Ricardo Reis

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Ricardo Reis

o poeta clássico
Temáticas na poesia de Ricardo Reis: A consciência e encenação da mortalidade:
Reis tem uma consciência aguda de que a
• Apatia – a ausência de dor ou sofri-
vida é efémera e transitória, de que o Tempo
mento, de paixão e de qualquer tipo de
passa de forma célere e de que qualquer
emoções, sejam elas agradáveis ou desa-
ato humano é pequeno e infrutífero perante
gradáveis; estado de indiferença ou impavi-
estas realidades. Receia a velhice e a morte,
dez perante qualquer acontecimento, se-
que é inevitável. Além disso, está consciente
guindo assim o estoicismo.
de que o Homem é débil perante forças mai-
• Ataraxia – tranquilidade da alma ou ores que o oprimem. Assim, angustiado por
ausência de perturbação. Consiste na busca tudo isto e pela noção de um Destino inexo-
do equilíbrio emocional recorrendo à diminu- rável, procura na sabedoria dos antigos um
ição da intensidade das paixões, dos desejos remédio para os seus males, nomeadamente
e o fortalecimento da alma face às adversi- para a dor da caducidade e o peso
dades da vida. A ataraxia está ligada às cor- da Moira cruel. Que remédio é esse? Trata-se
rentes filosóficas do epicurismo, do estoi- da aceitação com altivez do Destino que lhe
cismo e do ceticismo. é imposto e que lhe proporcione a indife-
rença face à morte. Reconhecendo que a
• Carpe diem – é uma expressão de vida de cada um, não obstante ser instável e
origem latina que significa "aproveita o mo- contingente, é o único bem em que pode-
mento", "colhe o dia"; fruir da vida em todos mos, até certo ponto, firmar-nos, souberam
os sentidos sem preocupações com o que o construir a partir dele uma felicidade relativa,
futuro trará. Foi usada primeiramente pelo encarando com lucidez o mundo.
poeta Horácio. Está muito presente em
Odes. A vida como “encenação” da hora fatal (pre-
visão e preparação da morte): despojamento
• Epicurismo – é uma filosofia moral de bens materiais, negação de sentimentos
com origem no filósofo Epicuro que defendia excessivos e de compromissos.
o prazer como caminho para a felicidade
plena, mas para atingir esta felicidade era
necessário manter uma atitude de ataraxia.
Prazeres moderados, fuga às sensações ex-
tremas, indiferença face à morte, tudo isto
levará a uma felicidade relativa.

• Estoicismo – considera que é possí-


vel encontrar a felicidade desde que se viva
de acordo com as leis do destino ou fatum,
permanecendo com uma atitude de indife-
rença perante os males e paixões, havendo
uma atitude de abdicação constante.

• Paganismo – refere-se ao molde cul-


tural e religioso das pessoas do meio rural.
Caracterizava os seguidores das religiões po-
liteístas com ligações à Natureza, era tido
como o culto e respeito pela Natureza viva e
divina.
“Vem sentar-te comigo, Lídia” Estrofe 1 e 2- A efemeridade da vida:
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. - Convite a Lídia através da apóstrofe, verbos no
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos imperativo e no conjuntivo com valor imperativo;

Que a vida passa, e não estamos de mãos - Desejo de aproveitar com calma a vida – culto
enlaçadas. da tranquilidade (uso expressivo do advérbio);
(Enlacemos as mãos). - Reflexão sobre a efemeridade da vida, sente-se
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida latente o medo do sofrimento e da morte;

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, - Destino: entidade suprema que rege o curso do
tempo (rio), no final do qual está a morte (mar)-
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses. Estrofe 3 e 4 - Inutilidade de qualquer compro-


misso:
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena
cansarmo-nos. - A ideia de recusa de qualquer ligação, abdi-
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o
cando do que poderia ter (estoicismo)
rio.
- Aceitação passiva da morte (v.10,15 e 16) –
Mais vale saber passar silenciosamente autodisciplina mental - dada através de metáfo-
ras e comparação
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a - Ausência de ambições/atitude passiva perante
voz, a vida – evita sensações extremas.

Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, Estrofes 5 e 6 - A procura de serenidade:
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre - Recusa do amor intenso, do envolvimento fí-
correria,
sico, ato de abdicação;
E sempre iria ter ao mar.
- Opção por um amor tranquilo e por uma vida
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, calma e silenciosa, aproveitando apenas os pe-
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e quenos prazeres da natureza (epicurismo);
caricias,
- Aceitação com naturalidade da morte e dos
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do efeitos da passagem do tempo → devemos ser
outro inocentes da decadência (despreocupados e in-
Ouvindo correr o rio e vendo-o. conscientes);

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as - Culto do belo, do equilíbrio, para tingir o deleite
suave.
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —

Este momento em que sossegadamente não cremos em Estrofes 7 e 8 - A aceitação da morte:


nada,
- A morte como o fim natural da vida;
Pagãos inocentes da decadência.
- A morte que não provoca dor porque nunca se
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de viveu intensamente, há apenas algumas recorda-
mim depois
ções de momentos agradáveis - medo do sofri-
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou mento e da dor;
te mova,
- Perífrases, eufemismos, a enumeração, as aná-
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos foras, verbos no futuro.
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro


sombrio,

Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à


beira-rio,

Pagã triste e com flores no


regaço.
“Mestre, são plácidas”
Colhamos flores.
Mestre, são plácidas 3ª Parte (5ª e 6ª estrofes):
Molhemos leves justificação do conselho – a
Todas as horas
As nossas mãos vida é breve e a morte
Que nós perdemos.
Nos rios calmos, chegará.
Se no perdê-las,
Para aprendermos • O sentido da relação
Qual numa jarra,
Calma também. entre “nós” e o tempo
Nós pomos flores. está representado na
referência à figura
Não há tristezas
Girassóis sempre mitológica de
Fitando o Sol, “Cronos”, o deus que
Nem alegrias devorava os filhos: o
Da vida iremos
Na nossa vida. “Tempo” é assim
Tranquilos, tendo definido como o pai e,
Assim saibamos,
Nem o remorso simultaneamente, o
Sábios incautos, devorador, aniquilador
De ter vivido.
Não a viver, do “nós”. A
consciência do
Poema oferecido a Alberto carácter inevitável
Mas decorrê-la,
Caeiro, o seu mestre. Há, desse facto exige a
Tranquilos, plácidos,
neste “desabafo”, uma série aprendizagem da sua
Tendo as crianças de aconselhamentos dirigidos total aceitação, por
a um “nós”, no qual o sujeito parte do “nós”, de
Por nossas mestras,
poético se inclui, e, modo a saber
E os olhos cheios conformar-se às leis do
simultaneamente, um
De Natureza... conjunto de máximas, que tempo
contêm ensinamentos de 4ª Parte (7ª e 8ª estrofes): a
A beira-rio, vida, facto que confere ao solução é uma atitude
texto o estatuto de proposta imperturbável para encarar o
A beira-estrada,
de uma filosofia geral de vida. sofrimento e o fim.
Conforme calha, Símbolos:
Sempre no mesmo Filosofia de vida expressa no
1) Flor na jarra a caminho poema: É a defesa da arte de
Leve descanso da morte; viver sem envolvimento
De estar vivendo.
2) Cadeira de baloiço – emocional com o presente e
torna-se mais ténue; sem expectativas de futuro,
por forma a chegar à morte
O tempo passa,
3) Relógios: passagem do sem sobressalto e com o
Não nos diz nada. tempo apresentada mínimo de sofrimento. O
Envelhecemos. de modo metafórico. sujeito poético aspira a
Saibamos, quase “decorrer” a vida, isto é, a
1ª Parte (1ª estrofe): atingir a sensação elementar
Maliciosos, constatação da fugacidade de existir, aceitando
Sentir-nos ir. do tempo e de como o voluntariamente o seu destino,
devemos fruir. Explica a sua aprendendo a viver em
teoria da vida face à sua conformidade com as leis da
Não vale a pena existência → aceitação Natureza, aceitando, com
Fazer um gesto. serena, calma, da passagem calma lucidez, a relatividade
do tempo. e a fugacidade de todas as
Não se resiste
2ª Parte (2ª, 3ª e 4ª estrofes): coisas, recusando “tristezas” e
Ao deus atroz
conselho do interlocutor – “alegrias”, na busca da
Que os próprios filhos
conformar-se com a nossa indiferença à dor, ao
Devora sempre. condição. desprazer, a qualquer
sentimento extremo.
• Presente do conjuntivo
com valor imperativo:
apresenta uma norma
de vida;

• Evita o sofrimento e os
sentimentos extremos.
“Segue o teu destino” Em tom de aconselhamento, marcado pelo uso
do imperativo, o sujeito poético propõe a busca
Segue o teu destino,
do equilíbrio por meio do desvencilhamento e do
Rega as tuas plantas, distanciamento das coisas.
Ama as tuas rosas.
O poema é direcionado a um “tu”, que pode ser
O resto é a sombra qualquer um. O sujeito lírico propõe o
De árvores alheias. despreendimento, o distanciamento da vida. Ele
faz um convite à autonomia porque a realidade
é sempre mais ou menos (segunda estrofe) e
A realidade nem os deuses podem dar as respostas (quarta
Sempre é mais ou menos estrofe), logo, é melhor não se preocupar com as
Do que nós queremos. perguntas. Se a transcendência não responde, a
realidade não satisfaz e o outro não pode ser um
Só nós somos sempre parâmetro (segunda estrofe), o indivíduo deve
Iguais a nós-próprios. buscar o equilíbrio em si mesmo, porém sem ser
reflexionante, sem se pensar (quinta estrofe).
Suave é viver só. 1ª estrofe: O “eu” começa a expor a sua filosofia
Grande e nobre é sempre de vida. O tom coloquial permite distinguir um
diálogo entre o “eu” e o “tu”.
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras • Vv. 4-5: representa tudo o que é
adjacente à nossa vida e não nos
Como ex-voto aos deuses.
pertence.

2ª estrofe: A realidade, apesar das situações mais


Vê de longe a vida.
ou menos agradáveis, é o que fazemos dela, só
Nunca a interrogues. nós não podemos ser algo que não somos →
Ela nada pode ideia de que podemos evitar o sofrimento.
Dizer-te. A resposta 3ª estrofe: Incitação a viver sem ceder a
Está além dos deuses. compromissos nem a sentimentos extremos,
esquecendo coisas que não são consideradas
importantes, evitando, deste modo, o sofrimento.
Mas serenamente Esquecer toda a dor e viver consoante o nosso
Imita o Olimpo destino.
No teu coração.
4ª estrofe: A resposta para a interrogação da
Os deuses são deuses vida vai além do divino, está assente no fado, no
Porque não se pensam. destino.

5ª estrofe: Incentivo a sermos deuses no interior


de cada um de nós, para que possamos
encontrar alcançar a tranquilidade, pois os
deuses também estão condenados ao destino.

• Vv. 24-25: ilustra o facto de nós pensarmos


no porquê de tudo, o que nos leva a um
estado de inquietude. O estatuto dos
deuses fora-lhes atribuído naturalmente e
não porque eles se julgaram tal.

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