
com a Unasul, pode ficar ancorado em uma ses sonhados pela Revolução Brasílica?
postura regional. Entretanto, ao participar A aproximação com a África, em
ativamente de tratativas para consolidar especial com os países lusófonos e com
os Brics (grupo formado por Brasil, Rús- a região do Golfo da Guiné, insere-se de
sia, Índia e China), tem que forçosamente forma consistente no papel a ser desem-
lançar-se em um papel maior na cena in- penhado pelo Brasil. A Nigéria oferece
ternacional. Este é só um dos aspectos das oportunidades, e as trocas comerciais
ambiguidades a serem enfrentadas. com o Brasil têm demonstrado isso.

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Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

Entretanto, sabemos quantos atores, Não só o caso brasileiro, mas outros


estatais e não estatais, têm crescente acontecimentos históricos, analisados por
participação não só na Nigéria, mas com teóricos diversos, deram a possibilidade
a demanda crescente de petróleo e gás de identificar atributos, funções e funda-
da região do Golfo da Guiné. O espaço mentos dentro de uma grande moldura
e a posição geopolítica do Brasil são denominada por Mahan como Sea Power.
forçosamente alargados. Desse modo, Em decorrência, no campo militar o Poder
as velhas e novas ameaças que se fazem Naval foi instado a desenvolver caracte-
presentes, em especial no Golfo da Gui- rísticas, meio pelo qual a natureza toma
né, estão diante do Brasil aguardando forma, para dar respostas às demandas do
uma atitude. A ambiguidade de papéis Poder Marítimo.
múltiplos na cena internacional se põe O passar do tempo e a evolução da
diante do Brasil. tecnologia indicam que a base de susten-
tação do pensar estratégico marítimo e
Conclusão naval guarda uma linha consistente com
o arcabouço teórico
Este breve artigo anteriormente desen-
não tem a pretensão de A dinâmica do mundo volvido. Evidentemen-
ser conclusivo sobre te, existem adaptações
um tema de tamanha real e o final do século necessárias para que
complexidade. O de- XX trouxeram câmbios não se caia no grave
safio geopolítico para
a sociedade brasileira
significativos na balança risco da linearidade
prospectiva.
no que se relaciona ao do poder mundial. O início O caso específi-
Atlântico Sul é de vital do século XXI amplificou a co do Atlântico Sul
importância. Entretan- mostra claramente a
to, o assunto não se instabilidade, a incerteza e presença da manifes-
cinge aos limites fixos a insegurança tação do Sea Power.
da geografia. O mundo Entretanto, as condi-
contemporâneo tem ções em que surgem as
sua dinâmica acelerada pelas TIC. Afoga- concepções estratégicas para tal cenário
mos-nos em informação e vivemos parcos guardam maior relação com atores de-
do conhecimento. A Amazônia Azul, o mar tentores de outros interesses. O subcon-
que nos pertence, demonstra tal assertiva. tinente da América do Sul e o Atlântico
O passado apresentou desafios similares Sul apresentam marcos geográficos que
no que tange à presença do Estado no mar. simbolizam a atuação e a presença de
A evolução do estudo do tema reafirma atores externos ao ambiente. A agenda
que a definição de concepções estratégi- de segurança e defesa seguiu, dentro do
cas exige que seja amplo e profundo e, contexto em que foram constituídas, as
especialmente, adequado ao contexto. Na diretrizes estratégicas concebidas por
história do Brasil, dentre outras, ressalta-se outros interesses. Estes eram baseados
a “Revolução Brasílica” sonhada por José na relação de centros de poder com as
Bonifácio. A Independência dependeu mui- periferias. Estas vistas como uma reserva
to do mar como concretização do projeto estratégica dentro de um enfrentamento
estratégico. mais global.

RMB2oT/2014 43
Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

A dinâmica do mundo real e o final acentuada ausência de ousadia de pensar


do século XX trouxeram câmbios signi- no longo prazo estiveram presentes até
ficativos na balança do poder mundial. O hoje. O dilema tem em si diversas frentes
início do século XXI com demandas distin-
amplificou a insta- tas, mas que exigem
bilidade, a incerteza O Brasil tem diante de ações simultâneas. Ser
e a insegurança. Os regional ou integrar os
novos fatos geopolí- si todo um novo desafio Brics? Responder com
ticos contemporâne- repleto de um mar de firmeza a uma atuação
os reacenderam anti- no cenário internacional
gos dilemas, gerando
oportunidades. ou buscar ocultar-se em
dificuldades. Estas A “Revolução Brasílica” ideias ultrapassadas?
fizeram aparecer precisa e deve ser Continuar a atribuir a
“novas ameaças”, fantasmas do passado
em que aspectos sub- continuada; e a nós, as atuais deficiências
jetivos, no campo brasileiros, cabe enfunar internas e externas? O
das identidades e do
medo, dão dimen-
as velas para reiniciar o milagre aguarda ser
ajudado por ações con-
sões transformadoras périplo do nosso próprio cretas. A “Revolução
ao mundo. “destino manifesto” Brasílica” precisa e
O Brasil tem diante deve ser continuada; e
de si todo um novo de- a nós, brasileiros, cabe
safio repleto de um mar de oportunidades. enfunar as velas para reiniciar o périplo do
As contradições sociais internas e uma nosso próprio “destino manifesto”.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Política internacional; Estratégia; Poder nacional; Política nacional; Geo-
política; Direito do mar; Solidariedade; Amazônia Azul;

44 RMB2oT/2014
Atlântico Sul e Amazônia Azul: Um desafio geopolítico para a sociedade brasileira?

Bibliografia

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2007.
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estudos sobre o poder da guerra e da paz. Lisboa: Almedina, 2009.
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12. KAPLAN, Robert. The Revenge of Geography: What the Map tells us about coming conflicts and
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13. LIANG, Qiao e XIANGSUI, Wang. La guerre hors limites. Paris: Bibliothèque Rivages, 2003.
14. LOROT, Pascal. Histoire de la Géopolitique. Paris. Economica. 1995.
15. _____________. THUAL, François. La Géopolitique. Paris. Editions Montchrestien. 2a Edição.
2002.
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Ásia estão remodelando o mundo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
17. SERRA, Fernando Antonio Correia, NETO, José Gonçalves Moreira e WEBER, Michel Bittencourt.
Canal do Panamá: efeitos da expansão nos portos do Brasil. Brasília – Editora Antaq, 2012.
18. SILVA, Francisco Carlos Teixeira, ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de e LEÃO, Karl
Schurster de Sousa. Atlântico – A história de um oceano. 1a Ed. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.
19. STEVENS, W.O. e WESTCOTT, A. A History of Sea Power. Garden City: Doubleday, 1942.
20. TILL, Geoffrey. Seapower: A guide for the Twenty-First Century. London: Frank Cass Publishers,
2004.
21. VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. Amazônia Azul: o mar que nos pertence. Rio de Janeiro:
Record, 2006.

RMB2oT/2014 45
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e
adequação do Poder Naval*

“Strategy does not determine the size of a fleet,


but it does shape the configuration of the fleet that
finances permit.”
(Norman Friedman)1

EDUARDO ITALO PESCE**


Professor

SUMÁRIO

Introdução
Percalços e armadilhas
Implicações para a Defesa
Estratégias de sobrevivência
Renovação do Poder Naval
Adequação e continuidade
Poder Naval polivalente
Duplicação da Esquadra
Cenários e tendências
Evolução dos meios
Reversão de expectativas
Conclusão
INTRODUÇÃO a “armadilha da renda média” e deixar de
ser emergente, ingressando no seleto grupo

P ara afirmar a sua posição no mundo


como um ator essencial do sistema
internacional, o Brasil necessita superar
dos países de renda alta2. Todavia, o baixo
crescimento econômico dos últimos anos,
associado à perspectiva de redução da

* Trabalho submetido à Revista Marítima Brasileira em maio de 2014.


** Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Cepuerj), colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola de Guerra
Naval (EGN) e colaborador assíduo da RMB.
1 “A estratégia não determina o tamanho de uma Esquadra, mas dá forma à configuração da Esquadra que as finanças
permitem ter” (tradução do autor do presente artigo). Citação original em Norman Friedman, Seapower as
Strategy: Navies and National Interests (Annapolis: Naval Institute Press, 2001), p. 271.
2 Cf. Bruno Ferrari, “O caminho para a riqueza”, Exame 47 (14/1.046): 36-44 – São Paulo, 7 ago. 2013. Cf.
também Barry Eichengreen & Kwanho Shin, “Um check-up do Brasil”, Exame 47 (14/1.046): 45-46 – São
Paulo, 7 ago. 2013. Cf. também Bruno Ferrari, “Um plano para sair da armadilha”, Exame 47 (14/1.046):
46-54 – São Paulo, 7 ago. 2013.
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

população jovem depois de 2025, indica estando o Japão e a Coreia do Sul entre eles.
que – se não aproveitar esta última opor- Segundo alguns economistas, países cuja
tunidade – nosso país poderá envelhecer renda per capita está situada entre US$ 11
antes mesmo de enriquecer3. mil e 15 mil teriam maior propensão a pas-
A estratégia é influenciada pelos fatores de sar por um período de relativa estagnação
natureza econômica e, para ser exequível, deve econômica. Este fenômeno é denominado
manter-se dentro dos limites do possível4. No “armadilha da renda média”5.
futuro imediato, a execução dos projetos estra- Os países nesta situação teriam sérias
tégicos que constam do Plano de Articulação dificuldades competitivas. Por serem
e Equipamento da Marinha do Brasil (Paemb) exportadores de commodities, concorrem
pode ser dificultada por restrições de ordem com países mais pobres, que levam certa
orçamentária e política, vantagem por terem
tornando necessária a custos mais baixos de
adoção de medidas para O crescimento da renda produção. Ao mesmo
viabilizar o atendimento tempo, sua indústria
simultâneo das necessi-
nacional abaixo do não consegue produzir
dades de aparelhamento esperado, assim como o bens e serviços inova-
e funcionamento. envelhecimento progressivo dores e sofisticados,
O presente artigo comparáveis aos ofe-
examina as perspec- da população, são fatores recidos pelos países de
tivas de renovação do que deverão ser levados renda mais alta. Para
Poder Naval brasilei- superar esta armadilha,
ro, diante da possibili-
em consideração no tais países deveriam in-
dade de um cenário in- planejamento de nossa vestir em infraestrutura
certo de curto e médio defesa tecnológica, empre-
prazo, caracterizado endedorismo e educa-
por um crescimento ção superior, além de
econômico débil e por uma possível reto- incentivar a internacionalização de suas
mada das políticas de “austeridade fiscal”. empresas6.
O texto baseia-se em bibliografia e fontes O Brasil estaria preso na “armadilha da
de caráter ostensivo, sendo as opiniões de renda média”, apresentando baixos níveis
natureza estritamente pessoal. de crescimento econômico. Para chegar
ao nível dos países de renda alta, deveria
PERCALÇOS E ARMADILHAS crescer a um ritmo bem mais acelerado.
Nosso país teria apenas de 10 a 15 anos
Há 50 anos, o Brasil ingressou no grupo para atingir esse objetivo, pois a população
de países de renda média, cujo Produto In- de jovens na faixa etária de 15 a 24 anos
terno Bruto (PIB) por habitante se situa na continuará crescendo até 2025, tendendo
faixa de US$ 3 a 16 mil. Até hoje, poucos a se reduzir a partir daí. Cessarão então
países conseguiram superar este estágio, os efeitos do “bônus demográfico”, que

3 Cf. “Para não perder o ‘bonde da História’”, O Globo, Rio de Janeiro, 13/8/2013, p.16 (Editorial/Opinião).
4 Cf. Friedman, Op. cit., p. 271 et seq.
5 Cf. Ferrari, “O caminho para a riqueza”, Op. cit. Cf. também Eichengreen & Shin, “Um check-up do Brasil”, Op. cit.
6 Ibidem. Cf. também Ferrari, “Um plano para sair da armadilha”, Op. cit.

RMB2oT/2014 47
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

ocorrem quando a maioria da população efetivos. Os projetos e as metas que cons-


tem entre 15 e 64 anos de idade7. Se falhar tam do Paemb – assim como os previstos
desta vez, o Brasil poderá não ter outra nos planos de articulação e equipamento
oportunidade. das outras duas forças singulares – foram
incorporados ao Paed9.
IMPLICAÇÕES PARA A DEFESA Na Lei Orçamentária Anual para 2014
(Lei no 12.952 de 20/1/2014), aprovada pelo
O crescimento da renda nacional abaixo Congresso no final de 2013 e sancionada
do esperado, assim como o envelhecimen- sem vetos em janeiro deste ano, a dotação
to progressivo da população, são fatores inicial prevista para o Ministério da Defe-
que deverão ser levados em consideração sa (MD) era de aproximadamente R$ 74
no planejamento de nossa defesa. No bilhões10. No dia 20 de fevereiro, porém,
final de 2008, o Brasil divulgou sua nova o Governo Federal anunciou o corte ou
Estratégia Nacional de Defesa (END), bloqueio de R$ 44 bilhões no Orçamento da
atualizada em 25/8/2010. Em decorrência União. No âmbito dos ministérios, a pasta
dessa estratégia, foi elaborado o Plano da Defesa foi a mais prejudicada, com a
de Articulação e Equipamento de Defesa perda de R$ 3,5 bilhões11.
(Paed), consolidando as prioridades das três Antes dos cortes, os R$ 74.017 milhões
forças singulares para o período 2012-31. inicialmente previstos para o MD incluíam
O Paed prevê investimentos num total de R$ 62.524,5 milhões para despesas corren-
R$ 557,73 bilhões. Os projetos da Marinha tes (de pessoal, juros e outras despesas) e
representam R$ 211,68 bilhões, sendo que R$ 11.405,2 milhões para despesas de ca-
alguns excedem o período até 2031 ou já pital (investimentos, inversões financeiras
estavam em andamento8. e amortização), além de R$ 87,3 milhões
Em 2009, o Comando da Marinha divul- para reserva de contingência. No orçamento
gou o Plano de Articulação e Equipamento para este ano, o Comando da Marinha con-
da Marinha do Brasil (Paemb), estabelecen- tava com R$ 19.563 milhões, dos quais R$
do projetos e metas para reaparelhamento, 15.198 milhões para despesas correntes e
expansão e redistribuição de suas forças R$ 4.365 milhões para despesas de capital
e para incremento e capacitação de seus (ver tabelas no 1 a no 3)12.

7 Cf. “Para não perder o ‘bonde da História’”, Op. cit.


8 Cf. Ministério da Defesa, Estratégia Nacional de Defesa – Revisão da estratégia aprovada pelo Decreto no 6.703,
de 18/12/2008. Texto da END disponibilizado em <http://www.defesa.gov.br/>. Acesso em 25/7/2012. Cf.
também Ministério da Defesa, Livro Branco de Defesa Nacional (Brasília, 2012) – Anexo II, pp. 246-253.
Texto do LBDN disponibilizado em <http://www.defesa.gov.br/>. Acesso em 25/7/2012. Cf. ainda Eduardo
Italo Pesce, “Projetos da Marinha do Brasil no Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (Paed)”, Revista
Marítima Brasileira 133 (01/03): 57-71 – Rio de Janeiro, jan./mar 2013.
9 Cf. Pesce, Op. cit.
10 Cf. Congresso Nacional, Lei no 12.952 de 20/1/2014 – Estima a receita e fixa a despesa da União para o exer-
cício financeiro de 2014 (Brasília, 20 jan. 2014) – Anexo IV, pp. 430-477. Texto e anexos da LOA 2014
disponibilizados para consulta em <http://www.orcamentofederal.gov.br/orcamentos-anuais/orcamento-2014/
orcamentos_anuais_view?anoOrc=2014>. Acesso em 20/2/2014.
11 Cf. Alexandre Martello, “Defesa teve maior corte de gastos entre ministérios, informa governo”, G1 – Economia
(20 jan. 2014). Disponibilizado em <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/02/por-ministerios-maior-
corte-foi-na-defesa-informa-governo.html>. Acesso em 21/4/2014.
12 Cf. Congresso Nacional, LOA 2014, Op. cit.

48 RMB2oT/2014
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

Tabela no 1:
Órgão 52000 – MINISTÉRIO DA DEFESA
LOA 2014 – Unidades Orçamentárias (UO)

UO/Especificação Valor estimado (R$ milhões)


UO 52101 – Ministério da Defesa (central) 2.455,7

UO 52111 – Comando da Aeronáutica 17.271,0


UO 52121 – Comando do Exército 29.713,4
UO 52131 – Comando da Marinha 19.563,0
Outras unidades orçamentárias (soma) 5.013,9
TOTAL 74.017,0
FONTE: Lei no 12.952 de 20/1/2014 – Volume IV, p. 430.

Tabela no 2:
Órgão 52000 – MINISTÉRIO DA DEFESA
LOA 2014 – Grupos de Natureza de Despesa (GND)

GND/Especificação Valor estimado (R$ milhões)


GND 1 – Pessoal e encargos sociais (PES) 49.979,0
GND 2 – Juros e encargos da dívida (JUR) 1.244,4
GND 3 – Outras despesas correntes (ODC) 11.301,1
GND 4 – Investimentos (INV) 9.384,9
GND 5 – Inversões financeiras (IFI) 13,0
GND 6 – Amortização da dívida (AMT) 2.007,3
GND 9 – Reserva de contingência (RES) 87,3
TOTAL 74.017,0
FONTE: Lei n 12.952 de 20/1/2014 – Volume IV, p. 431.
o

Tabela no 3:
UO 52131 – COMANDO DA MARINHA
LOA 2014 – Grupos de Natureza de Despesa (GND)

GND/Especificação Valor estimado (R$ milhões)


GND 1 – Pessoal e encargos sociais (PES) 13.128,3
GND 2 – Juros e encargos da dívida (JUR) 310,6
GND 3 – Outras despesas correntes (ODC) 1.759,1
GND 4 – Investimentos (INV) 3.222,5
GND 5 – Inversões financeiras (IFI) ––
GND 6 – Amortização da dívida (AMT) 1.142,5
GND 9 – Reserva de contingência (RES) ––
TOTAL 19.563,0
FONTE: Lei no 12.952 de 20/1/2014 – Volume IV, p. 448.

RMB2oT/2014 49
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

Ainda que os cortes estejam direciona- de tempo de maturação para produzirem


dos às despesas de custeio, os investimen- resultados, preservando-os de possíveis
tos dificilmente deixarão de ser afetados cortes ou contingenciamentos13.
de algum modo. Para as Forças Armadas,
a concentração de esforços na obtenção ESTRATÉGIAS DE
de novos meios ou na modernização SOBREVIVÊNCIA
dos existentes terá pouco efeito prático,
se tais meios não puderem ser operados Além do território e da população, cabe
e mantidos de forma eficaz e eficiente. também às Forças Armadas defender a
A execução orçamentária inclui o em- economia de um país ou bloco de países.
penho, a liquidação e o pagamento dos Em países emergentes de renda média, os
recursos. Contudo, o orçamentos militares
simples empenho não costumam ser limita-
é garantia de que tais O nível de investimentos dos por restrições de
recursos serão efe- em defesa, no Brasil, tem natureza econômica.
tivamente pagos. A No caso do Brasil, po-
plena implantação do estado muito abaixo do que rém, o nível de investi-
orçamento impositivo, seria aceitável mentos em defesa tem
em futuro não muito estado muito abaixo do
distante, talvez pudes- que seria aceitável. O
se contribuir para maior previsibilidade valor absoluto do orçamento anual do MD
dos investimentos em defesa no Brasil. no Brasil não é baixo, pois corresponde a
O emprego de saldos não utilizados de pouco mais de US$ 30 bilhões. Contudo,
dotações orçamentárias para além do ano a maior parte destina-se a despesas não
em execução – dispositivo denominado discricionárias (gastos de pessoal e encar-
carry over – constitui ferramenta bastante gos financeiros) e uma parte bem menor a
utilizada, em diversos países integrantes da despesas discricionárias (investimentos e
Organização de Coo- gastos correntes).
peração e Desenvol- Enquanto o Brasil
vimento Econômico As potenciais ameaças não dispuser de uma
(OCDE). No Brasil, a Base Industrial de De-
execução de recursos externas de curto e médio fesa (BID) consolidada
orçamentários para prazo à segurança do Brasil e moderna, perdurará a
além do exercício fi-
nanceiro costuma ser
seriam de tipo assimétrico dependência tecnoló-
gica do exterior com
autorizada pela abertu- relação aos meios de
ra de créditos especiais e extraordinários, defesa14. O problema é como obter recursos
publicados no último quadrimestre do para investimento, sem que estes sejam
exercício fiscal. Talvez o carry over pudes- retirados do próprio orçamento das Forças
se ser utilizado para viabilizar projetos de Armadas, “despindo um santo para vestir
nossas Forças Armadas, que necessitassem outro”. O risco é que as carências de curto

13 Cf. Fábio Silva Souza, “Carry over: uma ferramenta para a continuidade dos projetos no âmbito do Ministério
da Defesa?”, Revista Marítima Brasileira 133 (01/03): 218-224 – Rio de Janeiro, jan./mar. 2013.
14 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Guerra Naval do Futuro: cenários prospectivos”, Revista do Clube Naval 121 (368):
8-13 – Rio de Janeiro, out./dez. 2013.

50 RMB2oT/2014
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

e médio prazo acabem prevalecendo, resul- programas tornaria necessário aumentar


tando na importação de meios e equipamen- os orçamentos anuais – já que não seria
tos inadequados às necessidades nacionais possível reduzir drasticamente as despesas
ou em “compras de oportunidade” de meios de pessoal ou outros gastos.
de segunda-mão no exterior. O problema da carência de recursos
As potenciais ameaças externas de para a Defesa Nacional também ocorre
curto e médio prazo à segurança do Bra- no âmbito regional. Quando comparados
sil seriam de tipo assimétrico, uma vez aos situados em outras regiões do globo,
que os possíveis “inimigos” não seriam os países sul-americanos são praticamente
outros Estados, mas organizações cri- desarmados15. A probabilidade suposta-
minosas transnacionais. Em princípio, mente baixa de ocorrência de conflitos
isso nos daria algum tempo para realizar militares na América do Sul não justifica
investimentos na capacitação das Forças tal situação, que deixa todos em posição
Armadas e da BID. A expansão dos meios vulnerável. A eficácia de estratégias co-
de defesa é essencial para garantir um muns de dissuasão e defesa dependeria
maior grau de controle sobre o território, da existência, em cada um dos países da
as águas jurisdicionais e o espaço aéreo. região, de Forças Armadas modernas e
Os meios selecionados devem ser ade- bem equipadas, assim como de uma BID
quados às missões previstas e à realidade consolidada e razoavelmente integrada. A
estratégica do País. dissuasão de possíveis ameaças de origem
Sobretudo devido à extensão da área extracontinental deveria conferir prioridade
geográfica a ser coberta, o Brasil não pode ao reequipamento das Marinhas e Forças
ter um aparato militar reduzido, com efe- Aéreas do subcontinente.
tivo limitado e dispondo de poucos meios.
Talvez até se pudesse racionalizar a distri- RENOVAÇÃO DO PODER NAVAL
buição dos efetivos, aproveitando melhor
as reservas de pessoal militar e ampliando Na Marinha do Brasil, o Plano Diretor
o emprego do pessoal civil. Contudo, não da Marinha (PDM) constitui instrumento
há margem para “encolhimento” do Poder permanente de planejamento, execução e
Militar brasileiro, sem pôr em risco a inte- controle, inerente às gestões orçamentária
gridade territorial do País. Isto é igualmente e financeira, desenvolvidas nos diver-
válido para a Marinha, o Exército e a Força sos escalões administrativos, visando à
Aérea. adequação dos recursos disponíveis às
Maior integração de esforços entre as necessidades desta força. Os documentos
três forças singulares poderia contribuir constitutivos do PDM incluem diversas
para racionalizar os custos do aparelhamen- ações internas, que são conjuntos harmô-
to e da logística. Entretanto, tal proposta só nicos de programações expressos em fases,
poderia se tornar viável caso houvesse ga- definidas e quantificadas quanto a propó-
rantia do fluxo dos recursos necessários aos sito, características, metas, custos e tempo
programas de pesquisa e desenvolvimento e de realização. Para fins estatísticos, as
de obtenção de meios. O desejável aumento ações internas podem ser classificadas em
da parcela do orçamento destinada a tais três “tipos de Marinha”, que identificam o

15 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Gastos de Defesa na América do Sul: uma perspectiva”, Segurança & Defesa 30
(112): 28-33 – Rio de Janeiro, [out./dez]. 2013.

RMB2oT/2014 51
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

contexto temporal do alcance do propósito projetos importados – deverá contribuir para


de cada ação16: consolidar nossa BID, tornando possíveis a
1) Marinha do presente: Compreende progressiva nacionalização dos componentes
as ações internas destinadas a manter em e o desenvolvimento de projetos próprios18.
funcionamento a Marinha atual no melhor Para construir uma Marinha oceânica
nível de capacitação possível. Compõe-se polivalente, capaz de atuar em áreas ma-
de ações de rápida execução (até 12 meses). rítimas distantes na defesa da soberania e
2) Marinha do amanhã: Compreende dos interesses nacionais, o Brasil terá que
as ações destinadas à construção e mo- superar barreiras e restrições externas e
dernização dos meios navais, aeronavais internas. O principal “gargalo tecnológi-
e de fuzileiros navais, à construção e am- co” talvez esteja associado à questão dos
pliação das instalações e à obtenção dos recursos humanos. Em nosso país, faltam
equipamentos necessários em médio prazo. atualmente cientistas, engenheiros, técnicos
Compõe-se de ações do tipo projeto, com e outros profissionais qualificados. Para
execução demorada (mais de 12 meses). reverter tal situação, é mais que urgente
3) Marinha do futuro: Compreende as ampliar e melhorar a qualidade da educação
ações destinadas à pesquisa e ao desenvol- brasileira em todos os níveis19.
vimento de meios que serão necessários em
futuro mais distante, independente dos pra- ADEQUAÇÃO E CONTINUIDADE
zos de execução. Compõe-se de ações do
tipo projeto, associadas ao desenvolvimen- A fim de assegurar a continuidade do
to de protótipos e à ciência e tecnologia17. processo de renovação dos meios que cons-
tituem nosso Poder Naval, os planejamentos
A fim de garantir a renovação do Poder de curto, médio e longo prazo devem ser su-
Naval brasileiro, em bases contínuas e perma- perpostos e integrados. Os meios atualmente
nentes, será preciso assegurar plurianualmente em processo de entrega ou de obtenção
– pela implantação do orçamento impositivo incorporam tecnologias existentes ou em es-
ou pelo uso de instrumentos como o carry over tágio final de desenvolvimento. Entretanto,
– os recursos financeiros, materiais e huma- somente o desenvolvimento local de novas
nos necessários à concretização dos projetos tecnologias e de suas respectivas aplicações
de pesquisa e desenvolvimento (Marinha do poderá garantir um grau razoável de auto-
futuro), assim como dos destinados à obtenção nomia aos segmentos industriais envolvidos
de meios (Marinha do amanhã). A construção no projeto e na produção dos futuros meios
dos meios operativos no País – mesmo que navais, aeronavais e de fuzileiros navais da
tais meios sejam inicialmente baseados em Marinha do Brasil20.

16 Cf. Secretaria-Geral da Marinha, SGM-101 – Normas para a Gestão do Sistema do Plano Diretor, 3a revisão
(Brasília, 2009), p. 41. Publicação disponibilizada em <https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/cursos/csup/
SGM-101-REV-3.pdf>. Acesso em 18/8/2013.
17 Ibidem.
18 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Projetos da MB no Paed”, Op. cit.
19 Ibidem. Cf. também Eduardo Italo Pesce, “Realismo orçamentário e renovação do Poder Naval”, Revista
Marítima Brasileira 132 (07/09): 57-74 – Rio de Janeiro, jul./set. 2012.
20 Ibidem. Cf. também Eduardo Italo Pesce & Iberê Mariano da Silva, “Buscando a autonomia tecnológica em
Defesa”, Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 14/12/2012, p. 2 (Opinião). Cf. ainda Eduardo Italo Pesce &
Mário Roberto Vaz Carneiro, “Cooperação com indústrias estrangeiras”, Segurança & Defesa 28 (108):
4-16 – Rio de Janeiro, [out./dez.] 2012.

52 RMB2oT/2014
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

Os planos da Marinha incluem o de- serviço do meio – possivelmente em futuras


senvolvimento ou a absorção de novas modernizações.
tecnologias, assim como a renovação e a Até 2047, está prevista a obtenção de
ampliação dos meios operativos21. Prova- 276 navios e embarcações para a Marinha
velmente, os resultados mais significativos do Brasil. Este total inclui 216 navios (195
só começarão a ser observados a partir de unidades de superfície e 21 submarinos) e
2020. O desempenho fraco da economia 60 embarcações diversas (quatro diques flu-
brasileira, porém, pode resultar num novo tuantes e 56 embarcações de desembarque).
ciclo de “austeridade fiscal”, que afetaria A obtenção de 288 aeronaves e de vários
seriamente os progra- tipos de armamento e
mas e projetos estra- munição, além de mate-
tégicos da Marinha. Até 2047, está prevista a rial diversificado para o
No futuro imediato, obtenção de 276 navios Corpo de Fuzileiros Na-
seria desejável que os vais (CFN), também está
meios flutuantes, as- e embarcações para a prevista24. Contudo, se
sim como os aéreos e Marinha. Contudo, se ficar confirmado o cená-
os de fuzileiros navais,
fossem caracteriza-
ficar confirmado o cenário rio de baixo crescimento
econômico e austeridade
dos por versatilidade, de baixo crescimento fiscal, a aquisição de
simplicidade e robus- econômico e austeridade tal quantidade de meios
tez, assim como por poderá estar além das
um custo de operação fiscal, a aquisição de tal possibilidades financei-
compatível com a rea- quantidade de meios ras do País. Em tal hipó-
lidade orçamentária22. tese, será preciso rever
Uma maneira de
poderá estar além das os planos e reduzir as
conciliar quantidade possibilidades financeiras estimativas, adequando-
e qualidade na com- do País as à disponibilidade de
posição das forças tal- recursos orçamentários.
vez fosse adotar um
high-low mix, constituído por um número PODER NAVAL POLIVALENTE
limitado de meios sofisticados, capazes
de desempenhar missões mais exigentes, Uma postura estratégica baseada na dissu-
apoiados por um número maior de meios asão é, em princípio, adequada a uma potên-
mais simples, para missões menos exi- cia média com interesses de âmbito mundial,
gentes23. Outra possibilidade a considerar como o Brasil. Entretanto, a salvaguarda
seria o conceito denominado fitted for, da soberania e a promoção dos interesses
but not with, segundo o qual alguns dos nacionais de um Estado soberano requerem
equipamentos e sistemas previstos só se- flexibilidade e adaptabilidade. Como os
riam instalados a bordo após a entrada em interesses do Brasil no mar não estão limi-

21 Cf. Pesce, “Projetos da MB no Paed”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Realismo Orçamentário”, Op. cit. Cf. ainda
Ministério da Defesa, LBDN, Op. cit. – Anexo II, pp. 247-250.
22 Cf. Eduardo Italo Pesce, “A Marinha do Brasil no contexto estratégico do Hemisfério Sul”, Revista Marítima
Brasileira 132 (10/12): 115-132 – Rio de Janeiro, out./dez. 2012.
23 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit.
24 Cf. Pesce, “Projetos da MB no Paed”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Realismo Orçamentário”, Op. cit.

RMB2oT/2014 53
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

tados às águas jurisdicionais que constituem mar; (2) projeção de poder sobre terra; e (3)
a “Amazônia Azul”, nosso país necessita de controle de áreas marítimas. A capacitação
uma verdadeira Marinha oceânica, capaz de para o desempenho de tais tarefas deve
operar em toda a extensão do Atlântico Sul, contribuir para a dissuasão27.
assim como em outros oceanos . 25
No contexto da END, o desenvolvimen-
Para justificar plenamente a manutenção to dos meios operativos deve ocorrer de
de uma Marinha com capacidade oceânica, é modo sequencial, priorizando inicialmente
preciso que suas unidades efetivamente ope- a negação do uso do mar. Apesar disso, o
rem no exterior, mesmo em tempo de paz. O preparo do Poder Naval brasileiro deve
Poder Naval é simultaneamente o componente visar ao desempenho de todas as tarefas,
militar do Poder Marítimo e o componente ma- na defesa de áreas estratégicas e instalações
rítimo do Poder Militar. Ainda que seus meios vitais na “Amazônia Azul”, bem como
operativos tenham ca- na proteção das rotas
pacidade para atuar em marítimas de interesse
situações nas quais o O preparo do Poder Naval para o País e na reali-
emprego da força não brasileiro deve visar ao zação de operações de
ocorre, a finalidade úl- paz no exterior28.
tima de uma Marinha desempenho de todas as A transformação
é o combate – pois, em tarefas, na defesa de áreas da Marinha do Brasil
última análise, é isso numa “réplica da Ma-
que a distingue de uma estratégicas e instalações rinha soviética do final
Guarda Costeira26. vitais na “Amazônia Azul” dos anos 50 do século
O Paemb visa XX” poderia motivar
orientar a renovação percepções errôneas
dos meios e a distribuição espacial das no exterior. O Brasil deve buscar sempre
forças, segundo prioridades estabelecidas ser percebido como aliado ou parceiro
pela END. Ao contrário do que ocorria confiável, jamais como provável adver-
anteriormente, esta estratégia passou a sário! Assim sendo, o sequenciamento de
admitir uma hierarquização de tarefas e prioridades deve ser visto apenas como
objetivos. A fim de cumprir sua destinação uma imposição temporária das limitações
constitucional, a Marinha do Brasil daria às orçamentárias, visando compatibilizar a
tarefas básicas do Poder Naval a seguinte aplicação dos recursos disponíveis com
ordem de prioridade: (1) negação do uso do as metas de curto, médio e longo prazo29.

25 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “A MB no contexto estratégico do Hemisfério
Sul”, Op. cit. Cf. ainda Eduardo Italo Pesce, “Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil (Paemb)
2010-2030: Perspectivas”, Revista Marítima Brasileira 130 (04/06): 73-88 – Rio de janeiro, abr./jun. 2010.
26 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit.
27 Cf. Presidência da República, END, Op. cit., pp. 12-14. Cf. também Aurélio Ribeiro da Silva Filho, “Aula
inaugural dos Cursos de Altos Estudos da Escola de Guerra Naval”, Revista da Escola de Guerra Naval (13):
174-200 – Rio de Janeiro, jun. 2009. Cf. ainda Eduardo Italo Pesce, “Articulação do Poder Naval brasileiro:
dúvidas e comentários”, Revista Marítima Brasileira 130 (10/12): 50-61 – Rio de Janeiro, out./dez. 2010.
28 Cf. Presidência da República, END, Op. cit., pp. 12-14. Cf. também Pesce, “Articulação do Poder Naval bra-
sileiro”, Op. cit. Cf. ainda Eduardo Italo Pesce, “Uma segunda Esquadra para o Brasil?”, Revista Marítima
Brasileira 129 (01/03): 153-160 – Rio de Janeiro, jan./mar. 2009.
29 Cf. Pesce, “Articulação do Poder Naval brasileiro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Uma segunda Esquadra para
o Brasil?”, Op. cit.

54 RMB2oT/2014
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

Numa possível conjuntura de escassez ponente operativo do Poder Naval brasileiro.


de recursos orçamentários, a “compra de Está prevista a criação da 2a Esquadra e da
oportunidade” de meios de segunda mão no 2a Força de Fuzileiros da Esquadra (2a FFE),
exterior deve – exceto em casos de extrema sediadas na Baía de São Marcos, em São Luís
emergência – ser evitada. Também é preciso (MA), em imóveis recentemente transferidos
ter cuidado para não priorizar a obtenção de à Marinha pelo Exército31. Entretanto, a cons-
meios empregados no desempenho de tare- trução do futuro complexo da 2a Esquadra/2a
fas ditas “subsidiárias”, em detrimento dos FFE não deve ocorrer sem que as atuais forças
meios de combate. Mesmo que seja preciso sejam “remobiliadas” com meios modernos e
adotar um “Plano B” para o reequipamento atualizados, em quantidades compatíveis com
de nossa Marinha, os principais elementos as tarefas previstas. Ao longo do processo,
constituintes do Poder Naval brasileiro de- elementos das forças navais, aeronavais e de
vem ser preservados e renovados. fuzileiros navais sediados no litoral do Su-
deste poderão ser periodicamente destacados
DUPLICAÇÃO DA ESQUADRA para participar de exercícios e operações nos
mares do Norte/Nordeste32.
O Brasil necessita No início de 2014,
de uma “Marinha ba- a atual Esquadra bra-
lanceada” polivalente A “compra de sileira contava com
e não pode se contentar
em possuir apenas uma
oportunidade” de meios apenas 29 unidades
navais: cinco subma-
“Marinha de negação de segunda mão no rinos (S); um navio-
do uso do mar”. Na exterior deve – exceto a e r ó d r o m o ( N A e ) ;
realidade, nosso país nove fragatas (F); cin-
possui “três Marinhas em casos de extrema co corvetas(Cv); dois
em uma só”: a Mari- emergência – ser evitada navios-tanque (NT); um
nha oceânica (Esqua- navio de desembarque
dra); a tropa anfíbia doca (NDD); três na-
da Marinha (Corpo de Fuzileiros Navais) e vios de desembarque de carros de combate
a Marinha costeira, fluvial e de atividades (NDCC); um navio de socorro submarino
subsidiárias (Forças Distritais e Serviço (NSS); um navio-escola (NE); e um navio-
Hidrográfico). Estas três ramificações (cada veleiro (NVe)33. Para assegurar a renovação
qual com suas respectivas sub-ramificações) de tais meios, é fundamental o prossegui-
são igualmente importantes e necessárias30. mento do Programa de Desenvolvimento
A Esquadra e a Força de Fuzileiros da Es- de Submarinos (Prosub) e do Programa
quadra (FFE), atualmente sediadas na área do Nuclear da Marinha (PNM), assim como
Rio de Janeiro, constituem o principal com- a execução do Programa de Obtenção de

30 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Além da Amazônia Azul: Projeção estratégica do Brasil no Atlântico Sul”, Revista
Marítima Brasileira 132 (01/03): 86-95 – Rio de Janeiro, jan./mar. 2012.
31 Cf. Gabinete do Comandante do Exército, Despacho Decisório no 157/2013 de 21/10/2013 – Processo PO no
900076 – Gab Cmt EB: 64536.023671/2013-14. Disponibilizado em <http://www.defesaaereaenaval.com.
br>. Acesso em 16/2/2014.
32 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Reflexos da criação da 2a Esquadra e da 2a Força de Fuzileiros da Esquadra na estrutura
do setor operativo da Marinha do Brasil”, Revista Marítima Brasileira 133 (04/06): 33-47 – Rio de Janeiro,
abr./jun. 2013. Cf. também Pesce, “Articulação do Poder Naval brasileiro”, Op. cit.
33 Cf. “Navios”, Portal da Marinha em <http://www.marinha.mil.br/navios>. Acesso em 28/2/2014.

RMB2oT/2014 55
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

Meios de Superfície (Prosuper), do Pro- de 18 navios de escolta na atual Esquadra


grama de Obtenção de Navios Anfíbios seja atingido até o final da próxima década.
(Pronanf) e do Programa de Obtenção de Com relação às demais classes de unida-
Navios-Aeródromo (Pronae)34. des típicas de Esquadra, pode-se pressupor
A necessidade de reposição dos 14 o mesmo. Das 216 unidades navais previs-
navios de escolta existentes – cuja baixa tas até 2047, apenas 71 (21 submarinos e
deve ocorrer entre 2020 e 2035 – é particu- 50 navios de superfície) podem ser con-
larmente crítica, uma vez que tais unidades sideradas de Esquadra (ver Tabela no 4).
são essenciais em qualquer operação naval. Devem ser obtidos 21 novos navios (seis
A Marinha do Brasil prevê a obtenção de submarinos e 15 de superfície) no período
30 novos navios de escolta (fragatas e 2015-22, com mais 31 (seis submarinos e
corvetas) até 2047. Seriam obtidas seis uni- 25 de superfície) em 2023-30 e outros 19
dades no período 2015-22, com mais 15 no (nove submarinos e 10 de superfície) em
período 2023-30 e outras nove no período 2031-4736. Com isso, o efetivo de unidades
2031-4735. Se não houver atrasos signifi- navais da atual Esquadra seria completado
cativos, é possível que o efetivo desejável na próxima década – o que permitiria criar
Tabela no 4:
Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil (Paemb)
Meios navais típicos de Esquadra (submarinos e navios de superfície)

QUANTIDADE/PERÍODO
TIPO DE NAVIO
2010-2014 2015-2022 2023-2030 2031-2047 TOTAL
Submarinos de propulsão convencional (SBR) –– 05 05 05 15
Submarinos de propulsão nuclear (SNBR) –– 01 01 04 06
Navios de propósitos múltiplos (NPM) –– 02 02 –– 04
Navios-aeródromo (NAe) –– –– 01 01 02
Navios de escolta (fragatas e corvetas) –– 06 15 09 30
Navios de apoio logístico (NApLog) –– 03 02 –– 05
Navios de socorro submarino (NSS) –– 02 –– –– 02
Navio-hospital (NH) –– –– 01 –– 01
Navio-transporte de apoio (NTrA) –– 02 02 –– 04
Navio-escola (NE) –– –– 01 –– 01
Navio-veleiro (NVe) –– –– 01 –– 01
NAVIOS TÍPICOS DE ESQUADRA (*) –– 21 31 19 71
(*) Observação: A tabela não inclui três rebocadores de alto-mar (RbAM) para apoio às unidades de superfície,
quatro navios caça-minas (NCM) para apoio aos submarinos e 56 embarcações de desembarque de grande porte.
Outros meios navais (145 navios e quatro diques flutuantes), cuja obtenção também está prevista no Paemb, não
integrarão a Esquadra, sendo destinados às Forças Distritais, aos serviços de hidrografia e navegação, à manuten-
ção e aos reparos do material e à instrução do pessoal. FONTES: Pesce, “Realismo orçamentário”, Op. cit./Pesce,
“Desafios para o reequipamento da MB”, Op. cit.

34 Cf. Pesce, “Articulação do Poder Naval brasileiro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Projetos da MB no Paed”,
Op. cit. Cf. ainda Eduardo Italo Pesce, “Desafios para o reequipamento da Marinha do Brasil”, Revista de
Marinha 77 (977): 25-27 – Lisboa, jan./fev. 2014.
35 Cf. Pesce, “Realismo Orçamentário”, Op. cit.
36 Ibidem.

56 RMB2oT/2014
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

uma segunda Esquadra até 2030 ou pouco e outros ilícitos transnacionais – como tráfico
depois disso. de drogas, armas ou pessoas. O emprego
Pode-se adotar o mesmo pressuposto com de elementos do Poder Naval pode incluir
relação aos meios aeronavais e de fuzileiros também a fiscalização da pesca e a proteção
navais. A concretização da perspectiva de dos recursos naturais e do meio ambiente, nas
duplicação do núcleo principal de nosso águas jurisdicionais do próprio país38.
Poder Naval dependerá, em última análise, O predomínio das “novas ameaças” e dos
da disponibilidade de recursos e das decisões conflitos assimétricos no futuro imediato não
que forem tomadas, no curto e no médio elimina a possibilidade de conflitos interes-
prazo, para assegurar a continuidade dos tatais, motivados por interesses nacionais
programas de reequipamento da Marinha do em disputa. A escassez de recursos naturais
Brasil – sem prejuízo dos programas de lon- essenciais poderá levar a conflitos pelo con-
go prazo para pesquisa e desenvolvimento37. trole de tais recursos. No mar, poderão ocorrer
ações de emprego de força em decorrência
CENÁRIOS E TENDÊNCIAS de controvérsias entre Estados, a respeito de
limites de jurisdição sobre a Zona Econômica
As tendências da guerra naval para o Exclusiva (ZEE) e a Plataforma Continental,
futuro imediato são determinadas pela visando obter ou assegurar o acesso ao petró-
evolução do quadro geopolítico atual, ca- leo e a outros recursos aí existentes39.
racterizado pela incerteza e pela assimetria As tendências de prazo mais longo para a
do poder. Desde o fim da Guerra Fria, a evolução da guerra naval ainda não são claras,
conjuntura estratégica mundial caracteriza- mas as mudanças que certamente ocorrerão
se pela ausência de um antagonismo global devem se refletir também no Brasil. Os pro-
dominante e pelo predomínio dos conflitos jetos de nossa Marinha até 2031 constam do
regionais, locais ou irregulares, envolvendo Paemb e do Paed, embora os valores gerais
atores estatais e não estatais. A inexistência estimados, os cronogramas e os quantitativos
de antagonismos navais dominantes vem de meios previstos possam sofrer alterações40.
deslocando a ênfase no emprego do Poder As prioridades para a construção do núcleo do
Naval da guerra no mar para a “guerra lito- Poder Naval incluem o Prosub, o Prosuper,
rânea”, em operações de tipo expedicionário. o Pronanf e o Pronae, além da obtenção de
O apoio a operações de paz ou a interven- navios-patrulha (NPa) de 500 toneladas e de
ções “humanitárias” em países conflagrados, corvetas da classe Barroso41. Espera-se que
sob os auspícios da Organização das Nações os projetos e programas tenham continuidade
Unidas (ONU), passou a fazer parte do dia a a partir de 2032, quando deverão estar dis-
dia das Marinhas, ao lado das ações de salva- poníveis tecnologias que afetarão as caracte-
guarda contra o terrorismo no mar, a pirataria rísticas e o emprego dos meios operativos42.

37 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Desafios para o reequipamento da MB”, Op. cit.
38 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “A MB no contexto estratégico do Hemisfério
Sul”, Op. cit. Cf. ainda Pesce, “Além da Amazônia Azul”, Op. cit.
39 Ibidem.
40 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit. “Projetos da MB no Paed”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Realismo
orçamentário”, Op. cit. Cf. ainda Pesce, “Paemb 2010-2030: Perspectivas”, Op. cit. Cf. também Ministério
da Defesa, LBDN, Op. cit. – Anexo II, pp. 247-250.
41 Cf. “Programa de Reaparelhamento”, Portal da Marinha em <http://www.marinha.mil.br/programa-de-reapa-
relhamento>. Acesso em 21/12/2013.
42 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit.

RMB2oT/2014 57
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

Além dos meios navais, aeronavais e Air Vehicles), assim como dirigíveis e ou-
de fuzileiros navais tradicionais, o Poder tras aeronaves não convencionais. Veículos
Naval poderá contar com diversos outros aéreos não tripulados (Vant) de asa fixa ou
componentes baseados em terra, no leito rotativa, baseados em terra ou a bordo de
marinho ou no espaço, interligados em navios, são atualmente empregados na vigi-
rede, e o domínio da informação será cada lância marítima e em várias outras missões
vez mais determinante. No século XXI, o de apoio a forças navais. Em futuro não
Poder Naval e o Poder Marítimo continu- muito distante, sistemas aéreos de combate
arão a desempenhar papel fundamental, não tripulados (Unmanned Combat Air
uma vez que a economia mundial circula Systems) poderão integrar os grupos aéreos
pelo mar43. Para que a Marinha do Brasil embarcados em navios-aeródromo (NAe)45.
seja capaz de atuar com independência no Fuzileiros navais de vários países já
cenário internacional, esta deverá dominar empregam veículos terrestres não tri-
as novas tecnologias críticas de interesse pulados (Unmanned Land Vehicles) em
naval. diversas missões, inclusive na localização
e na remoção de artefatos explosivos. O
EVOLUÇÃO DOS MEIOS uso de meios não tripulados, em especial
para desempenhar missões demasiada-
O papel dos submarinos, especialmente mente perigosas, longas ou cansativas, é
os dotados de propulsão nuclear, tende a ser uma tendência que tende a se ampliar. Os
ampliado. Armadas com torpedos e mís- futuros armamentos e sistemas de armas
seis capazes de atacar alvos no mar ou em incorporarão tecnologias de ponta, cujo
terra, tais unidades serão complementadas desenvolvimento autônomo requer grande
por veículos submarinos não tripulados esforço e recursos consideráveis. Os atuais
(Unmanned Underwater Vehicles), para países detentores costumam negar a outros
emprego em diversas missões. Tais veícu- países o acesso a tais tecnologias, lançando
los já vêm sendo usados há algum tempo mão de diversos mecanismos46.
na remoção de minas, operando a partir de
navios de contramedidas44. Navios de casco REVERSÃO DE EXPECTATIVAS
convencional serão complementados por
diferentes meios de superfície não conven- É certo que, num horizonte temporal
cionais – o que incluirá navios multicasco, superior a 20 anos, diversas tecnologias
hidrofólios e embarcações de colchão de avançadas – algumas das quais ainda se
ar, além de veículos de superfície não encontram em fase embrionária – modifica-
tripulados (Unmanned Surface Vehicles). rão e influenciarão a guerra naval, passando
Além de aviões e helicópteros, os meios a fazer parte do dia a dia das principais
aeronavais disponíveis no futuro incluirão Marinhas. O caminho natural de evolução
veículos aéreos não tripulados (Unmanned de uma Marinha como a nossa é procurar

43 Ibidem. Cf. também Pesce, “Além da Amazônia Azul”, Op. cit.


44 Cf. John A. Craig, “Don’t Give Up the Ship(s)!” USNI Proceedings 139 (7/1,325): 66-71 – Annapolis, July
2013. Cf. também Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit.
45 Cf. Norman Friedman, “Man vs. Machine,” USNI Proceedings 139 (7/1,325): 88-89 – Annapolis, July 2013
(World Naval Developments). Cf. também Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit.
46 Cf. Pesce, “Guerra Naval do Futuro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Projetos da MB no Paed”, Op. cit. Cf. também
Pesce & Silva, Op. cit. Cf. ainda Pesce & Carneiro, Op. cit.

58 RMB2oT/2014
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

desenvolver e obter os meios necessários no espaço exterior, o SisGAAz permitirá


à ampliação de sua autonomia estratégica otimizar o emprego dos meios de escla-
e de sua capacidade operativa. Entretanto, recimento e vigilância marítima disponí-
não podemos de modo algum perder o veis em nossa Marinha, a fim de garantir
foco, nos rendendo ao “fetiche da tecnolo- a segurança das águas sob jurisdição
gia”, pois sucumbir a tal tentação poderia nacional. Em princípio, isso contribui-
prejudicar o aprestamento e o emprego ria para evitar o superdimensionamento
dos meios atualmente disponíveis ou em dos meios de patrulha naval das Forças
processo de obtenção. Distritais, em detrimento dos meios
Nossa Marinha está investindo re- típicos de Esquadra. A manutenção de
cursos significativos na implantação um Poder Naval balanceado, adequado
definitiva do Sistema de Gerenciamento às necessidades e aos interesses nacio-
da Amazônia Azul nais, é essencial a um
( S i s G A A z ) 47. T a l país como o Brasil,
sistema ampliará a Nossa Marinha está que aspira a assumir
consciência situacio- posição de destaque
nal marítima e a ca- investindo recursos no Conselho de Se-
pacidade de “guerra significativos na gurança das Nações
centrada em redes”
(Network-Centric
implantação definitiva do Unidas e em outros
foros internacionais.
Warfare) das forças Sistema de Gerenciamento A renovação e am-
navais, aeronavais e da Amazônia Azul pliação dos meios na-
de fuzileiros navais, vais, aeronavais e de
permitindo que os di- (SisGAAz) fuzileiros navais que
versos componentes compõem uma Mari-
possam se comunicar nha balanceada deve
entre si e ter acesso a um quadro comum ser um processo contínuo, o que deman-
da situação. A capacidade de operar em da um fluxo regular e ininterrupto de
rede é um “multiplicador de forças” capaz recursos. Numa conjuntura de restrições
de compensar um menor número de pla- orçamentárias, será preciso “manter a
taformas de armas e sensores – uma vez cabeça fora d’água”, investindo parcimo-
que os navios e demais meios constituem niosamente na obtenção de meios simples,
“nódulos” de uma rede interconectada. robustos e versáteis. Contudo, talvez seja
Todos devem ser capazes de “enxergar”, possível reduzir substancialmente os cus-
em tempo real ou oportuno, o quadro da tos de produção de navios e outros meios
situação48. no futuro – pelo emprego de tecnologias
Contando com sensores fixos e industriais revolucionárias, como a im-
móveis, baseados em terra, no mar (na pressão tridimensional de componentes
superfície ou no leito marinho), no ar e e estruturas49.

47 Cf. Pesce, “Guerra naval do futuro”, Op. cit. Cf. também Pesce, “Projetos da MB no Paed”, Op. cit. Cf. ainda
Pesce, “Realismo orçamentário”, Op. cit.
48 Cf. Norman Friedman, Network-Centric Warfare: How Navies Learned to Fight Smarter through Three World
Wars (Annapolis: Naval Institute Press, 2009), pp. 240-243.
49 Cf. Scott Cheney-Peters & Matthew Hipple, “Print me a Cruiser!” USNI Proceedings 139 (4/1,322): 52-55 –
Annapolis, April 2013.

RMB2oT/2014 59
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

CONCLUSÃO No curto e médio prazo, os programas de


investimento dos recursos disponíveis devem
Para evitar a estagnação, o Brasil neces- compatibilizar as necessidades de apresta-
sita superar a “armadilha da renda média” mento das forças existentes (Marinha atual)
e tornar-se um país de renda alta, capaz de com as de obtenção de novos meios para
afirmar sua posição no mundo, como ator substituir os atuais (Marinha do amanhã),
essencial do sistema internacional. A pos- sem prejuízo da continuidade dos programas
sibilidade de um cenário incerto de curto e de longo prazo, para o desenvolvimento de
médio prazo, se concretizada, pode resultar novas tecnologias (Marinha do futuro). A
num novo ciclo de austeridade fiscal, que fixação no “fetiche da tecnologia” deve ser
afetaria diretamente as Forças Armadas. evitada, tanto quanto o excessivo pragma-
Tal cenário seria particularmente adverso tismo e as “compras de oportunidade”. A
à execução ou à continuidade dos proje- produção local dos meios que integram o
tos estratégicos, que Poder Naval deve contri-
constam do Paed e dos buir para a consolidação
planos de articulação e Para evitar a estagnação, da BID nacional, que
equipamento das três o Brasil necessita superar constitui etapa essencial
forças singulares. à obtenção da desejada
O reequipamento
a “armadilha da renda autonomia tecnológica
das Forças Armadas média” e tornar-se um e estratégica.
pode prestar grande país de renda alta, capaz No século XXI, o
contribuição ao de- Brasil certamente bus-
senvolvimento nacio- de afirmar sua posição no cará se tornar um país
nal – em particular no mundo, como ator essencial de renda alta, migran-
caso de tecnologias
sensíveis, que garan-
do sistema internacional do da periferia para
o centro do sistema
tam a independência internacional de poder.
estratégica do País. A concretização de tal aspiração necessi-
Os projetos estratégicos prioritários da tará de um Poder Naval polivalente, com
Marinha do Brasil incluem a recuperação capacidade oceânica, capaz de defender os
da capacidade operacional e o prossegui- interesses nacionais no mar e garantir a se-
mento do programa nuclear, assim como gurança dos demais componentes do Poder
a construção do núcleo do Poder Naval e Marítimo. Para isso, o País deverá manter
a implantação do SisGAAz. Incluem tam- pelo menos uma Esquadra balanceada,
bém a construção do complexo naval da 2a constituída por meios diversificados, capaz
Esquadra/2a FFE, a segurança da navegação de atuar em toda a extensão do Atlântico
e o setor de pessoal50. A garantia dos recur- Sul, assim como em outros oceanos. O Bra-
sos necessários à continuidade do esforço sil é um gigante: se permanecer estagnado
de renovação do Poder Naval é imperativa ou regredir, as ameaças à sua soberania e à
para a segurança do País. sua integridade territorial se multiplicarão.
1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:
<POLÍTICA>; Marinha; Política nacional; Poder naval; Amazônia azul; Forças Armadas
do Brasil; Economia do Brasil; Recurso econômico;
50 Cf. Ministério da Defesa, LBDN, Op. cit. – Anexo II, pp. 247-250.

60 RMB2oT/2014
ALÉM DA AMAZÔNIA AZUL: Crescimento econômico e adequação do Poder Naval

BIBLIOGRAFIA

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62 RMB2oT/2014
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI:
A Amazônia Azul*

(Parte 2)

Renato Rangel Ferreira**


Capitão de Mar e Guerra (FN)

SUMÁRIO

A Amazônia Azul
Mentalidade marítima
Aspectos Estratégicos
O Poder Naval – perspectivas
Marinhas modernas e pós-modernas
O continuun das tarefas básicas do Poder Naval
Estratégias antiacesso
A proteção da Amazônia Azul – perspectivas
A doutrina precisa mudar?
Tarefas básicas do Poder Naval no século XXI
Conclusão

A AMAZÔNIA AZUL cações atuais pela Marinha do Brasil


(MB) e por diversas Marinhas do mundo,

A pós realizadas a pesquisa e a análise


sobre a origem das Tarefas Básicas
do Poder Naval (TBPN) e de suas apli-
apresentaremos aspectos relevantes da
evolução da mentalidade marítima bra-
sileira, que culminou com a formulação
* Este artigo, adaptado da monografia de conclusão do Curso de Política e Estratégia Marítimas (2011) da Escola
de Guerra Naval, foi apresentado em duas partes. Esta segunda e última parte aborda a Amazonia Azul e o
Poder Naval.
** O autor recebeu a mensão especial “Distinção” e o Prêmio EGN ao final do C-PEM/2011. Atualmente é o
Imediato do Comando do Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais.
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

do conceito de Amazônia Azul e a iden- fronteiras, surge a necessidade de ampliar


tificação das demandas estratégicas para o conhecimento das potencialidades e o
a sua proteção. desenvolvimento de capacidades, em suas
vertentes científicas, econômicas e am-
Mentalidade marítima bientais, que possibilitem o real exercício
da soberania sobre as Águas Jurisdicionais
O Brasil tem um estreito vínculo com o Brasileiras (AJB) (BRASIL, 1995; RIBAS
mar. Isso desde o descobrimento, passando M., 2011).
pelo assentamento dos primeiros coloniza- Diversas são as riquezas que podem ser
dores e pela defesa contra invasores e até a exploradas, tais como os recursos marinhos
consolidação da independência, possibilita- vivos e não vivos, a energia das ondas e das
da pelo emprego de meios navais ao longo marés, e o uso do mar como fonte de divisas
de extenso litoral nacional desprovido de originadas de lazer, esporte e turismo. Em
estradas ou outras linhas de comunicação todos estes aspectos, a geografia da costa
que não as marítimas. Pelo mar também brasileira se apresenta, em termos de clima,
floresceu a economia colonial nos sucessi- subsolo, temperatura da água, perfil de
vos ciclos econômicos, como o do ouro, da regime de ventos e marés, particularmente
cana-de-açúcar e do café, e defendeu-se a propensa ao desenvolvimento das poten-
pátria, no século XIX, cialidades citadas.
na Bacia do Prata. Uma das principais
Ao longo do século Amazônia Azul. Esta riquezas, que já é ex-
XX, o povo brasileiro
perdeu, em certa me-
ideia-força, ao traçar um plorada nas AJB, mas
que apresenta consi-
dida, a mentalidade paralelo de referência derável potencial de
marítima. Em parte, com a região amazônica, ampliação, é o petró-
este fato deveu-se à leo. Enormes reservas
necessidade de ocu- permitiu salientar aspectos desta fonte de energia
pação física e econô- atinentes à sua dimensão e foram identificadas na
mica do interior do Plataforma Continental
País, confirmando as
à sua riqueza brasileira, em grandes
fronteiras terrestres. profundidades, numa
Pesaram também os impactos das duas camada do subsolo marinho denominada
guerras mundiais e das crises do petróleo, de “pré-sal”.
nos anos 1970, sobre o comércio marítimo e Além das riquezas contidas ou obtidas
a indústria da construção naval (VIDIGAL a partir das AJB, um fator muito relevante
et al., 2006). sob o aspecto econômico é o comércio
A virada do século marca o movimento marítimo que cruza estas águas. Cerca de
de retomada da mentalidade marítima im- 95% do comércio internacional brasileiro
pulsionada pelas negociações e pesquisas, se faz pelo mar. Cabe salientar que foi
no Brasil e em diversos países do mundo, a importância econômica deste tipo de
para o estabelecimento da soberania sobre comércio para todos os países que fez cres-
suas águas territoriais, de acordo com o cer, a partir da Segunda Guerra Mundial,
previsto pela Convenção das Nações Uni- a ênfase na segurança marítima. Após os
das sobre o Direito do Mar (CNUDM). atentados terroristas de 11 de setembro de
Juntamente com a delimitação dessas novas 2011, ampliou-se a demanda por este tipo

64 RMB2oT/2014
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

de segurança, visando reduzir a vulnerabi- Aspectos Estratégicos


lidade dos vetores do comércio marítimo
e proteger o meio ambiente (VIDIGAL et A Política de Defesa Nacional (PDN)
al., 2006). estabelece dois principais espaços estraté-
Foi neste contexto de retomada da gicos para a defesa do território nacional: a
mentalidade marítima que o Almirante Amazônia e o Atlântico Sul1. Com relação
Guimarães Carvalho cunhou a expressão a esta orientação, cabe salientar que o Po-
Amazônia Azul. Esta ideia-força, ao traçar der Naval (PN) brasileiro, apesar da clara
um paralelo de referência com a região precedência que confere à sua participação
amazônica, permitiu salientar aspectos no Atlântico Sul, tem sido empregado, e
atinentes à sua dimensão e à sua riqueza. cumprido tarefas, na região amazônica
Sua associação visual com o mapa do Brasil desde o ano de 1728, quando da criação
possibilita identificar claramente seus limi- da Divisão Naval do Norte, sediada em
tes físicos: a fronteira marítima do mar que Belém do Grão-Pará (BRASIL, 2005b;
nos pertence. CARNEIRO, 2011).
Outro aspecto de relevo que aflorou A Estratégia Nacional de Defesa
neste processo foi a importância da verten- (END), por sua vez, estabelece os pres-
te soberania da Amazônia Azul, alertando- supostos estratégicos para o emprego do
se para o fato de toda riqueza gerar cobiça PN no século XXI. Sua primeira diretriz
e, via de consequência, criar demandas é bem clara:
estratégicas para a sua defesa. Portanto, Dissuadir a concentração de forças hos-
cumpre destacar as vulnerabilidades es- tis nas fronteiras terrestres, nos limites
tratégicas do Brasil no mar: concentração das águas jurisdicionais brasileiras,
de meios de explotação de petróleo no e impedir-lhes o uso do espaço aéreo
mar; concentração de grandes cidades, nacional. Para dissuadir, é preciso estar
indústrias e usinas de energia próximas ao preparado para combater. A tecnologia,
litoral; comércio exterior dependente de por mais avançada que seja, jamais será
extensas Linhas de Comunicação Maríti- alternativa ao combate. Será sempre
ma (LCM); e existência de ilhas oceânicas instrumento do combate (BRASIL,
sem sistema de defesa próprio (MOURA 2008, p. 4).
NETO, 2010)
A estes aspectos afetos diretamente A END prossegue, estabelecendo em
às AJB, devem ser acrescentados outros seus fundamentos que:
de cunho histórico e geoestratégico do Na elaboração das Hipóteses de Empre-
Atlântico Sul. Este oceano constituiu-se, no go, a Estratégia Militar de Defesa deverá
decorrer da História, um importante vetor contemplar o emprego das Forças Ar-
de projeção sobre o território nacional, por madas considerando, dentre outros, os
onde ocorreu a maior parte das ameaças à seguintes aspectos:
soberania e à integridade do País após sua – o monitoramento e controle do es-
independência. paço aéreo, das fronteiras terrestres,

1 A PDN estabelece, em sua Orientação Estratégica no 6.12, que “em virtude da importância estratégica e da
riqueza que abrigam, a Amazônia brasileira e o Atlântico Sul são áreas prioritárias para a Defesa Nacional”
e, na de no 6.14, que “no Atlântico Sul é necessário que o País disponha de meios com capacidade de exer-
cer a vigilância e a defesa das águas jurisdicionais brasileiras, bem como manter a segurança das linhas de
comunicações marítimas” (BRASIL, 2005).

RMB2oT/2014 65
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

do território e das águas jurisdicionais assim como contribui e complementa as


brasileiras em circunstâncias de paz; atividades de combate. Dessa forma, as
– a ameaça de penetração nas fronteiras demandas estratégicas para a defesa da
terrestres ou abordagem nas águas juris- Amazônia Azul podem ser divididas em
dicionais brasileiras; dois grupos: paz e guerra. Esta distinção,
– a ameaça de forças militares muito no entanto, não deve ensejar uma bifurca-
superiores na região amazônica; ção operacional, pois na realidade deve ser
[...] compreendida como um continuum2 entre
– ameaça de conflito armado no Atlân- as ações na paz e na guerra.
tico Sul (BRASIL, Durante a paz, os
2008, p. 39). meios navais seriam
empregados em fun-
Pode-se depreen- ções constabulares3 (ou
der que, para a MB, a policiais) e diplomá-
proteção das AJB me- ticas, dentro do con-
rece atenção prioritá- ceito desenhado por
ria. No entanto, existe Booth e Grove (figuras
também a previsão do 1 e 2). Cabe salientar
emprego do PN em a complementaridade
conflitos no Atlântico existente entre as fun-
Sul, ainda que além ções de paz e de guerra,
das AJB, e na região pois são executadas, em
amazônica. Além dis- parte, pelos mesmos
so, o estabelecimento meios, além de con-
da soberania nacional tribuírem, em alguns
nessas águas demanda Figura 1 – O triângulo do uso do mar de Booth casos, para o adestra-
Fonte: BOOTH, 1977, p. 16 (publicada na parte 1
a ampliação do conhe- deste artigo como figura 2) mento e a prontificação
cimento e a garantia dos meios navais. Esta
da explotação de seus recursos marinhos, superposição de tarefas foi representada
aliado ao fato de que as Marinhas do graficamente por Grove, no triângulo da
mundo têm buscado o caminho da coope- figura 2.
ração como forma de reforçar a segurança As tarefas constabulares seriam aquelas
marítima. relacionadas ao exercício da função de
Este conjunto de atividades envolve o Autoridade Marítima4, com o propósito de
emprego do PN desde os tempos de paz, garantir a presença do Estado nas AJB, seja
2 Um continuun é uma “série longa de elementos numa determinada sequência, em que cada um difere minima-
mente do elemento subsequente” (HOUAISS; VILLAR; 2009). Este conceito é aplicado na doutrina marítima
para representar que as TBPN são interconectadas, formando um todo indissociável (KEARSLEY, 1992).
3 Para efeitos deste trabalho, prefere-se a expressão constabular à policial, pois evita-se a associação deste tipo de
atividade com as executadas por forças policiais federais ou estaduais.
4 A Lei Complementar no 117/2004, em seu artigo 17, designa o Comandante da Marinha como “Autoridade
Marítima” e estabelece que é de sua competência o trato das seguintes atribuições subsidiárias da MB:
“orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional;
prover a segurança da navegação aquaviária; contribuir para a formulação e a condução de políticas nacionais
que digam respeito ao mar; e implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas
águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer
necessário, em razões de competências específicas” (VIDIGAL et al., 2006).

66 RMB2oT/2014
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Figure 11.1 The ‘use of the sea’ triangle I Figure 11.2 The ‘use of the sea’ triangle II

Figura 2 – O primeiro e o segundo triângulos do uso do mar de Grove


Fonte: GROVE, 1990, p. 234-236

para confirmar sua soberania neste espaço tivam dissuadir, influenciar, coagir, ou
do território, seja para garantir o cumpri- mostrar seu alcance e sua presença. Neste
mento de leis e a manutenção da ordem, ou contexto, as características do PN tornam os
para combater as “novas ameaças”5. O PN meios navais particularmente apropriados
pode executar uma ampla gama de tarefas para a execução de diversas tarefas diplo-
constabulares, que o Almirante Vidigal máticas, que o Almirante Vidigal classifi-
(2006) designava de cava no mesmo grupo,
“emprego político do já citado, de “emprego
poder militar”, e que o As tarefas diplomáticas político do poder mi-
Almirante Moura Neto litar” (2006), dentre
(2010) englobou em
do PN envolvem, as quais destacam-se:
sete grupos de ativida- tradicionalmente, ações fazer-se presente em
des: garantia da salva- que objetivam dissuadir, portos amigos; exercer
guarda da vida humana ação de presença nas
no mar; segurança da influenciar, coagir, ou AJB; impor sanções
navegação aquaviária; mostrar seu alcance e sua e embargos; cooperar
prevenção e repressão com forças navais es-
da poluição ambiental;
presença trangeiras; e realizar
segurança orgânica das ações humanitárias.
plataformas de petróleo; prevenção e repres- Outro aspecto importante é o fato de
são às “novas ameaças”; garantia da sobera- que existe, nos dias atuais, uma demanda,
nia nacional nas AJB; e segurança da área por parte de organizações multinacionais,
marítima contra o tráfego não autorizado. pelo emprego do PN em operações para a
As tarefas diplomáticas do PN envol- imposição da lei no mar, para o combate ao
vem, tradicionalmente, ações que obje- narcotráfico e à pirataria. Estas atividades
5 Para efeitos deste trabalho, o termo “novas ameaças” engloba o terrorismo, o narcotráfico, o contrabando, a
pirataria no mar e o tráfico de pessoas e armas (MOURA NETO, 2010).

RMB2oT/2014 67
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

podem ser conduzidas fora das AJB, cons- proteção, pois o inimigo deve ser detido, ou
tituindo, neste caso, um exemplo de tarefa dissuadido, o mais longe possível da costa
ao mesmo tempo constabular e diplomática, brasileira. Estas ações devem envolver a
situação esta prevista por Grove. participação de aeronaves da Força Aérea
Apesar da crescente demanda e impor- Brasileira (FAB).
tância das tarefas executadas na paz, não Outra importante tarefa combativa do
se deve perder de vista que o principal PN é a proteção, aproximada ou distante, do
emprego do PN é o combate. tráfego marítimo. Esta é outra tarefa que se
A END apresenta como prioridade inicia em tempos de paz, envolvendo tanto
para uma “estratégia de defesa marítima ações diplomáticas quanto constabulares,
do Brasil” a negação do uso do mar “a mas que encontra nas ações de combate a
qualquer concentração de forças inimigas instância derradeira para garantir o necessá-
que se aproxime do Brasil por via maríti- rio fluxo comercial da economia brasileira.
ma” (BRASIL, 2008). Para efeitos deste Por fim, o PN deve, ainda, contribuir
estudo, esta priorização será observada nos para as ações de guerra na região amazô-
seus termos mais amplos, vislumbrando o nica. Trata-se de prioridade estabelecida na
emprego combativo do Poder Militar para PDN e na END e que encontra nos meios
negar o acesso através do Atlântico Sul navais um vetor imprescindível, dadas
de forças inimigas que ameacem a costa as características hidrográficas da região.
brasileira. Assim, negar o acesso é uma Aplica-se raciocínio semelhante, ainda
tarefa mais ampla que negar o uso do mar. que em menores dimensões, à região do
Neste sentido, a proteção das AJB apre- pantanal mato-grossense.
senta demandas estratégicas que envolvem
uma considerável variedade de sistemas de O PODER NAVAL – PERSPECTIVAS
armas, que devem ser integrados de forma
a complementar seus efeitos bélicos. Esta Nos itens anteriores, foram analisados a
proteção inicia-se, em tempos de paz, com origem e o emprego atual das TBPN, tanto
atividades diplomáticas e constabulares, na MB quanto nas principais Marinhas do
envolve monitoramento e controle cons- mundo. Também, foram identificadas as
tantes das possíveis ameaças e a posterior demandas estratégicas para a proteção da
pronta resposta, com o adequado nível de Amazônia Azul. Agora, serão analisadas as
violência, combinando os vetores subma- tendências futuras, apontadas por especialis-
rinos, de superfície, aéreos ou anfíbios. tas, para o emprego do PN no século XXI.
O conjunto destas atividades deve ter seu
emprego planejado para ocorrer de forma Marinhas modernas e pós-modernas
escalonada em linhas de defesa, aproxima-
da ou afastada, principalmente nas Áreas Dentre as principais tendências que
Vital e Primária6 (MOURA NETO, 2010). norteiam o desenvolvimento do pensa-
No interior das AJB, a patrulha naval mento estratégico com vistas ao emprego
deverá responder pela dupla demanda de do PN no século XXI, destaca-se a visão
fazer o Estado presente, nos tempos de concebida pelo britânico Geoffrey Till.
paz, e de constituir uma última linha de Ela incorpora os efeitos da globalização,

6 As áreas marítimas estratégicas de maior importância para o Poder Naval brasileiro são: Área Vital (Amazônia
Azul), Área Primária (Atlântico Sul), Área Secundária (Mar do Caribe e Pacífico Sul Oriental), e Demais
Áreas do Globo (MOURA NETO, 2010).

68 RMB2oT/2014
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

particularmente do comércio marítimo, mundial, pois, sendo este um dos pilares


sobre a forma de atuação das forças navais. da globalização, garantiriam, assim, a paz
A crescente interdependência econômica e a estabilidade global. Desta forma, os
entre os países, aliada aos custos dos fretes pós-modernistas buscam preparar suas
e às vulnerabilidades do ambiente marinho, Marinhas para a execução de uma gama
tornou ainda mais importante a segurança mais ampla de tarefas diplomáticas e
marítima. Esta segurança é necessária para constabulares: ações de ajuda humanitá-
possibilitar o uso do mar. Segundo esse ria; combate à pirataria e ao narcotráfico;
autor, o homem usa o mar como: fonte de operações expedicionárias de estabiliza-
recursos, meio de transporte e comércio, ção; operações de interdição e segurança
troca de informação e como fonte de poder marítimas; e construção de consenso e
e dominação. Recentemente, juntou-se, cooperação no mar.
pela sua importância, um quinto aspecto: Apesar do título de pós-moderna, a
a preservação do meio ambiente marinho importância da segurança do comércio
(TILL, 2009). marítimo já havia sido prevista por Mahan
Esta forte tendência mundial fez com ao final do século XIX, quando ele sugeriu
que o Geoffrey Till identificasse dois tipos a formação de “consórcios navais” trans-
de Marinhas: as modernas e as pós-moder- nacionais (SUMIDA, 1997). No entanto,
nas. Para chegar a esta denominação, ele após o fim da Guerra Fria, com a redução da
vinculou as Marinhas aos tipos de Estados ênfase dada ao combate no mar, pela falta,
hoje existentes, que, de acordo com a forma talvez, dos antigos e claros antagonismos,
como lidam com os efeitos da globalização, este conceito passou a ocupar lugar de des-
podem ser classificados como: modernos taque crescente nas agendas das principais
ou pós-modernos. Marinhas. A Marinha dos Estados Unidos
Neste sentido, as Marinhas Modernas (USN) em particular, conforme visto,
têm o emprego do seu PN voltado para a tem feito alusão a esta atividade em seus
defesa do Estado e de sua soberania, por recentes documentos doutrinários, como
meio de grandes conflitos no mar contra o forma de conclamar os poderes navais de
PN ou marítimo de outros Estados. Deverá diversos países a constituírem parcerias de
haver um contínuo e crescente foco nas cooperação em prol da segurança marítima.
operações no litoral. Esta classe de Marinha Esta iniciativa norte-americana implica, de
possuirá as seguintes TBPN: Deterrência forma subliminar, que este processo se dará
Nuclear; Controle de Área Marítima, em detrimento da capacidade combativa
nos moldes tradicionais com ênfase no en- das Marinhas, que confiariam esta ativi-
frentamento entre esquadras; Projeção de dade à própria USN (CARTER; PERRY;
Poder Marítimo, em suas versões clássicas STEINBRUNER, 1992; EUA, 2005).
de operações anfíbias e bombardeios navais As Marinhas pós-modernas não
e aeronavais; Manutenção da Boa Ordem contribuirão para deterrência estratégica
no Mar, abrangendo as tarefas constabu- e possuirão as seguintes TBPN: Controle
lares nas águas territoriais; e Consenso de Área Marítima, executado em áreas
Marítimo, mais em termos de arranjos marítimas mais próximas ao litoral, contra
bilaterais do que soluções de cooperação as “novas ameaças” e em proveito de um
global e multilateral (TILL, 2009). mar mais seguro para todos, ao invés de
As Marinhas pós-modernas, por sua um mar controlado por poucos; Operações
vez, buscam proteger o sistema marítimo Expedicionárias, ou manutenção da boa

RMB2oT/2014 69
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

ordem a partir do mar, que se dis-


tinguem das tradicionais Projeções MISSIONS OF THE U.S. NAVY
de Poder sobre Terra (PPT) por
serem mais politizadas e por terem by
o propósito de proteger o sistema Vie Admiral Stansfield Turner, U.S. Naqvy
de comércio marítimo atuando em President, Naval War College
ameaças localizadas em terra; Ma-
nutenção da Boa Ordem no Mar, S
por meio de tarefas constabulares T
R D
SE
A
CO
de combate às “novas ameaças” em A E
T T
NT
RO
L
qualquer área marítima de interesse; E E
G R NAVAL PRESENCE
e Consenso Marítimo, cooperação I R
C E IO
N
CT
JE ER
para a segurança marítima interna- N
R O
C P F PO
W
O
cional articulada por meio de ações E

de Diplomacia Naval (TILL, 2009).


O autor concebe, ainda, que INTERDEPENDENT NAVAL MISSIONS
caberá às Marinhas, no futuro,
Figura 3 – A interdependência das TBPN em sua concepção original
balancear a distribuição de seus Fonte: TURNER, 1974, p. 2 (publicada na parte 1 deste artigo
poderes navais entre os dois polos como figura 1)
de referência para fazer frente a uma
crescente e diversificada gama de tarefas. quente necessidade de garantir a segurança
O quão moderna ou pós-moderna cada Ma- do comércio marítimo internacional.
rinha será e dependerá de condicionantes, De acordo com a sua abordagem, as
como aqueles descritos por Mahan: enga- TBPN no século XXI visariam propiciar
jamento dos governos, posição geográfica, aos Estados “um continuum de orientações
extensão do território, e dimensão e caráter náuticas interconectadas que servissem
da população. Importará também o fato de para lidar com todos os aspectos políticos
o país dispor de guarda costeira, ou se sua de seus interesses marítimos” (KEAR-
Marinha acumula tais funções. Algumas SLEY, 1992, p. 189, tradução nossa).
Marinhas já vêm adotando este modelo
balanceado, como é o caso de Portugal,
com a sua “Marinha de Duplo Uso” (POR-
TUGAL, 2010a; 2010b; MONTEIRO;
MOURINHA, 2011).

O continuun das tarefas básicas do


Poder Naval

Harold J. Kearsley é um acadêmico


canadense, naturalizado norte-americano.
Suas ideias acerca do emprego do PN no sé-
culo XXI destacam a subordinação do mar
em relação à terra e a crescente influência
recíproca entre os dois domínios. Ressalta,
Figura 4 – A roda marítima de output de Kearsley
ainda, o papel da globalização e da conse- Fonte: Kearsley, 1992, p. 192

70 RMB2oT/2014
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

A exemplo das missões interdependen- demais tarefas. A TBPN denominada de


tes concebidas pelo Almirante Turner Armadilhas Marítimas (Sea Tripwire)
(figura 3), a ideia de um continuum de constitui uma opção de emprego de força,
tarefas interconectadas visava salientar normalmente adotada por poderes navais
que nenhuma TBPN pode ser executada mais fracos contra oponentes mais pode-
isoladamente. Assim, Kearsley dispôs sua rosos, valendo-se da percepção de que os
concepção de TBPN em formato circular, custos de um enfrentamento seriam eleva-
representando uma roda, conforme se vis- dos apesar da desproporção de forças. Por
lumbra na figura 4, para tornar claro que, fim, a Projeção de Poder Naval terá um
partindo-se dos meios navais disponíveis emprego ainda maior, pois, além das tradi-
em uma determinada Marinha (Naval cionais projeções ofensivas, passará a haver
Hardware, o centro da roda) e cumprindo uma demanda por projeções que visem
as tarefas elencadas (perímetro), produzir- defender o interesse nacional (humanitário
se-ia um único produto (output): Poder ou econômico) em outros litorais. Este
Naval. caráter de coerção por meio da projeção
A primeira TBPN da roda é a Diploma- indica que esta TBPN se interliga com a
cia Marítima, considerada um instrumento de Diplomacia Marítima, fechando o ciclo
político-militar vital, e cujo emprego será e estabelecendo o continuum preconizado.
amplificado. A missão de Manutenção de
Domínio, que visa preservar a soberania e Estratégias antiacesso
a boa ordem nas águas jurisdicionais dos
países, tenderá a ser uma das principais Além das duas tendências acima assi-
TBPN para todas as Marinhas. A Presen- naladas, a bibliografia consultada7 apontou
ça Marítima complementará os efeitos uma terceira, não conflitante com as ante-
psicológicos das duas anteriores, sendo riores, mas que se mostra particularmente
empregada tanto interna como internacio- apropriada à adoção por países que possu-
nalmente. Apresentando um aspecto mais am a demanda estratégica de proteção do
físico do continuum, o Controle e Negação seu litoral de ameaças pelo mar. Estes casos
do Mar continuará a desempenhar um indicam a necessidade de projetar estraté-
papel relevante para o exercício, positivo gias antiacesso, que são, em boa medida,
ou negativo, do controle de determinado corolários da doutrina da guerra costeira.
espaço marítimo, que viabilize a consecu- A USN está estudando o assunto em
ção de atividades cada vez mais variadas. A suas duas vertentes: defesa e ataque. A
Deterrência Náutica será respaldada pela forma defensiva coordena suas Forças
clara sinalização dos Estados com relação Armadas (FA) e agências governamentais
à vontade e à motivação para executar as para proteger seu território de ameaças

7 Além da nova doutrina básica da USN (EUA, 2010a), do livro Seapower (TILL, 2009), da Doutrina Marítima
Australiana (AUSTRALIA, 2010) e da Estratégia da Marinha Canadense (CANADA, 2001), as seguintes
publicações norte-americanas consultadas fazem alusões a estratégias antiacesso: Naval Operations Con-
cept (NOC 2010): implementing the maritime strategy (EUA, 2010b); The National Military Strategy of the
United States of America: redefining America’s military leadership (EUA, 2011b); The National Strategy
for Marttime Security (EUA, 2005); AirSea Battle: a point-of-departure operational concept (TOL, et al,
2010); e Joint Publication (Draft) – Joint Operational Access Concept (EUA, 2011a). Cabe ainda registrar
que as doutrinas das seguintes Marinhas definem a Defesa de Costa, executada com a disposição de sistemas
de armas em camadas, como uma TBPN ou operação de vulto: África do Sul, Austrália, Chile, Coreia do
Sul, França, Índia e Rússia.

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

pelo mar (Homeland Defense) (EUA, retardar o acesso inimigo ao Teatro de Ope-
2007a). Por sua vez, a vertente de ataque rações. A “negação de área” visa degradar a
prevê ações ofensivas de “entrada forçada”8 eficácia operacional, ou a liberdade de ação,
como forma de garantir acesso operacional do inimigo dentro do teatro (EUA, 2011a).
em suas áreas de interesse, a despeito de Pode-se citar como capacidades an-
estratégias antiacesso de seus potenciais tiacesso: mísseis balísticos e de cruzeiro,
oponentes (EUA, 2011a; TOL, et al, 2010). lançados do ar, da superfície ou de sub-
As capacidades Antiaccess – Area marinos; sistemas de vigilância e reco-
Denial (A2/AD) têm crescido não apenas nhecimento de longo alcance; submarinos
devido a aspectos vinculados ao desenvol- nucleares; e sistemas de ataque cibernético
vimento tecnológico, mas também pelo uso e espacial. As capacidades de negação de
inovador de armas e táticas convencionais. área são: forças navais, aéreas e terrestres
As atuais estratégias antiacesso preveem integradas; sistemas de defesa antiaérea;
o emprego de armas combinadas9 das FA mísseis antinavio de médio e curto alcance,
do país, dispostas em camadas de forma a lançados do ar, mar ou terra; submarinos
conferir profundidade à defesa e de acordo a diesel; munições inteligentes; sistemas
com os conceitos de A2/AD. No conceito de guerra eletrônica; e lanchas de ataque
de “antiacesso”, as FA buscam impedir ou (EUA, 2010a).

Figura 5 – Capacidades antiacesso e de negação de área em uma defesa integrada. A capacidade antiacesso abrange,
do mais distante para o mais próximo da costa a ser defendida: ataques não convencionais aos locais de apoio
ao embarque, emprego e manutenção de forças em combate; ataques cibernéticos e espaciais às redes e sistemas
de apoio ao embarque, emprego e manutenção destas forças; mísseis balísticos de teatro e submarinos; mísseis
balísticos antinavio e navios de superfície; mísseis de cruzeiro antinavio e aeronaves de asa fixa; e embarcações de
ataque, mísseis superfície-ar, aeronaves de asa rotativa, e sistema de veículos aéreos não tripulados. As camadas
da capacidade de negação de área se superpõem às duas últimas da de antiacesso; ao todo a capacidade de negação
de área possui as seguintes camadas: mísseis de cruzeiro antinavio e aeronaves de asa fixa; embarcações de ataque,
mísseis superfície-ar, aeronaves de asa rotativa, e sistema de veículos aéreos não tripulados; e artilharia, morteiros,
foguetes guiados e mísseis, unidades terrestres de manobra e artilharia antiaérea. Fonte: EUA, 2011a, p. 9

8 As operações de “entrada forçada” visam à conquista e manutenção de uma área em face de oposição armada
(EUA, 2010b).
9 O conceito de armas combinadas busca maximizar o poder de combate por meio da completa integração das
armas, de modo que, quando o inimigo tente reagir aos efeitos de uma delas, ele se torne mais vulnerável
à outra. Visa-se confrontar o inimigo não apenas com um problema, mas com um dilema de difícil decisão
(EUA, 1997).

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Figura 6 – Sistema de defesa em camadas. A escala de cores (do amarelo para o vermelho) indica a intensificação
do poder de combate à medida que uma força adversa se aproxima do núcleo da defesa. No círculo mais afastado
estão as forças de operações especiais e de ataque cibernético. No próximo círculo estão os mísseis balísticos de
teatros e intercontinentais e os submarinos. Nos dois círculos que se seguem estão os mísseis antinavio balísticos e
de cruzeiro e os submarinos. No quinto círculo estão artilharia de costa com munições guiadas de precisão, aviação,
mísseis antinavio de cruzeiro e mísseis superfície-ar. O último círculo dispõe de minas, pequenas embarcações e
artilharia antiaérea. Fonte: EUA, 2010c, p. 7

As figuras 5 e 6 apresentam graficamente costa e o alcance e efeito das armas dos


um sistema A2/AD de defesa de costa em meios navais, aéreos e terrestres disponí-
camadas. Nota-se que a camada mais distan- veis, para que, à medida que o adversário
te, a que primeiro interfere com o inimigo, é se aproximar do núcleo, a resistência ao seu
aquela relacionada aos sistemas cibernéticos avanço se torne maior. Os mísseis antinavio
e espaciais. Na realidade, esta camada ultra- e antiaéreo (lançados do mar, da terra ou
passa as três dimensões convencionais (Mar, do ar), as munições guiadas com precisão,
Terra e Ar), pois atua em uma quarta dimen- os navios de superfície e os submarinos
são estratégica – o outerspace10 – que inter- convencionais ocupam um papel de desta-
fere com as demais e viabiliza o Comando que neste dispositivo (HUGHES Jr., 2000).
e Controle de qualquer emprego de força e a A preocupação em garantir o acesso
necessária busca, coleta, avaliação, análise, operacional em áreas de interesse que
integração e disseminação de informações tenham desenvolvido estratégias A2/AD
(REIS, 2010). Nesta camada, a estratégia de fez com que se desenvolvesse nos EUA
A2/AD prevê o emprego de satélites para o conceito AirSea Battle, que prevê o uso
a tomada de consciência situacional e de integrado da USN e da Força Aérea Norte-
sistemas de ataque cibernético e espacial, Americana (VEGO, 2011). Para viabilizar
que degradem a capacidade oponente de este estudo, considerou-se a hipótese de que
combate, como um todo, e de Comando e suas FA tenham que executar uma operação
Controle, em particular. de “entrada forçada” na China (TOL et al,
Nas camadas que se seguem, o planeja- 2010, p. 17-48). Neste contexto, formulou-
dor coordena o emprego de seus sistemas se um quadro em que a China disporia do
de armas, combinando a geografia de sua dispositivo A2/AD apresentado na figura 7.

10 Segundo o Almirante Reis, o termo outerspace poderia ser traduzido como “espaço cósmico”, mas esta ex-
pressão “não revela os meandros do termo” que foi incorporado pelo tratado de 1967 (Outerspace Treaty) e
cujas atividades “têm dado margem a uma série de avanços” tecnológicos de uso civil e militar (REIS, 2010).

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Figura 7 – Sistema antiacesso e negação de área da China. Percebe-se o emprego combinado de satélites, mísseis
lançados de terra, mar e ar, submarinos e aeronaves. A variação de cor, do laranja (mais distante da costa) para o
vermelho (mais próximo), indica que a intensidade da resistência deve crescer à medida que a ameaça se aproxima
da costa. No círculo mais afastado, nota-se o alcance dos SSN da classe Shang com mísseis YJ-82, satélites de
pesquisa oceânica, baterias de mísseis superfície-superfície (CSS-5) e mísseis balísticos antinavio Dong Feng
(DF-21). Numa segunda linha de defesa, notam-se submarinos convencionais da classe Kilo e Song com mísseis
SS-N-27, destróieres da classe Sovremenny com mísseis SS-N-22, aeronaves Sukhoi SU-30 e Xian H-6, com mísseis
HY-4A e AS-18, e baterias de mísseis superfície-superfície (CSS-6) e mísseis balísticos antinavio (DF-15). O
círculo interno de defesa é coberto pelas mesmas baterias de mísseis (CSS-6, DF-15 e SS-N-27), por lanchas de
ataque rápidas com mísseis SS-N-22 e por radares de alcance além do horizonte. Fonte: TOL, 2010, p. 10

A PROTEÇÃO DA AMAZÔNIA às demandas estratégicas identificadas e,


AZUL – PERSPECTIVAS se for o caso, se deverão ser formuladas as
atualizações das TBPN para que capacitem
Os itens anteriores apresentaram um es- o PN brasileiro a proteger a Amazônia Azul
tudo sobre as origens e o emprego atual das no século XXI.
TBPN pela MB e pelas principais Marinhas
do mundo, a identificação das demandas es- A doutrina precisa mudar?
tratégicas da Amazônia Azul e a análise das
tendências futuras para o emprego dos PN. Neste subitem, será apresentada a
Considerando estes subsídios, verificar-se-á resposta para o seguinte questionamento:
agora se as atuais TBPN, previstas na dou- é necessário mudar as atuais TBPN para
trina em vigor, são adequadas para atender proteger a Amazônia Azul no século XXI?

74 RMB2oT/2014
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

A resposta buscará integrar as obser- de marítima, culminando com a própria


vações trazidas acerca da origem e do formulação do conceito de Amazônia
desenvolvimento das atuais TBPN da MB Azul. Este processo veio conferir uma
e de outras Marinhas, com as demandas identidade estratégica a uma Marinha que,
estratégicas das AJB e as perspectivas recentemente (década de 1970), havia se
identificadas para o futuro emprego do PN. tornado independente de ditames opera-
Inicialmente, cumpre destacar o caráter cionais exógenos, com ênfase na guerra
evolutivo das doutrinas. No entender de antissubmarino da USN. Apesar da pro-
Geoffrey Till, “as circunstâncias estão funda mudança de postura estratégica, não
sempre mudando, o que significa que a houve a respectiva alteração na taxonomia
doutrina precisa ser versátil e adaptável e das TBPN.
tem que ser constantemente revista e de- Por outro lado, o estudo realizado indi-
senvolvida” (TILL, 2009, p. 47, tradução ca que as TBPN não possuem um caráter
nossa). Mahan, Corbett, Turner e a dou- universal e que cada Marinha estrangeira
trina marítima da Real Marinha Britânica estudada busca adaptar as duas principais
(RMB) também frisam a importância desta fontes de referência neste assunto – as
atualização. Conforme visto, as TBPN da missões da USN concebidas pelo Almirante
MB, quando de sua Turner e o triângulo do
formulação, na Dou- uso do mar de Booth e
trina Básica da Mari- A virada do século foi Grove – às demandas
nha (DBM) de 1979, marcada, para a MB, pela estratégicas do seu país.
guardavam uma con- retomada da mentalidade Outro fator favorá-
siderável semelhança vel à atualização das
com as missões da marítima, culminando com TBPN diz respeito à
USN, formuladas pela a própria formulação do interdependência das
primeira vez em 1974. TBPN. Cabe relembrar
Embora as primeiras conceito de Amazônia Azul que uma das principais
três versões da DBM razões que levaram o
contenham um item que recomendava, Almirante Turner a conceber as missões
explicitamente, sua atualização periódica, da USN foi a atrofia operacional de parcela
o seu texto pouco se alterou, e as TBPN, das forças navais norte-americanas, devido
em particular, não sofreram modificações ao predomínio do emprego de submarinos
até hoje. Neste mesmo período, as missões nucleares em proveito da Deterrência
da USN já foram alteradas 13 vezes. Duas Estratégica. Foi com o intuito de destacar
principais razões poderiam ter contribuído a importância das demais forças navais e
para este imobilismo doutrinário: a não de balancear sua Marinha que o almirante
ocorrência de mudança no contexto estraté- elencou as missões e as representou gra-
gico da MB que demandasse uma evolução ficamente com setas superpostas (figura
das TBPN; ou o fato de atribuir um caráter 3). Buscava, assim, indicar que as mis-
universal às TBPN, considerando que elas sões eram igualmente importantes e que
permaneceriam sempre as mesmas para to- elas deveriam interagir entre si de forma
das as Marinhas, e sob quaisquer condições complementar. Na MB, a ideia da interde-
estratégicas. pendência não foi transposta para a DBM.
Ora, a virada do século foi marcada, Embora a leitura de todas as versões da
para a MB, pela retomada da mentalida- doutrina permita subentender que os efeitos

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

desejados das TBPN são complementares, A análise desses fatos, tanto os passa-
este conceito não foi acolhido. Ao contrá- dos quanto os atuais, indica que já haveria
rio, com o passar do tempo, formaram-se motivo suficiente para alguma atualização
nichos operacionais relacionados a cada das TBPN. Passa-se agora, no entanto, a
uma das TBPN (Controle de Área Ma- observar as necessidades de mudança sob
rítima – CAM e navios aeródromos e de a perspectiva das tendências para o futuro
superfície; Negação do Uso do Mar – NUM emprego do PN.
e submarinos; e PPT e fuzileiros navais), Uma das tendências identificadas é a
devido a uma interpretação segundo a qual do balanceamento do perfil do PN entre
as tarefas são estanques e cumpridas por os conceitos de Marinha moderna e pós-
meios navais dedicados. Este conceito de moderna. Por esta classificação, a leitura
interdependência das TBPN também está da DBM permite categorizar a MB como
inserido nas teorias uma Marinha moder-
de Booth e Grove, e na, pois suas TBPN
na doutrina marítima A MB precisa atualizar enfatizam o emprego
da RMB e de outras
Marinhas, como as da
suas TBPN para adaptar-se bélico do Poder Naval.
Na prática, no entanto,
África do Sul, Aus- às demandas do futuro. a MB já desempenha
trália, Canadá, Chile, A formulação de tarefas típicas de Ma-
Índia e Portugal. rinhas pós-modernas
Outro aspecto re- recomendações que possam (segurança marítima,
levante diz respei- balizar a atualização das missões diplomáticas,
to ao fato de que a
prioridade atribuída
TBPN deve buscar atender de combate às novas
ameaças, de Autoridade
à defesa da região à necessidade de capacitar Marítima, operações
amazônica, tanto na o PN brasileiro a proteger a expedicionárias e de
PDN quanto na END, manutenção da boa or-
não está devidamente Amazônia Azul dem no mar), sem, no
respaldada pela DBM, entanto, denominá-las
que apenas prevê a atuação da MB nesta de TBPN, como sugere Geoffrey Till e
região por meio da execução de Operações como é o caso nas demais Marinhas es-
Ribeirinhas, no contexto das Operações tudadas. Segundo este autor, haverá uma
em Teatros Não Marítimos e de ações de tendência a aumentar a demanda pelo em-
Autoridade Marítima. Considerando-se prego do PN em atividades que garantam a
que é crucial proteger e atuar na Amazô- segurança do sistema de comércio marítimo
nia, talvez fosse interessante caracterizar internacional.
este tipo de emprego tão específico, em A outra tendência consiste em conside-
termos de meios navais e doutrina, como rar as TBPN como um conjunto integrado
uma Tarefa Básica. Conforme visto, a de tarefas interdependentes que formam
classificação do emprego do PN em ou- um continuum. Este conjunto abrange,
tputs, como as TBPN, serve não apenas além das tarefas concebidas pelo Almi-
para padronizar a doutrina para o público rante Turner (CAM, PPT, Presença Naval
interno, mas também para justificar, jun- e Deterrência Estratégica), a Diplomacia
to ao governo e à população em geral, o Marítima, a Manutenção de Domínio e a
emprego das Marinhas. Armadilha Marítima. Estas TBPN englo-

76 RMB2oT/2014
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

bam um amplo espectro que inclui tarefas deve buscar atender, em primeiro plano, à
de combate, diplomáticas e constabulares, necessidade de capacitar o PN brasileiro a
representando o perfil que as Marinhas proteger a Amazônia Azul. No entanto, ou-
devem apresentar no futuro. tras demandas estratégicas dizem respeito
Além destes indícios de que a MB à atuação da MB na região amazônica e ao
precisa atualizar suas TBPN para adaptar- seu emprego como Autoridade Marítima.
se às demandas do futuro, vale salientar Com relação à defesa das AJB, este
que esta necessidade de mudança tem trabalho baseou-se na prioridade estabele-
sido apontada por representantes de cida pela END para a MB, de “negar o uso
alto nível da administração naval. No do mar a qualquer concentração de forças
Seminário Amazônia Azul, ocorrido inimigas que se aproxime do Brasil por via
em outubro de 2010 na Escola Naval, marítima” (BRASIL, 2008). Esta tarefa
o então comandante-geral do Corpo de estratégica foi compreendida em termos
Fuzileiros Navais, Almirante de Esquadra amplos, extrapolando a mera execução da
(FN) Alvaro Augusto Dias Monteiro, e o TBPN de NUM, pois, para que a Marinha
então Vice-Almirante Elis Treidler Öberg cumpra o estabelecido na END, no sentido
expuseram sugestões de atualização das de articular a “estratégia de defesa marítima
TBPN. O Almirante Monteiro (2010b) do Brasil” (BRASIL, 2008), precisa ser
apresentou um diagrama onde destacava planejado um conjunto de outras atividades.
a interdependência necessária das TBPN Além disso, esta estratégia de defesa
e a centralidade do CAM e acrescentava marítima deve estar alinhada com as prin-
as tarefas de Diplomacia Naval e de Se- cipais tendências de evolução do emprego
gurança Marítima. O Almirante Öberg do PN, particularmente com o conceito de
(2010), por sua vez, buscou salientar a A2/AD. Assim, deve espelhar o que alguns
interdependência das tarefas apresentando estrategistas têm denominado de estratégia
uma proposta baseada nos dois triângulos antiacesso.
do uso do mar de Grove, com a seguinte Conforme visto, a A2/AD implica proje-
alteração: substituição da função consta- tar uma defesa do litoral, disposta em cama-
bular por “fiscalizador da soberania”. das sucessivas, em que diferentes sistemas
Por fim, pode-se concluir que existe mo- de armas interdependentes combinam seus
tivação suficiente para uma atualização das efeitos e alcances, de forma a enrijecer a de-
TBPN. Assim, o próximo tópico formulará fesa, à medida que o adversário se aproxima
um novo conjunto de Tarefas Básicas que da costa. Este conceito se alinha e amplia o
atenda às demandas especificadas. Este de defesa aproximada, afastada e aleatória
processo de formulação, no entanto, levará (MOURA NETO, 2010).
em consideração o caráter tradicionalmente As camadas apresentadas a seguir (fi-
conservador da DBM e o fato de as atuais gura 8), assim como suas análises, servirão
TBPN já estarem, há muito, arraigadas no de linha mestra para a formulação de um
conhecimento coletivo da MB. novo conjunto de TBPN para a MB. Neste
processo, as atuais TBPN serão validadas,
Tarefas básicas do Poder Naval no ou alteradas, ou ainda, se for o caso, novas
século XXI tarefas serão formuladas.
A primeira camada a ser considerada é
A formulação de recomendações que a diplomática. Seu alcance deve ser amplo,
possam balizar a atualização das TBPN mas deve ter seu foco voltado para o entor-

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Figura 8 – Esboço de um sistema de defesa em camadas do litoral brasileiro


1a Camada – TBPN: Presença Naval (construção de parcerias, mostrar bandeira), Projeção de Poder sobre Terra
(Ajuda Humanitária, Operações de Paz) e Segurança Marítima (Combate às Novas Ameaças, como a pirataria
e narcotráfico)
2a Camada – TBPN: Consciência Situacional Marítima
3a Camada – TBPN: Negação do Uso do Mar (emprego de submarinos) e Projeção de Poder sobre Terra (negação
do uso de ilhas oceânicas)
4a Camada – TBPN: Controle de Área Marítima (“a mais eficiente defesa que poderá ser articulada contra a
projeção do poder inimigo por mar” – BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3) e Projeção de Poder Sobre Terra (“controle de
ilhas oceânicas e de áreas terrestres que controlam áreas de trânsito ou onde estão localizadas as bases inimigas” –
BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3). Esta camada protege as “duas áreas do litoral [que] continuarão a merecer atenção
especial, do ponto de vista da necessidade de controlar o acesso marítimo ao Brasil: a faixa que vai de Santos a
Vitória e a área em torno da foz do Rio Amazonas” (BRASIL, 2008, p. 12)
5a Camada – TBPN: Controle de Área Marítima e Segurança Marítima

no estratégico brasileiro e, particularmente, lento, que envolve atividades a serem de-


para a Área Primária11. Neste espaço, que senvolvidas desde os tempos de paz, com
abrange os países lindeiros ao Atlântico um propósito deliberado de fortalecer a
Sul, aí incluídos os da África Atlântica, confiança mútua e conferir “credibilidade
a Marinha deve continuar a desenvolver à presença do Poder Naval no Atlântico
laços de cooperação com Marinhas amigas. Sul” (MONTEIRO, 2010a). O exemplo
A construção de parcerias é um processo mais marcante é o da Cooperação Naval

11 A Área Primária, uma área marítima estratégica para a MB, “é a região abrangida pelo Atlântico Sul, onde o
esforço da Marinha é fundamental, por envolver questões essenciais de interesse nacional” (MOURA NETO,
2010). O Atlântico Sul que caracteriza a Área Primária abrange, conforme definido anteriormente, os países
lindeiros a este oceano, tanto os da margem leste da América do Sul quanto os da margem oeste da África.

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Brasil-Namíbia, além das tradicionais possibilitando a tomada de consciência


ações de mostra de bandeira e intercâmbios situacional marítima13.
operacionais ou de ensino. O conhecimento e a compreensão do que
Outras possibilidades, alinhadas com as ocorre na Área Primária, seja em termos
tendências apontadas por Till e Kearsley, de clima e meteorologia ou de ameaças à
consistem em participar no combate às segurança marítima ou à defesa do litoral,
novas ameaças e intensificar o emprego de permitem que o PN brasileiro exerça con-
tropas expedicionárias em resposta a crises trole e influencie eventos neste ambiente.
ou a desastres ambientais que venham a Em termos de defesa de costa, o Maritime
ocorrer em países da Área Primária. Neste Domain Awareness (MDA), ao possibilitar
contexto, o emprego do Conjugado Anfí- o monitoramento e a identificação de pos-
bio12 representa uma ferramenta diplomá- síveis ameaças o mais afastado possível
tica valiosa. As características de pronto do litoral brasileiro, confere profundidade
emprego, flexibilidade, versatilidade e a todo o sistema defensivo.
permanência dos Fuzileiros Navais e dos A forma e a estrutura visualizadas para
navios anfíbios podem contribuir para a a implementação do MDA são semelhantes
consolidação da influência do PN brasileiro às do Sistema de Gerenciamento da Ama-
no Atlântico Sul. zônia Azul (SisGAAz) (ÖBERG, 2010),
Todo este importante conjunto de com a ressalva de que seu alcance deve
atividades diplomáticas recebe variadas ser ampliado, pois tudo o que ocorrer na
denominações, dependendo do autor ou da Área Primária deve ser do interesse da MB,
Marinha em questão, embora, para efeitos principalmente em momentos de crise ou de
deste estudo, seja adotada a terminologia conflito. A arquitetura deste sistema deve
de “Presença Naval”. possibilitar a execução completa do ciclo
A escolha deste título para esta TBPN de obtenção, análise de dados e produção e
prende-se a algumas razões. Esta atividade disseminação de conhecimentos. Para tanto,
é mencionada desde a primeira DBM, sen- o sistema deve estar tecnicamente capacita-
do, portanto, uma terminologia já adotada do a compartilhar informações com outros
e compreendida na MB. Diversas Mari- órgãos e agências, governamentais ou não.
nhas estudadas (África do Sul, Austrália, A eficiência do sistema dependerá também
Canadá, EUA, Índia, Portugal e Rússia) da capacidade de intercâmbio de conheci-
empregam esta denominação. Além disso, mentos com outros países, particularmente
trata-se de uma das missões originais con- com os que compartilham interesses no
cebidas pelo Almirante Turner para a USN. Atlântico Sul. Para viabilizar essa interação
A segunda camada defensiva é a ci- com outros países, torna-se necessário cons-
bernética e espacial. Uma camada que truir um elo de confiança mútua com eles,
materializa a quarta dimensão estratégica, o que deve ocorrer por meio das atividades
a ser ativada desde os tempos de paz, e que englobadas pela Tarefa Básica de Presença
deve alcançar os limites do Atlântico Sul, Naval, acima comentada.

12 Segundo o Glossário das FA, o Conjugado Anfíbio é o “conjunto de meios navais, aeronavais e de fuzileiros
navais prontos para cumprir missões relacionadas à projeção do poder sobre terra” (BRASIL, 2007b).
13 O conceito de consciência situacional marítima está vinculado ao de Maritime Domain Awareness (MDA),
que, segundo o Naval Operations Concept: Implementing The Maritime Strategy, pode ser compreendido
como “o entendimento eficaz de qualquer coisa associada ao domínio marítimo que possa impactar a defesa,
a segurança, a economia ou o ambiente estratégico de uma nação” (EUA, 2010b, p. 15, tradução nossa).

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Nesta camada defensiva, além do trato Apesar destas ressalvas, a NUM, na dou-
do conhecimento, devem ser realçadas pre- trina da MB, encontra-se já completamente
ocupações relativas à defesa física e lógica estabelecida, com táticas e detalhamento
dos sistemas cibernéticos e espaciais. O doutrinário bastante arraigados, razão pela
domínio desta dimensão estratégica possi- qual optou-se por conservá-la como uma
bilita, ainda, o emprego ofensivo, buscando TBPN válida para o século XXI.
degradar o poder de combate oponente, e No entanto, torna-se necessário fle-
interferindo na capacidade deste de coman- xibilizar sua compreensão, ampliando o
dar e controlar suas forças e armas e seus espectro de ações que contribuem para a
equipamentos. Nas palavras do Almirante NUM e, no sentido inverso, que podem ser
Reis (2010), “a Amazônia Azul requer complementados por ela. Assim a NUM
muito da Quarta Dimensão Estratégica pode contribuir para o CAM e para a PPT
para ser conservada como patrimônio da e vice-versa, representando a interdepen-
sociedade brasileira”. dência vislumbrada pelo Almirante Turner.
A camada defensiva que se segue, na Neste contexto, insere-se o emprego de
teoria, seria palco da ação de submarinos forças anfíbias para negar o uso de ilhas
de propulsão nuclear, de aeronaves de oceânicas como bases para forças navais
longo alcance e de mísseis balísticos, ou adversas. Esta ação já se encontra prevista
de cruzeiro, antinavio (lançados do mar, do na DBM em vigor (2004): “Para a conse-
ar ou da terra). A conjugação dessas armas cução dessa tarefa [NUM], deve-se visar
visaria negar o acesso marítimo de adver- à destruição ou neutralização das forças
sários que tencionassem se aproximar da navais inimigas e ao ataque [...] aos pontos
costa. No caso brasileiro, segundo a END, de apoio”.
existe apenas a previsão de emprego de Prosseguindo na análise do sistema de
submarinos cumprindo a Tarefa Básica de defesa da costa, identifica-se que a próxima
Negação do Uso do Mar. No futuro, talvez camada deve ser centrada e envolver duas
os demais sistemas de armas possam vir a áreas do litoral brasileiro: a faixa que vai
ser contemplados e desenvolvidos com esta de Santos a Vitória e a área em torno da
orientação estratégica. foz do Rio Amazonas. Estas áreas foram
O estudo realizado, tanto dos conceitos definidas pela END. Formam-se aí, então,
básicos quanto das teorias dos principais duas camadas não concêntricas e de mesmo
estrategistas navais do passado e do pre- nível de proteção, centradas nestas áreas e
sente e, ainda, das doutrinas marítimas com alcance coerente com os sistemas de
de diversos países, indica que a NUM é armas disponíveis. Na teoria, empregar-
indissociável do CAM, sendo, apenas, se-iam, de forma conjunta, forças navais,
uma tarefa na qual se observa um grau aéreas e terrestres, com mísseis, munições
de controle menor, exercida em alguma guiadas e aeronaves de ataque, alguns dos
frente marítima do Teatro de Operações quais baseados em terra. Forças anfíbias
onde não se pretenda, ou não se necessite, poderiam ser empregadas para obter o con-
obter seu pleno controle. Além disso, a trole de ilhas oceânicas ou para “a conquista
análise da evolução da Jeune École, onde de áreas terrestres que controlam áreas de
se encontra a raiz da NUM, denuncia o trânsito ou onde estão localizadas as bases
risco que a ênfase na construção de meios inimigas” (BRASIL, 2004). Na prática,
navais dedicados a este fim representa para existe a previsão apenas de emprego de
o necessário balanceamento do PN. meios navais e de aeronaves da Força Aérea

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Brasileira para vigilância. Os meios navais a NUM. Além disto, cabe ressaltar o fato
exerceriam o Controle de Área Marítima, de que os meios navais, aeronavais e de
uma ação mais positiva e forte que a NUM fuzileiros navais empregados no CAM são
da camada anterior. os mesmos, e a conduta tática é semelhante
Desde a primeira DBM, e em todas as às empregadas em outras atividades, como
demais versões, a importância do CAM as policiais, diplomáticas e de Autoridade
para a proteção do litoral brasileiro foi des- Marítima.
tacada em termos praticamente idênticos A END contraria uma tendência unâ-
àqueles apresentados a seguir, e retirados nime observada no espectro bibliográfico
de sua última versão: consultado, ao priorizar a NUM em detri-
No quarto efeito desejado [impedimento mento do CAM. Cabe lembrar que, dentre
ao inimigo do uso de área marítima para as 13 Marinhas investigadas, apenas quatro
projetar seu poder sobre território ou (África do Sul, Austrália, Brasil e Cana-
área que se deseja proteger], destaca- dá) colocam a NUM como uma tarefa ou
se a importância do controle da área missão apartada do CAM. Todas as outras
marítima lindeira Marinhas, assim como
ao território que os estrategistas con-
se deseja proteger, A END contraria uma sultados, não se refe-
como, por exem- rem à NUM como uma
plo, a defesa contra tendência unânime TBPN, pois apenas a
invasão e ataques observada no espectro consideram como parte
procedentes do
mar. Efetivamente,
bibliográfico consultado, integrante do CAM, ou
como o efeito negativo
esse controle é a ao priorizar a NUM em e inverso deste controle.
mais eficiente de- detrimento do CAM Uma última camada
fesa que poderá ser defensiva prevista na
articulada contra teoria envolveria o em-
a projeção do poder inimigo por mar prego de lanchas de ataque com lançadores
(BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3). de mísseis antinavio e de baterias de mís-
seis, antinavios e antiaéreos, lançados de
Um ponto que merece destaque com terra. O Plano de Articulação e Equipagem
relação ao CAM consiste no fato de que a da Marinha do Brasil prevê a aquisição de
pesquisa realizada nas doutrinas de outras um modelo de lancha de combate utilizado
Marinhas, assim como nas teorias dos prin- por algumas Marinhas na defesa de costa.
cipais pensadores da guerra do mar, indica No entanto, neste plano, a finalidade desta
o papel central desta TBPN em relação às lancha consiste no emprego em ambiente
demais. Apesar de o CAM não ser um fim ribeirinho, e não na defesa de costa. Assim,
em si mesmo, ele constitui uma ferramenta na prática, as ações defensivas nesta cama-
flexível, em relação ao grau de exercício do da seriam cumpridas pelos navios distritais
controle, e versátil em termos de finalidade, que atuam na defesa aproximada.
o que possibilita a consecução das outras A TBPN de Projeção de Poder sobre
TBPN e de outras atividades de interesse Terra continuará a ser um instrumento
do PN. Da mesma forma, no conceito da fundamental para o fortalecimento do
interdependência das Tarefas Básicas, o PN brasileiro. Observa-se uma demanda
CAM pode contribuir para a PPT e para crescente pelo emprego de forças expe-

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

dicionárias, como o Corpo de Fuzileiros denominação de “Contribuir para a Dissu-


Navais. A versatilidade do Conjugado An- asão Estratégica”, uma tarefa vinculada ao
fíbio permite que ele contribua para outras emprego de mísseis nucleares. Apesar da
TBPN, em consonância com o caráter de nomenclatura e deste vínculo conceitual
interdependência destas tarefas. Sua verten- com as armas nucleares, a doutrina de então
te mais combativa pode ser explorada em explicava a existência de uma “dissuasão
ações em ilhas oceânicas, ou em pontos de naval clássica”, que poderia ser concreti-
importância operativa, que contribuam para zada pela “existência de um Poder Naval
o CAM, ou a NUM, conforme já havia sido adequado, que inspire credibilidade quanto
preconizado na DBM14. ao seu emprego” (1979a).
Por outro lado, forças anfíbias expedi- A quarta edição da DBM (1997) alterou
cionárias têm sido cada vez mais projetadas a denominação desta TBPN, excluindo a
em terra para mitigar crises, para engajar-se expressão “estratégica”. Na edição da DBM
em problemas regionais, aliviar os efeitos de 2004, foi acrescentado o conceito que
de desastres nacionais ou combater novas vincula esta Tarefa Básica às outras três, in-
ameaças. Em um exemplo nítido do con- dicando que ela é o resultado da capacidade
tinuum das Tarefas Básicas, estes casos de se concretizar o CAM, a PPT e a NUM.
exemplificam a relação existente entre a Desta forma, ela consiste, na verdade, em
PPT e ações diplomáticas de Presença Na- um efeito desejado, obtido pelas ações
val e de Segurança Marítima internacional. empreendidas por meio de outras TBPN.
Assim, a importância desta TBPN deve- Além da falta de objetividade desta
rá ser ampliada no século XXI, constituindo TBPN, tão necessária para uma adequada
uma peça central tanto para as Marinhas tradução em atividades operacionais ou
de perfil moderno quanto para as de perfil táticas a serem executadas pelas forças
pós-moderno. No tocante ao caso particular navais, ela é redundante com a estratégia
da MB, a PPT exercerá um papel de desta- da Dissuasão15, prevista na Doutrina Militar
que na “proteção da Amazônia Azul, pois de Defesa (2007c).
contribuirá para conferir credibilidade à Outra constatação interessante é a de que
presença do Poder Naval no Atlântico Sul, apenas Marinhas com armamento nuclear
seus contornos e ilhas oceânicas” (MON- (à exceção da Marinha da Coreia do Sul)
TEIRO, 2010a, p. 31). colocam a deterrência (estratégica ou não)
A quarta TBPN atualmente existente na como uma TBPN.
DBM é a de Contribuir para a Dissuasão. Por estas razões, sugere-se deixar de
Esta TBPN surgiu na MB por ocasião da considerar a Contribuição para Dissuasão
primeira DBM (1979a), quando possuía a como uma TBPN, vez que seu conceito

14 Segundo a DBM, o CAM envolve a execução de operações que visem, dentre outros objetivos, ao “ataque às
forças inimigas em suas bases e à conquista de áreas terrestres que controlam áreas de trânsito ou onde estão
localizadas as bases inimigas”, como as ilhas oceânicas do Atlântico Sul. Para a consecução da tarefa de
NUM, por sua vez, deve-se visar “à destruição ou neutralização das forças navais inimigas” e ao ataque aos
seus “pontos de apoio”. Em ambas as TBPN, esses objetivos podem ser alcançados com a contribuição da
PPT, seja com bombardeio naval, bombardeio aeronaval, ou operações anfíbias (BRASIL, 2004).
15 A estratégia da Dissuasão, segundo a Doutrina Militar de Defesa, caracteriza-se “pela manutenção de forças
militares suficientemente poderosas e prontas para emprego imediato, capazes de desencorajar qualquer
agressão militar” (BRASIL, 2007c). A Dissuasão, sendo um efeito desejado a ser alcançado pelo desenco-
rajamento do agressor, pode ser conquistada, em melhores condições, pelo Poder Militar como um todo,
mais do que pelas suas partes isoladamente.

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e seu efeito desejado são abrangidos, e são realizadas com o propósito de “obter e
atendidos, em melhores condições pela manter o controle de parte ou de toda uma
estratégia da Dissuasão. Área Ribeirinha (ARib), ou para negá-la
As TBPN acima citadas contribuem de ao inimigo” (BRASIL, 2004), podendo,
forma direta para a defesa da Amazônia também, visar à “conquista e manutenção
Azul. No entanto, também há influências de objetivos em terra” (BRASIL, 2005a).
indiretas. As AJB que precisam ser pro- Como já prevê a própria doutrina, esta
tegidas em sua totalidade incluem, dentre TBPN representaria a fusão das tarefas de
outros, o estratégico ambiente ribeirinho CAM, PPT e NUM em ambiente ribeirinho,
da região amazônica, que consiste em área demonstrando toda sua especificidade e
de alta prioridade para a defesa nacional, reforçando a justificativa para a sua cate-
segundo a PDN e a END. Apesar da im- gorização como uma Tarefa Básica.
portância destacada nestes documentos, Além do exercício das TBPN acima
a DBM não reserva comentadas, de cunho
nenhuma categoria de predominantemente
TBPN para atender a O peso estratégico e militar, as Marinhas
esta demanda. Cabe serão cada vez mais
relembrar que a razão doutrinário desta parcela instadas a exercer ou-
de ser das Tarefas Bá- do PN brasileiro indica a tras funções, de caráter
sicas, desde sua con- necessidade de criar uma constabular e diplomá-
cepção pelo Almirante tico, em prol da garantia
Turner, é o intuito de categoria à parte de TBPN da segurança marítima,
organizar as atividades para este conjunto de da boa ordem no mar
executadas pelo PN ou em apoio à política
em termos de output, atividades, denominando-a externa nacional. Esta
isto é, de produtos que de Controle de Área crescente demanda por
devam atender às de- Ribeirinha este tipo de emprego
mandas estratégicas do PN já foi percebida
nacionais e, em última por diversas Marinhas e
análise, as da própria sociedade. incorporada em suas doutrinas marítimas,
No entanto, a lacuna acima destacada constituindo uma Tarefa Básica específica,
é apenas conceitual, pois, na prática, o PN que pretende canalizar esforços, normatizar
brasileiro atua nesta região há muito tempo. procedimentos e equipamentos, de modo a
Cabe frisar que o conjunto de operações gerar o output demandado pela sociedade.
e ações realizadas em Áreas Ribeirinhas Geoffrey Till destacou que a Seguran-
envolve o emprego de meios e doutrina dedi- ça Marítima é responsável pela garantia
cados. O peso estratégico e doutrinário desta de quatro das cinco razões para o uso do
parcela do PN brasileiro indica a necessidade mar. O homem se vale do mar para obter
de criar uma categoria à parte de TBPN para recursos, transportar e comercializar, trocar
este conjunto de atividades, denominando-a informações, preservar o meio ambiente
de Controle de Área Ribeirinha. e exercer domínio. Dentre estas razões,
Esta nova TBPN seria executada, preci- apenas o exercício do domínio demanda
puamente, por meio de Operações Ribeiri- ações combativas; as demais se valem de
nhas realizadas nos baixos e médios cursos ações que visam, apenas, preservar o meio
dos rios. Estas operações, segundo a DBM, marítimo e garantir sua segurança.

RMB2oT/2014 83
OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

Conforme visto, os Almirantes Moura apresentado está sendo mantido atualizado


Neto e Vidigal identificaram esta tendência e compatível com as novas demandas es-
mundial. O Almirante Vidigal denominou tratégicas que o tempo impõe a cada país.
de “Gerenciamento do Mar” o conjunto
dessas atividades, não relacionadas à defesa CONCLUSÃO
do mar, mas que teriam que ser geridas
pela MB (VIDIGAL, et al., 2006). O Al- A história da humanidade é marcada, em
mirante Moura Neto (2010) denominou boa medida, pelas possibilidades oferecidas
esse conjunto de atribuições de Segurança pelo mar. As perspectivas para o século
Marítima. XXI indicam que sua importância tende
O Almirante Monteiro (2010b), por a crescer como resultado da globalização,
sua vez, seguiu a direção sinalizada particularmente de sua vertente comercial.
pelo Almirante Moura Neto e sugeriu Estas considerações também são válidas
transformar esse conjunto em uma nova para o Brasil. Com uma história marcada-
TBPN, denominada mente marítima, o País
de Segurança Marí- tem seu futuro ligado
tima, nomenclatura A história da humanidade ao mar. Neste contexto,
esta já adotada para as é marcada pelas as AJB possuem enorme
tarefas, ou missões, de potencial econômico
Marinhas como as de possibilidades oferecidas e importância estraté-
África do Sul, Austrá- pelo mar. As perspectivas gica, cabendo à MB
lia, Chile, EUA, Índia,
Portugal e Reino Uni-
para o século XXI indicam agarantir responsabilidade de
sua defesa e sua
do. Uma capacidade que sua importância segurança.
efetiva de atender a tende a crescer como O presente artigo
esta nova TBPN, além pretendeu cumprir o
de contribuir para o es- resultado da globalização, seguinte propósito: ve-
tabelecimento da sobe- particularmente de sua rificar a adequabilidade
rania nacional nas AJB, das atuais TBPN para a
possibilitaria que o PN
vertente comercial proteção da Amazônia
brasileiro gerenciasse, Azul no século XXI,
em melhores condições, as atividades no sugerindo, se fosse o caso, atualizações
mar que nos pertence, conferindo-lhe, para estas TBPN.
“naturalmente, condições para melhor se O estudo realizado com este intuito
projetar no Atlântico Sul” (VIDIGAL, et foi sendo construído por blocos que se
al. 2006). sobrepuseram e se complementaram, para
Antes de concluir, cabe salientar que a que, ao final, se pudesse ter base suficiente
pesquisa efetuada em outras 12 Marinhas para verificar a aludida adequabilidade e,
revelou a preocupação de todas elas em caso necessário, sugerir mudanças em um
apresentar sua doutrina marítima em pu- conceito tão arraigado no conhecimento
blicações com edições apuradas, bem aca- coletivo da MB, como é o caso das TBPN.
badas e com diagramações amigáveis. Este O primeiro bloco buscou prover a
procedimento contribui para transmitir, pesquisa de elementos fundamentais.
tanto para seu público interno quanto para Assim, investigou a obra de pensadores
o externo, a mensagem de que o documento navais clássicos, como Mahan e Corbett, e

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

identificou conceitos básicos enumerados ao bom uso do mar, como o combate à


em quatro grupos doutrinários – domínio pirataria e ao narcotráfico; e a importância
do mar, guerra limitada, guerra de corso da defesa de costa.
e guerra costeira. Ainda neste capítulo, No bloco seguinte, a pesquisa debruçou-
investigou-se a origem das TBPN. Sur- se sobre a Amazônia Azul. Foram identifi-
gidas em 1974, no artigo do Almirante cadas as demandas estratégicas para a sua
Turner intitulado “Missions of the Navy”, proteção, por meio da análise da PDN e
essas tarefas visavam destacar o papel e da END. Revelou-se que as tarefas envol-
a importância de todas as forças navais vidas neste processo deviam iniciar-se no
norte-americanas. Naquela época de Guerra período de paz e estender-se à guerra. Este
Fria, havia uma primazia das Forças de espectro deveria ser preenchido por tarefas
Submarinos que executavam a Deterrência diplomáticas, constabulares e de combate.
Estratégica. A MB, por sua vez, na mesma Destacou-se, ainda, o papel de outras FA
época, após a denúncia do Acordo Militar nesta atividade defensiva e o papel da MB,
Brasil-EUA, estava tentando estabelecer no interior das AJB, no oceano aberto e na
uma postura estratégica autônoma, e as suas região amazônica.
TBPN, formuladas em 1979, espelhavam Tendo analisado as demandas estraté-
com bastante fidelidade as missões da USN. gicas da Amazônia Azul, assim como a
De posse desses elementos básicos, evolução e a situação atual das doutrinas
passou-se a investigar as TBPN na atualida- marítimas de diversas Marinhas, passou-se
de. Comparou-se, então, a evolução dessas a perscrutar o futuro. Três tendências foram
tarefas na MB e na USN. Contrastou-se identificadas: as Marinhas do futuro teriam
a DBM com as doutrinas marítimas das dois modelos que tenderiam a influenciar
Marinhas dos seguintes países: África seus perfis: as Marinhas modernas, com
do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Coreia foco no combate contra outras Marinhas,
do Sul, Espanha, França, Índia, Portugal, e as Marinhas pós-modernas, que visa-
Reino Unido e Rússia. Outro prisma em- riam garantir a segurança do sistema de
pregado foi o dos autores britânicos Ken comércio marítimo global; outra tendência
Booth e Eric Grove. A análise efetuada seria a de considerar as TBPN como um
apontou, de imediato, que nenhum país continuum de atividades interdependentes,
adotava o mesmo grupo de TBPN da MB. desde os tempos de paz até os de combate;
Havia certa coincidência entre as tarefas finalmente, as Marinhas com preocupações
de algumas Marinhas, particularmente defensivas em relação à sua costa tenderiam
aquelas de influência britânica, cujas dou- a desenvolver estratégias antiacesso.
trinas baseavam-se nos triângulos de uso O item seguinte assenta sobre as con-
do mar de Booth e Grove. Outros pontos clusões parciais de seus predecessores.
de convergência entre as Marinhas, e Ele se vale das observações extraídas das
que contrastavam com as tarefas da MB, pesquisas efetuadas para, inicialmente, ba-
foram: a ênfase na interdependência das sear sua afirmação de que as atuais TBPN
TBPN; o seu caráter evolutivo de acordo precisam ser atualizadas e, posteriormente,
com as demandas estratégicas do país; a indicar sugestões de aperfeiçoamento. As
relação indissociável da NUM com a tarefa razões para a atualização passam pelo fato
de CAM; o destaque crescente de tarefas de que as atuais TBPN não representam o
diplomáticas e constabulares e do emprego espectro de atividades desempenhadas pelo
das Marinhas em atividades relacionadas PN brasileiro no presente e, menos ainda, o

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OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: A Amazônia Azul – (Parte 2)

espectro demandado no futuro visualizado. estabelecimento de três novas TBPN (Con-


A defesa das AJB implica ações executadas trole de Área Ribeirinha, Presença Naval e
em períodos de paz, envolvendo atividades Segurança Marítima), que possibilitariam
de Autoridade Marítima que garantam o que fosse contemplado um número maior
bom uso do mar, e diplomáticas que cons- de atividades do PN brasileiro.
truam parcerias no entorno estratégico de Mais do que sugerir nomes para estas
interesse da MB: o Atlântico Sul. novas TBPN, o trabalho pretendeu apontar
Assim, a pesquisa atingiu o seu propó- direções e pontos a ponderar que mere-
sito, ao constatar que o conjunto das atuais cessem estudos mais aprofundados pelos
TBPN não é adequado para a proteção da devidos setores da MB. Levou-se em consi-
Amazônia Azul, e ao sugerir o seu apri- deração a tradição de estabilidade da DBM,
moramento. Neste sentido, o conceito das evitando-se propor mudanças agudas.
Tarefas Básicas de CAM, NUM e PPT Chegou-se, então, a um novo conjunto de
precisaria ser revisto, para que fosse des- TBPN, integradas e interdependentes, que
tacada a necessária interdependência entre foi especificado com o intuito de atender, em
elas. A Contribuição para a Dissuasão, por melhores condições, às múltiplas demandas
sua vez, deveria deixar de ser considerada estratégicas para a proteção da Amazônia
uma TBPN, pois seu efeito desejado só é Azul, no presente e no futuro. Aderente ao
alcançado, em última instância, pelo país tema proposto, o quadro desta página, sinte-
como um todo, por meio da implementação tiza toda a pesquisa, ao oferecer seu produto
da estratégia da Dissuasão. Além destas final: Tarefas Básicas do Poder Naval para
alterações, concluiu-se, também, pelo a proteção da Amazônia Azul.

Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul


TBPN (DBM-2004) NOVAS TBPN
Controle de Área Marítima Controle de Área Marítima
Projeção de Poder sobre Terra Projeção de Poder sobre Terra
Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Mar
Contribuir para a Dissuasão Presença Naval
–– Segurança Marítima
–– Controle de Área Ribeirinha
Fonte: BRASIL, 2004

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ÁREAS>; Amazônia Azul; Operação naval; Estratégia; Poder marítimo; Poder naval;
Segurança marítima;

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RMB2oT/2014 89
O Mito da Eleição Direta para
Presidente dE Tribunais

Reis Friede*
Desembargador

SUMÁRIO

Introdução
Uma breve análise da PEC 187/2012
Critérios para o acesso e exercício da presidência de
tribunais em outros países
A situação atual das eleições para a presidência dos tribunais brasileiros
A esfera do poder legislativo: as eleições para a presidência das
casas do congresso nacional
O clamor pela democratização do poder judiciário
Conclusões

Introdução vem sendo, de certa forma, rompida, haja


vista o que vem ocorrendo em alguns tri-

É da tradição de nossos tribunais – tradi-


ção esta muito anterior ao advento do
Regime Militar (1964-1985) – o critério da
bunais estaduais (nos quais a escolha para
a Presidência acontece por intermédio da
eleição de uma chapa composta por parte
antiguidade para o acesso e exercício de sua de seus membros, não necessariamente os
Presidência, por meio de referendo ratifica- mais antigos, mas com um colégio eleitoral
dor por parte de seus membros. Ainda que formado apenas pelos desembargadores
seja cediço reconhecer que esta tradição já que compõem a Corte), é lícito concluir,

* Mestre e doutor em Direito, é desembargador federal e membro da Associação de Juízes Federais – Ajufe.
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

todavia, que os resultados colhidos até a artigo um parágrafo único, dispondo sobre
presente data indubitavelmente nos dão a eleição dos órgãos diretivos dos tribunais
conta, em maior ou menor medida, de um de 2o grau. Destarte, o texto do artigo 96 pas-
elevado grau de criticável politização do saria a ostentar a seguinte redação, verbis:
Poder Judiciário local, além de um relativo “Art. 96. Compete privativamente:
comprometimento da recomendável isen- I – aos Tribunais:
ção (corolário do princípio basilar da efi- a) eleger seus órgãos diretivos, por
ciência) na administração destes tribunais. maioria absoluta e voto direto e secreto,
Ainda assim, salta aos olhos a tramita- dentre os membros do tribunal pleno,
ção, no Congresso Nacional, da Proposta de exceto os cargos de corregedoria, por
Emenda Constitucional – PEC 187/20121, todos os magistrados vitalícios em ati-
que sugere simplesmente alterar a Consti- vidade, de primeiro e segundo graus,
tuição para permitir, de forma muito mais da respectiva jurisdição, para um
elástica, a eleição livre para os órgãos mandato de dois anos, permitida uma
diretores de todos os tribunais de 2o grau. recondução.
Em linhas gerais, a chamada “PEC de b) Elaborar seus regimentos internos,
Democratização do Judiciário” estabelece com observância das normas de pro-
que os tribunais intermediários deverão cesso e das garantias processuais das
passar a eleger os integrantes dos seus partes, dispondo sobre a criação, a
cargos de direção (à exceção do cargo de competência, a composição e o fun-
corregedor) por maioria absoluta de todos cionamento dos respectivos órgãos
os magistrados vitalícios, e não apenas de jurisdicionais e administrativos;
seus membros. c) .......... (redação da atual alínea “b”);
O argumento central repousa no frágil d) .......... (redação da atual alínea “c”);
entendimento de que a administração dos e) .......... (redação da atual alínea “d”);
tribunais “mantém suas decisões concen- f) ........... (redação da atual alínea “e”);
tradas nas mãos de poucos, sem a devida g) ........... (redação da atual alínea “f”);
justiça, e que sua concepção é baseada na Parágrafo único: “Não se aplica ao Su-
hierarquia militar, reflexo dos tempos de premo Tribunal Federal, aos Tribunais
regime militar, e que, por esta razão, sua Superiores e aos Tribunais Regionais
escolha não deveria pertencer à Corte” Eleitorais o disposto no inciso I, “a”,
(Bollmann, 2013). competindo-lhes eleger os seus órgãos
diretivos na forma dos seus regimentos
Uma Breve Análise da PEC internos, observado o previsto no § 2o
187/2012 do artigo 120”. (Grifos nossos)

As mudanças propostas pela PEC em A par de toda a respeitável linha argu-


análise resumem-se em prover uma nova mentativa, delineada pelos mais ardorosos
redação às alíneas “a” e “b” do inciso I do defensores da presente tese, o mais interes-
artigo 96 da Constituição Federal, renominar sante é que a referida PEC não se apresenta
as alíneas subsequentes e acrescentar ao com o necessário dever de coerência argu-

1 A PEC 187/2012 teve sua origem encabeçada pelo Deputado Wellington Fagundes, congressista filiado ao
Partido da República (PR) e eleito pelo Estado de Mato Grosso. Foi apresentada em 5/6/2012, tramitando
sob o regime especial, sendo a última ação legislativa referente a ela a aprovação de parecer pela Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) em 15/10/2013.

RMB2oT/2014 91
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

mentativa quando exclui expressamente os se caracterizou pela centralização de poder,


órgãos de cúpula do Poder Judiciário – ou fortemente travestida de nacionalismo e
seja, o Supremo Tribunal Federal (STF) e exacerbado autoritarismo.
o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), bem É importante registrar que todas as
como o próprio “tribunal da cidadania”, o constituições posteriores a este momento
Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, onde ditatorial3 outorgaram plena autonomia
provavelmente o argumento pelo “clamor aos tribunais para elegerem seus cargos
democrático” seria muito mais perceptível, de direção – exclusivamente por voto de
apreciável e adequado. seus membros e observado o critério de
Também vale ressaltar que a enfática antiguidade –, o que acabou por consagrar o
defesa de que o atual Colégio Eleitoral para importantíssimo princípio do autogoverno
eleições nos órgãos diretivos dos tribunais da magistratura em nosso país.
deveria ser ampliado para igualmente Ademais, a razão de ter sido historica-
incluir juízes de 1o grau – “justamente os mente privilegiado o critério de antiguidade
que têm no dia a dia contato direto com nos referidos processos de escolha dos
o cidadão que demanda justiça” (BOLL- órgãos diretivos de nossos tribunais se
MANN, 2013) – resta, no mínimo, con- deve ao fato de que, não obstante o Poder
traditória, posto que, por esta mesma linha Judiciário ser um reconhecido poder polí-
de raciocínio, seria necessário incluir os tico, inerente ao Estado democrático, sua
demais operadores do Direito (membros função precípua (jurisdicional) é exercitada
do Ministério Público e advogados) pelas de forma predominantemente técnica, por
mesmas razões apontadas. meio de uma tríade indissociável a incluir
É curioso observar que ninguém se pre- a imparcialidade, a impessoalidade e a
ocupou em estudar mais aprofundadamente independência, paradigmas que revelam
e, sobretudo, entender, com maior atenção, um imperativo de necessário e saudável
as razões históricas de o consagrado critério distanciamento político e de ações políticas
de antiguidade ter se fixado no Poder Ju- por parte de seus membros.
diciário como uma salutar tradição que se A prevalecer, data maxima venia, essa
iniciou após o fim do Estado Novo (1937 a irrefletida, descabida (e pouco debatida)
1945)2, exatamente como uma importante e proposta de emenda à Constituição, passarí-
necessária resposta ao clamor democrático amos a ter – de forma impositiva e desafia-
que repudiou, de forma veemente, o ante- dora da própria autonomia judiciária – nos
rior critério eletivo amplo, que somente tribunais estaduais e, em particular, nos
serviu aos interesses populistas daquele tribunais regionais federais – caracterizados
odioso e repulsivo momento histórico, que pelo número restrito de desembargadores

2 A Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas logo após o início do período ditatorial do Estado Novo
e que ficou conhecida vulgarmente como a “Polaca”, em virtude de sua grande semelhança com a contem-
porânea Constituição autoritária da Polônia, simplesmente extinguiu a Justiça Federal, bem como retirou
poderes dos tribunais pátrios, entre eles o de elegerem seus próprios dirigentes, restando apenas o disposto
em seu art. 93, verbis:
“Art 93 - Compete aos tribunais:
a) elaborar os Regimentos Internos, organizar as Secretarias, os Cartórios e mais serviços auxiliares, e propor
ao Poder Legislativo a criação ou supressão de empregos e a fixação dos vencimentos respectivos;
b) conceder licença, nos termos da lei, aos seus membros, aos juízes e serventuários, que lhes são imediata-
mente subordinados.”
3 Constituição de 1946: art. 97, I; Constituição de 1967: art. 110, I; Constituição de 1988: art. 96, I, “a’’.

92 RMB2oT/2014
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

– inéditas disputas político-eleitorais que PEC em comento, haja vista a atual realidade
não somente poderiam vir a paralisar o bom pátria, em que muito tem sido conseguido,
andamento de seus trabalhos, a envolver lamentavelmente, por meio do “compadrio”.
seus membros em intensas campanhas elei- Em necessária adição argumentativa,
torais por vários meses anteriores ao pleito deve ser consignado, em tom de sublime
(se assemelhando, em muito, ao que ocorre advertência, que tal alteração, uma vez
nas Seccionais da Ordem dos Advogados conduzida a efeito, seria de monta suficien-
do Brasil/OAB), mas também abrir um te para causar graves danos à imagem de
verdadeiro leque de possibilidades inima- imparcialidade do Poder Judiciário, com
gináveis, como a de que desembargadores o consequente e eventual surgimento de
advindos do quinto constitucional e recém- possíveis lobbies de empresários e políticos
empossados, sem qualquer conhecimento por trás das chapas concorrentes aos cargos
sobre o funcionamento administrativo de diretivos dos tribunais, tudo com vistas a
um tribunal – mas com excelente trânsito verem seus interesses privilegiados.
político –, possam ser eleitos para a alta Dessa feita, verifica-se, a toda evidên-
administração do tribunal e, inclusive, para cia – especialmente pelas várias possíveis
a sua Presidência, pondo muitas vezes a consequências derivadas –, que a proposta
perder, por seu conhecimento incipiente sub examen é por demais complexa para ser
da função, uma organização eficiente reduzida a uma simples identidade democrá-
construída ao longo de décadas e forjada tica; afinal, entre os vários poderes de um
em vigorosa experiência e maturidade que presidente de tribunal, encontra-se não so-
somente o tempo efetivamente propicia. mente a prerrogativa de estabelecer a pauta
Igualmente, ao excluir dos novos cri- de julgamento5, como ainda a própria ordem
térios propostos o cargo de corregedor, dos trabalhos, influenciando sobremaneira o
poderia vir a ocorrer a esdrúxula situação destino temporal dos julgamentos.
factual em que o cargo de corregedor,
eventualmente ocupado por desembargador Critérios para o Acesso e
mais antigo, teria uma certa ascendência Exercício da Presidência de
sobre o presidente, em sinérgica subversão Tribunais em Outros Países
hierárquica não somente da estrutura do
próprio tribunal, mas também em relação A título comparativo, vale, neste mo-
à organização vertical do Poder Judiciário4. mento, trazer à baila como funcionam o
Temerariamente, parece que tais situações acesso e o exercício da Presidência nos
pontuais encontram-se, ainda que de maneira tribunais em alguns países com governo
implícita, na justificação para a propositura da reconhecidamente democrático.

4 É conveniente lembrar que toda a estrutura corporativa – seja no contexto interno dos tribunais, ou mesmo de todo
o Poder Judiciário – encontra-se indubitavelmente construída sobre os pilares do critério da antiguidade na
carreira. Assim, a própria organização da disposição física (assentos) no plenário é por ordem de antiguidade,
bem como, nos juízos monocráticos, o acesso à titularidade das varas judiciárias é realizado por antiguidade,
sendo certo que, quando providas (quer a titularidade dos juízos, quer a promoção ao tribunal) pelo critério
alternativo de merecimento, os juízes precisam figurar necessariamente na quinta parte da lista de antiguidade.
5 É de se pensar refletidamente que a aprovação da PEC 187/2012 abriria um importante precedente para se
promover, em uma segunda etapa, a ampliação da medida supostamente “democratizante” para os tribunais
superiores – e mesmo para o STF –, permitindo-nos questionar, neste momento, que, caso tal hipótese já
se constituísse em uma realidade e, consequentemente, se houvesse eleições para a Presidência do STF, a
Ação Penal no 470 (“Mensalão”) já teria sido julgada com os excepcionais (e inéditos) resultados alcançados.

RMB2oT/2014 93
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

Na Índia, a maior democracia do mundo, o “conchavos políticos” conseguem melhores


presidente da Suprema Corte é nomeado pelo resultados na hora de se buscar a posição
presidente do país, recaindo esta designação, de presidente, o que, de forma alguma, é o
geralmente, sobre o juiz mais antigo da Corte que se espera que ocorra em uma instituição
naquele momento, ou seja, é seguido o critério que pugna pela necessária imparcialidade.
de antiguidade, assim como ocorre no Brasil6.
No Chile, país de raízes culturais também A situação Atual das
ibéricas, com sistema legal próximo ao nosso Eleições para a Presidência
e reconhecida recuperação democrática após dos Tribunais Brasileiros
os duros anos da Ditadura Pinochet, a eleição
para a Presidência de sua Corte Suprema Voltando os olhos à nossa própria si-
segue a tradição de os magistrados elegerem tuação fática, insta salientar que a Lei Or-
o ministro mais antigo7, assim como ocorre gânica da Magistratura Nacional (Loman)
com os demais tribunais inferiores, como vigente expressamente prevê, em seu artigo
nas chamadas Cortes de Apelação. 102, que “os tribunais, pela maioria dos
Por outro lado, na Espanha, país no seus membros efetivos, por votação secreta,
qual a Constituição, promulgada em 1978, elegerão dentre seus juízes mais antigos, em
é contemporânea à nossa e que também número correspondente ao dos cargos de
foi redigida após vários anos de regime direção, os titulares destes, com mandato
ditatorial, a designação para a Presidência por dois anos, proibida a reeleição”.
dos tribunais superiores de Justiça das Referido fato nunca preocupou os tribu-
comunidades autônomas se dá, em efetiva nais com poucos desembargadores. Salvo
contraposição, por meio da realização de raras exceções, neles vem sendo seguida a
criticáveis acordos políticos, o que tem antiguidade nos cargos de direção, sendo
gerado grandes problemas, em especial que todos, ou quase todos, chegam à Presi-
nas regiões tradicionalmente avessas ao dência, Vice-Presidência ou Corregedoria.
poder central emanado de Madri, tais como A situação, contudo, apresenta-se dife-
a Catalunha e o País Basco, apenas para rente nos tribunais maiores, e por um motivo
citar algumas. Ademais, a própria categoria muito simples: quem entra em um tribunal
dos magistrados daquela nação tem visto com 30 juízes ou mais provavelmente nunca
com grande apreensão esta politização da chegará aos cargos de direção. Ainda que 15
Justiça, que não seria de forma alguma de seus colegas já tenham presidido a Corte,
um reflexo de uma maior democracia, morram ou se aposentem, os 15 restantes sig-
mas apenas a certeza de que verdadeiros nificarão 30 anos de espera. Isto obviamente
6 Insta salientar que referida tradição convencionada só foi posta de lado durante o governo de Indira Gandhi,
no qual foi nomeado presidente da Suprema Corte A. N. Ray, apesar de haver três juízes mais antigos do
que ele naquele momento. Pressupõe-se que a nomeação de A. N. Ray deu-se por ser um grande defensor
do governo de Gandhi, algo muito importante em um período em que tal governo estava visivelmente se
atolando em uma crise política e constitucional.
7 É importante esclarecer, por dever de lealdade acadêmica, que tal tradição somente foi afastada por uma única vez,
quando da eleição para substituir o Presidente Milton Juica. Os ministros Adalis Oyarzún e Jaime Rodríguez
Espoz eram os subsequentes na ordem de antiguidade, mas, por lhes faltar pouco tempo para atingir 75 anos
de idade e aposentarem-se obrigatoriamente, os outros ministros calcularam que, se ocorresse a eleição de um
dos dois, muitos dos que os seguiam na linha de antiguidade atingiriam a idade expulsória antes de poderem
ter acesso à Presidência. Nesta ocasião, optou-se então por uma votação fechada, na qual cada juiz escreveu
em um papel o nome de seu candidato, sendo vencedor Rubén Ballesteros Cárcamo, o quarto ministro na
ordem de antiguidade daquela Corte Suprema.

94 RMB2oT/2014
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

desagrada aos mais novos, alguns com uma da PEC 187/2012, que não tem qualquer ca-
enorme vontade (e mesmo vocação) em bimento a pretensão de que todos os juízes
atuar como presidentes. votem para presidente, pois isto culminaria
Assim, são os tribunais de porte médio em campanhas pelo interior, promessas
(20 a 49 desembargadores) e os de grande de favores, animosidade entre facções em
porte (50 ou mais desembargadores, caso disputa e outros tantos problemas.
dos Tribunais de Justiça (TJ) de Santa Nessa linha, no estado do Rio de Janeiro,
Catarina, Paraná, Minas Gerais, Rio de por exemplo, cujo Tribunal de Justiça possui
Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo) 180 desembargadores, com 25 fazendo parte
que não têm aceitado a antiguidade como do Órgão Especial, a escolha da Presidência
critério único de escolha8, ainda que não a se dá por votação secreta pela maioria dos
tenham renegado por completo. membros do Tribunal, podendo concorrer
DE FREITAS (2011), desembargador apenas os membros efetivos do Órgão Es-
federal aposentado do Tribunal Regional Fe- pecial, cuja metade é provida pelo critério
deral (TRF) 4a Região, onde foi presidente, e de antiguidade. Assim, constata-se, neste
consagrado professor universitário, entende ente federativo, a adoção de um critério de
que “o anseio de presidir um tribunal é uma eleição que poderia ser considerado misto,
aspiração legítima e nada tem de errado. Pelo haja vista o fato de, entre os desembargadores
contrário, é ótimo que quem assuma tão difí- elegíveis, metade ser composta dos membros
cil posição esteja preparado e disposto, física mais antigos do tribunal, mas, ainda assim,
e psicologicamente, a dedicar dois anos de excluídos, em qualquer hipótese, os juízes de
sua existência à causa pública”. 1o grau como sujeitos eleitorais ativos.
Aduz o douto colega, ademais, que a Presi- Analisando a questão no âmbito da Jus-
dência de um tribunal intermediário (TJ, TRF tiça Federal, cabe salientar que o Tribunal
ou Tribunal Regional do Trabalho – TRT) é Regional Federal da 2a Região, em seu Re-
onde se pode fazer mais pela efetividade da gimento Interno, deixa claro que a eleição
Justiça, posto serem os presidentes destes tri- para sua Presidência dar-se-á por votação
bunais quem dão a política da gestão judiciá- de seus 27 desembargadores, recaindo a
ria no estado ou na região, que pode incentivar escolha, preferencialmente, sobre os de-
os juízes e servidores, instalar varas, realizar sembargadores federais mais antigos, ou
concursos, conduzir a construção de fóruns, seja, utiliza-se do critério de antiguidade.
implementar o processo eletrônico, estimular Tal critério é o que também é utilizado,
a conciliação e pôr em prática tantas outras tradicionalmente, por nossa Corte máxima, o
importantíssimas medidas. STF. Assim, nem todos os ministros chegam
DE FREITAS menciona também, con- à Presidência do Supremo. Nas eleições, atu-
trariamente ao pensamento dos defensores almente feitas a cada dois anos, é respeitada a

8 Recentemente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi palco de movimentação em favor da adoção de eleições
diretas. De acordo com o desembargador Nelson Missias de Morais, as eleições democráticas, nas quais todos
possam participar, são um forte instrumento de aperfeiçoamento do Poder Judiciário, em razão dos debates
acerca das questões institucionais e compromissos de cada candidato. Ainda segundo ele, “dessa forma, com
vontade política e atitude, Minas se antecipará ao legislador e, de maneira pioneira, reconhecerá o juiz de 1a
instância como membro de poder, e o é, tal qual os desembargadores”.
Já em São Paulo, onde o Tribunal de Justiça é composto de 350 desembargadores, a eleição para a
Presidência do órgão já ocorre sem se atentar especificamente para o critério da antiguidade, havendo atu-
almente uma forte movimentação política no sentido de que não apenas os desembargadores, mas todos os
magistrados, possam participar da escolha.

RMB2oT/2014 95
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

antiguidade, tendo prioridade o ministro que País inteiro presididos por juízes de 1o grau
entrou há mais tempo na Corte, com o presi- com menos de cinco anos de carreira, ou seja,
dente sendo eleito por seus pares em plenário, com pouquíssima experiência no que pertine
por voto secreto9. à administração complexa que envolve a
Igualmente, é o critério adotado pelo estrutura de um tribunal, além de uma idade
STJ, desde a sua criação e instalação, em cronológica em que a própria maturidade
1989, em repetição ao idêntico critério humana – essencial à função judicante e
aplicado historicamente, desde sempre10, administrativa – ainda não se encontra ple-
ao Tribunal Federal de Recursos – TFR, namente assentada.
quando de sua criação, em 1946, durante
o importantíssimo processo de redemocra- A Esfera do Poder
tização do Brasil. Legislativo: as Eleições
Uma das anunciadas temeridades no caso para a Presidência das Casas
de uma eventual aprovação da PEC 187/2012 do Congresso Nacional
recai exatamente no fato de que, como a base
da pirâmide hierárquica do Judiciário é muito É interessante destacar que, no âmbito
maior do que a sua cúpula, na prática, seriam do Poder Legislativo – no que concerne ao
os juízes vitalícios com menos de cinco anos fato de não recair na massa da população
na carreira, muitos com menos de 30 anos de com capacidade eleitoral ativa a escolha
idade e pouquíssima experiência judicante, de seus cargos diretivos –, a eleição para
quem, de fato, decidiriam as eleições. E ainda a Presidência da Câmara dos Deputados
– o que é mais grave –, para que estes, em um igualmente não inclui os senadores, que
segundo “momento democratizante”, passem também são congressistas, sendo certo que,
de simples eleitores (sujeitos eleitorais ati- inclusive, para eleição da Mesa Diretora
vos) a membros elegíveis (sujeitos eleitorais do Senado Federal – incluindo o cargo de
passivos)11 seria relativamente simples, do Presidente do Senado e de todo o Congres-
ponto de vista político, permitindo o risco de so Nacional –, não votam os deputados
começarmos a ver tribunais espalhados pelo federais 12, mesmo sendo fato que, nos

9 Vale salientar que muitos ministros do STF se aposentam antes de chegarem ao topo da lista de mais antigos,
como foi o caso recente do Ministro Eros Grau, que completou 70 anos e foi aposentado compulsoriamente,
sendo à época o quarto mais moderno do STF.
10 Deve ser consignado que o texto do art. 8o da Lei no 33/47, que dispõe sobre a criação do Tribunal Federal
de Recursos – TFR, expressamente previu que o referido tribunal seria instalado sob a Presidência do mais
velho de seus titulares.
11 É importante ressaltar que tal previsão normativa não se encontra prevista no texto da PEC 187/2012. Toda-
via, após sua aprovação, seria um natural desdobramento de sua aplicação prática, posto que, em qualquer
sistema eleitoral, o direito de eleger encontra-se irremediavelmente adstrito à potencialidade eleitoral de
também poder ser eleito.
12 Na Câmara dos Deputados, seu Regimento Interno dispõe, no artigo 7o, que a eleição dos membros de sua Mesa
Diretora far-se-á em votação por escrutínio secreto e pelo sistema eletrônico, exigida maioria absoluta de votos,
em primeiro escrutínio, e maioria simples, em segundo escrutínio, presente a maioria absoluta dos deputados.
O Senado Federal é igualmente dirigido pela Mesa, composta pelo presidente, primeiro e segundo
vice-presidentes e quatro secretários. São indicados também quatro suplentes de secretários para substituir
os titulares em caso de impedimento. Os senadores se reúnem em sessão preparatória para eleger os compo-
nentes da Mesa, sendo a votação realizada de maneira secreta, por maioria de votos, presente a maioria dos
senadores e assegurada, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou
dos blocos parlamentares com atuação na Casa (Regimento Interno, artigos 3o e 46).
Vale lembrar que o presidente do Senado Federal acumula a função de presidente do Congresso Nacional.

96 RMB2oT/2014
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

trabalhos conjuntos englobando ambas as importantes cargos pelo isento critério de


casas legislativas, a presidência recai sobre antiguidade em razão da própria carreira
um senador, escolhido exclusivamente por não permitir esta natural evolução gradu-
seus pares. alística, em razão, sobretudo, de antide-
mocráticas intervenções políticas externas
O Clamor pela que permitem admitir, de forma ampla e
Democratização do Poder gradual, nas instâncias superiores, o ingres-
Judiciário so de juízes oriundos de outras carreiras ou
funções, como a advocacia ou o Ministério
Resta incontestável que uma das na- Público, e que – além de simplesmente não
turais aspirações de um juiz de carreira, se submeterem ao concurso público de
– que através de seus reconhecidos méritos acesso à magistratura nacional – subvertem
logrou aprovação em dificílimo concurso a natural ordem hierárquica implícita em to-
público de acesso –, é não somente ser das as carreiras do serviço público (situação
promovido ao respectivo tribunal a que se em que a carreira da magistratura não pode
encontra adstrito, na medida em que avança ser apontada como exceção), em efetivo
temporalmente na carreira, como também prejuízo das mais corriqueiras aspirações
participar mais ativamente das decisões daqueles que continuam a aguardar, ano
que, em grande medida, alteram os rumos após ano, por uma ansiada promoção aos
do Poder Judiciário. tribunais dos mais variados graus e, por que
É exatamente dentro desse contex- não, à última instância, ou seja, ao Supremo
to que não somente se faz imperativa, Tribunal Federal.
como, igualmente, se almeja – como um Este é exatamente o cerne da questão de-
autêntico clamor de seus membros – uma mocrática que precisa ser verdadeiramente
verdadeira “democratização do Poder Ju- enfrentado, sem os “desvios de atenção”
diciário”. Tal pretensão, legítima em sua que se pretende, ainda que inconsciente-
origem e em sua intenção – resta lícito mente, impor, camuflando os verdadeiros
concluir –, passa, necessariamente, por caminhos a serem trilhados para efetiva-
amplas e profundas mudanças estruturais mente se avançar no processo democráti-
que afastem definitivamente o conserva- co, rompendo com as últimas amarras da
dorismo predominante, sobretudo aquele herança autoritária do período getulista.
ditado pelo poder político a que, reco- Senão, vejamos: 100 por cento das vagas
nhecidamente, o Judiciário se encontra de juízes de 1o grau são atualmente provi-
criticavelmente subordinado. das exclusivamente por candidatos que,
Assim, é de se registrar que, essencial- unicamente pelo critério meritório do con-
mente, as legítimas aspirações dos magis- curso público de provas e títulos, lograram
trados de 1o grau, em última análise, não aprovação no mesmo, revelando um grande
são satisfeitas pelo simples fato de que os avanço democrático, na exata medida em
mesmos não possuem o direito de eleger que, no período compreendido entre 1966
(ou serem eleitos para) os cargos de direção e 1973, os cargos de juízes federais de 1o
dos Tribunais, mas, muito mais acertada- grau eram providos por simples indicação
mente, porque dificilmente chegarão a estes política do Poder Executivo13.
13 Esta sim revelou-se uma grande conquista democrática, na exata medida em que não somente restringiu, pelo
menos na 1a instância da Justiça Federal, as interferências políticas no Judiciário que tanto comprometiam
sua necessária isenção, independência e imparcialidade.

RMB2oT/2014 97
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

Todavia, nos tribunais intermediários, por insta salientar, são exclusivamente providas
uma herança da Era Vargas14 (até hoje não por livre escolha do chefe do Executivo,
objeto de necessária correção democratizante), excluída qualquer vinculação à necessária
apenas 80% das vagas de desembargadores nomeação de juízes de carreira17.
(juízes de 2 grau) são destinadas aos magistra-
o
O clamor por mais democracia no Poder
dos de carreira e, ainda assim, apenas metade Judiciário, portanto, preconiza, em tom
destas, ou seja, 40% do total, são reservadas sublime, maior defesa pelo fortalecimento
aos juízes de 1o grau pelo critério de anti- da carreira, o que se traduz pelo reforço dos
guidade, sem qualquer critérios meritórios e,
ingerência política15. consequentemente, por
Nos tribunais su- Democratizar não significa, cada vez menos ingerên-
periores a situação é necessariamente, tornar cias políticas de outros
ainda mais desafiadora, poderes e, sobretudo,
posto que no Tribunal todas as funções do Estado menor politização inter-
da Cidadania, o STJ, elegíveis e, de igual forma, na corporis, reafirmando
órgão de cúpula das
justiças comuns locais
ampliar irrestritamente o odepreceito democrático
amplo acesso de seus
(estadual e distrital) e Colégio Eleitoral daquelas membros exclusiva-
federal, o quinto consti- em que se faz pertinente o mente por critérios de
tucional é transformado antiguidade, que melhor
em terço constitucional, critério de escolha. traduzem os esforços
ou seja, o percentual de Em verdade, é muito mais o naturais de desempenho
80% de acesso de juízes
de carreira é reduzido
princípio do amplo acesso na carreira judicante.
para 67%, sendo certo Conclusões
que todas as vagas são providas por critérios
políticos de formação da lista tríplice com É importante salientar que, nos últimos
posterior escolha discricionária e soberana tempos, o verbo “democratizar” ganhou
pelo chefe do Poder Executivo16. uma notável importância, que, entretanto,
No STF, órgão de cúpula de todo o Po- não tem sido acompanhada de sua corres-
der Judiciário, todas as vagas (11 no total), pondente e correta interpretação.
14 A implementação, nos tribunais pátrios, do chamado quinto constitucional, ideia corporativista do governo
Getúlio Vargas, ocorreu com a inserção desta no art. 104, § 6o, da Constituição de 1934.
15 As demais vagas (40% do total) são providas pelos magistrados de carreira, porém pelo critério político do
“merecimento”, em que a escolha final, entre uma lista tríplice constituída pelos integrantes do tribunal, é
submetida ao chefe do Executivo (estadual – governador; ou federal – presidente da República, conforme o
caso) para sua livre escolha. Vale registrar que o próprio presidente do STF já se manifestou contrariamente
a tal critério (O Globo, ed. digital, 20/12/2012), defendendo a exclusividade do critério de antiguidade para
a promoção de juízes aos tribunais, que é objetivo.
16 Deve ser registrado, por oportuno, que das 22 vagas (entre um total de 33) destinadas a desembargadores
estaduais ou distritais (11 vagas) e federais (11 vagas), as mesmas incluem os desembargadores oriundos
do quinto constitucional, o que, na verdade, reduz, por vias transversas, o percentual real de magistrados de
carreira a menos de 50% do total. Apenas no Tribunal Superior do Trabalho tal anomalia foi corrigida pelo
disposto no art. 111-A da Constituição Federal, que não somente manteve o critério do quinto constitucional,
mas tornou exclusivo o acesso de 80% das vagas aos desembargadores do trabalho de carreira.
17 O critério de acesso ao STF, previsto no art. 101 da Constituição, preconiza exclusivamente o “notável saber
jurídico”, o que implica dizer que não somente é possível não nomear nenhum juiz de carreira, como ainda
nomear um juiz de 1o grau, em virtual subversão da própria carreira da magistratura nacional.

98 RMB2oT/2014
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

Democratizar não significa, necessaria- dentes dos tribunais pátrios, como medida
mente, tornar todas as funções do Estado de salutar equilíbrio e não politização do
elegíveis e, de igual forma, ampliar irres- Poder Judiciário nacional, seguindo os
tritamente o Colégio Eleitoral daquelas em melhores e mais diversos exemplos pre-
que se faz pertinente o critério de escolha. sentes nos países mais democráticos da
Em verdade, é muito mais o princípio atualidade, bem como do próprio processo
do amplo acesso – ainda que por critérios de democratização do Judiciário, inaugu-
distintos da eleição, tais como o concurso rado a partir de 1946, que buscou sepultar
público – o caminho que se revela mais em definitivo o “populismo” da ditadura
democrático para o preenchimento dos car- Vargas, que permitiu curvar todos os tri-
gos e funções do Estado, em praticamente bunais sobreviventes (é importante lembrar
todos os seus níveis, notadamente nos que que a Constituição de 1937 simplesmente
se exercem à margem da política e que se extinguiu a Justiça Federal) às suas ordens
afirmam por desempenho técnico. e interesses, por meio, e sobretudo, da apli-
No caso específico cação do amplo critério
da função judicante, eletivo (e eleitoreiro) de
não é possível deixar O verdadeiro caminho seus presidentes.
de reconhecer que, Não é por outra sor-
hodiernamente, esta para a democratização te de considerações,
se perfaz por meio do Judiciário passa pelo portanto, que deve-
de um viés no qual a
experiência de vida
fortalecimento da própria mos sempre ter em
mente que o verda-
permite uma interpre- carreira pela sinérgica deiro caminho para
tação crescentemente efetividade do poder a democratização do
mais justa das leis, Judiciário passa não
tornando-se cada vez jurisdicional inerente aos pela politização tanto
melhor quanto maior magistrados de 1o grau de sua estrutura como
for o tempo em ati- de seus membros, mas
vidade. Relembre-se, sim (e principalmente)
neste sentido, que, na antiguidade, os jul- pelo fortalecimento da própria carreira
gamentos eram efetuados por conselhos de (exclusivamente composta de magistrados
anciãos, ou seja, a “justiça” era proporcio- concursados), como ainda, e fundamental-
nada pelos indivíduos mais experientes no mente, pela sinérgica efetividade do poder
seio social, reconhecendo-se a maturidade, jurisdicional inerente aos magistrados de
a experiência de vida e o conhecimento 1o grau, o que implica dizer em restringir
prático e teórico acumulado ao longo do os inúmeros recursos e a ampla gama de
tempo como essenciais ao mister da função nefastos efeitos suspensivos que vêm
jurisdicional e administrativa correlata. transformando, na prática, os juízos mo-
É exatamente por esta razão que não é nocráticos em simples juízos de instrução,
possível que se cogite faltar democracia no como bem assim seus respectivos julga-
fato de continuarmos a seguir o consagrado dores em meros magistrados de iniciação
critério de antiguidade na eleição de presi- processual18.

18 É exatamente esta esdrúxula e condenável situação que clama pelo urgente resgate da própria dignidade da
magistratura e do necessário orgulho de ostentar a condição de magistrado.

RMB2oT/2014 99
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

Por efeito conclusivo, é exatamente a tribunais, com a consequente promoção de


despolitização e o afastamento do caráter po- seus membros circundada exclusivamente
pulista e eleitoreiro nos tribunais que, histo- aos juízes de carreira, afastando-se, desta
ricamente – ao reverso do que preconizam os feita, qualquer ingerência política de outros
mais desavisados –, se constituem na grande poderes ou mesmo de politizações indeseja-
e verdadeira conquista democrática pós- das, em efetiva consagração da democracia
ditadura Vargas, sendo certo que ainda resta (e dos valores democráticos), que preconiza
o desafio de ver sepultada a última herança a existência de um Poder Judiciário realmen-
daquele sombrio regime, ou seja, a extinção te independente. Afinal, não é do interesse
da figura política do quinto constitucional, do povo brasileiro que o Poder Judiciário
a permitir, por derradeiro, a prevalência do venha a se transformar em simples serviço
critério meritocrático de acesso a todos os judiciário.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Justiça; Tribunal;

Referências Bibliográficas

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Acessado em 1/4/2014.

100 RMB2oT/2014
O Mito da Eleição Direta para Presidente dE Tribunais

MANDEL, Gabriel. “CNJ bloqueia Sartori e afeta processo eleitoral em São Paulo”. Consultor
Jurídico. 12 Nov 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-nov-12/indefinicao-
candidatura-ivan-sartori-mexe-eleicao-tj-sp> Acessado em <1 Abr 2014>.
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merecimento-7113007> Acessado em <9 Abr 2014>.
HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.

RMB2oT/2014 101
EM TEMPOS DE GUERRA*

Antonio Carlos Didier Barbosa Viana


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

Este não é um discurso. É um depoimen- tros. No caso da guerra, não podia haver er-
to que vocês devem conhecer. ros, atrasos, falta de atenção. Tudo tinha de
Meus colegas de Marinha – estou cha- ser executado para garantir o cumprimento
mando vocês de colegas. Para mim são, das ordens de operações e a segurança dos
embora já esteja com navios e de suas pró-
90 anos. E quando me prias tripulações.
desliguei do serviço Em agosto de 1942, foram O nível de prepa-
ativo, vocês ainda não afundados seis navios e ro para essas ações
tinham nascido. era tal que ninguém
Nossa Marinha tem
morreram mais de 600 precisava dar ordens.
um espírito de corpo brasileiros. O Brasil Tudo era feito automa-
extraordinário, que foi declarou guerra ticamente no subcons-
muito reforçado na Se- ciente. Todos sabiam o
gunda Guerra Mundial. que fazer. Graduação,
O navio é um só. O risco é de todos. Essa títulos, nada representavam. Os 24 a bordo
condição faz o cérebro de toda a guarnição eram todos solidários. Para mim, repito,
comandar as ações, ajudando uns aos ou- vocês são colegas. A Marinha é uma só.

* O texto é a alocução do autor ao Corpo de Aspirantes da Escola Naval, em 6 de novembro de 2013, durante a
visita dos Ex-Combatentes Veteranos da Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O texto nos foi
enviado pelo Vice-Almirante (Refo-EN) Elcio de Sá Freitas.
EM TEMPOS DE GUERRA

E nossa guarnição também se comportava A missão dos navios-escolta era garantir


como uma coisa só. a passagem dos mantimentos para a guerra,
A guerra se alastrava em 1942, e a Es- não caçar submarinos. Missão cumprida
cola resolveu operar continuamente para com um mínimo de perdas.
ganhar tempo. Acabaram as férias. Em Até Recife a escolta era brasileira. Aí
agosto daquele ano, foram afundados seis emendava escolta mista até Trinidad, onde
navios e morreram mais de 600 brasileiros. todos reabasteciam. A escolta de ida trazia
O Brasil declarou guerra. outro comboio de volta.
O Brasil e os Estados Unidos fizeram um Os navios de 70 anos atrás não tinham as
acordo de cooperação de vigência imediata. condições de trabalho e o conforto dos na-
O Brasil permitiria a instalação de bases vios de hoje. Não existia ar-condicionado.
operacionais americanas onde necessárias Era só ventilador. Quando no porto, o navio
às operações que seriam conjuntas. devia estar sempre pronto. O comandante
Nosso país receberia todos os equi- só liberava o pessoal para ir a terra às 18
pamentos de uma usina siderúrgica, a horas, devendo estar a bordo às 23 horas.
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), O comum era receber ordem para zarpar
24 navios antissubmarinos, equipamentos às 24 horas.
e munição antissubmarina para equipar os A cada dois meses aportava no Rio de
navios nacionais e instalaria todo o arma- Janeiro trazendo um comboio e saía 6 dias
mento dos três destróieres em construção depois comboiando. No Rio, trabalhava-se dia-
no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro riamente, mas era permitido dormir em casa.
(AMRJ). Organizaria os comboios e o Água doce refrigerava os motores em
fornecimento de mantimentos para manter circuito fechado com trocador de calor. Era
as tropas aliadas na Europa. O Exército estratégica. Qualquer vazamento nas juntas
enviaria uma Divisão de soldados para o dos motores obrigava utilizar a água doce
teatro de operações da Itália, e a Aeronáu- do navio para não interromper a escolta
tica, um Grupo de Caças. em andamento. Para garantir esse estoque,
O esforço de guerra foi enorme. Os ninguém podia gastar água. Era vedado fa-
comboios saíam, de dez em dez dias, do zer a barba, tomar banho ou lavar qualquer
Rio com destino a Trinidad, sem escalas, roupa. Só se podia lavar os dentes. Comia-
com 20 a 30 navios, cada um levando 10 se o que era possível preparar.
mil toneladas de arroz ou feijão, ou milho, Era terminantemente proibido fumar
ou açúcar, ou café ou outros grãos. a bordo para não ser percebido pelo pe-
Recebíamos a informação via rádio riscópio de algum submarino. Os navios
cifrada da posição de cerca de seis subma- viajavam inteiramente às escuras.
rinos permanentemente detectados pelo sis- O caça-pau era um navio pequeno,
tema radiogoniométrico na costa brasileira. valente e bem construído*. O mar da costa
Para aumentar a segurança, o comodoro no norte do país, chamado de picadinho pelas
navio líder do comboio alterava o rumo suas ondas curtas, fazia o navio se chocar
frequentemente, procurando desviar-se com as ondas, tremendo todo e gerando
desses submarinos. uma chuva de água salgada que o cobria.

N.R.: * O caça-pau era um caça-submarino de casco de madeira (95 toneladas), para diferenciar do caça-ferro (280
toneladas). Caça-submarino (CS) é navio de pequeno porte (menos de 300 toneladas) e grande mobilidade,
desenvolvido pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e destinado a atacar submarinos em imersão
(Dicionário Marítimo Brasileiro).

RMB2oT/2014 103
EM TEMPOS DE GUERRA

O caça-pau Jutaí entrando no porto

Só se dormia na exaustão e no calor des- sobre essas precárias condições. Coman-


sa área perto do equador. Quem tivesse de dei muita gente na minha vida profissional,
ir ao convés ou trabalhar no tijupá tomava mas nunca vi senso de responsabilidade,
banho salgado durante todo o serviço. espírito de equipe e dedicação às ope-
Que uniforme ou roupa usar nessas con- rações como nas guarnições dos navios
dições? O comum era de patrulha durante a
usar bermuda mescla e guerra.
tamancos ou sandália Se tivermos de enfrentar Já recebi muitos di-
baiana com sola de operações de guerra plomas e medalhas na
pneu velho. Após o vida, mas meu maior
serviço, descia para novamente, tenho certeza orgulho e minha maior
dormir salgado. O len- que agiremos da mesma honra foram eu ter feito
çol da cama ficava forma que os colegas dos parte da guarnição do
gosmento de suor e caça executando servi-
sal. navios da ço de guerra.
Quando o mar era Marinha na guerra Por isso chamei
de través e o navio vocês de colegas. Se
balançava de 10 a 30 tivermos de enfrentar
graus, o único jeito de dormir era se posi- operações de guerra novamente, tenho
cionar em esquadro com um ombro no cas- certeza que agiremos da mesma forma
co de madeira e o outro no colchão da cama que os colegas dos navios da Marinha
para não ser rolado na cama o tempo todo. na guerra.
Eu servi no caça dois anos. Nunca ouvi Essa é a gente da nossa Marinha. É a esta
qualquer comentário, queixa ou desabafo Marinha que vocês foram incorporados.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<GUERRAS>; Segunda Guerra Mundial; Caça-submarino; Caça-pau; Comportamento
operativo;

104 RMB2oT/2014
A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE
HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate

(Parte IV – final)

FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA*


Capitão de Mar e Guerra (RM1)

SUMÁRIO

A vida cotidiana e a rotina a bordo dos navios da Royal Navy (RN)


A medicina a bordo dos navios da RN
Disciplina e punições nos navios da RN
A tática e o modo britânico de combater
Conclusão

A Marinha Real britânica à qual Horatio


Nelson se agregou em 1771 era um
instrumento de política externa da Grã-
o modo como os doentes e feridos eram
tratados pelos cirurgiões, e as táticas de
combate que tiveram tanto sucesso contra
Bretanha (GB) com rotinas, procedimentos os adversários, principalmente franceses.
e táticas que a faziam, apesar das inúmeras
deficiências, uma máquina eficiente. A vida cotidiana e a rotina
O que se pretende discutir neste artigo a bordo dos navios da Royal
derradeiro desta série são alguns desses Navy
aspectos, tais como a vida cotidiana e difícil
que permeava todos os tripulantes da Royal Sem uma organização mínima, um navio
Navy (RN), o sistema disciplinar violento de linha do século XVIII não poderia ser
e arbitrário como a única forma compreen- conduzido com eficiência em combate. O nú-
sível de controle daqueles homens rudes, mero de tripulantes era grande, em razão das

* Graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre e doutor em História Com-
parada, UFRJ. Instrutor de Estratégia e História Naval da Escola de Guerra Naval. Ex-diretor do Serviço de
Documentação da Marinha. Colaborador assíduo da RMB.
A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

atividades realizadas a bordo, principalmente grupo de serviço. No total, esse grupo variava
os trabalhos em mastros, velas e canhões, que entre 7% e 10% da guarnição.2
demandavam grandes guarnições. Naquela Outro conjunto de marinheiros era o dos
época não existia nenhuma automação, e gajeiros3, com mais adestramento e composto
todos os serviços eram realizados manual- de marujos com melhores condições físicas
mente, daí a demanda por grandes efetivos. e técnicas. A esse grupo cabia a manobra de
Os marinheiros e suboficiais eram divi- velas nos três mastros principais do navio, o
didos em grupos de serviço e designados traquete à vante, o grande no centro e a me-
para tarefas específicas. Eles poderiam zena à ré. Por serem os melhores marinheiros
servir em certos mastros, abrindo e fer- disponíveis, trabalhavam as velas nesses três
rando velas, ou em certos canhões, como mastros, a 20 ou 25 metros de altura, muitas
carregadores e municiadores. Ao primeiro- vezes em mares bravios e em condições adver-
tenente competia designá-los para essas sas. Requeriam-se coragem, sangue frio, boas
tarefas, de acordo com as suas aptidões ou condições físicas e arrojo para essas funções.
as necessidades do navio. Geralmente ele Os mais jovens normalmente guarneciam as
dividia a tripulação em dois ou três grupos vergas4 mais altas dos mastros. Seus números
de serviço, sendo o primeiro sistema, o de variavam conforme a classe do navio. Em uma
dois grupos, o mais comum; assim, para fragata com 36 canhões, existiam 12 gajeiros
cada tarefa existiam sempre dois homens, no traquete, 13 no grande e nove na mezena
um em atividade e outro descansando. em cada grupo de serviço. Existiam suboficiais
Os suboficiais e auxiliares não concorriam que eram os encarregados do traquete, do
a esses grupos de serviço. Eram os chamados grande e da mezena.5
“permanentes”1, pois suas funções eram fixas Outro conjunto era o dos gajeiros6 dos gu-
e eles podiam ser requisitados a qualquer rupés7 que, por serem mais velhos e pesados,
momento, independentemente dos grupos trabalhavam na parte de vante do navio, sem
de serviço. Normalmente não trabalhavam ter que subir nos mastros como os gajeiros
à noite, a não ser que fossem requisitados do conjunto anterior. Eram considerados
em emergência ou quando fossem tocados bons marinheiros, no entanto não possuíam
“postos gerais” para a tripulação. Faziam as virtudes e o vigor dos jovens. Além dos
parte desse corpo o mestre disciplinador e gurupés, trabalhavam também nas âncoras
seus auxiliares, o armeiro, o mestre do navio, do navio. Seu número variava: em uma fra-
o carpinteiro chefe, cozinheiros, secretários gata de 36 canhões existiam dez gajeiros dos
de oficiais e alguns outros suboficiais com gurupés para cada grupo de serviço.
tarefas específicas. Em uma fragata de 36 Outro conjunto de marinheiros era o dos
canhões existiam 12 permanentes para cada marinheiros de ré8 que, por sua pouca experiên-

1 Em inglês, idlers.
2 FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. Oxford: Osprey, 2007, p. 21.
3 Em inglês, topmen.
4 Vergas eram pedaços grandes de madeira que se fixavam nos mastros em ângulos retos para suportar as velas
do navio.
5 FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op. cit. p. 21.
6 Em inglês, forecastle men.
7 Gurupés é considerado também um mastro. Prolonga-se pela proa do navio, em uma inclinação aproximada de
35 graus. Fonte: PIOVESANA, Alberto. Noções Básicas sobre Navios a Vela. Rio de Janeiro: Fundação de
Estudos do Mar. p. 35.
8 Em inglês, afterguard.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

cia, atuavam à ré do navio, no tombadilho e na pertar, esses marinheiros arrumavam suas


popa. Apesar de sua pouca prática, esse grupo cobertas e limpavam os conveses pouco antes
era formado, em sua maioria, por landsmen9 do café da manhã, que ocorria por volta das 7
mais antigos conduzidos por marinheiros espe- horas. Essa era uma boa ocasião para as con-
cializados ou ordinários. Podiam cooperar com versas entre os marinheiros, e os comandantes
os gajeiros em caso de necessidade. Em uma tendiam a deixar seus subordinados à vontade
fragata de 36 canhões, existiam 14 marinheiros nesse período, só os interrompendo em caso
de ré em cada grupo de serviço. de emergência. Esse café da manhã durava
Outro conjunto era o dos marinheiros cerca de 45 minutos. Das 8 às 12 horas entra-
recrutas,10 formado, em sua maioria, por va um grupo de serviço em atividade nas velas
landsmen sem nenhuma experiência a e cabos, enquanto o outro grupo realizava
bordo, normalmente recém-embarcados. atividades de manutenção e limpeza. Os pe-
Realizavam os piores e mais trabalhosos ríodos de serviço iam de 8 às 12 horas, depois
serviços como limpadores, carregadores das 12 às 16 horas, seguido de 16 às 18 horas,
de peso, transportadores de munição e em 18 às 20 horas, ou o primeiro quarto noturno,
faxinas gerais no navio. Em uma fragata de quando um grupo podia descansar, das 20 à
36 canhões, existiam oito marinheiros em 0 horas, de 0 às 4 horas, e das 4 às 8 horas11,
cada grupo de serviço. recomeçando novamente o dia. Não existiam
Quanto à organização administrativa, ela horas livres para nenhum dos dois grupos de
era dividida em relação ao número de tenen- serviço, exceto à noite e quando ordenado
tes a bordo. A tripulação era dividida igual- pelo comandante, normalmente aos domin-
mente em número de membros da guarnição gos. O propósito era a manutenção do navio
pelos tenentes que tinham a responsabilidade e preparação para o combate, sendo normal
de zelar pela saúde e pelo bem-estar de seus a monotonia em travessias longas. Existiam
homens, incluindo a situação sanitária e o funções importantes no serviço de bordo,
impedimento da bebida generalizada a bor- como timoneiros e vigias que mantinham o
do. Eram organizadas inspeções periódicas navio no rumo e verificavam a aproximação
pelos tenentes, midshipmen e suboficiais de outras embarcações.
para verificar essas condições gerais, e Às 11 horas ocorria uma grande ins-
qualquer anormalidade era reportada para o peção diária conduzida pelos oficiais e
julgamento do comandante, única autoridade midshipmen. Ao meio-dia, os oficiais e
investida para punir a tripulação. midshipmen faziam observações do sol
A rotina diária pouco diferia da rotina dos para corrigir as posições astronômicas
navios a vela do século XVI. A tecnologia do navio e, dessa maneira, a sua derrota.
naval avançara pouco naqueles 200 anos de Durante a manhã e grande parte da tar-
atividade marítima. Quando navegando, o dia de, eram também conduzidos exercícios
típico em um navio da RN começava cedo, de armas portáteis, de marinharia e de
ainda de madrugada, quando os contramestres artilharia. Caso estivessem em compania
acordavam os marinheiros que entrariam de de outros navios, existiam exercícios de
serviço às 8 horas da manhã. Após o des- bandeiras coordenados pelo almirante e

9 Ver artigo anterior da RMB.


10 Em inglês, waister.
11 Em inglês, esse período de 4 às 6 horas e de 6 às 8 horas era chamado de dog watch, de modo a criar variedade
e impedir que os períodos se repetissem para os tripulantes. Fonte: LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. The
Ships, Men and Organization 1793-1815. Annapolis: Naval Institute Press, 1989, p. 200.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

seus auxiliares. Logo depois era servido o gosto. Algumas vezes se utilizavam man-
jantar, por volta das 14 horas, e essa oca- teiga e queijo, dependendo da extensão das
sião era a mais agradável parte do dia. As viagens. Frutas eram bem-vindas quando se
mesas eram servidas pelos cozinheiros, e as chegava em portos nas Índias Ocidentais, na
conversas durante a refeição levavam cerca América, na África e nas Índias Orientais,
de uma hora. Nessa ocasião servia-se rum, pois evitavam doenças.12
o que era uma esperada oportunidade para As principais diversões dos marinheiros
relaxarem. Os dois ou três grupos jantavam eram contar estórias navais, principalmente
juntos, com exceção daqueles serviços que para os landsmen que embarcavam pela
não podiam ser rendidos, como timoneiro e primeira vez, e cantar canções populares
vigias. Existia, ainda, às 16 horas, uma sopa acompanhadas de violinos13, fato que po-
servida à tripulação, acompanhada de uma deria ocorrer inclusive no período noturno.
pequena dose de rum. Depois do jantar, o na-
A comida a bordo vio era preparado para
dos navios da RN era A saúde era fundamental a navegação noturna,
a principal preocupa- ocorrendo o silêncio às
ção de toda a tripula- para manter tanto o moral 20 horas, no verão, e às
ção, além das doses como a eficiência do navio 21 horas, no inverno14.
de cerveja e de rum. Todas as luzes eram ex-
De uma maneira ge-
em combate tintas à noite, de modo
ral, a comida era ruim.  a se evitar incêndio e
Às segundas-feiras, A medicina do período era a indicar a posição do
terças-feiras, quintas- navio aos inimigos. O
feiras e domingos, os rudimentar e muitas vezes mestre disciplinador era
marinheiros comiam bárbara o responsável em enfa-
uma libra de porco ou tizar esse requisito. Os
carne, sempre salgados grupos de serviço eram
para conservação. Nos demais dias servia-se rendidos à 0 hora e às 4 horas, e a rotina
peixe seco. Existiam também biscoitos se- cumprida logo após esse horário e um novo
cos duros feitos de pão, no qual era comum dia recomeçava. Essa era a rotina básica de
encontrarem-se vermes, em razão do tempo um navio da RN na época de Nelson.
de exposição dessas guloseimas. Esses bis-
coitos, por serem duros demais, irritavam a A medicina a bordo dos
gengiva e amoleciam os dentes dos tripulan- navios da RN
tes. Servia-se também pequena quantidade
de cerveja, vinho, brandy ou rum por dia. A saúde era fundamental para manter
A água era racionada e logo se deteriorava. tanto o moral como a eficiência do navio
O que normalmente se fazia era filtrá-la, a em combate. O próprio Nelson disse que
cada vez que fosse usada, em pedras levadas “a grande coisa em todo o serviço militar
nos barris, o que melhorava um pouco o seu é a saúde”15. O maior responsável pela

12 HICKOX, Rex. All you wanted to know about the 18th Century Royal Navy. Bentonville: Rex Publishing,
2005, p. 17.
13 LAVERY, Brian. Life in Nelson´s Navy. Gloucestershire: Sutton Publishing, 2007, p. 49.
14 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 200.
15 Ibidem, p. 212.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

manutenção da saúde da tripulação era o existiam em suas roupas e macas de dormir,


cirurgião. Em um navio de linha de 3a clas- provocando coceiras e irritações21.
se, existiam dois auxiliares que o ajudavam A principal doença que afligia os mari-
nas atividades diárias. nheiros no século XVIII era o escorbuto,
Além das tarefas sanitárias a bordo, o ci- causado pela falta de vegetais frescos. A
rurgião deveria manter registros dos tripu- partir de 1795, foi determinado que os
lantes e informar sempre ao comandante a navios levassem limões para o combate a
situação de saúde da tripulação. Os homens essa doença, o que diminuiu sobremaneira
recentemente chegados no navio passavam a sua incidência. Doenças infecciosas eram
por uma inspeção de saúde, principalmente muito temidas, e o tifo foi a pior. Embora as
os convocados compulsoriamente e os opiniões variassem, a maior parte dos cirur-
provindos do sistema de quotas. Existia giões acreditava que roupas sujas, água de
no navio uma enfermaria16, normalmente má qualidade e “ares ruins” eram as causas
no castelo de proa a boreste17, com macas dessa doença. Como exemplo, durante o
suspensas18, e dotada de um banheiro, para ano de 1797 o cirurgião do HMS Gladiator
uso dos doentes lá localizados. Esse local tratou 17 homens com febre, a maioria com
era considerado adequado, pois afastava tifo, e nenhum com escorbuto.22 Em razão
os doentes dos sãos que se alojavam nos dessas condições, os cirurgiões auxiliavam
conveses a meio navio19; além disso, era diretamente os tenentes na preservação das
ventilado e permitia que aqueles que es- condições de higiene das divisões.
tivessem com diarreia recorressem a um A febre amarela era a mais comum nos
banheiro privativo. trópicos.23 Era uma doença muito temida
A medicina do período era rudimentar e por todos, e ocorreram surtos principal-
muitas vezes bárbara. Não existia penicilina mente nas Índias Ocidentais, com trágicas
para combater infecções, nem anestesia consequências para as tripulações. Uma
para aliviar as dores. Como a sociedade epidemia entre 1794 e 1796 matou milhares
inglesa no século XVIII, as condições de de soldados do exército britânico na região,
higiene eram ruins20, fruto da ignorância e além de atingir os navios nessa estação.
até de superstições. A bordo proliferavam Dos 500 homens a bordo da Fragata HMS
ratos, pulgas, baratas e piolhos, e o cheiro Vanguard, 120 morreram em razão da febre
era insuportável. Muitos cirurgiões acre- amarela. O combate a essa doença na época
ditavam que as doenças eram transmitidas era a sangria, totalmente ineficaz, como se
pela respiração dos doentes, os “miasmas”. sabe hoje.
A expectativa de vida dos marinheiros no Além das doenças contagiosas, ocorriam
período era de 36 anos de idade, e quase outras enfermidades que incomodavam
todos eram infestados de parasitas que bastante os tripulantes. Hérnias eram co-

16 Em inglês, sick berh.


17 Na parte direita.
18 Em inglês, hammock.
19 Esse arranjo foi criado pelo comandante do HMS Centaur, Capitão Markham, ao final dos anos 1790 e se tornou
padrão nos navios da RN. Fonte: Ibidem, p. 214.
20 Aproximadamente dois terços das crianças nascidas na GB durante o século XVIII morreram antes de completar
5 anos de idade. Fonte: HICKOX, op. cit. p. 39.
21 Ibidem, p. 40.
22 LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op. cit. p. 215.
23 Idem.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

muns, e o remédio era um cinto de metal cias. O temor das deserções suplantava a
usado pelo doente para pressionar o local preocupação com doenças.
afetado24. Pode-se imaginar a dor desses so- Ocorriam muitos acidentes a bordo dos
fredores com tal expediente! Reumatismo navios, principalmente quedas de mastros
era também comum, em razão, principal- e vergas, com fraturas e hemorragias inter-
mente, das difíceis condições a bordo, além nas. Se as fraturas fossem graves, muitos
de doenças psicossomáticas, que atingiam preferiam a amputação do membro afetado.
um a cada mil homens no mar, sete vezes Faziam-se suturas de cortes no corpo, no
mais que a média inglesa no período, em entanto não existia a assepsia, o que podia
razão principalmente do estresse e das con- provocar infecções. Para ferimentos perfu-
dições insalubres e perigosas25. Os cirurgi- rantes, normalmente aumentava-se a área
ões utilizavam intensivamente “sangrias” atingida, provocando hemorragia local, de
para “limpar” o sangue, pois acreditavam modo a “retirar o sangue contaminado” e
que o sangue contaminado era substituído depois se procurava retirar o objeto perfu-
por outro limpo pelo próprio organismo. rante. Se a perfuração fosse no abdômen,
As doenças vené- pouco o cirurgião po-
reas também eram co- dia fazer, em razão da
muns, principalmente Em combate, a enfermaria contaminação fecal,
depois de se atracar advindo a morte por
em portos estrangei- era um teatro de horror infecção generalizada.26
ros. Por muito tempo o  Em combate, a en-
Almirantado acreditou fermaria era um tea-
que os marinheiros
Nelson, depois de sua tro de horror. No piso,
procuravam se conta- morte em Trafalgar, foi colocava-se areia para
minar para fugir dos mantido em um tonel de absorver o sangue dos
embarques, e os mul- feridos e evitar tro-
tava a cada contami- brandy para ser enterrado peços. Geralmente os
nação. Essa prática na Inglaterra ferimentos eram pro-
terminou somente em vocados por tiros de
1795. O tratamento mosquetes, que entra-
para gonorreia e sífilis constava de um vam no corpo trazendo sujeira e pedaços
preparado de sulfato de mercúrio a ser de roupa do atingido, contaminando o
tomado por 25 dias, complementado por marinheiro. Outro ferimento comum era o
purgantes. Muitos comandantes permitiam de farpas de madeira que voavam em todas
a entrada de prostitutas a bordo, de modo a as direções quando um mastro ou convés
manter os marinheiros nos navios e evitar as era atingido por tiros de canhão. Também
constantes deserções. Muitas dessas pros- evoluíam para contaminação e infecção.
titutas mantinham relações sexuais com Muitos desses ferimentos requeriam
diversos marinheiros dias a fio, agravando amputações. O paciente recebia rum,
a transmissão de doenças e infecções. Os uísque ou láudano como anestésico, e o
cirurgiões tinham dificuldades em manter cirurgião tinha poucos minutos para rea-
o controle das doenças nessas circunstân- lizar a amputação de um membro. Quanto
24 Em inglês, trusser.
25 Idem.
26 HICKOX, op. cit. p. 41.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

mais rápido agisse, melhor, pois diminuía a Os Articles of War podiam ser divididos
possibilidade de choque e de maior perda de em quatro grandes grupos. O primeiro abar-
sangue. Colocava-se também um pedaço de cava artigos que atentavam contra Deus e a
couro na boca do paciente para ele morder, religião, incluindo ofensas contra o Criador,
e uma serra era utilizada no procedimento. linguagem ofensiva e profana. O segundo
Algumas amputações levavam no total de grupo incluía artigos que puniam contra
quatro a cinco minutos no máximo. Muitos crimes atentatórios ao poder executivo do
feridos desmaiavam de dor ou morriam rei e do governo – nesse grupo estavam lis-
de infecção dias depois. As artérias eram tados crimes como espionagem, negligência
cauterizadas. do dever e manter contato com o inimigo;
Durante o combate, os mortos e os muitas dessas faltas eram punidas com a
membros amputados eram simplesmente pena de morte. O terceiro grupo apresenta-
lançados ao mar para dar espaço a outros va artigos que puniam atos que violavam e
feridos serem operados, com exceção para transgrediam os direitos e as tarefas que os
os oficiais mais graduados, cujos corpos “homens deviam a seus iguais”, incluindo aí
eram conduzidos a seus camarotes para assassinato, roubo e furto, muitos passíveis
serem sepultados no mar posteriormente. de pena de morte. Por fim, o último grupo
Nelson, depois de sua incluía as ofensas mili-
morte em Trafalgar, tares, tais como recusa
foi mantido em um to- A disciplina naval se de combater o inimigo,
nel repleto de brandy baseava nos The Articles of negligência ou covardia,
para ser enterrado na também passíveis de
Inglaterra. War, que foram formulados pena de morte27.
A vida a bordo de no reinado de Carlos II Existiam diversas
um navio da RN no brechas nessa legislação
período era bem di- que permitiam a livre
fícil. Basta ver que as deserções eram interpretação do comandante do navio, que
endêmicas. De que maneira os oficiais era o único que poderia imputar uma pena
conduziam a disciplina dos marinheiros a qualquer membro da tripulação. A ele
nesses navios? competia o julgamento e a intensidade da
pena. Se fosse um comandante justo, a sorte
Disciplina e punições nos seria da guarnição. Se fosse injusto, azar para
navios da RN todos. A liberdade e o poder imputados a um
comandante eram enormes, e isso tinha uma
O arcabouço legal para a disciplina na- explicação interessante e pertinente. Muitas
val se baseava nos chamados The Articles vezes um navio da RN encontrava-se afastado
of War, que foram formulados no período de sua base por muitos meses, e até anos,
de reinado de Carlos II após a Restaura- submetido apenas à disciplina dos oficiais
ção, sofrendo alterações em 1749 e após sob a direção do comandante. As comuni-
a morte do Almirante Byng na Guerra dos cações do século XVIII eram precárias, e a
Sete Anos, modificando-se, inclusive, o disciplina tinha que ser imposta de qualquer
artigo que reiterava a pena de morte para maneira em tripulações geralmente rudes e
as circunstâncias que o atingiram. brutas, pois, caso contrário, degeneraria em

27 LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op. cit. p. 216.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

confusão, desordem e caos. Pode-se com- infligia dor ao punido era cruel; no entanto,
preender essa liberdade de ação, e poucas naquele período toda a comunidade naval
vezes o Almirantado interferiu nas decisões dos oficiais e marinheiros considerava
desses comandantes, interpretando que eles esse expediente normal e muitas vezes até
agiram corretamente nos melhores interesses necessário. Muitos marinheiros viam a chi-
da GB e do rei. bata como a única forma de controlar maus
De forma a manter um navio com eficiên- elementos que eram negligentes e covardes,
cia, era necessária uma disciplina estrita. Rex expondo suas vidas à morte a todo o mo-
Hickox considerava como disciplina em um mento. A chibata, segundo os marinheiros
navio da RN no século XVIII a soma de obe- do período, não era ruim por si só. Ela se
diência, competência, transformava em instru-
lealdade e confiança mento cruel se fosse
mútua28. Quando um Um ponto importante utilizada em qualquer
marinheiro era punido, era o tipo de punição por falta por comandantes
ele o era porque colo- insensíveis, o que não
cara seus companheiros chibatadas que era imposto era incomum. Existiam
em perigo e, dessa ma- à guarnição: dura, brutal e marinheiros que eram
neira, o próprio navio. contumazes em receber
Todos dependiam de
rápida chibatadas e eram nor-
todos para conduzir o malmente indiferentes
navio e lutar no mar. Geralmente não existia a essa punição30.
prisão a bordo, prendendo-se o culposo em A tripulação gostava de comandantes
ferros e diminuindo suas rações de comida que fossem justos na punição, que fossem
e bebida. Dessa maneira, a chibata29 era o bravos, bons marinheiros e intransigentes
instrumento mais efi- com a negligência. Esses
ciente utilizado naquele marinheiros suportariam
período. qualquer punição pro-
Um ponto impor- vindo desse capitão e o
tante era o tipo de pu- acompanhariam a qual-
nição por chibatadas quer ação, pois, para eles,
que era imposto à guar- seus atos eram sempre
nição: dura, brutal e justos. Esses marinhei-
rápida. Hoje, ao discu- ros, por outro lado, de-
tirmos a chibata como testavam comandantes
Imagem de uma faina de chibatadas conduzida em
um instrumento puni- um navio de guerra inglês do século XVIII pouco exigentes que não
tivo cruel e desumano, exigissem o melhor da
estamos analisando sob tripulação, pois sabiam
o ponto de vista do século XXI, com valores que esses capitães os deixariam, na hora do
e cultura ocidental do tempo presente, de perigo, em situações perigosas, perdoando
respeito aos direitos humanos. Realmente, os faltosos e negligentes. Pior ainda, eles
utilizar-se um instrumento de castigo que detestavam os comandantes tiranos que

28 HICKOX, op. cit. p. 23.


29 A chibata era chamada de ‘cat of nine tails’ ou gato de nove rabos por possuir nove cordas de couro, saindo de
um cabo de madeira. Fonte: Ibidem, p. 106.
30 MASEFIELD, John. Sea Life in Nelson´s Time. 3. ed. Annapolis: Naval Institute Press, 1971, p. 71.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

chibatavam todos por pequenas infrações e bora não fosse tão comum como imaginado.
arbitrariamente. Eles eram não só temidos, Sua aplicação requeria uma formatura geral
mas odiados.31 assistida por todos. Os
Muitos comandan- chapéus eram retirados
tes não gostavam de da cabeça, o coman-
utilizar a chibata para dante lia a sentença a
corrigir seus faltosos. ser aplicada ao faltoso,
Um desses casos foi o indicando o artigo do Ar-
do capitão, depois al- ticle of War referenciado
mirante, Collingwood, na punição, passando a
segundo de Nelson em palavra ao faltoso para
Trafalgar. Disciplinador qualquer justificativa,
severo, Collingwood normalmente declinada.
exigia o máximo de O marinheiro, então,
seus homens. Todos era preso ao mastro, e
o temiam. Ele trazia sua camisa era retirada.
seu navio em perfeita O contramestre, então,
ordem, disciplina e total aguardava ordem do
fidelidade de sua guar- comandante, que deter-
nição, utilizando a chi- minava “cumpra o seu
bata o mínimo possível. dever”33, e as chibatadas
Dizia ele que os seus Imagem do Almirante Cuthbert Collingwood, Barão eram aplicadas ao falto-
de Collingwood, disciplinador severo e brilhante
marinheiros iriam bater chefe naval so até o máximo de 12
continência para um no dia34. A chibata então
uniforme que estivesse secando no convés se era limpa pelo contramestre, retirando-se
assim ele determinasse, tal o nível de confian- carne e sangue do punido, e o cirurgião se
ça e respeito que seus aproximava para ver
homens tinham por ele. as condições do falto-
Ele raramente chibatava Existiam cortes marciais so. Normalmente eram
mais que um marinheiro colocados vinagre e sal
por mês e punia apenas para faltas graves, tais nos ferimentos, de modo
faltas graves, tais como como as que requeriam a evitar infecções35. O
bebedeira a bordo, in- cerimonial então estava
citamento ao motim e
penas de morte terminado. Logo que
roubo, com seis, nove possível, o marinheiro
e, no máximo, 12 chibatadas.32 voltava às suas funções rotineiras. O pro-
O uso da chibata, assim, era o método mais cedimento tinha um efeito intimidador e
usual a bordo para controlar a guarnição, em- dissuasório para a tripulação.

31 Idem.
32 Ibidem. p. 72.
33 Em inglês, a ordem era do your duty.
34 Muitos comandantes aplicavam mais de 12 chibatadas. Se existisse mais de uma falta, poderia ser transferida
a punição para outros dias, até o máximo de cem chibatadas. Fonte: LAVERY, Brian. Life in Nelson´ Navy.
op. cit. p. 52. e HICKOX, op. cit. p. 107.
35 HICKOX, op. cit. p. 24.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

Existiam cortes marciais para faltas graves, decididas por corte marcial, o que era
tais como as que requeriam penas de morte, um sofrimento atroz para o faltoso. Um
como motim, considerado a pior de todas e en- marinheiro no século XVIII havia pedido,
volvendo oficiais, iniciadas normalmente por inclusive, para ser morto em vez de sofrer
uma parte circunstanciada do comandante do tal martírio, dizendo: “Estou certo que não
navio. Essa corte, depois de reunida, congre- poderei passar por essa tortura; preferiria
gava, pelo menos, de cinco até 13 capitães ou ser sentenciado à morte por fuzilamento
almirantes para definir as punições, depois de ou enforcado na verga”.37 Geralmente essa
ouvir a parte ou partes envolvidas no crime. Se punição requeria as chibatadas à prestação
o acusado fosse considerado culpado, ele era em diversos navios da RN, 20 em cada
enforcado, normalmente em seu próprio navio. um, tomando diversos dias e servindo
Na ocasião, os outros como fator inibidor para
navios surtos no porto outros recalcitrantes.
enviavam representan- Muitos marinheiros que
tes oficiais e marinhei- sofreram essa punição
ros para testemunhar morreram no processo.
a execução. Antes de As deserções eram
qualquer punição, a sen- faltas crônicas nos na-
tença de pena de morte vios da RN. Presume-se
precisava ser confirma- que cerca de 25% das
da pelo Almirantado. tripulações desertaram
Existia a possibilidade naquele período. Entre
da pena ser perdoada maio de 1803 e junho
pelo rei, o que ocorria de 1805, ocorreram na
algumas vezes. Nor- RN 5.662 deserções de
malmente levava-se o marinheiros especiali-
acusado para o convés zados, 3.903 deserções
para ser enforcado, e, no de marinheiros ordiná-
último instante, o perdão rios e 2.737 deserções
do rei era lido para todas de landsmen38, núme-
Imagem de um comandante típico do século XVIII,
as testemunhas. Pode-
36
capitão Thomas Baillie em quadro pintado por
ros impressionantes.
se imaginar a agonia e Nathaniel Hone em 1779 Esse tipo de falta podia
desespero do acusado corresponder de chi-
aguardar até o último momento para o perdão batadas até a pena de morte, no caso de
real, que era mantido em segredo até aquele reincidências.
instante. O Almirante Byng não obteve o espe- As punições aplicadas normalmente
rado perdão em 1757. Para o caso de oficiais, a eram as seguintes: bebedeira a bordo, a
sentença de morte era por fuzilamento. mais comum, 12 chibatadas; reincidência,
Existiam casos esporádicos de puni- 12 chibatadas a mais; roubo, 36 chibatadas;
ções envolvendo deserções ou agressões sujeira contumaz, 18 chibatadas; dormindo
a oficiais em que não se aplicava a pena em serviço, seis chibatadas; urinando na
de morte, mas sim cem a mil chibatadas, popa, 12 chibatadas; ações libidinosas com
36 LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op. cit. p. 217.
37 Idem.
38 LEWIS, Michael. A Social History of the Navy 1793-1815. London: Chatham, 2004, p. 134.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

jovens marinheiros39, 48 chibatadas e dois entanto, ele servia para prender com cor-
meses de confinamento40. rentes o pé ou a perna daqueles faltosos que
Existia uma punição que envolvia a aguardavam o julgamento do comandante.
própria tripulação como executora. O Pode-se observar que as punições eram
comandante, em vez de mandar aplicar geralmente severas, assim como a vida a
chibatadas no faltoso, transmitia a punição bordo era dura. A severidade das punições
para ser aplicada pela própria tripulação41. variava de navio a navio, dependendo da
Normalmente envolvia casos de furto. O autoridade maior a bordo, o seu coman-
ladrão era colocado amarrado e sentado em dante. Alguns comandantes foram acusa-
uma banheira puxada no convés principal. dos de brutalidade; no entanto, suas penas
Duas filas de marinheiros eram colocadas foram brandas em relação ao sofrimento
nesse convés, todos munidos de chicotes de infligido a seus subordinados. No ano de
três pontas, e o faltoso passava sentado por 1881, finalmente a chibata foi abolida na
essas duas filas apanhando com os chicotes, RN, depois de forte oposição da opinião
em um verdadeiro corredor de chicotadas. pública na GB43.
A severidade da punição variava com os
sentimentos dos tripulantes contra esse A tática e o modo britânico
ladrão. Esse tipo de de combater
punição foi abolido em
180642. No ano de 1881, finalmente As tarefas alocadas
Outras punições a chibata foi abolida à RN no século XVIII
menos drásticas en- eram: fustigar as co-
volviam redução da na RN, depois de forte lônias dos adversários
quantidade de comida oposição da opinião pública apresando seus navios
e da ração de rum a mercantes e atacando
bordo (muito temida,
na GB suas bases coloniais;
pois a bebida era muita defender a ilha contra
apreciada pela guarnição), rebaixamento a ameaça de invasão pelo mar; proteger
de posto e diminuição do soldo. Outro as linhas de comunicação britânicas e dos
sistema muito antipático utilizado a bordo aliados contra ataques inimigos; proteger
era o uso de pequenas varas de bambu ou nacionais estacionados em diversas pos-
cabos solteiros por oficiais, midshipmen e sessões no império; e mostrar a bandeira
suboficiais para chicotear marinheiros que em defesa dos interesses britânicos nos
eram lentos ou negligentes nas atividades mares e oceanos.
rotineiras a bordo. Houve alguns casos de Normalmente as fragatas, em razão de sua
marujos e até midshipmen que, por terem maior velocidade e flexibilidade, atacavam as
sido indolentes, foram amarrados no ma- linhas de comunicação inimigas, protegiam
çame de bordo durante algumas horas. O os comboios de navios mercantes britânicos
confinamento também foi utilizado; no e engajavam em combates individuais as

39 Em inglês, attempting an unnatural crime with a boy, em outras palavras sodomia.


40 LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. Op. cit. p. 218.
41 Chamado em inglês ‘running the gauntlet’.
42 Ibidem, p. 219.
43 Royal Navy & Marine Customs and Traditions. Disponível em www.hmsrichmond.org/avast/customs.htm.
Acesso em: 31 de janeiro de 2011.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

fragatas inimigas. Os navios de linha, por oposta. O propósito de se engajar pelas


terem maiores dimensões, executavam ações laterais era concentrar a artilharia contra o
de bloqueio e confrontavam a linha de batalha adversário, por boreste ou bombordo.
inimiga. Os britânicos, ao engajarem os seus Os navios eram dependentes do vento
adversários, tinham em mente a destruição reinante, tanto em intensidade como em
efetiva da esquadra inimiga, ao contrário dos direção. Aquele que estivesse a barlavento47
franceses, que, premidos por circunstâncias po- poderia escolher o tipo e a aproximação
líticas e econômicas, preferiam o engajamento para combate, enquanto o que se encon-
a distância, avariando os mastros e as velas dos trasse a sotavento48 deveria aguardar a apro-
ingleses, de modo a impedir a sua perseguição ximação do inimigo ou fugir do combate;
e dificultar as manobras desses adversários.44 assim era vantajoso procurar a chamada
Geralmente a organização da esquadra “perna do vento” para se colocar a barla-
competia ao almirante comandante, que vento e ter a iniciativa das ações. O maior
tinha a tarefa de compor uma ou duas linhas desejo de um almirante seria concentrar
de batalha com navios da 1a à 4a classe. Um dois navios contra um adversário49, o que se
navio se posicionava atrás do outro, em dava, na maior parte das vezes, quando ele
distância aproximada de 200 a 300 jardas, se encontrasse a barlavento. Outra manobra
estando um grupo à frente sob o comando desejada era a quebra da linha adversária50,
de um vice-almirante45 e outro grupo à ré desorganizando sua defesa e permitindo a
sob o comando de outro almirante, um con- concentração de fogos em ambos os bordos.
tra-almirante46. O comandante em chefe da Os ingleses, a partir das Guerras Anglo-
esquadra tinha um grupo sob o seu controle Holandesas, publicaram as chamadas
no centro da formatura. As fragatas ficavam Fighting Instructions,51 que estabeleciam
fora, de modo a transmitir as comunicações obrigatoriamente a coluna como formatura
desse almirante aos demais navios na linha de combate. A ideia original era pertinente,
e proceder a esclarecimentos à vante da pois permitia o controle dos navios por par-
formatura. Utilizavam-se bandeiras com te do almirante e a concentração de fogos
sinais específicos que, quando agrupadas, eficiente. Essas instruções permearam o
formavam ordens. Existiam megafones de modo inglês de lutar por quase 150 anos e,
metal que eram usados para troca de men- caso o almirante se afastasse das orienta-
sagens entre navios próximos um do outro. ções delas emanadas, suas chances de corte
Dessa forma, a maioria dos engajamen- marcial aumentariam. O combate linha
tos entre esquadras adversárias se dava por contra linha passou a ser o lugar comum
combates de linha contra linha, podendo no final do século XVII e no século XVIII.
ser oblíquas ou paralelas. Cada navio, teo- O que deveria ser uma vantagem no sé-
ricamente, engajava seu adversário na linha culo XVII transformou-se em desvantagem

44 HUGHES JR, Wayne. Fleet Tactics. Theory and Practice. Annapolis: Naval Institute Press, 1986, p. 48.
45 Vice-almirante relativo ao grupo de navios de vante (van), provindo a expressão vice-admiral em inglês.
46 Contra-almirante relativo ao grupo de navios de ré (rear), daí a expressão em inglês rear-admiral.
47 Direção de onde vem o vento ou bordo da embarcação voltado para a direção de onde vem o vento.
48 Direção contrária de onde vem o vento ou bordo contrário de onde o vento sopra.
49 Em inglês, doubling the enemy.
50 Em inglês, break the line.
51 O livro de história naval que melhor descreve a evolução das Fighting Instructions a partir de 1530 até 1816
foi escrito por Sir Julian Corbett cujo título é Fighting Instructions 1530-1816 publicado em 1905 pelo Navy
Records Society, volume 29.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

ao final do século seguinte, em razão do O segundo ponto, para Hugues, era


aumento dos navios de linha e das táticas a doutrina que servia como base para a
postergadoras francesas, o que começou a liderança e o treinamento, sem que esses
impedir a decisão na batalha. De instruções fossem dogmáticos. A doutrina indicava
gerais passou-se ao dogma. Nada podia um procedimento no caos do combate,
ser modificado. Aquele que ousasse mu- embora reconhecesse que “nenhum plano
dar alguma coisa deveria ser punido pelo sobrevivia ao contato com o inimigo”.
Almirantado. Segundo o Professor Wayne Flexibilidade aproveitando a doutrina.
Hughes, as táticas inglesas simplesmente se Segundo Hughes, Nelson entendeu que a
“ossificaram”.52 Qualquer tática inovadora doutrina era a base necessária para uma
ou criativa era descartada. O formalismo boa tática.
prevaleceu na RN até que, em 1782, Lorde O terceiro ponto compreendia a tática
Rodney se afastou do dogmatismo das Fi- e a tecnologia. Nelson entendeu perfeita-
ghting Instructions na Batalha dos Santos mente a dependência de uma da outra. Di-
e obteve brilhante vitória contra os fran- ria Hughes que “conhecer a tática significa
ceses. Naquela oportunidade, ele quebrou conhecer as armas”. Nelson compreendeu
a linha adversária, fugindo do combate muito bem essa máxima e por isso ele
formal em linha. Em 1794, na Batalha do prevaleceu.
Glorioso Primeiro de Junho, Lorde Howe O quarto ponto indicado por Hugues
também dispensou as normas dogmáticas copiava Julian Corbett, que afirmou que
e derrotou o almirante francês Villaret o propósito da guerra era sempre as ações
Joyeuse. Dessa vez, Howe rompeu a linha em terra. Lá estaria a decisão. Embora a
inimiga por bombordo em diversos pontos, destruição da esquadra adversária fosse
trazendo confusão para a esquadra francesa. um objetivo pertinente, a decisão em terra
As Fighting Instructions começavam a ser deveria prevalecer sobre tudo. Nelson per-
abandonadas por táticas criativas e por co- cebeu isso no Nilo. Ao destruir a esquadra
mandantes ousados. John Jervis, em 1797, francesa em Aboukir, forçou a retirada de
cumprimentou Nelson por ter explorado Napoleão do Egito.
novas ideias durante a Batalha do Cabo São Por fim, o quinto ponto era utilizar sem-
Vicente. Foi o sepultamento definitivo das pre a ofensiva, atacando vigorosamente o
Fighting Instructions. adversário. Atacar sempre e rápido, essa
O Professor Hughes indicou que, após era a ação que Nelson procurava constan-
a Batalha do Nilo, vencida por Nelson em temente, e por isso teve êxito, segundo
1798, cinco pontos cruciais a respeito da Hughes53.
guerra no mar afetaram a tática naval. A importância de Nelson no campo da
O primeiro congregava a liderança, o tática e no modo de combater britânico
moral, o treinamento, o condicionamento não estava escrita, mas se fundamentava
físico e mental, o poder e a permanência na em aplicação prática. Ele não gostava de
ação, os quais, para ele, eram os elementos ordens escritas formais, preferindo reunir
mais importantes na guerra naval. Para seus comandantes de navios, o seu band of
Hugues, Nelson reunia essas qualidades e brothers, e com eles discutir o que desejava,
por isso teve sucesso na Batalha do Nilo. ouvindo, discutindo, aceitando e contes-

52 HUGHES JR, op. cit. p. 48.


53 Ibidem, p. 24.

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A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

tando. Ele, ao contrário de muitos de seus Em terceiro lugar, de que a RN era


colegas almirantes, deixava a critério de um lugar duro, feito para homens rudes,
seus comandantes subordinados, a inicia- brutais, temerários que enfrentavam as
tiva das ações. Dizia sempre que “nenhum agruras de modo destemido se fossem
comandante agirá errado se colocar seu bem liderados e que tais líderes existiram
navio ao lado de um inimigo”54, afirmando, naquele final de século XVIII e início do
com isso, que a iniciativa dos seus oficiais século XIX.
era incentivada. Em quarto lugar, o reconhecimento do
Por ter sido único em sua época e em povo britânico com seus marinheiros que
épocas posteriores, Nelson se destacou arriscavam suas vidas em locais inóspitos
de seus pares. Sua liderança arrojada e e mares bravios para defender os interesses
sua personalidade fulgurante, em um da GB em qualquer ponto do globo onde
momento de perigo para a GB, quan- fosse necessário.
do Napoleão ameaçava a integridade Em quinto e último lugar, o apoio que
britânica, despertaram naturalmente o poder político nacional proporcionou
a curiosidade de diversos escritores ao poder naval da GB de modo a atender
e historiadores em às suas necessidades
quererem compreen- básicas tanto no as-
der a Marinha desse A Marinha do Brasil nasceu pecto logístico como
herói nacional morto
em defesa do rei e
da congregação de duas no financeiro, por meio
de políticas que tinham
da GB. Marinhas tradicionais e perenidade e abrangên-
prestigiosas: a Portuguesa e cia necessárias para
Conclusão transformar a RN no
a Britânica mais formidável ins-
Por tudo o que foi trumento nacional no
discutido nessa série final do século XVIII.
de quatro artigos sobre a RN no tempo de Esse instrumento nacional, a RN, foi o
Horatio Nelson, algumas conclusões logo elemento fundamental que defendeu os in-
surgem. teresses do já Reino Unido a partir de 1815,
A primeira é de que a organização e a quando se iniciou o que se chama hoje em
doutrina da Marinha visavam à sua função dia de Pax Britannica, que perdurou por
principal, que era o combate no mar e a quase cem anos.
vitória sobre os oponentes e a defesa dos E o que essa discussão tem a ver com a
interesses nacionais em qualquer ponto Marinha do Brasil?
do globo. Muito tem a ver conosco essa discus-
Em segundo lugar, de que a liderança em são. A Marinha do Brasil nasceu da con-
ações de combate era o aspecto principal e gregação de duas Marinhas tradicionais
aquele almirante ou comandante que não e prestigiosas: a portuguesa, com sua
“defendesse os interesses do rei e do país” organização, sua estrutura e seu pessoal;
estava passível até da pena de morte, como e a britânica, com sua organização para
foi o caso do Almirante Byng na Guerra o combate e espírito ofensivo materia-
dos Sete Anos. lizado em almirantes como Cochrane

54 LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op. cit. p. 259.

118 RMB2oT/2014
A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: A vida cotidiana e as táticas de combate – (Parte IV – final)

e Taylor, que nos legaram parte dessa A Marinha do Brasil é fruto do que foi
tradição naval. Somos filhos desse tem- apresentado, e assim esse assunto muito
po histórico. nos interessa.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<HISTÓRIA>; História da Marinha da Inglaterra; História marítima; Nelson, Horatio;
Organização; Preparo do homem; Comando;

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EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação
militar naval*

MARCELO FELIPE DUARTE**


Professor

SUMÁRIO

Introdução
A importância da areté para a cultura clássica
A relação entre a ética e a educação
A emblemática Rosa das Virtudes
Conclusão

Introdução perspectiva da antiguidade quanto na con-


temporaneidade, o homem sempre buscou

A questão da virtude já ocupava o


pensamento do homem grego desde
tempos remotos. Platão, por meio de seus
entender e vivenciar a virtude.
Não obstante, para a melhor compreen-
são do conceito atual de virtude ética, da ex-
diálogos socráticos, debruçou-se sobre ela pectativa do homem contemporâneo quanto
elegendo-a como mais importante do que a este conceito e de sua importância na for-
a fama e a riqueza. mação do cidadão atual, em especial para
A respeito da relevância do tema, indu- a formação dos valores militares, torna-se
bitavelmente, pode-se dizer que, tanto na premente recuperar o campo semântico do
* Artigo premiado em 3o lugar na categoria Oficiais e Civis Assemelhados do Concurso de Artigos Técnicos
e Acadêmicos e de Redação das OM da área de Ensino da Marinha do Brasil e do Serviço de Seleção de
Pessoal da Marinha (SSPM) de 2013.
** N.R.: O autor é professor de história do Colégio Naval (CN).
EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação militar naval

que os filósofos clássicos denominavam dizer com a afirmação de que os valores


areté. Em outros termos, deve-se proceder éticos existem “por natureza”: eles estão
à reconstrução do contexto histórico dos ali, independentes de nós e de nossos
discursos platônico e aristotélico, e de suas modos de vida. (...) Também queria dizer
relações e articulações com a sociedade que nossa relação ética mais fundamental
grega da época. não é com entidades instáveis, tais como
as pessoas e a cidade, mas com algo mais
A importância da areté para firme que qualquer um de nós (NUSS-
a cultura clássica BAUM, 2009, p. 353).

Um dos maiores desafios quando se faz Sabe-se que Platão estava inserido em um
a tradução de uma língua é o de apreender contexto histórico de embate com os sofistas,
os sentidos que determinadas palavras pos- que se apresentavam como os “mestres da
suíam na época em que foram escritas. Isto virtude”, pois tinham no ensino sua atividade
porque, inevitavelmente, qualquer língua intelectual mais importante. Esse ambiente
traz subjacente uma pesada carga histórica e de confronto levou o ilustre filósofo a uma
simbólica. Este parece ser o caso da palavra relevante problematização: a virtude seria
areté, que, de acordo com Zingano, possuía inata ao homem ou ela poderia ser ensinada?
para os gregos um campo semântico cuja No diálogo Menon, a resposta platônica é
aplicação seria mais ampla do que o contexto negativa: a virtude não pode ser ensinada,
especificamente moral. Não por acaso, areté uma vez que ela é inata, muito embora se
parece, em muitos casos, traduzido como encontre adormecida em cada pessoa. O
excelência no “realizar bem as funções”. papel do filósofo consiste em despertá-la
Nesse sentido, o ferreiro que trabalha bem pela prática da reminiscência, ou anamnese.
e o cavalo que é veloz são considerados A questão da virtude em Platão, enseja-
virtuosos e excelentes. Como se pode per- da pela sua posição antagônica aos sofistas,
ceber, o termo grego em questão engendrava serviu de base à futura teoria aristotélica
múltiplos significados, denotando qualidade, acerca do mesmo tema. De acordo com
e também um sentido de “excelência moral” Ross, para Aristóteles “a virtude constitui a
(ZINGANO, 2008, p.78). raiz donde decola a ação conforme o bem, o
Quanto à excelência moral, seria opor- prazer é o seu acompanhamento natural e a
tuno também considerar as origens da prosperidade a sua condição prévia normal”
ética aristocrática no contexto histórico da (ROSS, 1987).
Grécia antiga. Observa-se que os padrões Aristóteles divide a virtude em duas
éticos eram imutáveis, naturais e externos espécies (ARISTÓTELES, 1973, I, 13,
ao homem. Daí se depreende que tal uni- 1103a 5 a 10): a virtude moral, cujo objeto
verso denotava a ideia de uma profunda principal refere-se aos atos da vida prática
estrutura de segurança, fazendo com que e desenvolve-se a partir de hábito, e a vir-
Platão associasse virtude à tradição: tude intelectual, que necessita de tempo e
Muito antes de Platão, uma tradição bem experiência para se estruturar, tendo como
difundida do pensamento ético grego as- objeto a contemplação e o saber. A virtude
severava que acordos e práticas éticos são intelectual, como não poderia ser de outro
baseados em padrões eternamente fixos modo, desenvolve-se por meio do ensino
na natureza das coisas. Com frequência e, diferentemente dos sentidos inatos no
(embora nem sempre), é isso que se quer ser humano, concretiza-se pelo exercício.

RMB2oT/2014 121
EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação militar naval

Interessante também lembrar que, para A moral incorpora as regras determina-


Aristóteles, a moderação seria o “fiel da das pela própria sociedade, que devemos
balança” no que se refere ao exercício da seguir. Desta forma, quem as segue é uma
virtude, pois tanto o excesso como a falta pessoa moral, e quem as desobedece torna-
deveriam ser evitados por se constituírem se imoral. A ética, por seu turno, é um ramo
em vícios. Dito de outro modo, será covarde da filosofia que estuda as regras morais
o homem que teme tudo e todos (vício por vigentes, podendo inclusive contestá-las,
deficiência ou ausência), mas será teme- se assim for necessário.
rário o homem que, não temendo nada, Depreende-se que uma pessoa pode ser
parte de encontro ao perigo sem avaliá-lo ética, mas ao mesmo tempo imoral, se com-
(ARISTÓTELES, 1973, II, 2, 1104a 10 a preender, mediante uma reflexão filosófica,
1104b 2). Como se pode observar, para ser que determinada regra moral é equivocada.
corajoso, isto é, para praticar a virtude, há Foi o caso da costureira negra Rosa Parks,
que se ter o equilíbrio necessário. que, em 1955, no Alabama, recusou-se a
Percebe-se que, para Aristóteles, visão obedecer à regra de não sentar nos lugares
com a qual concordamos, as virtudes po- reservados aos brancos nos ônibus da cida-
dem ser ensinadas, adquiridas e assimiladas de de Montgomery. Por transgredir a regra
pela prática educativa legalmente imposta,
cotidiana e estabele- foi presa e multada. O
cida, sobretudo, no Para ser corajoso, isto é, fato é que essa atitude
espaço destinado ex- “imoral”, pelo olhar ra-
clusivamente a esse
para praticar a virtude, cista de muitos brancos,
fim: a sala de aula. há que se ter o equilíbrio desencadeou um movi-
Será nesse espaço de necessário mento nacional de boi-
construção tanto do sa- cote, servindo inclusive
ber quanto da ética que de estopim para a luta
pode ser encontrado o ponto de confluência pela igualdade por direitos civis protagoni-
entre o pensamento clássico e a necessida- zada pelo carismático pastor Martin Luther
de/desejo que os homens contemporâneos King Jr. Nesse sentido, Chauí nos informa
têm de ser virtuosos. que “os valores morais modificam-se na
História porque seu conteúdo é determinado
A relação entre a ética e a por condições históricas” (CHAUÍ, 2002,
educação p. 348).
Desta forma, se os valores morais se
Muito embora ética e moral sejam transformam no devir histórico, é somente
termos utilizados, indiscriminadamente, pela educação que se pode construir uma re-
como sinônimos, uma vez que ambos se flexão ética a respeito destes valores. Foram
referem “a um conjunto de regras de con- os gregos que apresentaram a proposta de
duta consideradas como obrigatórias” (LA uma educação como um processo de cons-
TAILLE, 2006, p. 25), existem diferenças trução consciente. A paideia (educação)
significativas que devem ser consideradas. grega não era simplesmente “uma soma de
A moral diz respeito a como se deve técnicas e organizações privadas, orienta-
agir, enquanto que a ética se refere à per- das para a formação de uma individualidade
gunta “como posso viver uma vida que vale perfeita e independente” (JAEGER, 1986,
a pena ser vivida?” (Idem, p. 30). p. 12), mas antes uma ação educadora que

122 RMB2oT/2014
EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação militar naval

visava à coletividade na qual o homem elevar-se e chegar às verdades eternas e


poderia ter uma formação integral, e não imutáveis. Só assim, livrando-se dos pre-
um mero adestramento. A paideia tinha conceitos e da aparência das coisas, poderia
como objetivo inculcar nos homens gregos ensinar a virtude, contribuindo para a cons-
a areté de maneira que pudessem se sentir trução de um cidadão e de uma cidade me-
responsáveis e construtores dos valores de lhores. Caberia uma pergunta agora: até que
sua sociedade. ponto os professores estariam dispostos,
Verifica-se ao longo da história grega como os filósofos gregos da antiguidade, a
uma preocupação com a formação dos jo- se tornarem virtuosos, despidos de vaidade,
vens, com o que lhes deveria ser ensinado do orgulho e de preconceitos, ao ponto de
para conseguirem alcançar a virtude. Desta buscarem o conhecimento a respeito da
forma, paideia e areté (educação e virtude) própria virtude, ou estariam exercendo suas
só poderiam ser pensadas numa relação de atividades rotineiramente, sem a devida
complementariedade, como também a so- reflexão sobre as ideias que propõem, tal
ciedade e a cultura, que estariam presentes como faziam os sofistas que ensinavam
na formação ao mesmo tempo do homem apenas porque recebiam para isso?
e do cidadão grego. Observa-se que nesta A sala de aula é um local marcado pela
relação existiam os ideais de perfeição e diversidade, onde se encontram pessoas
excelência que os gregos buscavam por de origens, histórias pessoais, costumes e
meio da educação. Não era apenas a ex- crenças diferentes. E se, por um lado, essa
celência do homem como indivíduo, mas diversidade é enriquecedora, por outro lado
também das cidades e das instituições. traz o desafio constante de harmonizar os
Dito de outro modo, para que um homem conflitos resultantes das visões de mundo
se tornasse virtuoso pela educação, deveria tão diferenciadas. Essa harmonia só será
ser educado para a virtude, por pessoas que possível à medida que a educação possa
fossem virtuosas, para a prática de ações ser uma ferramenta para a construção de
virtuosas, de modo que a sua cidade fosse princípios éticos.
também virtuosa. A relação entre educação e ética torna-se
Nos nossos dias, a relação entre edu- então necessária e imperativa para a forma-
cação e virtude volta à tona com toda ção de princípios e valores que direcionarão
a força, sobretudo porque a Lei de Di- o nosso modo de ser e de agir. O educador
retrizes e Bases da Educação Nacional Paulo Freire, apontando para o fato de que
(LDB) consagrou a escola como o local toda a educação será necessariamente uma
privilegiado tanto para a formação de construção ética, assim se expressa:
cidadãos quanto de difusão dos valores Mulheres e homens, seres histórico-
que contemplem a cidadania e a ética. sociais, nos tornamos capazes de compa-
No entanto, para que a escola seja um rar, de valorar, de intervir, de escolher,
espaço de inspiração e consolidação de decidir, de romper, por tudo isso nos
desses princípios éticos, é mister que ela fizemos seres éticos. [...] Não é possível
também seja um lugar ético. pensar os seres humanos longe, sequer,
Isso nos leva de novo a Platão, que nos da ética, quanto mais fora dela. [...] Se
chama a atenção para o fato de que a pai- se respeita a natureza do ser humano, o
deia só seria implementada por aquele que ensino dos conteúdos não pode dar-se
tivesse passado por um longo processo de alheio à formação moral do educando
aprendizagem por meio do qual pudesse (FREIRE, 2002, p. 36-37).

RMB2oT/2014 123
EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação militar naval

possuir. Seu objetivo precípuo


consiste em nortear não somente
a formação dos jovens oficiais,

PAT
como também a conduta, a ação e

DE
RIO

HONRA

DA
a prática das rotinas marinheiras.

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Dentre esses princípios nor-
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teadores, a honra ganha lugar
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RA de destaque ao coroar a Rosa
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das Virtudes. E não poderia ser
ABNEGAÇÃO
ESPÍRITO DE de outro modo, pois sem ela os
SACRIFÍCIO
demais princípios não existiriam.
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Se voltarmos nosso olhar para
SÃ ZE
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o passado, verificaremos que
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nos poemas homéricos (Ilíada
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e Odisseia), a honra estava as-


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FIDELIDADE
AD
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sociada ao respeito que o herói


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OR
SA

D
EM

ostentava diante de seus pares


GO
FO

dentro de sua comunidade. Ela


seria traduzida pelo código do
guerreiro. O herói arriscava sua
A emblemática Rosa das única vida em função de encontrar um sig-
Virtudes nificado para a sua própria existência. Suas
conquistas pessoais colocavam em evidên-
No que tange aos valores militares, sobre- cia o seu nome, o nome de sua família e sua
tudo àqueles inerentes à formação dos futuros comunidade. A trajetória do herói já estava
oficiais da Marinha do Brasil, honrosamente traçada antes de seu nascimento, pois, ao
conhecidos como “Sentinelas dos Mares”, arriscar a sua vida em busca da glória,
essa relação entre edu- acabava por encontrar
cação e ética se con- a sua própria morte. A
cretiza na emblemática
Dos princípios norteadores, honra que o herói bus-
Rosa das Virtudes. a honra ganha lugar de ca pode ser alcançada
Formada por 16 destaque ao coroar a Rosa por meio das próprias
princípios éticos (le- qualidades imanentes
aldade, iniciativa, co- das Virtudes. E não poderia a sua fisiologia, linha-
operação, espírito de ser de outro modo, pois sem gem e, principalmente,
sacrifício, zelo, co- ao seu caráter. Tais
ragem, ordem, fide-
ela os demais princípios não qualidades devem ser
lidade, fogo sagrado, existiriam inerentes à sua exce-
tenacidade, decisão, lência guerreira, que
abnegação, espírito leva em consideração
militar, disciplina, patriotismo e ordem), valores intrínsecos e fundamentais, como a
que são constantemente trabalhados na lida coragem, a força, a destreza, a competência
diária da Escola Naval, a Rosa das Virtudes militar, o desempenho físico no campo
pretende ser a forja na qual será formado de batalha e uma boa estratégia capaz de
o caráter que um militar da Marinha deve encorajar os demais guerreiros.

124 RMB2oT/2014
EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação militar naval

Em nossos dias, a honra para um militar Pátria, pela qual não hesitará em sacrificar sua
não será encontrada necessariamente na própria vida; e, finalmente, na compreensão,
glória que alcançará com a morte, muito por meio de uma honesta humildade, de que
embora às vezes esta chegue sem pedir nunca será um bom militar se não for antes
licença, em razão da natureza específica de um bom homem.
suas atividades. O código de honra, concre-
tizado na Rosa das Virtudes, constitui-se Conclusão
em um exercício silencioso e solitário que o
militar deve se dispor a realizar diariamente Seria oportuno lembrar que a honra,
em suas ações, condutas e práticas. em muitas situações, ultrapassa a barreira
A honra anelada por qualquer militar é, da pouca idade. É o caso, por exemplo, do
na verdade, um processo de conquista que Guarda-Marinha João Guilherme Gree-
tem início no momento nhalgh, que entregou
em que, ainda jovem, sua vida em sacrifício
escolhe e abraça com A honra, em muitas à Pátria, justamente
orgulho sua carreira, até situações, ultrapassa a por defender o pavilhão
o momento em que pre- nacional. Morreu al-
cisará se despedir dela. barreira da pouca idade. guns dias depois de ter
Ela se traduz no cul- É o caso do Guarda- completado 20 anos de
tivo das tradições navais
construídas por homens
Marinha João Guilherme idade, em pleno comba-
te naval contra as forças
que viveram as mesmas Greenhalgh, que entregou paraguaias.
agruras e alegrias pelas sua vida em sacrifício Não por acaso foi
quais passará enquanto alçado à condição de
aluno e futuro oficial de à Pátria, justamente herói nacional, pois
Marinha; na disciplina por defender o pavilhão tanto a sua coragem e
que impõe a si próprio tenacidade foram tes-
em detrimento, muitas
nacional tadas e aprovadas numa
vezes, de seu conforto violenta refrega – não
pessoal; no orgulho pela farda, uma espécie podemos esquecer que a Batalha Naval do
de “segunda pele”, que o acompanhará e o Riachuelo definiu o rumo da Guerra do Pa-
distinguirá onde estiver; no cavalheirismo e raguai, favoravelmente, à Tríplice Aliança,
na polidez em suas ações, sem deixar de lado e por isso tornou-se a maior referência para
a austeridade e sobriedade em sua conduta; na a Marinha do Brasil –, quanto também a sua
honestidade de propósitos e na busca incessan- honra permaneceu intacta quando colocada
te pela verdade a qualquer preço; na fidelidade à prova no momento mais difícil de sua
e confiança depositadas em seus superiores, vida. Diante das circunstâncias desfavorá-
reconhecendo neles a experiência que às veis que acabaram por ceifar sua preciosa
vezes pode lhe faltar; na camaradagem com vida, não hesitou em cumprir a ordem direta
seus pares de farda, construída e amalgamada de seu superior, o Almirante Francisco
pelos anos de convivência cujo início remonta Manuel Barroso da Silva: “O Brasil espera
aos bancos escolares; no amor e na devoção à que cada um cumpra o seu dever”.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<EDUCAÇÃO>; Formação de oficial; Preparo do homem; Ética; Honra;

RMB2oT/2014 125
EM BUSCA DA ARETÉ: A Rosa das Virtudes na formação militar naval

Referências

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vol. IV, Ed. Abril Cultural, São Paulo, 1973.
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia: 12. ed. São Paulo: Ática, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 22. ed. Rio de
Janeiro: 2002.
JAEGER, Werner (1986). Paideia. São Paulo, Martins Fontes.
LA TAILLE, Y. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
NUSSBAUM, Martha. A fragilidade da bondade: fortuna e ética na tragédia e na filosofia grega.
São Paulo: Martins Fontes, 2009.
ROSS, David. Aristóteles. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987.
ZINGANO, Marco Estudos de ética antiga. São Paulo: Paulus, Discurso Editorial, 2009.

126 RMB2oT/2014
AZUL COM A TORRE*

MARCOS ROGÉRIO AMORIM**


Capitão de Corveta

A complexidade e o elevado nível de


perigo nas operações aéreas de um
navio-aeródromo es-
Nove países operam porta-aviões no
mundo, sendo o Brasil o único no Hemis-
fério Sul, e o conhe-
tão inseridos em um cimento operacional
paradoxo interessante: A Marinha do Brasil necessário para operar
todos concordam e têm
noção dos elevados ris-
acumula mais de 50 anos esses navios é tão res-
trito e valioso que o
cos nos procedimentos de operações de navio- ingresso nesse seleto
de lançamento e reco- aeródromo, fato que eleva grupo de países não
lhimento de aeronaves depende apenas do
no convoo e da im- a responsabilidade em se fator material para ad-
portância em mitigar manter e perpetuar esse quirir ou construir um
tais riscos; entretanto,
poucos detêm o conhe-
conhecimento operacional navio-aeródromo, mas
sim de obter o know-
cimento e a experiência how necessário para
necessários para o cumprimento desses operá-lo. Nesse aspecto, vale ressaltar que
procedimentos com segurança. a Marinha do Brasil (MB) acumula mais de

* Matéria publicada na Revista da Aviação Naval – novembro/2013.


** Chefe do Departamento de Aviação do NAe São Paulo.
AZUL COM A TORRE

50 anos de operações de navio-aeródromo, (NAeL) Minas Gerais. Este fato, aliado aos
fato que eleva a responsabilidade em se intercâmbios na US Navy e aos exaustivos
manter e perpetuar esse conhecimento ope- adestramentos, foi responsável pelo suces-
racional que somente é adquirido a bordo. so no início das operações aéreas do A-12.
Este artigo não pretende apontar uma Treze anos desde sua incorporação, e
solução ou subsidiar a criação de uma nor- após um longo período em manutenção, nos
ma, mas evidenciar a necessidade de que deparamos com a retomada das operações
medidas preventivas devam ser adotadas aéreas em um cenário muito diferente, em
para uma condição latente relacionada ao que os oficiais mais experientes, detentores
fator humano, principal fator contribuinte de grande conhecimento, e que participa-
na sequência de eventos que levam aos ram das diversas catrapos1, já não se encon-
acidentes – nesse caso, a concentração de tram disponíveis. Nesse contexto, um dos
conhecimentos e experiência em operação aspectos mais relevantes para a retomada
de porta-aviões em um número reduzido de das operações aéreas com segurança é a
oficiais aviadores navais. capacitação do oficial aviador naval nas
O Navio-Aeródromo (NAe) São Paulo, funções a bordo do NAe São Paulo. E, em
ao iniciar sua vida operativa na MB, contou conjunto com a capacitação, a garantia da
com a experiência e o adestramento de um passagem dos conhecimentos por meio da
número considerável de oficiais e praças rotatividade de oficiais.
do Departamento de Aviação e do Grupo A questão a ser analisada refere-se ao
de Operações Aéreas com longo tempo tempo que um aviador naval deve permane-
de bordo no Navio-Aeródromo Ligeiro cer a bordo e como gerenciar a rotatividade

1 N.R.: As Comissões Catrapo servem para adestramento das operações do navio com aeronaves de asa fixa e
dos seus pilotos.

128 RMB2oT/2014
AZUL COM A TORRE

de pilotos, os quais, na maioria das vezes, – estágio inicial, preferencialmente


não querem deixar seus Esquadrões de acompanhado do oficial que será rendido
Aeronaves quando são capitães-tenentes, e cujos focos seriam adestramentos teóri-
época em que estão no ápice de sua capa- cos e práticos, a fim de familiarizá-lo com
cidade operativa, e, quando são promovidos as especificidades das operações aéreas a
a oficiais superiores, seguem normalmente bordo do A-12;
para outros setores da MB. – realização, se possível, de intercâm-
Atualmente, a baixa rotatividade de bios em navios-aeródromos de outras
aviadores navais no A-12 origina a forma- Marinhas (US Navy ou Marinha Nacional
ção de dois grupos: um número pequeno da França); e
de pilotos que já serviram a bordo e, pro- – qualificação em terra e no mar.
vavelmente, servirão novamente – por já Tais intercâmbios possibilitariam a
possuírem experiência em NAe – e o outro, observação da execução das tarefas, pelos
composto por aqueles que nunca receberam respectivos oficiais responsáveis, nas Esta-
da Estação da Mano- ções da Torre, Convoo
bra a luz azul na tor- e COA. Destaca-se que,
re2, não coordenaram “As operações aéreas em assim como aviadores
a movimentação de navais de alguns Es-
aeronaves no convoo, NAe estão no limite do quadrões de Aeronaves
ou sequer elaboraram envelope, pois ocorrem realizam anualmente
uma bluesheet no simuladores de voo no
Centro de Operações
nas condições mais exterior, a ideia seria
Aéreas (COA). extremas, num ambiente enviá-los para inter-
Para que exista pouco controlado, e com câmbios na primeira
um rodízio e maior oportunidade após seus
abrangência de pilo- uma grande tensão entre embarques.
tos com experiência preservar a segurança e A segunda fase, tam-
em porta-aviões e, bém como sugestão,
principalmente, para
obter a máxima eficiência compreenderia um pe-
disseminar o conhe- operacional.” ríodo de dois anos e seis
cimento de operações Gene I. Rochlin meses, tempo suficiente
aéreas em NAe, é para o oficial conhecer
preciso inicialmente com detalhes e cumprir
estipular um tempo de embarque padrão os procedimentos operativos e administrati-
no A-12, de modo a possibilitar um pla- vos peculiares a um navio-aeródromo.
nejamento antecipado e intercalado na Depois de cumpridos os três anos a
movimentação de aviadores navais. Esse bordo, o desembarque do aviador naval
período deve ser o suficiente para a sua seria motivado pela institucionalização
capacitação e o desempenho de funções deste ciclo operacional, padronizando-se
a bordo. este procedimento para um maior número
Como sugestão, a capacitação inicial de aviadores navais, independentemente
compreenderia um período de seis meses, de mudanças nas chefias das Seções de
no qual seriam realizados: Organização responsáveis.

2 N.A.: Autorização para operações aéreas.

RMB2oT/2014 129
AZUL COM A TORRE

Outro aspecto a ser considerado é a an- no Centro de Instrução e Adestramento Aero-


tiguidade do aviador naval que embarcará naval (CIAAN), na Base Aérea Naval de São
no NAe São Paulo. Sugere-se que essa Pedro da Aldeia (BAeNSPA) ou no Comando
movimentação seja efetuada a partir do da Força Aeronaval (ComForAerNav).
terceiro ano de capitão-tenente, a fim de se A retomada das operações aéreas com
evitar prejuízo à vida operativa do oficial segurança no NAe São Paulo passa por
em seu esquadrão de aeronaves. O oficial qualificação, conhecimento e experiência
movimentado nessa fase de sua carreira dos pilotos embarcados no navio, e a rotati-
ainda terá a oportunidade de regressar ao vidade sugerida deve ser avaliada como uma
seu esquadrão após cumprir o seu embarque ferramenta para a prevenção de acidentes.
no porta-aviões. Esse conhecimento não pode ficar restrito a
Uma das consequências dessa política um grupo pequeno de oficiais, pois a realida-
seria o aumento da rotatividade de capitães- de caminha para a perda dessa experiência,
tenentes que iriam servir no NAe São Paulo que permanece concentrada em aviadores
e depois regressariam para os esquadrões de navais muito antigos ou que já deixaram o
aeronaves ao longo dos anos, acarretando serviço ativo. Se ampliarmos esse espectro,
uma elevação considerável do conheci- atualmente até a formação de uma comissão
mento desses aeronavegantes em relação de inspetores de Ciasa com experiência está
ao navio, contribuindo para a prevenção se tornando algo difícil de ser conseguido.
de incidentes ou acidentes aeronáuticos A falta de experiência é um forte ele-
decorrentes da falta de experiência ou mento contribuinte para a ocorrência de
de familiarização com os procedimentos um acidente aeronáutico, mas podemos
operacionais que são praticados somente a mudar os acontecimentos, pois temos o
bordo de um porta-aviões. compromisso de evitar acidentes. Assim,
Quanto aos oficiais mais antigos, que é fundamental, no retorno de helicópteros
desempenham funções importantes, como e aviões ao capitânia da Esquadra, que
chefe do Grupo de Operações Aéreas e sub- estabeleçamos uma forte consciência
chefe e chefe do Departamento de Aviação, situacional, fruto da experiência que pro-
deverão ser selecionados dentre os que já porciona uma visão mais ampla da situação
realizaram uma primeira passagem pelo e aumenta a capacidade de vislumbrarmos
navio e possuem conhecimento e experi- as dificuldades que estão por vir.
ência compatíveis com as complexidades
dessas atividades. O ciclo sugerido para a “As operações aéreas em NAe estão no
permanência nessas funções é de dois anos. limite do envelope, pois ocorrem nas con-
O NAe São Paulo deve ser vislumbrado dições mais extremas, num ambiente pouco
pelos oficiais aviadores navais como uma controlado, e com uma grande tensão entre
extensão do Complexo Aeronaval de São preservar a segurança e obter a máxima
Pedro da Aldeia, de modo que o embarque eficiência operacional.”
no navio seja tão comum como o embarque Gene I. Rochlin*

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Aviação naval; Base Aeronaval de São Pedro d’Aldeia; Segurança;

* Professor emérito da Universidade da Califórnia. É PhD pela Universidade de Chicago e pós-doutorado no


Massachusetts Institute of Technology (MIT) e em Harvard.

130 RMB2oT/2014
O tabuleiro de Midway*

Raros são aqueles que decidem após madura reflexão; os


outros andam ao sabor das ondas e, longe de se conduzirem,
deixam-se levar pelos primeiros.
Sêneca (4 a.C - 65)

MÁRIO ROBERTO DE SOUZA LIMA**


Capitão de Fragata (T)

H á quase um século, a Marinha do


Brasil criou a primeira escola de Avia-
ção Naval. O sucesso
O presente texto realça alguns pontos
atinentes à Segurança. Para tal, utiliza como
pano de fundo a Bata-
continuado na atividade lha de Midway1, uma
até os dias atuais, dadas Com o intuito de aniquilar das maiores disputas
as características pecu-
liares das missões e a
a Marinha dos EUA, o aeronavais de todos os
tempos. No decorrer
importância estratégica Almirante Chuichi Nagumo da narrativa são fei-
do uso de aeronaves no partiu do Japão, em maio tos alguns comentários
transcurso de conflitos, abordando fatos e con-
só foi possível graças de 1942, comandando a junturas mais recentes.
ao desenvolvimento da maior frota de combate do Com o intuito de
mentalidade de Segu- aniquilar a Marinha
rança de Aviação, que
mundo dos EUA, o Almirante
sempre introduziu me- Chuichi Nagumo partiu
didas baseadas nas experiências adquiridas do Japão, em maio de 1942, comandando
ao longo do tempo. a maior frota de combate do mundo. Dese-

* Matéria publicada na Revista da Aviação Naval – novembro/2013.


** Chefe do Departamento de Coordenação Técnica e Capacitação do Centro de Eletrônica da Marinha.
1 Fonte: documentário “Generais em Guerra – A Batalha de Midway”, da National Geographic, disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=qjO9Gq3xiEc. Acesso em 02FEV13.
O tabuleiro de Midway

java finalizar o que havia começado poucos al, advinda do grande número de sistemas,
meses antes, no ataque a Pearl Harbour, oca- equipamentos e procedimentos, verifica-se
sião em que os porta-aviões estadunidenses a importância de um bom planejamento,
escaparam por estarem em alto-mar. Desta com atenção à análise de riscos e, princi-
vez, o alvo seria a base militar de Midway – palmente, à capacitação dos profissionais
que servia para reabastecimento dos navios que atuam no cenário aeronaval. Bons
norte-americanos – e seu entorno. pilotos são tão necessários quanto bons
O Almirante Nagumo pretendia bombar- mecânicos, controladores de voo, equipes
dear a ilha e atrair os porta-aviões inimigos de crache etc. A difícil e necessária gestão
para, em um confronto direto, afundá-los. de competências e de talentos corrobora
A Marinha japonesa, que vencera todos para manutenção do nível de aprestamento
os combates nos últimos seis meses, com adequado, colocando o profissional certo no
seus oficiais treinados no Bushido2, não local certo e premiando os que demonstram
temia nenhum adversário, sobretudo os maior comprometimento e competência.
EUA, que haviam perdido seus principais Voltando a 1942, os EUA captaram
encouraçados em Pearl Harbour. e decifraram comunicações nipônicas
No comando naval estadunidense estava que sinalizavam um eminente ataque a
o Almirante Frank um local referido como
Fletcher. Seu prin- “AF”. Suspeitando ser
cipal porta-aviões, o Um equívoco na conduta a Base de Midway, os
USS Yorktown, estava dos japoneses era sua norte-americanos cria-
avariado devido a um ram uma falsa notícia
ataque japonês reali- excessiva confiança no de que os condensado-
zado algumas semanas sucesso res da usina de dessa-
antes, na Batalha do linização de Midway
Mar de Coral. estavam quebrados, o
Um equívoco na conduta dos japoneses que prejudicaria o abastecimento de água
era sua excessiva confiança no sucesso. potável. Deixaram que os adversários inter-
Quando atacados, preocupavam-se muito ceptassem suas comunicações e verificaram
mais em revidar do que em consertar os da- que, após isso, os japoneses passaram a
nos, havendo poucos marinheiros treinados trocar mensagens dizendo que levariam
para fainas de reparo. A capacitação dos dessalinizadores para “AF”. Estava confir-
EUA era diametralmente oposta, possuin- mado o local! O Almirante Fletcher pôde,
do equipes de manutenção e reparo bem então, posicionar melhor os seus meios.
treinadas, como atesta o fato de, em um O tabuleiro e as peças estavam montados,
momento decisivo, mil e quatrocentos ho- aguardando a próxima jogada do oponente.
mens colocarem o Yorktown em condições Abrindo novo parêntesis, percebemos
de combate no período recorde de vinte e como técnicas de Guerra Eletrônica, em es-
quatro horas (tido como o conserto mais pecial na faixa de comunicações, já eram de
importante da Segunda Guerra Mundial). suma importância há mais de setenta anos.
Em um breve paralelo entre passado e Com os recentes processos de aquisição
presente, considerando a complexidade atu- de modernos meios pela MB, que inclui-
2 O Bushido, que significa “o caminho do guerreiro”, consiste em um código de conduta herdado da época dos
Samurais (estes compunham a classe guerreira do Japão feudal ou bushi). Tal código lhes ditava o modo de
viver e de morrer com honra, buscando sempre a vitória e não tolerando a rendição.

132 RMB2oT/2014
O tabuleiro de Midway

rão em breve aeronaves não tripuladas de lançou mais que o triplo, para cobrir uma
reconhecimento (Vant), e que possuem área cinco vezes maior e, ao contrário de
enorme versatilidade de uso, reforça-se Nagumo, conseguiu localizar os porta-
um questionamento sobre os potenciais aviões inimigos.
recursos de monitoramento e interceptação. Os aviões torpedeiros estadunidenses
Como explorar adequadamente o espectro decolaram de Midway e passaram ao largo
eletromagnético em prol da segurança das dos bombardeiros lançados por Nagumo,
operações pelo uso de tais meios? Uma indo direto para o ataque aos porta-aviões
outra preocupação que deve permear o deste. Entretanto, ao se aproximarem de
planejamento das operações sob a ótica da seus alvos, adotando o voo rasante para
segurança: estando os software presentes lançamento, tornaram-se presas fáceis
em todos os equipamentos de controle e para os “Zeros” dos habilidosos pilotos
nas redes que os abarcam, estarão estes de caça japoneses. Em contrapartida, o
sistemas e redes protegidos contra ações ataque japonês à ilha fracassou frente à
de Guerra Cibernética? artilharia antiaérea de Midway, e os aviões
Em 4 de junho de 1942, os navios tiveram que retornar aos porta-aviões para
japoneses já estavam ao alcance de Mi- recarregar as aeronaves com mais bombas.
dway. Nagumo enviou sete aviões de Neste ínterim, um avião de reconhecimento
reconhecimento, cobrindo quinhentos mil de Nagumo descobriu um porta-aviões
quilômetros quadrados de oceano. Fletcher inimigo, e o almirante se viu diante de um

RMB2oT/2014 133
O tabuleiro de Midway

dilema. Para mudar o alvo, da ilha para o caças e bombardeiros foi eficaz. Havia uma
porta-aviões norte-americano, teria que falha no projeto dos tanques dos “Zeros”,
ordenar o ataque imediato de suas aero- pois a medida que o combustível ia sendo
naves que já estavam no ar, porém com o consumido abria espaço para os gases
armamento inadequado para aquela missão. altamente explosivos, deixando as aero-
A alternativa seria ordenar o pouso de suas naves mais frágeis ao impacto de qualquer
aeronaves para rearmar seus bombardeiros projétil. Mais uma vez, a segurança ficava
com torpedos, o que demandaria uma faina em segundo plano. Uma bexiga de borracha
de cerca de uma hora. nos caças Wild Cats estadunidenses, por
Seguindo as normas japonesas, Nagumo sua vez, evitava a formação de vapores
optou pela substituição das bombas por inflamáveis, tornando as aeronaves menos
torpedos. A jogada foi fatídica para os suscetíveis a explosões decorrentes de um
japoneses, definindo os rumos da batalha. ataque. Em formações duplas, as manobras
Nos hangares, a soma de bombas retiradas, destes caças exploraram estas vantagens,
aeronaves com torpedos e combustível de abateram vários “Zeros” e abriram caminho
aviação altamente volátil transformara os para o ataque dos bombardeiros aos porta-
porta-aviões japone- aviões japoneses. Du-
ses em gigantescas rante toda a história da
armadilhas explosivas Fatores humanos e aviação, a necessidade
flutuantes. operacionais mostram de adoção de combus-
A antiga tríade ho- tíveis menos voláteis e
mem x ambiente x que a capacitação deve ser de formas mais seguras
máquina, tão atrelada aprimorada pela gestão de de armazenagem levou
à segurança e à pre-
venção de acidentes
competências e de talentos, os engenheiros de volta
aos seus laboratórios
aeronáuticos, é alvo alocando-se corretamente e pranchetas, em be-
de permanente estudo os profissionais nefício do aumento da
e reflexão. A liderança segurança.
do almirante japonês, Além de três porta-
baseada em sua rígida formação, não con- aviões, centenas de aeronaves e milhares de
siderou os riscos de sua decisão. Talvez a militares japoneses sucumbiram. Xeque! O
própria identificação das vulnerabilidades vencedor do jogo, naquele imenso tabuleiro
estivesse comprometida diante das normas no meio do Pacífico, parecia despontar.
de conduta seguidas por Nagumo e seus Na sequência, o Yorktown também foi
oficiais. atingido três vezes por bombardeiros japo-
De fato, não foi a primeira nem a última neses, mas a tripulação, mais bem treinada,
vez que o excesso de confiança levou os inundou o sistema de combustível com
decisores à exploração dos limites da situa- dióxido de carbono, expulsando o oxigênio
ção, não avaliando adequadamente o perigo e diminuindo assim os riscos de explosão.
associado às circunstâncias específicas de Porém, logo depois, o porta-aviões foi
operação, fruto de uma deficiente doutrina atingido por dois torpedos, ficando fora de
de segurança. combate. Xeque para os japoneses. Fletcher
A primeira ofensiva aérea de Fletcher foi transladado para outro navio.
fracassou, sendo seus aviões abatidos pelos No entanto, antes de deixar o Yorktown,
caças japoneses. Mas a segunda leva de Fletcher ordenara a partida de aviões que

134 RMB2oT/2014
O tabuleiro de Midway

localizariam o último porta-aviões japonês, zando-se e premiando-se os melhores.


possibilitando o seu ataque e destruição. A preocupação com a exploração da
Xeque-mate! Foi a primeira derrota de tecnologia em prol da segurança, por sua
Nagumo e o início da derrocada nipônica. vez, deve nutrir tanto projetos quanto
Se Nagumo tivesse maior preocupação doutrinas, o que reforça a necessidade
com a análise de riscos, talvez não tivesse de que haja maior interação entre aqueles
perdido tantas vidas e tantas peças impor- que dominam as tecnologias e todos os
tantes em tão pouco tempo. que estão envolvidos nas atividades ae-
Nos dias atuais, fatores humanos e ronavais. Por fim, a análise de riscos e os
operacionais mostram que a capacita- procedimentos para evitá-los ou mitigá-
ção deve ser aprimorada pela gestão de los devem se servir de um planejamento
competências e de talentos, alocando-se para o qual contribuam os diversos atores
corretamente os profissionais, valori- do cenário de ação.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<HISTÓRIA>; História da aviação militar; História da Marinha dos EUA; História da
Marinha do Japão; Segunda Guerra Mundial;

RMB2oT/2014 135
COMO A FERRAMENTA MAINTENANCE RESOURCE
MANAGEMENT (MRM) PODE CONTRIBUIR PARA
MELHORAR A SEGURANÇA DE VOO*

GUILHERME CONTI PADÃO**


Capitão de Corveta

A atividade de manutenção aeronáutica


tem seu sucesso intimamente relacio-
nado com os índices de segurança obtidos
ência. A investigação pós-acidente verificou
a existência de 240 rachaduras na fuselagem
e concluiu que diversos problemas relacio-
pelas aeronaves em linha de voo. Quanto nados a fatores humanos influenciaram na
maior for a demanda por disponibilidade, inspeção deficiente. Isto resultou na emissão
maior será a carga de trabalho das equipes de uma Airworthiness Directive (AD) pela
de solo e de manutenção. Para que isso Federal Aviation Administration (FAA),
ocorra de forma harmoniosa, é imperioso requerendo a inspeção de 1.300 rebites
que haja por parte da organização uma instalados em Boeings 737-200. Após este
grande ênfase no trabalho em equipe. evento, a manutenção passou a ser considera-
No ano de 1988, um Boeing 737-200 da da um potencial fator causador de acidentes,
empresa Aloha Airlines, quando em voo a estimulando o incremento do treinamento de
24 mil pés, perdeu seis metros da fuselagem fatores humanos na manutenção.
superior, resultando em imediata despressu- A FAA emitiu, no ano de 2000, a Advisory
rização e na morte de uma comissária de voo. Circular AC 120-72, que apresentou orienta-
Esta aeronave havia sido inspecionada por ções para a implementação de um programa de
mecânicos com mais de 20 anos de experi- treinamento em Gerenciamento dos Recursos

* Matéria publicada na Revista da Aviação Naval – novembro/2013.


** Serve no Grupo de Fiscalização e Recebimento das Aeronaves COD/AAR, nos EUA (Carrier on board delivery/
Air to Air Refueling).
COMO A FERRAMENTA MAINTENANCE RESOURCE MANAGEMENT (MRM) PODE CONTRIBUIR
PARA MELHORAR A SEGURANÇA DE VOO

de Manutenção (MRM). O principal objetivo indivíduos integrantes da organização,


é integrar este programa às rotinas normais com o consequente aumento da segurança
de manutenção das empresas. Tem-se, num de voo. Isso significa, em termos práticos,
primeiro momento, a realização de workshops reduzir os erros e melhorar a performance
e o treinamento de facilitadores. Num segundo tanto individual quanto do grupo.
momento, há a transmissão dos conceitos Para se iniciar um programa de MRM,
e o treinamento dos demais envolvidos em é preciso haver o envolvimento de todos
manutenção. os setores da organização, tendo como pri-
Define-se MRM como: (…) a general meira meta a elevação do alerta situacional,
process for improving communication, por meio da utilização de avisos, pôsteres,
effectiveness, and safety in airline mainte- incentivos e treinamento. A participação
nance operations. Effectiveness is measured do comando ou direção é fundamental,
through the reduction of maintenance errors, pois irá demonstrar o comprometimento
and improved individual and unit coordina- institucional.
tion and performance. Cada organização
MRM is also used to deve implementar o
change the ‘safety cul- Ao se adotar um programa MRM de acordo com
ture’ of an organization
by establishing a per-
de treinamento em MRM, as suas necessidades
operacionais e de ma-
vasive, positive attitude visa-se melhorar as nutenção. Ao abordar
toward safety. (Embry comunicações e relações os principais aspectos
Riddle Aeronautical dos fatores humanos,
University’s Hunt Li- entre todos os indivíduos percebe-se a melhora no
brary, 1998). integrantes da organização, desempenho dos indiví-
Assim como ocorre
com o Crew Resource
com o consequente aumento duos e do grupo, aumen-
tando-se a capacidade de
Management (CRM), da segurança de voo reconhecer potenciais
realizado rotineira- riscos e reduzindo-se os
mente nos cockpits de erros na manutenção.
aeronaves, decisões envolvendo MRM são O conhecimento das limitações humanas
tomadas durante todo o período de trabalho é um ponto importante a ser mencionado.
em manutenção. Tem-se como exemplos: o Enquanto uma máquina, ao sofrer sobrecarga
exame dos requisitos para cumprir um serviço, ou fadiga, apresenta uma falha geralmente
tais como qualificações técnicas, manuais e identificável, o ser humano, ao trabalhar sob
certificações; a obtenção dos recursos neces- pressão, cansa e passa a desconsiderar itens
sários; a determinação de prazos e metas; e a menos importantes, focando apenas os ele-
comunicação entre os envolvidos. Porém há mentos centrais da tarefa. Mesmo com uma
uma diferença muito importante e polêmica: supervisão adequada, é difícil identificar sinais
os resultados dos trabalhos de manutenção de falha nas pessoas. Portanto, compreender o
geralmente têm impacto sobre terceiros e não limite da performance humana é imprescindí-
sobre os responsáveis por conduzir as ativida- vel durante o treinamento em MRM.
des de manutenção. Outro passo importante é a melhoria
Ao se adotar um programa de trei- das condições de ergonomia dos locais de
namento em MRM, visa-se melhorar as trabalho, evitando possíveis falhas, devido à
comunicações e relações entre todos os baixa luminosidade, equipamentos de apoio

RMB2oT/2014 137
COMO A FERRAMENTA MAINTENANCE RESOURCE MANAGEMENT (MRM) PODE CONTRIBUIR
PARA MELHORAR A SEGURANÇA DE VOO

ou ferramentas inadequadas e elevada tempe-


TABELA 1 – DIRTY DOZEN
ratura ambiente. Isso irá resultar na melhoria
do conforto e consequente performance, sig- – falha de comunicação;
nificando maior eficiência e redução de erros. – complacência;
Ao se identificarem as necessidades – falta de conhecimento;
físicas e emocionais dos envolvidos na – distração;
manutenção, tenta-se conseguir que os erros – falta de trabalho em equipe;
não saiam do hangar e acompanhem as aero- – fadiga;
naves para o voo. Ao se proporcionarem as – escassez de recursos;
condições adequadas de trabalho, cria-se um – pressão;
ambiente favorável à existência de profissio- – falta de assertividade;
nais conscientes da importância e utilidade – stresse;
do MRM, evitando que fatores humanos – falta de alerta situacional; e
afetem negativamente suas capacidades de – regras e comportamentos não escritos,
julgamento nos momentos mais críticos. mas seguidos pelo grupo.
O Panorama Estatístico da Aviação Ci-
vil Brasileira para o ano de 2012, emitido por Gordon Dupont (CEO of System-Safety
pelo Centro de Investigação e Prevenção de Services) e são comumente conhecidas por
Acidentes Aeronáuti- Dirty Dozen. A partir destas falhas, o United
cos (Cenipa), demons- Kingdon Civil Aviation
trou que, no período Reconhecer a possibilidade Authority (UK CAA)
compreendido entre identificou os erros mais
2002 e 2011, 17% dos da existência do erro e comuns em manutenção
acidentes aeronáuticos possuir ferramentas para aeronáutica, conforme
tiveram a manutenção observado na Tabela 2.
como fator contribuin-
mitigá-lo são formas de Essas duas tabelas
te. Verificou-se que melhorar as estatísticas são utilizadas como re-
a falha do motor em cursos instrucionais e
aeronáuticas como material de di-
voo foi o principal tipo
de acidente ocorrido, vulgação, por meio de
com 23,2% dos casos. Ao se analisarem pôsteres, em organizações de manutenção.
os fatores contribuintes para este tipo de Com base nesse material, mais recentemente
falha na aviação geral, verificou-se que foram produzidos pôsteres que valorizam as
47,6% devem-se à supervisão e 42,7% à TABELA 2 – ERROS MAIS COMUNS
manutenção. Tomados os dados estatísti- EM MANUTENÇÃO AERONÁUTICA
cos apresentados, conclui-se que, apesar – instalação incorreta de componentes;
de existir supervisão nos serviços de ma- – perda de objetos na aeronave;
nutenção, esta muitas vezes é deficiente. – discrepâncias nos sistemsa elétricos;
Isso ocorre pela suscetibilidade do homem – falta de lubrificação;
ao erro. Reconhecer a possibilidade da – painéis e portas de acesso ao interior da
existência do erro e possuir ferramentas fuselagem mal apertados;
para mitigá-lo são formas de melhorar as – tampas de óleo e de combustível mal
estatísticas aeronáuticas. apertadas; e
As causas mais comuns de erro humano – travas de segurança do trem de pouso não
na manutenção (Tabela1) foram descritas removidas na inspeção pré-voo.

138 RMB2oT/2014
COMO A FERRAMENTA MAINTENANCE RESOURCE MANAGEMENT (MRM) PODE CONTRIBUIR
PARA MELHORAR A SEGURANÇA DE VOO

ações positivas que cada empregado pode assinatura e correta redação de documentos
adotar, enfatizando o profissionalismo. São e uso de manuais.
conhecidos como Magnificent Seven. Segue 5) Todos somos partes de um time – to-
uma breve descrição: dos os acertos são resultados de uma boa
1) Segurança não é um jogo, pois o preço comunicação, resultando em moral elevada
da perda é muito alto – o que faz lembrar o e baixo índice de erros.
velho jargão: “Se você acha caro investir 6) Todos trabalhamos para reforçar o
em segurança, experimente um acidente”. positivo e eliminar o negativo – se um erro
2) Nossa assinatura é nossa palavra, acontece e não se aprende nada com ele, há
e vale muito mais que ouro – deve-se possibilidade de se repetir.
valorizar a importância dos registros dos 7) Erro zero, só por hoje – ao se adotar
serviços de manutenção e as suas conse- a prevenção de erros diariamente, com
quentes assinaturas pelos profissionais que pequenos passos, após algum tempo
os realizaram. conseguem-se grandes realizações.
3) Nós todos fazemos nossa parte para E qual seria a melhor forma de fazer
evitar que Murphy tenha sucesso – quando a mensagem do MRM alcançar todos os
se investigam todos os fatores que con- envolvidos na manutenção? Por meio da
duziram a um acidente, descobre-se uma comunicação. Observa-se uma grande mu-
cadeia de eventos estabelecida, com fatores dança no comportamento dos envolvidos
contribuintes e causas do acidente. quando sabem que serão responsabilizados,
4) Nós sempre trabalhamos com uma elogiados publicamente pelos esforços e
rede de segurança – são as precauções ou perguntados por sugestões. A comunicação
contramedidas que tomamos no dia a dia ocorre quando há o debriefing, em que cada
para prevenir que os erros e fatores huma- um pode opinar para que o próximo projeto
nos afetem nosso julgamento. Inclui a du- seja mais bem executado. Deve haver o
plicidade nas inspeções, uso de check-lists, envolvimento das pessoas, escutando-se o

RMB2oT/2014 139
COMO A FERRAMENTA MAINTENANCE RESOURCE MANAGEMENT (MRM) PODE CONTRIBUIR
PARA MELHORAR A SEGURANÇA DE VOO

motivados, com mentalidade de


segurança e comprometidos com a
prevenção de erros.
Com a comunicação aberta,
otimiza-se o trabalho em equipe,
resultando em tarefas cumpridas
de forma proficiente, expedita e,
principalmente, segura.
A mudança cultural que é ini-
ciada com o MRM irá produzir
excelentes resultados quando todos
na organização abraçam a mesma
causa. Obviamente esta mudança
não será notada da noite para o dia,
pois a mudança do comportamento
humano ocorre de forma gradual.
Ao se fornecerem as novas ferra-
mentas de trabalho proporcionadas
pelo MRM para os envolvidos em
manutenção, tais como melhoria das
comunicações, maior assertividade
e métodos para lidar com a pressão
e o estresse, procura-se conseguir
que se tem a falar e sempre se transmitindo uma força de trabalho focada na redução de
o feedback das sugestões, mesmo que ine- erros, no aumento da qualidade e na criação
xequíveis. Isto resultará em profissionais de ambiente mais seguro.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ARTES MILITARES>; Segurança; Poder aéreo; Aviação militar;

140 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis
na Marinha do Brasil e seus óbices:
Como tomar uma boa decisão?

IGOR DE ASSIS SANDERSON DE QUEIROZ*


Capitão de Corveta (IM)

SUMÁRIO

Introdução
Breve histórico do míssil
Introdução do míssil no Brasil
Conceituação do míssil
Classificação dos mísseis
Propósitos deste trabalho
Tipos de mísseis utilizados pela Marinha do Brasil
Míssil ar-superfície
Míssil ar-ar
Míssil superfície-ar
Míssil superfície-superfície
Míssil superfície-submarino
O desenvolvimento de mísseis no Brasil
MAA-1 Piranha, o primeiro míssil brasileiro
Antecedentes do desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil
Situação atual e perspectivas
O Parque Industrial Brasileiro
O período 1960-1990
Principais empresas parceiras da Marinha do Brasil no Projeto ManSup
A Lei no 12.598/2012
Tecnologia
Velocidade da evolução
Dificuldades para acompanhar a evolução tecnológica
As tecnologias duais
Como tomar uma boa decisão?
Aquisições de defesa
O caso do Brasil
Considerações finais

* Mestrando em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi vencedor do concurso
Marquês de Tamandaré, do Clube Naval, em 2012 e 2013.
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Introdução Segundo Ribeiro et al (2006), o pri-


meiro registro de emprego de um míssil
Breve histórico do míssil se deu em 25 de agosto de 1943, quando
o artefato alemão HS-293 foi usado contra

A invenção do míssil, considerado por


muitos o artefato mais poderoso já
desenvolvido na indústria bélica, tem di-
uma esquadra britânica que navegava na
Baía de Biscay, durante a Segunda Guerra
Mundial. Já de acordo com Zaloga (2003),
ferentes versões, algumas delas bastante o A-4, comumente conhecido como V-2,
curiosas. criado pelo notável físico alemão Wernher
A mais antiga (e fantástica), descrita no von Braun2, teve seu primeiro lançamento
Mahabharata1, remonta a Índia na Idade bem-sucedido em 3 de outubro de 1942.
Védica Tardia (700 a.C.), quando guerrei- Outros autores consideram que o pioneiro
ros hindus seriam capazes de arremessar foi o também alemão Fi 103 V7, projetado
projéteis sobrenaturais denominados devas- por Von Braun, posteriormente denomina-
tra sobre seus inimigos, guiando-os com o do V-1, e cujo primeiro voo teria ocorrido
poder da mente, por meio de mantras, que em 10 de dezembro de 1942.
eram cantos místicos entoados em estado Embora não haja um consenso, pode-
de transe. mos afirmar que os mísseis representam
A despeito da lenda acima mencionada, a evolução dos foguetes, e que o início do
no século XVIII, foguetes foram empre- desenvolvimento destas armas ocorreu no
gados como armas pela primeira vez pelo início da década de 1940, nos laborató-
exército indiano de Hyder Ali e Tipu Sul- rios secretos da Luftwaffe3, da Alemanha
tan, contra os invasores britânicos. nazista.

Míssil V-1 (Fonte: U.S. National Archives)

1 Épico clássico da Índia, cuja autoria é atribuída a Krishna Dvapayana Vyasa, visto por alguns autores como o
texto sagrado de maior importância no hinduísmo.
2 Wernher Magnus Maximilian von Braun foi um engenheiro e físico alemão. Antes e durante a Segunda Guerra
Mundial, trabalhou no programa alemão de foguetes e mísseis, alcançando progressos memoráveis. Ao fim
da guerra, entregou-se voluntariamente e foi naturalizado cidadão norte-americano, tendo ido trabalhar na
National Aerospatiale Space Agency (Nasa). Fonte: Wikipedia.
3 Força Aérea da Alemanha nazista.

142 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Introdução do míssil no Brasil armamentos, em seus meios navais, aero-


navais e de fuzileiros navais.
No âmbito das Forças Armadas brasilei-
ras, a vanguarda na utilização de mísseis per- Conceituação do míssil
tence à Marinha do Brasil (MB). O primeiro
passo da Marinha para utilização deste tipo A etimologia do vocábulo míssil advém do
de armamento foi a aquisição de um lançador verbo em latim mittere, que significa “enviar”.
quádruplo de mísseis superfície-ar (MSA) Os mísseis são armamentos autopro-
Sea Cat (conhecido na Royal Navy como pulsados, dotados de sistema de guiagem,
GWS20), instalado no Contratorpedeiro lançados de uma plataforma a fim de atingir
Classe M (inicialmente M1 e, depois, D-26) um alvo a distância, infligindo danos a fim
Mariz e Barros, no final da década de 1960. de destruí-lo ou neutralizá-lo. A capaci-
O Sea Cat era um MSA guiado, de al- dade de orientação após o lançamento é a
cance inferior a 5 km, destinado à defesa característica que os distingue dos foguetes,
contra aeronaves voando em baixa altitude. que, após lançados, não mais terão suas tra-
O míssil tinha 1,47 m de comprimento, 0,19 jetórias influenciadas por quem os lançou.
m de diâmetro e peso total de 93,4 kg. No De forma geral, um míssil pode ser di-
lançamento, era usado um propulsor (boos- vidido em três partes principais: propulsor
ter) de cordite4, após o que era acionado o (parte responsável pela impulsão do projé-
motor de sustentação, de combustível sólido, til), corpo (onde geralmente se localizam
cujo tempo de queima era de cerca de 15 sistemas de direcionamento e o combustível
segundos. Tratava-se de um sistema limitado para o propulsor) e cabeça de guerra ou de
a alcances curtos, devido principalmente combate (formada pela ogiva, que contém os
ao emprego do conceito man-on-the-loop5. elementos explosivos potencialmente cau-
Desde então, a Marinha do Brasil vem sadores de danos, e a espoleta, dispositivo
empregando os mísseis, estes incríveis responsável pela excitação).

Contratorpedeiro D-26 Mariz e Barros. No detalhe, o lançador quádruplo do MAS Sea Cat.
(Fonte: revista Segurança e Defesa)

4 Propelente de base dupla, fruto da combinação química de nitrocelulose e nitroglicerina.


5 Sistema que usa o guiamento terminal eletro-óptico com transmissão de imagens para o operador, dando maior fle-
xibilidade ao armamento, que pode reconhecer alvos durante o trajeto, ou mesmo engajar alvos de oportunidade.

RMB2oT/2014 143
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Classificação dos mísseis Tipos de Mísseis Utilizados


pela Marinha do Brasil
Os mísseis podem ser classificados em
(KAPOOR E KARTHIKEYAN, 1990): Míssil ar-superfície (MAS)
a) Quanto à plataforma de lançamento
e emprego: mísseis superfície-ar (MSA), Sea Skua – Fabricado pela British
superfície-superfície (MSS), ar-ar (MAA), Aerospace Dynamics, este míssil antina-
ar-superfície (MAS), superfície-submarino vio subsônico foi empregado em combate
(MSSub) e ar-submarino (MASub). Mais pela primeira vez em 1982, durante a
recentemente, estão se tornando mais Guerra das Malvinas, pelas forças inglesas
comuns os Submarine Launched Ballistic contra o rebocador argentino Comodoro
Missiles – SLBM (mísseis balísticos lança- Somellera . O míssil Sea Skua é guiado por
dos de submarino – tradução livre). radar semiativo, e o peso total do sistema,
b) Quanto ao tipo de trajetória: mísseis com quatro mísseis, não passa de 750 kg. A
balísticos (cuja trajetória não pode mais cabeça de guerra do míssil tem 9 kg de
ser alterada após a queima total do com- RDX, o alcance é de 15 km e atinge velo-
bustível, passando então a ser determinada cidade de Mach 0,9 (GALANTE, 2010).
pelas leis físicas da balística) e mísseis de A Marinha adquiriu um primeiro lote
cruzeiro (orientados por navegação iner- de 16 mísseis Sea Skua em 1987. Em
cial, satélite ou Tercom6). junho de 1988, foi realizado o primeiro
c) Quanto ao alcance: curto alcance (até teste embarcado deste míssil no helicóptero
100 km), médio alcance (de 100 a 1.500 AH-11 Lynx. O Sea Skua permanece sendo
km), alcance intermediário (1.500 a 5.000 empregado pela MB.
km) e intercontinental (acima de 5.000 km). Exocet AM39 – Este míssil francês
d) Quanto ao tipo de propulsão: com ou fabricado pela Aerospatiale (atualmente
sem aspiração. MBDA), de 0,35 m de diâmetro, 4,69 m de
e) Quanto ao combustível: sólido, líqui- comprimento e 670 kg, tem guiagem ativa
do ou híbrido. por radar, com sistema de navegação iner-
cial. Sua cabeça de combate de 165 kg é do
Propósitos deste trabalho tipo de fragmentação de alto explosivo. Seu
alcance é de 50 a 70 km quando lançados
A pesquisa teve como propósito os de uma altitude de 10 km. São subsônicos,
mísseis na Marinha do Brasil, abordando atingindo a velocidade de 0,9 Mach. Foi
o histórico da introdução deste tipo de introduzido em 1979.
armamento no âmbito da Força Naval, Na Marinha do Brasil, são lançados a
analisando as dificuldades encontradas, em partir das aeronaves SH-3A Sea King, de
virtude da tecnologia disponível no País, origem norte-americana, adquiridas em
das restrições financeiras e da estrutura 1984. Em 2011, foi adquirida a versão Block
existente no parque industrial brasileiro. 2 Mod 2 para equipar as aeronaves UH-15.
Discorremos também sobre a forma de AGM-119B Penguin Mk 2 – Fabricado
selecionar o produto a ser adquirido ou pela norueguesa Kongsberg Defence & Ae-
desenvolvido, diante da atual velocidade rospace, este míssil equipará as aeronaves
da evolução tecnológica da indústria bélica. MH-16 Seahawk, incorporadas em 23 de
6 Sistema de navegação que utiliza um radar-altímetro e barômetros, de forma a comparar o relevo na rota pré-
selecionada com o perfil do terreno abaixo.

144 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Lançamento do míssil Sea Skua pela aeronave AH-11 (Fonte: revista Poder Naval)

agosto de 2012 ao 1o Esquadrão de Helicóp- Ford and Raytheon, foi utilizado durante
teros Antissubmarino (HS-1), destinadas a a Guerra do Vietnã pelas forças norte-
substituir as Sea King. Também poderá ser americanas. No Brasil, foram adquiridos
lançado pelos AH-11 Super Lynx. O contrato em 1998 para emprego pelas aeronaves
para aquisição do primeiro lote de oito mísseis AF-1 Skyhawk. O armamento de guiagem
foi assinado em 22 de dezembro de 2008. Ori- passiva a infravermelho pesa 85,3 kg (9,4
ginalmente desenvolvido no início da década kg da cabeça de combate) e mede 3,02 m
de 1970, possui as seguintes características: de comprimento por 0,127 m de diâmetro.
385 kg (120 kg da cabeça de combate), 3 m Em 10 de julho de 2010, durante a Ope-
de comprimento, 0,28 m de diâmetro, alcance ração Missilex, o Sidewinder foi lançado
máximo de 34 km, guiagem a pulsos de laser pela primeira vez tendo na equipagem
e altitude de voo sea skimming*. envolvida no lançamento somente pessoal
da Marinha do Brasil (WILTGEN, 2010).
Míssil ar-ar (MAA)
Míssil superfície-ar (MSA)
AIM 9H Sidewinder – Esta versão do
bem-sucedido míssil ar-ar de curto alcance Sea Cat – Primeiro míssil empregado pe-
foi desenvolvida pela US Navy (Marinha las Forças Armadas brasileiras. Suas caracte-
norte-americana) no início da década de rísticas foram supramencionadas no tópico da
1970. Fabricado pelo consórcio Philco- introdução do míssil no Brasil. Acrescenta-se

* N.R.: Sea skimming – atitude do míssil que na fase de cruzeiro voa a cerca de 100 m de altitude, mergulhando
para 2 a 15 m na fase final de aproximação do alvo.

RMB2oT/2014 145
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

que, após a baixa do Contratorpedeiro Mariz no projeto Modfrag, propôs o fornecimen-


e Barros, em 1972, o lançador quádruplo do to do MAS Aspide 2000, fabricado pela
míssil, anteriormente instalado naquele navio, Alenia Aeronautica, empresa italiana, para
foi transferido para o CT D-34 Mato Grosso, substituição do Sea Cat. Este armamento
e nesta belonave permaneceu até sua saída do (cujo alcance pode chegar a 21 km, embora
serviço ativo, em 1990 (FONTOURA, 2003). o alcance ideal seja de 15 km) é dotado de
Este armamento foi também utilizado sistema de guiagem Automatic Command
nas fragatas classe Niterói, que possuíam to Line-Of-Sight (Aclos), no qual todo
dois lançadores triplos cada uma. Nestes procedimento de guiagem do míssil, do
navios, o Sea Cat permaneceu em uso até lançamento até o impacto, é feito automa-
a década de 1980, quando, sendo ativado ticamente pelo próprio míssil (chamados
o projeto de modernização da classe (Mo- também de “dispare e esqueça”), sendo
dfrag), foi substituído pelo míssil Aspide. o lançador responsável apenas por gerar
Sea Wolf – O MSA GWS 25 Sea Wolf informações pré-disparo, para abastecer
substituiu, na Marinha britânica, o Sea Cat, a a cabeça de guiagem do míssil com infor-
partir de 1979. Produzidos pela British Aircraft mações. Também tem alta resistência a
Corporation, como o Sea Cat, esses mísseis contramedidas ativas e passivas.
tiveram seu batismo de fogo na Guerra das Mistral – De acordo com Fontoura
Malvinas. Medindo 1,90 m de comprimento, (2003), o míssel fabricado pela empresa
com diâmetro de 0,30 m e envergadura de francesa Matra (hoje parte da MBDA) foi
0,45 m, e pesando cerca de 82 kg, ele tem oferecido na proposta da empresa Vosper
um alcance de 6,5 km e chega à velocidade Thornycroft na concorrência do Modfrag,
supersônica de Mach 3 (FONTOURA, 2003). mas esta acabou desclassificada.
O Sea Wolf foi cogitado para substituir Entretanto, acabou sendo utilizado
o Sea Cat durante o projeto Modfrag. No na MB na Bateria Antiaérea do Corpo
entanto, a proposta vencedora do certame de Fuzileiros Navais (empregados nos
licitatório contemplava outro armamento. reparos Manpads), bem como no Navio-
Assim, o Sea Wolf somente foi introdu- Aeródromo A-11 Minas Gerais, onde eram
zido na Marinha do Brasil por ocasião da lançados por dois reparos duplos Simbad.
aquisição das fragatas classe Greenhalgh, O Mistral tem alcance de 6 km contra
a partir de junho de 1995. aviões de ataque velozes e de 4 km contra
Aspide 2000 – O consórcio liderado helicópteros (com baixa assinatura IV), e a
pela DSND Consub, vencedor da licitação cabeça de combate pesa cerca de 3 kg. Suas

Lançamento do Sidewinder pela aeronave AF-1 (Fonte: revista Poder Naval)

146 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

MSA Sea Wolf (Fonte: Royal Navy)

dimensões são: comprimento de 1,84 m, o de 0,9 Mach. Durante a fase de cruzeiro, voa
diâmetro de 0,09 m, envergadura de 0,19 a cerca de 100 m de altitude, mergulhando
m e o seu peso total alcança 24 kg. para 2 a 15 m na fase final. Por este motivo,
O alcance eficaz mínimo é de 300 m, e é caracterizado como sendo sea skimming.
a altitude mínima de engajamento é de 15 Na MB, as fragatas classe Greenhalg
metros. (FONTOURA, 2003). O sistema possuem cada quatro lançadores deste tipo
de guiagem é infravermelho. de míssil, dois em cada bordo.
Cabe ressaltar que todos os mísseis Exocet MM 40 – Armamento muito
superfície-ar utilizados na Marinha do similar ao MM38. As principais diferenças
Brasil destinam-se à defesa de ponto. são nas dimensões (5,79 m de comprimento
e 875 kg), no maior ângulo de busca do
Míssil superfície-superfície (MSS) radar e na cabeça de combate, com menor
potencial destrutivo. O alcance máximo
Exocet MM38 – Versão antinavio do também é maior (até 70 km). Empregados
AM39, foi o primeiro da família Exocet, nas corvetas classe Inhaúma, construídas
desenvolvido no início da década de 1970. no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
Tem 0,35 m de diâmetro, 5,21 m de com- (AMRJ) e incorporadas a partir de 1989,
primento, 735 kg (165 da cabeça de guerra), bem como nas fragatas classe Niterói e na
alcance de até 42 km e velocidade subsônica Corveta Barroso.

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O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Aspide lançado de uma Fragata venezuelana (Fonte: Armada Bolivariana de Venezuela)

Reparo duplo Simbad de lançadores do Mistral


(Fonte: MBDA)

Reparo Manpads de lançador do


Mistral (Fonte: Marinha do Brasil)

1.2 AC – Míssil anticarro de 3 km de Versátil, com guiagem a laser e poder de


alcance fornecido pela empresa brasileira penetração em blindagens, será empregado
Mectron. O primeiro lote piloto do arma- por Grupamentos Operativos de Fuzileiros
mento foi entregue em 14 de novembro de Navais. Podem ser lançados a partir de uma
2012, referente ao contrato assinado em 2009. unidade de tiro ou por meio de paraquedas.

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O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

ment Aircraft Factories, transportava


um torpedo antissubmarino MK 46.
Tinha um alcance efetivo de 20 km e
media 3,42 m de comprimento e 1,52
m de envergadura. Sua velocidade
subsônica era de 0,8 Mach.
Foi aplicado nas quatro fragatas
classe Niterói de emprego A/S, mas
teve seu uso descontinuado a partir da
década de 1990 (GALANTE, 2009).

O desenvolvimento de
Lançamento do Exocet MM40 (Fonte: MBDA) mísseis no Brasil

RBS 56 – Bill – Míssil sueco anticarro MAA-1 Piranha, o primeiro míssil


desenvolvido a partir de 1979, entrou em brasileiro
produção a partir de 1985 pela Bofors.
Portátil, seu lançador pesa 36 kg. O pro- Em 1972, os presidentes Richard Nixon,
jétil tem 0,9 m de comprimento e 0,15 dos Estados Unidos da América (EUA), e
m de diâmetro. O alcance útil é de 150 a Leonid Brejnev, da União das Repúblicas
2.200 m. O míssil tem sistema de guiagem Socialistas Soviéticas (URSS), assinaram,
semiautomático a fio (Saclos). Utilizado em 25 de maio, o Tratado Antimísseis Ba-
pelo Corpo de Fuzileiros Navais. lísticos, que impedia o lançamento de armas
nucleares no espaço e limitava os sistemas
Míssil superfície-submarino antimísseis. No dia seguinte, foi assinado o
tratado conhecido como Salt-1, que limitava
Ikara – Tratava-se na verdade de um o número de armas estratégicas interconti-
drone, fabricado pela Australian Govern- nentais com mais de 5 mil km de alcance.

Cerimônia de recebimento do MSS 1.2 AC. Lançador do míssil anticarro RBS 56 Bill
(Fonte: Marinha do Brasil) (Fonte: Marinha do Brasil)

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O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Na época, o Brasil empregava em suas é considerado o primeiro míssil desenvolvi-


aeronaves F-5, da Força Aérea Brasileira, do na América Latina.
os mísseis norte-americanos AIM-9B O míssil era de curto alcance, supersô-
Sidewinder. O receio de sofrer embargos nico, com detecção passiva infravermelha
americanos no fornecimento, em virtude de de alvos, do tipo fire and forget (“dispare
pressões soviéticas, impulsionou o desejo e e esqueça” – tradução livre).
a necessidade de implementar um programa
nacional de desenvolvimento de mísseis. Antecedentes do desenvolvimento de
Iniciado em 1976 pelo Instituto de mísseis na Marinha do Brasil
Aeronáutica e Espaço, do Centro Téc-
nico Aeroespacial, o programa somente Embora a MB tenha sido a força armada
se tornou público em 1981. As restrições pioneira no emprego de mísseis no Brasil,
orçamentárias na época, em parte devidas o desenvolvimento destes armamentos, uti-
à crise internacional do petróleo, preju- lizando tecnologia nacional, não foi tratado
dicaram o projeto e provocaram atrasos, como uma prioridade durante muitos anos.
tornando-o tecnologicamente superado Assim, a capacidade operativa era mantida
antes mesmo da conclusão. No entanto, pelas chamadas “compras de oportunidade”.
isso não foi visto como sendo um grande Tal fato também pode ser observado no texto
problema, por se tratar de um empreendi- da segunda edição da Estratégia Nacional de
mento pioneiro. Defesa, que somente se refere ao desenvol-
Entre diversas paralisações, o desenvol- vimento de tecnologia nacional para projetar
vimento foi entregue à empresa Mectron En- e fabricar mísseis ao citar as diretrizes para
genharia, em 1993. Embora a homologação a Força Aérea Brasileira, que vem capitane-
preliminar do míssil somente tenha ocorrido ando os programas de construção de mísseis
em 2 de outubro de 1998, o MAA-1 Piranha nacionais desde a década de 1970.

Ikara (Fonte: Australian Screen)

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O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Com relação à MB, verificamos que a perecível mais crítica do míssil, deixando
ideia do desenvolvimento de um MSS não claro que a empresa poderia aceitar cola-
é recente. No final da década de 1970, foi borar no desenvolvimento e ser contratada
formada uma equipe de oficiais no âmbito para isso, ou se negar a fazê-lo, o que não
da antiga Diretoria de Armamento e Comu- impediria que a MB prosseguisse no seu
nicações da Marinha (DACM), cujo diretor intuito. Felizmente, a MBDA resolveu
era o Almirante Raphael de Azevedo Bran- colaborar, o que tem feito com grande
co, para estudar o assunto. Vários deles competência e dignidade até o presente
foram, naquela época, enviados para fazer momento.
cursos no exterior. Um deles foi o Vice- O auxílio tem sido na capacitação das
Almirante (RM1) Ronaldo Fiúza de Castro, empresas nacionais dentro dos rigorosos
gerente do projeto de desenvolvimento padrões da área de mísseis e na introdução
do míssil nacional superfície-superfície, a modernas ferramentas de gerenciamento.
que, em 1980, foi cursar mestrado em Entretanto, a transferência de tecnologia só
Engenharia Aeronáutica no Massachussets está ocorrendo porque há profissionais com
Institute of Technology (MIT), nos EUA, grande conhecimento a respeito de mísseis
na área de controle, navegação e guiagem não só na MB, como também nas empresas
de mísseis. nacionais envolvidas.
Em 1982, a Israel Aerospace Industries Somente em 2007, com a aprovação do
propôs montar uma fábrica para produzir o Programa de Reaparelhamento da Mari-
míssil Gabriel III no Brasil. Contudo, como nha (PRM), estabelecendo cronogramas
era apenas uma transferência de know-how de trabalho para o período 2006-2012,
e não de know-why, ou seja, não havendo a posteriormente atualizado para 2008-
transferência de tecnologia, a MB decidiu 2014, o projeto de Desenvolvimento de
não prosseguir com as negociações. Míssil Nacional Antinavio tornou-se uma
No ano de 2001, a MB foi comunicada prioridade real.
pela MBDA, fabricante dos mísseis Exocet, A Ares ficou encarregada de produzir
de que o míssil tipo MM38 teria seu apoio e desenvolver o lançador. Os sensores
descontinuado. Além disso, a empresa ten- inerciais foram contratados junto ao
tou “pressionar” as autoridades brasileiras, Centro Tecnológico da Marinha em São
informando as “inúmeras vantagens” de Paulo (CTMSP), e a plataforma inercial
seus novos mísseis, com especificações seria produzida pelo Instituto de Pes-
mais sofisticadas do que as necessidades quisas da Marinha (IPqM). A Omnisys,
brasileiras, e cujo custo era cerca de três empresa da área de radiofrequência, ficou
vezes o de um do modelo MM 38. Nessa responsável pelo projeto do seeker para
ocasião, diante da sensação de impotência substituir o antigo radar Adac. O Centro
da MB, que percebeu que não poderia mais Tecnológico do Exército (CTEX) pro-
continuar dependendo das condições de duziria as pilhas térmicas, e a carga útil
lucratividade de empresas estrangeiras em seria produzida pela Fábrica Almirante
relação a sua arma mais letal, decidiu-se Jurandyr da Costa Muller de Campos
que o projeto do míssil nacional finalmente (FAJCMC), a fábrica de munições da
seria retomado. MB. A Fundação Atech faria o geren-
Mesmo tendo aceitado descartar os ciamento complementar. Também havia
mísseis MM 38, a MB disse à MBDA que a intenção de montar uma raia de testes
iria nacionalizar o motor foguete, parte adequada no Brasil.

RMB2oT/2014 151
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Situação atual e perspectivas atender às necessidades da Esquadra e


também permitir que a indústria nacional
Em 5 e 6 de dezembro de 2011, a Di- seja competitiva nas disputas pelo setor
retoria de Sistemas de Armas da Marinha internacional.
(DSAM) enfim assinou contrato, respec- O Programa de Reaparelhamento da
tivamente, com as empresas Mectron- Marinha (PRM) prevê o desenvolvimento
Engenharia, Indústria e Comércio S/A e de vários tipos de mísseis para a Marinha do
Avibras Divisão Aérea e Naval S/A para Brasil, a um custo total orçado em R$ 144,2
o desenvolvimento do protótipo do Míssil milhões, com R$ 22 milhões de investimen-
Antinavio Nacional (ManSup). to inicial. O citado projeto recebeu dotação
Em 18 de abril de 2012, a Marinha do de R$ 4,8 milhões no orçamento de 2008.
Brasil, a partir da Corveta Barroso, lançou Deste valor, R$ 901.060,98 foram efetiva-
com sucesso um míssil MSS Exocet MM mente executados (PESCE, 2009, p. 12).
40, propulsado por um motor-foguete cons- De acordo com Martini (2012), o co-
truído no Brasil. Assim, o Brasil tornou-se mandante da Marinha, Almirante de Esqua-
independente em construção e certificação dra Julio Soares de Moura Neto, teria de-
destes motores. O propulsor, produzido clarado, em 13 de abril de 2012, que a MB
nas plantas industriais da Avibras, utilizou está discutindo com a empresa sul-africana
combustível sólido e foi capaz de impul- Denel alguns projetos de desenvolvimento
sionar o projétil até um alcance de 70 km. conjunto de mísseis superfície-ar, mas que
Os demais componentes do míssil (sis- nenhum contrato teria sido assinado até
temas de guiagem, as cargas explosivas, aquele momento.
fuselagem e sensores) foram também pro- O míssil poderia ser um MSA com um
duzidos no País. O investimento no projeto, alcance entre 30 km e 50 km. Seria uma
até então, foi de R$ 75 milhões. A previsão versão do Umkhonto-IR, atualmente fa-
de gastos é de R$ 170 milhões até 2020, de bricado pela Denel Dynamics e utilizado
acordo com dados da Agência Brasileira de pelas Marinhas sul-africana e finlandesa,
Desenvolvimento Industrial (ABDI). mas com maior alcance, projeto denomi-
O anúncio público do sucesso no teste nado de Umkhonto-ER (extended range,
realizado foi feito pela MB em 4 de maio ou alcance estendido – tradução livre).
de 2012. Na ocasião, pronunciou-se o Al- Seria um armamento de guiagem por IR
mirante Fiúza, afirmando que “o principal (infravermelho).
êxito do programa foi o de conseguir acordo Existe também um projeto de desen-
entre as empresas envolvidas para transfe- volvimento a longo prazo, com alcance
rência de tecnologia em uma área comple- ainda maior, designado Umkhonto-R, que
xa como a fabricação de armamentos de será guiado por um radar de busca. Isso
guerra”. Disse também que o domínio da exigirá o desenvolvimento de uma cabeça
tecnologia para fabricar o motor do MM de busca com radar, o que demandará um
40 poderá beneficiar também o projeto do maior prazo para conclusão.
MAS AM 39, que será empregado pelos Ainda com relação à cooperação in-
novos helicópteros EC725. ternacional, segundo Kalume (2012), o
Era esperado que até o final de 2013, todo ministro argentino da Defesa também teria
o lote de novos motores teria sido entregue. proposto colaborar na modernização dos
Na visão do ministro de Estado da De- mísseis antinavios Exocet MM-38 e MM-
fesa, Celso Amorim, o novo míssil deverá 40, e se interessado pelo projeto de míssil

152 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

ar-ar A-Darter, no qual o Brasil trabalha em dentro de um curto período se conseguiu


conjunto com a África do Sul. atingir uma produção em níveis de exporta-
ção. Exemplos disso são a Avibras (1961),
O Parque Industrial a Engesa (1965) e a Embraer (1969).
Brasileiro O sucesso dessas empresas foi alcançado
por meio de uma relação de simbiose, em
O período 1960-1990 que o governo forneceu subsídios, material e
recursos humanos qualificados, e o setor pri-
Segundo Mathias e Cruz (2009, p. 3), vado era responsável pelas linhas de produtos,
durante as décadas de 1940 e 1950, diversas especialmente para o mercado externo. Assim,
instituições de promoção do desenvolvimen- nas décadas de 1970 e 1980, o Brasil figurava
do da ciência foram criadas no Brasil, como entre os dez maiores exportadores de armas do
a Sociedade Brasileira para o Progresso da mundo (Bastos, 2006), tendo países do Oriente
Ciência (SBPC), o Instituto Tecnológico da Médio como maiores clientes, devido, em
Aeronáutica (ITA) e o Conselho Nacional de grande parte, à guerra Irã-Iraque, de 1980 a
Desenvolvimento Científico e Tecnológico 1988 (MATHIAS e CRUZ, 2009, p. 7). Neste
(CNPq), entre outras. conflito armado, o Brasil
Entretanto, foi na vendeu cerca de US$
década de 1960 que Nas décadas de 1970 e 1980, 780 milhões em itens de
a adequação às novas
fronteiras do progresso
o Brasil figurava entre os emprego militar para o
Iraque (SANTOS, 1999).
científico e tecnológico dez maiores exportadores Conforme afirma
internacional tornou-se de armas do mundo o General José Carlos
uma obsessão para as Albano do Amarante
Forças Armadas brasi- (2004), na época o Bra-
leiras. A ciência e a tecnologia passaram a sil chegou a ser o quinto maior exportador
ser vistas como condicionantes permanentes mundial de produtos bélicos, e cerca de 90%
da performance em combate, e sucessos do material utilizado pelo Exército Brasileiro
operacionais somente seriam atingidos pela tinham origem nacional. Mais recentemente,
contínua modernização das Forças Armadas, segundo pesquisa realizada anualmente pelo
apoiadas por uma sólida indústria bélica periódico especializado Defence News, das 30
nacional. O estímulo dado à produção de companhias de maior lucro nesse mercado em
armas foi baseado na ideia de que a indústria 2011, 19 (63%) eram dos EUA, três da França
de defesa seria o agente catalisador para o e duas do Reino Unido. Entre as cem maiores
desenvolvimento econômico e tecnológico, empresas, o Brasil tem apenas uma (Embraer).
bem como um meio de estabelecer o poder Com o fim do governo militar, em 1985;
nacional (DREYFUS et al, 2005, p. 254). a criação da Zona de Paz e Cooperação
Assim, diversas usinas de produção de do Atlântico Sul7, em 1986; o término do
armas foram instaladas a partir de 1961, conflito entre Irã e Iraque, em 1988; e a
aproveitando a estrutura industrial imple- crise cambial, a indústria bélica nacional
mentada em anos anteriores, de modo que entrou em colapso do início dos anos 1990.

7 A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas) foi estabelecida em 27 de outubro de 1986, por meio
de uma iniciativa do Brasil, da qual extraiu-se uma resolução, a 41/11 da Organização das Nações Unidas
(ONU). A Zopacas foi criada com o intuito de promover a cooperação regional e a manutenção da paz e da
segurança no entorno dos 24 países que aderiram a tal projeto. Fonte: Agência Brasileira de Estudos de Defesa.

RMB2oT/2014 153
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Desde então, o setor vem ensaiando uma e) Omnisys Engenharia Ltda. – Parte do
longa e gradual recuperação, e, apesar de Grupo Thales, fundada em 1997 e locali-
todas as dificuldades, o Brasil é o único zada em São Bernardo do Campo (SP), é
país latino-americano com uma produção tradicional parceira do IPqM e se destaca
de armas significante (DREYFUS, 2005). como único fornecedor nacional capacitado
no desenvolvimento e na fabricação de
Principais empresas parceiras da Sistemas de Guerra Eletrônica, na moda-
Marinha do Brasil no Projeto ManSup lidade de não comunicações. Forneceu
os equipamentos de Medidas de Apoio à
a) Mectron Engenharia, Indústria e Comér- Guerra Eletrônica e Contramedidas Ele-
cio S. A. – Fundada em 1991, agora parte da trônicas para as corvetas classe Inhaúma.
Odebrecht Defesa e Tecnologia, esta empresa Responsável pelo seeker do ManSup.
localiza-se no cinturão industrial que se desen- f) Opto Eletrônica S.A. – Fundada em
volveu na área no entorno do ITA (interior 1994, e já declarada pelo ministro da De-
do estado de São Paulo) a partir da década de fesa como sendo “estratégica para o País”,
1960. Atua nos mercados de defesa e aeroes- produz sistemas optoeletrônicos.
pacial, desenvolvendo e fabricando produtos
de alta tecnologia, como o MSS 1.2, utilizado A Lei no 12.598/2012
pelo Corpo de Fuzileiros Navais (CFN).
b) Avibras Indústria Aeroespacial – Funda- A fim de incentivar e proteger a indústria
da em 1961, possui atualmente quatro unidades de defesa nacional, a Lei no 12.598, de 22
fabris, todas localizadas no interior do Estado de março de 2012, estabeleceu normas es-
de São Paulo. Pioneira no desenvolvimento e peciais para as compras, as contratações e o
na produção de mísseis brasileiros, vem par- desenvolvimento de produtos e de sistemas
ticipando ativamente do projeto ManSup, no de defesa e dispôs sobre regras de incentivo
desenvolvimento e em produção e integração à área estratégica de defesa.
de motores-foguete de propelente sólido. De acordo com a definição legal,
c) Ares – Atua no segmento de defesa, de- Produto Estratégico de Defesa (PED) é
senvolvendo atividades na área de planejamen- qualquer produto utilizado nas atividades
to, fabricação, manutenção e comercialização finalísticas de defesa, que, pelo conteúdo
de produtos para aplicações civis e militares, tecnológico, pela dificuldade de obten-
atendendo às demandas do mercado nacional ção ou pela imprescindibilidade, seja de
e internacional. Na área naval, desenvolve interesse estratégico para a defesa nacio-
sistemas integrados para navios com moni- nal, tais como recursos bélicos navais,
tores de correção de rumo que auxiliam na terrestres e aeroespaciais e serviços téc-
interceptação e no ataque do alvo selecionado, nicos especializados na área de projetos,
lançador de torpedo e alça óptica. Também pesquisas e desenvolvimento científico e
atua na automatização de comando e disparo tecnológico.
e em sistemas de combates a submarinos. A mesma lei, no inciso IV do seu artigo
d) Atech Negócios em Tecnologias 2o, estabelece as condições para o cre-
S.A. – Integrante do Grupo Embraer, for- denciamento de empresas como Empresa
nece sistemas de gerenciamento e outras Estratégica de Defesa, in verbis:
soluções tecnológicas. Localizada em São “IV – Empresa Estratégica de Defesa
Paulo, é parceira da MB no gerenciamento – EED – toda pessoa jurídica credencia-
do projeto ManSup. da pelo Ministério da Defesa mediante

154 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

o atendimento cumulativo das seguintes A norma prevê, ainda, que o poder


condições: público poderá convocar licitações des-
a) ter como finalidade, em seu objeto tinadas exclusivamente às EEDs para o
social, a realização ou condução de ati- fornecimento de PEDs. Portanto, embora
vidades de pesquisa, projeto, desenvol- o credenciamento junto ao Ministério da
vimento, industrialização, prestação dos Defesa não seja obrigatório, a empresa que
serviços referidos no art. 10, produção, não o fizer poderá estar abrindo mão de uma
reparo, conservação, revisão, conversão, significativa parcela do mercado.
modernização ou manutenção de PED Estarão também excluídas para as não
no País, incluídas a venda e a revenda credenciadas as possibilidades de contra-
somente quando integradas às atividades tação de linhas especiais de financiamento
industriais supracitadas; e de um regime especial de tributação;
b) ter no País a sede, a sua administra- benefícios darão vantagem competitiva às
ção e o estabelecimento industrial, equipa- credenciadas como EED, mesmo quando
rado a industrial ou prestador de serviço; as licitações não forem destinadas exclu-
c) dispor, no País, de comprovado sivamente a elas.
conhecimento científico ou tecnológico
próprio ou complementado por acordos Tecnologia
de parceria com Instituição Científica e
Tecnológica para realização de ativida- Velocidade da evolução
des conjuntas de pesquisa científica e
tecnológica e desenvolvimento de tecno- O armamento mais destrutivo já cons-
logia, produto ou processo, relacionado truído pelo homem surgiu juntamente
à atividade desenvolvida, observado o com o início da dita Era da Informação. A
disposto no inciso X do caput; tecnologia no desenvolvimento de mísseis
d) assegurar, em seus atos constituti- evolui com uma velocidade impressionan-
vos ou nos atos de seu controlador direto te. Dos pouco mais de 300 km de alcance
ou indireto, que o conjunto de sócios ou do V-1 na década de 1940, hoje existem
acionistas e grupos de sócios ou acionis- mísseis balísticos intercontinentais como o
tas estrangeiros não possam exercer em Intercontinental Ballistic Missile (ICBM)
cada assembleia geral número de votos Dongfeng DF-41 East Wind, armamento
superior a 2/3 (dois terços) do total de chinês capaz de atingir alvos a 15 mil km,
votos que puderem ser exercidos pelos carregando até dez ogivas nucleares. Os
acionistas brasileiros presentes; e sistemas de guiagem também sofreram
e) assegurar a continuidade produtiva incríveis modernizações, sendo atualmente
no País.” possível o comando via satélite. Muitas mu-
danças também já ocorreram no potencial
Desta forma, observamos que a redação destrutivo das cabeças de combate, que po-
da lei nos leva a pensar em estruturas socie- dem, inclusive, carregar ogivas nucleares, o
tárias intermediárias, visando à proteção e à que é uma constante fonte de preocupação
promoção do mercado brasileiro de defesa da comunidade internacional.
da intenção de investidores estrangeiros de Neste contexto de evolução, podemos
ter algum controle sobre as decisões estraté- citar a Guerra do Golfo (1990-1991) como
gicas das sociedades em que pretendem in- um marco histórico na utilização de mísseis
vestir (CAVALCANTI e PEREIRA, 2012). de longo alcance, com a introdução dos

RMB2oT/2014 155
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

temíveis Tomahawk norte-americanos, trações de poder com testes de armamentos


que, lançados de navios no Golfo Pérsico amplamente alardeados na imprensa inter-
e no Mar Vermelho, conseguiam, por meio nacional, no intuito de demonstrar força
de um sofisticado sistema de navegação, na tentativa de subverter a ordem mundial.
atingir alvos em Bagdá, no Iraque. Desde Devido à confidencialidade, outra con-
então, nos últimos 20 anos, as inovações dição para possibilitar um país a fazer o
têm sido cada vez mais surpreendentes e acompanhamento da criação de novas tec-
crescem em proporções geométricas. nologias é possuir um eficiente sistema de
inteligência e transmissão de informações.
Dificuldades para acompanhar a
evolução tecnológica As tecnologias duais

O primeiro requisito a ser observado por Analisando a evolução dos principais


um país que deseje se manter atualizado componentes e sistemas associados, não
quanto às inovações tecnológicas é a manu- apenas dos mísseis, mas de diversos outros
tenção de um programa de qualificação de tipos de aparatos bélicos, observamos que
pessoal, o qual pode envolver intercâmbios muitos dos produtos, materiais e tecnolo-
com instituições acadêmicas e organizações gias que utilizamos correntemente foram
militares de nações mais desenvolvidas. No originalmente concebidos, projetados e
entanto, tais entendimentos raramente são produzidos visando ao seu emprego mi-
de fácil estabelecimento, e, geralmente, litar. A este desdobramento da tecnologia
este tipo de relação somente ocorre quando denominamos spin off.
existem interesses comerciais envolvidos. Neste sentido, muitos exemplos podem
Além da falta de vontade dos detento- ser enumerados. Um dos mais comumente
res de tecnologias mais avançadas para apontados é a rede mundial de computado-
transferi-las, outro fator limitador são os res, conhecida como internet. Este eficiente
tratados internacionais, como o Regime meio de comunicação eletrônica foi criado
de Controle de Tecnologia de Mísseis nos EUA com o intuito inicial de prover uma
(MTCR), que foi criado em abril de 1987 rede de compartilhamento de informações
por Canadá, França, Alemanha, Itália, entre bases militares, de forma a protegê-las,
Japão, Grã-Bretanha e Estados Unidos. O já que os dados coletados poderiam ter um
Brasil tornou-se signatário em 1995. Este armazenamento remoto, não mais ficando
acordo, por exemplo, divide suas proibi- dependentes da integridade física da base
ções em duas categorias de produtos: ma- coletora, que poderia ser atacada.
teriais e tecnologias. Esta e outras várias Com relação aos mísseis, podemos citar
convenções provocam embargos interna- a concepção do sistema Navstar GPS –
cionais ao surgimento e à transferência de Navigation System by Time and Ranging
tecnologias que possam vir a colocar em Global Positioning System (Sistema de
risco o status quo mundial. Posicionamento Global por Tempo e Dis-
Por força de todas estas regulações, tância – tradução livre). Idealizado pelo
novos projetos de componentes de mísseis Departamento de Defesa dos EUA a partir
são desenvolvidos e envolvidos em gran- de 1973, o projeto original tinha como
de sigilo. Exceção é feita apenas no caso propósito estabelecer uma constelação de
de nações, como a Coreia do Norte, que satélites artificiais a fim de guiar mísseis e
intencionalmente desejam fazer demons- orientar tropas nos teatros de operações.

156 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Muitas outras tecnologias que utiliza- observa-se este tipo de barreiras na impor-
mos em nossas rotinas, e que aparentemente tação de compostos químicos e biológicos,
não têm nenhuma relação com artefatos dada a crescente preocupação da comuni-
bélicos, são derivadas de pesquisas com dade internacional com o desenvolvimento
emprego militar, tais como o leite conden- de agentes CBW (chemical and biological
sado, a margarina, o forno de microondas, warfare – guerra química e biológica,
as panela de teflon, entre muitos outros tradução livre).
produtos (JORGE, 2012).
A partir do exposto, podemos definir Como tomar uma boa
tecnologias de emprego dual como sendo o decisão?
desenvolvimento de sistemas, tecnologias,
materiais e produtos de duplo emprego, Aquisições de defesa
que tanto serão úteis à indústria bélica,
voltada para utilização militar, quanto Ensina-nos Brandão (2005, p. 798) que
para aproveitamento pelas indústrias e pela os armamentos são produtos de alto valor
sociedade civil. agregado, longo prazo de desenvolvimen-
Portanto, temos diferentes pontos de to, produção em baixa escala e intensivo
vista a partir dos quais podemos consi- emprego de tecnologias inovadoras. Por
derar as tecnologias duais. Analisando os esses motivos, eles demandam tratamento
aspectos econômicos, observamos que, diferenciado quanto ao sigilo e à expor-
para a indústria, certamente a possibilidade tação, e somente podem ser “concebidos,
de duplo emprego de novas tecnologias é desenvolvidos e produzidos por países
bastante vantajosa. Além da possibilidade tecnologicamente avançados, com poder
da comercialização de produtos tanto para de embargo sobre potenciais interessados
o segmento militar, cuja produção carac- nestes produtos”.
teristicamente é de pequena escala, quanto A aquisição de produtos de defesa
para o grande público, em que a produção pode ser definida como um processo
de larga escala poderia ampliar os lucros, de gestão, por meio do qual uma nação
temos ainda o bônus de poder dividir os provê tempestivamente às forças armadas
custos de pesquisa e desenvolvimento sistemas de defesa necessários, efetivos
com órgãos governamentais ligados à e confiáveis (MOREIRA, 2012, p. 5).
defesa, interessados nos novos sistemas. O conceito abarca, além da compra, a
A esta influência mútua, contagiando toda concepção e o projeto; a engenharia; os
a comunidade envolvida com pesquisa e testes e as avaliações; produção; opera-
desenvolvimento, denominamos “arrasto ções e apoio aos sistemas de defesa, até
tecnológico”. o descarte do equipamento, incluindo
Porém o lado negativo ocorre na hipó- processos de engenharia reversa.
tese de, inversamente, tecnologias criadas K. Subramanian (2010 apud Moreira
originalmente para uso civil apresentarem 2012) defende a necessidade de uma estra-
possibilidades de aproveitamento no setor tégia abrangente para aquisições de defesa,
bélico. A simples desconfiança da mínima e que não se paute em termos de itens ou
chance de ocorrência deste tipo de desvio equipamentos individuais, mas pela obten-
indevido da finalidade da tecnologia já é ção das tecnologias para construí-los, o que
suficiente para dificultar sobremaneira a aponta para a importância da transferência
transferência de tecnologias. Atualmente, de tecnologia.

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O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

Cada país deve delinear um modelo prias aquisições. Desta forma, o segmento
próprio para o seu sistema de aquisições militar ficava responsável não apenas
de defesa. A experiência internacional pode por estabelecer os requisitos técnicos,
ser de grande utilidade, principalmente mas tinha, ainda, que se envolver com
para países de desenvolvimento tardio, os aspectos político-estratégicos e com
sem tradição de grandes e continuados o planejamento financeiro. Porém essas
investimentos em defesa. aquisições estanques tiveram fim em 1999,
Neste processo, os principais fatores com a criação do Ministério da Defesa.
a serem considerados no planejamento A partir de então, o MD passou a ser
devem ser: a natureza das tarefas vislum- responsável por estabelecer as diretrizes
bradas para as Forças Armadas no período para formulação das políticas nacionais de
considerado; a sofisticação da tecnologia Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) de
de defesa disponível; a potencialidade da defesa, da indústria de defesa e de compras
base logística de defesa; a dependência de de produtos de defesa.
importações de bens e serviços; requisitos Recentemente, no âmbito do MD, foi
de interoperabilidade em operações con- criada a Secretaria de Produtos de Defesa
juntas, bem como com nações aliadas; e, (Seprod), tendo três departamentos: um
por fim, como principais condicionantes, de produtos de defesa, outro de ciência e
a regularidade e a magnitude dos recursos tecnologia industrial e um terceiro voltado
econômicos disponíveis. para a catalogação.
O sistema de aquisições de defesa deve Com as mudanças supramencionadas,
ser dotado de estrutura apropriada e recur- cada força, a despeito de ainda ter a res-
sos humanos qualificados e experientes em ponsabilidade de subsidiar o MD em todos
diversas áreas transdisciplinares. Entre elas os aspectos das aquisições, passou a poder
podemos citar a prospecção tecnológica; concentrar suas atenções nos aspectos
projetos e engenharia; produção; pro- técnico-operacionais.
priedade intelectual; economia de defesa; Diversos atores participam do processo
logística; gestão de projetos; compras; de aquisição de produtos de defesa: políti-
auditorias; e contratos, inclusive interna- cos, diplomatas, militares, industriais, co-
cionais (MOREIRA, 2012). merciantes, lobistas, técnicos e burocratas,
entre outros. Esta variedade de envolvidos,
O caso do Brasil de diferentes interesses, ocasiona uma série
de dificuldades, como falta ou mudança de
Na segunda década do século XXI, o vontade política, derivada da alternância
Brasil intensificou o esforço pelo salto natural de poder ou de conflitos de inte-
tecnológico que tornasse sua economia resses técnicos, ideológicos e financeiros.
mais competitiva no mundo globalizado. Reconhecer a existência desses óbices é
A pressa em atenuar a distância para os importante para tratá-los e prevenir seus
países desenvolvidos reavivou o debate efeitos.
sobre “transferência de tecnologia”, vista A Estratégia Nacional de Defesa (END)
como um valioso instrumento para acelerar representou um avanço, na medida em que
a capacitação da indústria, em áreas de associou defesa a desenvolvimento e esti-
interesse estratégico. mulou a geração de tecnologia autóctone,
Durante décadas, no Brasil, cada força condicionando grandes aquisições de pro-
armada conduziu isoladamente suas pró- dutos de defesa no exterior à transferência

158 RMB2oT/2014
O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

da tecnologia (MOREIRA, 2012, p. 1). O mento de Alcântara, além de não autorizar


adequado manejo do poder de compras a exportação para o Brasil de itens com-
do governo, requerendo contrapartidas e ponentes, ainda que menos sofisticados
compensações comerciais (como offset8) (SANTOS, 1999). Talvez isto se deva ao
sob a forma de transferência de tecnologia, fato de que, desde o governo do Presiden-
é de fundamental importância. te norte-americano Ronald Reagan, em
No processo de tomada de decisão, 1991, até hoje, o Brasil figura na lista do
não menos importantes são os recursos Suplemento no 6, da pauta 778, do Export
financeiros disponíveis para o custeio dos Administration Act, uma lista contendo
projetos, que devem ser considerados do os países “preocupantes” e seus projetos
início ao fim. Conforme já declarou o Vi- missilísticos (SANTOS, 1999).
ce-Almirante (RM1) Fiúza em entrevista,
“o preço de mísseis, como o de qualquer Considerações Finais
arma importante, é político”. O preço
pode ser também aderir a uma ideologia Pelo exposto, pode-se concluir que a
(como já foi o caso de fornecedores como decisão de produzir ou não um armamen-
a antiga URSS); no caso dos EUA, era to no seu próprio país depende de conjun-
aceitar uma graduação tecnológica deter- turas ideológicas, do momento histórico,
minada por eles; e no dos fundos disponíveis
caso de fornecedores e de outros diversos
da Europa, era pagar Com o advento da criação fatores naturalmente
preços exorbitantes estratégicos.
por materiais por ve- do Ministério da Defesa, a Durante muito tem-
zes não tão sofistica- sociedade brasileira voltou po, o Brasil perma-
dos, inferiores ao dito seu olhar para questões de neceu refém da boa
“estado da arte”. De vontade de nações tec-
acordo com a ABDI, cunho estratégico no âmbito nologicamente mais
no período de 1990 a da segurança nacional evoluídas e à mercê das
2009 o Brasil investiu ambições da indústria
US$ 627 milhões so- internacional da guerra,
mente na compra de mísseis. no que tange ao fornecimento de sistemas
Acrescentamos que a possibilidade de de armas e dos armamentos a eles asso-
um país fazer bons contratos contemplan- ciados e à manutenção de nossos arsenais.
do a transferência de tecnologia depende Felizmente, nas últimas décadas, es-
também de seu prestígio internacional. pecialmente com o advento da criação do
No caso particular do Brasil, observamos Ministério da Defesa, a sociedade bra-
severas restrições quanto à exportação sileira voltou seu olhar para questões de
de tecnologia por parte dos EUA. Por cunho estratégico no âmbito da segurança
exemplo, o governo norte-americano não nacional. Hoje, o povo brasileiro vem pau-
tem permitido o lançamento de foguetes latinamente adquirindo a consciência de
ou satélites a partir do Centro de Lança- que a tarefa da defesa, muito mais do que

8 De acordo com a Política de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica (DCA 360-1, de 13 de dezembro
de 2005), offset é “toda e qualquer prática compensatória acordada entre as partes, como condição para a
importação de bens e/ou serviços, com a intenção de gerar benefícios de natureza comercial, industrial e
tecnológica”. Fonte: Instituto de Fomento e Coordenação Industrial.

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O desenvolvimento de mísseis na Marinha do Brasil e seus óbices: Como tomar uma boa decisão?

possibilitar a proteção da integridade de do Brasil, como a construção do ManSup,


nosso imenso território e sua população, é não menos importante que o programa do
um fator primordial de projeção e prestígio submarino nuclear, certamente elevarão
internacional, tendo como consequência o nosso País a um novo patamar no cenário
crescimento econômico e social. geopolítico mundial, e seus frutos serão
Os projetos voltados para a tecnologia de grande relevância para as gerações
bélica atualmente conduzidos pela Marinha vindouras.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<CIÊNCIA E TECNOLOGIA>; Míssil; Poder militar; Marinha do Brasil; Desenvolvimento;

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RMB2oT/2014 161
Parcerias Público-Privadas na Marinha do
Brasil: um breve panorama

Anderson Chaves da Silva*


Capitão de Corveta (IM)

SUMÁRIO

Introdução
A origem das Parcerias Público-Privadas
Parcerias Público-Privadas no Brasil
Características das PPP no Brasil
Metodologia
PPP na Marinha do Brasil
Os projetos de PPP da Marinha do Brasil
Arsenal de Marinha no Rio de Janeiro
Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes
Residências para militares em Itaguaí
Considerações finais

Introdução jetos relacionados à prestação de serviços


básicos à sociedade teve origem no Reino
“A busca de um método alternativo e Unido” (FRANÇA, 2011, p. 17).
eficiente para amealhar recursos financeiros Segundo Brito e Silveira (2005), um dos
do setor privado e aplicá-los em financia- reflexos dessa busca foi a reorganização do
mento, desenvolvimento e operação de pro- setor público, por intermédio de um amplo
* N.R.: Encarregado da Divisão de Acompanhamento de Operações de Crédito da Diretoria de Coordenação do
Orçamento da Marinha. Mestre em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
pós-graduado em Negócios Internacionais pelo Centro Universitário Internacional (Uninter) e pós-graduando
em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-BSB).
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

processo de desestatização, com vistas a Segundo Archanjo (2006, p. 31), “o


prover os bens e serviços públicos deman- interesse despertado pelas parcerias entre o
dados pela sociedade. Nesse ambiente, sur- setor público e o setor privado está ligado à
ge, a partir da década de 90, o conceito de revisão do papel do Estado como principal
Parcerias Público-Privadas (PPP), diante da responsável pela provisão de um amplo
escassez de recursos financeiros públicos. leque de serviços públicos”. Tal discussão
Por se tratar de uma ferramenta aplicável engloba desde a formação do estado de
em qualquer segmento da economia, as Forças bem-estar social até as formas como as
Armadas brasileiras, por intermédio do Minis- atribuições estatais podem ser assumidas,
tério da Defesa (MD), apresentaram propostas em diferentes arranjos, por ambos.
de projetos que poderiam ser viabilizados por Essa discussão tem sido intensa nos
uma PPP. Desta maneira, o presente trabalho últimos anos. Todavia, não é direcionada
tem como propósito apresentar os projetos de à ausência de intervenção do Estado, mui-
PPP em estudo na Marinha do Brasil (MB). to menos à exclusão dos mecanismos de
Para isso, o presente artigo foi dividido, controle do mercado. Ou seja, está mais
incluída esta breve Introdução, em cinco voltada à intensidade da atuação do Estado,
capítulos, em que são ou seja, a uma nova
apresentados os prin- administração pública
cipais pontos relacio- O Estado, com (REIS, 2004).
nados ao surgimento enfraquecida capacidade O Estado, com en-
das PPP e as suas prin- fraquecida capacidade
cipais características de investimento, passa a de investimento, passa a
no Brasil, a partir da buscar no setor privado o buscar no setor privado
Lei no 11.079/2004, a
metodologia utilizada
dinamismo e a eficácia que ociadinamismo e a eficá-
que não consegue
para a realização do não consegue conferir a conferir a determina-
trabalho, os projetos determinados serviços dos serviços. Segundo
de PPP em estudo na Gregg (2006), as PPP
MB e algumas consi- são utilizadas desde a
derações finais acerca do assunto abordado. década de 90 por países desenvolvidos ou
em desenvolvimento, que viram o modelo de
A origem das Parcerias financiamento estatal esgotado pelas crises
Público-Privadas fiscais enfrentadas, tendo inviabilizados
seus grandes investimentos públicos. O se-
As PPP são um modelo de gestão por tor privado surgiu, então, como alternativa
meio do qual o setor privado fornece bens financeira para os projetos de infraestrutura
e serviços tradicionalmente providos pelo e demais serviços públicos.
setor público. Suas características princi- Sendo assim, os governos perceberam
pais são a “ênfase na provisão de serviços a necessidade de atuar como Estados re-
por empresas privadas, não bastando, guladores, reduzindo, assim, o papel pro-
portanto, que arquem com os custos do vedor do Estado na economia. Margareth
investimento, e uma significativa transfe- Thatcher, na Inglaterra, foi um exemplo de
rência de riscos da Administração Pública mudança de postura do Estado, ao promo-
para o setor privado” (ROCHA e PAIVA, ver uma política econômica neoliberal a
2005, p. 6). partir de 1979, com a desregulamentação,

RMB2oT/2014 163
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

a privatização e a redução do tamanho do as bases para o surgimento do Estado neo-


Estado. “O Estado liberal contemporâneo liberal, que implicou mudanças profundas
prefere que o setor privado alcance a efi- na administração pública e na prestação dos
ciência operacional e desenvolva aquelas serviços públicos.
atividades que não são exclusivas do Esta- A necessidade de elevação de investi-
do” (ARCHANJO, 2006, p. 35). mentos em infraestrutura, diante do cenário
Rocha e Paiva (2005, p. 6) salientam, de queda de investimentos públicos ocorri-
ainda, que “as PPP são mais adequadas do nas décadas de 1980 e 1990, consideran-
para as situações em que o governo possa do a falta de recursos financeiros públicos,
identificar claramente a qualidade desejável decorrente da escassez de recursos fiscais,
dos serviços a serem prestados pelo setor das restrições ao endividamento público e
privado”. Tais serviços devem ser medidos da rigidez orçamentária, foi um dos fatores
por indicadores de desempenho pertinentes, que influenciaram a adoção das PPP no
para que as contrapartidas do setor público Brasil (ROCHA e PAIVA, 2005).
estejam diretamen- França (2011) sa-
te relacionadas aos lienta este posiciona-
serviços efetivamente As PPP são alternativa para mento ao mencionar
prestados. que a dívida pública
viabilizar investimentos, impedia a própria ex-
Parcerias Público- diante da escassez de pansão da economia,
Privadas no Brasil já que o Estado não
recursos decorrente da possuía mais recursos
Segundo Peci e restrição de gastos públicos, para financiar grandes
Sobral (2007, p. 8), ao encontro da crescente obras de infraestrutura.
“as PPP incluem-se na Desta maneira, as PPP
agenda política brasi- demanda pela oferta de surgiram, no Brasil, em
leira como mais uma serviços de boa qualidade, um cenário econômico-
tentativa de atração de político que demandou
investimentos privados como contrapartida à a criação de novos ins-
para setores de infra- pesada carga tributária trumentos de gestão dos
estrutura”. O período brasileira serviços públicos para
de desestatização mu- atender às necessidades
dou estruturalmente a da população brasileira,
relação público-privada no País, mas não em todas as áreas da economia nacional,
solucionou os problemas de cunho fiscal e cada vez mais crescentes e prementes.
orçamentário. A década de 90 foi marcada Assim, as PPP são alternativa para via-
pela tentativa de racionalizar o setor público, bilizar investimentos, diante da escassez de
implantando a privatização e mantendo na recursos decorrente da restrição de gastos
administração pública apenas os meios ins- públicos, ao encontro da crescente demanda
titucionais de controle e regulação. pela oferta de serviços de boa qualidade,
Associado a isso, a administração pú- como contrapartida à pesada carga tributá-
blica deparou-se com o esgotamento das ria brasileira. As PPP pretendem apresentar
fontes internacionais de recursos públicos uma solução para a demanda por espaços
e a sua paralisação estrutural como um todo orçamentários necessários à viabilização de
(POLTRONIERI, 2005). Essa crise formou investimentos em um quadro de restrição

164 RMB2oT/2014
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

fiscal e pela eficiência na prestação de servi- indireta é a administração pública (BRA-


ços públicos (BRITO e SILVEIRA, 2005). SIL, 2004).
Para Gregg (2006, p. 18), as PPP, aplicá-
veis em uma diversidade de projetos de in- Características das PPP no Brasil
fraestrutura, são “arranjos contratuais entre
o governo e o setor privado para a provisão O parágrafo 4 o , Art. 2 o da Lei n o
de ativos e serviços que tradicionalmente 11.079/2004 destaca as vedações à cele-
são fornecidos pelo setor público”. bração de contrato de PPP, a saber: (I) valor
Esses arranjos representam o processo inferior a R$ 20 milhões; (II) prestação
de cooperação entre os setores, evidencian- de serviço com período inferior a cinco
do uma evolução desde a regulamentação anos; e (III) fornecimento de mão de obra,
das privatizações e das concessões até fornecimento e instalação de equipamentos
a publicação da Lei no 11.079, de 30 de ou execução de obra pública como objeto
dezembro de 2004, que contribui para único (BRASIL, 2004).
“viabilizar a reorganização estratégica do Segundo Brito e Silveira (2005), a defi-
Estado e o aumento dos investimentos na nição de um valor mínimo para os contratos
economia” (ARCHANJO, 2006, p. 47). de PPP decorre da complexa estrutura
Tal marco legal definiu as PPP no País contratual, que envolve elevados custos de
como um contrato administrativo de con- transação, não sendo adequados a projetos
cessão, passível de ser firmado em duas e serviços de baixo custo, cujo retorno
modalidades: patrocinada ou administrativa não comportaria os custos de associados.
(BRASIL, 2004). Assim, visando evitar Além disso, esse limite mínimo contribui
quaisquer dúvidas que possam surgir, cabe para restringir o uso indiscriminado desse
destacar a diferença entre as três modali- instrumento.
dades de concessão existentes atualmente O estabelecimento do prazo de vigên-
no País: cia dos contratos de PPP entre cinco e 35
(I) Concessões comuns – disciplinadas anos, compatível com a amortização dos
pela Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de investimentos realizados, conforme dispõe
1995, referem-se às delegações de serviços o inciso I, Art. 5o da Lei no 11.079/2004,
públicos, obras públicas e permissões de ressalta a necessidade de criação de rela-
serviços públicos (BRASIL, 1995); ções contratuais duradouras entre as partes
(II) Concessões patrocinadas – discipli- envolvidas (ROCHA e PAIVA, 2005).
nadas pela Lei no 11.079/2004, referem-se A terceira limitação ao uso das PPP
às delegações de serviços públicos ou obras denota a continuidade de aplicação dos
públicas, de que tratam a Lei no 8.987/1995, dispositivos constantes na Lei no 8.666, de
quando envolverem, além da tarifa co- 21 de junho de 1993, para fornecimento de
brada aos usuários, uma contraprestação mão de obra, fornecimento e instalação de
pecuniária do parceiro público ao privado equipamentos ou execução de obra pública,
(BRASIL, 2004); e não significando que os contratos de PPP
(III) Concessões administrativas – não possam exigir que o parceiro privado
igualmente disciplinadas pela Lei n o realize tais investimentos, mas enfatizan-
11.079/2004, referem-se às prestações de do que “a contratação de PPP só é viável
serviços, incluídas aquelas que envolvem quando envolver capacidade operacional
execução de obra ou fornecimento e insta- empresarial, que se traduz na organização
lação de bens, cuja beneficiária direta ou de conjunto de bens, direitos e pessoal apto

RMB2oT/2014 165
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

à eficiente prestação de dado tipo de ser- custear tal construção e operá-los, forne-
viço” (RIBEIRO e PRADO, 2007, p. 81). cendo os serviços demandados. Assim,
No que se refere à contraprestação pe- sendo responsável pelo projeto, construção,
cuniária devida pela administração pública financiamento e operação desses ativos, “o
ao parceiro privado, após a disponibilização particular é incentivado a adotar uma visão
do serviço objeto do contrato de PPP e vari- integrada do ciclo de vida do empreendi-
ável em função do desempenho contratual mento, o que estimula, além da eficiência,
previamente estabelecido, o Art. 6o da Lei melhor qualidade na prestação do serviço”
no 11.079/2004 dispõe que a mesma poderá (BRITO e SILVEIRA, 2005).
ser feita da seguinte maneira: (I) ordem ban- No sítio do Ministério do Planejamento,
cária; (II) cessão de créditos não tributários; Orçamento e Gestão (MP) estão relaciona-
(III) outorga de direitos em face da adminis- dos outros esquemas de PPP compatíveis
tração pública; (IV) outorga de direitos sobre com a legislação brasileira, como o Design-
bens públicos dominicais; e (V) outros meios Build-Finance-Maintenance (DBFM)
admitidos em lei (BRASIL, 2004). – Projetar-Construir-Financiar-Manter, o
Tais contraprestações da Administração Build-Own-Operate-Transfer (BOOT) –
Pública podem ser garantidas mediante: (I) Construir-Gerenciar-Operar-Transferir,
vinculação de receitas, (II) instituição ou e o Refurbish-Operate-Transfer (ROT) –
utilização de fundos especiais previstos Recuperar-Operar-Transferir.
em lei, (III) contratação de seguro-garantia De toda forma, a avaliação quanto à
com companhias seguradoras não controla- conveniência e à oportunidade da utilização
das pelo poder público, (IV) organismos in- das PPP para a realização do serviço dese-
ternacionais ou instituições financeiras não jado, bem como à viabilidade econômico-
controladas pelo poder público, (V) fundo financeira do projeto, é realizada a partir
garantidor ou empresa estatal criada para dos estudos identificados na Figura 1.
essa finalidade, e (VI) outros mecanismos Tais avaliações envolvem desde “as
admitidos em lei (BRASIL, 2004). análises preliminares de identificação da
Por intermédio da Lei no 12.766, de 27 necessidade de realização do projeto, pas-
de dezembro de 2012, alguns dispositivos sando pela comparação do projeto com as
foram incluídos na Lei no 11.079/2004, demais alternativas à sua realização, até à
dentre os quais se destaca a possibilidade justificativa de sua eleição”, bem como à
de aporte de recursos em favor do parcei- verificação dos “impactos fiscais da reali-
ro privado para a realização de obras e zação do projeto, considerando não apenas
aquisição de bens reversíveis. Tais aportes os compromissos pecuniários a serem
podem ser excluídos da base de cálculo da assumidos pelo parceiro público, mas tam-
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido bém os riscos envolvidos na contratação”
(CSLL) e da Contribuição para o Finan- (RIBEIRO e PRADO, 2007, p. 55).
ciamento da Seguridade Social (Cofins)
(BRASIL, 2004). Metodologia
As PPP seguem ao esquema Design-
Build-Finance-Operate (DBFO) – Proje- Uma pesquisa pode ser caracterizada
tar-Construir-Financiar-Operar, em que quanto aos fins e meios (Vergara, 2013).
o órgão público especifica os serviços Quanto aos fins, este estudo pode ser de-
desejados, cabendo ao parceiro privado finido como exploratório, por apresentar
projetar e construir os ativos requeridos, brevemente a ascensão do processo de PPP

166 RMB2oT/2014
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

Figura 1 – Estudos necessários para a implementação de uma PPP

Fonte: Ribeiro e Prado (2007, p. 52)

no Brasil e suas principais características, processos de PPP na Força, bem como os


bem como os projetos em estudo na MB. procedimentos das Organizações Militares
Quanto aos meios, trata-se de uma (OM) proponentes, além das disposições
pesquisa bibliográfica e documental, uma gerais sobre o assunto.
vez que permitiu a criação da fundamen- A Figura 2 evidencia a tramitação dos
tação teórica necessária ao entendimento processos de PPP na MB, que se inicia com
do estudo, procurando explicar e discutir a Proposta de Projeto Inicial (PPI) sendo
o assunto das PPP a partir de livros, pe- encaminhada pela OM proponente para
riódicos e revistas acadêmicas, além da a Diretoria de Administração da Marinha
utilização de documentos oficiais, como (DAdM), via seu Órgão de Direção Seto-
fonte de dados, informações e evidências. rial (ODS) e Diretoria de Coordenação do
Estas fontes documentais evitam vieses Orçamento da Marinha (COrM).
que poderiam surgir caso as informações Após a ratificação da PPI pelo ODS, a
fossem colhidas diretamente nos órgãos COrM verificará, junto ao MP, a aplica-
públicos relacionados com este trabalho bilidade do projeto. Em seguida, fará um
(MARTINS e THEÓPHILO, 2009). despacho para a DAdM, que efetuará uma
análise mais detalhada da PPI.
PPP na Marinha do Brasil Caso a proposta esteja adequada e
atendendo aos dispositivos da legislação
O assunto Parceria Público-Privada em vigor sobre PPP, a DAdM remeterá a
é disciplinado na MB por meio de uma PPI para aprovação do Estado-Maior da
Circular da Secretaria-Geral da Marinha Armada (EMA) e posterior ratificação do
(SGM), que é reeditada anualmente desde Comandante da Marinha (CM).
2010. Atualmente, a Circular vigente é A partir deste momento, a COrM fará o
a no 03, de 12 de dezembro de 2013. Tal encaminhamento da PPI e as devidas ges-
documento apresenta um breve histórico tões junto ao Comitê Gestor de Parcerias
das PPP e as principais definições. Destaca, Público-Privadas do Ministério da Defesa
ainda, as PPP no Governo Federal/Ministé- (CGP-MD) e ao Coordenador do Comitê
rio da Defesa e estabelece a tramitação dos Gestor de Parcerias Público-Privadas do

RMB2oT/2014 167
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

Figura 2 – Trâmite dos Processos de PPP da MB

Fonte: Elaborado pelo autor

Governo Federal (CGP), MP, para o en- das tratativas pertinentes no âmbito extra-
quadramento do projeto como prioritário MB, visando obter o apoio necessário para
para execução pelo regime de PPP. viabilizar a execução do projeto por meio
Após esta etapa, a OM proponente de PPP, bem como a coordenação de tais
constituirá um Comitê Gestor de PPP para, tratativas nas fases anteriores ao encami-
com a assessoria técnica da DAdM, adotar nhamento da PPI.
as medidas pertinentes relacionadas à via-
bilização do projeto de PPP. Os projetos de PPP da Marinha do
Importante destacar que a SGM definiu Brasil
a área de atuação das Diretorias Especia-
lizadas envolvidas no processo das PPP: à Decorrente da Cooperação Técnica Não
DAdM, como Centro de Referência de Co- Reembolsável ATN/MT-9587-BR firmada
nhecimento do assunto PPP, caberá o apoio entre a República Federativa do Brasil e o
técnico necessário às OM proponentes; e Banco Interamericano de Desenvolvimento
à COrM, como interlocutora extra-MB no (BID)/Fundo Multilateral de Investimentos
que se refere às PPP, caberá a realização (Fumin), denominada “Programa Nacional

168 RMB2oT/2014
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

de Desenvolvimento Industrial de Parcerias prazo de 36 meses, divididos da seguinte


Público-Privada”, cujas atividades previs- maneira:
tas contemplam, entre outras, a assistência a) Fase 1, com as seguintes atividades
técnica a órgãos e entidades da administra- sendo executadas em cerca de 12 meses:
ção pública federal, o Ministério da Defesa, definição do coordenador do projeto, mo-
por intermédio do Ofício no 14.355/Seori- bilização do grupo de trabalho, elaboração
MD, de 24 de novembro de 2010, solicitou dos termos de referência, processo licita-
à Marinha do Brasil os projetos em estudo tório para a contratação de consultoria e o
ou concluídos que poderiam ser executados contrato de consultoria.
por Parceria Público-Privada. b) Fase 2, com as seguintes atividades
Em 22 de dezembro de 2010, os então sendo executadas em cerca de 24 meses,
ministros da Defesa, Nelson Jobim, e do após o encerramento da Fase 1: início dos
Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo trabalhos de consultoria, elaboração dos
Bernardo, assinaram um Acordo de Coo- estudos pela consultoria contratada, visi-
peração que tem por objeto o desenvolvi- tas técnicas ao local dos projetos, análise
mento de projetos de PPP, nos termos da dos estudos elaborados pela consultoria e
Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, conclusão dos trabalhos da consultoria e
com vigência por um período de 36 meses. licitação de PPP.
Conforme disposto no item 3 do Plano
de Trabalho anexo ao referido Acordo de Pelo Ofício no 15.724/Seori-MD, de
Cooperação, os partícipes conduzirão suas 24 de dezembro de 2010, o MD deu co-
ações para atingir as seguintes metas: nhecimento à MB do referido Acordo de
(1) definição pelo MD, em comum Cooperação, enfatizando que o ministro
acordo com o MP, dos projetos a serem da Defesa atribuíra relevância ao Acordo,
priorizados para implementação de PPP no uma vez que as PPP constituem excelente
âmbito do Acordo de Cooperação; oportunidade para viabilizar os projetos de-
(2) elaboração de Termos de Referên- correntes da Estratégia Nacional de Defesa
cia para contratação de consultoria para (END), aprovada pelo Decreto no 6.703, de
desenvolvimento de estudos visando à 18 de dezembro de 2008.
estruturação técnica, econômico-financeira Em referência a esses dois ofícios do
e jurídica dos projetos selecionados; MD, após consulta aos Órgãos de Direção
(3) contratação de consultorias; Setorial (ODS) da MB, a Secretaria-Geral
(4) acompanhamento dos trabalhos de da Marinha, por intermédio do fac-símile
consultoria e análise técnica dos produtos no 07/SGM-MD, de 9 de fevereiro de 2011,
elaborados para subsidiar a aprovação e o e do Ofício no 305/SGM-MB, de 16 de
pagamento pelo Diretor do Programa da setembro de 2011, encaminhou ao MD,
Assessoria Econômica do MP; e respectivamente, as propostas de projetos
(5) licitação do projeto, modelado como de PPP do Arsenal de Marinha do Rio de
PPP, e sua adjudicação, a ser conduzida Janeiro (AMRJ) e do Centro de Educação
pelo MD, ou pelos Comandos da Marinha, Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan),
do Exército e da Aeronáutica, bem como e da Coordenadoria-Geral do Programa
por seus órgãos e entidades vinculados. de Desenvolvimento de Submarino com
Propulsão Nuclear (Cogesn).
Entre a escolha dos projetos e o término Em ato contínuo, após apreciação das
da fase de estruturação deles, estima-se um propostas da MB, o MD, pelos Avisos

RMB2oT/2014 169
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

Ministeriais no 74/MD, de 24 de fevereiro frequentes manutenções corretivas mais


de 2011, e no 285/MD, de 13 de outubro de dispendiosas.
2011, retransmitiu-as para o MP. Em função disso, a capacidade de aten-
Na condição de coordenador do Comitê dimento dos serviços prestados pelo AMRJ
Gestor de Parceria Público-Privada (CGP), vem sendo progressivamente comprometi-
nos termos da Lei no 11.079, de 30 de dezem- da em decorrência da redução das equipes
bro de 2004, e do Decreto Federal no 5.385, especializadas e de investimentos, impos-
de 4 de março de 2005, o MP, juntamente sibilitando o provimento de uma eficiente
com os demais membros deste Comitê, por manutenção da infraestrutura.
intermédio da Resolução no 3, de 14 de de- Diante desse cenário de escassez de
zembro de 2011, definiu como prioritários, recursos humanos e financeiros, e consi-
para execução no regime de PPP, oito pro- derando que o AMRJ é a Organização Mi-
jetos, dentre os quais os seguintes da MB: litar responsável por manter a capacidade
I – modernização da infraestrutura e operativa da MB para a proteção do mar
operação dos órgãos destinados ao reparo territorial brasileiro e de sua Plataforma
e à manutenção dos meios navais (AMRJ); Continental, que abrange, entre outras ri-
II – implantação de infraestrutura, ope- quezas, as reservas de petróleo da camada
ração e manutenção do complexo esportivo do pré-sal, a Diretoria-Geral de Material da
do Cefan; e Marinha (DGMM) considerou a hipótese
III – construção e manutenção de em- de desenvolver um projeto de PPP para
preendimento residencial a ser empregado resgatar tais instalações.
como Próprio Nacional Residencial (PNR), Desta maneira, o projeto de PPP do
a fim de atender ao pessoal que comporá as AMRJ tem como objeto a modernização
instalações das OMs do Complexo Naval operacional e gerencial de suas instalações,
de Itaguaí. visando ao emprego de parceiros privados
em execução, condução e gerenciamento
Arsenal de Marinha no Rio de Janeiro dos processos de construção, manutenção
e reparo de meios navais de superfície da
O AMRJ, fundado em 1763 ao sopé do MB.
Mosteiro de São Bento, é a maior organi- Por se tratar de um projeto de alta com-
zação industrial da MB e o estaleiro militar plexidade e de grande vulto, que envolve
de maior capacidade técnica da América aspectos estratégicos de elevada relevância
Latina. Nas décadas de 70 e 80, com a não somente para a MB, mas para o País,
incorporação de novos meios e tecnologias seu Termo de Referência, documento que
na Força, o Arsenal recebeu expressivos caracteriza o serviço a ser contratado com
recursos orçamentários para a realização todas as especificações que o constitui, está
de investimentos visando ampliar e adequar sendo elaborado por um Grupo de Trabalho
suas instalações. Intersetorial constituído por representantes
A partir da década de 90, as contínuas dos diversos setores da MB.
restrições orçamentárias contribuíram
para a redução dos recursos financeiros Centro de Educação Física Almirante
destinados à revitalização e à moderni- Adalberto Nunes
zação de suas instalações, acelerando o
processo de desgaste e depreciação da O Cefan tem como propósito apoiar as Or-
infraestrutura industrial, o que demanda ganizações Militares da MB na área de Educa-

170 RMB2oT/2014
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

ção Física e, de acordo com a disponibilidade empresa de consultoria, que irá elaborar os
de suas instalações, apoiar outras instituições estudos de viabilidade do projeto de PPP do
governamentais ou não governamentais na Cefan, o Programa das Nações Unidas para
realização de atividades de educação física e Desenvolvimento (PNUD), responsável pela
desportos, bem como conduzir projetos sociais gestão desses recursos no País, publicou no
ligados ao esporte, tais como o Programa For- Diário Oficial da União (DOU) de 4 de outubro
ças no Esporte, que tem como ponto basilar a de 2011 o Aviso de Manifestação de Interesse
inclusão social, por meio do esporte, assegu- no 14.176, dando início à referida seleção.
rando a sua prática a crianças e adolescentes Em julho de 2012, analisadas as pro-
carentes, contribuindo, assim, para o processo postas apresentadas sob a ótica de técnica e
de desenvolvimento e formação do cidadão. preço, o PNUD firmou contrato com o con-
No período de 16 a 24 de julho de 2011, sórcio, constituído pelas empresas Ernst &
as instalações do Cefan foram utilizadas Young Terco Assessoria Empresarial Ltda
para sediar as competições dos V Jogos (líder); Concremat Engenharia e Tecnologia
Mundiais Militares (V JMM), realizados no S.A.; e Manesco, Ramires, Perez, Azevedo
Rio de Janeiro. O sucesso dessa participa- Marques Sociedade de Advogados, para o
ção acarretou a seleção de suas instalações, desenvolvimento desses estudos.
pelo Comitê Organizador dos Jogos Olím- A contar dessa data, o consórcio observa-
picos e Paraolímpicos Rio 2016, como um rá o cronograma de atividades estabelecido
dos locais de treinamento dos pré-jogos. no TR para entrega dos produtos contratados
Todavia, suas instalações remontam à (estudo de demanda, arquitetura e engenha-
década de 70. Algumas foram reformadas ria, socioambiental, avaliação econômica,
para a realização dos V JMM, mas outras se avaliação financeira e minutas de edital e
encontram obsoletas, necessitando de obras de contrato). Os pagamentos devidos são
estruturais. Assim, em fevereiro de 2011, a realizados pelo MP e estão condicionados à
Secretaria-Geral da Marinha encaminhou para entrega e ao aceite de cada produto pela MB.
o Ministério do Planejamento Orçamento e De posse de todos os estudos realizados
Gestão, via Ministério da Defesa, a descrição pelo consórcio, caberá à MB decidir sobre
preliminar do projeto de PPP para ampliação e a oportunidade e a conveniência de reali-
modernização das instalações do Cefan. zação do procedimento licitatório para o
Considerando a natureza das atividades projeto de PPP do Cefan, uma vez que tais
desenvolvidas e o enquadramento favorável estudos não vinculam à Força a realização
pelo Banco Interamericano de Desenvol- da concorrência.
vimento, a fase de estudos de viabilidade
do projeto de PPP do Cefan será custeada Residências para militares em Itaguaí
com recursos da Cooperação Técnica Não
Reembolsável ATN/MT-9587-BR firmada Em 23 de dezembro de 2008, o Brasil
entre a República Federativa do Brasil celebrou vários acordos de natureza políti-
e o BID/Fumin, denominada Programa ca, técnica e comercial com a França, nos
Nacional de Desenvolvimento Industrial quais foram estabelecidas condições gerais
de Parcerias Público-Privada. Caberia, para uma parceria entre os dois países, com
assim, a contratação de uma empresa de vistas a viabilizar o Programa de Desen-
consultoria para realização de tais estudos. volvimento de Submarinos (Prosub), que
Após a conclusão do Termo de Referência permitirá ao País construir o seu primeiro
(TR), a ser utilizado para a seleção de uma submarino com propulsão nuclear.

RMB2oT/2014 171
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

Como parte desse programa, estão pre- Brasil Participações Ltda (líder), Reso-
vistas as construções de um estaleiro e de lutions Consultoria e Gestão Patrimonial
uma base naval em Itaguaí. O estaleiro na- Imobiliária Ltda, Miguel Saraiva + PMA
val é dedicado à construção e à manutenção Arquitetura Ltda, Prime Yield Consultoria
de submarinos convencionais e nucleares, e Avaliação Patrimonial e Sociedade de
enquanto a base naval destina-se a abrigar Advogados Barbosa e Spalding Advo-
a frota brasileira de submarinos, bem como gados; e Queiroz Galvão Tecnologia em
a receber o efetivo profissional vinculado Defesa e Segurança S/A.
às atividades afetas a esses meios. Os estudos deverão ser apresentados
Considerando a quantidade de Orga- de acordo com os prazos estabelecidos no
nizações Militares, que serão sediadas no Termo de Referência e serão ressarcidos
interior dessa base naval, necessárias para exclusivamente pelo vencedor da licitação,
prover o adequado apoio às operações com desde que selecionados, nos termos do De-
os submarinos, espera-se que ocorra uma creto no 5.977, de 1o de dezembro de 2006, e
movimentação de cerca de 2.600 militares e efetivamente utilizados no eventual certame.
servidores civis da MB para aquela região.
A oferta de residências próximas a essas Considerações Finais
instalações não atende a essa demanda pre-
vista. Assim, o projeto de PPP de Itaguaí É possível dizer que, ao considerar a con-
tem como objeto a construção e a manu- tratação de PPP, o órgão público interessado
tenção de um empreendimento residencial, deve comparar os custos de um simples
destinado a atender, no mínimo, a 2.000 investimento público, associado à provisão
famílias de militares e servidores civis pública do serviço que se deseja, com os
que irão compor as Organizações Militares custos desse investimento e serviço ofertado
situadas na base naval. por intermédio de PPP. Uma ferramenta
Como o projeto não é passível de aporte amplamente utilizada no exterior para tal
financeiro pela Cooperação Técnica Não comparação, mas pouco aplicada no País,
Reembolsável ATN/MT-9587-BR, a Secre- é o Public Sector Comparator (PSC), não
taria Executiva do Comitê Gestor de Parce- abordada neste artigo, mas que serve de base
rias Público-Privadas (CGP) publicou, no para futuros trabalhos nesta área.
DOU de 4 de março de 2013, o Aviso de Assim, há de se ter em mente, e efeti-
Solicitação de Propostas no 01/2013 para vamente colocar em prática, que PPP bem-
convocação de consultoria visando à estru- sucedidas devem proporcionar serviços
turação do primeiro módulo desse projeto, de alta qualidade aos seus beneficiários e
composto por 788 unidades habitacionais, custos menores do que aqueles em que a
das quais 396, já construídas, deverão so- Administração Pública iria incorrer caso
frer manutenção e 392 serão construídas e esses investimentos e serviços fossem por
mantidas pela futura concessionária. ela providos. Além disso, para que esse
Ato contínuo, em 22 de maio de 2013, sucesso seja atingido, alguns fatores críti-
foi publicado no DOU, pela Secretaria cos devem ser observados, tais como a boa
Executiva do CGP, o Termo de Autorização elaboração dos estudos de viabilidade, a
no 01/2013 que autoriza as seguintes em- criação de indicadores de desempenho com
presas a elaborar os estudos pertinentes do metas atingíveis, a perfeita delimitação do
projeto em questão: Consórcio Vila Naval, objeto do projeto e a adequada redação do
constituído pelas empresas Rockbuilding contrato a ser firmado entre as partes.

172 RMB2oT/2014
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

No entanto, as PPP não devem ser en- ro e dois do Ministério do Meio Ambiente),
tendidas como um meio de solução para o Governo Federal espera poder assinar em
todos os grandes projetos públicos, muito breve mais projetos de PPP, incentivando
menos como a panaceia para as mazelas a adoção de sua prática em outros setores
públicas, mas sim como uma possibilida- da economia nacional.
de de melhora e avanço, com capacidade Todavia, é importante ressaltar que,
de atrair capital pri- como mencionam Ri-
vado para projetos beiro e Prado (2007,
que normalmente não As PPP não devem ser p. 15), “a implantação
seriam de interesse
desse setor.
entendidas como um meio proficiente de proces-
sos de desestatiza-
O desafio na esfera de solução para todos os ção requer mudanças
federal ainda é gran- grandes projetos públicos, culturais”. As PPP,
de, tendo em vista fundamentadas em
que, muito embora a muito menos como a “choque de gestão”
legislação específica panaceia para as mazelas na Administração Pú-
de PPP date de 2004,
até os dias de hoje
públicas, mas sim como blica, revestem-se de
uma profunda mudan-
somente um contrato uma possibilidade de ça cultural, sobretudo
de PPP foi firmado melhora e avanço quando aplicada na
no âmbito federal: o área militar. Assim,
complexo Data Cen- apesar da reconhecida
ter, do Banco do Brasil e da Caixa Eco- capacidade gerencial e administrativa
nômica Federal. das Forças Armadas, deve-se levar em
No enfrentamento desse desafio, consi- consideração que a sua adoção encontrará
derando os projetos constantes na Resolu- também barreiras de ordem cultural, mas
ção no 03, de 14 de dezembro de 2011, do este é um assunto a ser abordado em outro
CGP (três da MB, três do Exército Brasilei- trabalho.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ECONOMIA>; Parceria Público Privada; Programa Recursos Econômicos; Administração;
AMRJ; Cefan; Itaguaí;

RMB2oT/2014 173
Parcerias Público-Privadas na Marinha do Brasil: um breve panorama

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174 RMB2oT/2014
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO
DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq*

ROMERO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO1


Capitão-Tenente (T)
MARIA TEREZA SARAIVA DE SOUZA2
Doutora em Administração
CLÁUDIA ECHEVENGUÁ TEIXEIRA3
Doutora em Engenharia Civil e Ambiental

SUMÁRIO

Introdução
Revisão bibliográfica
Métodos da pesquisa
Resultados e discussão
Análise do PGRSS
Análise dos resíduos gerados pelo Pamesq
Tratamento dos resíduos
Considerações finais

* Artigo resultante da monografia apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) como
requisito de conclusão do MBA em Gestão e Tecnologias Ambientais. Versão preliminar do artigo foi apre-
sentada no XVI Seminário em Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
(FEA)/USP – 2013. Pamesq – Posto de Atendimento Médico da Esquadra.
1 Biólogo, especialista em Gestão Ambiental pela Universidade Cândido Mendes, mestre em Geografia pela
Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutorando em Administração pela Universidade Nove de Julho
(Uninove). Atualmente, exerce a função de assessor da Gerência de Apoio ao Licenciamento Ambiental da
Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (Cogesn).
2 Doutora e mestra em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas (Eaesp/FGV). Atualmente é professora do Programa de Mestrado e Doutorado –
PPGA do Centro Universitário da Faculdade de Engenharia Industrial – FEI (SP).
3 Pós-doutorada pela Universidade do Estado do Arizona (EUA). Doutora em Engenharia Civil e Ambiental pela
Universidade de Sherbrooke (Canadá), mestre em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Bióloga pela Universidade de Caxias do Sul. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Administração da Universidade Nove de Julho (Uninove) e pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecno-
lógicas de São Paulo (IPT).
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

INTRODUÇÃO fora da validade, além de outros resíduos


(ALI e KUROIWA, 2009; CAMARGO et

A busca de uma solução adequada para


a destinação correta dos Resíduos de
Serviços de Saúde (RSS) constitui uma
al., 2009).
O êxito no manejo adequado em uma
instituição de saúde ultrapassa os seus li-
medida importante para o dia a dia de uma mites, beneficiando a comunidade local e o
unidade hospitalar. Essa iniciativa contri- entorno. Em diversos estabelecimentos de
buiu para manter a saúde pública, recuperar saúde, a baixa eficiência no gerenciamento
o ambiente e beneficiar a qualidade de vida dos RSS, em especial na etapa de segre-
dentro e fora dos hospitais (SISINNO e gação, é decorrente do acondicionamento
MOREIRA, 2005; VIRIATO e MOURA, dos resíduos comuns juntamente com o
2011). biológico-infectante (ALI e KUROIWA,
Conforme Silva & Hoppe (2005), os 2009; VIRIATO e MOURA, 2011). Viriato
RSS são gerados por prestadores de assis- e Moura (2011) mencionam, ainda, que a
tência médica, odontológica, laboratorial composição gravimétrica dos resíduos de
e farmacêutica e por instituições de ensino serviços de saúde mostra uma semelhança
e pesquisas na área de medicina relacio- com os resíduos sólidos domésticos. Com-
nadas tanto à população humana quanto à ponentes como papel, papelão, plásticos e
veterinária. De acordo com Castro (2003), vidros aparecem em percentuais elevados
os serviços de assistência médica são um em diversos estudos realizados.
dos grandes geradores de resíduos perigo- Na área da saúde, o fator humano é um
sos, com práticas que colocam em risco o dos grandes desafios para a implementação
meio ambiente, apesar de imprescindíveis de programas de gestão de RSS. Isso se
ao desenvolvimento humano (FERREIRA, deve ao fato de que tanto os funcionários
1995; CALEGARE et al., 2005). dos setores técnicos (ambulatório, emer-
Os RSS, apesar de representarem uma gência, cirurgia, raios X, UTI, entre outros)
pequena parcela em relação ao total de como os de infraestrutura (secretaria, almo-
resíduos gerados em uma comunidade, são xarifado, compras, cozinha etc.), em todos
fontes potenciais de contaminação do meio os níveis hierárquicos, deverão estar atentos
ambiente e apresentam um risco adicional aos procedimentos relativos ao controle de
aos trabalhadores dos serviços de saúde e à desperdícios. Mas fatores como o trabalho
comunidade em geral, quando gerenciados em turnos, a diferença entre níveis de es-
de forma inadequada (SILVA e HOPPE, colaridade e níveis socioeconômicos e as
2005; ALI e KUROIWA, 2009). diferenças entre os graus de envolvimento
Alguns resíduos, como, por exemplo, com a empresa, além da sobrecarga e do
peças anatomopatológicas, agulhas e serin- estresse decorrentes desse tipo de trabalho,
gas, bandagens, roupas descartáveis, gazes, podem comprometer a conscientização
entre outros, podem conter microrganismos e o treinamento dos funcionários. Por
patogênicos com capacidade de disse- conseguinte, dificultam a padronização
minação de doenças infectocontagiosas, homogênea, verticalizada e extensa dos
devido à relação direta destes com o aten- procedimentos e das atitudes pessoais que
dimento de pacientes. Além disso, alguns ajudarão na redução dos desperdícios (SI-
constituintes apresentam características de SINNO & MOREIRA, 2005).
toxicidade, inflamabilidade, corrosividade No Brasil a gestão dos RSS teve como
e reatividade no caso de ácidos, remédios marco a Resolução no 5 do Conselho Na-

176 RMB2oT/2014
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

cional do Meio Ambiente (Conama) de ou evitar a produção de resíduos) poderá


1993 (BRASIL, 1993), sendo atribuídas aumentar a eficiência dos equipamentos e
responsabilidades específicas aos vários dos processos.
segmentos envolvidos como: geradores e Já a RDC no 306/2004 (BRASIL, 2004)
autoridades sanitárias e ambientais. Entre- concentra sua regulação no controle dos
tanto, a Resolução Conama no 358/2005 processos de segregação, acondicionamen-
(BRASIL, 2005) complementa os proce- to, armazenamento, transporte, tratamento
dimentos do gerenciamento, estabelecendo e disposição final. Estabelece procedi-
as diretrizes para tratamento e disposição mentos operacionais em função dos riscos
dos RSS. Já a Resolução da Diretoria envolvidos e concentra seu controle na
Colegiada (RDC) Agência Nacional de inspeção dos serviços de saúde.
Vigilância Sanitária (Anvisa) no 306/2004 A PNRS preconiza, no art. 1o (BRASIL,
(BRASIL, 2004) dissemina o Regulamento 2010), que estão sujeitas à observância
Técnico para o gerenciamento dos RSS, e, da lei as “pessoas físicas ou jurídicas, de
recentemente, a Lei no 12.305, de agosto direito público ou privado, responsáveis,
de 2010, institui a Política Nacional de direta ou indiretamente, pela geração de
Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010) resíduos sólidos e as que desenvolvam
e estabelece em seu art. 20 procedimentos ações relacionadas à gestão integrada ou ao
de elaboração de planos de gerenciamento gerenciamento de resíduos sólidos”.
de resíduos de diferentes origens, incluin- Corrêa (2003) ressalta que, com base na
do aqueles gerados em serviços de saúde. legislação vigente, a responsabilidade pelo
Importante ressaltar que, por esta política gerenciamento dos resíduos é do agente
e outros autores (TCHOBANOGLOUS et gerador. Neste contexto, enquadram-se as
al., 1993), o gerenciamento de resíduos Organizações Militares (OM) da Marinha
envolve um conjunto de ações exercidas, do Brasil (MB), que, em virtude das ati-
direta ou indiretamente, nas etapas de co- vidades de saúde por elas prestadas, seja
leta, transporte, transbordo, tratamento e nas atividades ambulatorial e hospitalar
destinação final ambientalmente adequada, das Organizações Militares de Saúde, seja
de acordo com plano municipal de gestão na rotina de atendimento das Seções de
integrada de resíduos sólidos ou com plano Saúde, tornam-se elementos geradores de
de gerenciamento de resíduos sólidos. resíduos dos serviços de saúde. Assim,
A Resolução Conama n o 358/2005 os diretores e comandantes das diversas
(BRASIL, 2005) trata do gerenciamento OM adquirem responsabilidade perante o
sob o prisma da preservação dos recursos Ministério Público.
naturais e do meio ambiente e define a com- Na Marinha existem hospitais de grande
petência aos órgãos ambientais estaduais e médio portes, policlínicas, odontoclínicas,
e municipais para estabelecerem critérios postos médicos e ambulatórios distribuídos
para o licenciamento ambiental dos siste- em diversos estados, que prestam assistên-
mas de tratamento e destinação final dos cia aos militares e seus dependentes.
RSS. Além disso, preconiza que os resíduos O presente artigo analisa a gestão de re-
infectantes devem ser submetidos a proces- síduos de serviços de saúde em uma OM da
sos de tratamento que promovam redução Marinha do Brasil. A unidade de análise do
de carga microbiana, antes de serem enca- estudo de caso foi o Posto de Atendimento
minhados para aterro sanitário. Bem como Médico da Esquadra (Pamesq), localizado
menciona que a redução na fonte (reduzir na Base Naval do Rio de Janeiro (BNRJ).

RMB2oT/2014 177
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

O estudo justifica-se pela verificação da po em que alcançam benefícios ambientais


apropriada implementação de um plano por meio da redução progressiva da geração
que evita problemas ambientais e atende a de resíduos sólidos, efluentes líquidos e
exigências legais. A implantação do Plano emissões atmosféricas, inserindo em seu
de Gerenciamento de RSS gera aumento no processo gerencial o conceito de prevenção
tempo de vida útil dos aterros sanitários, emda poluição e de riscos ocupacionais.
função de correta separação e destinação De acordo com Sisinno e Moreira
final dos resíduos sólidos gerados, bem (2005), a visão moderna da tentativa de eli-
como benefícios ambientais à sociedade. minação, ou pelo menos de redução, na ge-
ração de resíduos e efluentes tem sido uma
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA preocupação constante das organizações
situadas em países desenvolvidos. A ges-
A questão da redução da geração dos tão dos resíduos gerados pela organização
resíduos sólidos é atualmente um dos durante o processamento de seus produtos e
maiores desafios tanto para o setor público serviços representa a forma direta de resga-
como privado de fornecimento de bens e tar a harmonia entre os elementos do meio
serviços. A partir da ambiente e, por esse
publicação da Política motivo, pode aumentar
Nacional de Resíduos A questão da redução a ecoeficiência do ne-
Sólidos, esse desafio da geração dos resíduos gócio (DEMAJORO-
tornou-se uma neces- VIC, 2006; BARBIERI,
sidade premente, uma sólidos é atualmente um 2007; VELLANI e RI-
vez que metas de re- dos maiores desafios tanto BEIRO, 2009).
dução – com vistas a
diminuir a quantidade
para o setor público como retaAclassificação adequada e cor-
des-
de resíduos encami- privado de fornecimento de ses resíduos permite
nhados para disposi- bens e serviços um manuseio eficiente,
ção final – passaram a econômico e seguro,
ser demandadas para além de facilitar a futu-
todas as esferas (SISINNO et al., 2011), ra segregação, reduzindo riscos sanitários
e estas ações preconizadas em seus planos e o gasto com o seu manejo (VIRIATO e
de gerenciamento. MOURA, 2011).
Neste contexto, abordagens e méto- Viriato e Moura (2011) ressaltam que,
dos dentro do conceito de ecoeficiência em uma instituição de saúde, a gestão
aparecem como ferramentas capazes de adequada dos RSS ultrapassa os seus li-
auxiliar na não geração/redução da geração, mites, beneficiando a comunidade local e
identificando os aspectos econômicos e o entorno. Em vários estabelecimentos de
ambientais relativos à produção de resíduos saúde, a baixa eficiência no gerenciamento
sólidos (SISINNO et al., 2011). dos RSS pode acarretar diversos problemas
Para Sisinno e Barros (2004), as em- de ordens econômica, social e ambiental.
presas ecoeficientes obtêm benefícios De acordo com Hossain et al. (2011),
econômicos – rapidez em seus processos e a gestão de RSS continua a ser um grande
qualidade de seus produtos, com redução desafio, particularmente na maioria das
nos custos associados aos desperdícios de instalações de saúde dos países em desen-
água, energia e materiais –, ao mesmo tem- volvimento. Inúmeras pesquisas têm sido

178 RMB2oT/2014
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

realizadas sobre a gestão de resíduos de volvimento) em lidar com a destinação final


saúde. dos resíduos de saúde são inadequadas e
A destinação final inadequada dos resíduos, requerem intensificação e providências ur-
bem como o manuseio impróprio e o descarte gentes (ANANTH et al., 2010). Corroboram
indevido, tem aumentado significativamente a tal entendimento os estudos realizados por
poluição ambiental e os riscos à saúde, devido Taghipour e Mosaferi (2009a) no Irã, Ndidi
à natureza infecciosa dos resíduos. Embora et al. (2009) na Nigéria e Ali et al. (2009)
haja iniciativas significativas em relação à no Paquistão, na Tailândia e na Mongólia.
manipulação e à destinação final dos resíduos Mohamed et al. (2009), avaliando a
de saúde, na prática a gestão é insatisfatória, questão no Bahrein, registram que os
ficando evidente a partir da coleta inicial até a problemas de má gestão (segregação,
disposição final. Na maioria dos casos, os prin- manuseio, transporte e destinação final)
cipais motivos para uma gestão insatisfatória são identificados em instituições públicas
são a falta de legislação e privadas de saúde.
adequada, a falta de fun- Taghipour e Mosaferi
cionários especializados Apesar da magnitude do (2009a) também evi-
e a falta de consciência denciam os mesmos
e de controle efetivo. problema, as práticas, problemas nos hospi-
Além disso, a maioria capacidades e políticas tais iranianos.
dos centros de saúde em Além disso, Uysal
países em desenvolvi-
de muitos países e Tinmaz (2004), es-
mento tem enfrentado (especialmente as nações tudando hospitais da
dificuldades financeiras em desenvolvimento) em Turquia, registraram
e, portanto, está à procu- que os resíduos não
ra de métodos eficientes lidar com a destinação recebem a devida aten-
de eliminação de resídu- final dos resíduos de ção por parte do poder
os hospitalares (TAGHI-
POUR e MOSAFERI,
saúde são inadequadas e público e são elimina-
dos junto com o lixo
2009a; HOSSAIN et requerem intensificação e municipal e industrial.
al., 2011). providências urgentes Abd El-Salam
Para Ananth et al. (2010), que estudou as
(2010), que avaliaram características físico-
12 países asiáticos, os riscos dos resíduos químicas dos resíduos hospitalares no
associados com a saúde e sua gestão ganha- Egito, identificou que quase dois terços
ram a atenção de todo o mundo em vários dos resíduos de saúde são semelhantes aos
eventos, fóruns locais e internacionais. No resíduos domésticos. Taghipour e Mosaferi
entanto, a necessidade de gestão adequa- (2009b) constataram que aproximadamente
da dos resíduos de saúde vem ganhando 70% dos resíduos provenientes das ins-
reconhecimento lentamente devido aos tituições de saúde (públicas, privadas e
problemas associados com as práticas ina- militares) no Irã são considerados resíduos
propriadas, incluindo a exposição a agentes domésticos, enquanto 30% dos resíduos são
infecciosos e substâncias tóxicas. considerados infecciosos.
Apesar da magnitude do problema, as Outrossim, Abd El-Salam (2010) consta-
práticas, capacidades e políticas de muitos tou também que a segregação dos resíduos
países (especialmente as nações em desen- de saúde não obedece a procedimentos ou

RMB2oT/2014 179
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

padrões, sendo aqueles descartados como lações. Assim, o Pamesq reúne condições de
lixo doméstico. Observou, ainda, que os ser estudado por se mostrar um caso decisivo,
resíduos líquidos são encaminhados para o de acordo com Yin (2005), e satisfazer as
sistema municipal de esgoto sem tratamento condições para testar os objetivos propostos.
prévio; tal fato corrobora com a pesquisa Para a realização deste trabalho, utili-
realizada por Uysal & Tinmaz (2004). Ab- zaram-se diversas fontes de evidências,
dulla et al. (2008) mencionam que 57% dos possibilitando o desenvolvimento de linhas
hospitais pesquisados na Jordânia também convergentes de investigação por meio de
descartam os resíduos líquidos diretamente um processo de triangulação de informações
na rede de esgoto do município. de fontes de dados (YIN, 2005). Os instru-
Taghipour e Mosaferi (2009a) observam mentos de coletas de dados utilizados foram:
que não existem instruções práticas, ou de documentos, registros em arquivos, entre-
supervisão adequada, sobre os diferentes vistas e observação direta e participativa.
níveis de gestão de resíduos nos hospitais Na pesquisa documental e nos registros
do Irã. Todavia, registram que em quase em arquivos foram utilizados o Programa
todos os hospitais há um gestor para a de Gestão Ambiental da BNRJ; os Planos
Gestão de Resíduos, porém o programa de Gerenciamento de Resíduos de Serviço
de treinamento de pessoal não é eficiente. de Saúde (PGRSS) dos anos de 2008, 2009,
Ressaltam também que não são satisfatórias 2010 e 2011; Normas Técnicas Ambientais
as condições de armazenamento temporário da MB; Ordens Internas e cartazes.
dos resíduos, assim como os equipamentos
de proteção para o pessoal envolvido em RESULTADOS E DISCUSSÃO
manuseio e transporte do material.
Neste item estão apresentados os resul-
MÉTODOS DA PESQUISA tados obtidos na pesquisa. Os resultados
mostram uma análise do PGRSS, a classi-
Essa pesquisa exploratória foi desen- ficação e os tipos de resíduos gerados pelo
volvida por intermédio da abordagem de Pamesq, além das estratégias empregadas
estudo de caso único. Esse tipo de pes- para o tratamento dos resíduos pela OM.
quisa facilita a compreensão do fenômeno
investigado, pela natureza e magnitude do Análise do PGRSS
fenômeno (YIN, 2005).
Dada a natureza heterogênea e diversifica- O Plano de GRSS do Pamesq está de
da do setor de serviços, a questão ambiental se acordo com as diretrizes da RDC no 306/2004.
apresenta como um desafio, e, nesse sentido, Foi implantado em 2004 e tem sido revisado
os setores hoteleiro, bancário e hospitalar são anualmente. Neste trabalho foram analisados
os que demonstram os maiores avanços em os PGRSS de 2008, 2009, 2010 e 2011.
relação ao levantamento e à avaliação dos im- Em relação ao aspecto segregação, os
pactos ambientais (DEMAJOROVIC, 2006). resíduos são separados de acordo com a
A escolha do Pamesq, localizado na Base classificação apresentada na Tabela 1. Para
Naval do Rio de Janeiro, como unidade de a identificação e o reconhecimento visual
análise deve-se ao fato de ser a primeira da Ma- dos recipientes de acondicionamento e
rinha do Brasil a obter certificação ambiental armazenamento temporário, são utilizadas
pela Diretoria de Portos e Costas (DPC), em etiquetas, em consonância com a simbolo-
2010, após auditoria ambiental em suas insta- gia citada na RDC no 306/2004, da Anvisa.

180 RMB2oT/2014
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

A título de exemplificação, no mesmo qua- As principais características do ge-


dro estão apresentas as principais unidades renciamento de RSS no Pamesq estão
geradoras das diferentes classes. resumidas na Tabela 2 e corroboram os
Conforme relato da Gestora de Resíduos resultados de Garcia e Zanetti-Ramos
de Saúde do Pamesq, “…as lixeiras e os (2004) ao afirmarem que PGRSS deve ser
descarpacks também são rotulados com elaborado com base em características e
exemplos de lixo considerado infectante (li- volume dos resíduos de serviços de saúde
xeira branca com saco branco leitoso) e não gerados, estabelecendo as diretrizes de ma-
infectante (lixeira verde com saco preto)”. nejo desses resíduos, incluindo as medidas

Tabela 1: Classificação dos Resíduos de Serviço de Saúde (RSS) nos setores do Pamesq
SETORES DO
GRUPO CARACTERÍSTICAS
PAMESQ
Resíduos com a possível presença de agentes biológicos que, por suas
características de maior virulência ou concentração, podem apresentar
Emergência,
risco de infecção. Esse grupo divide-se em A1 (descarte de vacinas de
Odontologia,
microrganismos, bolsas transfusionais, resíduos laboratoriais), A2 (resíduos
A Ambulatório,
provenientes de animais), A3 (peças anatômicas de ser humano), A4 (filtros
Laboratório e
de ar e gases aspirados de área contaminada, resíduos de tecido adiposo),
Esterilização
A5 (materiais perfurocortantes provenientes de seres contaminados com
príons – agente infeccioso composto por proteínas).
Resíduos que contenham substâncias químicas que podem apresentar
Emergência,
risco à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas caracte-
Odontologia,
rísticas de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade. Nesse
Ambulatório,
grupo, encontram-se os produtos hormonais, produtos antimicrobianos,
B Laboratório, Far-
imunomoduladores, resíduos e insumos farmacêuticos dos medicamentos
mácia, Radiolo-
controlados, resíduos de saneantes, desinfetantes, resíduos contendo metais
gia, Esterilização
pesados e reagentes para laboratório, inclusive os recipientes contaminados
e Copa
por estes.
Todo material resultante de atividades humanas que contenham radionu-
clídeos em quantidades superiores aos limites de eliminação especificados
nas normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e para os
C quais a reutilização é imprópria ou não prevista. Fazem parte desse grupo Radiologia
quaisquer materiais resultantes de laboratórios de análises clínicas, nuclear
e radioterapia que contenham radionuclídeos em quantidade superior aos
limites de eliminação.
Resíduos que não apresentem risco biológico, químico ou radiológico à Emergência,
saúde ou ao meio ambiente, podendo ser equiparados aos resíduos domi- Odontologia,
ciliares. Enquadram-se nesse grupo papel de uso sanitário e fralda, resto Ambulatório,
D alimentar de paciente, material utilizado em antissepsia, equipo de soro, Laboratório, Far-
resíduos provenientes das áreas administrativas, resíduos de varrição, mácia, Radiolo-
jardins e resíduos de gesso provenientes de assistência à saúde. gia, Esterilização
e Copa
Resíduos perfurocortantes ou escarificantes, tais como: agulhas, escalpes, Emergência,
ampolas de vidro, limas endodônticas, lâminas de bisturi, lancetas, tubos Odontologia,
capilares, micropipetas, lâminas e lamínulas, espátulas e os utensílios de Ambulatório,
E vidro quebrados no laboratório. Laboratório,
Farmácia,
Radiologia e
Esterilização
Fonte: Elaborada em consonância com a Resolução Conama no 358/2005.

RMB2oT/2014 181
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

de: segregação, acondicionamento, identi- Análise dos resíduos gerados pelo Pamesq
ficação, transporte interno, armazenamento
intermediário, armazenamento temporário, Todos os resíduos sólidos gerados pelo
tratamento, armazenamento externo, coleta Pamesq são quantificados em litros, e os
e transporte externo e destinação final. dados consolidados em planilhas de con-
Desta forma, o PGRSS do Pamesq visa trole mensal que constam como anexo dos
minimizar a produção de resíduos, tratá-los PGRSS. Os dados referentes aos anos de
e encaminhá-los de forma segura ao destino 2008, 2009, 2010 e 2011 são apresentados
final e, deste modo, prevenir e controlar na Tabela 3.
riscos ocupacionais à saúde pública e ao De acordo com os dados da Tabela 3,
meio ambiente. Apesar de o PGRSS ter houve uma redução na geração de resíduos
sido implementado em 2004, foram dis- no período de 2008 a 2010 e um aumento
ponibilizados para este estudo dados de em 2011. Registra-se que não foi possível
2008 a 2011. estabelecer correlação entre a quantidade de

Tabela 2: Principais características do gerenciamento de RSS no Pamesq

GERENCIAMENTO DE RSS NO PAMESQ


– Implantado desde 2004, de acordo com as exigências da legislação
Plano de Gerenciamento de Resíduos
do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para serviços
do Serviço de Saúde – PGRSS
de saúde, bem como com a legislação federal definida pela Anvisa.
– Os resíduos sólidos são separados em recipiente específico para
Segregação cada tipo de resíduo, identificando-os conforme suas características
e seu potencial infectante.
– Os resíduos são armazenados em embalagens de plástico e papel
seguindo uma padronização de cores, conforme o tipo de resíduo
sólido, de acordo com a legislação vigente; e
Acondicionamento e Armazenamento
– O Posto possui lixeiras com tampas plásticas resistentes, para o
armazenamento dos resíduos, identificadas devidamente de acordo
com o tipo de resíduo.
– Os resíduos são recolhidos dos recipientes de armazenamento por
profissionais qualificados e colocados em local de armazenamento
Coleta e transporte interno temporário; e
– Cada tipo de resíduo (biológico, orgânico ou químico) é recolhido
em recipientes específicos, identificados por cores diferentes.
– Os resíduos são armazenados em um depósito de armazenamento
externo para seu posterior destino final. Este local está localizado na
área externa ao posto e é de fácil acesso aos funcionários da empresa
Armazenamento Final
de coleta; o mesmo é construído em alvenaria, com porta e janelas
para circulação do ar. Além disso, possui revestimento interno (piso
e paredes até o teto) com material lavável (cerâmica e azulejos).
– Os resíduos orgânicos são recolhidos por empresa especializada
e credenciada pelo órgão ambiental para posterior depósito em
aterro sanitário;
Tratamento e destino final – Os resíduos infectantes (biológicos e químicos) são recolhidos e
autoclavados e incinerados por empresa especializada; e
– Os resíduos secos recicláveis, como papel e embalagens plásticas,
são destinados aos contêineres para material reciclável.

Fonte: Autores

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Tabela 3: Quantidades mensais de Resíduos produzidos pelo Pamesq no período de


2008 até 2011
Mês/Ano 2008 2009 2010 2011 TOTAL (L)
Janeiro 810 621 900 889 3.220
Fevereiro 1.625 729 619 849 3.822
Março 719 813 1.269 1.085 3.886
Abril 1.200 851 40 1.261 3.352
Maio 545 910 164 1.110 2.729
Junho 843 796 224 941 2.804
Julho 376 760 211 998 2.345
Agosto 769 731 863 1.063 3.426
Setembro 1.050 907 1.114 1.331 4.402
Outubro 810 800 837 850 3.297
Novembro 893 550 970 849 3.262
Dezembro 515 897 1.220 1.092 3.724
TOTAL 10.155 9.365 8.431 12.318 40.269

Fonte: BNRJ

resíduos por paciente atendido e, portanto, em relação à composição gravimétrica ob-


há impossibilidade de apresentar um indi- servada por Viriato e Moura (2011) e com a
cador de ecoeficiência. Mas, pela intensifi- composição apontada no estudo de Abd El-
cação do treinamento, é possível inferir que Salam (2010). A emergência, o laboratório
o decréscimo na produção de resíduos pode e a odontologia geram resíduos similares,
ser uma explicação para a eficiência no pro- bem como a radiologia com os resíduos
cesso de manuseio e destinação do material. da farmácia. Na área administrativa, a
Tal perspectiva não apresenta correlação presença de resíduos com características
com o estudo realizado por Taghipour e domésticas é caracterizada por óleo de co-
Mosaferi (2009a), mas corrobora a análise zinha, plásticos, papel e restos de alimentos.
realizada por Schneider (2004) ao apontar Na Tabela 5 são apresentados os percen-
que a educação continuada contribui para tuais dos resíduos gerados no Pamesq por
reduzir a geração de resíduos infectantes. setor. Os resíduos do grupo A são gerados
A partir dos dados da Tabela 3 e das apenas nos setores médico-odontológico,
informações constantes nos PGRSS, foi laboratorial e de esterilização. Em relação
possível classificar e estimar o percentual de aos resíduos do grupo C, não há registro
resíduos gerados por setor, de acordo com as de sua produção, pois são recolhidos por
informações consolidadas nas tabelas 4 e 5. pessoal especializado para outra unidade de
A Tabela 4 apresenta a listagem dos saúde que centraliza o recolhimento dos resí-
resíduos gerados pelos setores do Pamesq. duos de todas as organizações de saúde dos
A presença de materiais plásticos e papel municípios do Rio de Janeiro e de Niterói.
em todos os setores é um indicador positivo Os resíduos dos grupos B e D são
para o fortalecimento da coleta seletiva de produzidos por todos os setores, sendo
resíduos. Os dados apresentam semelhança predominante a produção para o grupo D,

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GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

Tabela 4: Identificação de resíduos gerados pelos setores do Pamesq


Agulhas descartáveis, frasco, perfusor e equipo de soro, gaze, algodão, compressa, equipo
de soro e perfusor sujo de sangue, seringa descartável para aspiração de medicação, agulha
para aspiração de medicação, seringa com agulha conectada, papel-toalha, embalagem
de seringa, agulha e outras, copo descartável, luva descartável, frasco de antimicrobiano
parcialmente utilizado, frasco vazio de álcool, fita adesiva, protetor facial, avental, gorro e
Emergência máscara descartáveis, restos de alimentos e embalagens, papel administrativo, formulários
e rascunhos, drenos, sonda vesical com líquidos corpóreos, coletor de urina, coletor de
urina com líquido corpóreo, hipoclorito de sódio, cateter venoso periférico, drenos, sonda
vesical/enteral/nasogástrica, ampola de vidro ou outro material perfurocortante, papel
sanitário, absorvente higiênico, fralda descartável e material contendo sangue ou líquido
corpóreo na forma livre.
Agulhas descartáveis, frasco, perfusor e equipo de soro, equipo de soro e perfusor sujo de
sangue, gaze, algodão, compressa, seringa descartável para aspiração de medicação, seringa
com agulha conectada, agulha para aspiração de medicação, papel-toalha, embalagem de
seringa, agulha e outras, copo descartável, frasco de antimicrobiano parcialmente utili-
Odontologia zado, frasco vazio de álcool, luva descartável, resíduo líquido dos aparelhos (revelador e
fixador), mercúrio e limalha, avental, gorro e máscara descartáveis, restos de alimentos e
embalagens, papel administrativo, formulários e rascunhos, fita adesiva, protetor facial,
material contendo sangue ou líquido corpóreo na forma livre, hipoclorito de sódio, ampola
de vidro ou outro material perfurocortante e papel sanitário.
Agulhas descartáveis e outros perfurocortantes, frascos de soro, gaze e algodão, seringa
descartável para aspiração, seringa com agulha conectada, papel-toalha, copo descartável,
frasco vazio de álcool, luva de procedimento, luva descartável, avental e máscara descar-
RESÍDUOS GERADOS

tável, restos de alimentos e embalagens, papel administrativo, formulários e rascunhos,


Laboratório embalagens de luvas, agulhas, seringas e outros, fita adesiva, protetor facial, embalagens
de kits laboratoriais, material contendo sangue ou líquido corpóreo na forma livre, hi-
SETOR

poclorito de sódio, reagentes químicos em geral, papel sanitário, absorvente higiênico,


resíduos líquidos dos equipamentos laboratoriais e resíduos líquidos dos equipamentos
laboratoriais após neutralização.
Frascos de soro, papel-toalha, frasco vazio de álcool, fita adesiva, reagentes químicos
usados na antissepsia, copo descartável, luva descartável, gaze, restos de alimentos e suas
embalagens, medicamentos vencidos ou parcialmente utilizados, agulha para aspiração de
Fármacia
medicação, seringa descartável para aspiração de medicação, papel sanitário, absorvente
higiênico, papel administrativo, formulários e rascunhos, embalagens de luvas, agulhas,
seringas e outros, e ampola de vidro ou outro material perfurocortante.
Agulhas descartáveis, frascos e equipo de soro, gaze, algodão e compressa, seringa descar-
tável para aspiração de medicação, seringa com agulha conectada, agulha para aspiração de
medicação, papel-toalha e copo descartável, frasco vazio de álcool, avental, gorro, máscara
e luva descartável, restos de alimentos e embalagens, papel administrativo, formulários
Esterilização
e rascunhos, embalagens de luvas, agulhas, seringas e outros, fita adesiva, esparadrapo,
atadura, embalagem de material cirúrgico, fio guia utilizado, ampola de vidro ou outro
material perfurocortante, material contendo sangue ou líquido corpóreo na forma livre,
drenos, hipoclorito de sódio, filtro bacteriológico, papel sanitário e absorvente higiênico.
Agulhas descartáveis, frascos e equipo de soro, gaze, algodão, seringa descartável
para aspiração de medicação, seringa com agulha conectada, agulha para aspiração de
medicação, papel-toalha e copo descartável, frasco vazio de álcool, avental, máscara e
Radiologia
luva descartável, restos de alimentos e embalagens, papel administrativo, formulários e
rascunhos, embalagens de luvas, agulhas, seringas e outros, hipoclorito de sódio, papel
sanitário, absorvente higiênico e resíduo líquido dos aparelhos (revelador e fixador).
Óleo lubrificante, óleo de cozinha, resto de tinta, estopas ou trapos contaminados, restos de
Área embalagens, papel-toalha, copo descartável, desinfetantes, produtos químicos utilizados na
administrativa lavanderia, luva descartável, restos de alimentos e suas embalagens, papel administrativo,
formulários e rascunhos, papel sanitário, absorvente higiênico e hipoclorito de sódio.

Fonte: Autores

184 RMB2oT/2014
GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

com percentual superior a 53% em todos Tratamento dos resíduos


os setores. Para o grupo E há registro de
produção para todos os setores com ativi- O tratamento consiste na aplicação de
dades médica e odontológica, exceto para método, técnica ou processo que modifique
as áreas administrativas. as características dos riscos inerentes aos
As informações da Tabela 4 corroboram resíduos, reduzindo ou eliminando o risco
estudos realizados por Abd El-Salam (2010) de contaminação, de acidentes ocupacio-
e Taghipour e Mosaferi (2009b), segundo os nais ou de danos ao meio ambiente. No
quais aproximadamente 70% dos resíduos Pamesq não é realizado o tratamento dos
produzidos pelas instituições de saúde são resíduos gerados, apenas o armazenamento
considerados resíduos domésticos, enquanto para tratamento externo, de acordo com os
30% são considerados infecciosos. dados registrados na tabela 6.

Tabela 5: Distribuição percentual dos resíduos gerados no Pamesq por setor


SETOR GRUPO A GRUPO B GRUPO C GRUPO D GRUPO E
Emergência 14% 7% – 61% 18%
Odontologia 13,4% 13,4% – 56,6% 16,6%
Ambulatório 14% 7% – 61% 18%
Laboratório 4% 13% – 74% 9%
Farmácia – 12,5% – 75% 12,5%
Esterilização 9,3% 4,7% – 62% 24%
Radiologia – 13% – 67% 20%
Copa – 46% – 54% –
Área de
– 20% – 80% –
Circulação

Fonte: Autores

Tabela 6: Tratamento e destinação dos resíduos gerados pelo Pamesq


GRUPO DE TRATAMENTO TRATAMENTO
SETOR EMPRESA
RESÍDUO INTERNO EXTERNO
Emergência
Armazenamento 2MC Transportes
A Odontologia A+I
Temporário Rodoviários
Laboratório
Odontologia
Armazenamento Nomos Análises
B Laboratório N+R
Temporário Minerais
Radiologia
C – – N/A –
Armazenamento Aterro Sanitário/
D Pamesq EcoCare Ambiental
Temporário Coleta Seletiva
Emergência
Armazenamento 2MC Transportes
E Odontologia I+A
Temporário Rodoviários
Laboratório
Legenda: A = Autoclave; N = Neutralização química; I = Incineração; R = Recuperação de metais; N/A =
Não se aplica
Fonte: BNRJ

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O tratamento externo dos resíduos do sendo aplicada no Posto de Atendimento


Pamesq é feito pela 2MC Transportes Médico da Esquadra. O Plano de Geren-
Rodoviários e pela empresa de Resíduo ciamento de Resíduos implantado na OM
ALL, em que a destinação final de todos os evita problemas ambientais e atende às
resíduos dos grupos A e E é a incineração e exigências legais, pois aumenta o tempo de
a deposição em aterro sanitário, conforme vida útil dos aterros sanitários, em função
registros da tabela 6. Os resíduos do grupo da correta separação e destinação final dos
B utilizados no laboratório, quando neces- resíduos gerados, bem como traz benefícios
sário, são neutralizados antes do descarte ambientais à sociedade. Os resultados obti-
na rede coletora de esgoto; os gerados no dos na pesquisa apontam que o PGRSS está
serviço de radiologia e odontologia são re- institucionalizado e integrado aos demais
colhidos e enviados à empresa recuperadora setores da OM e que há uma gestão de
de metais licenciada. excelência.
O tratamento de resíduos realizado pelo Registra-se que, apesar de não ter encon-
Pamesq não corrobora os estudos realiza- trado dados numéricos sobre coleta seletiva
dos por Abd El-Salam (2010) e Uysal & de material reciclável, a OM possui cole-
Tinmaz (2004), pois se constatou que a tores para papéis, plásticos, metais e vidro.
segregação dos resíduos obedece a procedi- Tal iniciativa está registrada no Plano de
mentos estabelecidos pelos requisitos legais Gerenciamento de Resíduos, o que mostra
e que aqueles não são descartados como uma preocupação com a destinação correta
resíduos domésticos. Observa-se, ainda, dos resíduos gerados no Pamesq.
que os resíduos líquidos são encaminhados Este estudo exploratório serviu para o
para o sistema municipal de esgoto após surgimento de alguns indicadores (ope-
tratamento prévio; esses resultados vão racionais, institucionais, ambientais,
de encontro com a pesquisa realizada por administrativos e financeiros), que podem
Abdulla et al. (2008). contribuir para o desenvolvimento de futu-
ras pesquisas quantitativas com o objetivo
CONSIDERAÇÕES FINAIS de mapear a gestão de resíduos sólidos
de saúde no Brasil. Esse aprofundamento
O objetivo desta pesquisa foi analisar a sobre o tema em outros estudos pode identi-
gestão de resíduos de serviços de saúde em ficar pontos comuns e a proposição de uma
uma Organização Militar da Marinha do agenda de pesquisa para o desenvolvimento
Brasil. Os resultados mostram que a gestão de um modelo teórico sobre a GRSS em
de resíduos sólidos na área de saúde está países em desenvolvimento.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<SAÚDE>; Serviço de Saúde; Esquadra;

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GESTÃO DE EXCELÊNCIA EM RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE: Um estudo no Pamesq

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188 RMB2oT/2014
NAVEGAR É PRECISO, RESGUARDAR É OBRIGATÓRIO*

“Se não conseguirmos transmitir nossa mensagem de urgência aos


pais e administradores de hoje, arriscamo-nos a comprometer o direi-
to fundamental das nossas crianças a um meio ambiente saudável, que
promova a vida. Se não conseguirmos traduzir nossas palavras numa
linguagem capaz de tocar os corações e as mentes de jovens e idosos, não
seremos capazes de empreender as amplas mudanças sociais necessárias
à correção do curso do desenvolvimento.”
Gro Harlem Brundtland
Ex-Primeira-Ministra da Noruega
Oslo, 20/3/1987

DANIEL THEBERGE DE VIVEIROS


Aspirante

SUMÁRIO

Introdução
Costa nacional e águas interiores
Convenções internacionais
Papel ambiental da MB

INTRODUÇÃO assume significado imperativo no que se


refere à navegação e à preocupação de

D esde a segunda metade do século XX,


quando começaram a surgir conferên-
cias internacionais sobre o meio ambiente,
preservar o ambiente em que se encontram
aqueles que se lançam ao mar.
A definição clássica e a utilização
tais como Estocolmo (1972) e posterior- do termo sustentável surgiram pela pri-
mente Rio de Janeiro (1992), a questão meira vez em 1987, na ocasião em que
ambiental tem se destacado como um dos a ex-Primeira Ministra norueguesa Gro
principais tópicos discutidos em reuniões Brundtland afirmou que sustentabilidade
entre governos. Nesse contexto, os recursos consistia em suprir as necessidades do
hídricos adquirem suma importância, visto presente sem comprometer as próximas
que o planeta depende de tal meio para a gerações de fazer o mesmo. Torna-se
sua sobrevivência como um todo. É dessa claro, então, que para que isso aconteça é
forma que o conceito de sustentabilidade necessário preservar.

* Publicado na Revista de Villegagnon de 2013.


NAVEGAR É PRECISO, RESGUARDAR É OBRIGATÓRIO

O propósito deste artigo, portanto, é navegáveis, de forma a permitir o acesso


apresentar informações atuais acerca dos de embarcações de maior porte a um de-
efeitos nocivos que alguns procedimentos terminado porto, assim como incrementar
exercem sobre o meio ambiente, assim a segurança à navegação em águas restritas.
como despertar a consciência de todos os Não há dúvida de que a dragagem é valiosa
navegantes para a gravidade deste proble- para se evitarem os custos altos, a perda de
ma, o qual deve ser amplamente combatido. competitividade no mercado internacional
Também é intenção mais particular deste e a insuficiência da capacidade logística e
artigo reforçar a importância de uma Mari- operacional para atender à demanda, porém
nha robusta, equilibrada e presente, de for- é importante ressaltar que tal operação
ma a permitir a fiscalização mais eficiente pode trazer diversos riscos, tanto ao meio
possível das práticas adotadas. marinho quanto ao terrestre, devido às
Para tal, primeiramente serão apresenta- consequências da incorreta disposição dos
das algumas problemáticas que se inserem materiais dragados, resultado principal-
nos dois âmbitos nos quais é possível atuar mente da falta de renovação e capacitação
nessa tarefa moderna de navegar sem deixar técnica no Brasil.
de preservar: regras nacionais de proteção A dragagem pode gerar, direta ou indire-
e medidas internacionais de controle. Em tamente, os seguintes impactos ambientais:
seguida, serão estabelecidas algumas di- alteração nos padrões de circulação e mistu-
retrizes a respeito do tema e, ao final, será ra da água, salinidade e turbidez; alteração
reforçada a preocupação com a criação de das condições do local de lançamento do
mecanismos de controle da Autoridade material dragado; poluição por substâncias
Marítima, no caso do Brasil a Marinha do tóxicas existentes no material de dragagem,
Brasil (MB), para que esta função, tão per- sua suspensão e movimentação durante a
tinente aos dias atuais, possa ser realizada atividade, com alteração da qualidade da
da melhor maneira possível. água; e impactos diretos sobre habitats
da fauna e flora aquática. Um exemplo do
COSTA NACIONAL E ÁGUAS exposto acima ocorreu no litoral do Paraná,
INTERIORES na dragagem do Canal da Galheta (portos
de Paranaguá e Antonina), que provocou,
Serão abordados os seguintes assuntos devido ao despejo de metais pesados em
concernentes a problemas observados em alto-mar, o sumiço de peixes, afetando a
águas interiores (rios, lagos etc.) e em na- pescaria e o ecossistema locais.
vegação costeira em localidades do mundo Outro fator importante que deve ser
inteiro: o problema da dragagem de canais levado em consideração é a poluição do ar
em entrada e saída de portos, da poluição decorrente da ventilação dos compartimen-
do ar e da utilização de tintas tóxicas nos tos onde são transportados cimento, grãos,
costados e nas obras vivas. minério e carvão. Essas substâncias são cha-
A dragagem consiste no método de madas de cargas secas devido à necessidade
remoção de sedimentos, solo, materiais de serem transportadas com teor de umidade
e rochas que estão no fundo de um corpo desprezível, resultado que é apenas alcança-
d’água, por meio da utilização de equi- do por meio desse processo de ventilação,
pamentos chamados de “dragas”. Tal responsável pelo lançamento de poluentes
maquinário tem como sua principal fina- no ar atmosférico das regiões próximas de
lidade aumentar a profundidade de vias onde o procedimento é realizado.

190 RMB2oT/2014
NAVEGAR É PRECISO, RESGUARDAR É OBRIGATÓRIO

Por fim, é imprescindível fazer refe- mento ou derramamento de óleo durante o


rência ao uso de tintas tóxicas nas embar- abastecimento no porto, assim como duran-
cações. A incrustação biológica marinha te as travessias entre terminais portuários.
gera transtornos e prejuízos às atividades Especificamente a respeito dos navios pe-
relacionadas ao mar, como a navegação, a troleiros, foram estabelecidos prazos para
aquacultura, a exploração de petróleo e o adequação dos mesmos em relação ao casco
resfriamento de usinas termonucleares. A duplo, o qual possui o importante papel de
sua aparição danifica estruturas nas obras prevenir, em caso de encalhe ou colisão,
vivas, causando prejuízos econômicos e acidentes naturais de grande impacto ao
elevando o consumo de combustível em ambiente aquático.
embarcações. A incrustação modifica a Do mesmo modo, é essencial ressaltar
superfície dos cascos, aumentando o arrasto as questões do lixo e do esgoto sanitário.
e reduzindo a velocidade dos navios. Por- A Marpol 73/78 determina que todas as
tanto, muitos navios, de forma a evitar tais embarcações devem armazenar os resíduos
problemas, utilizam tintas anti-incrustantes, produzidos a bordo, sendo proibido seu
que têm como finalidade evitar a aglome- descarte, no caso do Brasil, dentro de 200
ração desses micro-organismos nos cascos. milhas náuticas do litoral, estando as em-
Essas tintas são feitas à base de cobre ou es- barcações sujeitas a multas. Ainda assim,
tanho, os quais são materiais tóxicos que, ao após mais de quatro décadas de enormes
liberarem compostos químicos, oferecem esforços para manter os oceanos livres de
risco ao ambiente aquático, provocando lixo, relatórios indicam que este empenho
a mortalidade de algas e peixes. Embora surtiu pouco efeito. Leis mais rígidas de
existam iniciativas e novas tecnologias nada adiantaram para reduzir a quantidade
que poderiam substituir as tintas utilizadas de lixo despejada no mar, a qual só tem
atualmente, diminuindo os efeitos nocivos aumentado, tendo como principais causas
ao meio aquático, sua abrangência quanto as seguintes: conveniência, negligência e
ao uso não seria grande, uma vez que se economia de gastos.
trataria de uma alternativa cara e inviável, A quantidade de entulho produzido por
sobretudo em navios de dimensões maiores. um navio que singra os mares internacio-
nais de um continente para outro é enorme,
CONVENÇÕES INTERNACIONAIS o que demanda uma capacidade de descarte
por incineração que poucas embarcações
Além das precauções que os países de- possuem. Ressalta-se, ainda, que nem todos
vem ter dentro de suas águas jurisdicionais, os meios flutuantes que realizam travessias
também há a necessidade de serem im- intercontinentais detêm incineradores, o
plantadas medidas que venham a abranger que agrava ainda mais o problema. Não
todas as autoridades marítimas internacio- obstante, o serviço de recolhimento do lixo
nais, sobretudo com relação aos seguintes nos portos, sobretudo brasileiros, é muito
problemas: o cumprimento da política do caro e ocasional. Estima-se que apenas
casco duplo, o lixo, o esgoto sanitário e a um entre três navios solicitam tal serviço
água de lastro. em portos brasileiros, o qual normalmente
As convenções Solas 74 e Marpol 73/78 ocorre não por consciência ambiental, mas
foram iniciativas que tinham como um de por exigências documentais para esses
seus objetivos impedir desastres naturais navios atracarem em portos de “primeiro
devido a vazamentos, rupturas, transborda- mundo”. Logo, não é surpresa que a maior

RMB2oT/2014 191
NAVEGAR É PRECISO, RESGUARDAR É OBRIGATÓRIO

parte de lixo e esgoto sanitário seja despe- significância da Marinha do Brasil (MB) e
jada em águas internacionais pelas embar- qual é o seu papel nesse sentido?
cações antes de as mesmas demandarem Embora a sua principal missão seja a de-
aos portos de países não desenvolvidos, fesa da Pátria, incumbências a fim de cola-
visto que é a maneira mais conveniente e borar com a qualidade do que nos pertence
mais barata. As únicas alternativas possí- adquirem peculiar atenção, sobretudo em
veis para solucionar tal questão seriam a épocas de relativa tranquilidade e de paz,
cobrança obrigatória de uma taxa de lixo como a observada atualmente. Assim, a
incorporada à taxa de utilização portuária MB se faz presente em diversas iniciativas,
e a coleta diária por uma empresa terceiri- assumindo papéis de fiscalização e proteção
zada. Somente assim há possibilidade para da nossa Amazônia Azul, visando atender
que esse processo retroceda. às necessidades da população. Essas ini-
Finalmente, explanamos a problemática ciativas agregam valor ainda maior e in-
da água de lastro. Muitas embarcações, de crementam ainda mais a credibilidade desta
forma a regular seu calado e sua estabili- Autoridade Marítima no Brasil. Portanto,
dade, utilizam-se desse recurso próximo suas atividades transcendem a atuação
aos portos para compensar o peso perdido militar da MB, e o seu significado perante
pelo descarregamento a sociedade brasileira é
de cargas. Entretanto, enorme e evidente nas
o que acontece é que Oficiais da MB são diversas oportunidades
organismos são cap- em que há o contato di-
turados junto com a formados desde cedo reto com a população.
água e são transporta- para que desenvolvam Um exemplo disto é a
dos para outras áreas uma mentalidade de Regata Ecológica da
portuárias, provo- Escola Naval.
cando desequilíbrios preocupação com o meio Oficiais da MB são
ecológicos, dissemi- ambiente formados desde cedo
nação de doenças e para que desenvolvam
prejuízos a atividades uma mentalidade de
econômicas. Um exemplo emblemático no preocupação com o meio ambiente. Evi-
Brasil foi a inserção de populações de mexi- dências desta função ambiental que a MB
lhão dourado por embarcações estrangeiras, desempenha são testemunhadas por meio
as quais subiram o Rio Paraná e lá não en- da Regata Ecológica, realizada anualmente
contraram predadores. Essa espécie acabou na Escola Naval. Neste evento singular, os
se reproduzindo, afetando a biodiversidade, “Sentinelas dos Mares” zarpam com seus
e incrustando nas turbinas de Itaipu, o que veleiros, juntamente com a população civil,
passou a exigir uma manutenção periódica em uma alegre competição, para descobrir
que envolve a interrupção de seu funciona- qual embarcação retira mais lixo da Baía de
mento para retirar esses organismos. Guanabara durante uma tarde. Trata-se de
um modelo bem-sucedido de um esforço
PAPEL AMBIENTAL DA MB conjunto que contribui de maneira signifi-
cativa para a segurança da navegação dentro
Após explicitarmos as principais ques- da Baía, assim como para reduzir a poluição
tões que envolvem a navegação sustentável, que infelizmente a atinge. Assim sendo, essa
é fundamental questionarmos: qual é a parceria desponta com duas finalidades:

192 RMB2oT/2014
NAVEGAR É PRECISO, RESGUARDAR É OBRIGATÓRIO

permitir a participação e a aproximação da sustentável em consonância com o discurso


sociedade civil com MB; e contribuir para o global atual. Embora não seja sua missão
desenvolvimento profissional dos aspirantes. primordial, a MB a faz com orgulho e da
Portanto, é plausível dizer que, devido melhor maneira possível. Problemas, como
a essa vertente preocupada com o meio os mencionados neste artigo, são diaria-
ambiente e com o País, a Marinha do mente debatidos e arguidos com o nosso
Brasil detém o importantíssimo papel de “consumidor”, a população brasileira,
implementar políticas ambientais e de fis- para que as nossas riquezas naturais não
calização. Não há dúvida de que seu valor pereçam, nossa fauna não se perca, nossos
nesse sentido, por meio das organizações mares e ares continuem limpos e que nosso
militares subordinadas, é enorme. O povo desenvolvimento continue ocorrendo de
brasileiro espera segurança do tráfego forma responsável. Sem dúvida, navegar é
marítimo e, mais ainda, uma navegação preciso, mas resguardar é essencial!

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<MEIO AMBIENTE>; Ecologia; Política para o meio ambiente; Navegação;

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RMB2oT/2014 193
VELEJANDO NO MEDITERRÂNEO*

LUIZ FERNANDO DO NASCIMENTO VIEIRA


Aspirante

SUMÁRIO

Introdução
24 intercâmbios em um
O Trofeo Accademia Navale e Città di Livorno
A Academia Naval Italiana
Turismo
Conclusão

INTRODUÇÃO Trofeo Accademia Navale e Città di Livorno


(TAN). Saímos do Rio de Janeiro no dia 18

R eceber a notícia de um intercâmbio


sem dúvida é algo maravilhoso; mais
surpreendente ainda foi saber que iríamos
à noite, fizemos uma conexão de um dia em
Londres e então seguimos para Roma, onde
fomos recebidos pelo secretário do adido
para a Itália para velejar, ou seja, competir naval na Itália, que nos auxiliou na nossa
no esporte que é a nossa paixão. Entre os dias estada na cidade. Na manhã do dia 20 nos
20 e 30 de abril de 2013, nossa tripulação, deslocamos, finalmente, para a cidade de
formada por quatro aspirantes, Luiz Vieira, Livorno, local das competições e sede da
Arytan, Moret e Cavalcante Silva, participou Academia Naval Italiana.
deste intercâmbio com a Marinha italiana Já na estação de trem, fomos recebidos
com o propósito de disputar o tradicional pelo nosso accompagnatore, o Cadete

* Publicado na Revista de Villegagnon de 2013.


VELEJANDO NO MEDITERRÂNEO

Delegações participantes
Christian, que no decorrer do evento foi cana italiana, possui uma população aco-
substituído pelo Cadete Enrico. Logo após lhedora aos visitantes. Durante o período
deixarmos nossas malas no alojamento das do evento, a cidade realiza algumas feiras
delegações, nos dirigimos para o Iate Clube temáticas, como a Tutto Vela, com a venda
Circolo Velico Antignano (CVA), ponto de de artigos náuticos; apresentações teatrais
partida das regatas. Ainda de terno, visita- e um desfile militar com as delegações
mos o nosso barco e recebemos as velas de estrangeiras.
competição do circuito, fato que surpreen- O contato, em diversas ocasiões, com
deu as outras delegações. Depois de um dia as Marinhas amigas durante os eventos
agitado, enfim, havíamos iniciado o nosso nos fez perceber o quanto as Marinhas
intercâmbio, que posteriormente perceberí- são parecidas, muitas delas com tradições
amos não se tratar de um intercâmbio com bem similares à nossa. A proximidade do
um único país, e sim com 24 países. convívio, seja no alojamento, nas regatas,
nas festas ou nos passeios promovidos pela
24 INTERCÂMBIOS EM UM Marina Militare, fez desse um período úni-
co para nós, pois, além dos bons momentos
Ao todo, 24 delegações estrangeiras vividos, trouxemos uma vasta experiência
participaram, sendo a maior parte delas sobre a rotina, a marinharia e as tradições
formadas por aspirantes e algumas por de vários países diferentes.
velejadores profissionais. O evento supe- Uma das coisas que mais nos impres-
rou, em número de nações competindo e sionou foi o respeito dos outros países
veleiros no mar, os últimos Jogos Mundiais com a Marinha do Brasil e o nosso país,
Militares no Brasil. notório nas palavras do Almirante Cavo
O Trofeo é um evento ímpar, que difere Dragone em agradecimento às lembranças
dos demais pela participação ativa da cida- que entregamos, declarando, diante dos
de de Livorno, que, além das características diversos oficiais chefes de equipe, que o
marinheiras deste lugar pitoresco da Tos- evento se tornava global com a participa-

RMB2oT/2014 195
VELEJANDO NO MEDITERRÂNEO

ção do Brasil, que era o representante do


Atlântico Sul numa competição em que
todos os oceanos estariam representados
por algum país.

O TROFEO ACCADEMIA NAVALE


E CITTÀ DI LIVORNO

O TAN tem sido amplamente reconheci-


do durante vários anos como uma das rega-
tas mais prestigiadas no Mar Mediterrâneo Cerimônia de abertura do evento
e chegou ao seu 30o aniversário neste ano
em que participamos. O TAN é um evento cardo Lebreiro e uma aula teórica com o
global representado pelas tripulações de velejador profissional Henrique Haddad,
muitas academias navais e instituições nos preparamos para a competição.
militares que competem em regatas. Ele Muitas marinhas, como da China, dos
é caracterizado não só pela esportividade Emirados Árabes Unidos, do Bahrein e do
e a competitividade das diferentes classes Canadá, entre outras dentro do universo das
de regata, mas também por oferecer uma 24 delegações que tiveram um excelente
importante oportunidade de reunião entre resultado nas competições, compraram o
os jovens representantes das Marinhas Trident 16 ou levaram seus técnicos para
participantes. Por meio do esporte da vela auxiliar na preparação dos veleiros. Isso
e deste intercâmbio, tivemos a oportuni- evidenciou a importância do evento, que
dade de estabelecer contatos tanto em um cresce e inclui cada vez mais nacionalida-
contexto social quanto em um ambiente des ano após ano.
profissional e fizemos excelentes amizades Diferentemente do dia de treino quase
que caracterizam não só o relacionamento sem vento, no primeiro dia de regata os ven-
entre Marinhas como também entre países. tos chegaram a rajadas de 25 nós e ondas
O veleiro usado nas competições, um de 1 a 1,5m, o que seria difícil até para um
Trident 16 com cerca de 5 metros de compri- veleiro oceânico. Apesar de terminarmos
mento e dotado de bolina móvel, mostrou-se a primeira regata do dia, desistimos das
um veleiro muito instável para competição, duas que se seguiram. Fomos motivados
porém excelente para sua finalidade de ins- a desistir após virar o barco duas vezes,
trução, haja vista o seu casco robusto. sendo que em uma delas o barco emborcou.
Nossa tripulação chegou sem nenhum
conhecimento sobre o veleiro, que é de
fabricação italiana e pouco difundido no
mundo. Tivemos, como todas as outras
equipes, apenas uma hora de treino. Em-
bora nenhum veleiro do Grêmio de Vela
da Escola Naval fosse semelhante, fizemos
um estudo, ainda no Brasil, de classes pa-
recidas para facilitar nosso aprendizado e
melhorar nosso desempenho. Com vídeos,
treinos com o nosso professor de vela Ri- Inspecionando a nossa vela mestra

196 RMB2oT/2014
VELEJANDO NO MEDITERRÂNEO

Preparando o barco para mais uma regata Velejando em uma regata de fleet race

O fator determinante foi o frio para o qual dir um novo modelo de regatas, o Theatre
não estávamos preparados – a temperatura Styling Race, a comissão de prova decidiu
da água em torno de 13 graus e a falta de usar as Marinhas como experiência.
um uniforme adequado para submersão nos O Theatre Styling Race é um nova mo-
impossibilitaram de continuar. dalidade de competição com quase três anos
Após esse fatídico dia, compramos roupas desde o seu surgimento, entretanto pouco
térmicas adequadas. As condições climáticas conhecida. Consiste em uma regata de barla-
continuaram ruins, havendo dias em que sota em um espaço reduzido entre as marcas
as provas foram canceladas devido ao mau de contorno, onde só é possível velejar dentro
tempo. Nosso desempenho foi melhorando ao de um canal delineado por boias. As regatas
longo das regatas de fleet race (regata comum nesse modelo ficam com uma duração em
de flotilha), mas sem surpreender. Essa mo- torno de 15 e 20 minutos, tornando as dispu-
dalidade foi dominada pela China, que depois tas muito mais acirradas. A classificação, ao
perderia no modelo de competições que se contrário do fleet race, ocorre por chaves, por
seguiu. Terminamos o fleet race em 24º de 33 meio de um sistema de play-off. Grupos de
veleiros participantes, incluindo civis. oito veleiros competem duas vezes entre si,
A competição teve duas modalidades: formando uma série. Os quatro melhores de
uma regata geral com a participação de cada grupo se classificam para próxima fase,
civis, que foi o fleet race, e uma regata de e os demais são eliminados. Os classificados
Marinhas amigas. Com o intuito de difun- formam novas chaves, avançando, assim,
das oitavas até a final, que é disputada pelo
melhor grupo de velejadores. A final é cons-
tituída de três séries, e o melhor classificado
nesse match é o campeão.
As delegações tiveram 30 minutos para
ler as instruções e regras desta modalidade
e, após uma breve palestra de apresentação
e esclarecimento, fomos finalmente para o
mar. Nesta segunda fase de competições,
nossa delegação terminou na 4a colocação.
Já dominávamos o barco e fizemos excelen-
tes largadas e regatas. Impressionamos as
Aproximando-se da marca de contravento demais delegações ao utilizar a vela balão e

RMB2oT/2014 197
VELEJANDO NO MEDITERRÂNEO

ir para o mar mesmo em condições adversas, movimenta toda a Academia, que funcio-
fatos que nos levaram à final. Embora não na como coordenadora-geral do evento,
tivéssemos ganhado, tínhamos a certeza de executado pelos Iates Clubes da região,
um bom trabalho, pois passamos por adver- ficando sob sua responsabilidade apenas
sários fortes, como a China, vice-campeã do a compilação de resultados, premiação e
fleet race, e a Itália, dona da casa. atividades na Academia e relacionadas às
Marinhas amigas.
A ACADEMIA NAVAL ITALIANA
TURISMO
Obviamente, além dos ganhos esportivos,
das técnicas e do aprendizado de um novo Apesar do tempo limitado para o turismo,
modelo de competição, o intercâmbio foi tivemos a grande oportunidade de conhecer
extremamente proveitoso para conhecer a dois países: Inglaterra e Itália. Embora a
Marina Militare (Marinha italiana). Duran- Inglaterra não estivesse em nossos planos,
te uma semana, visitamos as instalações, fomos contemplados por essa maravilhosa
conhecemos sobre o serviço e descobrimos escala. Nossa estada nesse país foi de 24
mais sobre aqueles que decidiram servir à horas muito bem aproveitadas. Visitamos a
Marinha do outro lado do Atlântico. Oxford Street, importante rua comercial de
A rotina deles é muito semelhante à Londres, onde fizemos compras; conhecemos
nossa, com paradas e cerimônias diversas. a Trafalgar Square e vários outros marcos
Os aspirantes do 1o e do 2o ano correm pelos históricos; passeamos às margens do Rio
corredores quando não estão com o uniforme Tamisa; tiramos fotos do Parlamento e, por
de inverno (jaqueta azul). Os do 3o ano já fim, andamos na London Eye.
são considerados oficiais, apesar de perma- Não obstante o tempo na Itália ser
necerem na Academia. Para todos os efeitos, maior, passamos grande parte dos dias em
os terceiranistas são oficiais e já ganham competições ou representações da Acade-
como tais. Os do 4o ano ocupam algumas mia; portanto, o nosso tempo destinado a
funções administrativas, como secretário conhecer os locais era limitado. Tivemos
de companhias e ajudante de departamento, uma visitação guiada e promovida pela
entre outras. Estes assistem a algumas aulas, Marina Militare Florença, em que fica-
entretanto é comum não ficarem a bordo, mos deslumbrados com a arquitetura e as
devido a estágios profissionais. obras de Michelangelo. Na volta, ficamos
A escolha de Corpo é feita no 1o ano. em Roma um dia, no qual conhecemos o
Eles têm cinco opções: Armada, Intendên- Coliseu, as Piazza Navona e di Spagna e a
cia, Fuzileiro, Médico e Guarda Costeira. famosa Fontana di Trevi. À noite, visitamos
Eles possuem um currículo básico muito a Torre de Pisa e comemos as tradicionais
curto, comum a todos os aspirantes. Logo pizzas italianas. Todo o tempo que passa-
após terminarem essas matérias básicas, mos nesses dois países foi incrível, com
começam a estudar a matéria específica de recordações para toda a vida e experiências
seus respectivos corpos. de valor inestimável.
Relacionando novamente, com o espor-
te, a prática de vela é obrigatória nos dois CONCLUSÃO
primeiros anos, portanto todos sabem vele-
jar. O Trofeo Accademia Navale é o evento Sem sombra de dúvida, foi uma opor-
mais esperado do ano pelos aspirantes e tunidade ímpar que a Marinha do Brasil e

198 RMB2oT/2014
VELEJANDO NO MEDITERRÂNEO

Aspirante Luiz Vieira, entregando lembrança ao Almirante Cavo Dragone

a Escola Naval nos deram com este inter- do Grêmio de Vela da Escola Naval, que,
câmbio. Apreendemos muito em diferentes apesar de todas as dificuldades, demonstra-
áreas, fizemos excelentes amizades, apri- ram superação e atingiram uma excelente
moramos nosso inglês, que era o idioma colocação em uma competição de expres-
oficial da Regata, e, ao regressarmos ao sivo significado internacional, tendo em
Brasil, nos sentíamos mais brasileiros, vista a quantidade e a diversidade de países
nosso sentimento de pátria se fortaleceu, participantes.
pois percebemos nesse período não só o Estar em um lugar novo, desejado por
reconhecimento do Brasil no âmbito inter- milhares de pessoas como local para se via-
nacional, mas também o reconhecimento jar, definitivamente não tem preço. Portan-
da nossa Marinha perante vários países. to, não só foi uma honra como também um
Mesmo diante dos imensos desafios imenso prazer participar dessa competição
a serem superados, o Brasil está em um e ostentar em nossa vela mestra o Pavilhão
importante patamar internacional, sendo Nacional, levando o nome do nosso país e
muito bem representado pelos aspirantes da Marinha do Brasil mais longe.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<EDUCAÇÃO>; Esporte; Escola Naval; Veleiros;

RMB2oT/2014 199
ARTIGOS AVULSOS

Esta seção divulga os artigos que não puderam ser publicados


– na íntegra – na RMB e que passarão a fazer parte do acervo da
Biblioteca da Marinha.
Aqui são apresentados o título, o autor, posto, cargo ou função,
número de páginas do trabalho completo, classificação para índice
remissivo e o resumo do artigo.

GÊNERO MASCULINO E SAÚDE


THALITA MAYAN ESQUERDO ANDRADE
Assistente Social

Número de páginas: 7
Identificação: AV 055/14 – # 2140 – RMB 2o/2014
CIR: <SAÚDE>; Orientação ao homem; Sociologia; Assistência médica; Assistência Social;

Em uma sociedade em que a definição do gênero masculino fundamenta-se em


sua atividade na esfera pública, concentradora de valores materiais que o faz provedor e
protetor da família, marcado pela virilidade, força e culturalmente considerado nessa mes-
ma sociedade, tradicionalmente patriarcal, superior à figura feminina (frágil e submissa),
evidenciam-se casos em que a influência do gênero masculino determina muitas das decisões
cotidianas.
Considerando que abrir as portas da atenção primária à população masculina é uma
necessidade fatídica, partimos do pressuposto de que esta análise também poderá contribuir para
fomentar ações relativas ao tema e conhecer – mesmo que parcialmente – em que cenário da
realidade local a Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem (PNAISH) será implantada.
É pertinente ressaltar que o atraso no reconhecimento do Estado em relação às
condições de saúde dos homens brasileiros manteve essa população afastada dos cuidados
primários, justamente os que buscam a prevenção e a promoção da saúde.
Verifica-se que as ações que conseguem atingir os homens não são exclusivamente
destinadas a eles, e, ainda assim, os poucos que utilizam estes serviços primários são idosos,
ARTIGOS AVULSOS

captados principalmente pelos programas de acompanhamento a hipertensos e diabéticos.


Isto demonstra que a parcela considerada produtiva, principal foco da PNAISH,
sempre esteve fora do alcance das ações e serviços – sobretudo aqueles de prevenção e
promoção da saúde –, tornando crônicos alguns agravos evitáveis.
Fica o desafio ao Estado, aos gestores, empregadores, profissionais de saúde e à
sociedade de um modo geral em romper com as amarras socioculturais para que a população
masculina também utilize as ações e os serviços primários de saúde.
MARINHA DO BRASIL E O VALOR DESTINADO
À INSTRUTORIA
GLAUBER OLYMPIO GOMES E SILVA
Terceiro-Sargento (DT)

Número de páginas: 4
Identificação: AV 056/14 – # s/no – RMB 2o/2014
CIR: <EDUCAÇÃO>; Instrução; Preparo do homem; Ensino profissional;

O artigo descreve como a Marinha do Brasil, por meio da instrutoria, capacita seus
militares da melhor forma, conforme é o seu dever constitucional. A política de ensino da
Marinha favorece que o Sistema de Ensino Naval seja o mais adequado para o cumprimento
dessa missão. Dessa forma, não somente a instrutoria, como também o elemento executor
direto do ensino, o instrutor, ganha destaque e reconhecimento. Nessa direção é apresentada
uma nova tendência pedagógica que pode contribuir ainda mais para essa questão.

AS CONTRIBUIÇÕES DA ENERGIA NUCLEAR PARA O


PODER NAVAL
RAFAEL TEIXEIRA DE FREITAS E SILVA
Capitão-Tenente (FN)

Número de páginas: 9
Identificação: AV 057/14 – # s/no – RMB 2o/2014
CIR: <FORÇAS ARMADAS>; Poder Naval; Energia nuclear; Submarino nuclear; Amazônia
Azul; Prosub;

A projeção do Brasil no cenário mundial em virtude do crescimento econômico e da


elevada reserva em recursos naturais importantes, em especial o petróleo do subsolo marinho, eleva
a necessidade de possuir uma Marinha e, por conseguinte, um Poder Naval que tenha capacidade
de proteger tal patrimônio. Dessa forma, em consonância com outras nações desenvolvidas de
dimensões continentais, cresce a importância de se possuir uma forte Força de Submarinos, estru-
turada em modernos submarinos convencionais e, principalmente, em submarinos com propulsão
nuclear que terão a tarefa principal de negar o uso do mar ao inimigo, por serem armas de capa-
cidade dissuasória por excelência. Assim sendo, uma nação que possui tais aspirações necessita
dominar por completo a tecnologia nuclear. Diante disso, este trabalho tem como propósito ratificar
a importância da energia nuclear para a potencialização do Poder Naval.

RMB2oT/2014 201
ARTIGOS AVULSOS

SUBSÍDIOS PARA HISTÓRIA DA


PROPRIEDADE FUNDIÁRIA NO BRASIL
MUCIO PIRAGIBE RIBEIRO DE BAKKER
Contra-Almirante (Refo)
FREDY REBENTISCH HEREDIA
Historiador

Número de páginas: 17
Identificação: AV 058/14 – # 2143 – RMB 2o/2014
CIR: <HISTÓRIA>; História do Brasil; História de Portugal; Agricultura;

Os latifúndios se originaram das sesmarias doadas pela Coroa portuguesa no período


colonial. Até o final do século XIX caracterizaram-se pela exploração do trabalho escravo e
pela monocultura voltada para o mercado externo. Constituíram também unidades políticas,
até certo ponto autônomas em relação ao poder estatal, transformando-se na base do poder
local das oligarquias agrárias.
Os autores concluem ao final do trabalho:
a) A necessidade de organizar economicamente o Brasil, tendo em vista uma acu-
mulação feudal mercantilista lusa, leva ao seu povoamento;
b) O povoamento só se dará quando, ao português, se abrir a possibilidade de
ganhos fáceis;
c) A terra será apropriada de acordo com a legislação portuguesa (sesmarias);
d) Essa legislação mostrou-se, com alguns senões, apropriada para o Brasil;
e) As “restrições” surgidas no decorrer da vida colonial vieram adaptar à lei as
necessidades dos proprietários e da Coroa;
f) A Lei de Terras foi, em última instância, uma regulamentação, organizando a
propriedade fundiária;
g) Essa lei dificultou em muito a união trabalho livre – terra livre, o aumento inter-
no da população (explosão?), localizado no litoral e em alguns pontos do
território, fazendo com que essa população despossuída emigrasse. Foi a lei,
portanto, uma peia e uma direção a essa mão de obra, levando-a para as novas
áreas produtoras;
h) Até a data da promulgação da lei, a formação social brasileira era essencialmente
escravista; e
i) A pressão inglesa foi bastante intensa sobre a abolição do tráfico. Mas esta só
foi possível quando o senhor vislumbrou uma nova fonte de mão de obra barata e
abundante. Essa fonte encontrava-se no Brasil e, pelo menos, até essa data (1850).

Consta que o mapa das capitanias hereditárias, reproduzido na próxima página, se


encontra hoje na Biblioteca da Ajuda, Portugal. Foi desenhado por Luís Teixeira em 1574 e
representa, com apreciável precisão, o “Oceano Meridional” – da Linha Equatorial à Terra
do Fogo.

202 RMB2oT/2014
necrológio

A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos seguintes colaboradores e assinantes:
CMG Ney Parente da Costa  28/02/1922 † 22/02/2014
CMG (CN) Geraldo Gomes da Silva  06/11/1932 † 03/03/2014
CMG Luiz Carlos Rodrigues Pereira  16/01/1944 † 28/12/2013
CMG (Md) Luiz Carlos da Silva Alves  09/12/1944 † 30/12/2013
CMG Ronaldo Pereira Villaça  08/06/1942 † 31/01/2014
CF Renato Frederico Corrêa Vaz  23/10/1939 † 01/02/2014
CF Jorge Berutti da Cunha  04/10/1939 † 19/02/2014
CF Wilmar Albeche Coelho  05/12/1945 † 03/11/2013
CT Celio Marins Roberge de Queiroz  07/08/1937 † 31/12/2013
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, o


que se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses.
Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicas
e por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha.
São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas.
Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso
por carta, ou por e-mail ([email protected]).

POR QUE OS MARINHEIROS SÃO DIFERENTES?

Assim como deixou claro o Marechal O soldado molda seu ambiente alteran-
Montgomery, os marinheiros são diferen- do seus contornos, explorando o terreno,
tes dos seus camaradas da Força Aérea e dominando-o com o poder de fogo ou,
do Exército. Eles falam uma linguagem quando tudo mais falha, movimentando-se
própria, fazem perguntas diferentes, dão para outro ambiente.
respostas diferentes, suportam fainas pesa- O piloto é um acrobata que desafia a
das com alegria e formam um clã especial. gravidade. O ar é um meio para a liberdade.
Suas vidas são definidas por uma su- De sua posição vantajosa acima de seus
cessão de comissões, e eles formam um colegas guerreiros, ele dá grande ênfase na
intrigante amálgama de tradição. superioridade e no controle.
Como podemos perceber a diferença O marinheiro, por outro lado, está cons-
entre os guerreiros das três forças? Por que tantemente na presença de uma força maior
os marinheiros são tão diferentes? do que ele mesmo. Ele sente o tempo por
Mesmo aqueles marinheiros que tam- meio do balanço e do caturro de seu navio.
bém são pilotos são diferentes de seus Uma vez no mar, não é uma questão sim-
colegas da Força Aérea. Também mesmo ples voltar para terra, não há passeios no
aqueles marinheiros que também são solda- shopping, não existe energia de terra, não há
dos – e chamados de fuzileiros navais – são telefone para saber notícias, não há carteiro
diferentes de seus camaradas do Exército. diariamente ou jornal para se manter em
As respostas a estas questões têm suas contato com o mundo, não existe licença
raízes no ambiente no qual vivem e lutam para aliviar as tensões de um dia, e nem há
os marinheiros. a presença nem o conforto da família.
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

O piloto conquista seu ambiente, o ma- especial atenção no trato com os subalter-
rinheiro sobrevive nele. O soldado molda nos, sem, no entanto, deixar de corrigir
e explora seu ambiente, o marinheiro deve as falhas que apareçam, é imediatamente
se ajustar a ele. considerado um herói para todos. Um mari-
O soldado depende de “armas combi- nheiro a bordo não pode deixar de participar
nadas”, o marinheiro precisa confiar em si das fainas, ao contrário de alguns pilotos,
mesmo e no mundo limitado pelo seu navio. que colocam suas aeronaves “indisponí-
O soldado deve avançar ou retrair, o mari- veis” na inspeção pré-voo.
nheiro deve permanecer e lutar. Em tempos Um marinheiro deve estar preparado
modernos, mesmo a opção de se render está para as vicissitudes da natureza e do inimi-
além do alcance dos marinheiros; ele luta go, e, em consequência, ele deposita um
e morre com o navio – mesmo se o navio grande crédito na prontidão e na prudência.
for um casco soçobrado em chamas abaixo Ele se prepara para o improvável e até
de seus pés. mesmo para o impossível. Para seus pares
Tais forças incutem no marinheiro uma de terra e ar, ele parece muito conservador.
combinação única de Para ele, as coi-
qualidade: autoconfian- sas importantes sim-
ça, respeito e atenção O marinheiro está feliz plesmente precisam
ao seu comandante, e quando o único navio, de funcionar, e por isso
um acentuado senso de horizonte a horizonte, é o precisam ser simples.
responsabilidade. Ele ainda acha que os
O comandante está seu. É ele contra o ambiente, mastros são apêndices
na frente de batalha, e o inimigo, ou mesmo contra úteis – mesmo após
não nos quartéis-ge- ter passado o tempo da
nerais da retaguarda; o navio irmão Marinha a Vela – para
ele deve enfrentar o estender seu horizonte
inimigo, pois está tão exposto como o mais e como lugar para colocar seus equipa-
moderno marinheiro a bordo. Não existe re- mentos mais usados.
taguarda para um navio em combate. Almi- Ele aceitou o cabo de náilon, mas ainda
rantes e marinheiros dividem igualmente o existe um lugar especial no seu coração
risco de enfrentar o fogo inimigo ou a fúria para o cabo de manilha. Aceitou a tur-
de um temporal, pois estão, literalmente, no bina a gás na propulsão de seus navios,
mesmo barco. mas guarda ainda um lugar especial para
Os espaços limitados de um navio de o vapor. Realmente, suas veias parecem
guerra – mesmo de um grande navio – estar cheias de vapor – no preparo do
forçam a amizade entre seus tripulantes. rancho, na transformação de água salgada
Não existe lugar para se esconder. As for- em água doce, para o aquecimento e, em
ças ou as fraquezas são logo descobertas alguns casos, para o lançamento de aero-
e conhecidas. A capacidade profissional naves. Quase todos os navios de guerra
do comandante está à vista de todos, têm vapor em seus sistemas para o apoio
todos os dias. à vida de bordo.
Uma atracação malfeita simplesmente Por ser navio uma entidade completa, o
não pode ser escondida dos subordinados. marinheiro dá grande importância em mol-
Da mesma maneira, um comandante que dar suas ações de maneira independente dos
mostra zelo pelo profissionalismo, que tem outros navios e das bases. Ele se ressente

206 RMB2oT/2014
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

quando sofre interferência de terceiros ao Os marinheiros valorizam essa cone-


lhe dizerem como conduzir suas tarefas, e xão com o passado e veem-se tão capazes
está feliz quando o único navio, de hori- como seus antecessores. Mas a tradição
zonte a horizonte, é o seu. não é simplesmente um guia para a ação,
A presença de um navio mais antigo o é uma forma de lealdade à Força e uma
impede de ter paz em sua mente, e ele se reafirmação do lugar do marinheiro na fila
torna o principal crítico dos erros cometidos dos heróis.
pelo navio capitânia. Os costumes e as cerimônias navais
É o seu navio contra o ambiente, o reforçam o senso de identidade e de con-
inimigo, ou mesmo contra o navio irmão. tinuidade. Uma passagem de comando, o
Não existe maior competição na terra do lançamento de um navio ou o cerimonial
que a que ocorre entre navios de um mesmo à Bandeira Nacional são ocasiões nas
esquadrão, ou da mesma força-tarefa. quais a comunidade naval expressa a sua
Lealdade ao navio e lealdade à sua força confiança e seu apreço pelos homens do
são dogmas a serem seguidos. mar. As honras ao navio e à sua tripulação
Um soldado certamente terá uma Asso- são confirmadas na presença de amigos,
ciação do Batalhão para que se relembre parentes e colegas de farda.
do passado, mas um marinheiro se lembra O termo “conservador” parece ser mais
apenas do seu navio. Raramente ocorre a bem aplicado aos oficiais de Marinha do
um marinheiro formar uma Associação da que aos de outras forças. Um marinheiro
FT 94 ou Associação da Esquadra. reluta sempre em abandonar o que, no
Um oficial sempre se lembrará de seu passado, lhe serviu de maneira eficiente.
primeiro navio, dos nomes do timoneiro Ainda hoje os oficiais se apresentam aos
e do vigia de seu quarto de serviço, e das chefes de departamento, e estes a seus ime-
situações que eles enfrentaram no porto diatos, antes de baixarem terra. A chegada e
ou no mar. a saída do comandante a bordo são cercadas
Uma das experiências mais gratificantes de cerimoniais; içar ou arriar a bandeira
para o homem do mar é recordar os “bons substituta, informar ao imediato ou ao
tempos”, quando se encontra com antigos oficial de serviço, o qual acompanhará o
companheiros de bordo. Esta experiência comandante até à Câmara. A chegada do
vivida pelos marinheiros ao longo de suas comandante da força ou de um almirante a
carreiras gera um senso de lealdade entre bordo é o bastante para transformar o mais
as tripulações e com a Marinha que é um pacato dos navios num frenesi de prepara-
elo sem nada correspondente nas outras tivos, com atenção ao detalhe.
Forças. Para o marinheiro, as entidades Essas cerimônias e tradições parecem
organizacionais dos soldados e dos pilotos estranhas para o soldado, para o piloto e
se parecem com uma “sopa de letras”: os para o civil, mas para o marinheiro são
números mudam, as pessoas são transferi- parte da vitalidade de sua experiência
das rapidamente e as unidades não têm um profissional; ele sabe o que se espera
nome ou um número. dele e onde estão depositados a honra e o
Já o navio do marinheiro tem um nome reconhecimento.
e, o que é mais importante, geralmente é um Mas o marinheiro também sabe pre-
nome lembrando uma passagem vitoriosa miar aqueles que sabem combinar tradi-
da história de seu país ou o nome de algum ção com inovação. Ele faz um balanço
herói nacional. entre os dois polos: aqueles que acham

RMB2oT/2014 207
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

que porque é velho é que deve ser bom, tradições são as mesmas: tradições cultivadas
e aqueles que pensam que se é novo deve pela Marinha a Vela.
ser melhor. Na medida em que ingressamos na era
Na verdade, ele confia nas coisas ve- das operações conjuntas e combinadas, os
lhas, mas reconhece marinheiros terão que
o valor do novo. O fazer alguma conces-
radar, a turbina a gás, O radar, a turbina a gás, o são aos companheiros
o avião, a propulsão das outras forças, po-
nuclear e a comunica- avião, a propulsão nuclear e rém a natureza única
ção por satélite revo- a comunicação por satélite da profissão naval e de
lucionaram o mundo
no qual o marinheiro
revolucionaram o mundo seu ambiente peculiar
certamente marcará
vive, mas o mar ainda no qual o marinheiro vive, de forma indelével a
está lá. Os navios são mas o mar ainda está lá forma e o conteúdo
ainda danificados ou dos planejamentos e
afundados pelo mar, das operações.
navios ainda se chocam em um mar sem Os soldados e os pilotos certamente
sinais de trânsito ou vias expressas. aprenderão que os aparentemente ex-
As mesmas características são divididas cêntricos e tradicionais marinheiros são,
entre Marinhas. na verdade, profissionais moldados pela
Os marinheiros geralmente têm simpatia água salgada.
por seus colegas estrangeiros. Eles enfrentam “Onde o espírito não teme, a fronte não
os mesmos perigos e respondem aos desafios se curva.”
de maneira semelhante. Eles comungam reve-
rências às tradições e aos costumes da mesma James Alexander Winnefeld, Jr*
forma, e, em muitos casos, até as fontes das Almirante de Esquadra (EUA)

* Aviador naval. Exerce atualmente a função de Vice-Chairman do Joint Chiefs of Staff. Comandou o Esquadrão
de Combate 211, o USS Cleveland e o USS Enterprise. Participou das operações Enduing Freedom, Iraqi
Freedom e de interceptação marítima no Golfo Pérsico. Mais recentemente, comandou a Sexta Esquadra,
o Comando Conjunto Aliado em Lisboa e o Joint Forces Maritime Component, na Europa, entre outros.

208 RMB2oT/2014
DOAÇÕES À DPHDM
ABRIL A JUNHO DE 2014
DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

General de Exército João Francisco Ferreira – Comandante Militar do Oeste


Vice-Almirante Ilques Barbosa Júnior
Capitão de Mar e Guerra Ramirez
Capitão de Corveta Alessandro Braga Gonçalves
Sra. Maria do Rosário Ferreira Araújo
Sr. Gerson Antônio Fonseca

Sr. André Heráclio do Rêgo


Comando-em-Chefe da Esquadra
Comando do 6o Distrito Naval
Centro de Comunicação Social do Exército
Fundação Cultural do Exército Brasileiro (FUNCEB)
Biblioteca do Exército Editora (BIBLIEX)

Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército (CEPHiMEx)


Marinha de Guerra del Peru
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Comite Nacional Português do ICOM
Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM)
Conselho Federal de Educação Física

Museu de Arqueologia e Etnologia – USP


Fundação Alexandre Gusmão (Funag)
Population Reference Bureau
Empresas Concremat
Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

LIVROS E PERIÓDICOS RECEBIDOS

BRASIL
História da vida privada no Brasil – no 1 – livro/1997
Equador – livro/2003
O Império em Brasília – 190 anos da Assembléia Constituinte de 1823 – livro/2013
Forte de Coimbra – História e Tradição – livro
Revista do Exército Brasileiro – v. 148, 1o/2o semestre/2012 – 2 ex., periódico; v. 149,
2o semestre/2013, periódico
A Defesa Nacional – v. 97, no 820, 2o/3o quadrimestre/2012 – 2 ex., periódico; v. 101, no
822, 2o semestre/2013 – 2 ex., periódico
Revista Militar de Ciência e Tecnologia – v. 29, 1o trimestre/2013, 2 ex., periódico; v.
30, 2o trimestre/2013, 2 ex., periódico
Memória, Museu e História: Centenário de Max Wolff Filho e o Museu do Expedicionário
– livro/2012, 2 ex.
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia Universidade de São Paulo – Utensílios
Líticos revelam sua História e a da Pre-História a propósito de Coleção do MAE-
USP – Inventário das Coleções Limur & Mediterrâneo e Oriente Médio
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia Universidade de São Paulo – Olímpia e
os Olímpieia – A origem e difusão do culto de Zeus Olímpio na Grécia dos séculos
VI e V a.C.
Modern Guerrilla Warfare – livro/1962
Centenário da Passagem do Humaitá – livro/1968
Subsídios para a História Marítima do Brasil – v. 22 – livro/1966
Aplicação da Lei, da Força & Diplomacia no Mar – livro/1989
Homens Contra o Mar – livro
A Educação Cívica das Mulheres – livro/1967
O Comunismo no Brasil – 3o v. – livro/1967
Uma Página Esquecida da História da Marinha Brasileira – livro/1961
Curso de História da Náutica – Comemoração do Centenário do Almirante Gago
Coutinho – 1869-1969 – livro/1971
A Defesa Nacional – 3o trimestre/1977, periódico; no 736, mar-abr/88, periódico; no 719
mai-jun/85, periódico;
A Defesa Nacional – Edição da Comissão de Comemoração do Centenário de Nascimento
de Olavo Bilac – livro/1965
João Severiano – livro/1989
Desafios na Atuação das Forças Armadas – v. 4, livro/2005
Mina R Narrativa – livro/1995
Porta-Aviões a Arma Majestosa – livro/1974
Arthur Oscar Soldado do Império e da República – livro/1965
Sylvio de Norona – livro/1986
A Militarização da Zona de Ocupação Soviética da Alemanha – livro
História Marítima Argentina – vols. 7, 8, 9 e 10 – livro/1993
Cadernos do CHDD – v. 12, no 23, 2o sem./2013 – periódico, 3 ex.
Portos e Navios – v. 56, no 639, periódico

210 RMB2oT/2014
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

Metodologia do Estudo de Estado-Maior – livro


Manutenção Preventiva dos Motores Diesel – livro/1969, 2 ex.
Avaria, seus Sintomas e suas Origens nos Motores Diesel – livro/1969
Revista dfe Villegagnon – v. 6, no 6, 2011 – periódico
A Galera – no 126, dez/1976, periódico
Alegrete – v. 2005, no 25, periódico
Revista do Exército Brasileiro – vol. 149, 2o semestre/2013, ed; especial, periódico, 2 ex.
2013 Cuadro de Datos de la Población Mundial – folheto
Concremat Notícias – no 76, mar/2014
New’s – v. 10, no 53, periódico
AgroValor – v. 8, no 96, fev/2014, periódico
Portugal Pioneiro do Diálogo Norte/Sul – livro/1988
Saga Brasileira – a longa luta de um povo por sua moeda – livro/2011
Atlas da História Universal – livro
A Liberdade de Navegação do Amazonas – livro/2014
Os sertões e os desertos: O combate à desertificação e a política externa brasileira
Revista Educação Física – v. 13, no 51, mar/2014, periódico
História Marítima – livro/1980
Conceitos-Chaves de Museologia – livro/2013
Portos e Navios – v. 56, no 640, mai/2014
Naval War College Newport Papers
Carta Mensal – dez/2013, periódico/2013
Revista da Cultura – v. 12, no 22, dez/2013, periódico/2013
Revista do Clube Militar – edição especial, v. 86, no 452, fev-mar-abr/2014, periódico/2014
The Metropolitan Museum of art Van Gogh – livro/2010
70 anos da Associação Brasileira de Desenho e Artes Visuais – ABD
Lecturas de Velador – livro
Espaço e Poder – os três centro do Rio de Janeiro e a chegada da corte portuguesa –
livro/2008
GRAU – livro/2013
La Marina de todos los peruanos – folheto
O Museu Aeroespacial no Campo dos Afonsos – livro/2014
Viva Marinha (Com6oDN) – v. 1, no 1, abr/2014, periódico/2014
Verde-Oliva – v. 40, no 219, abr/2013, periódico/2013

RMB2oT/2014 211
ACONTECEU HÁ 100 ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e


notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes do
mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reportados pela
Revista Marítima Brasileira.
Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observaremos
a grafia então utilizada.

HYDRO-AVIAÇÃO NA MARINHA
(RMB, abr./1914, p. 1.687-1.694)
Capitão de Corveta M. C. Gouvea Coutinho
Indubitavelmente é indispensavel essa hydroplanos e por isso estes são e serão os
nova especialidade na marinha de guerra, e esclarecedores por excellencia nas guerras
estamos certos de que, uma vez sanadas as navaes, do mesmo modo que os aeroplanos já
difficuldades administrativas, tratadas com o são nas guerras terrestres, em substituição
afinco pelas nossas autoridades dirigentes, se- á cavallaria e aos balões captivos.
rão iniciados os estudos praticos sobre tão util O argumento de tonelagem bruta ascen-
especialidade. Os elementos que entram já nos cional nos aeroplanos para transporte de
modernos hydroplanos de guerra os tornam passageiros dá-nos uma prova bastante se-
verdadeiras armas seguras de ataque e defesa gura do augmento rapido dos hydroplanos,
contra os torpedeiros e submersiveis e tambem porque, si actualmente um aeroplano pode
futuramente contra os proprios couraçados. conduzir cerca de 20 passageiros deslocando
As velocidades dos esclarecedores (scouts) em sua ascenção cerca de tres toneladas bru-
e cruzadores ficam muitissimo aquem da dos tas, um hydroplano poderá igualmente dis-
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

pôr de identicas vantagens, transportando Além destas considerações principaes so-


não só todo o material bellico preciso, como bre a superioridade da nova arma, temos a
tambem o pessoal sufficiente para sua tripu- accrescentar o factor moral que influirá cer-
lação completa. tamente como influiram os factores moraes
Como avisadores e esclarecedores, tendo provenientes dos torpedos e minas e como
a tripulação necessaria e podendo carregar influirão ainda os dos submarinos e submer-
maior peso, os apparelhos apropriados para siveis nas lutas navaes da actualidade.
signaes poderão ser muito mais completos Tambem na paz essa nova arma poderá ser
e perfeitos e as communicações, portanto, de muito grande utilidade quando empregada
mais seguras e mais rapidas. como esclarecedora no serviço de soccorro ma-
E assim sendo, uma esquadra inimiga, ritimo: porque poderá informar com presteza
por exemplo, que, devido a elles, ficar com os logares dos sinistros, levando alento aos
seus planos de ataque frustrados terá como que correrem risco de vida, concorrendo assim
prejuizo, pelo menos, na melhor hypothese, para mais segura e prompta salvação.
um consumo maior de munições vitaes nas Um pessoal bem exercitado nessa nova
guarnições e navios pelo augmento de tempo arma, por mais diminuto que seja, tendo em
em evoluções para novo plano, arriscando-se suas mãos bons apparelhos, virá concorrer
a um contra-ataque por parte da rival, o que para o poderio de sua esquadra e, portanto,
será um grande desastre, mesmo em igualda- de sua nação.
de de forças, caso seja atacada de surpresa. (...)

SOCCORRO MARITIMO
(RMB, abr./1914, p. 1.707-1.713)

Ninguem poderá deixar de conceder a tricidade medica do hospital da marinha, por


maior attenção e toda a sympathia a tudo elle mesmo fundado em 1899.
quanto se prenda ao nobre, alevantado e al- Bastante mais do que nossos conceitos,
truistico intuito de offerecer o maximo de ga- devem valer os encomiasticos pareceres da-
rantia a quem tenha de arriscar-se aos azares dos sobre o Systema de Salvamento e Soc-
do mar. No numero desta Revista correspon- corro Maritimo do dr. Cadaval, pela inspec-
dente a fevereiro ultimo occupou-se desse mo- toria de engenharia naval e pelo engenheiro
mentoso assumpto o nosso distincto collega director de construcções navaes, nos quaes
capitão de corveta Gouvea Coutinho; e hoje pareceres qualificam o humanitario invento
temos o maior prazer de vir de alguma forma de: ultima palavra em soccorro maritimo.
secundal-o, apresentando aos nossos habitua- Vamos tentar descrever per summa capi-
es leitores o “Systema de Salvamento Mariti- ta esse systema de salvamento e soccorro ma-
mo e de Soccorro”, do nosso illustre collabora- ritimo, systema que, segundo nos informam,
dor e um dos mais conspicuos ornamentos do pretende o seu illustre autor offerecer, por
corpo de saude da armada, o dr. José Ribas intermedio do ministerio da marinha ou do
Cadaval, actual director do gabinete de elec- presidente da Republica, em nome do povo

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

brazileiro, ao egregio presidente da Liga qualquer um dos tres elementos que o com-
Universal de Salvamento Maritimo, S. M. põem para ficar desde logo estabelecida a
o imperador Guilherme II. sua coordenação e technica de utilisação.
Afim de dar uma idéa perfunctoria São os seguintes:
sobre o alludido Systema, basta estudar (...)

INTRODUCÇÃO AO RELATORIO DO SR. MINISTRO DA MARINHA


(RMB, mai./1914, p. 1.743-1.764)

Exmo. Sr. Presidente da Republica: Tendo já desempenhado essas funcções


Tenho a honra de, nos termos do artigo durante um quatriennio, não me era extra-
51 da nossa Constituição, apresentar-vos nha a ardua tarefa que teria diante de mim
o relatorio das principaes occurrencias no acceitando-o.
Ministerio a meu cargo durante o anno Entretanto, não hesitei um só momen-
findo, e bem assim expôr-vos o meu modo to em acceder ao vosso appello para ainda
de pensar sobre muitas questões que se me prestar serviços á Republica, empregando os
afiguram de importancia para a vida da meus esforços e a minha experiencia em pról
Marinha Nacional. da classe á qual me orgulho de pertencer.
Na Europa, no desempenho da commis- Em 2 de agosto entregou-me o Sr. Gene-
são com que me distinguistes em 1910, fui ral Vespasiano de Albuquerque a direcção
por vós chamado em objecto de serviço, em dos negocios da Marinha, a qual elle exer-
julho do anno passado. cera, embora em um curto espaço de tempo,
Em cumprimento á ordem recebida, dias com o mesmo elevado criterio e proficiencia
depois embarquei para esta Capital. Aqui com que superintende os da Guerra.
chegando, era grave o estado de saude do É-me grato consignar aqui ter concorrido
illustre Sr. Almirante Belfort Vieira, e in- a sua passagem pelo Departamento da Ma-
terinamente exercia o cargo de ministro da rinha para estreitar, si possivel, ainda mais
Marinha meu distincto collega Sr. General os laços de solidariedade que devem unir es-
Vespasiano de Albuquerque. sas duas classes irmãs e encarregadas ambas
Aprouve ao vosso criterio honrar-me com de uma mesma missão.
o convite para assumir as funcções de vosso (...)
Secretario na pasta da Marinha. Vice-Almirante Alexandrino Faria de Alencar

TRÊS MORTOS ILLUSTRES


(RMB, jun./1914, p. 1.953-1.958)

OS ALMIRANTES PINHEIRO A mão da fatalidade como que se tem


GUEDES, ARTHUR DE JACEGUAY E comprazido em pesar fortemente nestes ulti-
POLYCARPO DE BARROS mos tempos sobre a nossa Marinha de guer-

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ra, recahindo de preferencia a sua nefasta varios titulos, eminente, a quem a patria deve
escolha sobre diversos officiaes das mais al- inolvidaveis serviços na paz e na guerra.
tas graduações. A sua perda é extremamente sensivel
Assim é que, não satisfeita ainda com as para todos os corações patrioticos. O seu pa-
vidas ainda ha pouco ceifadas, acaba de ar- pel na guerra do Paraguay foi o de um heroe,
rebatar-nos quasi simultaneamente nada me- e a sua carreira de marinheiro constitue uma
nos de tres almirantes dos mais estimados da longa serie de serviços meritorios prestados
classe, e cujos nomes aqui citamos pela ordem com intelligencia e com a maior dedicação.
em que se foram da vida: Pinheiro Guedes, De sua longa e brilhante fé de officio,
Arthur de Jaceguay e Polycarpo de Barros. que pode ser comparada ás dos mais notaveis
Si bem que differentes no seu valor pes- officiaes de qualquer outra marinha, copia-
soal e na somma de serviços prestados á Ma- mos o seguinte:
rinha e á Nação, a ponto de ser difficil es- O almirante Arthur Silveira da Motta
tabelecer uma justa comparação entre estes, (Barão de Jaceguay) era filho legitimo do con-
os enfeixamos comtudo nesta mesma lutuosa selheiro e senador do Imperio José Ignacio Sil-
noticia, como igualmente dignos dos senti- veira da Motta e natural da provincia de S.
mentos de verdadeiro pesar que nos causa- Paulo, tendo nascido em 26 de maio de 1842.
ram os seus fallecimentos. Entrou para a Marinha em 4 de março
Afastados embora, desde algum tempo já, de 1858, com praça de aspirante a guarda-
do serviço activo da Armada, o primeiro sim- marinha.
plesmente pela pertinaz molestia que acaba Por aviso da Secretaria de Marinha, foi
de victimal-o – pois que ainda fazia parte elogiado em 10 de junho do mesmo anno,
do quadro activo – e os outros dois por já pelos serviços prestados na extincção de um
se haverem reformado, nem por isso nos são incendio na rua da Saude.
menos sensiveis a sua perda e a grande la- Embarcou no lúgar Maranhão a 4 de
cuna que nos deixa o seu desapparecimento. dezembro e foi em viagem de instrucção até
Como merecida homenagem aos seus me- Montevidéo, de onde regressou em 18 de feve-
ritos excepcionaes lhes consagramos hoje as reiro de 1859, desembarcando no mesmo dia.
primeiras paginas da presente Revista, sen- Em 10 de dezembro embarcou na corveta
tindo ter de restringir-nos ao simples histori- Jequitinhonha, em viagem de instrucção, e re-
co de suas vidas militares, por completa defi- gressou em 1 de fevereiro de 1860. Foi promo-
ciencia de tempo e, sobretudo, da capacidade vido a guarda-marinha em 30 de novembro.
literaria indispensavel para devidamente Em 7 de fevereiro de 1861 passou para a
engrinaldar seus nomes com a profusão de corveta Bahiana, indo á Europa em viagem
flores de que tão dignos se tornaram. de instrucção, sendo ao regressar approvado
(...) plenamente em todas as materias do 4o anno.
Almirante Arthur de Jaceguay Passou para a corveta Beberibe em 19 de
No dia 9 de junho, falleceu em sua resi- junho, indo á Bahia, de onde passou para
dencia, nesta capital, o almirante reformado a corveta Dois de Junho. Teve successiva-
Arthur de Jaceguay, uma das maiores glorias mente embarque no vapor Cruzeiro do Sul,
da nossa Marinha de guerra e cidadão por brigues Itamaracá e Ypiranga, navio este em

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que foi a Fernando de Noronha. Regressan- zú, em 1, 2 e 3 de setembro, e em Curupaity,


do ao Recife, passou para a escuna Fidelida- a 22 do mesmo mez.
de, onde servio de immediato. Em officio de 6 de setembro do chefe de
Foi promovido a 2 tenente em 22 de
o
divisão Elisiario Antonio dos Santos ao al-
dezembro de 1862 e a 1o tenente em 28 de mirante Tamandaré, foi elogiado pelo san-
novembro de 1863. gue frio com que atracou o escaler, trazendo
Tomou parte, a bordo da canhoneira Mea- ordens, na occasião em que o Lima Barros
rim, no bloqueio do porto do Salto Oriental, até era attingido por uma bala.
se dar a capitulação da cidade ás forças com- Deixou de ser ajudante de ordens do al-
mandadas pelo general D. Venancio Flores. mirante Tamandaré, quando este se retirou
Foi secretario e ajudante de ordens do al- do Apa em Montevidéo, regressando ao
mirante Tamandaré, commandante em chefe theatro da luta. Foi promovido a capitão-
das forças navaes em tenente em 21 de ja-
operações no Rio da neiro de 1867. Foi-lhe
Prata em 1865. conferida a medalha
Assistio ao sitio creada pelo decreto n.
e rendição dos pa- 3.468, de 8 de maio de
raguayos em Uru- 1865, commemorativa
guayana, em 18 de da Campanha Oriental,
setembro do mesmo em que tomou parte a
anno, a bordo do bordo da Mearim, como
Onze de Junho, onde 1o tenente. Obteve a
estava hasteada a in- medalha commemorati-
signia do almirante. va na rendição de Uru-
Tomou parte do re- guayana.
conhecimento hydro- Foi designado em
graphico do Alto 30 de setembro para
Paraná, desde Tres Almirante Arthur de Jaceguay commandar a canho-
Bocas até Itaty, sen- neira Ivahy, nomeação
do hostilisado pelo forte paraguayo de Ita- que ficou sem effeito por ter sido requisitado
pirú. Foi elogiado por este motivo. Tomou pelo Marquez de Caxias, afim de ficar á sua
parte, a bordo do Lindoya, no combate com disposição, desembarcando a 6 em Curuzú.
o forte de Itapirú e uma chata paraguaya. Foi nomeado Cavalleiro da Ordem do
Transmittio ordens aos navios em comba- Cruzeiro.
te a 25 e 26 do mesmo mez. Assumio o commando do couraçado Bar-
Tomou parte nos bombardeios de 16, 17 e roso, e neste navio forçou as baterias de Hu-
18 de abril, a bordo do Ypiranga, em Passo maytá em 19 de fevereiro de 1868. Recebeu a
da Patria (Alto Paraná). promoção a capitão de fragata em 8 de julho
Foi louvado em ordem do dia do com- do mesmo anno. Foi promovido a dignitario
mandante em chefe da esquadra, pelo modo da Ordem do Cruzeiro, pelos serviços presta-
como se portou no ataque ao forte de Curu- dos nessa passagem.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Foi promovido a capitão de mar e guerra titulo de Barão de Jaceguay e nomeado com-
em 2 de dezembro de 1869. mandante em chefe da esquadra de evoluções.
Commandou a corveta Nictheroy em via- Foi dispensado do commando em chefe
gem ao cabo da Boa Esperança. Foi membro da esquadra em evoluções em 16 de novem-
do Conselho Naval. Foi nosso addido mili- bro, por ter sido esta dissolvida.
tar em Londres. Foi membro da commissão Por decreto de 25 de junho foi agraciado
de vistoria no couraçado Independencia, que com a Grã-Cruz da Real Ordem Militar Por-
era apontado como defeituoso. tugueza de S. Bento de Aviz.
Foi-lhe ordenada em 7 de março de 1887 Reformou-se, a pedido, no posto de vice-
a compra da artilharia para a corveta Gua- almirante, em 31 de outubro de 1887.
nabara e canhoneira Parnahyba. Deu pare- Era possuidor da medalha commemorati-
cer favoravel á substituição da artilharia do va da guerra do Paraguay.
couraçado Independencia, sendo approvado Em 1896 foi nomeado director da Biblio-
esse seu parecer. theca e Museu da Marinha.
Fez importantes estudos sobre assump- Foi louvado pelo desempenho que deu
tos relativos ao meio de evitar o escapamen- á commissão para que foi encarregado de
to dos gazes da polvora entre o projectil e a homenagear a divisão chilena commanda-
alma da peça, e propoz a construcção de um da pelo almirante Goni, que nos visitou
pequeno canhão, em que fosse introduzido o em 1897.
melhoramento que apresentou. Em 28 de abril de 1899, foi de novo no-
Foi promovido em 1878 ao posto de chefe meado director da Bibliotheca e Museu da
de divisão. Marinha.
Foi nomeado em 9 de agosto de 1879 mi- Em 10 de outubro 1900 foi reintegrado,
nistro plenipotenciario na China. no posto de vice-almirante, no serviço activo
Fez a viagem de circumnavegação da da Armada, sendo nomeado director da Es-
corveta Vital de Oliveira, em outubro do cola Naval em 14 do mesmo mez.
mesmo anno, com destino á China, onde che- Em 31 de outubro de 1902 foi promovido
gou a 27 de junho do anno seguinte. a almirante.
Em 29 de agosto do mesmo anno de 1880 Em 2 de abril de 1907 foi nomeado direc-
foi nomeado inspector do Arsenal de Marinha. tor da Repartição da Carta Maritima.
Foi promovido a chefe de esquadra em 3 Foi o ultimo cargo exercido pelo illustre al-
de março de 1883. mirante, no qual prestou os mais assignala-
Em 21 de março de 1884, teve permissão dos serviços, determinando o balisamento de
para usar a insignia da ordem da Aguia Ver- portos e construindo pharóes e postes illumi-
melha de 2a classe com que foi agraciado pelo nativos ao longo da nossa costa, sendo tam-
rei Guilherme da Prussia, em attenção aos bém durante a sua direcção no referido cargo
serviços prestados á corveta allemã Olga, levantadas varias plantas hydrographicas.
então em nosso porto. Reformou-se a 15 de fevereiro de 1911,
Foi exonerado, a pedido, do cargo de ins- contando mais de 48 annos de serviço.
pector do Arsenal, em 19 de agosto do mesmo Terminando a necrologia do illustre al-
anno e na mesma data foi agraciado com o mirante, transcrevemos a ordem do dia do

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Estado Maior da Armada, participando o raguay, em cujas operações tomou parte


lutuoso acontecimento: notavel, desde o bloqueio e capitulação
“Cumpro o doloroso dever de participar do Salto Oriental até os ataques aos
á Armada que succumbio hoje, á 1 hora da fortes de Itapirú, Curuzú, Curupaity e
manhã, nesta capital, o almirante reformado finalmente Humaytá, cuja passagem foi
Arthur de Jaceguay. o primeiro a forçar com galhardia, como
Com a morte desse pranteado chefe perde commandante do couraçado Barroso, fei-
a nossa Patria um dos seus melhores servido- tos que lhe valeram galgar rapidamente
res, e a Marinha um de seus membros mais em plena juventude todos os postos supe-
illustres e valorosos. riores da carreira; quer como marinheiro e
Na longa serie das multiplas e variadas administrador; quer tambem como cultor
commissões de destaque de que foi incumbi- da palavra escripta, cujas lettras patri-
do, constantes da sua brilhante fé de officio, cias enriqueceu: deixa o saudoso almi-
evidenciou sempre em alto gráo a sua compe- rante o seu nome gravado indelevelmente
tencia profissional e os vastos conhecimen- nas paginas da nossa historia. – Gustavo
tos que possuia. Antonio Garnier, vice-almirante, chefe
Cheio de serviços, quer como comba- do Estado Maior da Armada”.
tente nas campanhas do Uruguay e Pa- (...)

MISCELLANEA

MAIO – 1914 A proxima abertura do canal do Panamá


acabou por convencer a Europa da necessi-
A GRANDE PROPAGANDA – As dade de um novo caminho para o Pacifico,
communicações rapidas e regulares entre a passando pelo centro da America Latina,
Europa e a America Meridional, ideadas de sem o que todo o commercio mundial seria
ha muito e com rara persistencia, propugna- tributario de um só povo, o norte-americano.
das pelo nosso illustre compatriota e cama- Isso mesmo vem, ha mais de vinte annos,
rada, commandante Luiz Gomes, vão entrar pregando o esforçado propagandista sr. Luiz
em uma phase de novo e energico impulso, Gomes, pelas columnas do Jornal do Brasil,
sob a denominação de “A grande propagan- mas só agora é que se apercebem do perigo.
da”, segundo acabamos de ler em um de nos- A luta travada no Congresso de Wa-
sos jornaes matutinos, de que são extrahidas shington, para isentar de taxas a cabotagem
estas linhas: norte-americana, no canal, contra aliás a
“Os jornaes da Europa, com especialida- opinião do honrado presidente Wilson, por-
de os da Allemanha, vêm ultimamente fa- que elle reconhece que isso fere de frente o
zendo um apello directo ao sr. Luiz Gomes, tratado anglo-americano Kay Pauncefot, é
para não deixar esmorecer o seu ideal, pre- uma das provas mais eloquentes de que o ca-
gado desde o inicio da Republica, com rara nal ficará monopolisado pelos que tiveram a
tenacidade e talento. fortuna e o tino de podel-o executar.

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A Europa não se faz mais illusões. mandante Luiz Gomes, sobre o seu ideal
Quanto a nós, isto é, aos sul-americanos, da E. F. Transcontinental.
a nossa contemporisação, a nossa indiffe- Esse plano gigantesco da arteria equato-
rença ante a campanha de progresso, a luta rial do Recife ao Pacifico está sendo agora
altruistica do sr. Luiz Gomes, o nosso proce- estudado seriamente pelo sr. ministro da
der ainda é mais estranhavel. Viação, e ainda a 2 do corrente s. ex. ouvio
O plano do sr. Luiz Gomes é de uma con- attentamente e por longo tempo o propagan-
cepção vasta e elle atirou-o á publicidade, dista, que offereceu ao ministro preciosas
desde o advento do regimen republicano. informações e dados.
Os portos extremos dos dois continentes, Sabemos que foi motivo da conferencia
isto é, Recife e Cadiz, seriam apparelhados a leitura de um estudo substancioso, feito
de docas, e a estrada de ferro, partindo do pelo eminente engenheiro francez Eduardo
Pacífico, vincularia rapida e directamente a Quéllennec, e que o sr. Luiz Gomes obtivera,
America do Sul e a Europa. para ser officiosamente apresentado ao nos-
A luta diaria, por annos e annos, do sr. so governo.
Luiz Gomes pelas docas de Pernambuco e Aquelle profissional francez, depois de
Cadiz, é um facto inapagavel e a proxima salientar ponto por ponto as vantagens da
inauguração desses emprehendimentos vem arteria equatorial e de considerar altamente
pôr mais em evidencia a necessidade de com- remunerativo o traçado, diz textualmente
pletar o seu plano genial com a construcção que se considerará muito feliz si for chama-
da E. F. Transcontinental. do a elaborar na sua execução.
Executado esse plano na integra, então Realmente esse projecto grandioso do
sim, este seculo será o seculo da America La- nosso patricio faz-nos recordar o que ocor-
tina. O eixo do mundo passará a ser na linha reu na America do Norte, quando se tratou
meridiana das Americas. da construcção da sua arteria equatorial ou
As dez nações que compõem o continente seja de New York a S. Francisco.
sul-americano terão nessa arteria equatorial Foi o presidente Abraham Lincoln que
o seu indestructivel laço de união e a vida de referendou, a 1 de julho de 1862, o decreto
cada uma dessas unidades politicas vibrará autorisando a construcção dessa linha.
intensa no coração das outras. A sua extensão seria de 6600 kilometros
O sr. Luiz Gomes, neste momento, por e o praso calculado para a construcção de 14
um appello muito suggestivo das Republicas annos, isto é, até 1876. Pois sete annos an-
latino-americanas, vae dar um grande im- tes, em 1869, já estava prompta, e a America
pulso, uma nova fórma á sua propaganda, do Norte poude ter então a visão nitida do
e o ‘fac-simile’ de um novo postal que junto seu portentoso futuro.
publicamos é uma prova do ser esforço para A linha foi construida simultaneamente
‘A grande propaganda’.” pela ‘Union Pacific-Railroad’, partindo de
* Omaha, no territorio de Nebraska, a léste,
“Como já dissemos, entrou em uma até Ogden no territorio de Utah; e a ‘Cen-
phase verdadeiramente febril ‘a grande tral Pacific Railroad’, de Ogden a Sacra-
propaganda’ do nosso compatriota com- mento, na California.”

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

O correspondente do Jornal do Com- que identifica os raios electricos com os lumi-


mercio escrevia de Londres, nessa occa- nosos. Por essa propriedade, construio-se o
sião: ‘A direcção que a linha segue é quasi telephone sem fios que, num raio de 30 a 40
uma recta para o occidente, entre os para- kilometros, é já uma conquista aproveitada
lelos de latitude 41º e 42º até chegar a Ro- pelas administrações de guerra.
cky Mountains, e ali se inclina um pouco A televisão em estudos não tardará a vir.
para o sul e segue entre os parallelos 40º e E será, não a transmissão só da photo-
41º até o rio Humboldt, em Nevada, onde graphia, mas da propria imagem animada,
toma o rumo de sudoeste para Carson real, o que será um assombro.
City, unindo-se á Estrada de Ferro Cen- Um quadrado, uma cruz, já se conseguio
tral do Pacifico, na California’.” transmittir sem fios.
Sabe-se igualmente que essa propriedade
A TELEVISÃO – A transmissão sem magica de transformar luz em electricidade
fio das ondas luminosas, da photographia não é privativa do selenio. Outros corpos,
da imagem luminosa, segundo recentes a fuligem por exemplo, igualam nisso ao
communicados, não está longe de assom- curioso metal.
brar o mundo. As almas do outro mundo, as apparições
As propriedades magicas do selenio per- fantasticas e outras surpresas vão, pois, cair
mittem esperal-o. Este curioso metal, quando no mundo da sciencia real, e então quem vi-
recebe luz, restitue electricidade em quanti- ver se familiarisará com todas essas coisas
dades rigorosamente proporcionaes, mysterio que nos parecem ainda sobrenaturaes.

NOTICIARIO MARITIMO

ABRIL – 1914 tado desta capital; considerando ainda que


o edificio da Escola de Grumetes, na ense-
MARINHA NACIONAL ada da Tapera, tem vastas accommodações
e dispõe de conforto incomparavelmente
TRANSFERENCIA DA ESCOLA superior ao do predio em que está installa-
NAVAL – Por decreto de 15 de abril foi da a Escola Naval, na ilha das Enxadas;
transferida a Escola Naval da ilha das En- considerando, finalmente, que os alumnos
xadas para a enseada da Tapera, hoje ensea- deste estabelecimento muito lucrarão com
da “Almirante Baptista das Neves”. as condições climatericas daquelle local:
Precederam o decreto as seguintes resolve transferir a referida Escola para a
considerações: enseada acima citada.”
“Attendendo ao que lhe expoz o ministro O sr. almirante Alexandrino de Alencar,
de estado da Marinha e considerando que, ministro da Marinha, ao submetter á assig-
em beneficio do ensino e da disciplina, é de natura do sr. presidente da Republica o re-
toda a conveniencia o afastamento da Es- ferido decreto, entregou ao chefe da nação a
cola Naval do centro populoso e movimen- seguinte exposição de motivos:

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

“Exmo. Rr. Marechal Presidente da que se encontram ali, em acanhados e escu-


Republica ros gabinetes e officinas.
Por decreto de 25 de fevereiro proximo As accommodações para o pessoal su-
passado, V. Ex., usando de autorisação balterno são de uma exiguidade intolera-
dada pelo Congresso, approvou e mandou vel; não ha como conseguir moradia para
executar o novo regulamento para a Esco- os officiaes da Escola; o ancoradouro
la Naval que, naquella mesma data, tive a onde devem ficar fundeados os navios ao
honra de submetter á sancção de V. Ex. serviço do estabelecimento está dispos-
No texto desse regulamento foram in- to de modo a perturbar o trafego publi-
cluidas a disposições e um programma de co; emfim, Sr. Presidente, a menos que se
ensino, que eu acredito capazes de produ- queira despender uma somma em dinheiro
zir a transformação completa e radical de respeitavel, coisa que o estado actual não
que carece, no momento presente, o mais comporta, urge quanto antes tomar uma
importante dos institutos de educação e decisão definitiva a este respeito. Nesse
instrucção militar maritima que possuimos sentido, convencido como estou de que a
actualmente em nosso paiz, comtanto que, Escola tal como está não corresponde ás
como medida complementar e necessaria, o novas exigencias do serviço naval, lembro
governo não se descure nunca dos meios de a V. Ex. o alvitre de transferil-a para o
trazel-o sempre convenientemente installa- grande edificio que está construindo na
do e em edificio de capacidade e extensão enseada da Tapera para escola de grume-
sufficientes a permittir facilmente a dis- tes, e onde eu creio que ella fique admira-
pendiosa accommodação de grande numero velmente installada.
de accessorios que hoje são indispensaveis Elle tem capacidade bastante para con-
ao perfeito funccionamento de estabeleci- ter tudo quanto se necessita para a instuc-
mentos desse genero. ção technica e profissional dos aspirantes;
Infelizmente, Sr. Presidente, sob este foi construido e está sendo terminado de
ponto de vista, sou obrigado a informar a V. accordo com o que preceitua a hygiene mo-
Ex. que a nossa Escola Naval não está ab- derna; tem officinas e usinas para o forne-
solutamente mais em condições de se prestar cimento de luz electrica; a área do terreno
aos fins para o que foi destinada. em que está situado é bastante espaçosa e
Os edificios e demais dependencias em comporta tanto os exercicios a que me re-
que funcciona carecem de reparos serios e ur- feri, como permitte a formação de magni-
gentes, os quaes me parecem inadiaveis, si se ficos parques para recreio dos alumnos; as
quizer dar aos alumnos um conforto ainda suas installações sanitarias são de primeira
que um tanto relativo. ordem, e a agua corre em abundancia por
É muito grande o estado de deterioração todas as dependencias do estabelecimen-
que se nota na cobertura e paredes de todos to. Nas suas proximidades, para o lado do
elles, e isso contribue bastante para tornal- morro do Bomfim, já existem casas apro-
os muito humidos, e portanto, muito preju- priadas á moradia dos officiaes e pessoal
diciaes á saude dos alumnos, á conservação da administração, e si o Governo quizer, e
dos preciosos instrumentos e machinismos quando o consintam as nossas circumstan-

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

cias financeiras, a caminho do morro de S. Em vez da náo ‘D. Pedro II’ ou fra-
Bento poderão ser construidas outras tan- gata ‘Constituição’, já improprias para
tas para os professores da Escola, que as os trabalhos de viagem, poderia ter sido
alugarão por preço modico. um outro o navio escolhido para séde da
Á frente principal do edificio corre uma Escola, navio este que caberia receber or-
avenida de 17 metros de largura, a qual é dem de navegar e fundear onde quer que
limitada pelo lado do mar por um caes e pa- se lhe mandasse.
rapeito de cimento armado, com um desen- Quanto á supposta inamovibilidade que
volvimento de mil e duzentos metros; ligada os docentes vitalicios pensem em allegar
a este caes ha uma ponte de atracação para contra este acto de V. Ex. em pról dos inte-
os serviços da Escola, que tem 92 metros de resses da Marinha, não creiam possam elles
comprimento e 7 de largura, dando calado basear-se em nenhum fundamento juridico,
até 14 pés. e nem haver magistrado que lhe dê ganho de
O fundeadouro é safo e permite facilmen- causa, no caso de se apresentarem em juizo a
te o movimento dos navios que forem desti- pleitear essa especie de direito.
nados para os trabalhos do estabelecimento. O governo continua a consideral-os vita-
Não ha disposição de lei, Exm. Sr. Presi- licios e inamoviveis no exercicio dos cargos
dente, que impeça semelhante transferência, que têm na Escola; e tanto assim é que, uma
que, si for agora levada a affeito por V. Ex., vez que seja decretada a sua transferencia,
grandes e reaes beneficios trará para os ser- fornecerá a todos elles, como aos demais, os
viços da Armada. meios de se poderem transportar logo para a
Desde o alvará de 5 de maio de 1808, em nova séde do estabelecimento, de onde abso-
que o Visconde de Anadia, então ministro lutamente não se os poderá afastar por mo-
da Marinha, e em nome do Principe Regente, tivo mesmo dessa inamovibilidade que é, de
mandou estabelecer a Academia, hoje Escola facto, inherente ao cargo ou á funcção que
de Marinha, nas hospedarias dos Religiosos ahi exercem.
Benedictinos, no Mosteiro de S. Bento, até o O corpo docente continuará no goso dos
regulamento actualmente em vigor, não ha, direitos, regalias e vantagens que lhe assegu-
não se encontra um só artigo, uma só clau- ra o regulamento ora em vigor, e o governo
sula que determine a obrigatoriedade da séde não foge ao dever de assegurar isso que lhe
da Escola aqui no porto ou na cidade do Rio compete por lei.
de Janeiro. Não ha mudança, não ha alteração de or-
Estabelecida em terra primeiramente; dem alguma naquillo que lhe compete, embo-
depois transferida para bordo da náo ‘D. ra a escola mude de séde: na Tapera, aqui no
Pedro II’; passada depois para terra nova- Rio, ou em qualquer outro lugar para onde o
mente, no largo da Prainha, e em seguida Governo a transfira, elle continuará, como
mandada para bordo da fragata ‘Constitui- sempre, em plena posse de tudo quanto a lei
ção’; transferida outra vez para terra, no lhe garante.
Arsenal, e dahi para a ilha das Enxadas, Sem fundamento algum, os interessados
ella tem funccionado sempre como e onde em não se afastarem aqui da capital dizem
tem determinado o Governo. haver uma série de inconvenientes na mu-

222 RMB2oT/2014
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

dança da Escola Naval para a enseada da Uma vez que esteja feita a mudança da
Tapera, e entre estes apontam como sendo de escola, os negociantes de Angra serão os pri-
maior importancia os que se referem: meiros a fazer provisão – farta e boa – de
1o, a difficuldade de se encontrar na tudo quanto precise esta nova clientella.
localidade, ou em Angra dos Reis, casas O porto de Angra dos Reis está ligado
em numero sufficiente para moradia dos ao porto do Rio de Janeiro quasi que quo-
professores e grande parte do pessoal da tidianamente por vapores do Lloyd e por
Escola, pelo menos até que o governo or- um grupo de pequenas embarcações á vela e
dene as construcções que projecta nesse a vapor pertencentes a outras companhias
sentido; nacionaes.
2o, ao perigo, demora e fadiga nas via- Veja agora V. Ex. quaes as convenien-
gens successivas a que serão forçados aquel- cias que poderão provir para o Estado com a
les que obtenham consentimento para ir ao mudança da Escola.
estabelecimento unicamente nos dias em que A educação e a instrucção dos aspirantes,
tiverem de dar lição; bem como a manutenção da disciplina entre
3o, ao afastamento dos professores civis, elles, tornar-se-ão mais proficuas, mais cui-
que hão de procurar por todos os meios evi- dadas e menos arduas, uma vez que ali não
tar a perda dos seus interesses naturalmente existam as causas externas que no centro das
muito ameaçados por essa mudança; grandes cidades costumam pertubal-as ou,
4o, finalmente, á difficuldade de encon- pelo menos, difficultal-as.
trar recursos, mórmente os de alimentação, Longe das distracções perigosas e per-
para o grande numero de familias que natu- niciosas que se encontram commummente
ralmente tem de acompanhar os seus chefes, nesses centros, tanto os alumnos como os
após essa mudança. professores, ver-se-ão forçados a cuidar ex-
Nada disso é exacto. clusivamente daquillo que for concernente
Angra dos Reis é uma cidade em decaden- aos estudos e aos seus deveres.
cia, e de onde, portanto, a população tende A vigilancia e a solicitude dos officiaes
sempre a decrescer; tem para mais de 338 ca- e professores, sendo assim sempre constan-
sas terreas e cerca de 76 sobrados, dos quaes tes, não será mais possivel negar que com o
uns trinta são bastante confortaveis. aproveitamento dessas, aliás, preciosissimas
A viagem até á Tapera não é tão fati- qualidades do seu corpo de ensino e pessoal
gante como parece; em menos de tres horas é da administração, não seja certo o lucro que
possivel fazel-a; metade deste tempo gasta- se ha de provir ao espirito de ordem, á ca-
se para ir a Itacurussá, pela estrada de ferro, pacidade para o trabalho e á applicação ao
e a outra metade vai-se a vapor desse porto á estudo que se querem hoje ininterruptos, a
enseada onde está a Escola. cada um dos aspirantes de per si.
Os professores civis serão facilmente O estado de saude dos alumnos, em geral,
substituidos por militares ou outros que lucrará muito com essa mudança.
não tenham receio das difficuldades de tra- A área em que está collocada a Escola
vessias por mar, ou que não tenham outros tem extensão mais que sufficiente para os
interesses a perder. exercicios militares e sport do corpo de alu-

RMB2oT/2014 223
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

mnos; ella tem superficie e accommodações mais ninguem que não se renda á evidencia
apropriadas á installação dos apparelhos, dos fortes e persuasivos argumentos que, nes-
machinismos e officinas que porventura se ta ligeira exposição, eu tenho a honra de sub-
julguem uteis para ministrar aos alumnos metter á justa consideração de V. Ex.
toda essa série de conhecimentos praticos A Escola Naval, Exm. Sr. Presidente,
de que tanto necessitam para comprehen- não deve ser considerada somente como um
são facil dos phenomenos que, em aula, os centro de estudos technicos proprio para a
professores lhes expliquem. formação da nossa officialidade do mar;
Todas as escolas de marinha dos paizes ella deve tambem ser considerada como um
em que se cuida com interesse destas ques- verdadeiro templo de civismo, em que a todo
tões que se prendem á instrucção da officia- momento se ministre ao corpo de alumnos
lidade estão sempre situadas longe de suas o amor, o respeito e o devotamento ás mais
capitaes, e em logares onde seja possivel e fa- bellas qualidades que ornam a alma huma-
cil se obterem as condições de tranquilidade na: bravura, calma no perigo, dedicação pelo
a que acima me referi. cumprimento do dever,
Na Inglaterra os sentimento de justiça,
estabelecimentos de A Escola Naval não deve ser grandeza de alma e
educação estão em considerada somente como um sacrificio de vida pela
Osborne e Darmouth; centro de estudos technicos felicidade da Patria.
nos Estados Unidos Todas essas virtu-
em Annapolis; na proprio para a formação da nossa des o bravo contra-
Austria em Fiume; e officialidade do mar; ella deve almirante Baptista das
na Italia em Livor- tambem ser considerada como um Neves as enfeixava em
no, pontos estes todos seu caracter diamanti-
completamente afas-
verdadeiro templo de civismo no; e como eu supponho
tados dos centros de chegado o momento
maior movimento desses paizes. opportuno para que o Governo, como uma
Accrescente-se a isso, Exm. Sr. Presiden- homenagem á corporação a que elle em vida
te, a constancia dos trabalhos diarios; as tanto honrou, lhe tribute um culto todo es-
manobras seguidas em escaleres ou lanchas pecial, que sirva, d’ora em diante, de exem-
a vapor; os exercicios graciosos em embarca- plo a esses que elle sempre amou, eu propo-
ções de recreio; a faina obrigatoria a bordo nho a V. Ex. que ao nome indigena com que
dos torpedeiros e navios em serviço da Es- até agora tem sido designada essa enseada,
cola, não interrompidos nunca, por falta de para onde desejo transferir a Escola Naval,
divertimentos que os animem á transgressão se substitua, desde já, o desse digno, inte-
do cumprimento de seus deveres; e, si consi- merato e illustrado companheiro de armas,
derar-se sobretudo o progresso e vantagens gloriosamente morto no convés do ‘Minas’
economicas que hão de resultar para a loca- em holocausto á disciplina, no cumprimento
lidade, com esse commercio e sopro de vida do mais nobre dos deveres militares.
nova que forçosamente lhe ha de trazer todo Sendo assim, Exm. Sr. Presidente, nada
esse movimento animador, não poderá haver mais me resta que solicitar a assignatura de

224 RMB2oT/2014
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

V. Ex. para o decreto que, junto a esta, te- funccionar a Escola Naval, passe a cha-
nho a honra de passar ás vossas mãos, e com mar-se “Almirante Baptista das Neves”.
promulgação do qual o Governo presidido
por V. Ex. terá, de certo, prestado á nossa MAIO – 1914
Marinha serviço dos mais assignalados.
Gabinete do Ministro da Marinha, 15 de MARINHA NACIONAL
abril de 1914.”
ESCOLA NAVAL – Convenientemente
ACQUISIÇÃO DE UM TRANSPOR- installada no novo edificio construido na
TE – Foi adquirido, depois de convenien- enseada Baptista das Neves, em Angra dos
temente examinado e vistoriado, o paquete Reis, começará a funccionar no dia 1o de ju-
Piratininga, destinado ao serviço de trans- nho, sob a direcção do sr. capitão de mar e
porte de carvão para a esquadra. guerra João Carlos Mourão dos Santos.
Este navio desloca 3000 toneladas e tem Uma divisão naval mixta, constituida
uma marcha media de 11 milhas. pelo navio escola Tamandaré, transporte
Incorporado ao serviço da esquadra nacio- Carlos Gomes, um contra-torpedeiro e o pa-
nal, passou a chamar-se “Sargento Albuquer- tacho Caravellas, ficará a disposição da Es-
que”, em homenagem ao valoroso sargento, cola para exercicios dos alumnos, facilitan-
victima de sua dedicação e lealdade durante do o ensino pratico das materias ensinadas
as tristes occurrencias de novembro de 1910. naquelle estabelecimento.

NOVO COURAÇADO – Estão em estu- MAIO – 1914


do na Inspectoria de Engenharia Naval os
planos e projectos para a construcção de um MARINHA NACIONAL
novo couraçado de 28 a 32.000 toneladas de
deslocamento e destinado a substituir o Rio INAUGURAÇÃO DO NOVO EDIFI-
de Janeiro, cedido ao governo ottomano. CIO DA ESCOLA NAVAL – No dia 1o de
Esses planos e projectos são da impor- junho inaugurou-se solemnemente, na ense-
tante casa ingleza Armstrong, de reputação ada Baptista das Neves, em Angra dos Reis,
mundial e que tem construido os melhores o novo edificio para onde foi transferida a
navios de guerra. Escola Naval, actualmente sob a direcção
do sr. capitão de mar e guerra João Carlos
JUSTA HOMENAGEM – Prestando Mourão dos Santos.
justa homenagem á memoria do contra-al- (...)
mirante Baptista das Neves, morto na noi-
te de 22 de novembro de 1910, por occasião INAUGURAÇÃO DA ESCOLA NA-
da revolta que se deu a bordo do couraçado VAL DE GUERRA – No mesmo dia 11
“Minas Geraes” e outros navios da esqua- de junho foi solemnemente inaugurada com
dra, resolveu o sr. ministro da Marinha que a presença do sr. presidente da Republica, a
a enseada da Tapera, em Angra dos Reis, Escola Naval de Guerra, installada no edi-
onde está situado o edificio em que vae ficio do Almirantado.

RMB2oT/2014 225
REVISTA DE REVISTAS

Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos leitores


matérias que tratam de assuntos de interesse marítimo, contidas
em publicações recebidas pela Revista Marítima Brasileira e pela
Biblioteca da Marinha.
As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas ao
acervo da Biblioteca, situada na Rua Mayrink Veiga, 28 – Centro
– RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO
COMEMORAÇÃO
Escola de Guerra Naval – Revista comemorativa do centenário (227)
APOIO
MODERNIZAÇÃO
Recebimento do oitavo MPA Orion modernizado (227)
ARTES MILITARES
JOGO DE GUERRA
As tendências dos jogos de guerra (227)
CIÊNCIA E TECNOLOGIA (C&T)
ELETRÔNICA
Reflexões sobre o Soft Power (228)
EDUCAÇÃO
PREPARO DO HOMEM
Fortalecendo nossa profissão naval por meio de uma cultura de desenvolvimento de líderes (228)
PODER MARÍTIMO
DIREITO
Regime jurídico do mar: A regulação das águas e Plataforma Continental no Brasil (229)
PORTO
Vale realiza primeiro teste com carga no maior navio mineraleiro do mundo em novo píer
no Maranhão (229)
POLÍTICA
POLÍTICA NACIONAL
Defesa: O Brasil em dois tempos (230)
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DIPLOMACIA
Cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) (231)
REVISTA DE REVISTAS

Escola de Guerra Naval –


Revista Comemorativa do Centenário
Vários autores
(Edição Especial, 25 de fevereiro de 2014)

Esta edição histórica da Revista da Esco- cesso de aprimoramento da instituição, esta


la de Guerra Naval resgata e registra grande edição contribui para o entendimento do
parte da trajetória da instituição que contri- processo evolutivo que a trouxe aos dias
buiu, ao longo de um século, para aprimorar de hoje como uma importante referência
e ampliar os conhecimentos de inúmeras para a Marinha e para o Brasil.
gerações de oficiais da Marinha do Brasil. Os testemunhos publicados incluem os
Ela apresenta a galeria completa dos de ex-diretores, instrutores, administradores
diretores deste primeiro centenário e o e professores civis. Constam também dois
resultado de pesquisa sobre a origem e o depoimentos especiais: um deles é o do Al-
nascimento da Escola, em 1914, de au- mirante Américo Vieira de Mello, aluno da
toria do CMG (RM1) Francisco Eduardo segunda turma da Escola, em 1915, extraído
Alves de Almeida. Além disso, por meio de suas Memórias, e o outro é de autoria do
de depoimentos que retratam os desafios Almirante Helio Leoncio Martins, que foi
vivenciados em diferentes épocas no pro- instrutor da Escola em 1953 e 1954.

Recebimento do oitavo MPA Orion modernizado


(Revista General de Marina, Espanha, janeiro/fevereiro 2014, Tomo 266, p. 148)

Segundo esta notícia, o Brasil recebeu, ficação por radar e de um novo sistema Flir
em 23 de dezembro passado, o oitavo avião (Forward Looking Infrared).
de patrulha marítima (MPA) P-3 Orion A aeronave, segundo finaliza a ma-
modernizado para o padrão AM. téria, após seu regresso ao Brasil será
Essa aeronave, que possui matrícula empregada em missões de vigilância e
FAB 7205, recebeu modernizações inte- proteção da Zona Econômica Exclusiva e
grantes do contrato existente com a fábrica dos recursos naturais da Amazônia, além
Airbus Military, em Sevilha. Dentre elas se de apoiar missões de Busca e Salvamento
destaca a dotação de um sistema de identi- no Atlântico Sul.

As tendências dos jogos de guerra


Hank J. Brightman e Melissa K. Dewey*
(Naval War College Review, Inverno 2014, Vol. 67, Número 1, p. 17-30)

Os autores, por meio de histórico da Little, virtual fundador dessa importante


evolução dos jogos de guerra, rememoram a ferramenta na Marinha dos Estados Unidos
importância do Tenente William McCarthy da América (EUA). Segundo eles, Little foi

* Brightman é professor e diretor de análises e pesquisas aplicadas do Departamento de Jogos de Guerra do Naval
War College (NWC). Dewey serviu como pesquisadora assistente no NWC, de 2011 a 2013, e possui mestrado
em aconselhamento holístico pela Salve Regina University, de Newport, EUA.

RMB2oT/2014 227
REVISTA DE REVISTAS

um verdadeiro visionário, cuja inovadora demonstrado pela forma como o Departa-


abordagem dos jogos de guerra permanece mento de Jogos de Guerra do Naval War
relevante até os dias de hoje. College (NWC) estrutura seus jogos que
Em vez de buscar usar as ferramentas abrangem áreas desafiadoras e contempo-
providas pelos jogos para reduzir intera- râneas como a da guerra irregular.
ções complexas a partes simplificadas ar- Para os profissionais de jogos de guerra,
tificialmente, McCarthy Little interpretava experiências recentes vêm demonstrando
claramente que a guerra é uma experiência que o potencial exploratório visionado por
holística que, em sua essência, contém o McCarthy Little logo após a fundação do
diálogo ou a conversação tanto de aliados NWC, em 1884, apresenta perspectivas que
como de adversários. valorizam tanto processos que aplicam a
Como concluem os coautores, esse experiência como os analíticos, concluindo
entendimento persiste atualmente, o que é que eles não são mutuamente exclusivos.

Reflexões sobre o soft power


Contra-Almirante (RM1) Guilherme Mattos de Abreu*
(Revista da Escola de Guerra Naval, v. 19, no 1, junho de 2013, p. 203-238)

Segundo o autor, o conceito de soft complementar à de Nye”, afirma o Almirante


power foi desenvolvido na Universidade Guilherme. Para isso, o autor apresenta casos
de Harvard por Joseph Nye para descrever emblemáticos e desenvolve o conceito, o
a habilidade de persuadir pela atração e conecta aos fundamentos da estratégia e o
cooptação, em vez de se utilizar o suborno analisa no cenário brasileiro, sustentando
ou coerção pela força. que as possibilidades do soft power nacional
Este artigo busca decodificar esse conceito são superestimadas e, ao mesmo tempo, que
“em suas entrelinhas, gerando interpretação o País é vulnerável a este poder.

Fortalecendo nossa profissão naval por meio de uma


cultura de desenvolvimento de líderes
Contra-Almirante (Reserva, EUA) James Kelly**
(Naval War College Review, Inverno 2014, Vol. 67, Número 1, p. 7-11)

Quem são os líderes em nossa Marinha? diretrizes e processos por meio dos quais a
Esta pergunta inicia este artigo que, na Marinha dos Estados Unidos da América
opinião do editor da Naval War College (EUA) prepara seus líderes em todos os
Review, aborda aquela que pode ser a níveis hierárquicos.
iniciativa mais importante tomada nos Se a resposta à questão tiver sido “os
últimos anos para rever, alinhar e fortalecer almirantes quatro estrelas”, ela está errada,
* Colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola de Guerra Naval (Cepe-EGN) e da Revista
Marítima Brasileira.
** Reitor do College of Operational and Strategic Leadership (COSL). O COSL foi fundado em 2007, como com-
ponente do Naval War College (NWC), com o propósito de incrementar o foco nas atividades educacionais
em apoio direto à esquadra. Aviador Naval. Exerceu vários comandos em sua carreira, tanto de navios quanto
de esquadrões de aeronaves e grupos-tarefa.

228 RMB2oT/2014
REVISTA DE REVISTAS

afirma o autor, indicando que a resposta cor- dade no aprendizado de liderança que seja
reta é: todo marinheiro é um líder, na medida sistemática, integrada e abrangente. Para
em que ele é responsável por outros mari- ele, o que se reconhece atualmente como
nheiros. E acrescenta: “Do marinheiro mais “treinamento de liderança” é, em verdade,
moderno ao oficial de maior antiguidade, um sistema desestruturado e episódico.
todos são parte da ‘equação da liderança’.” A partir desse reconhecimento, Kelly indica
Com esse enfoque no fator humano, Ja- os caminhos que visualiza para se criar uma
mes Kelly busca identificar as propriedades cultura de desenvolvimento de líderes navais,
da atual sistemática de formação, atuação e cujo primeiro passo seria o estabelecimento
desenvolvimento do pessoal de sua Mari- de um “Continuum para Desenvolvimento de
nha e destaca a ausência de uma continui- Líderes” que dure por toda a carreira.

Regime jurídico do mar: a regulação das águas e


plataforma continental no Brasil
Rodrigo Fernandes More*
(Revista da Escola de Guerra Naval, v. 19, no 1, junho de 2013, p. 79-109)

Este importante artigo aborda, em resumo, Consequentemente, a CNUDM é parte do


que a importância do mar aumenta na medida direito interno brasileiro e também funda-
em que a ciência, a tecnologia e a inovação mento que legitima a submissão brasileira
permitem desvendar novas perspectivas sobre de pedido junto à Comissão de Limites da
seu uso e riquezas. Além das ciências do mar, Plataforma Continental (CLPC) sobre a ex-
o direito também exerce um papel importante tensão da plataforma continental brasileira
na construção de políticas e estratégias dos além do limite de 200 milhas marítimas.
Estados para o mar, em especial sob o prisma Nesse contexto, Rodrigo More avalia,
do exercício da soberania sobre os recursos neste estudo, alguns aspectos jurídicos e
naturais, segurança e defesa. interdisciplinares do regime jurídico do mar,
O Brasil é signatário ratificado da Con- em especial do regime jurídico das águas
venção das Nações Unidas sobre o Direito (mar territorial, zona contígua e zona econô-
do Mar (CNUDM, 1982), em vigor desde mica exclusiva) e do regime jurídico de solo
1994, e um importante ator nas conferências e subsolo (plataforma continental e Área) em
que deram forma final ao direito no mar. relação ao sistema jurídico brasileiro.

Vale realiza primeiro teste com carga no maior navio


mineraleiro do mundo em novo píer no Maranhão
(Informativo Marítimo, Diretoria de Portos e Costas,
V. 21, Número 3, set/dez 2013, p. 60-61)

Esta matéria aborda o teste de carre- Terminal Marítimo de Ponta da Madeira,


gamento de minério de ferro com navio em São Luís (MA), e as vantagens decor-
Valemax no novo berço Sul do Píer IV do rentes dessa capacidade.
* Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorando em Engenharia Naval
e Oceânica pela Escola Politécnica da USP (Poli-USP). Professor-doutor do Programa de Pós-Graduação
Strictu Sensu em Direito da Universidade Católica de Santos. Organizador e autor do livro Amazônia Azul:
política, estratégia e direito para o oceano do Brasil, 2012. Colaborador da Escola de Guerra Naval.

RMB2oT/2014 229
REVISTA DE REVISTAS

A operação realizada, inédita com em- Ao todo, conforme o artigo, serão 35


barcações com capacidade para até 400 mil navios, considerados os mais ecológicos
toneladas, seguiu o cronograma previsto, e o no mercado – permitem a redução em
Vale Caofeidian, carregado com 390 tonela- 35% de emissão de carbono por tonela-
das, seguiu para a Ásia. Os testes operacio- da de minério transportada –, operando
nais foram iniciados com os propósitos de
em 2012 e seguem em maximizar a efici-
ritmo intenso, afirma o ência e de reduzir o
artigo. Além do Píer custo do transporte
IV, o Píer I, na Ponta transoceânico.
da Madeira, e o Píer II, A ampliação da ca-
no porto de Tubarão, pacidade de embarque
também são capazes na Ponta da Madeira
de receber os Valemax iniciada pela Vale em
no Brasil. 2010, por meio da
Os navios dessa Vale Caofeidian realiza primeiro teste com carga no construção do Píer
classe atracam regu- novo píer no Maranhão. Foto: Ribamar Nascimento, IV, integra a primei-
larmente nos portos Farol Digital ra etapa da expansão
de Taranto, Roterdã, logística e tem como
Sohar, Oíta, Kimitsu e Mindanao; nas duas propósito incrementar em 20 milhões de
estações de transferência da Vale em Subic toneladas a capacidade atual de embarque
Bay, nas Filipinas; além da Ponta da Madeira e transporte de minério de ferro, alcan-
e de Tubarão. Havia a expectativa de que os çando 150 milhões de toneladas em 2014.
mineraleiros passassem a atracar no terminal Esse investimento atenderá ao aumento
marítimo e centro de distribuição da empresa de produção das minas instaladas em
na Malásia a partir do final de 2013. Carajás, no Pará.

Defesa: O Brasil em dois tempos


Capitão de Mar e Guerra (Refo) José Augusto Abreu de Moura*
(Revista da Escola de Guerra Naval, v. 19, no 1, junho de 2013, p. 41-59)

Segundo o autor, em anos recentes o de então, segundo o artigo, visava à inser-


Brasil experimentou importante alteração ção regional por meio da harmonização
político-estratégica que afetou a forma com de interesses com vizinhos e a um vago
que se encara a defesa nacional. “aprimoramento” da vigilância do espaço
Nos anos 1990, os problemas estratégi- aéreo e das fronteiras terrestre e marítima.
cos visualizados eram influenciados pelo Na situação atual, prossegue o autor, de-
clima de paz e entendimento resultante do terminada pelo sentimento de ameaça que
fim da Guerra Fria e consistiam em zonas passou a grassar a partir do final da década
de instabilidade contrárias aos interesses de 1990 e pela vontade política nacional
brasileiros, bandos armados na Amazônia decorrente do crescimento econômico, “os
e crime organizado. A política de defesa problemas estratégicos consistem na defa-
* Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do Programa de Pós-
Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval. Colaborador da RMB.

230 RMB2oT/2014
REVISTA DE REVISTAS

sagem tecnológica ante os países desenvol- Para tanto, foram implementadas


vidos e nas ameaças resultantes da rarefação ações para obtenção dos meios adequa-
mundial de recursos naturais disponíveis dos a essa missão, com destaque para os
no País”. A política de defesa passou a submarinos convencionais e o primeiro
especificar claramente as áreas prioritárias com propulsão nuclear. O autor desta-
e as ações a empreender. A Força Naval ca, porém, que as principais mudanças
tem como tarefa primária impedir ataques ocorridas foram econômicas: a autos-
ao Brasil por meio da negação do uso do suficiência em petróleo, em 2006, e a
mar e assegurar as linhas de comunicações quadruplicação do Produto Interno Bruto
marítimas de interesse nacional. (PIB), entre 2003 e 2006.

Cadernos do Centro de História e


Documentação Diplomática (CHDD)
(Cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática [CHDD] – Fundação
Alexandre de Gusmão, Ano 12, número 23, segundo semestre 2013)

Neste número do Cadernos do CHDD, passou a se dedicar aos estudos e escritos e


são publicados os artigos que Joaquim a dividir seu tempo entre as sociedades abo-
Nabuco enviou de licionistas. Entre essas
Londres para o jornal atividades, incluía-se
La Razón, de Mon- a de correspondente
tevidéu, no Uruguai, jornalístico – suas con-
nos anos 1883-1884. tribuições foram pu-
Abrange também, blicadas regularmente
no início da Segun- em periódicos como
da Guerra Mundial, o Jornal do Commer-
a última parte da cio (1882-1884); o La
correspondência di- Razón (1883-1884),
plomática de Berlim do Uruguai; O País
para a Secretaria de (1887-1888); e, bem
Estado das Relações mais tarde, o Jornal do
Exteriores quando era Brasil (1891).
ministro de Estado o Os artigos ora pu-
Embaixador Oswaldo blicados foram levan-
Aranha, e a segunda tados na Biblioteca
parte da correspon- Nacional do Uruguai, a
dência, de 1825, do pedido do CHDD, pela
primeiro emissário professora e pesquisa-
brasileiro à Santa Sé, dora uruguaia Adriana
Monsenhor Francisco Mirel Clavijo, e são
Corrêa Vidigal. os textos vertidos dos
Ao final do mandato eletivo que obtivera originais de Nabuco (dos quais não se tem
em 1878, Joaquim Nabuco, por não obter o paradeiro) para o castelhano pelo editor
a reeleição, foi viver em Londres, onde do La Razón à época.

RMB2oT/2014 231
REVISTA DE REVISTAS

No que se refere à correspondência leiro, em 23 de janeiro de 1942, provoca


diplomática, o autor é o Embaixador Cyro o fechamento daquela missão brasileira.
de Freitas Valle, que chefiou a missão di- O embaixador e seus subordinados, ou
plomática do Brasil em Berlim nos últimos colegas, em postos na Alemanha e seus
meses do período entre as duas guerras domínios, são obrigados a uma internação
mundiais. Após o início das hostilidades de nove meses (eufemismo criado para a
pela Alemanha, o embaixador envia uma proibição ao diplomata estrangeiro de sair
sequência de 27 documentos, por ele bati- do país em caso de guerra ou em estado
zados de “mês de guerra, visto de Berlim”. de pré-beligerância) em cidade perto da
Das entrelinhas desses escritos brotam os fronteira da França.
revezes por que todos passavam naqueles Finalizando esta edição do Cadernos
anos sombrios: são as notícias trazidas de do CHDD, é reproduzida correspon-
Lisboa por um diplomata para lá designado dência existente no Arquivo Histórico
como courier, evidenciando a fragilidade do Itamaraty: ofícios do ano 1825 do
das comunicações na ocasião. Os textos primeiro emissário brasileiro à Santa
denotam claramente a apreensão com a opu- Sé, enviado pelo imperador com a fun-
lência do poderio militar e a “aparente apatia ção de obter o reconhecimento de nossa
– quase uma submissão, ou resignação, do independência. “Cumprida a missão,
povo alemão – em relação à manipulação do tiveram início as delicadas negociações
futuro do país e de sua população”. para desvincular de Portugal a Igreja
O rompimento das relações diplomá- do Brasil, bem como a nomeação de um
ticas com a Alemanha pelo governo brasi- núncio para o Império.”

232 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importantes


da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante,
dar aos leitores informações sobre a atualidade e permitir a pesqui-
sadores visualizarem peculiaridades da Marinha.
Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com
fotografias.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO
ATIVAÇÃO
Ativação do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais – Maré II (236)
30o Aniversário do IEAPM (236)
Aniversário da Batalha Naval do Riachuelo – Data Magna da Marinha (239)
INCORPORAÇÃO
Incorporação do Aviso Hidroceanográfico Fluvial Caravelas (242)
Incorporação do Navio-Transporte Fluvial Almirante Leverger (243)
POSSE
Assunção de cargos por almirantes (246)
Transmissão do cargo de Coordenador da Área Marítima do Atlântico Sul (247)
Transmissão dos cargos de Comandante de Operações Navais e de Diretor-Geral de
Navegação (247)
PRÊMIO
CAAML entrega troféus (253)
Comandante do 6o DN recebe prêmio por trabalhos sociais (253)
PROMOÇÃO
Promoção de almirantes (254)
VISITAÇÃO
LabOceano é visitado por representantes da DPC (254)

APOIO
MODERNIZAÇÃO
Modernização do Parque Industrial Gráfico da BHMN (256)
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ÁREAS
ANTÁRTICA
NPO Almirante Maximiano apoia pesquisa no Estreito de Drake (257)
Operantar XXXII – Ary Rongel e Almirante Maximiano concluem suas participações
(257)
ARQuipélago de São PEDRO E São PAULO
NPaOc Araguari apoia expedição científica ao Arquipélago de São Pedro e São
Paulo (259)

ATIVIDADES MARINHEIRAS
BUSCA E SALVAMENTO
HU-4 realiza Evacuação Aeromédica no Pantanal (260)
HU-4 realiza Evam de militar do EB (260)
NAsH Doutor Montenegro socorre vítima de picada de cobra (261)
NAsH Carlos Chagas resgata criança indígena (261)
NPa Graúna resgata embarcação (262)
Salvamar Sul resgata tripulante ferido em pesqueiro (262)
UH-15 realiza Evam de navio grego (263)
UH-15 Super Cougar realiza Evacuação Aeromédica (264)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA (C&T)


TINTA
Nova feramenta digital para pintura naval (264)

COMUNICAÇÕES
COMUNICAÇÕES VIA INTERNET
Nova página da DPMM tem navegação facilitada (265)

CONGRESSOS
FEIRA
Intermodal South America 2014 (265)
Rio Boat Show (266)
SEMINÁRIO
“A Minustah e o Brasil – Dez anos pela paz no Haiti” (267)
Cembra realiza seminário sobre submersíveis (269)
Seminário “O Papel da Marinha no Atlântico Sul” (270)

EDUCAÇÃO
ESPORTE
Resultados esportivos (270)
X Jogos Sulamericanos de Santiago (271)

FORÇAS ARMADAS
AERONAVE
Protótipo de aeronave VF-1 modernizada realiza primeiro voo à BAeNSPA (271)

234 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

FUZILEIROS NAVAIS
Secretário agradece apoio da MB na ocupação do Complexo da Maré (272)
OPERAÇÃO
Ágata 8 - Operação nas fronteiras registra recorde (273)
PATRULHA NAVAL
4o DN realiza ação conjunta com Ibama e Receita Federal (274)
GT do 4o DN realiza Patrulha e Aciso no interior do Pará (274)
Militares da MB descobrem depósito clandestino de combustível (275)

MEIO AMBIENTE
MEIO AMBIENTE
CPRJ participa de operação contra baloeiros na Baía de Guanabara (275)

PODER MARÍTIMO
APRESAMENTO
Marinha apreende pescado ilegal no Amazonas (276)
Marinha apresa embarcação de passageiros no Pará (276)
NPa Bocaina apreende três barcos pesqueiros (277)
NPaFlu Amapá apreende carregamento de madeira ilegal (277)
NPa Guaporé apreende embarcação na Baía de Guanabara (278)
NPaOc Amazonas apreende embarcações irregulares (278)
CONSTRUÇÃO NAVAL
“Guerra submarina” entre alemães e suecos (279)
POLÍCIA NAVAL
CFPN notifica comboio que obstruía Rio Paraguai (280)
PORTO
BTP inicia operação de carga geral solta (280)
BTP revê projeção de movimentação de carga conteinerizada em 2014 (281)
SISTEMA PORTUÁRIO
Complexo logístico portuário será inaugurado em Pernambuco (281)
Navio de bandeira brasileira opera pela primeira vez com cargas de projeto (282)

PSICOSSOCIAL
AJUDA HUMANITÁRIA
AvTrFlu Piraim participa de ação emergencial na Barra de São Lourenço (282)
NAsH Soares de Meirelles apoia Humaitá durante cheia histórica (283)
ASSISTÊNCIA SOCIAL
9o DN participa da Ação Global 2014 (284)
NAsH Doutor Montenegro na Acre 2014 (284)
NAsH Tenente Maximiano atende ribeirinhos em suas embarcações (286)
Navios da Flotilha do Amazonas nas comunidades do Rio Javari (286)
CULTURA
IX RioHarpFestival na Ilha Fiscal (287)
PINTURA
Acervo da MB recebe registro no Programa Memória do Mundo da Unesco (288)

RMB2oT/2014 235
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ATIVAÇÃO DO GRUPAMENTO OPERATIVO DE


FUZILEIROS NAVAIS – MARÉ II

Foi realizada em 14 de abril último, no enfatizando os aspectos profissionais e de


Pátio Brigada Real da Marinha, no Coman- cidadania dessa missão, que tem o propósito
do da Divisão Anfíbia (Rio de Janeiro-RJ), de contribuir para levar a paz para mais de 130
a Cerimônia de Ativação do Grupamento mil pessoas que residem naquela localidade.
Operativo de Fuzileiros Navais – Maré II. (Fonte: www.mar.mil.br)
O evento foi presidido pelo comandante
da Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE),
Vice-Almirante (FN) Washington Gomes
da Luz Filho.
O Grupamento tem em seu efetivo cerca
de 550 militares que darão continuidade às
ações no Complexo da Maré, em confor-
midade com os preceitos constitucionais
atinentes ao emprego das Forças Armadas
em tarefas de Garantia da Lei e da Ordem.
Na ocasião, o comandante da FFE res-
saltou a importância das atividades em que
os combatentes anfíbios estarão engajados, Cerimônia de Ativação

30o ANIVERSÁRIO DO IEAPM


O Instituto de Estudos do Mar Almirante do oceano através da pesquisa científica.
Paulo Moreira (IEAPM) completou, em 26 de Acredito que hoje, com centenas de jo-
abril último, 30 anos de existência. As come- vens nos visitando e conhecendo nossas
morações foram abertas oficialmente em 25 de pesquisas, estamos dando mais um passo
abril último, em cerimônia militar realizada em para a concretização deste sonho”, disse o
sua sede, em Arraial do Cabo (RJ) e presidida diretor do IEAPM, Contra-Almirante Oscar
pelo comandante da Marinha, Almirante de Moreira da Silva Filho.
Esquadra Júlio Soares de Moura Neto. As comemorações pelos 30 anos do
Durante os dias 26 e 27 o Instituto IEAPM incluíram, ainda, uma Corrida Rús-
recebeu a comunidade para visitação aos tica pelas ruas de Arraial do Cabo, reunindo
seus laboratórios e apresentou os principais 300 atletas de todo o Estado.
estudos desenvolvidos por seus pesquisa- O IEAPM comemorou os 30 anos de
dores. Cerca de 800 pessoas, entre adultos sua criação marcado também pela con-
e crianças, puderam conhecer organismos quista de sua primeira patente, aprovada
marinhos microscópicos, equipamentos nos Estados Unidos da América, fruto
com tecnologia de ponta, equipamentos de pesquisa inovadora para utilização
de mergulho e aparelhos oceanográficos. em tintas marítimas anti-incrustantes de
“O sonho do Almirante Paulo Moreira um biocida natural – o primeiro passo
era incentivar os jovens para a conquista para termos no futuro, disponível no

236 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

mercado, tintas para cascos de navios e estudo do oceano. Esse Projeto, instalado
plataformas de petróleo com eficaz ação em Arraial do Cabo-RJ, visava desenvol-
anti-incrustante e isentas de substâncias ver a fertilização das enseadas fronteiriças
nocivas ao meio ambiente marinho. a Arraial do Cabo para a produção de
O Instituto encontra-se também com peixes, mariscos e camarões e, principal-
perspectivas reais de implantação do seu mente, funcionar como uma verdadeira
primeiro curso de Mestrado, na área da ‘Universidade do Mar’, disseminando
Biotecnologia Marinha. Atualmente, o para jovens estudantes e pesquisadores a
IEAPM vem passando por uma revitaliza- importância do oceano para a vida e para
ção, com a construção de nova infraestru- o futuro, despertando, então, a verdadeira
tura e modernização de seus laboratórios, mentalidade marítima.
que possibilitarão ampliar a realização de Em 26 de abril de 1984, foi criado no
pesquisas de ponta e aprimorar a quali- mesmo local o Instituto Nacional de Es-
dade do conhecimento científico gerado, tudos do Mar (Inem), que, aproveitando
permitindo que suas pesquisas alcancem os trabalhos realizados, os pesquisadores
nível internacional e con- e as instalações do Projeto,
tribuam ainda mais para o destinava-se a assegurar e
melhor conhecimento e a racionalizar os estudos ne-
eficaz utilização do ambiente cessários ao conhecimento e
marinho, tanto no interesse à utilização do oceano e das
da Marinha do Brasil, mas águas interiores nacionais.
também em benefício do Em março de 1985, em ho-
desenvolvimento socioeco- menagem ao seu idealizador,
nômico do País. falecido em 1983, o Instituto
A seguinte Ordem do recebeu a denominação atu-
Dia, emitida pelo diretor do al, estando hoje diretamente
Instituto, foi lida durante a subordinado à Secretaria de
cerimônia militar realizada Ciência, Tecnologia e Inova-
em Arraial do Cabo: ção da Marinha.
“Por ocasião do 30o ani- Única instituição de pes-
versário do Instituto de Estu- quisa da Marinha do Brasil
dos do Mar Almirante Paulo direcionada exclusivamente
Moreira, cabe ressaltar o Brasão do IEAPM para a busca do conheci-
relevante e contínuo aporte mento e da utilização do
do Instituto à pesquisa, ao desenvolvimento ambiente marinho, o IEAPM é fundamental
e à inovação na área de ciências do mar ao para a tão almejada ‘conquista’ da nossa
longo de sua existência, contribuindo para ‘Amazônia Azul’, no sentido de conhecer
a ampliação do conhecimento e a eficaz profundamente, difundir, vigiar, defender e
utilização do meio ambiente marinho, no preservar, explorando-a em sua plenitude,
interesse da Marinha do Brasil e do desen- estratégica e economicamente, de maneira
volvimento socioeconômico do País. racional e sustentada.
O IEAPM teve origem em 1971 com o O exercício continuado da pesquisa
Projeto Cabo Frio, idealizado pelo Almi- oceanográfica básica e aplicada por um
rante Paulo de Castro Moreira da Silva, instituto da Marinha com a credibilidade
cuja vida foi dedicada intensamente ao do IEAPM é condição necessária para a

RMB2oT/2014 237
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

produção de conhecimentos fundamentais o XBT lançado por aeronave;


ao planejamento das operações navais e à – Projeto Bionatura - Desenvolvimento
utilização adequada dos modernos sistemas de tintas anti-incrustantes sem componen-
de armas, constituindo apoio imprescindí- tes agressivos ao meio ambiente;
vel ao emprego do Poder Naval. – Estudos de bioincrustação e espécies
A decisão do Estado brasileiro de cons- invasoras;
truir e operar submarinos de propulsão – Gerenciamento de água de lastro;
nuclear torna indispensáveis os conheci- – Estudos de propagação de energia
mentos produzidos no acústica, com emprego
nosso Instituto. dual na construção de
Nesse contexto, bancos de dados de
o IEAPM executa ruído ambiental sub-
hoje diversas ativi- marino, de dados ge-
dades, muitas delas ológicos e geofísicos,
de interesse dual, em e na realização de ex-
parceria com organi- perimentos acústicos;
zações militares da – Monitoramento
Marinha do Brasil, ór- de radionuclídeos na
gãos governamentais, costa brasileira, que
empresas públicas e visa coletar dados
Comandante da Marinha preside a cerimônia
privadas, universi- confiáveis sobre as
dades e institutos de atuais concentrações
pesquisas, dentre as de radionuclídeos ar-
quais se destacam: tificiais na água (Césio
– Projeto Sispres - 137 e Estrôncio 90),
previsão do ambiente antes do início das
acústico para o plane- atividades com o sub-
jamento das operações marino de propulsão
navais; nuclear;
– Projeto CSub – Monitoramento
(Comunicações Sub- da qualidade da água
marinas) - desenvol- e da biota da Baía de
ver um sistema al- Sepetiba, em cumpri-
ternativo e seguro de Crianças atentas às apresentações dos especialistas mento à licença de
transmissão de dados, instalação do Estalei-
por métodos acústicos, entre plataformas ro e Base Naval em Itaguaí em apoio ao
submarinas e estações de terra e entre pla- Programa de Construção de Submarinos
taformas submarinas e de superfície; - Prosub;
– Projeto Siodoc - Sistema Integrado de – Influência do meio ambiente nas minas
Obtenção de Dados Oceanográficos; de fundo e de fundeio;
– Capacitação humana e desenvol- – Geoacústica submarina;
vimento de protótipo de multiperfilador – Apoio às universidades na realização
oceanográfico descartável, o XBT nacional; de estágios e no desenvolvimento de mo-
– Projeto Docaar - Dados oceanográfi- nografias de graduação, dissertações de
cos coletados com aeronave de asa rotativa, mestrado e teses de doutorado;

238 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– Desenvolvimento da mentalidade ma- nosso Patrono nos guiando, pesquisando o


rítima, por meio do Museu Oceanográfico, mar rumo ao futuro, de modo que o Instituto
do Espaço Cultural Amazônia Azul e da seja reconhecido nacionalmente, até o ano
Ilha do Cabo Frio. de 2017, como Centro de Excelência em
Tripulação do IEAPM! Na comemoração pesquisas, desenvolvimento e inovação
dos nossos 30 anos, é uma bela oportunidade relacionados às Ciências do Mar.
para agradecermos e homenagearmos todos Mais do que nunca, como tão bem profe-
que por aqui passaram e deixaram um lega- tizou o Almirante Paulo Moreira, temos que
do, com profissionalismo e muita dedicação, ‘nos apropriar desse mar com uma posse
na trajetória de sucesso do Instituto, desde real, profunda, apaixonada e definitiva’.
a época do Projeto Cabo Frio, na década Pesquisando o mar, rumo ao futuro!
de 1970, até os dias de hoje. É momento Parabéns IEAPM!”
também de renovar o nosso compromisso (Fontes: www.mar.mil.br e Bono Espe-
de seguir com a chama do fogo sagrado do cial no 307, de 25/4/2014)

149o ANIVERSÁRIO DA BATALHA NAVAL DO


RIACHUELO – DATA MAGNA DA MARINHA

Foi comemorado, em 11 de junho últi- Em 1864, a invasão das províncias


mo, o 149o aniversário da Batalha Naval de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul
do Riachuelo. Para celebrar a data, foram surpreendeu a jovem Nação brasileira, que
realizadas solenidades em várias Organiza- constatou, logo de início, a falta de meios
ções Militares (OM) da Marinha do Brasil. capazes de responder prontamente à agres-
Na Escola Naval (Rio de Janeiro-RJ), foi são sofrida. A Esquadra Imperial, apesar
feita imposição de comendas da Ordem do de experiente e vencedora nas campanhas
Mérito Naval. de consolidação da Independência, era
A seguir, transcrevemos a Ordem do própria para atuar em alto-mar, possuindo
Dia do comandante da Marinha, Almirante belonaves de grande calado e desprovidas
de Esquadra Julio Soares de Moura Neto, de couraça, sendo, assim, inadequadas a
alusiva ao evento: operar em um teatro de operações fluvial,
“Passados 149 anos, a lembrança dos predominantemente formado por cursos
feitos heróicos imortalizados na Batalha d’água estreitos e com pouca profundidade.
Naval do Riachuelo, episódio que concor- No planejamento elaborado para salva-
reu decisivamente para a vitória na Guerra guardar os interesses nacionais, couberam
da Tríplice Aliança, ainda cala fundo em à Marinha as tarefas de apoiar as tropas
nossos corações, sendo justo reverenciar aliadas e de efetuar o bloqueio dos rios
a memória daqueles que, em defesa da Paraguai e Paraná, essenciais ao suporte
Pátria, escreveram uma página gloriosa da logístico do oponente.
nossa história. Após a difícil, porém bem-sucedida,
Para compreendermos a importância dos participação na reconquista da cidade
notáveis acontecimentos em torno do 11 de argentina de Corrientes, lindeira ao Rio
Junho de 1865, faz-se necessário voltarmos Paraná, as nossas unidades, comandadas
no tempo. pelo insigne Almirante Francisco Ma-

RMB2oT/2014 239
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

noel Barroso da Silva, fundearam, na Graças à sua genialidade, o Almirante


noite de 10 de junho, nas proximidades Barroso, valendo-se do maior porte e da
daquela localidade. proa reforçada de seu capitânia, a Fraga-
No amanhecer do dia seguinte, às 9 ta Amazonas, decidiu aplicar a tática do
horas, os vigias avistaram oito embarca- abalroamento, lançando-a contra as naus
ções inimigas, com seis chatas artilhadas opositoras mais próximas, que não resisti-
a reboque, aproximando-se a montante, ram às avarias e soçobraram.
em formação de ataque, e que, como se A confiança no comandante ficou
constatou, viriam a ser apoiadas por ca- demonstrada no fiel cumprimento da sua
nhões e soldados posicionados, de forma determinação, divulgada pelo sinal ‘Sus-
camuflada, nas barrancas próximas à tentar o fogo que a vitória é nossa’, o que
desembocadura do pequeno afluente de levou ao ponto de inflexão da contenda,
nome Riachuelo. fazendo com que a situação pendesse a
Percebendo a gravidade do quadro tático nosso favor, com os oponentes batendo
que se configurava, Barroso ordenou de em retirada. Estava garantida a interrupção
imediato que seu Grupo-Tarefa suspen- das vias fluviais, asfixiando, logisticamen-
desse e se preparasse para o combate. A te, o adversário.
disseminação do célebre sinal ‘O Brasil No dia de hoje, tão corretamente de-
espera que cada um cumpra o seu dever’ signado como a Data Magna da Marinha,
fez com que um contagiante entusiasmo to- devemos não apenas rememorar o legado
masse conta das tripulações, que entoaram de honra e de espírito de sacrifício daque-
impetuosos vivas à Nação. les nossos heróis, mas também refletir
Os momentos de enfrentamento se suce- sobre a amplitude das responsabilidades
deram, revelando a coragem e a bravura de que, atualmente, nos são confiadas.
nossos homens, como podem ser relembra- No presente, em que pese a conjuntura
dos por meio das ações conduzidas pelos ser completamente distinta daquela exis-
Guarda-Marinha Greenhalgh e Imperial tente em 1865, as transformações globais
Marinheiro Marcílio Dias, que, mesmo em vêm moldando uma instável realidade
inferioridade numérica, lutaram até a morte, político-estratégica, com disputas entre
buscando impedir que o nosso Pavilhão, Estados por motivos variados e com a
hasteado na valente Canhoneira Parnaíba, ocorrência cada vez maior das chamadas
fosse arriado pelos aguerridos atacantes. ‘novas ameaças’, representadas pelos cri-

240 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

mes transnacionais, nos dando a convicção classe Macaé, com 500 toneladas, já em
de que qualquer país que pretenda ser andamento, privilegiando os estaleiros bra-
livre, seguro e soberano deverá dispor de sileiros; o início da fase de contratação do
Forças Armadas com credibilidade e que Sistema de Gerenciamento da ‘Amazônia
sejam capazes de contrapor-se a quaisquer Azul’ (SisGAAz), que permitirá incremen-
atitudes hostis. tar o monitoramento e o controle das águas
A Marinha segue, graças ao empenho sob nossa responsabilidade; e as tratativas
de seus componentes, contribuindo para o com vista à aprovação dos Programas de
progresso do Brasil, provendo a assistên- Obtenção de Navios-Aeródromos (Pronae),
cia hospitalar às populações ribeirinhas e de Meios de Superfície (Prosuper) e de
tomando parte nos programas sociais do Navios Anfíbios (Pronanf).
Governo. Ela está presente nas Operações Marinheiros, fuzileiros navais e servi-
de Paz no Líbano e no Haiti e, quando dores civis!
determinado, tem atuado na garantia da lei A vocês, meus comandados, homens e
e da ordem, no apoio à segurança pública mulheres possuidores de muita garra e de-
e nos grandes eventos que aqui têm sido terminação, registro o meu reconhecimento
realizados. No entanto, para cumprir essas pelas dedicação, correção e tenacidade com
tarefas e, principalmente, estar preparada as quais, vencendo os diversos obstáculos,
para dar a necessária proteção à ‘Amazônia vêm executando, com esmero, as atividades
Azul’ e às nossas hidrovias, torna-se vital a bordo dos navios e organizações de terra,
que ela conte com um Poder Naval que seja em nosso território ou no exterior, dignifi-
moderno, balanceado e equilibrado, prio- cando e honrando as biografias daqueles
rizando a obtenção de unidades e sistemas que nos antecederam.
autóctones, fomentando o desenvolvimento Exorto-os, uma vez mais, a renovar
de uma indústria de Defesa competitiva e o entusiasmo e a perseverança para que,
tecnologicamente avançada. inspirados nos exemplos de Riachuelo,
Os desafios são complexos. Entretanto, continuemos juntos a trabalhar para o
não cabe esmorecer, e sim iniciar ou dar aperfeiçoamento da nossa instituição, de
continuidade aos projetos estratégicos modo que ela esteja permanentemente
previstos no nosso Plano de Articulação pronta para agir na plenitude de suas
e Equipamento, e que obtiveram a devida potencialidades.
aprovação do Ministério da Defesa. Por fim, aos promovidos e agraciados
Dentre eles, releva mencionar que as com a Ordem do Mérito Naval transmito
obras do Estaleiro e da Base em Itaguaí os meus agradecimentos pela colaboração
seguem no ritmo adequado, assim como a e pelo apoio prestados, cumprimentando-
construção do primeiro dos quatro submari- os pela importante condecoração que
nos convencionais e o projeto do submarino irão receber, e concito-os a continuar no
com propulsão nuclear, cumprindo corre- trabalho de fortalecimento da mentalidade
tamente as etapas do Prosub. marítima junto à sociedade, ressaltando
Quanto aos demais empreendimentos a indiscutível relevância da ‘Amazônia
de modernização e de reaparelhamento, Azul’ e das hidrovias para um país pre-
destaco a construção de quatro corvetas destinado a ser reconhecido no cenário
classe Barroso, ainda por ser iniciada, o internacional.
que é fundamental para a revitalização da Parabéns a todos!”
Esquadra, e de cinco navios-patrulha da (Fonte: Bono Especial no 403, de 10/6//14)

RMB2oT/2014 241
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

INCORPORAÇÃO do AVISO HIDROCEANOGRÁFICO


FLUVIAL CARAVELAS

Foi realizada em 2 de maio último, no Serviço da Armada, realiza-se, na presente


Comando da Flotilha de Mato Grosso (MS), data, a Mostra de Armamento do Aviso
a cerimônia de Mostra de Armamento e Hidroceanográfico Fluvial Caravelas.
Transferência para o Setor Operativo do A incorporação do Aviso Hidroceano-
Aviso Hidroceanográfico Fluvial (AvHo- gráfico Fluvial Caravelas à Marinha do
Flu) Caravelas. O evento contou com a Brasil enquadra-se no processo de imple-
presença do comandante da Marinha, Al- mentação paulatina de aquisição dos meios
mirante de Esquadra Julio Soares de Moura previstos no Plano de Articulação e Equi-
Neto; do chefe do Estado-Maior da Arma- pamento da Marinha. Especificamente em
da, Almirante de Esquadra Carlos Augusto relação ao Aviso Caravelas, o seu emprego
de Sousa; e do comandante de Operações visa ao incremento quantitativo e qualita-
Navais, Almirante de Esquadra Wilson tivo de capacitação para realização de le-
Barbosa Guerra, bem como de diversas au- vantamentos hidrográficos e manutenção da
toridades federais, es- sinalização náutica. Os
taduais e municipais. importantes trabalhos
Na ocasião, assumiu a serem desenvolvidos
o comando do navio por meio dele contri-
o Capitão-Tenente buirão sobremodo para
Fabio Luis Moreira a integração e o contí-
Jacobucci Bambace. nuo desenvolvimento
O AvHoFlu Ca- socioeconômico da
ravelas, antiga em- pujante Região Cen-
barcação Sereia do tro-Oeste brasileira.
Pantanal, da Empresa É o quarto navio a
Drefhi Turismo, foi Aviso Hidroceanográfico Fluvial Caravelas ostentar o nome Cara-
adquirido em novem- velas. Homenageia a
bro do ano passsado e tem a capacidade cidade homônima do litoral sul da Bahia,
para transportar 30 militares e de executar, localizada às margens do Rio Caravelas.
entre outras, as tarefas de cartografia, hidro- Fundada em 1581 com o nome de Aldeia
grafia e manutenção e instalação de sinali- de Caravelas, foi elevada, em 1701, à cate-
zação náutica, contribuindo para elevar o goria de vila, com a denominação de Santo
nível de segurança do tráfego aquaviário Antônio do Rio das Caravelas. Em 1823,
na região. O navio ficará subordinado ao foi palco de importante combate entre a
Serviço de Sinalização Náutica do Oeste. Marinha portuguesa e as forças brasilei-
Transcrevemos abaixo a Ordem do Dia ras, durante a Guerra da Independência.
do Almirante Carlos Augusto alusiva ao Finalmente, em 1855, alcançou o título
evento: de Constitucional Cidade de Caravelas.
“Em cumprimento ao disposto na Essa encantadora cidade colonial fez jus
Portaria no 205, de 22 de abril de 2014, ao título de ‘Princesa dos Abrolhos’, de-
do comandante da Marinha, e conforme vido ao seu discreto charme e à simpatia
preconizado na Ordenança Geral para o de seus moradores.

242 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O Aviso Hidroceanográfico Fluvial Ca- navegação, tais como pedras, altos-fundos


ravelas, antiga embarcação de passageiros e bancos de areia.
conhecida como Sereia do Pantanal, foi Senhoras e Senhores, ao incorporar à
construído em 1999, no Paraná. Em novem- Armada o Aviso Hidroceanográfico Fluvial
bro de 2013, foi adquirido pela Marinha Caravelas, expresso ao comandante, à
do Brasil. Após um período de conversão oficialidade e aos praças os melhores votos
para a configuração naval, herda a missão de felicidade em suas futuras comissões e
do anterior Aviso Hidrográfico Caravelas, de pleno êxito em sua relevante missão.
em serviço de 1972 a 1991. Deve estar apto Estou seguro de que a dedicação e o zelo
a realizar levantamentos hidroceanográfi- com que conduzirão diuturnamente os seus
cos, bem como cooperar com a eficácia do afazeres moldarão a alma deste navio. E a
balizamento do Rio Paraguai e afluentes, camaradagem, própria dos marinheiros,
a fim de contribuir para a segurança da norteará os rumos do porvir, trilhando uma
navegação, a salvaguarda da vida humana navegação sempre segura.
nas águas jurisdicionais brasileiras e a Por fim, não é demais lembrar que a tri-
preservação do meio ambiente, na extensa pulação que ora adentra o seu navio é fiado-
área sob responsabilidade do Comando do ra do legado de abnegados hidrógrafos que,
6o Distrito Naval. com coragem, criatividade e determinação,
Para cumprimento dessas tarefas, con- desbravaram esta bela região, mantendo
tará com dois modernos ecobatímetros, em segurança os navegantes. O trabalho
adequados para operação em águas rasas, os aguarda, pois não se pode olvidar que
e um posicionador satélite, de tecnologia ‘sempre restará muito o que fazer’.
de ponta, em que a posição do navio é Aviso Hidroceanográfico Fluvial Cara-
corrigida em tempo real. A utilização velas, ‘Desbravador do Pantanal’, máquinas
conjunta desses equipamentos contribuirá adiante, toda a força, sob a proteção de Nossa
para o total esclarecimento do relevo do Senhora Imaculada Conceição do Pantanal!”
leito dos rios desta região, possibilitando (Fontes: www.mar.mil.br e Bonos nos
obter a exata localização dos perigos à 316 e 318, de 30/4/2014)

INCORPORAÇÃO DO
NAVIO-TRANSPORTE FLUVIAL ALMIRANTE LEVERGER

O Navio-Transporte Fluvial (NTrFlu) Sousa; e do comandante de Operações Na-


Almirante Leverger foi incorporado à Ar- vais, Almirante de Esquadra Wilson Bar-
mada em 2 de maio último, em solenidade bosa Guerra, além de diversas autoridades
no Comando da Flotilha de Mato Grosso federais, estaduais e municipais. Assumiu
(MS). A cerimônia de Mostra de Armamen- o comando do navio o Capitão de Corveta
to e Transferência para o Setor Operativo Marco Aurelio de Castro Farias.
do novo meio contou com a presença do O NTrFlu Almirante Leverger é, ao
comandante da Marinha, Almirante de lado do Aviso Hidroceanográfico Fluvial
Esquadra Julio Soares de Moura Neto; Caravelas, um dos navios adquiridos em
do chefe do Estado-Maior da Armada, novembro do ano passado pela Marinha
Almirante de Esquadra Carlos Augusto de do Brasil. Trata-se da antiga embarcação

RMB2oT/2014 243
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Albatroz, da Empresa Arara Pantaneira naqueles oficiais e praças que o guar-


Transporte Fluvial e Turismo, e possui necerão, em vivas cores, um acendrado
capacidade de transportar equipamentos comprometimento de suas futuras missões
e 130 militares componentes da Força de com a marca do bem feito, pois assim a teve
Emprego Rápido. O navio será empregado, o Almirante Leverger em toda a sua vida
prioritariamente, no transporte fluvial, além marinheira. Desse modo, a tripulação deste
de executar tarefas de apoio a operações navio, aqui perfilada, orgulhosa, haverá de
ribeirinhas, atendimento médico e odon- dignificar essa honraria.
tológico, assistência cívico-social, patrulha Vale relembrar um pouco de sua his-
fluvial e inspeção naval, bem como ativida- tória, um repositório de nobres exemplos.
des de Defesa Civil. Com a incorporação, o O Almirante Leverger nasceu em 30 de
Comando da Flotilha de Mato Grosso passa janeiro de 1802, em Saint-Malo, na França.
a ter dez navios subordinados. Fascinado pelos mistérios do mar, fez-se
A seguir, transcrevemos a Ordem do marinheiro aos 18 anos. Em 1819, na com-
Dia do chefe do Estado-Maior da Armada panhia do seu pai, embarcou rumo ao Rio
alusiva ao evento: da Prata, engajando-se, no ano seguinte, na
“Em cumprimento ao disposto na navegação de cabotagem.
Portaria no 206, de 22 de abril de 2014, Inflamado pela independência do Brasil
do comandante da Marinha, e conforme e identificado com o clamor dos filhos da
preconizado na Ordenança Geral para o Pátria, já tendo prestado expressivos servi-
Serviço da Armada, realiza-se, na presente ços como piloto e imediato, em 1824 dirigiu
data, a Mostra de Armamento do Navio de uma petição ao imperador solicitando sua
Transporte Fluvial Almirante Leverger, que admissão no Serviço da Armada Nacional
concretiza o ato de incorporação à Armada. e Imperial. Em novembro daquele ano, in-
A aquisição, por oportunidade, do ex- gressou na Marinha como segundo-tenente
navio Albatroz insere-se no contexto de de comissão. Seguiu-se o cumprimento de
prover à Marinha mais um meio adequado comissões a bordo em diversas belonaves
às operações levadas a efeito na Hidrovia com excepcional desempenho, tendo parti-
Paraguai-Paraná, em especial no tramo cipado de memoráveis batalhas na Guerra da
sob a responsabilida-
de do Comando do 6o
Distrito Naval. Ao ter
cunhado em seu espe-
lho de popa Almirante
Leverger, como re-
gistro de nascimento,
alçando-o à vida na
nossa Força, presta-
se homenagem a um
ilustre chefe naval, o
Almirante Augusto
João Manuel Lever-
ger. Por afinidade,
imprime-se, portanto,
nos seus conveses e A cerimônia aconteceu no Comando da Flotilha de Mato Grosso

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Cisplatina. Por sua bravura e desenvoltura seu envolvimento na guerra, foi consagrado
demonstradas em combate, recebeu do go- herói, sendo laureado com as honras de
verno imperial a distinção de Cavaleiro da Barão de Melgaço, com grandeza.
Ordem do Cruzeiro. Em outubro de 1829, Deixou um legado invejável de serviços
foi-lhe determinado demandar a longínqua militares, administrativos, diplomáticos e
província do Mato Grosso, com a missão de científicos, que agregaram valores inesti-
comandar as barcas canhoneiras destinadas máveis à elucidação de nossas questões de
à defesa da fronteira no Rio Paraguai. Em limites com o Paraguai e a Bolívia.
1837, no posto de capitão-tenente, promoveu Ao finalizar, permito-me copiar os ver-
acurados estudos hidrográficos dos rios des- sos iniciais do poema ‘Águas’, de autoria
sa bela região, entregando-se com ardor às do poeta pantaneiro Manoel de Barros,
explorações dos rios Cuiabá, Paraguai e São que bem expressa a conformação dessas
Lourenço. Tornou-se belas plagas, pois, do-
profundo conhecedor ravante, altivo passa
da província de Mato a estar nelas inserido
Grosso. Em reconhe- o NTrFlu Almirante
cimento, foi nome- Leverger.
ado cônsul-geral do Diz o poeta:
Império do Brasil na ‘Desde o começo
República do Para- dos tempos águas e
guai, tendo a missão chão se amam
de estabelecer boas Eles se entram
relações com aque- amorosamente
le país, sobretudo no Navio-Transporte Fluvial Almirante Leverger E se fecundam
tocante à navegação Nascem formas ru-
do Rio Paraguai e ao estabelecimento de dimentares de seres e de plantas
fronteiras. Em 1844, prestou juramento de Filhos dessa fecundação
cidadão brasileiro, dando provas da escolha Nascem peixes para habitar os rios
definitiva do Brasil para sua pátria. Em 1850, E nascem pássaros para habitar as
no posto de capitão de mar e guerra, foi árvores
nomeado presidente da província de Mato Águas ainda ajudam na formação das
Grosso e, quatro anos depois, conquistou as Conchas e dos caranguejos
platinas douradas de almirante. As águas são a epifania da natureza...’
Mais tarde, já na inatividade, informado Almirante Leverger, sob a égide e bên-
de que tropas paraguaias haviam invadido çãos do Nosso Senhor dos Navegantes a
o sul do estado, tomando Corumbá, e que a iluminar os seus caminhos, singre essas
linha de defesa da capital havia debandado, águas tão bem descritas em prosa e ver-
apressou-se o Almirante Leverger em se so. Doravante, na placidez dos meandros
oferecer para reorganizá-la. Foi nomeado, desses belos rios da Bacia Pantaneira,
então, comandante superior da Guarda Na- que o ‘Gigante do Pantanal’ cumpra com
cional da Província, bem como das forças elegância sua elevada missão, exaltando o
terrestre e fluvial, para garantir e defender a seu lema: ‘Estamos sempre prontos’. Que
posição de Melgaço, morro situado a jusan- assim seja!”
te de Cuiabá. Por ter impedido que as tropas (Fontes: www.mar.mil.br e Bonos nos
invasoras atingissem a capital e devido ao 316 e 318, de 30/4/2014)

RMB2oT/2014 245
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES


– Contra-Almirante Walter Eduardo e Assuntos Marítimos do Comando de
Bombarda, comandante da Força-Tarefa Operações Navais, em 8/4;
Marítima da Força Interina das Nações – Contra-Almirante Luiz Octávio Bar-
Unidas no Líbano, em 26/2; ros Coutinho, subchefe de Inteligência
– Almirante de Esquadra (RM1) Edu- Operacional do Comando de Operações
ardo Monteiro Lopes, representante per- Navais, em 8/4;
manente do Brasil junto à Organização – Vice-Almirante Ilques Barbosa Junior,
Marítima Internacional, em 31/3; comandante em chefe da Esquadra, em 9/4;
– Contra-Almirante (FN) Jonatas Ma- – Contra-Almirante Valter Citavicius
galhães Porto, chefe do Estado-Maior do Filho, diretor do Pessoal Civil da Marinha,
Comando da Força de Fuzileiros da Es- em 10/4;
quadra, em 2/4; – Contra-Almirante (Md) Edmar da
– Contra-Almirante Roberto Gondim Cruz Arêas, diretor do Centro Médico
Carneiro da Cunha, diretor de Gestão de Assistencial da Marinha, em 11/4;
Programas Estratégicos da Marinha, em 3/4; – Vice-Almirante José Carlos Mathias,
– Almirante de Esquadra Ademir So- vice-chefe de Assuntos Estratégicos do
brinho, chefe de Operações Conjuntas do Estado-Maior Conjunto das Forças Arma-
Estado-Maior Conjunto das Forças Arma- das do Ministério da Defesa, em 14/4;
das do Ministério da Defesa, em 7/4; – Contra-Almirante Marcos Lourenço
– Vice-Almirante Luiz Henrique Caroli, de Almeida, diretor de Assistência Social
comandante do 2o Distrito Naval, em 7/4; da Marinha, em 14/4;
– Contra-Almirante Sergio Ricardo – Vice-Almirante Leonardo Puntel,
Segovia Barbosa, subchefe de Logística e comandante do 5o Distrito Naval, em 16/4;
Mobilização do Estado-Maior da Armada, – Contra-Almirante Paulo Ricardo Finotto
em 7/4; Colaço, subchefe de Orçamento e Plano Di-
– Contra-Almirante (Md) Marco Anto- retor do Estado-Maior da Armada, em 16/4;
nio Gomes de Freitas, diretor do Centro de – Contra-Almirante Renato Batista de
Medicina Operativa da Marinha, em 7/4; Melo, comandante da 2a Divisão da Es-
– Contra-Almirante Flávio Soares Fer- quadra, em 17/4;
reira, comandante do Centro de Instrução – Almirante de Esquadra Sergio Roberto
Almirante Wandenkolk, em 7/4; Fernandes dos Santos, secretário de Ciên-
– Contra-Almirante José Augusto Vieira cia, Tecnologia e Inovação da Marinha,
da Cunha de Menezes, comandante da 1a em 23/4;
Divisão da Esquadra, em 8/4; – Vice-Almirante Wagner Lopes de Mo-
– Contra-Almirante Marcelo Francisco raes Zamith, diretor do Departamento de
Campos, comandante da Escola Naval, Catalogação da Secretaria de Produtos de
em 8/4; Defesa do Ministério da Defesa, em 25/4;
– Contra-Almirante Cláudio Henrique – Vice-Almirante Antonio Carlos Soares
Mello de Almeida, subchefe de Logística Guerreiro, diretor de Ensino da Marinha,
e Plano Diretor do Comando de Operações em 25/4;
Navais, em 8/4; – Contra-Almirante (Md) Sérgio Pe-
– Contra-Almirante Newton Calvoso reira, diretor do Hospital Naval Marcílio
Pinto Homem, subchefe de Organização Dias, em 25/4;

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– Vice-Almirante (Md) Paulo Cesar de Navais e diretor-geral de Navegação,


Almeida Rodrigues, diretor de Saúde da em 30/4;
Marinha, em 29/4; – Vice-Almirante Paulo Mauricio Farias
– Almirante de Esquadra Wilson Bar- Alves, comandante do 7o Distrito Naval,
bosa Guerra, comandante de Operações em 6/5.

TRANSMISSÃO DO CARGO DE COORDENADOR DA


ÁREA MARÍTIMA DO ATLÂNTICO SUL

Foi realizada, em 14 de março último, A cerimônia, realizada na Escola Naval da


a cerimônia de transmissão de cargo de Armada Uruguaia, foi presidida pelo ministro
coordenador da Área Marítima do Atlântico da Defesa do Uruguai, Eleuterio Fernández
Sul. Assumiu o Contra-Almirante Gilber- Huidobro, e contou com as seguintes presen-
to Cezar Lourenço, ças: comandante da Ma-
em substituição ao rinha do Brasil, Almi-
Contra-Almirante Da- rante de Esquadra Julio
niel Enrique Menini Soares de Moura Neto;
Alvarez, da Armada chefe do Estado-Maior
da República Oriental Geral da Armada da Ar-
do Uruguai. gentina, Vice-Almirante
Organização cria- Gastón Fernando Erice;
da há 47 anos, a Coor- comandante em chefe
denação da Área Ma- da Armada do Para-
rítima do Atlântico guai, Almirante Silvio
Sul possui a missão de Brasil assume a coordenação da Salvador Guanes Solis;
coordenar as tarefas Área Marítima do Atlântico Sul comandante em chefe da
a serem implemen- Armada do Uruguai, Al-
tadas pelas Marinhas de Brasil, Argen- mirante Ricardo Ernesto Giambruno Volpi; e
tina, Uruguai e Paraguai, necessárias ao embaixador do Brasil no Uruguai, João Carlos
estabelecimento de um sistema integrado de Souza-Gomes, além de outras autoridades
para monitoramento, intercâmbio de in- militares e civis.
formações e defesa do Tráfego Marítimo (Fonte: Bono no 224, de 26/3/2014, e
Interamericano. www.mar.mil.br)

TRANSMISSÃO DOS CARGOS DE


COMANDANTE DE OPERAÇÕES NAVAIS E DE
DIRETOR-GERAL DE NAVEGAÇÃO
Foi realizada, em 30 de abril último, a ce- Navio-Aeródromo São Paulo, com a presen-
rimônia de transmissão dos cargos de coman- ça do ministro da Defesa, Celso Amorim.
dante de Operações Navais e de diretor-geral Assumiu os cargos o Almirante de
de Navegação. O evento ocorreu a bordo do Esquadra Wilson Barbosa Guerra, em

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

substituição ao Almirante de Esquadra Luiz fios acadêmicos, meandros administrativos,


Fernando Palmer Fonseca. considerações estratégicas e procedimentos
operativos, tudo isso amalgamou-se ao meu
DESPEDIDA E AGRADECIMENTO eu – afinal, “eu sou eu e minhas circuns-
DO ALMIRANTE PALMER tâncias”, já dizia o filósofo espanhol – e,
a partir de agora, transforma-se em vívida
“ ‘Dada por finda nossa derrota, lembrança.
Temos cumprido nossa missão.’ Mas, ao despedir-me, não devo me alon-
Este verso da ‘Canção do Marinheiro’ gar no expressar de meus sentimentos. Estes
sempre me trouxe grande emoção, uma são meus e estão bem guardados. Mais
vez que, desde cedo, na Marinha, passei a importante neste momento é externar a
percebê-lo como a essência da carreira que enorme gratidão a tantos quantos com quem
abracei. Nele sintetizam-se a honra pelo pude conviver e compartilhar realizações,
esforço despendido durante a singradura agruras e alegrias. Chefes, oficiais, praças
e o júbilo do dever bem cumprido ao seu e servidores civis de toda uma vida naval,
final; nele exprimem-se o peso de uma aos quais aprendi a admirar em uma insti-
responsabilidade e o orgulho de assumi-la; tuição cujos integrantes se destacam pela
nele expressa-se a emblemática imagem honestidade de propósito e pela dedicação
do navio, seu comandante e tripulação ao serviço, e que, com tudo isso, tanto
retornando ao porto, diferentes de quando contribuíram para minha realização como
partiram, posto que marcados para sempre oficial de Marinha.
por glórias e vicissitudes da travessia. Ao comandante da Marinha, Almirante
Tudo isso eu vivi! Que privilégio! Não de Esquadra Moura Neto, serei sempre
precisei de memórias tampouco de esperan- agradecido pelas designações para as três
ças. Simplesmente fui feliz e sabia que era. últimas comissões, que me proporcionaram
É este, portanto, o sentimento que me dirigir a querida Diretoria de Hidrografia e
toma ao deixar o Serviço Ativo da Marinha. Navegação por quase quatro anos e expe-
No retorno ao porto, após a longa comissão, rimentar os desafios inerentes ao cargo de
tenho a pretensão de dizer que cumpri mi- diretor-geral do Pessoal da Marinha e as
nha missão. Do Colégio Naval, em 1966, ao realizações como comandante de Opera-
Comando de Operações Navais e Diretoria- ções Navais e diretor-geral de Navegação,
Geral de Navegação
foram 48 anos vividos
com intensidade e
dedicação. Quarenta
e oito anos que se
incorporaram a quem
hoje sou. Lições de
lealdade de subordi-
nados, exemplos de
comandantes e che-
fes, realizações e afli-
ções no mar, alegrias
no porto, conquistas
hidrográficas, desa- Cerimônia de posse do novo CON/DGN

248 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

cargo do qual hoje me despeço com o perguntei qual deles era meu pai, posto
indisfarçável júbilo de tê-lo exercido. que não o conhecia após um ano em que
Comandar o Setor Operativo da Marinha estivera em comissão hidrográfica na Foz
e a Diretoria Geral de Navegação, por do Rio Amazonas. Não com tal intensi-
todas suas abrangências e capacidades, dade, mas certamente com semelhantes
configurou-se como um nobre coroamento angústias, cresceram minhas filhas durante
da carreira de um jovem que entrou para a tantos anos em que estive embarcado ou
Marinha pretendendo alcançar tão somente devotado inteiramente ao serviço. Assim,
o posto de capitão de fragata, aquele que é chegado o momento de externar o meu
representava o sonhado comando de um sincero muito obrigado a uma família (aqui
contratorpedeiro. A todos os que estiveram presente nas pessoas da minha mulher Gra-
comigo nesta última singradura, almirantes, ça e das minhas filhas Carolina, Cristina e
oficiais, praças e funcionários civis, mani- Isabela) que sempre entendeu, sem nada
festo meus sinceros agradecimentos e ex- nunca cobrar, serem meus afastamentos
presso meu orgulho em tê-los comandado. parte de uma carreira escolhida e de uma
Cumprimento a todos na pessoa do meu realização desejada.
chefe de Estado-Maior, Vice-Almirante Aos amigos de diversas épocas, de
Lima Filho, oficial dedicado, competente, dentro e de fora da Marinha, alguns aqui
leal e marinheiro, que a todos contagia presenciando este momento para mim tão
com seu entusiasmo. Aos oficiais e praças significativo, externo minha gratidão pelo
do meu gabinete, que desde há muito me permanente incentivo.
acompanham, meu emocionado muito No instante em que passo o governo do
obrigado pela lealdade, atenção e paciência Comando de Operações Navais e da Dire-
e pelas demonstrações de amizade. Foi toria-Geral de Navegação (CON/DGN) ao
sempre muito bom tê-los por perto. Eu os Almirante de Esquadra Wilson Barbosa
saúdo na pessoa do dedicado, competente e Guerra, o faço com a convicção de que o
leal Capitão de Mar e Guerra Batista, meu timão passa a ser guarnecido por oficial
chefe de Gabinete. cuja vasta experiência nas lides operativas,
Exprimo aos almirantes de esquadra aliada a seus reconhecidos atributos morais
membros do Almirantado minha satisfação e profissionais, proporcionará ao setor uma
e orgulho em ter podido compartilhar com navegação segura e precisa. Prezado Al-
os senhores profícuos momentos de dis- mirante Guerra, o CON/DGN não poderia
cussões dos relevantes temas da Marinha. estar em melhores mãos. Desejo-lhe muitos
Manifesto meu especial agradecimento bons ventos!
ao ministro da Defesa, Embaixador Celso Por fim, um último agradecimento a esta
Amorim, cuja presença nesta cerimônia querida instituição. Como é bom pertencer
muito nos honra. à Marinha! Com é bom sentir o orgulho de
Meu ingresso na Marinha se fez, desde fazer parte de uma casa na qual a merito-
o início, em um ambiente naval protago- cracia sempre foi o critério de ascensão. Na
nizado por meus pais, a quem devo, mais qual a honra, a lealdade, a hierarquia e a
que tudo, a honra, e de quem herdei o amor disciplina são virtudes sempre observadas.
a uma instituição que eles viveram tão Na qual o respeito mútuo, independente do
intensamente. Foi neste ambiente que, aos grau hierárquico, da cor da pele e do cre-
3 anos de idade, no molhe da Ilha Fiscal, do, é fielmente observado e em que todos
aproximei-me de três capitães-tenentes e somos iguais nas oportunidades. Uma casa

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

na qual reconhecemos e louvamos o legado ção, sendo, com toda a certeza, merecedor
deixado pelos que nos antecederam, e com dos maiores agradecimentos.
eles constituímos uma só Marinha. Como O princípio da sua longa caminhada
é bom pertencer a uma instituição cujo remonta ao ano de 1966, quando ingressou
único compromisso é para com a Pátria! no Colégio Naval, seguindo, em 1968,
Foi muito bom servi-la por 48 anos! Muito para a Escola Naval, estabelecimentos
obrigado!” de ensino onde lhe foram ministrados os
conhecimentos iniciais da carreira, tendo
AGRADECIMENTO E BOAS-VINDAS sido declarado guarda-marinha em 17 de
DO COMANDANTE DA MARINHA dezembro de 1971 e complementado sua
formação na Viagem de Instrução a bordo
“Hoje, a bordo do Navio-Aeródromo do Navio-Escola Custódio de Mello.
São Paulo, temos a oportunidade de ho- Já como oficial, a sua primeira comis-
menagear o Almirante de Esquadra Luiz são foi no Navio Hidrográfico Canopus, o
Fernando Palmer Fonseca, que está pas- qual, anos mais tarde, teria o privilégio de
sando o timão do Comando de Operações comandar, tendo servido em diversas outras
Navais e da Diretoria-Geral de Navegação, Organizações Militares, cabendo destacar
após pouco mais de um ano de profícuas os seguintes comandos: Navio-Balizador
realizações. Mestre João dos Santos, Navio-Hidrográ-
Uma cerimônia de transmissão de cargo fico Orion, do já citado Canopus, Centro de
é sempre revestida de profunda emoção, Sinalização Náutica e Reparos Almirante
trazendo à mente as boas recordações das Moraes Rêgo, Corpo de Aspirantes da
amizades forjadas; o reconhecimento e o Escola Naval e Navio-Escola Brasil, além
convívio com os chefes, pares e subordina- da direção do Serviço de Relações Públicas
dos; e a satisfação pelo sucesso alcançado da Marinha.
em cada tarefa bem cumprida. Quando tal Como resultado do seu excelente
evento está associado à ocasião da trans- desempenho e coroando uma brilhante
ferência para a reserva, os sentimentos se trajetória, recebeu as platinas douradas
tornam ainda mais fortes. de almirante em 31 de março de 2002, o
A labuta diária nos navios e nas OM de que foi motivo de orgulho e alegria para
terra, muitas vezes longe de casa, faz com seus amigos, entes queridos e todos os que
que os marinheiros formem uma outra famí- lhe eram próximos. Como oficial-general,
lia, a naval, baseada na comunhão de valores teve passagens marcantes como titular das
e nos esforços em prol do cumprimento da seguintes OM: Comando do 6o Distrito
missão. Assim, o momento de deixar o Ser- Naval, Instituto de Estudos do Mar Almi-
viço Ativo é sempre marcado por sensações rante Paulo Moreira, Centro de Instrução
de perda e de sentidas despedidas. Almirante Wandenkolk, Diretoria de Hi-
Dotado de incontestáveis atributos, drografia e Navegação, Diretoria-Geral do
dentre os quais destaco lealdade, lideran- Pessoal da Marinha, além dos cargos que
ça, competência, criatividade, inteligência ora transmite.
e objetividade, associados a uma sólida Do seu produtivo período à frente
bagagem profissional, amealhada durante do Comando de Operações Navais e da
mais de 48 anos de dedicação à Força, e a Diretoria-Geral de Navegação, quando
um modo afável de ser, o Almirante Palmer soube conduzir de forma irretocável as
soube granjear o nosso respeito e admira- complexas e abrangentes atividades afetas a

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

tão importantes Órgãos de Direção Setorial, Anfíbia Combinada, com a Armada da


é digna de nota a sua decisiva participação República Argentina; Obangame Express,
nas seguintes ações: no Golfo da Guiné; Felino 2013, com os
– transferência para o Setor Operativo membros da Comunidade dos Países de
dos Navios-Patrulha Oceânicos Apa e Língua Portuguesa (CPLP); Amazônia
Araguari; do Navio-Patrulha Macau e dos Azul, da qual foi o comandante da Força-
Avisos Hidroceanográficos Fluviais Rio Tarefa; e as Operações e Adestramentos
Solimões e Rio Negro; Conjuntos Coral, Ônix, Laçador, Ágata 7,
– início do funcionamento do Centro de Albacora Azul e Formosa 2013;
Simuladores de Navios Capitão de Longo – as ações em proveito da nossa par-
Curso José Jacaúna Sales, no Centro de ticipação nos grandes eventos do País,
Instrução Almirante Braz de Aguiar; como a Copa das Confederações, a Jornada
– condução do exercício de guerra ci- Mundial da Juventude, o Projeto Porto
bernética Cyber Securitas III e elaboração Maravilha e a Copa do Mundo de 2014;
do Manual de Guerra Cibernética; – apoio aos órgãos de segurança pública
– criação do Grupamento de Patrulha do Estado do Rio de Janeiro nas Operações
Naval do Sul/Sudeste na Cidade de Santos; Rio VIII, no Complexo do Lins; e São
– formalização de convênios com as Francisco, no Complexo da Maré; e
prefeituras de Santos, Bertioga, Ilha Sol- – atuação da Marinha do Brasil em su-
teira e São Vicente, com a finalidade de porte à Defesa Civil, como nas enchentes
contribuir para a fiscalização do tráfego do Rio Madeira, em Rondônia e no Acre;
aquaviário; nas chuvas que atingiram o Espírito Santo;
– começo da construção da nova sede do e no incêndio químico ocorrido em São
Comando do 3o Distrito Naval, em Natal; Francisco do Sul.
aquisição do terreno para o futuro Batalhão Prezado Almirante Palmer! Na ocasião
de Operações Ribeirinhas, em Ladário, e em que Vossa Excelência encerra mais uma
a prontificação de 48 Próprios Nacionais etapa de sucesso em sua notável singradura
Residenciais em Belém e de 80 em Águas e em que presenciamos o arriar de seu pa-
Claras, Distrito Federal; vilhão pela última vez, cabe-me, além de
– inauguração do Centro Técnico de apresentar os agradecimentos da Instituição,
Formação de Fluviários em Manaus; salientar que o seu assessoramento seguro,
– incremento, em 2013, do número de correto e oportuno transmitiu-me a necessá-
oficiais formados no Centro de Instrução ria tranquilidade para que fossem tomadas
Almirante Graça Aranha, com o recorde importantes decisões. Estou certo de que a
de 743 formandos; sucinta menção a alguns dos seus inúmeros
– ampliação da produção cartográfica do passos não permite traçar um panorama
Serviço de Sinalização Náutica do Norte, completo da enorme contribuição em quase
possibilitando a tempestiva atualização meio século de doação total e despretenciosa
de documentos de auxílio à navegação na à Marinha. No entanto, por sua expressi-
Região Amazônica; vidade, eles permitem-me asseverar-lhe a
– planejamento, em alto nível, das Ope- certeza do dever bem cumprido e a satisfa-
rações Libano IV e V; Deployment Sub, a ção de todos nós em termos convivido com
mais longa comissão de um submarino na o estimado amigo.
Marinha do Brasil; Braper Atlântico, com Desejo-lhe os mais sinceros votos de
a Marinha de Guerra do Peru; Fraterno felicidades na nova etapa de sua vida que

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

está se iniciando, extensivos à sua esposa, o aprestamento de nossas forças. Confio


Senhora Graça, e aos demais familiares. em lealdade, disciplina e dedicação a seus
Bons ventos, e que Deus o acompanhe! navios e à Marinha, que lhe são peculiares,
Ao Almirante de Esquadra Wilson Bar- e, em contrapartida, empenho a disposição
bosa Guerra, dou as boas-vindas em seu de empregar todas as minhas forças para
regresso aos setores Operativo e da DGN, somar com vocês nas tarefas afetas ao setor
formulando votos de muitas felicidades e em uma feliz e harmoniosa convivência.
e realizações, na certeza de que, com o Dirijo agora minhas palavras de agrade-
respaldo de seus reconhecidos atributos e cimento àqueles que, ao longo de mais de
sólidos conhecimentos sobre os assuntos 45 anos de serviço, me transmitiram não só
da Força, terá pleno êxito na missão que ensinamentos, mas também um legado de
ora lhe é confiada.” exemplos que moldaram minha carreira e
também minha vida pessoal.
PALAVRAS INICIAIS DO Ao Almirante de Esquadra Julio Soares
ALMIRANTE GUERRA de Moura Neto, comandante da Marinha,
agradeço pela indicação e renovo minha
“Ao assumir os cargos de comandante lealdade. Ao Embaixador Celso Amorim,
de Operações Navais e de diretor-geral de ministro de Estado da Defesa, pela rati-
Navegação, realizo o sonho de alcançar o ficação do meu nome e pelas constantes
comando pleno das forças navais, aerona- demonstrações de apreço.
vais e de Fuzileiros Navais que formam Agradeço aos insignes chefes navais que
o componente naval do Poder Militar me sensibilizam com suas presenças, aos
brasileiro. ex-ministros e ao comandante da Marinha,
A magnitude da responsabilidade que Almirantes de Esquadra Alfredo Karam,
me é atribuída na defesa dos interesses Mauro Cesar Rodrigues Pereira, Arnaldo
do País na ‘Amazônia Azul’, parcela do Leite Pereira e Roberto de Guimarães
Atlântico Sul sob jurisdição brasileira, no Carvalho.
controle eficaz das nossas vias navegáveis Aos demais membros do Almirantado,
interiores, nas atividades de socorro e na pessoa do chefe do Estado-Maior da
salvamento – SAR em nossa área de res- Armada, Almirante de Esquadra Carlos
ponsabilidade, na contribuição com meios Augusto de Souza, manifesto a honra em
navais nos contingentes de Manutenção fazer parte de tão coeso e seleto colegiado.
da Paz no Haiti e no Líbano, bem como no Aos membros do alto-comando e de-
apoio às políticas públicas para atender às mais companheiros do Exército, da Força
demandas da sociedade e na mitigação dos Aérea e do Ministério da Defesa, aos
efeitos provocados pelas calamidades que ex-comandantes de Operações Navais e
porventura venham afetar nossa população diretores-gerais de Navegação, às demais
dá conta dos desafios a enfrentar. autoridades civis e militares, presentes ou
Deste modo, dirijo-me inicialmente representadas, aos companheiros da Turma
a meus comandados, do almirante mais John Taylor, aos prezados amigos, em
antigo ao marinheiro mais moderno, particular os de Santos e de São Paulo, que
homens e mulheres, militares e civis que muito me prestigiam com a vinda ao Rio
compõem o Setor Operativo da Marinha, de Janeiro, e aos demais convidados o meu
para transmitir palavras de confiança de que muito obrigado. Suas presenças emprestam
juntos venceremos os desafios de manter especial brilho a esta cerimônia.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Aos meus familiares – mãe, irmãos, profissional e objetiva com que me transmitiu
cunhados, sobrinhos e genros aqui presen- o cargo. Aceite em meu nome e no de todos
tes–, obrigado pelo constante apoio. os oficiais, praças e servidores do Comando
À minha esposa Regina, minhas filhas de Operações Navais e da Diretoria-Geral de
Flávia, Karla e Caroline e ao meu neto Jo- Navegação os votos de muitas felicidades e
aquim, é o amor e o carinho de vocês que de bons ventos nessa nova etapa de sua vida,
alimentam o meu espírito. extensivos à esposa Graça, filhas e neta.
Por fim, dirijo-me ao Almirante de Es- Rogo ao Senhor dos Navegantes que nos
quadra Luiz Fernando Palmer Fonseca, e proteja em mais essa singradura.
agradeço pela fidalga acolhida e pela maneira Viva a Marinha!”

CAAML ENTREGA TROFÉUS


O Centro de Adestramento Almirante – Troféu Operativo Fixo Mage - Navio-
Marques de Leão (CAAML) entregou, em Aeródromo São Paulo. Instituído em 2005,
16 de maio último, os Troféus Dulcineca, destina-se ao navio da Esquadra que mais
Operativos (Alfa Mike, Fixo Mage e Uno se destacou nos adestramentos de ope-
Lima) e Positicon do ano de 2013. A ce- rações navais em simuladores de Guerra
rimônia de entrega aconteceu na sede do Eletrônica;
CAAML, no bairro carioca de Parada de – Troféu Operativo Uno Lima - Fra-
Lucas, e foi presidida pelo comandante em gata Rademaker. Instituído em 2005,
chefe da Esquadra, Vice-Almirante Ilques destina-se ao navio da Esquadra que mais
Barbosa Junior. A seguir listamos os troféus se destacou nos adestramentos de opera-
oferecidos, com os respectivos premiados. ções navais em simuladores de Guerra
– Troféu Dulcineca - Navio-Escola Bra- Antissubmarino; e
sil. Instituído em 1978, destina-se ao navio – Troféu Positicon - Segundo-Sargento
da Esquadra que mais se destacou nos cursos (OR) Jorlene Gomes Ferreira, da Fraga-
e adestramentos de Combate a Incêndio ta Independência. Instituído em 2006,
(CBinc) e Controle de Avarias (CAV); destina-se ao militar da Esquadra que
– Troféu Operativo Alfa Mike - Navio- mais se destacou no exercício da função
Aeródromo São Paulo. Instituído em 2005, de controlador aéreo tático, em controle
destina-se ao navio da Esquadra que mais se real no mar e em adestramentos realizados
destacou nos adestramentos de operações na- naquele Centro.
vais em simuladores de Guerra Acima d’Água; (Fonte: Bono no 328, de 6/5/2014)

COMANDANTE DO 6o DN RECEBE PRÊMIO POR


TRABALHOS SOCIAIS

O comandante do 6o Distrito Naval Heloísa Urt pela Secretaria de Assistência


(Ladário-MS), Contra-Almirante Ederval- Social e Cidadania da Prefeitura Municipal
do Teixeira de Abreu Filho, foi homenage- de Corumbá (MS). O evento foi promovi-
ado, em 10 de março último, com o Prêmio do no Centro de Convenções do Pantanal

RMB2oT/2014 253
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Miguel Gomes, durante a comemoração da


Semana da Mulher.
Como único homem homenageado, o
Contra-Almirante Edervaldo recebeu o prê-
mio na categoria Sensibilidade de Gênero pe-
los trabalhos sociais realizados pelo Comando
do 6o DN: as reformas no Presídio Feminino
de Corumbá e nas escolas municipais, o
apoio à 1a Regata de Canoinhas Feminina,
as palestras sob violência contra a mulher
e a revitalização da Praça Modesto Gomes. CA Edervaldo recebendo o prêmio do
Na oportunidade, foram premiadas prefeito de Ladário
também quatro mulheres nas categorias
Cultura, Meio Ambiente, Cidadania e contribuem para o desenvolvimento cultu-
Personalidade 2013. O Prêmio Heloísa Urt ral, do meio ambiente, da cidadania e da
homenageia a ativista cultural da cidade sensibilidade de gênero.
de Corumbá e é concedido às pessoas que (Fonte: www.mar.mil.br)

PROMOÇÃO DE ALMIRANTES
Foram promovidos, por Decreto Presi- – Corpo de Fuzileiros Navais: ao posto
dencial, contando antiguidade a partir de de Contra-Almirante (FN), o Capitão de
31 de março de 2014, os seguintes oficiais: Mar e Guerra (FN) Jonatas Magalhães
– Corpo da Armada: ao posto de Almi- Porto.
rante de Esquadra, o Vice-Almirante Sergio – Corpo de Engenheiros da Marinha: ao
Roberto Fernandes dos Santos; ao posto posto de Contra-Almirante (EN), o Capitão
de Vice-Almirante, os Contra-Almirantes de Mar e Guerra (EN) Álvaro Luís de Souza
Luís Antônio Rodrigues Hecht, Antonio Alves Pinto.
Carlos Soares Guerreiro e Almir Garnier – Corpo de Saúde da Marinha: ao
Santos; ao posto de Contra-Almirante, os posto de Vice-Almirante (Md), o Contra-
Capitães de Mar e Guerra Paulo Ricardo Almirante (Md) Paulo Cesar de Almeida
Finotto Colaço, Sérgio Ricardo Segovia Rodrigues; ao posto de Contra-Almirante
Barbosa, Claudio Henrique Mello de Al- (Md), o Capitão de Mar e Guerra (Md)
meida, Newton Calvoso Pinto Homem, Marco Antonio Gomes de Freitas.
Luiz Octávio Barros Coutinho e Valter (Fonte: Bono Especial n o 229, de
Citavicius Filho. 28/3/2014)

LabOceano É VISITADO POR REPRESENTANTES DA DPC


Funcionários de diversos setores da do Instituto Alberto Luiz Coimbra de
Diretoria de Portos e Costas (DPC) visita- Pós-Graduação e Pesquisa de Engenha-
ram, no final do ano passado, o Laborató- ria da Universidade Federal do Rio de
rio de Tecnologia Oceânica (LabOceano) Janeiro (Coope/UFRJ). O propósito da

254 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

desenvolvimento de
tecnologia para ex-
ploração em águas
profundas.
O LabOceano in-
corpora à prática da
engenharia oceânica
nacional um apoio
experimental dispo-
nível apenas em pou-
cos outros centros
mundiais. Os progra-
mas nele executados
contribuem para o
Funcionários da DPC e representante do desenvolvimento de
LabOceano Coppe/UFRJ (com paletó) durante a visita novas tecnologias
para os projetos de
visita foi conhecer as funcionalidades e equipamentos e estruturas oceânicas e
a estrutura do laboratório. padrões de estruturas marítimas, agre-
O LabOceano, operacional desde 2003, gando eficiência, maiores níveis de
foi projetado para realizar ensaios de mo- confiabilidade e menores riscos ao meio
delos de estruturas e equipamentos usados ambiente oceânico.
nas atividades de exploração e produção Instalações, serviços e equipamentos:
de petróleo e gás offshore, cujas operações – tanque de ensaio com 15 metros de pro-
avançam para regiões de até 3 mil metros fundidade e dimensões de 30 x 40 metros;
de profundidade. – gerador de ondas com 75 painéis
Entre suas facilidades, encontra-se o articulados movidos por motores elétricos
tanque oceânico, com 15 metros de profun- individuais. Esses painéis são capazes de
didade e poço central com 10 metros adicio- simular quaisquer condições climáticas ou
nais. O tanque é equipado com sofisticados ambientais;
sistemas geradores
de ondas multidire-
cionais e, em breve,
receberá geradores
de correntes e ventos,
permitindo simulação
realista das princi-
pais características do
meio ambiente ma-
rinho, dentro do alto
padrão de exigência
da indústria offshore.
Ele representa para o
Brasil a consolidação
Tanque oceânico Coppe/UFRJ, onde as
de sua liderança no condições ambientais offshore podem ser reproduzidas

RMB2oT/2014 255
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– simulador de força de ventos com ção de peças, propulsores e dispositivos;


capacidade de condicionar fluxos com – supercomputador com 500 núcleos de
velocidades superiores a 12 metros/seg, processamento paralelo;
incluindo espectros de vento; – instrumentação e medição de campo;
– gerador de correntezas com galerias de – consultoria técnica em engenharia naval
seis níveis horizontais permitindo perfis de e oceânica e em instrumentação e eletrônica;
corrente ao longo de toda a profundidade – cursos diversos relacionados às ativi-
do tanque; dades do laboratório.
– centro de usinagem para construção (Fonte: Informativo Marítimo da Dire-
de modelos; toria de Portos e Costas, v. 21, Número 3,
– oficina de mecânica fina para fabrica- set./dez. 2013)

MODERNIZAÇÃO DO
PARQUE INDUSTRIAL GRÁFICO DA BHMN

Em sequência aos investimentos em cidade de produção rápida, são alguns dos


tecnologia em 2013, a Marinha do Brasil ad- principais benefícios proporcionados pela
quiriu uma impressora offset modelo Heidel- impressora offset modelo Heidelberg XL
berg XL 106 4 Cores, 106 4 Cores, que ga-
por meio da Base de rante maior segurança
Hidrografia da Ma- ao navegante na hora
rinha (BHMN), em de traçar sua derrota.
Niterói. Essa máquina Na Marinha, a im-
vem sendo empregada pressora veio para
na geração de chapas substituir cinco má-
para as impressoras quinas, três monoco-
offset e aplicada no se- lores e duas bicolores.
tor de pré-impressão. Em 6 de novembro do
No Brasil, existem ano passado, quando
apenas duas impres- a máquina foi inaugu-
soras como essa em rada, a impressão de
operação. 500 unidades da carta
Essa aquisição náutica Carta 1 – Costa
faz parte do proces- e Ilhas ao Largo, uma
so de modernização das principais cartas de
do Parque Industrial navegação brasileira,
Gráfico iniciado em levou dez minutos, en-
2011, com a entrada quanto nas impressoras
em operação do CTP Inauguração do novo Parque Gráfico antigas o processo seria
– Computer to Plate. concluído em sete dias.
Avanços na qualidade dos serviços de Estão previstas novas aquisições para
impressão de documentos cartográficos e modernização do Parque Industrial Gráfico.
de auxílio à navegação, bem como a capa- (Fonte: www.mar.mil.br)

256 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

NPO ALMIRANTE MAXIMIANO APOIA PESQUISA NO


ESTREITO DE DRAKE

O Navio Polar (NPo) Almirante Maxi- do continente antártico, onde é menor a


miano realizou, em 6 de fevereiro último, concentração de fitoplâncton.
coleta de água do mar em apoio ao projeto As águas coletadas são mantidas em
de pesquisa do Professor Doutor Heitor ambiente controlado, expostas a diversos
Evangelista, da Universidade Estadual do agentes fertilizantes, como cinza de vulcão
Rio de Janeiro. e poeira da patagônia.
O recolhimento A intenção é observar
ocorreu durante a tra- a resposta do cresci-
vessia do Estreito de mento do plâncton à
Drake, entre a cidade adição dessas subs-
de Punta Arenas e a tâncias.
região antártica. O Es- O coordenador do
treito é um desafio a projeto embarcado,
todos os que realizam Alexandre Castagña,
a exploração científica ressaltou que o expe-
da Antártica. A área é rimento “contribuirá
conhecida pelos nave- Pesquisadores coletam água no Estreito de Drake para a melhor compre-
gantes da região por sua ensão dos controles
instabilidade climática e por estar sujeita ao sobre a produção primária nessa importante
efeito de inúmeras frentes frias, com ondas região, sob o ponto de vista do ciclo do
que podem atingir até 10 metros de altura. carbono”.
A coleta realizada pelo NPo Almirante Após a coleta, o navio seguiu para a
Maximiano teve duração de aproxima- região antártica, onde continuará o apoio
damente seis horas e foi realizada no aos projetos da área de hidroceanografia.
paralelo 59o sul, 230 milhas de distância (Fonte: www.mar.mil.br)

OPERANTAR XXXII – ARY RONGEL E ALMIRANTE


MAXIMIANO CONCLUEM SUAS PARTICIPAÇÕES

Após seis meses em missão no Conti- Sérgio Lucas da Silva, em 17 de abril; e


nente Antártico, o Navio de Apoio Oce- o Almirante Maximiano, sob o comando
anográfico Ary Rongel e o Navio Polar do Capitão de Mar e Guerra José Benoni
Almirante Maximiano retornaram ao Brasil, Valente Carneiro, em 22 de abril de 2014.
concluindo suas participações na Operantar O Proantar teve início em 1982, com a
XXXII, em apoio ao Programa Antártico aquisição do Navio de Apoio Oceanográ-
Brasileiro (Proantar). fico Barão de Teffé pelo então ministro da
Os navios atracaram na Base Naval Marinha, Almirante de Esquadra Maximia-
do Rio de Janeiro, localizada na Ilha de no Eduardo da Silva Fonseca, cujo nome
Mocanguê (Niterói-RJ): o Ary Rongel, sob empresta a um dos atuais navios antárticos.
o comando do Capitão de Mar e Guerra Desde então, o Brasil mantém presença

RMB2oT/2014 257
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

constante naquele continente por meio (Uruguai), serviu como plataforma de pes-
da Estação Antártica Comandante Ferraz quisa para 108 pesquisadores de 15 projetos
(EACF) e de seus navios, sob a coordena- distintos, que usaram os vários recursos de
ção de diversas organizações, com destaque bordo, como os seus cinco laboratórios,
para a Comissão Interministerial para os seus guinchos oceanográfico e geológico
Recursos do Mar (Cirm), responsável pelo e demais equipamentos científicos em toda
Programa. sua potencialidade.
Assim, tendo saí- Dentre as principais
do do Rio de Janeiro atividades realizadas
em 6 de outubro de pelo navio, destaca-
2013 rumo à Antár- ram-se a coleta de da-
tica, os navios ope- dos em 120 estações
raram no continente oceanográficas (a mais
com as principais profunda já executada
tarefas de dar apoio atingiu 5.600 metros
logístico e reabas- de profundidade, em
tecer os Módulos uma posição a leste das
Antárticos Emergen- Ilhas Malvinas) e em
ciais (MAE), cons- 70 estações geológicas
truídos durante o último verão, na EACF, (a mais profunda atingiu 3.850 metros, a
bem como apoiar projetos de ciência e maior já realizada desde a sua incorporação,
tecnologia nas mais diversas áreas, como ao norte da Ilha Elefante). O Almirante Ma-
Oceanografia, Hidro- ximiano lançou, ainda,
grafia, Biologia, Ge- 15 boias de deriva e 16
ologia, Antropologia radiossondas; iniciou
e Meteorologia, rea- a aquisição de dados
lizando sondagens e com gravímetro, equi-
levantamentos oce- pamento este instalado
anográficos, obser- no último período de
vações de animais e manutenção; e coletou
coleta de amostras água na Travessia do
NPo Almirante Maximiano
de solo e água. As Drake, momento em
atividades científicas envolveram profis- que manteve posição por aproximadamente
sionais de diversas instituições de ensino dez horas em uma região de grande instabi-
e pesquisa do País que desenvolvem lidade climática e sujeita a inúmeras frentes
trabalhos utilizando os nossos “Navios frias. Além disso, realizou o apoio à EACF
Vermelhos” como plataformas de coleta com a transferência de óleo combustível e
de dados ou de apoio para o estabele- gêneros, bem como levantou dados bati-
cimento de diversos acampamentos na métricos e geológicos da Enseada Martel e
região polar austral. do interior da Ilha Deception, com o Sub-
Nesta oportunidade, o Navio Polar Botton Profile e o ecobatímetro multifeixe.
Almirante Maximiano (em sua quinta Estes dados são de suma importância para
comissão), que, além da região antártica, a atualização das cartas náuticas da região.
também visitou os portos de Punta Arenas O Navio de Apoio Oceanográfico Ary
(Chile), Ushuaia (Argentina) e Montevidéu Rongel, que realizou sua vigésima viagem

258 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ao continente gelado, apoiou a EACF e os da Operação, que contou com os esforços


projetos científicos com o transporte de pes- de várias esferas do Poder Público e com
soal, gêneros, combustível, maquinário e cooperação internacional, que interagiram
material de pesquisa. Para tanto, foram em- em sintonia para transporte, permanência
pregados os seus botes orgânicos, e ainda e salvaguarda de pesquisadores e do seu
teve à disposição um material. Neste contex-
Destacamento Aéreo to, aeronaves Hércules
Embarcado (DAE), C-130 da Força Aérea
com dois helicópteros Brasileira fizeram voos
do tipo Esquilo. Teve, de apoio regulares que
ainda, importante partiram do Brasil com
participação na ma- destino à Base Aé-
nutenção e no apoio rea Chilena Presidente
de refúgios e acam- Eduardo Frei, próxima
NApOc Ary Rongel
pamentos das bases à EACF. Já em solo
estrangeiras da Espanha (Juan Carlos I e Antártico, os pesquisadores, visitantes,
Gabriel de Castilla), Argentina (Esperanza jornalistas e autoridades convidadas, civis
e Câmara), Rússia (Bellinghausen), Bulgá- e militares, brasileiros e estrangeiros, foram
ria, Polônia, acampamento estabelecido na eficientemente apoiados.
Ponta Hennequin e o refúgio Equatoriano. (Fonte: Diretoria de Hidrografia e Na-
Outro aspecto relevante foi a amplitude vegação)

NPaOc ARAGUARI APOIA EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA AO


ARQUIPÉLAGO DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO

O Navio-Patrulha Oceânico (NPaOc) Chico Mendes de Conservação da Bio-


Araguari realizou, de 25 de março a 1o de diversidade, da Universidade Federal do
abril deste ano, a 400a Comissão de Apoio Espírito Santo, da Universidade Federal
– Expedição Científi-
ca ao Arquipélago de
São Pedro e São Pau-
lo, que contou com a
presença de militares
da Base Naval de Na-
tal, responsáveis pela
manutenção daquela
Estação.
Participaram tam-
bém pesquisadores
e representantes da
Universidade Fede-
ral do Rio Grande do
Norte, do Instituto O Araguari nas proximidades do Arquipélago de São Pedro e São Paulo

RMB2oT/2014 259
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

do Ceará, da Universidade Federal Rural sas localizadas a cerca de mil quilômetros


de Pernambuco e da Heco Produções, do litoral do Rio Grande do Norte, cuja
por conta da gravação de um documen- área total emersa é de aproximadamente
tário abordando as peculiaridades e 17 mil m2. As baixas altitudes e pequenas
atividades desenvolvidas pelo Programa dimensões tornaram o local um ponto crí-
Arquipélago de São Pedro e São Paulo tico para a navegação, pois as ilhas são de
(Proarquipélago), da Secretaria da Co- difícil detecção a olho nu, principalmente
missão Interministerial para os Recursos em condições adversas de luz e de tempo,
do Mar (Secirm). o que veio a causar ali alguns naufrágios ao
O Arquipélago de São Pedro e São Paulo longo da história.
é formado por um conjunto de ilhas rocho- (Fonte: www.mar.mil.br)

HU-4 REALIZA EVACUAÇÃO AEROMÉDICA NO PANTANAL


A aeronave de serviço do Comando A ação demonstrou a prontidão e a
do 6 o Distrito Naval (Ladário-MS), importância do emprego das aeronaves
pertencente ao 4 o Esquadrão de Heli- UH-12 da Marinha do Brasil para o apoio
cópteros de Emprego Geral (HU-4), foi à população pantaneira.
acionada, em 3 de maio último, para (Fonte: www.mar.mil.br)
socorrer um jovem de 25 anos que
havia caído de um cavalo na loca-
lidade de Nhecolândia (Corumbá-
MS), e estava em estado grave.
Transportando médico do Hospital
Naval de Ladário (HNLa), o heli-
cóptero decolou para a Fazenda São
Miguel, localizada a 120 quilômetros
de Ladário (MS). Após realizar a
Evacuação Aeromédica (Evam) com
sucesso, a aeronave pousou no heli-
ponto do Esquadrão HU-4 e transla-
dou o acidentado para a ambulância
do Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (Samu), que o encaminhou Aeronave da Marinha pousa no
ao Hospital Municipal de Corumbá. Hospital Naval de Ladário

HU-4 REALIZA EVAM DE MILITAR DO EB


A aeronave de serviço do Comando último, para socorrer o Cabo Flávio
do 6 o Distrito Naval (Ladário-MS), com da Silva Cícero, do Exército Brasileiro
um médico do Hospital Naval de Ladário (EB), que serve na 3 a Companhia de
(HNLa), foi acionada, em 28 de maio Fronteira de Forte Coimbra. O militar,

260 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

de 24 anos, sofreu um acidente de tra-


balho e teve a veia femural atingida por
uma ferramenta.
A aeronave do Esquadrão HU-4 pronta-
mente procedeu à Evacuação Aeromédica
(Evam) do ferido. No hangar do HU-4,
uma equipe do HNLa removeu o cabo
para o hospital, onde recebeu os cuidados
necessários.
(Fonte: www.mar.mil.br) Resgate do militar

NAsH DOUTOR MONTENEGRO SOCORRE


VÍTIMA DE PICADA DE COBRA

O Navio de Assistência Hos-


pitalar (NAsH) Doutor Montene-
gro, subordinado ao Comando da
Flotilha do Amazonas, recebeu,
em 21 de março último, enquan-
to navegava no Rio Juruá em
direção ao Município de Porto
Walter (AC), o pedido de ajuda
de uma canoa que transportava
uma vítima de picada de cobra.
Raymundo Nonato da Silva,
de 24 anos, fora picado por uma
cobra jararaca, enquanto traba-
lhava no plantio de mandioca. O
soro antiofídico foi administrado Paciente em atendimento
a tempo de reverter os efeitos do
veneno incubado. O paciente permaneceu Walter, quando a vítima foi então trans-
a bordo do navio, sob avaliação médica, ferida para o hospital municipal.
até a abarrancagem do NAsH em Porto (Fonte: www.mar.mil.br)

NAsH CARLOS CHAGAS RESGATA CRIANÇA INDÍGENA


O Navio de Assistência Hospitalar localizada às margens do Rio Javari. A Evam
(NAsH) Carlos Chagas, subordinado ao Co- aconteceu durante a Operação Asshop Bi-
mando da Flotilha do Amazonas, realizou, nacional 2014, realizada em conjunto com
em 26 de abril último, a Evacuação Aero- navios da Marinha de Guerra do Peru.
médica (Evam) de um bebê de dois meses Ao chegarem à comunidade para fazer
da comunidade indígena de São Luiz (AM), atendimentos médico-odontológicos, os

RMB2oT/2014 261
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

médicos receberam a informação de que um


bebê apresentava problemas respiratórios
havia dois dias. Após a avaliação feita pelo
Guarda-Marinha (MD) Luiz Guilherme, a
criança foi levada para o navio, onde foi
submetida a nebulização.
Após o diagnóstico de bronquiolite, foi
recomendada a sua internação. A criança,
acompanhada pela mãe, foi então transpor-
tada até o Hospital Municipal de Atalaia do
Norte, no Amazonas. Moradora de comunidade indígena
(Fonte: www.mar.mil.br) acompanha filho durante voo

NPa GRAÚNA RESGATA EMBARCAÇÃO


O Navio-Patrulha Graúna desatracou, Busca e Salvamento à embarcação pes-
em 4 de março último, da Base Naval de queira Copas II, que havia sofrido uma
Natal a fim de realizar uma operação de grave avaria em seu leme e se encontrava
à deriva a aproximadamente
30 milhas náuticas de Natal
(RN).
Na manhã do dia seguinte,
foram realizadas manobras
de aproximação e passagem
do dispositivo, e iniciou-se
o reboque da embarcação
para o porto de Natal. Após
aproximadamente seis horas
de trabalho, as embarcações
chegaram à entrada do Rio
Potengi, onde o Rebocador
Lagoa Paranaense, do porto
de Natal, conduziu o pesquei-
ro até a Base Naval de Natal.
(Fonte: www.mar.mil.br)
NPa Graúna durante o resgate do Copas II

SALVAMAR SUL RESGATA


TRIPULANTE FERIDO EM PESQUEIRO

O Serviço de Busca e Salvamento Marí- de um tripulante do navio pesqueiro Dom


timo do Sul (Salvamar Sul) realizou, em 13 Manuel XII. A embarcação estava a 36
de maio último, a Evacuação Aeromédica milhas náuticas (67 km) de Rio Grande

262 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

(RS) e o tripulante, de 23 anos, apresentava


fratura exposta na perna direita.
Um helicóptero Esquilo do 5o Esquadrão
de Helicópteros de Emprego Geral (HU-5)
foi acionado e resgatou o tripulante por
volta das 18 horas. O acidentado foi trans-
portado até o heliponto do HU-5, na Ilha do
Terrapleno em Rio Grande (RS), de onde
foi conduzido por lancha para o cais do Ser-
viço de Sinalização Náutica, tendo seguido
de ambulância para o hospital municipal. Após o resgate, o pescador foi conduzido
(Fonte: www.mar.mil.br) ao hospital municipal

UH-15 REALIZA EVAM DE NAVIO GREGO


O 2 o Esquadrão de Helicópteros no Rio de Janeiro (RJ), atendeu ao pedido
de Emprego Geral realizou, em 27 de de socorro do navio, recebido em 26 de
março último, a Evacuação Aeromédi- março, e coordenou a Evam do tripulante,
ca (Evam) de um tripulante do Navio que estava com suspeita de apendicite e
Mercante Astro Perseus, de bandeira cuja evolução clínica tornava urgente sua
grega, que navegava dentro da área de remoção e a avaliação cirúrgica.
responsabilidade de Busca e Salvamento Após o acionamento da tripulação de
atribuída ao Brasil. serviço do Helicóptero UH-15 (composta
O Salvamar Sueste, da área de jurisdição por pilotos, mecânicos de aviação, equipe
do Comando do 1o Distrito Naval, sediado médica e mergulhadores), a aeronave
N-7102 do Esqua-
drão Pégasus decolou
na madrugada do dia
27 para Vitória (ES)
para abastecimento
e, posteriormente,
para o navio, que se
encontrava a aproxi-
madamente 86 milhas
náuticas daquela cida-
de. Com o retorno ao
aeroporto da cidade,
o enfermo foi trans-
ferido do helicóptero
para um hospital de
Vitória para o devido
tratamento.
(Fonte: www.mar.
Transferência do enfermo da aeronave para a ambulância em Vitória mil.br)

RMB2oT/2014 263
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

UH-15 SUPER COUGAR REALIZA


EVACUAÇÃO AEROMÉDICA

O Serviço de Salvamento Marítimo


(Salvamar) Sueste, do Rio de Janeiro,
realizou em 18 de março último, com um
helicóptero UH-15 Super Cougar, evacua-
ção aeromédica (Evam) do Navio Mercante
(NM) GH Power, da China. O navio havia
emitido, no dia anterior, um pedido de so-
corro à Marinha do Brasil para atendimento
médico de emergência a um tripulante, que UH-15 Super Cougar, do EsqdHU-2, se aproxima
estava com suspeita de síndrome Guillain- do GH Power
Barré, um tipo de paralisia muscular cujo
agravamento pode levar a óbito. mercante localizava-se a 150 milhas náuticas
A aeronave do 2o Esquadrão de Emprego (277 km) do litoral brasileiro, exatamente o
Geral (EsqdHU-2) foi deslocada de São Pedro limite de afastamento de terra da aeronave.
da Aldeia (RJ) para Vitória (ES) e resgatou A tripulação da aeronave incluiu uma
o tripulante no momento em que o navio equipe médica e outra de mergulhadores.
Em face das dimensões do navio, foi pos-
sível o pouso nas tampas dos porões para
o resgate, o que normalmente seria feito
utilizando-se o guincho de salvamento do
helicóptero.
A aeronave decolou com destino a Vi-
tória onde, uma hora e vinte minutos mais
tarde, transferiu o paciente para a equipe
médica de uma UTI móvel. A operação de
socorro foi decisiva para salvar a vida do
tripulante e possibilitou a rápida melhora
do seu quadro clínico.
Super Cougar realiza Evam no NM GH Power (Fonte: www.mar.mil.br)

NOVA FERRAMENTA DIGITAL PARA PINTURA NAVAL


Avaliar com precisão o risco de incrusta- tintas e revestimentos e uma das principais
ção das embarcações, de acordo com as rotas produtoras de especialidades químicas.
que serão navegadas e, a partir daí, definir O Intertrac divide os oceanos e as águas
o revestimento que melhor se adaptará ao costeiras, levando em conta as informações
ambiente corrosivo previsto, agora é pos- fornecidas pelo Serviço de Informações
sível com o Intertrac, um software pioneiro Aeronáuticas, o AIS (do inglês Aeronau-
desenvolvido pela marca International Paint, tical Information Service), em 64 grandes
da AkzoNobel, companhia global líder em ecossistemas marinhos, cada um com seu

264 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

próprio risco de incrustação e caracterís- O software Intertrac ajudará também a


ticas, tais como salinidade, temperatura, AkzoNobel no desenvolvimento de futuros
sazonalidade e os níveis de PH e tipo de produtos, uma vez que possibilita um co-
atividade operacional, velocidade e tempo nhecimento detalhado do ambiente marinho
de parada nos portos, o que facilita na em diferentes partes do mundo e de como
escolha do melhor tipo de proteção anti- suas variações afetam no desempenho das
incrustante com base no perfil de operação embarcações.
da embarcação. (Fonte: Paula Pedroso Comunicação)

NOVA PÁGINA DA DPMM TEM NAVEGAÇÃO FACILITADA


Desde 15 de abril último, a Diretoria do principais serviços da DPMM, referentes às
Pessoal Militar da Marinha (DPMM) está carreiras de oficiais e de praças. A página
com nova página na intranet. Mais moderna apresenta também notícias sobre as ativi-
e com melhor navegabilidade, pode ser dades da Organização Militar.
acessada no endereço www.dpmm.mb. (Fonte: www.mar.mil.br)
A tecnologia utili-
zada para a mudança
de layout foi a Drupal,
indicada pela Direto-
ria de Comunicações
e Tecnologia da Infor-
mação da Marinha por
se tratar de um softwa-
re de código aberto
e por conferir mais
segurança ao site.
Os sistemas da
Diretoria continuam
disponíveis na página.
Na seção “Pergun-
tas mais frequentes”
é possível consultar
informações sobre os Nova página da DPMM tem layout mais moderno

INTERMODAL SOUTH AMERICA 2014


Foi realizada de 1o a 3 de abril último, lideranças setoriais e um seleto grupo de
no Transamerica Expo Center, na cidade players com alto poder de decisão, impul-
de São Paulo, a Intermodal South America sionando negócios e parcerias. Esta vigési-
2014, principal evento latino-americano ma edição da feira serviu também de plata-
do setor de logística, transporte de cargas forma para lançamentos, reforço de marca,
e comércio exterior. Estiveram reunidos joint-ventures, vendas e networking.

RMB2oT/2014 265
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Das empresas que visitaram o evento, companhia: o fortalecimento da Plataforma


considerado pelos executivos do setor Logística Nordeste, com a abertura de um
como excelente oportunidade estratégica novo porto-seco (Eadi) em Suape; a movi-
para a geração de novos negócios, 65% mentação de cargas de projeto pelo Tecon
são embarcadores de carga; 17% do setor Salvador; a expansão da cabotagem para o
de transporte, logística e armazéns; 10% transporte de cargas fracionadas e não tradi-
de empresas de serviços de importação e cionais no Tecon Rio Grande; e o novo ciclo
exportação; 3% de atacado e varejo; e 5% de embarcações da Wilson Sons Rebocado-
de outros segmentos. res, com a entrega do WS Phoenix. O Grupo
Nas diversas palestras realizadas, expo- atua no mercado brasileiro como operador
sitores e visitantes puderam participar das integrado de logística portuária e marítima e
discussões, cujo principal foco foram os de soluções de cadeia de suprimento.
desafios do setor logístico, contemplando Já a Allink, outra empresa participante,
principalmente os modais marítimo, rodo- lançou dois novos produtos para a cadeia
viário e ferroviário. Temas como cadeias logística, além de apresentar aos visitan-
de suprimento, acessos rodoviários e con- tes o portfólio completo para o setor de
domínios logísticos ganharam mais espaço transporte internacional marítimo de carga
nesta edição, com palestrantes renomados consolidada, tanto na importação como na
e especializados. exportação. Um dos produtos foi o Baga-
O Serviço Nacional de Aprendizagem gem, um serviço para realizar o transporte
Comercial (Senac) marcou presença na da mudança de/para o exterior com co-
Intermodal com o propósito de atender à de- bertura global com agentes exclusivos em
manda crescente de mão de obra qualificada outros países. O outro, Booking Online, é
para os referidos segmentos. “Aqui estamos um serviço on-line para a solicitação de
próximos dos players dos setores, o que é reserva na exportação.
uma oportunidade única de apresentar nos- Além dessas empresas, participaram da
sos cursos e, principalmente, os programas Intermodal 2014 a Santos Brasil, Porto de
de Ensino a Distância”, ressaltou a coor- Antuérpia, MRS Logística, Brasil Terminal
denadora de Logística, Comércio Exterior Portuário e Asia Shipping, entre outras.
e Relações Internacionais do Senac-SP, (Fontes: Textual Serviços de Comuni-
Regina de Freitas Jardim Ferraz. cação, Estúdio de Comunicação, Conteúdo
O Grupo Wilson Sons esteve presente Empresarial Comunicação Integrada e
para divulgar as atividades mais recentes da www.intermodal.com.br)

RIO BOAT SHOW


Com um total de 34 mil visitantes e um nacionais e importadas – cerca de cem
volume de R$ 193 milhões negociados, expositores, entre estaleiros e empresas
foi realizado, de 9 a 15 de abril último, na especializadas em motores e equipamen-
Marina da Glória (Rio de Janeiro-RJ), a tos, apresentaram lançamentos, diversos
17a edição do Rio Boat Show, maior salão modelos de barcos, jets, infláveis e uma
náutico outdoor da América Latina. gama completa de produtos ligados ao
Durante o evento, as águas da Baía de universo náutico. Mais de 180 barcos foram
Guanabara ficaram repletas de embarcações expostos no salão, sendo 60 na água e os

266 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

outros espalhados pela área de exposição veleiro solitário. A empreitada terminará na


da feira, que contou com uma infraestrutura França, em junho, quando a comandante do
de 30 mil m2. Veleiro Don retornar à cidade de Sète, de
No ano passado, o setor náutico faturou onde partiu há quase dois anos. Também
mais de US$ 700 milhões em vendas no contou sua história o lobo do mar Aleixo
País. De acordo com os organizadores Belov, de 70 anos, que, depois de quatro
do salão, o Brasil tem, atualmente, um voltas ao mundo, regressou recentemente
barco para cada 268 da Antártica, em mais
habitantes, e, a cada uma aventura a bordo
embarcação produzi- do Veleiro Fraternida-
da, 7,4 empregos são de. Já o tetracampeão
gerados. de pesca submarina,
Além da feira de Diego Santiago, falou
negócios, o Rio Boat sobre os riscos no es-
Show promoveu pa- porte, e o renomado
lestras com temas fotógrafo Ary Ama-
variados, voltadas ao rante, especialista em
público geral amador fotografia submarina,
e a profissionais da relatou sua experiência
área. Além das pa- na área.
lestras técnicas, com Durante o período
foco em tecnologia do evento, aconteceu
e motores, e de dicas de como comprar também a Semana Náutica Rio Boat Show,
o barco certo, ou mesmo construir a sua com competições náuticas em diversos
própria embarcação, velejadores experien- pontos turísticos do Rio de Janeiro.
tes fizeram relatos de suas aventuras pelos O Rio Boat Show teve o apoio da As-
quatro oceanos. O destaque ficou por conta sociação Brasileira dos Construtores de
da velejadora Izabel Pimentel, que está Barcos e seus Implementos (Acobar) e
prestes a se tornar a primeira mulher bra- patrocínio da Volkswagen.
sileira a completar uma volta ao mundo em (Fonte: In Press Porter Novelli)

“A MINUSTAH E O BRASIL –
DEZ ANOS PELA PAZ NO HAITI”
A Marinha do Brasil, por meio do anos pela paz no Haiti”. O evento lembrou
Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros o aniversário de dez anos de presença do
Navais e em parceria com a Organização Brasil no Haiti e o Dia Internacional dos
das Nações Unidas (ONU) e a Pontifícia Mantenedores da Paz.
Universidade Católica do Rio de Janeiro O seminário foi aberto pelo comandante
(PUC-RJ), realizou, em 30 de maio último, da Marinha, Almirante de Esquadra Julio
na Escola de Guerra Naval (Rio de Janeiro), Soares de Moura Neto; pelo coordenador
o seminário “A Minustah1 e o Brasil – Dez residente do Sistema da ONU no Brasil,

1 Minustah – Missão da Organização das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti.

RMB2oT/2014 267
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Jorge Chediek; e pelo


diretor do Instituto de
Relações Internacionais
da PUC-Rio, Professor
Paulo Esteves.
Após a abertura, foi
feita uma apresentação
pelo ministro da Defe-
sa, Embaixador Celso
Amorim, e, em seguida,
aconteceu o Painel “A
Minustah e o Brasil:
os grandes desafios”,
com moderação do pre-
sidente do Conselho
do Centro de Estudos
Político-Estratégicos da
Escola de Guerra Naval,
Almirante de Esquadra
(RM1-FN) Alvaro Au-
gusto Dias Monteiro,
e participação dos se-
guintes palestrantes: General de Exército Divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz
Augusto Heleno Ribeiro Pereira (1o Force (Force Commander da Monusco2 e ex-Force
Commander da Minustah), Embaixador Commander da Minustah), Vice-Almirante
Paulo Cordeiro de Andrade Pinto (subse- Wagner Lopes de Moraes Zamith (ex-co-
cretário-geral político do Ministério das Re- mandante da Força-Tarefa Marítima da Uni-
lações Exteriores e ex-embaixador do Bra- fil3), Professora Rut Diamint (Universidad
sil no Haiti), Contra-Almirante (FN) Paulo Torcuato di Tella – Argentina) e Professor
Martino Zuccaro (comandante da Divisão Antonio Jorge Ramalho (diretor do Instituto
Anfíbia do Corpo de Fuzileiros Navais e Pandiá Calógeras – Ministério da Defesa).
oficial de Logística do 1o Contingente Bra- No evento, foi exibido mostruário do ma-
sileiro no Haiti) e Rubem César Fernandes terial empregado pelos Fuzileiros Navais na
(diretor executivo da ONG Viva Rio). Minustah, incluindo uma Viatura Blindada
Na parte da tarde, os trabalhos tiveram Especial SR 8x8 PIRANHA IIIC, pintada
início com a apresentação do subsecretário- nas cores da ONU, e itens pertencentes ao
geral da ONU para Operações de Paz, Museu do Corpo de Fuzileiros Navais. Tam-
Embaixador Edmond Mulet. Moderado bém foi realizada a exposição fotográfica
pelo Professor Kai Kenkel, PUC-Rio, foi “Olhares do Haiti”, do Capitão de Fragata
discutido o tema “O Brasil e as Operações (RM1-FN) Eugênio Soares Laurenzano,
de Paz após a Minustah: visão crítica e integrante do 2o Contingente da Minustah.
perspectivas”, com palestras proferidas (Fontes: https://www.mar.mil.br/cgcfn/
pelos seguintes participantes: General de seminario/ e Bono no 353, de 20/5/2014)
2 Monusco – Missão da Organização das Nações Unidas para a Estabilização da República Democrática do Congo.
3 Unifil – Força Interina das Nações Unidas no Líbano.

268 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

CEMBRA REALIZA SEMINÁRIO SOBRE SUBMERSÍVEIS


O Centro de Excelência para o Mar Esquadra (FN) Fernando Antonio de Si-
Brasileiro (Cembra) realizou, em 10 e 11 queira Ribeiro; do Almirante de Esquadra
de abril último, o “Seminário sobre Sub- (Refo) Marcos Augusto Leal de Azevedo;
mersíveis – Desbravando o Mar Brasileiro” do diretor de Hidrografia e Navegação,
com apoio da Marinha do Brasil. O evento Vice-Almirante Antonio Reginaldo
aconteceu no auditório do Centro de Ges- Pontes Lima; do coordenador-executivo
tão Tecnológica do Instituto Alberto Luiz do Cembra, Vice-Almirante (Refo) Luiz
Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Philippe da Costa Fernandes; do presi-
Engenharia da Universidade Federal do dente da Fundação de Estudos do Mar,
Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), na cidade Vice-Almirante (RM1) Lúcio Franco
do Rio de Janeiro. de Sá Fernandes; e do Professor-Doutor
A abertura do seminário ficou a cargo Theodoro Antoun Netto, representante
do comandante de Operações Navais e da Coppe/UFRJ. O seminário teve como
diretor-geral de Navegação, Almirante principal propósito divulgar o conheci-
de Esquadra Luiz Fernando Palmer mento sobre a importância fundamental
Fonseca, representando o comandante do uso de submersíveis para a pesquisa
da Marinha, e contou com a participa- e a exploração do mar.
ção do Almirante de Esquadra Mauro Na ocasião, o Almirante de Esquadra
César Rodrigues Pereira, ex-ministro Palmer destacou o principal objetivo do
da Marinha; do Professor-Doutor José Cembra como sendo o de atender aos
Israel Vargas, ex-ministro da Ciência, anseios da sociedade no que tange ao
Tecnologia e Inovação; do Secretário desenvolvimento científico, tecnológico e
de Ciência, Tecnologia e Inovação da econômico-social do mar brasileiro.
Marinha, Almirante de Esquadra Wilson O evento foi dividido em quatro pai-
Barbosa Guerra; do comandante-geral do néis: três abordaram a importância da
Corpo de Fuzileiros Navais, Almirante de utilização e do desenvolvimento nacional
de submersíveis, sob
o enfoque de órgãos
governamentais, de
empresas e de uni-
versidades do Brasil;
e o quarto incluiu
apresentações de or-
ganizações estran-
geiras com tradição
no setor.
As palestras apre-
sentadas encontram-
se disponíveis no site
http://www.cembra.
org.br/seminario.
(Fonte: www.mar.
Cerimônia de abertura do Seminário mil.br)

RMB2oT/2014 269
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

SEMINÁRIO “O PAPEL DA MARINHA NO ATLÂNTICO SUL”


Foi realizado em 28 de maio último, na Participaram do evento almirantes e ofi-
Escola de Guerra Naval (EGN), na Cidade ciais superiores em cargo de comando e di-
do Rio de Janeiro, o seminário “O Papel reção, além de outros oficiais interessados.
da Marinha no Atlântico Sul”. Este foi o (Fontes: Bono no 369, de 27/5/2014,
primeiro seminário de 2014 promovido Bono Especial no 361, de 21/5/2014 e www.
pelo Programa de Pós-Graduação em egn.mar.mil.br)
Estudos Marítimos (PPGEM) do Centro
de Estudos Político-Estratégicos (Cepe)
daquela instituição.
O seminário se propôs a analisar as
questões que desafiam o pensamento es-
tratégico naval contemporâneo e, nesse
sentido, pretendeu estimular reflexões so-
bre o poder naval brasileiro em seu campo
de atuação principal, o Atlântico Sul, sob
diferentes percepções: acadêmica, diplo-
mática e militar.
Para tanto, o evento constou das se-
guintes palestras: “A Marinha do Brasil e
o Atlântico Sul”, pelo Contra-Almirante
Flávio Augusto Viana Rocha, subchefe do
Estado-Maior da Armada; “O Atlântico
Sul, a Marinha e as Relações Internacio-
nais”, pelo Professor Doutor Érico Esteves
Duarte, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul; e “O Atlântico Sul e a
diplomacia brasileira – Oportunidades e
desafios para o poder naval brasileiro”,
pelo Conselheiro Marcelo Viegas, chefe da
Divisão das Nações Unidas do Ministério
das Relações Exteriores. Os debates foram
moderados pelo Capitão de Mar e Guerra
(RM1) Francisco Eduardo Alves de Almei-
da, do PPGEM/EGN.

RESULTADOS ESPORTIVOS
4a ETAPA DA COPA DO MUNDO DE Terceiro-Sargento Martine Soffiatti Grael,
VELA (ISAF) – 45o TROFÉU PRINCESA da Equipe de Vela da Marinha do Brasil,
SOFIA conquistou a Medalha de Ouro na competi-
Realizada em Palma de Mallorca, ção, permanecendo em 1o lugar no ranking
Espanha, de 31 de março a 5 de abril. A mundial da Classe 49er/FX.

270 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

COMPETIÇÃO DE TRIATHLON
LONG DISTANCE
A 3o SG Fernanda Garcia e a 3o SG
Carolina Galvão, atletas do Programa
Olímpico da Marinha do Brasil (Prolim),
conquistaram, respectivamente, o 1o e o 2o
lugares da competição, realizada em 6 de
abril, em Caiobá, Paraná. O percurso foi
de 1,9 km de natação, 81 km de ciclismo e
21 km de corrida. Lago de Garda, na Itália

GARDA TRENTINO OLYMPIC WEEK no rankink mundial da Classe 49er/FX. A


A 3o SG Martine Soffiatti Grael con- Equipe de Vela da MB participou do even-
quistou a Medalha de Ouro da competição to, realizado de 8 a 12 de maio no Lago de
de vela, permanecendo em primeiro lugar Garda, em Trentino, Itália.

X JOGOS SULAMERICANOS DE SANTIAGO


A Marinha do Brasil (MB) foi repre- O militar conquistou a medalha de ouro
sentada pelo pugilista Terceiro-Sargento do boxe na categoria até 60 kg. Os atletas
(RM2-EP) Robson Conceição na cerimônia da MB, que fazem parte do Programa Olím-
de encerramento dos X Jogos Sulameri- pico coordenado pelo Centro de Educação
canos de Santiago, Chile. O atleta foi o Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan),
porta-bandeira da delegação brasileira na conquistaram 26 medalhas, sendo 11 de
cerimônia, que aconteceu em 18 de março ouro, seis de prata e nove de bronze.
último, no Palácio de La Moneda. (Fonte: Bono no 217, de 24/3/2014)

PROTÓTIPO DE AERONAVE VF-1 MODERNIZADA


REALIZA PRIMEIRO VOO À BAeNSPA

O primeiro protótipo do programa de


modernização das aeronaves AF-1/A rea-
lizou pela primeira vez, no período de 31
de março a 2 de abril, um deslocamento
até a Base Aérea Naval de São Pedro da
Aldeia (BAeNSPA), em cumprimento ao
cronograma de testes e certificações.
Foram realizados testes com o perfil de
pouso a bordo, utilizando o sistema ótico de
pouso da BAeNSPA, com a finalidade de
verificar a compatibilidade do novo layout
Aeronave VF-1 modernizada em São Pedro d’Aldeia da cabine com as operações embarcadas.

RMB2oT/2014 271
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A proximidade com a aeronave moder- vos equipamentos aviônicos incorporados,


nizada e o contato com o piloto de testes além de incrementar significativamente
foram de grande importância para a tripu- o nível de segurança operacional dessas
lação do Esquadrão. Pilotos e mecânicos aeronaves, elevarão a sua capacidade de
puderam observar os novos equipamentos detecção e interceptação, bem como a
embarcados, além de analisar as futuras precisão de seus ataques.
demandas de manutenção. Em breve, os no- (www.mar.mil.br)

SECRETÁRIO AGRADECE APOIO DA MB NA OCUPAÇÃO


DO COMPLEXO DA MARÉ

O secretário de Segurança Pública do profissionalismo e ao pronto atendimento


Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que nós sempre tivemos da Marinha do
agradeceu, em 30 de março último, o Brasil. Os senhores, junto conosco, es-
apoio logístico de transporte prestado pela creveram uma nova história para o Rio
Marinha do Brasil (MB) na implantação da de Janeiro”, disse o secretário.
40a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), O Grupamento Operativo de Fuzileiros
no Complexo da Maré, na cidade do Rio Navais (GptOpFuzNav) atuou sob o co-
de Janeiro. A Força Naval disponibilizou mando do Capitão de Mar e Guerra (FN)
o efetivo de 250 militares e 21 viaturas Ricardo Henrique Santos do Pilar. Segundo
blindadas (cinco M-113, seis carros-lagarta ele, o Batalhão de Operações Especiais
anfíbios – CLAnfs – e dez viaturas blinda- (Bope) foi apoiado com quatro viaturas
das Piranha IIIC). M-113 e quatro viaturas Piranhas. Já o Ba-
“A Marinha e os fuzileiros navais talhão de Choque recebeu o apoio de quatro
são imprescindíveis. Infelizmente, o viaturas CLAnfs e duas viaturas Piranhas.
Rio de Janeiro chegou a uma determi- “Transportamos a tropa até quando eles
nada situação em que a participação e se sentiram seguros para desembarcarem
os equipamentos da Marinha se tornam e depois retornamos à base”, relatou o
indispensáveis. Nós temos tido total comandante Pilar.
apoio da Marinha, e gostaria de externar O GptOpFuzNav-Rio IX emprega
meu agradecimento e reconhecimento ao militares com experiência em Missões de
Paz no Haiti e nas demais operações de
apoio à Secretaria de Segurança Pública
do Rio de Janeiro. Foi assim nas seguintes
localidades: Complexo da Vila Cruzeiro,
no Morro do Alemão; Complexo de São
Carlos, no Morro da Mineira; Manguei-
ra; Rocinha; Vidigal; Chácara do Céu;
Chatuba, de Mesquita; Manguinhos e
Jacarezinho, bem como nas comunidades
da Barreira do Vasco e do Caju, além do
Complexo do Lins.
Reunião de coordenação para a Operação (Fonte: www.mar.mil.br)

272 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ÁGATA 8 – OPERAÇÃO NAS FRONTEIRAS


REGISTRA RECORDE
A Operação Ágata 8 – um dos eixos áreas de floresta, a operação conseguiu
de defesa para a Copa do Mundo Fifa fechar o cerco a madeireiros ilegais e,
Brasil 2014 – foi encerrada em 21 de como resultado, foram apreendidos 58
maio último com recorde em apreensão metros cúbicos de madeira.
de drogas. De acordo com balanço, a mo- A Operação Ágata foi instituída por
bilização militar nos quase 17 mil km de decreto da Presidenta Dilma Rousseff
fronteira apreendeu cerca de 40 toneladas em 2011, dentro do Plano Estratégico de
de entorpecentes que seguiriam para os Fronteiras (PEF). Este plano tem o propó-
grandes centros do País, como São Paulo sito de assegurar a presença do Estado na
e Rio de Janeiro. faixa de 150 km de largura das fronteiras
Esse volume é mais que o dobro dos em 11 estados e 710 cidades. Essa região
19 mil quilos retirados de circulação representa 27% do território nacional. O
no ano passado durante a Ágata 7, que planejamento da Ágata é precedido de
também abrangeu a mesma extensão, comunicado, por meio do Ministério das
do Oiapoque (AP) ao Chuí (RS). A Relações Exteriores, aos governos dos
integração entre Marinha, Exército e dez países vizinhos.
Aeronáutica e agentes governamentais A Ágata também promove ações de
– como Polícia Federal, Polícia Rodo- cunho médico-social. Este ano foram
viária Federal e polícias estaduais – é prestados 12.443 atendimentos em diver-
apontada como fator preponderante do sas especialidades médico-hospitalares e
“sucesso da operação”, na avaliação do 16.655 odontológicos. A população mais
chefe do Estado-Maior Conjunto das carente nos municípios de fronteira recebeu
Forças Armadas, General José Carlos 226.346 medicamentos.
De Nardi, que transmitiu os números Durante as chamadas ações cívico-
ao ministro da Defesa, Celso Amorim. sociais (Aciso), crianças e adolescentes
O maior volume de apreensão ocorreu participaram, ainda, de atividades recre-
num trecho entre os municípios de Ca- ativas e esportivas. As Aciso contaram
bixi (MT) e Novo Mundo (MS), divisa com a participação de profissionais da
com a Bolívia e o Paraguai. Numa úni- Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
ca ação, as tropas militares e policiais O Serviço Social do Transporte (Sest) e
encontraram 15 mil quilos de maconha o Serviço Nacional de Aprendizagem do
num caminhão que havia passado pela Transporte (Senat) também estiveram em
fronteira e se deslocava já no município algumas cidades das divisas. Nos postos
de Paranaíba (MS) com destino ao es- montados em escolas e quadras de es-
tado de São Paulo. Na fronteira oeste, porte, foi possível emitir documentos de
ocorreu também a apreensão de 100 identidade e carteiras de trabalho.
quilos de cocaína. Como parte das ações em prol da socie-
Durante a ação, foram feitas 122.428 dade civil, os militares recuperaram 8,62
inspeções em veículos e 7.776 em em- km de trechos de rodovias e realizaram
barcações. Mais de 20 mil pessoas foram manutenção e reparo em 104 instalações
revistadas. Os militares apreenderam 206 públicas, entre elas várias escolas.
barcos, 126 automóveis e 28 armas. Nas (Fonte: www.defesa.com.br)

RMB2oT/2014 273
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

4o DN REALIZA AÇÃO CONJUNTA COM


IBAMA E RECEITA FEDERAL

Os Navios-Patrulha Bocaina e Pampeiro


iniciaram, em 12 de maio último, ações
conjuntas com agentes da Receita Federal
e do Instituto Brasileiro de Recursos Natu-
rais Renováveis (Ibama) a fim de realizar
atividades de patrulha e inspeção naval nas
proximidades de Santarém (PA).
Durante uma Ação Cívico-Social (Aci-
so), equipes de saúde do Hospital Naval
de Belém fizeram atendimentos médicos
na localidade. A Marinha efetuou, ainda, a
instalação gratuita de coberturas nas par-
tes móveis dos motores de embarcações,
visando evitar acidentes de escalpelamento.
(Fonte: www.mar.mil.br) Embarcação é inspecionada em Santarém

GT DO 4o DN REALIZA PATRULHA E ACISO NO


INTERIOR DO PARÁ

O Grupo-Tarefa (GT) composto pelo segurança da navegação para 79 ouvintes.


Navio-Auxiliar Pará e pelo Aviso de Patrulha Ações de combate a acidentes por escal-
Tucunaré, ambos subordinados ao Comando pelamento também foram empreendidas.
do 4o Distrito Naval (Belém-PA), realizou Nesse sentido, foram instaladas coberturas
ações de Patrulha Naval padronizadas nas partes
e Ação Cívico-Social móveis dos motores de
(Aciso) no interior da- Foram inspecionadas 21 embarcações.
quele estado, de 22 de 288 embarcações nos rios Já a Escola Munici-
abril a 2 de maio. pal Comandante Ger-
Foram inspecionadas Abaeté e Tocantis, 28 mano, em Abaetetuba,
288 embarcações nos notificadas e outras oito passou por uma refor-
rios Abaeté e Tocantis, apreendidas ma durante a Aciso
situados no entorno das realizada no município.
cidades de Abaetetuba Foram efetuados corte
e Cametá, no Pará. Dessas embarcações, 28 de grama, poda de árvores, pintura geral,
foram notificadas e outras oito apreendidas. além de outros serviços que proporciona-
Nesse período, militares da Capitania ram uma melhoria significativa nas suas
dos Portos da Amazônia Oriental ministra- instalações. Os alunos receberam aten-
ram o Curso de Formação de Aquaviários, dimento médico-odontológico e fizeram
qualificando 90 novos profissionais. Além exames laboratoriais.
disso, foram realizadas palestras sobre (Fonte: www.mar.mil.br)

274 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MILITARES DA MB DESCOBREM DEPÓSITO


CLANDESTINO DE COMBUSTÍVEL

Militares da Marinha do Brasil loca- nados de forma ilegal, perto de uma estação
lizaram, em 10 de maio último (primeiro de captação de água, nas proximidades do
dia da Operação Ágata 8), um depósito Porto Geral de Corumbá (MS).
clandestino de combustível às margens do Após a lavratura do auto de apreensão,
Rio Paraguai. No local, foram encontrados agentes da Polícia Militar Ambiental
cerca de 2.600 litros de óleo diesel armaze- encaminharam o combustível ilegal à Po-
lícia Civil, para a realização de perícia no
material e de diligências para investigação
do caso. Os suspeitos do ilícito deixaram o
esconderijo antes da chegada dos militares.
A ação foi conduzida pela Capitania
Fluvial do Pantanal e pelo Grupamento
de Fuzileiros Navais de Ladário (MS), em
conjunto com o 15o Batalhão de Polícia
Militar Ambiental da região.
A Operação Ágata 8 terminou em 21
de maio.
Depósito clandestino de combustível (Fontes: www.mar.mil.br e www.
no Rio Paraguai operacoes.defesa.mil.br)

CPRJ PARTICIPA DE OPERAÇÃO CONTRA


BALOEIROS NA BAÍA DE GUANABARA

A Capitania dos Portos do Rio de Ja- últimos, órgãos da Polícia Militar do Estado
neiro (CPRJ) participou, em 23 de abril do Rio de Janeiro.
último, de operação organizada pela Co- (Fonte: www.mar.mil.br)
ordenadoria Integrada de
Combate aos Crimes Am-
bientais, órgão da Secreta-
ria de Estado do Ambiente
do Rio de Janeiro, com o
intuito de reprimir o crime
de soltar balões na Baía de
Guanabara.
Também integraram a
operação o Instituto Estadual
do Ambiente, a Polícia Civil,
o Grupamento Marítimo e
Fluvial e o Grupamento Aé-
reo e Marítimo – esses dois Inspeção Naval na Baía de Guanabara

RMB2oT/2014 275
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MARINHA APREENDE PESCADO ILEGAL NO AMAZONAS


Em 10 de maio último, primeiro dia A Operação Ágata tem o propósito de
da Operação Ágata 8, realizada pelas três fiscalizar e reprimir a prática de ilícitos em
Forças Armadas, foram apreendidos 300 toda a extensão da fronteira brasileira com
kg de pescado ilegal (pirarucu) no Posto de dez países sul-americanos. Sua oitava edi-
Fiscalização I, localizado no Encontro das ção foi realizada de 10 a 21 de maio último.
Águas, entre os rios Negro e Solimões, no (Fonte: www.mar.mil.br)
Estado do Amazonas.
O posto é coordenado pela Marinha do
Brasil, e a apreensão do pescado contou
com o apoio da Polícia Ambiental Estadual.
A carga apreendida foi doada a uma insti-
tuição de caridade. A embarcação também
apresentava outras irregularidades, como
falta de documentação e tripulantes não
habilitados. Ao final do dia, das 77 embar-
cações abordadas, seis foram notificadas e
quatro apreendidas. Posto de Fiscalização I, no Encontro das Águas

MARINHA APRESA EMBARCAÇÃO


DE PASSAGEIROS NO PARÁ

O Grupo-Tarefa Santarém, formado subordinados ao Comando do 4o Distrito


pelos Navios-Patrulha Bocaina e Pampeiro, Naval (Belém-PA), realizou, em 11 de maio
último, atividades de pa-
trulha e inspeção naval em
localidades do município
paraense de Santarém,
por ocasião da Operação
Ágata 8, iniciada no dia
10 do mesmo mês.
Na ocasião, o barco
de passageiros Bruno I
foi inspecionado e apre-
sado por falta de docu-
mentação e por apresen-
tar número de tripulantes
inferior ao recomendado,
colocando em risco a
segurança da navegação.
(Fonte: www.mar.
mil.br)
Barco de passageiros apresado durante a Operação

276 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

NPa BOCAINA APREENDE TRÊS BARCOS PESQUEIROS


O Navio-Patrulha (NPa) Bocaina, su- aproximadamente 1,5 tonelada de pescado,
bordinado ao Comando do 4o Distrito Naval além de uma rede de pesca.
(Belém-PA), apreendeu, em 11 de março O NPa Bocaina rebocou os barcos in-
último, os barcos pesqueiros Hulk I, Hulk fratores até à Base Naval de Val-de-Cães,
II e Hulk III, pelo em Belém. Eles foram
descumprimento da entregues à Capitania
Lei de Segurança do dos Portos da Amazô-
Tráfego Aquaviário. nia Oriental (CPAOR)
Durante ações de para conclusão do pro-
Patrulha e Inspeção cesso de apreensão e
Naval realizadas na medidas decorrentes.
área marítima adja- A população da re-
cente ao município de gião pode participar
Chaves (PA), foi veri- desse esforço de fis-
ficado que não havia calização informando
tripulante habilitado Embarcações pesqueiras apreendidas já atracadas na ocorrências que pos-
nas embarcações.    Base Naval de Val-de-Cães sam afetar a seguran-
Uma equipe do ça da navegação, a
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e salvaguarda da vida humana no mar e vias
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) navegáveis ou que representem risco de po-
que estava a bordo do navio-patrulha cons- luição ao meio hídrico, por meio do Disque
tatou que os barcos também não possuíam Segurança da Navegação: 0800-280-7200.
licença de pesca e efetuou a apreensão de (Fonte: www.mar.mil.br)

NPaFlu AMAPÁ APREENDE CARREGAMENTO DE


MADEIRA ILEGAL

Na madrugada do dia 10 de maio último, no escopo da Operação Ágata 8, o Navio-


durante uma ação de fiscalização realizada Patrulha Fluvial (NPaFlu) Amapá, subordi-
nado ao Comando da Flotilha do Amazonas,
apreendeu 4 metros cúbicos de madeira ilegal.
A ação foi realizada em conjunto com
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
e com o Instituto Chico Mendes de Conser-
vação da Biodiversidade (ICMBio).
Após ser autuada, a embarcação foi escol-
tada por uma lancha da Capitania Fluvial da
Amazônia Ocidental e direcionada ao Posto de
Fiscalização da Operação, em Manaus (AM).
Carregamento de madeira apreendido (Fonte: www.mar.mil.br)

RMB2oT/2014 277
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

NPa GUAPORÉ APREENDE EMBARCAÇÃO NA


BAÍA DE GUANABARA

O Navio-Patrulha (NPa) Guaporé apre-


endeu, em 19 de março último, na Baía de
Guanabara, o Barco Pesqueiro Grande Pai,
que navegava em condições irregulares. A
embarcação foi autuada por falta de tripu-
lantes e de habilitação dos que estavam
a bordo, em descumprimento da Lei de
Segurança do Tráfego Aquaviário.
A autuação foi realizada em coordena-
ção com a Polícia Federal, com três agentes
embarcados. Carregado de pescado, o barco
foi encaminhado à Capitania dos Portos do
Rio de Janeiro e liberado após o responsá-
vel assinar o termo de fiel depositário. Grupo de Visita e Inspeção do NPa Guaporé
(Fonte: www.mar.mil.br) identifica irregularidades em barco pesqueiro

NPaOc AMAZONAS APREENDE EMBARCAÇÕES


IRREGULARES

Durante operação de patrulha naval em coordenação com a Força Aérea Bra-


realizada na Bacia de Campos (RJ), o sileira (FAB) e o Instituto Brasileiro do
Navio-Patrulha Oceânico (NPaOc) Amazo- Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
nas apresou, em 19 de março último, dois Renováveis (Ibama).
barcos pesqueiros. A operação foi realizada Após receber informações sobre a loca-
lização das embarcações, enviadas por
meio da aeronave P-95, de patrulha
marítima da FAB, o Amazonas abor-
dou os barcos pesqueiros, com o apoio
de dois agentes ambientais do Ibama.
As embarcações apresentavam
irregularidades no cumprimento da
Lei de Crimes Ambientais e na Lei
de Segurança do Tráfego Aquaviário
e foram conduzidas para o porto de
Macaé. Cerca de três toneladas de
pescado foram apreendidas, além de
material de pesca. As multas aplicadas
somaram R$ 63 mil.
Militares do Amazonas abordam
Barco Pesqueiro Europa
(Fonte: www.mar.mil.br)

278 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

“GUERRA SUBMARINA” ENTRE ALEMÃES E SUECOS


Duas empresas
europeias do ramo
de defesa estão na
disputa para tentar
dominar a indústria
de construção de
submarinos no Norte
da Europa: o Grupo
Saab, da Suécia, e
a ThyssenKrupp, da
Alemanha.
No seu mais recen-
te desenvolvimento,
os suecos atraíram
os funcionários da Construção de submarino no estaleiro de Kockums, em 2001
ThyssenKrupp para
o seu lado, o que levou os alemães a pando a ThyssenKrupp, pois colocaria
oferecer-lhes um bônus igual ao salário em risco a sua capacidade de entregar
de um mês para ficar, de acordo com um seus trabalhos a tempo. Cerca de 200
artigo do The Local, da Suécia. “Cerca de funcionários do estaleiro sueco Kockums
40 membros da equipe já passaram para (comprado pela empresa de defesa alemã
o Grupo Saab, e a empresa fez a oferta a em 2005) haviam manifestado interesse
todos os 900 funcionários em Karlskrona em trabalhar no Grupo Saab, que diz
e Malmö. Relatórios locais dão conta que querer montar rapidamente uma unidade
a rotatividade de pessoal estaria preocu- para construção de submarinos depois da
preocupação contínua
da Suécia com o plano
a longo prazo de ces-
sar toda a produção da
Kockums.”
O problema com a
ThyssenKrupp come-
çou quando a empresa
comprou o estaleiro
Kockums Karkskrona,
onde durante séculos
os navios da Marinha
sueca foram construí-
dos. O Kockums tinha
sido um concorrente
direto da ThyssenKru-
Batismo do U36, novo submarino da classe 212 , no estaleiro ThyssenKrupp
a pp, e rapidamente se
Marine Systems (antigo Kockums), em Kiel, Alemanha tornou óbvio que eles

RMB2oT/2014 279
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

tinham adquirido a empresa sueca não para Até o momento, 200 funcionários da
expandir sua capacidade, mas para eliminar ThyssenKrupp foram para o Grupo Saab, e
um concorrente. Em 2013, o Kockums ainda existem mais interessados. Para parar
passou a chamar-se ThyssenKrupp Marine o sangramento, os alemães fizeram então a
Systems (TKMS). oferta de bônus, com a condição de que pelo
Recentemente, houve rumores de que o menos 40 por cento de seus empregados
Grupo Saab estaria interessado em comprar fiquem na empresa.
o Kockums, trazendo-o de volta para as (Fonte: Defesa Aérea & Naval, em tra-
mãos da Suécia, o que não foi confirmado. dução/adaptação do Digital Journal)

CFPN NOTIFICA COMBOIO QUE OBSTRUÍA RIO


PARAGUAI

Uma equipe de militares da Capitania sionou seu deslocamento para o meio do


Fluvial do Pantanal (CFPN), ao realizar canal, impedindo a passagem das demais
atividade de Inspeção Naval durante a Ope- embarcações.
ração Ágata 8, deparou-se, em 10 de maio Segundo os militares, a amarração
último, com um comboio de oito barcaças estava em desacordo com as Normas-
que obstruía o canal de navegação do Rio Padrão para Capitanias Fluviais, em vigor
Paraguai, na altura da Ilha de São Sebastião. na CFPN, o que resultou na notificação
De acordo com o relatório dos ins- da Petroleira San Antonio S/A, empresa
petores navais, uma falha na amarração responsável pelo comboio.
das barcaças, aliada ao forte vento, oca- (Fonte: www.mar.mil.br)

BTP INICIA OPERAÇÃO DE CARGA GERAL SOLTA


A Brasil Terminal Portuário (BTP) podendo passar a semanal, conforme a
anunciou, em 24 de abril último, o início demanda de mercado.
da operação com carga geral solta em seu O serviço utiliza-se de navios tipo roll-on
terminal, localizado na margem direita do roll-off (conhecidos como ro-ro), e a mo-
Porto de Santos. Com o novo serviço, o vimentação de carga através da plataforma
terminal passa a operar break bulk, que rolante garante mais agilidade na entrega e
corresponde à carga geral movimentada na operação do navio. De acordo com dados
fora de contêineres, sustentada por uma divulgados pela Agência Nacional de Trans-
plataforma rolante, chamada mafis. portes Aquaviários (Antaq), a operação por
O diretor Comercial da BTP, Alan meio dessa modalidade apresenta cresci-
Lear, explica que, “com a nova moda- mento no Porto de Santos, com aumento
lidade, que tem seu foco no mercado de de movimentação de 28,7% em relação a
cargas de projeto e maquinário, a empresa 2012, totalizando 4,3 milhões de toneladas
amplia o leque de serviços oferecidos aos de cargas soltas movimentadas em 2013.
seus clientes”. A operação de carga solta Em um primeiro acordo com a Wallenius
será realizada no terminal a cada 15 dias, Wilhelmsen Logistics (WWL), a BTP será

280 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

responsável por agendamento, armazena- deste serviço irá aumentar a capacidade de


gem, movimentação e embarque de cargas atendimento do terminal no porto de Santos.
gerais soltas do armador. A disponibilização (Fonte: In Press Porter Novelli)

BTP REVÊ PROJEÇÃO DE MOVIMENTAÇÃO DE CARGA


CONTEINERIZADA EM 2014

A Brasil Terminal Portuário (BTP) pre- gagem, em 2013 a empresa atingiu um


vê para 2014 a movimentação de 691.000 volume de mais de 110.000 TEUs movi-
TEUs1, o que significa uma redução equiva- mentados no período de agosto a dezembro.
lente a cerca de 18% sobre os números origi- Contudo, a BTP deve manter e alavancar
nalmente projetados para este ano. O ajuste os aportes financeiros na capacitação, na
se deve ao atraso na conclusão dos serviços automação e no aumento contínuo dos índi-
de dragagem de aprofundamento do canal do ces de produtividade do seu terminal. Já fo-
porto de Santos no trecho 4 e de acesso aos ram investidos R$ 2 bilhões em construção
berços da BTP, que, se concluídos até maio e remediação, além dos valores destinados
deste ano, como esperado, permitirão manter à reforma do viário, na ordem de R$ 8,8
os volumes agora projetados para 2014. milhões. A empresa iniciou suas operações
Mesmo com a operação funcionando oficiais em agosto do ano passado.
parcialmente em função da falta de dra- (Fonte: In Press Porter Novelli)

COMPLEXO LOGÍSTICO PORTUÁRIO SERÁ


INAUGURADO EM PERNAMBUCO

Um terminal alfandegado e um Centro do Panamá, além de despontar como im-


Logístico (CL) farão parte do complexo portante polo logístico do Nordeste. Hoje,
logístico a ser inaugurado este ano próximo é um dos estados que mais crescem no
do porto de Suape, em Pernambuco, pela Brasil. No último levantamento divulgado
Wilson Sons Logística, empresa do Grupo pela Agência Estadual de Planejamento
Wilson Sons. Assim como já acontece na e Pesquisas (Condepe/Fidem), o Produto
Plataforma Sudeste da empresa, o objetivo Interno Bruto (PIB) estadual obteve um
é oferecer soluções integradas e atender à crescimento de 4,2%, no acumulado de
demanda da cadeia de comércio exterior, janeiro a setembro de 2013, superando os
suprimentos e economia doméstica do índices nacionais.
Norte e Nordeste do País. Os investimen- Por conta da aposta na região, a empresa
tos no novo Centro somam mais de R$ 18 chegou a Suape em 2013 com a implan-
milhões. tação do CL. O local conta com uma das
O Estado de Pernambuco possui uma melhores estruturas para operações retro-
localização privilegiada: está próximo dos portuárias e de distribuição, com soluções
mercados do Hemisfério Norte e do Canal para indústrias, embarcadores e armadores.
1 N.R.: Medida padrão usada para indicar volume de contêineres.

RMB2oT/2014 281
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Até meados deste ano a empresa vai importação ou de exportação, que exigem
inaugurar, ainda, uma Estação Aduaneira alfandegamento, poderão ser movimen-
de Interior (Eadi) integrada ao CL, ambos tadas, armazenadas e distribuídas para o
instalados no município de Ipojuca, a 1 km mercado doméstico dentro de um mesmo
da entrada do porto. A Wilson Sons foi complexo (CL+Eadi).
a ganhadora da concorrência aberta pela A Eadi Suape terá capacidade de movi-
Receita Federal para implantar um porto mentar 29 mil TEUs ao ano. Sua área total
seco na região de Suape. Atualmente, será de 78.726 metros quadrados. Já o CL
a área está passando por adequações e conta com um armazém com 8 mil metros
deve ser submetida à aprovação do órgão. quadrados de área coberta.
Com a abertura da Eadi Suape, cargas de (Fonte: Textual Comunicação)

NAVIO DE BANDEIRA BRASILEIRA opera PELA


PRIMEIRA VEZ COM CARGAS DE PROJETO

O Tecon Salvador, terminal de contêi- que serão utilizados para construção do


neres da capital baiana operado pelo Grupo parque eólico no estado gaúcho.
Wilson Sons, recebeu o primeiro navio O Grupo Wilson Sons é um dos ope-
com bandeira brasileira levando cargas radores integrados de logística portuária
de projeto. e marítima e soluções de cadeia de supri-
Quinze nacelles, equipamentos para ge- mento no mercado brasileiro. As principais
ração de energia eólica, pesando em média atividades do Grupo são divididas em dois
77 toneladas, saíram em 21 de maio último sistemas – Portuário/Logístico e Marítimo.
do terminal, chegando dia 26 ao Rio Grande (Fonte: Textual Serviços de Comuni-
do Sul. A carga é parte dos aerogeradores cação)

AvTrFlu PIRAIM PARTICIPA DE AÇÃO EMERGENCIAL


NA BARRA DE SÃO LOURENÇO

O Aviso de Transporte Fluvial (AvTrFlu)


Piraim suspendeu, na manhã de 7 de maio
último, em direção à região da Barra de São
Lourenço, ao norte de Corumbá (MS), a fim
de realizar uma Ação Cívico-Social (Aciso)
de caráter emergencial, em razão de a região
estar sofrendo com o período de cheia do Rio
Paraguai. A iniciativa foi fruto do Projeto Povo
das Águas, uma parceria entre o Comando do
6o Distrito Naval (Ladário-MS), a Prefeitura
Municipal de Corumbá e a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Translado de ribeirinhos até o AvTrFlu Piraim

282 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Foram destacados 11 membros, sendo


eles funcionários da Prefeitura, represen-
tante da Defesa Civil, médico, cirurgião-
dentista, enfermeiros, assistentes sociais
e pesquisadores, para dar o suporte neces-
sário à população ribeirinha e atenuar as
consequências da cheia. Na oportunidade,
foram distribuídas cestas básicas e atuali-
zados os cadastros das famílias para futuras
ações deste tipo, dando continuidade ao
calendário do projeto para o ano de 2014.
A primeira parada do navio foi nas proxi- Comandante do AvTrFlu Piraim e equipe do
Projeto Povo das Águas
midades do quilômetro 1.683 do Rio Paraguai,
onde, nas regiões mais altas, já havia famílias
refugiadas. Terminado o atendimento nessa medicamentos, cestas básicas, kits de
localidade, o navio seguiu para a Barra de São higiene bucal, roupas e lonas a um total
Lourenço, onde abarrancou no dia 8 de maio. de 30 famílias, contabilizando 75 adultos
Foram realizados procedimentos e 15 crianças.
médico-odontológicos e distribuídos (Fonte: www.mar.mil.br)

NAsH SOARES DE MEIRELLES APOIA HUMAITÁ


DURANTE CHEIA HISTÓRICA

O Navio de Assistência Hospitalar


(NAsH) Soares de Meirelles (subordinado
ao Comando da Flotilha do Amazonas) e um
helicóptero do 3o Esquadrão de Helicópteros
de Emprego Geral foram deslocados, em 7
de março último, por determinação do Co-
mando do 9o Distrito Naval (Manaus-AM),
para o município amazonense de Humaitá,
que se encontrava em estado de calamidade
pública desde 26 de fevereiro. O município
teve a maior cheia já registrada na região,
conforme dados da Defesa Civil do Estado,
que foi apoiada em suas ações também pela
Agência Fluvial de Humaitá.
Em 22 de março, Humaitá foi visitado
pelo comandante do 9o Distrito Naval,
Vice-Almirante Domingos Savio Almeida
Nogueira. Participaram da visita o secretá-
rio executivo de Ações de Defesa Civil no
NAsH Soares de Meirelles abarrancado
Amazonas, Coronel Roberto Rocha Guima- em Humaitá

RMB2oT/2014 283
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

rães da Silva, e o prefeito de Humaitá, José helicóptero foi empregado na remoção de


Cidenei Lobo do Nascimento. pessoas enfermas ou ilhadas pela enchente,
O NAsH prestou atendimento médico em localidades de difícil acesso.
e odontológico à população ribeirinha, e o (Fonte: www.mar.mil.br)

9o DN PARTICIPA DA AÇÃO GLOBAL 2014


Durante as atividades da 21a edição A Ação Global é um evento nacional
da Ação Global, a Marinha do Brasil, por que tem como objetivo levar às comuni-
intermédio do Comando do 9o Distrito dades menos assistidas e à sociedade em
Naval (Manaus-AM), geral ações de edu-
realizou mais de mil cação, saúde, lazer
atendimentos médicos Em Iranduba, foram e cultura, visando à
e odontológicos a bordo realizadas 1.150 consultas promoção da cidada-
do Navio de Assistên- nia e à inclusão social.
cia Hospitalar (NAsH) médicas, além de 60 A iniciativa envolve
Doutor Montenegro. exames laboratoriais, 150 importantes parcerias
O navio permaneceu
atracado no distrito de
exames de mamografia, 370 com empresas indus-
triais e os setores pú-
Cacau Pirêra, município tratamentos odontológicos e blicos e privados.
amazonense de Irandu- 250 vacinações (Fonte: www.mar.
ba, de 22 a 26 de abril. mil.br)
O NAsH Doutor
Montenegro dispõe de uma equipe com-
posta por 67 militares, entre os quais quatro
médicos, cinco dentistas, um farmacêutico,
uma enfermeira, duas técnicas em radiologia
e seis técnicos de enfermagem. Durante a
estadia em Iranduba, foram realizadas 1.150
consultas médicas, além de 60 exames labo-
ratoriais, 150 exames de mamografia, 370
tratamentos odontológicos e 250 vacinações,
além de orientações sanitárias e distribuição
de medicamentos. No estande da Marinha,
os visitantes também puderam ter acesso às Dentistas em atendimento a bordo do
informações de como ingressar na força. NAsH Doutor Montenegro

NAsH DOUTOR MONTENEGRO NA ACRE 2014


O Navio de Assistência Hospitalar em 30 de abril último, após três meses e
(NAsH) Doutor Montenegro, um dos 11 17 dias em comissão no Estado do Acre
navios integrantes do Comando da Flotilha (AC), depois de participar da Operação
do Amazonas, regressou a Manaus (AM), Acre 2014.

284 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Sob o comando do Capitão de Corveta a drenagem de um abscesso nas proximi-


Ewerton Rodrigues Calfa, o navio partiu de dades do joelho esquerdo de uma criança
Manaus com destino à cidade de Cruzeiro indígena de 5 anos.
do Sul (AC) em 13 de janeiro deste ano, No Amazonas, foram assistidas as
com uma equipe composta por militares, seguintes comunidades: Goiabal, Nova
dentre os quais médicos, dentistas, farma- Esperança, Manariam, Morada Nova,
cêutico, enfermeira, técnicas em radiologia Monte Carvalho, Tambaqui, São Pedro,
e técnicos de enfermagem. Durante sua per- Estirão de São José, Iracema I, Iracema
manência naquele estado, o Doutor Mon- II, Porto Gaviãozinho, Restauração, São
tenegro contou com o apoio de técnicos da João, Matrinxão, Boa União, Seringal
Secretaria do Estado de Saúde do Governo Adélia, Nova Esperança, Santa Terezinha,
do Acre (Sesacre). Içaituba, Boca da Cam-
Durante o período, pina, Cobiu, Eirunepé
foram realizados de Foram realizados 58.613 e Itamarati. No Acre,
forma gratuita: consul- procedimentos médicos e receberam atendimento
tas médicas, pequenas os habitantes de Fazen-
intervenções cirúrgi- odontológicos em 14.531 da Arenal, São Pedro,
cas, exames laborato- pessoas Santa Rosa, Reforma,
riais e radiológicos, Estirão de São Pedro,
tratamentos odontoló- Porongaba, Marechal
gicos, orientações sanitárias, vacinações, Thaumaturgo, Ashaninka, Novo Horizonte,
distribuição de medicamentos, palestras Belfort, Miritizal, Boca do Moa, Rodrigues
sobre saúde e segurança da navegação e Alves, Nova Cintra, Foz do Paraná dos
Evacuações Aeromédicas (Evam). Mouras, Valparaíso, Bela Vista, Porto
De acordo com o Comandante da Floti- Walter, Seringal Natal, Vitória, Reforma,
lha do Amazonas, Capitão de Mar e Guerra São Salvador, Califórnia, Seringal Ocidente
Ednaldo Blum de Oliveira Santos, foram e Seringal Grajaú.
realizados ao todo 58.613 procedimentos (Fonte: www.mar.mil.br)
médicos e odontológicos em
14.531 pessoas residentes nas
48 comunidades visitadas.
Dentre os atendimentos,
destacaram-se três: a injeção
tempestiva de soro antiofí-
dico em um paciente picado
por uma cobra jararaca, o que
permitiu conter e reverter os
efeitos do veneno incubado; a
microcirurgia de uma pacien-
te que apresentava um afun-
damento do lado esquerdo
da face devido a uma fratura
do osso zigomático, o que
possibilitou a recuperação
dos movimentos maxilares; e Atracação do NasH Doutor Montenegro no porto de Manaus

RMB2oT/2014 285
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

NAsH Tenente Maximiano atende ribeirinhos em


suas embarcações

O Navio de Assistência Hospitalar suas embarcações, sem esperar que o navio


(NAsH) Tenente Maximiano realizou, em abarrancasse na localidade. De forma ino-
13 de maio último, atendimentos médico- vadora, os médicos do Tenente Maximiano
odontológicos em Simão Nunes (MS), no realizaram os atendimentos nas próprias
quilômetro 2.124 do Rio Paraguai. embarcações, permitindo um tratamento
Devido à recente cheia na área, a maior mais ágil.
parte dos ribeirinhos buscou auxílio em (Fonte: www.mar.mil.br)

NAsH Tenente Maximiano


abarrancado no Rio Paraguai Médico da Marinha presta atendimento a ribeirinho

NAVIOS DA FLOTILHA DO AMAZONAS NAS


COMUNIDADES DO RIO JAVARI

Durante a Comissão de Assistência Navio-Patrulha Fluvial (NPaFlu) Amapá e


Hospitalar binacional, realizada pela Ma- o Navio de Assistência Hospitalar Carlos
rinha do Brasil e pela Armada do Peru, o Chagas, subordinados ao Comando da

Crianças da comunidade de São Pedro receberam


Crianças recebendo atendimento médico chocolates de Páscoa

286 RMB2oT/2014
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Flotilha do Amazonas, levaram assistência Em São Pedro, o NPaFlu Amapá distribuiu


às comunidades ribeirinhas do Rio Javari, chocolates para as crianças, em alusão à
no período de 17 a 20 de abril. semana da Páscoa.
Foram prestados 233 atendimentos mé- Durante a comissão, os navios também
dicos e 579 procedimentos odontológicos e realizaram ações de Patrulha Naval, para
distribuídos medicamentos nas comunida- garantir a segurança da navegação e do
des de Serraria São João, São Pedro, Pal- tráfego aquaviário fluvial.
mari e Pirapitinga, no Estado do Amazonas. (Fonte: www.mar.mil.br)

IX RioHarpFestival NA ILHA FISCAL


A Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro, foi Cultural Light, Teatro Firjan, Casa de Rui
palco, em 11 de maio último, de um dos Barbosa, Museu Histórico Nacional, Clube
concertos do IX RioHarpFestival – Festival Hebraica, Palácio São Clemente e Corco-
Internacional de Harpas do Rio de Janeiro. vado, entre outros.
Apresentou-se naquele espaço (administra- (Fonte: www.rioharpfestival.com)
do pela Diretoria do Patrimônio Histórico e
Documentação da Marinha) o duo italiano
formado por Marcela Carboni (harpa) e
Max de Aloe. Os músicos executaram pro-
grama com composições próprias e obras
de Astor Piazzolla, Tom Jobim, Gabriel
Fauré, Hermeto Pascoal, Irving Berlin,
Pixinguinha e Sting.
O RioHarpFestival é a maior série de
concertos de harpa no Brasil e uma deriva-
ção do projeto Música no Museu. Ganhou
importância internacional e, hoje, é um dos
grandes festivais de harpa do mundo. Desta
nona edição do evento participaram músi-
cos consagrados de 25 países, utilizando-se
de todos os tipos de harpa, instrumento mu-
sical que é um dos mais antigos da história
da humanidade.
O festival levou mais de 120 concertos
a outros vários pontos turísticos e espaços
culturais da cidade: Palácio Guanabara
(abertura), Museu do Exército (Forte de
Copacabana), Biblioteca Nacional, Centro
Cultural Banco do Brasil, Associação Co-
mercial do Rio de Janeiro, Centro Cultural
Justiça do Trabalho, Centro Cultural Justiça
Federal, Parque das Ruínas, Igreja Nossa Marcela Carboni e Max de Aloe
Senhora da Paz, Biblioteca Parque, Centro se apresentaram na Ilha Fiscal

RMB2oT/2014 287
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ACERVO DA MB RECEBE REGISTRO NO PROGRAMA


MEMÓRIA DO MUNDO DA UNESCO

A “Coleção Edu-
ardo De Martino/
Guerra da Tríplice
Aliança”, do acervo
da Marinha do Bra-
sil, recebeu, em 27
de março último, o
diploma de registro
regional da Memória
do Mundo da Unes-
co. Essa coleção faz
parte de um conjunto
iconográfico e car-
tográfico proposto
por nove instituições Cena de combate, por Eduardo de Martino. Óleo sobre papel.
arquivísticas e mu-
seus nacionais, que
se reuniram no Museu Naval (RJ), sede desenhos e aquarelas do artista Eduardo
da Diretoria do Patrimônio Histórico e de Martino, que esteve na linha de frente
Documentação da Marinha. daquela guerra.
Pertencente ao acervo da Marinha do Este é o quarto registro de acervos
Brasil, a coleção reúne um conjunto de documentais da Marinha no Programa
Memória do Mundo
e o primeiro que as-
cendeu à relevância
regional aprovado
pelo Comitê Regio-
nal para a América
Latina e Caribe.
As mais de 40 ima-
gens multimídias da
Coleção podem ser
vistas no Museu Naval
(Rua Dom Manuel,
15, Centro do Rio),
sala 6 da exposição
“O Poder Naval na
Formação do Brasil”.
(Fontes: www.
mar.mil.br e Bono no
Certificado do Programa Memória do Mundo concedido à DPHDM 297/2014)

288 RMB2oT/2014
nossos artistas

Quatro artistas integraram a exposição Eleonora Brandão, pedagoga de forma-


“Um passeio pela aquarela – paisagens ção, após anos de intenso trabalho intelec-
transformadas em tinta sobre papel”, que tual em instituições de ensino, deixou-se
esteve em cartaz no Museu Naval, no Rio capturar pela beleza suave presente na
de Janeiro, de 28 de abril a 15 de junho pintura com aquarelas e, intrigada com
deste ano: Vera Braga, Eleonora Brandão, o processo, buscou o aprendizado desta
John Toledano e Armando Bittencourt. técnica. Participa há quatro anos do gru-
Vera Braga iniciou seus estudos de pintu- po de alunos da Professora Vera Braga.
ra nos anos 90. Artista com viés pedagógico, Estruturadas num arcabouço tradicional
atualmente leciona em seu atelier. Faz parte que remete ao século XIX, suas obras são
do grupo de artistas que pintam ao ar livre essencialmente românticas.
pelas ruas do Rio de Janeiro, captando nas John Lionel Toledano, Capitão de
telas imagens de casarios, marinhas, morros Fragata (RM1-T), iniciou seus estudos de
e florestas da paisagem urbana. Participou de pintura em 1990, na Sociedade Brasileira
todos os Encontros Mundiais de Pintura ao de Belas Artes. Durante anos empregou
Ar Livre, realizados anualmente na capital a técnica do óleo sobre tela, em diversas
fluminense. Hoje, além de dedicar-se ao exposições. Desde 2009, aventurando-se
ensino da arte de pintar, produz trabalhos na aquarela, vem trabalhando e estudando
com aquarela e óleo sobre tela. no sentido de desenvolver uma técnica ba-
seada na aquarela inglesa do século XIX. relista amador e assina suas obras como
Além disso, explora o conceito de utiliza- ArmBitt. Aprendeu a aquarelar em famí-
ção de imagens de referência com mais de lia, onde se destacaram aquarelistas de
cem anos, em preto e branco, aplicando a boa qualidade: seu avô paterno, que tam-
cor por sua imaginação, variando, dessa bém era oficial de Marinha e que deixou
forma, a linguagem imagética de acordo várias obras, principalmente marinhas;
com o sentimento pessoal. Esse processo sua avó materna e sua mãe. A aquarela era
permite a utilização de tintas e efeitos os o meio adequado para se pintar a bordo
mais variados, às vezes contrariando as dos navios, onde os espaços são confina-
doutrinas ensinadas em escolas de artes, dos: suas tintas, solúveis em água, secam
que tendem a limitar o artista. Realizou em poucas horas e não emitem odores, ao
vários salões de artes e gincanas artísticas contrário das tintas a óleo. Por essas van-
no Rio de Janeiro e faz parte de grupo de tagens, era ensinada nas escolas navais,
artistas que pintam ao ar livre em locais inclusive pela necessidade de os oficiais
pitorescos da cidade. Nessa nova fase, retratarem vistas de acidentes geográfi-
participou por quatro anos seguidos, a cos nos roteiros de navegação, antes da
partir de 2010, de exposições no Aeroporto disponibilidade de câmaras fotográficas
Internacional Antônio Carlos Jobim. para essa finalidade. O autor já expôs em
Armando Bittencourt, vice-almirante várias mostras de pinturas, inclusive uma
engenheiro naval reformado, é um aqua- de ilustração botânica.

Vista da Exposição
Antessala da Exposição
Inauguração da mostra
Vera Braga

Largo do Boticário
Debaixo da ponte
Carnaval
Favelinha
Eleonora Brandão

Inglaterra de ontem: Cambridge 2


Farol 1
Os gêmeos
Inglaterra de ontem: Warwick
Inglaterra de ontem: Warwick 2
John Toledano

Ruína italiana
Ponte para o passado
Marrocos
Prisioneiro 2
Era uma vez...
ArmBitt

Conjunto das aquarelas do Morro Dois Irmãos e Pedra da Gávea

Uma linda manhã


Chegada de frente fria com tempestade
“Rain, rain, go away come again another day”
Pôr do sol em Ipanema
Ipanema ao pôr do sol
Madrugada com superlua
Meu neto

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