Escola de Guerra Naval: Operações Navais No Século Xxi: Tarefas Básicas Do Poder Naval para A Proteção Da Amazônia Azul

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ESCOLA DE GUERRA NAVAL

CMG (FN) RENATO RANGEL FERREIRA

OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI:

Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul

Rio de Janeiro

2011
CMG (FN) RENATO RANGEL FERREIRA

OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI:

Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul

Monografia apresentada à Escola de Guerra


Naval, como requisito parcial para a conclusão
do Curso de Política e Estratégia Marítimas.

Orientador: CMG (FN-RM1) José Cláudio da


Costa Oliveira

Rio de Janeiro

Escola de Guerra Naval

2011
RESUMO

As perspectivas para o século XXI indicam que a importância do mar tende a crescer como
resultado da globalização, particularmente do desenvolvimento do sistema comercial
marítimo internacional. O futuro do Brasil está ligado ao mar. As Águas Jurisdicionais
Brasileiras possuem enorme potencial econômico e importância estratégica, cabendo à
Marinha do Brasil a responsabilidade de zelar por sua defesa e segurança. Devido às enormes
dimensões, riquezas e vulnerabilidades destas águas, elas são hoje conhecidas como
Amazônia Azul, em uma referência à região amazônica, igualmente extensa, rica e
vulnerável, e às águas azuis do mar. A prioridade da defesa e segurança das Águas
Jurisdicionais Brasileiras foi ratificada pela Estratégia Nacional de Defesa, assinada em 2008.
Os conceitos, princípios e Tarefas Básicas do Poder Naval brasileiro são indicados na
Doutrina Básica da Marinha, cuja versão em vigor foi editada em 2004, sendo, portanto,
anterior às orientações emanadas da Estratégia Nacional de Defesa. Esta monografia
investigou as Operações Navais no século XXI com o propósito de verificar se as atuais
Tarefas Básicas são adequadas à proteção da Amazônia Azul e, se for o caso, propor a
atualização destas tarefas. Para tanto, o trabalho foi iniciado a partir de pesquisas sobre os
conceitos básicos do emprego do Poder Naval e as origens e desenvolvimento das Tarefas
Básicas, na Marinha do Brasil e em outras importantes marinhas do mundo. A seguir,
procedeu-se a uma análise das demandas estratégicas da Amazônia Azul, assim como das
tendências para o futuro emprego das marinhas. Ao final, com base no conhecimento obtido,
constatou-se a necessidade de repensar a formulação atual das Tarefas Básicas do Poder
Naval. Foi, então, proposto um novo conjunto de Tarefas Básicas, que deverão contribuir para
o aperfeiçoamento da prontificação do Poder Naval brasileiro e, consequentemente, para o
fortalecimento da defesa dos interesses nacionais na Amazônia Azul ao longo deste século
XXI.

Palavras-chave: Amazônia Azul, Estratégia Nacional de Defesa, Doutrina Básica da Marinha;


Operações Navais, Tarefas Básicas do Poder Naval.
ABSTRACT

The perspective for twenty-first century indicates that the importance of the sea tends to
increase as a result of globalization, particularly the development of global maritime trading
system. Brazil’s future is closely related to the sea. Brazilian Jurisdictional Waters have
enormous economic potential and strategic importance, while Brazilian Navy is responsible
for ensuring its security and defense. Due to the large size, wealth and vulnerability of these
waters, they are now known as to the Blue Amazon, in a reference to the Amazon region,
equally great, rich and vulnerable, and the blue waters of the sea. The priority of defense and
security of Brazilian Jurisdictional Waters was ratified by the National Defense Strategy,
signed in 2008. The concepts, principles and Missions of the Navy are indicated at Brazilian
Naval Basic Doctrine, whose current version was issued in 2004, therefore, prior to the
guidelines from National Defense Strategy. This work has investigated the naval operations in
the twenty-first century, in order to verify whether the current missions are still appropriate
for the protection of Blue Amazon and, if necessary, to suggest a new set of Missions. For this
purpose, our activities started with researches on basics concepts of use of naval power, as
well as on the origins and development of the Missions in Brazilian Navy and other major
navies worldwide. Then, we carried out an analysis on the strategic demands of the Blue
Amazon, as well as on trends for future use of the naval power. Finally, on the grounds of the
knowledge obtained in the work, we verified a need to rethink the current formulation of the
Brazilian Navy’s Missions. Then, a new set of Missions was suggested. This proposal should
contribute to improve the readiness of Brazilian Naval Power, thus strengthening the defense
of national interests in the Blue Amazon throughout this century.

Keywords: Brazilian Navy, Blue Amazon, National Defense Strategy, Naval Basic Doctrine,
Naval Operations, Missions of the Navy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - A interdependência das TBPN em sua concepção original ..................... 168

Figura 2 - O triângulo do uso do mar de Booth ....................................................... 169

Figura 3 - O primeiro e o segundo triângulos do uso do mar de Grove ................... 170

Figura 4 - A roda marítima de output de Kearsley ................................................... 171

Figura 5 - As Tarefas Básicas do Poder Naval apresentadas no Seminário


Amazônia Azul pelo Almirante Monteiro................................................ 172

Figura 6 - As Tarefas Básicas do Poder Naval apresentadas no Seminário


Amazônia Azul pelo Almirante Öberg - 1............................................... 173

Figura 7 - As Tarefas Básicas do Poder Naval apresentadas no Seminário


Amazônia Azul pelo Almirante Öberg – 2 .............................................. 174

Figura 8 - Documentos doutrinários da Marinha Norte-Americana ........................ 115

Figura 9 - As funções e tarefas do Real Marinha Britânica ..................................... 139

Figura 10 - As funções e tarefas da Marinha Sul-africana.......................................... 142

Figura 11 - As funções e tarefas da Real Marinha Australiana .................................. 144

Figura 12 - As funções e tarefas genéricas - Marinha Canadense.............................. 146

Figura 13 - As funções e tarefas da Marinha Canadense e seus cenários .................. 147

Figura 14 - As funções e tarefas da Marinha Canadense para o século XXI ............. 149

Figura 15 - As funções e tarefas da Marinha Indiana ................................................ 158

Figura 16 - As funções e tarefas da Marinha Portuguesa ........................................... 161

Figura 17 - Limites da ZEE e da Plataforma Continental que conformam a


Amazônia Azul ................................................................................... 175

Figura 18 - Histórico das principais ameaças ao litoral brasileiro ............................. 176

Figura 19 - Capacidades antiacesso e de negação de área em uma defesa integrada 177

Figura 20 - Sistema de defesa em camadas ................................................................ 178

Figura 21 - Sistema antiacesso e negação de área da China ...................................... 179


Figura 22 - Esboço de um sistema de defesa em camadas do litoral brasileiro..... 180

Quadro 1 - Comparação das primeiras Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha


do Brasil e da Marinha Norte-Americana ................................................. 129

Quadro 2 - Comparação da evolução das Tarefas Básicas do Poder Naval da


Marinha do Brasil e da Marinha Norte-Americana ................................... 130

Quadro 3 - Comparação das atuais Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha do


Brasil e da Marinha Norte-Americana ...................................................... 131

Quadro 4 - Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul ....... 79
LISTA DE TABELAS

1 – Evolução das Missões da Marinha Norte-Americana de 1974-2010 .......................... 127

2 - Consolidação das Funções, Missões e Tarefas Básicas de marinhas do mundo......... 163


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1ªGM - Primeira Guerra Mundial

2ªGM - Segunda Guerra Mundial

A2/AD - Anti-access and Area Denial – Antiacesso e Negação de Área

AJB - Águas Jurisdicionais Brasileiras

ARib - Área Ribeirinha

CAM - Controle de Área Marítima

CNUDM - Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

DBM - Doutrina Básica da Marinha

EMA - Estado-Maior da Armada

END - Estratégia Nacional de Defesa

EUA - Estados Unidos da América

FA - Forças Armadas

LCM - Linha de Comunicação Marítima

LIMO - Low Intensity Maritime Operations - Operações Marítimas de Baixa


Intensidade

MB - Marinha do Brasil

MDA - Maritime Domain Awareness - Consciência do Domínio Marítimo

NDP - Naval Doctrine Publication - Publicação de Doutrina Naval

NUM - Negação do Uso do Mar

ONU - Organização das Nações Unidas

PN - Poder Naval

PDN - Política de Defesa Nacional

PPT - Projeção de Poder sobre Terra


RMB - Real Marinha Britânica

SisGAAz - Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul

TBPN - Tarefas Básicas do Poder Naval

USMC - United States Marine Corps – Corpo de Fuzileiros Navais Norte-americano

USN - United States Navy – Marinha Norte-americana

ZEE - Zona Econômica Exclusiva


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 11

2 A ORIGEM DAS TAREFAS BÁSICAS DO PODER NAVAL....................... 15


2.1 Conceitos Básicos.................................................................................................. 15
2.1.1 Alfred Thayer Mahan e a doutrina do domínio do mar ......................................... 15
2.1.2 Julian Stafford Corbett e a doutrina da guerra limitada......................................... 17
2.1.3 Jeune École e a doutrina da guerra de corso........................................................ 19
2.1.4 Doutrina da guerra costeira.................................................................................... 21
2.2 Origem do Conceito de Tarefas Básicas............................................................. 23
2.3 A Primeira Doutrina Básica da Marinha........................................................... 28
2.4 Síntese.................................................................................................................... 33

3 A EVOLUÇÃO DAS TAREFAS BÁSICAS DO PODER NAVAL ................ 35


3.1 Outras abordagens para as Tarefas Básicas do Poder Naval ......................... 35
3.2 Marinha do Brasil................................................................................................ 39
3.3 Marinha dos Estados Unidos da América.......................................................... 41
3.4 Real Marinha Britânica ...................................................................................... 44
3.5 Outras Marinhas.................................................................................................. 46
3.6 Síntese.................................................................................................................... 48

4 A AMAZÔNIA AZUL......................................................................................... 50
4.1 Mentalidade Marítima ........................................................................................ 50
4.2 Aspectos Estratégicos........................................................................................... 52
4.3 Síntese ................................................................................................................... 56

5 O PODER NAVAL - PERSPECTIVAS............................................................. 57


5.1 Marinhas Modernas e Pós-Modernas................................................................ 57
5.2 O Continuun das Tarefas Básicas do Poder Naval ....................................... 59
5.3 Estratégias Antiacesso.......................................................................................... 61
5.4 Síntese ................................................................................................................... 63

6 A PROTEÇÃO DA AMAZÔNIA AZUL – PERSPECTIVAS........................ 64


6.1 A doutrina precisa mudar?................................................................................. 64
6.2 Tarefas Básicas do Poder Naval no Século XXI................................................ 68
6.3 Síntese ................................................................................................................... 78

7 CONCLUSÃO...................................................................................................... 80

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 84

APÊNDICE A – Conceitos Básicos do Emprego do Poder Naval .................. 92

APÊNDICE B – As Tarefas Básicas da Marinha do Brasil ............................ 109

APÊNDICE C – As Tarefas Básicas da Marinha Norte-Americana ............. 114


APÊNDICE D – As Tarefas Básicas da Real Marinha Britânica ................... 132

APÊNDICE E – As Tarefas Básicas de outras Marinhas ............................... 140

ANEXO A - Diagramas Representativos de Tarefas Básicas do Poder


Naval ..................................................................................................................... 168

ANEXO B – A Amazônia Azul ........................................................................... 175

ANEXO C – Histórico de Ameaças ao Litoral Brasileiro ................................ 176

ANEXO D - Antiacesso e Negação de Área ...................................................... 177


1 INTRODUÇÃO

O mar sempre teve grande importância para o desenvolvimento do ser humano.

Levando e trazendo riquezas, culturas e guerras. Unindo e afastando povos. Ao longo da

história, o mar desempenhou um papel vital como fonte de recursos e meio para o transporte e

para o exercício do poder entre as sociedades.

No século passado, o impacto do desenvolvimento tecnológico sobre os meios que

atuam no mar acentuou ainda mais a capacidade que os Poderes Naval e Marítimo dos

Estados têm de influenciar eventos de seu interesse. Neste período, não por acaso, foram

redefinidos os modos de atuação e de emprego das marinhas, ao passo em que se intensificava

o intercâmbio entre os países (KEARSLEY, 1992, p. xii-xiii).

Neste século XXI, a globalização, particularmente sob o aspecto comercial, cujo

alcance mundial é possibilitado por via marítima e facilitado pelas novas tecnologias da

comunicação e do transporte, tornará ainda mais relevante a influência do mar. O

planejamento para o desenho das marinhas e das operações navais futuras terá que lidar com

esta realidade: o mundo globalizado estará muito mais dependente do comércio marítimo. A

segurança marítima internacional e as operações navais passarão a ter, portanto, um peso

específico maior do que aquele que outrora tiveram (TILL, 2009, p.1-3).

Da mesma forma como se observa sua influência em perspectiva global, o mar

exerce, também, um papel central para o Brasil. Foi o mar que trouxe o reino português, e a

sabedoria do “velho mundo”, para os nossos trópicos. Contribuiu para a garantia e a

consolidação da unidade e integridade nacional após a independência. Possibilitou a

imigração de povos que conformaram a identidade da nossa população. Vivificou nosso

comércio exterior. E, hoje, desponta como uma enorme fonte de recursos energéticos, o que

pode estimular a cobiça internacional.


12

Esta importância estratégica das Águas Jurisdicionais Brasileiras1 (AJB) foi

destacada, em 2004, pelo Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, então

Comandante da Marinha, em seu artigo intitulado “Amazônia Azul”. Nele, foram ressaltadas

as enormes dimensões, riquezas e vulnerabilidades das AJB. O artigo inicia com um alerta

emblemático: “Toda riqueza acaba por se tornar objeto de cobiça, impondo ao detentor o ônus

da proteção.” (GUIMARÃES CARVALHO, 2004, p. 12).

Outro grande mérito deste artigo foi o de ter cunhado a feliz expressão “Amazônia

Azul”, um nome carregado de simbolismo que traça um paralelo entre as demandas

estratégicas da região amazônica e as das águas azuis de nossas AJB. O Almirante Guimarães

Carvalho, ao publicar seu artigo, estava, ao mesmo tempo, traçando o rumo e descortinando o

futuro da Marinha do Brasil (MB) para o Século XXI. A Amazônia Azul passou a ser, desde

então, a linha mestra da evolução do pensamento estratégico na Marinha.

Ao longo de sua história, a MB teve três fases acentuadamente distintas. A

primeira fase, a da maritimidade, iniciada com a independência do Brasil e concluída com a

chegada da esquadra de 1910, caracterizava-se pela hegemonia política da Marinha. A

segunda fase se estendeu até a denúncia do Acordo Militar Brasil-Estados-Unidos, em 1977,

sendo marcada pela grande proeminência desse país, e pela influência dos requisitos da guerra

antissubmarino, sobre a doutrina, o adestramento e o reaparelhamento da Marinha. A terceira

fase caracteriza-se pela procura de autonomia no campo estratégico (VIDIGAL, 2002, p. 4).

Apesar do rompimento formal do acordo e da tomada de consciência acerca da

necessidade de construção de uma marinha que atendesse a demandas estratégicas autóctones,

uma mudança de postura e de mentalidade desta envergadura não ocorre da noite para o dia. É

______________
1
Para a MB, as AJB “compreendem as águas interiores e os espaços marítimos, nos quais o Brasil exerce
jurisdição, em algum grau, sobre atividades, pessoas, instalações, embarcações e recursos naturais vivos e não-
vivos, encontrados na massa líquida, no leito ou no subsolo marinho, para os fins de controle e fiscalização,
dentro dos limites da legislação internacional e nacional. Esses espaços marítimos compreendem a faixa de 200
milhas marítimas contadas a partir das linhas de base, acrescida das águas sobrejacentes à extensão da
Plataforma Continental além das 200 milhas marítimas, onde ela ocorrer.” (BRASIL, 2011).
13

neste contexto que se insere a relevância do debate sobre a Amazônia Azul. Se a prioridade

deixara de ser a guerra antissubmarino, qual seria o novo rumo? O artigo do Almirante

Guimarães Carvalho veio responder a questão. Desde então, e pelo século XXI adentro, o

imperativo estratégico da MB passou a ser o de proteger as AJB.

Esta postura foi confirmada pela Estratégia Nacional de Defesa (END), que data

de 2008, e que redefiniu prioridades para a Defesa Nacional, enfatizando a importância do

Atlântico Sul2. A END faz menção às Tarefas Básicas do Poder Naval (TBPN) que, por sua

vez, são estabelecidas na Doutrina Básica da Marinha (DBM). Este documento foi revisado,

pela última vez, em 2004, sendo, portanto, anterior às orientações emanadas da END.

A definição das capacidades das marinhas, traduzidas em TBPN, foi uma ideia

concebida pelo Almirante Stansfield Turner, da Marinha Norte-Americana (USN), com o

propósito de forçar a reflexão em termos daquilo que deve ser produzido pelas marinhas, o

seu output3. Em seu famoso artigo datado de 1974, e intitulado Missions of the U.S. Navy

(TURNER, 1974), o almirante explica a razão desta opção:

Ao se medir o valor do output em termos de objetivos nacionais, o país pode


racionalmente decidir como ele deve alocar seus recursos para a marinha.
Categorias de input, como recursos humanos, navios, aeronaves e
adestramento são de pouca ajuda para tentar determinar por que precisamos
de uma marinha ou, caso precisemos, qual deveria ser seu tamanho e o que
ela deve estar preparada para fazer (TURNER, 1974, p. 2, tradução nossa).

Assim, as TBPN foram concebidas para evoluir de acordo com o emprego

planejado para uma determinada marinha. Nas palavras do próprio Almirante Turner, no

mesmo artigo: “As marinhas não tiveram sempre cada uma dessas tarefas [as TBPN] e nem é

provável que esta lista de tarefas seja definitiva” (TURNER, 1974, p. 3, tradução nossa).

Os conceitos constantes da DBM, particularmente as TBPN, são anteriores ao

______________
2
Para efeitos deste trabalho, o Atlântico Sul é a “área marítima de interesse direto do Brasil” sendo
geograficamente definido “do paralelo 16ºN até o Continente Antártico, abrangendo as margens oeste da África
e leste da América do Sul” (MOURA NETO, 2010, p. 452).
3
Neste trabalho, a palavra output será sempre empregada para fazer referência ao sentido adotado pelo
Almirante Turner, neste contexto, como sendo os efeitos ou ações produzidas pelas marinhas.
14

surgimento do conceito de Amazônia Azul e de toda sua consequente demanda estratégica.

Como se pôde perceber nas palavras do Almirante Turner, novas demandas estratégicas

alteram as capacidades requeridas e, consequentemente, novas TBPN podem ser necessárias.

Neste contexto, a presente pesquisa tem o propósito de verificar a adequabilidade

das atuais TBPN para a proteção4 da Amazônia Azul no século XXI e, se for o caso, sugerir a

atualização destas TBPN.

Para tanto, serão definidos, logo de início, os conceitos básicos necessários às

análises realizadas, investigadas a origem das TBPN e as circunstâncias estratégicas que

embasavam o emprego do Poder Naval5 (PN) na época. A seguir, será efetuada uma

comparação entre as atuais TBPN da MB e as de importantes marinhas do mundo,

identificando seus pontos comuns e divergentes, e verificando as suas adequabilidades para a

realidade nacional. Uma etapa importante na construção deste trabalho será a análise da

evolução da mentalidade marítima6 brasileira que culminou com a formulação do conceito de

Amazônia Azul, possibilitando, assim, a descrição de aspectos atinentes às demandas

estratégicas para a sua proteção. Será procedida, então, a análise das tendências futuras para o

emprego de PN, sempre sob a perspectiva da MB.

Por fim, de posse dos elementos coletados, será verificado se o conjunto das atuais

TBPN possibilita a adequada proteção das AJB e serão formuladas recomendações que

possibilitem o seu aprimoramento. Desta forma, o presente trabalho deverá contribuir para o

aperfeiçoamento do PN brasileiro e, consequentemente, para o fortalecimento da defesa dos

interesses nacionais na Amazônia Azul.


______________
4
Segundo o Glossário das Forças Armadas, a proteção “envolve a reação contra qualquer ataque ou agressão
real ou iminente, ou o ataque direto aos meios que possam representar ameaça, ainda que não iminente. Portanto,
a tarefa de proteger confere ao comandante [...] a possibilidade de realizar ações ofensivas ou defensivas, ao
passo que a tarefa de defender lhe permitiria realizar tão somente ações de natureza defensiva” (BRASIL, 2007b,
p. 214).
5
Segundo a DBM, o “Poder Naval efetivo precisa ser capaz de atuar em áreas extensas, por um período de
tempo ponderável, e nelas adotar atitudes tanto defensivas quanto ofensivas, explorando suas características de
mobilidade, de permanência, de versatilidade e de flexibilidade.” (BRASIL, 2004, cap. 1. p. 2).
6
A mentalidade marítima de um povo pode ser definida como a “compreensão da essencial dependência do mar
para a sua sobrevivência histórica” (VIDIGAL et al., 2006, p.21).
2 A ORIGEM DAS TAREFAS BÁSICAS DO PODER NAVAL

2.1 Conceitos Básicos

Antes de iniciar o estudo propriamente dito sobre as origens das TBPN, é

necessária a identificação de alguns conceitos básicos que sirvam de parâmetro e possibilitem

a sistematização e a contextualização das análises elaboradas. Para tanto, realizou-se a

pesquisa constante do APÊNDICE A, que identificou as principais correntes de pensamento e

seus paradigmas doutrinários, e cujos resultados serão apresentados a seguir, de forma

resumida.

Os principais conceitos básicos sobre o emprego do PN foram descritos por dois

grandes pensadores da guerra no mar: o norte-americano Alfred Thayer Mahan e o inglês

Julian Stafford Corbett. O primeiro deles representa a doutrina do domínio do mar, enquanto

o segundo, a doutrina da guerra limitada. Além destes, foram analisadas a doutrina da guerra

de corso, vinculada à Jeune École , e a doutrina da guerra costeira que, em certa medida, se

contrapõem aos anteriores, mas que têm o mérito de espelhar o pensamento estratégico de

Poderes Navais não-hegemônicos (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 450).

2.1.1 Alfred Thayer Mahan e a doutrina do domínio do mar

O Contra-Almirante Alfred Thayer Mahan, da USN, foi o autor que mais

influenciou a teoria de emprego do PN e o desenvolvimento da estratégia marítima. Nascido

em 1840, Mahan graduou-se na United States Naval Academy, em 1859. Em 1890, publicou

seu mais famoso livro, intitulado “The influence of sea power upon history, 1660-1783”

(MAHAN, 1987), contendo a compilação de suas palestras acerca da relação entre a guerra
16

naval e as políticas internacional e marítima da Europa.

Conquistar o domínio, ou comando, do mar era para Mahan a razão precípua da

existência das marinhas. Ele destacava que o emprego do PN não deveria ficar restrito aos

tempos de guerra, e que, pelo contrário, o planejamento para o seu desenvolvimento, e o

preparo para o seu emprego efetivo, deveriam ser uma preocupação constante dos governos

desde os períodos de paz. A expressão Sea Power, cunhada por Mahan, foi usada por ele

algumas vezes com a atual acepção de poder marítimo e, em outras ocasiões, com o sentido

de PN.

Mahan ressaltou a importância da formação de “consórcios navais” transnacionais

que cooperassem entre si, em prol da segurança do comércio marítimo. Este conceito pode ser

claramente notado, ainda que com outra denominação, em recentes documentos estratégicos

da USN, como, por exemplo, a Estratégia Cooperativa de 2007 (EUA, 2007b). Esta

importância decorreria do fato de que é este comércio que possibilita a produção de riquezas,

razão pela qual sua proteção deve ser assegurada pelos governos que desejarem ver a

prosperidade de seus países.

Além do caráter e do engajamento dos governos, segundo Mahan, outras

condicionantes influenciam o desenvolvimento do PN de um Estado, destacando-se as

seguintes: a sua posição geográfica (conformação do litoral e seu posicionamento em relação

às Linhas de Comunicação Marítimas (LCM)); a extensão de seu território; a dimensão de sua

população; e o caráter desta população, particularmente o seu nível de maritimidade.

Outro conceito significativo concebido por Mahan foi o da importância da

ofensiva e da concentração de meios navais na busca pela batalha decisiva que eliminaria a

força naval inimiga e conferiria ao vencedor o domínio do mar. Neste sentido, ele sustentava

o argumento de que a defesa de costa não deveria receber a atenção principal das marinhas.
17

Neste tipo de emprego, a força naval deveria ser empregada concentrada, operando

ofensivamente, o que manteria a ameaça inimiga afastada.

Alguns críticos apontam para uma excessiva influência de Antoine-Henri Jomini7,

particularmente na aparente tendência de formular princípios rígidos que devam reger o

emprego do PN. Alguns deles, tais como a máxima “nunca divida a esquadra”, foram bastante

questionados e contrapostos por outras teorias. O que, no entanto, torna-se importante

salientar é a percepção de Mahan da necessidade de construir uma doutrina naval baseada em

uma análise histórica, e composta por um conjunto de princípios que não tinham a intenção de

se tornarem dogmas. A inflexibilidade dos conceitos de Mahan teria decorrido, ao longo do

tempo, justamente da falta de uma teoria mais ampla que explicasse a guerra no mar. A

escassez bibliográfica sobre o tema desvirtuou a motivação primeira da formulação dos

princípios, retirando sua flexibilidade.

Mahan antecipou, ainda, preocupações referentes ao emprego da marinha como

instrumento diplomático. Sendo a marinha uma força com capacidade de se deslocar a

grandes distâncias sem que tal movimento simbolize uma ameaça ou agressão, ela é

naturalmente propensa a representar, ou até mesmo defender, diferentes interesses nacionais

no exterior, praticando o que mais tarde veio a denominar-se de Diplomacia Naval.

2.1.2 Julian Stafford Corbett e a doutrina da guerra limitada

Outro grande autor e formulador das bases do pensamento estratégico marítimo

foi o inglês Sir Julian Stafford Corbett (1854-1922). Em 1911, este advogado e historiador

publicou sua principal obra - Some Principles of Maritime Strategy (CORBETT, 2004).

Apesar de não pretender estabelecer regras rígidas, Corbett advogava que era
______________
7 Antoine-Henri Jomini (1799-1869) foi um militar e autor suíço que codificou as práticas militares napoleônicas
em um conjunto de regras e princípios. É considerado um dos fundadores do pensamento estratégico
contemporâneo (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 165-166).
18

possível, e até mesmo necessário, compor um corpo doutrinário com bases históricas que, sem

retirar a iniciativa dos comandantes, servisse para homogeneizar as ações no mar e facilitar a

comunicação entre os oficiais, e entre estes e seus interlocutores civis no governo. Apesar do

objetivo inicial – aperfeiçoar a educação dos oficiais de marinha – e do instrumento escolhido

- a construção de uma doutrina naval baseada em princípios - serem análogos aos de Mahan, o

conteúdo e os conceitos formulados por Corbett divergiam profundamente.

Uma diferenciação se referia justamente à razão de existir das marinhas. Para

Mahan, a marinha era, ao mesmo tempo, um fim em si mesma e uma condição essencial para

o sucesso dos Estados como potências internacionais. Corbett, com considerável influência de

Clausewitz, apresenta a questão sob outro ângulo: as marinhas são apenas um dos

instrumentos disponíveis para que os Estados coloquem em prática uma única estratégia para

atingir objetivos nacionais definidos pela política, o que deveria abranger tanto as forças do

mar, como as de terra e as ações diplomáticas. A razão, apresentada por Corbett como

fundamento para esta argumentação é clara e emblemática:

Uma vez que os homens vivem na terra e não sobre o mar, as grandes questões entre
nações em guerra sempre foram decididas - exceto em raros casos - ou pelo o que o seu
exército pode fazer contra o território e a vida nacional de seus inimigos, ou pelo medo
do que a sua esquadra possibilita que seu exército faça (CORBETT, 2004, p. 14).

Corbett afirmava que a ênfase da guerra naval não podia se restringir às ações

ofensivas que buscassem obter o comando do mar. As forças navais deveriam possuir,

também, a capacidade de exercer e desfrutar do comando alcançado, usando o mar em

proveito de uma estratégia militar mais ampla.

Outra razão apontada para a menor ênfase à obtenção do comando do mar foi a de

que, dificilmente, tal domínio poderia ser obtido em sua plenitude. Corbett relativiza o

conceito de comando do mar, admitindo uma gradação no nível de controle exercido e

flexibilizando o seu alcance em termos de tempo e de espaço. Concorriam para a dificuldade


19

do pleno comando do mar: a adoção da postura de “Esquadra em Potência”8; e o fato de que a

imensa dimensão do mar torna difícil o controle em toda a sua extensão.

Outra função destacada por Corbett foi a do emprego do PN em guerras marítimas

limitadas, como um instrumento adequado para ações políticas que, devido à sua liberdade de

movimento e flexibilidade, possibilitavam a aplicação judiciosa da força, equilibrando os

custos e os benefícios de seu emprego em diversas frentes de ação. Este tipo de emprego foi

posteriormente denominado de Diplomacia Naval.

Corbett, além de propor a divisão da esquadra, ressaltava o papel fundamental

exercido por certos navios, como cruzadores e fragatas, ou seja, que não integravam a linha de

batalha, na exploração do comando do mar. Esta diferenciação entre meios para a obtenção e

o exercício do comando do mar é um aspecto relevante.

Outro ponto destacado foi o da importância tanto das operações conjuntas, com o

emprego complementar entre as forças navais e terrestres, quanto das Operações

Expedicionárias e Anfíbias. Para a consecução dos objetivos nacionais que regiam a condução

da guerra, as marinhas deveriam ter a capacidade de proteger as forças terrestres em trânsito

no mar e, posteriormente, projetar estas forças em terra, apoiando suas ações, com o

transporte de suprimentos ou pelo fogo.

2.1.3 Jeune École e a doutrina da guerra de corso

Uma teoria significativa surgida foi a Jeune École, uma escola francesa de

pensamento, dita jovem (jeune em francês), que se desenvolveu ao longo da segunda metade

______________
8
Interessante registrar que o conceito de “Esquadra em Potência” para Corbett não se restringe ao de se manter a
esquadra em segurança em sua base e representar, apenas com sua mera presença, uma ameaça em potencial que
contestasse o pleno comando do mar pelo inimigo. Para Cobertt (2004, p. 167, 211), a esquadra com menos
poder de combate deveria negar a batalha decisiva ao inimigo, protegendo-se em sua base e realizando ações
dinâmicas da defesa, o que incluiria pequenos contra-ataques e o uso de armas como o torpedo.
20

do século XIX, contrapondo-se à forma vigente de pensar a guerra no mar, com batalhas

navais decisivas e bloqueios.

A ideia central era a de que um país com menor PN deveria sempre optar por

empregar sua marinha em uma guerra ao comércio inimigo - guerra de corso - pois o impacto

sobre a economia do país inimigo deveria conduzir, mais rapidamente, à vitória. Este conceito

foi expandido e aperfeiçoado, principalmente pelo Almirante francês Theophile Aube, sobre

dois principais eixos: a guerra de corso e o emprego de navios de flotilha9 contra os navios de

linha. Em 1886, quando Aube tornou-se Ministro da Marinha, a Jeune École ganha vida. A

construção dos grandes navios de linha é suspensa e substituída pela construção de cruzadores

e torpedeiros e pelo incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento da arma submarina.

O surgimento e o aperfeiçoamento dos torpedos, das minas e, mais tarde, dos

submarinos, ao apontar as vulnerabilidades dos navios de superfície, parecia decretar o fim

dos navios de linha e das batalhas decisivas pelo controle do mar, além de liberar as forças

navais de menor envergadura da condição de Esquadra em Potência, possibilitando o seu

emprego em estratégias defensivas que visavam a negar o uso do mar ao inimigo.

Várias razões conduziram ao declínio da Jeune École, dentre os quais: a redução

da animosidade política entre França e Inglaterra; o próprio desenvolvimento tecnológico, que

embasou suas premissas, possibilitou o surgimento do telégrafo sem fio e do contratorpedeiro,

meios que protegiam os grandes navios, resgatando sua proeminência; o peso político de se

arcar com a guerra contra o comércio; e o fato de que a construção de uma esquadra dedicada

à guerra de corso impedia que a marinha pudesse cumprir outros tipos de tarefas necessárias

durante uma guerra.

Um ponto importante que pode ser salientado em relação a este processo foi o do

impacto da tecnologia sobre o pensamento estratégico naval. Uma aparente vantagem


______________
9
Nesta época, o que definia a flotilha era a quantidade e a velocidade de seus navios, mais do que o armamento e
sua endurance. A flotilha tinha o propósito de controlar as comunicações (CORBETT, 2004, p. 121).
21

tecnológica na guerra no mar, que pareça alterar os seus princípios mais fundamentais, pode

ser neutralizada pelo advento de novas táticas. Talvez uma das principais lições deixadas pela

Jeune École tenha sido a de que o pensamento estratégico naval não deva ser condicionado

por questões tecnológicas.

Apesar do declínio das teorias da Jeune École, os fatos históricos observados ao

longo do século XX confirmam sua validade. A doutrina da guerra de corso embasou as ações

da Marinha Alemã, tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundial (1ªGM/2ªGM),

tornando-se referência obrigatória, com seus erros e acertos, para o estudo do emprego do PN.

2.1.4 Doutrina da guerra costeira

Além das teorias anteriores, outra forma significativa de refletir sobre o emprego

do PN é a doutrina da guerra costeira. A proximidade de terra e a profundidade das águas

influenciam esta forma de emprego das forças navais, tanto em sua vertente ofensiva, que se

materializa por ocasião de sua projeção sobre terra, quanto do seu emprego defensivo, na

proteção da costa.

Uma das primeiras formulações desta doutrina ocorreu no século XIX, nos EUA,

com a preparação das defesas de sua costa leste. Este modelo, denominado de Fortress Fleet

School, indicava a necessidade de operações conjuntas que conjugassem fortificações

terrestres com o emprego de embarcações pequenas e artilhadas.

O pensamento sobre a defesa de costa ganha força na União Soviética, nos anos

20 e 30 do século passado, quando da crítica da atuação de sua marinha na 1ªGM. Além de

questionar a postura “mahaniana” reinante, apontaram-se as dificuldades enfrentadas por

países com litorais extensos para proteger toda a sua costa, enquanto sua esquadra estava em

águas distantes, lutando pelo domínio do mar ou protegendo o seu comércio marítimo. Neste
22

sentido, destacou a importância de preservar certa capacidade local para a defesa da costa em

toda sua extensão. Tal defesa contaria com táticas e meios específicos e distintos daqueles

empregados em alto-mar, com o emprego conjunto de suas Forças Armadas (FA), e com

sistemas de comando e controle centralizados. Previa-se o emprego coordenado de um

intrincado sistema de minas, artilharia de costa, submarinos e torpedeiros. Mais tarde, a 2ªGM

demonstrou a importância do emprego de outra arma na defesa de costa: as aeronaves de

patrulha baseadas em terra.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar10 (CNUDM) despertou,

em vários países, a atenção para a necessidade de proteger seus interesses no mar, tornando

mais relevantes certos aspectos da teoria do emprego do PN na guerra costeira, por parte de

países cujas marinhas não tinham nem porte, nem interesse, além do regional.

Nos anos 1990, após o término da Guerra Fria, a USN não teve mais oponentes

para contestarem seu domínio no mar. Assim, ela divulgou duas publicações apresentando

uma nova concepção de emprego estratégico de seu PN: ... From the Sea (EUA, 1992) e

Forward ... From the Sea (EUA, 1994a). O ponto principal destes documentos é a mudança

de foco que buscou, alterando-se o propósito do emprego da força naval do mar (on the sea)

para a terra (from the sea), com vistas a influenciar eventos no litoral. Tratava-se de uma

mudança de Mahan para Corbett, abrangendo princípios da Jeune École .

Atualmente, a bibliografia consultada indica que a defesa do litoral deve ser

conduzida segundo o princípio de dispor os diferentes sistemas de armas em camadas, ou em

círculos concêntricos, envolvendo o emprego coordenado de submarinos, aeronaves, mísseis,

minas e artilharia de costa. A força naval envolvida na defesa de costa usufrui das vantagens

propiciadas pela defensiva, tais como o prévio conhecimento e preparação do local de batalha,

______________
10
Os debates na Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Direito no Mar iniciaram-se nos anos 1930,
resultando na CNUDM, que foi concluída em 1973. O Brasil ratifica a convenção em 1988. Em 1994, a
CNUDM entra em vigor com 438 artigos e 9 anexos (BRASIL, 1995; RIBAS M., 2011).
23

a possibilidade de se adestrar na mesma área em que será empregada e a proximidade do

apoio logístico. Por estas razões, apesar de a defesa de costa ser, muitas vezes, exercida por

marinha de menor envergadura, tal fato não impede que este PN seja capaz de infligir pesadas

perdas à marinha atacante, sobretudo se estiver em jogo algum objetivo nacional relevante.

2.2 Origem do Conceito de Tarefas Básicas

A distensão na Guerra Fria e a proximidade do fim da Guerra do Vietnã

estimularam o ressurgimento do pensamento estratégico na USN e possibilitaram a retomada

de planejamentos que contemplassem novas formas de emprego do PN. No novo cenário

estratégico que se prenunciava, a ênfase na deterrência estratégica deveria diminuir, tendo em

vista os acordos, em andamento, entre os EUA e a União Soviética sobre a limitação de uso

de armas estratégicas11. O número de crises regionais tendia a aumentar a demanda pelo

emprego de forças navais em conflitos de menor envergadura (HATTENDORF, 2004, P. 7;

2007, p. ix).

Uma pessoa de destaque neste processo de ressurgimento foi o Almirante Elmo

Zumwalt, que exerceu a função de Chefe de Operações Navais no período de 1970 a 1974.

Zumwalt enfrentou alguns grandes desafios: reduzir o número de navios das esquadras devido

a restrições orçamentárias; substituir os navios incorporados durante a 2ªGM; e continuar a

fazer frente a uma Marinha Soviética cada vez mais forte e oceânica12. As linhas mestras para

esta reestruturação estavam contidas em seu programa de trabalho: “Project SIXTY”

(HATTENDORF, 2004, P. 7; 2007, p. ix, 1-30).

______________
11
Como exemplo pode-se citar o Tratado de Mísseis Antibalísticos assinado em 1972, pelo Presidente norte-
americano, Richard Nixon, e o Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, Leonid Brezhnev, e
que permaneceu em vigor até 2002 (HATTENDORF, 2007, p. x).
12
Em 1970, a Marinha Soviética, dando uma demonstração de seu alcance global, realizou o exercício “OKEAN
’70”, onde duzentos navios executaram manobras coordenadas e simultâneas nos Oceanos Atlântico, Pacífico,
Índico e no Mar Mediterrâneo (HATTENDORF, 2007, p. ix).
24

O Project SIXTY visava a balancear a distribuição dos meios de superfície,

submarinos e aeronavais, projetando um PN que pudesse fazer frente às novas demandas

estratégicas, a despeito de eventuais reduções de efetivos e de meios. Os anos de Guerra Fria

tinham criado nichos, onde preponderava o emprego isolado de aeronaves e submarinos que,

em última análise, materializavam a deterrência nuclear. O projeto retomava, então, a

relevância das ações de superfície e enfatizava a necessidade de complementaridade no

emprego dos diferentes meios navais (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 96-100).

Por ocasião da elaboração do Project SIXTY, o Almirante Zumwalt contou com o

auxílio do Vice-Almirante Stansfield Turner, na época, um Contra-Almirante recém-

promovido. Em 1972, Turner foi indicado para assumir o Naval War College, recebendo a

tarefa de rever todo seu currículo, para aperfeiçoar o ensino do pensamento estratégico naval.

Ao final de sua direção no colégio, o Almirante Turner publicou um importante artigo -

Missions of the U.S. Navy (TURNER, 1974) – no qual categorizava o emprego do PN em

missões (HATTENDORF, 2004, P. 7; 2007, p. ix).

Conforme visto na introdução, a razão para esta categorização consistia na

necessidade de organizar o emprego das forças navais pelos efeitos produzidos, ou seu output.

Este procedimento visava a facilitar a formulação de planejamentos estratégicos e o

desenvolvimento de táticas, além de possibilitar um melhor entendimento por parte do

governo das atividades realizadas pela marinha facilitando, desta maneira, o diálogo entre

civis e militares (TURNER, 1974, p. 2).

Outra razão importante era a de instruir e reforçar alguns conceitos constantes do

Project SIXTY. Em particular, visava a consolidar duas ideias: a necessidade de se integrar o

emprego dos meios navais, quebrando os nichos operacionais existentes; e reforçar a

importância do emprego do PN no controle das LCM, em detrimento da ênfase exagerada no

emprego de submarinos, em decorrência da deterrência estratégica (SWARTZ, DUGGAN,


25

2009, p. 108-116; TURNER, 1974, p. 2-3). Na introdução do artigo, o almirante comenta que

“um exame da história demonstrará que os militares, algumas vezes, ficam tão hipnotizados

pelas armas necessárias, ou empregadas, em uma tática ou missão particular, que chegam a

negligenciar os novos requisitos que surgem” (TURNER. 1974, p. 3, tradução nossa). Assim,

logo na primeira página do artigo, abaixo do título, o almirante estampou uma figura

emblemática, representada na FIG. 1 (ANEXO A). Nela, podem ser visualizadas a

interdependência e a superposição das missões, representadas por setas sobrepostas.

Estas missões elencadas por Turner não pretendiam ser universais, e apenas

atendiam aos requisitos estratégicos da USN, naquela época, e devendo evoluir com o tempo.

Em sua concepção original, Turner estabeleceu quatro missões: Controle de Área Marítima

(CAM), Projeção de Poder sobre Terra (PPT), Presença Naval, e Deterrência Estratégica

(SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 108-116).

A expressão Controle de Área Marítima, Sea Control em inglês, havia sido

cunhada por Turner para o Project SIXTY. Ela pretendia substituir o conceito de Mahan,

conhecido como Comando do Mar (Command of the Sea), ou Controle do Mar (Control of the

Sea), por algo mais substantivo e que demonstrasse a limitação imposta pelo advento dos

submarinos e aviões à capacidade de que dispunham as marinhas, no passado, de

comandar/controlar todos os mares. Assim, o Controle de Área Marítima13 deveria ser

exercido em áreas e períodos de tempo limitados, numa abordagem semelhante à de Corbett

(HATTENDORF, 2007, p. 31; SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 116; TURNER, 1974, p. 6-7).

O tradicional conceito de Comando do Mar abrangia tanto a garantia do uso dos

mares para fins comerciais ou militares, quanto a negação de seu uso pelo inimigo. Embora o

novo conceito de Sea Control reduzisse o espaço e o tempo do controle, ele continuou a

______________
13
A expressão Controle de Área Marítima foi usada na primeira DBM (1979a), e será utilizada neste trabalho,
como tradução para Sea Control, sempre com o sentido concebido pelo Almirante Turner.
26

apresentar este caráter dual, pois nele as forças navais podiam ser empregadas tanto ofensiva

como defensivamente. Isto é, ele envolveria ações simultâneas, tanto as de imposição e

exploração do controle do mar por uma força, quanto as tentativas de negação deste controle

por parte do inimigo. Neste sentido, esta missão era apropriada para a condução ou a proteção

da guerra ao comércio e à defesa de costa (TURNER, 1974, p. 7).

Segundo Turner, a missão de CAM era um requisito essencial para as demais

missões, e contribuía diretamente para o atendimento dos seguintes objetivos nacionais:

assegurar o abastecimento de suprimentos industriais; reforçar/ressuprir forças militares no

exterior; prover a economia nos tempos de guerra e suprir militarmente os aliados; prover

segurança para as forças navais envolvidas na PPT. E, para cumprir esta missão, havia seis

diferentes táticas: controle de saídas (sortie control) ou bloqueio, em que o inimigo devia ser

impedido de deixar sua base; controle de pontos críticos pois, caso o inimigo lograsse deixar

sua base, conviria atacá-lo em algum gargalo geográfico de passagem obrigatória; operações

em áreas abertas, com busca e vigilância, caso o inimigo também conseguisse passar pelos

estreitos; engajamentos locais, para combater o inimigo que tentasse executar um ataque sobre

a Força ou contra a costa; e duas táticas passivas, despistamento e intimidação, que, sem o

efetivo emprego de força, poderiam dissuadir as ações inimigas e garantir o CAM

(HATTENDORF, 2007, p. 31; TURNER, 1974, p. 8-9).

Se o CAM refinava e atualizava Mahan, a missão de Projeção de Poder sobre

Terra, ao lidar com o impacto que as forças navais podiam exercer sobre a terra, vinculava-se

aos preceitos de Corbett, e consolidava todo o sucesso alcançado pelas Operações Anfíbias

durante a 2ªGM.

As Operações Anfíbias, segundo o conceito de interdependência das missões,

poderiam ser empregadas em proveito das demais missões, como para o CAM. Por meio

delas, poderiam ser conquistadas áreas em terra que apoiassem o desenvolvimento da guerra
27

no mar. Como exemplo, Turner citou a captura de Guadalcanal inviabilizando o emprego de

seu aeródromo pelos japoneses, que poderiam usá-lo para interferir nas LCM entre Pearl

Harbor e a Austrália (TURNER, 1974, p. 10).

Além das Operações Anfíbias, a missão de PPT abrangia, ainda, o bombardeio

naval e a projeção aerotática. O bombardeio servia para prover apoio direto às tropas,

interditar o movimento de tropas inimigas e ameaçar suas operações. A projeção servia para

destruir o potencial bélico inimigo, para apoiar campanhas terrestres e dificultar as campanhas

inimigas (TURNER, 1974, p. 11).

A missão Presença Naval foi descrita por Turner como sendo o uso de forças

navais, em missões não-combativas, para conquistar dois tipos de objetivos políticos: impedir

ações hostis aos interesses dos EUA e seus aliados; e encorajar ações que fossem do interesse

dos EUA e de seus aliados. Duas principais táticas poderiam ser empregadas: desdobramentos

preventivos de força, em tempos de paz; e desdobramentos reativos de força, em resposta a

crises. No atendimento a estas duas táticas, cinco tipos básicos de operação podiam ser

conduzidas para ameaçar outro país: assalto anfíbio, ataque aéreo, bombardeio, bloqueio e a

demonstração de força por meio de reconhecimento (TURNER, 1974, p. 14).

Embora pareça envolver menor grau de violência, este tipo de missão possui uma

grande suscetibilidade de nível político. Assim, um ponto muito importante a ser considerado

por ocasião do cumprimento da Presença Naval se refere ao tamanho, à composição e ao tipo

de operação a ser realizada pela força a ser empregada. Uma missão bem orquestrada pode

complementar outras ações no campo da diplomacia e contribuir para que sejam obtidos

importantes ganhos políticos, como, por exemplo, a dissuasão de um possível enfrentamento.

Por outro lado, na hipótese contrária, uma Presença Naval mal conduzida pode provocar

perdas políticas inaceitáveis (TURNER, 1974, p. 14-15).


28

A missão Deterrência Estratégica desenvolveu-se amplamente durante a Guerra

Fria, baseada, principalmente, no emprego de armas nucleares. Inicialmente, a adaptação

destas armas a aeronaves embarcadas transformou os navios aeródromos no principal vetor

para ataques nucleares. Na década de 1960, o surgimento da classe Polaris14 de submarinos

nucleares ampliou as possibilidades de uso de armas nucleares (TURNER, 1974, p. 5).

A Deterrência Estratégica empregaria quatro táticas: garantia de um segundo

ataque, caso a União Soviética lançasse um ataque nuclear em massa contra os EUA; resposta

controlada, caso o ataque fosse parcial; dissuasão de terceiras potências que pudessem

ameaçar os EUA com armas nucleares; e construção de uma imagem de equilíbrio de poder

com a União Soviética (TURNER, 1974, p. 5-6).

Estas missões desenhadas pelo Almirante Turner foram institucionalizadas, em

março de 1975, no Posture Statement15 do Almirante James L. Holloway III, Chefe de

Operações Navais da USN. As missões da USN de então, com as devidas adaptações, vieram

a constituir o que hoje se denomina na MB de TBPN. O tópico a seguir apresentará o

resultado da pesquisa sobre as origens das atuais TBPN da MB.

2.3 A Primeira Doutrina Básica da Marinha

A década de 1970 marca para a MB o início de sua caminhada autônoma no

campo da estratégia naval. Conforme visto anteriormente, a Guerra Fria entrava em fase de

distensão e eclodiam conflitos regionais de menor envergadura. Na esfera interna, o país

apresentava taxas elevadas de crescimento, e o governo do Presidente Geisel instituía uma

política focada na identificação de interesses nacionais, em detrimento de conceitos

______________
14
Classe de submarinos de propulsão nuclear, desenvolvida pela USN, que foi a primeira a incorporar a
capacidade de lançar mísseis balísticos Polaris com ogivas nucleares (HUGHES Jr., 2000, p. 145-146).
15
O Posture Statement é uma apresentação formal feita anualmente à Comissão de Serviços Armados do
Congresso Norte-americano (HATTENDORF, 2007, p. 53; SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 119).
29

relacionados à segurança coletiva do hemisfério. Esta postura culmina com a denúncia, por

parte do governo brasileiro, do Acordo de Assistência Militar com os EUA, em março de

1977 (VIDIGAL, 1985, p. 103-104).

Esta nova postura estratégica refletiu-se nos documentos de alto nível elaborados

pelo Ministério da Marinha. A contribuição da MB para a segurança coletiva hemisférica

baseava-se, a exemplo do ocorrido na 2ªGM, na proteção ao tráfego marítimo, que era

operacionalizada, principalmente, por meio de operações antissubmarino. Em contrapartida, a

situação política demandava a preparação para o emprego em segurança interna. Divergindo

destas duas tendências, as Políticas Básicas e Diretivas Setoriais da MB, a partir de 1975,

passaram a considerar o emprego do PN em guerras limitadas e em crises políticas sem a

intervenção direta das superpotências (VIDIGAL, 1985, p. 103-104; BRASIL, 1971, p. II-2;

1975, p. 12; 1976, p. 1; 1977, p. 3, 1979b, p. 1).

No espírito desta década, dois importantes formuladores da estratégia naval

brasileira contemporânea, o Almirante-de-Esquadra Mario Cesar Flores e o Vice-Almirante

Armando Amorim Ferreira Vidigal, traçaram as linhas mestras para o emprego dos meios

navais da MB. Em suas formulações, buscavam retirar a ênfase das ações de proteção ao

tráfego marítimo, ressaltando a importância de outras operações e ações de guerra naval:

Ora, apesar da ênfase que Mahan lhes atribuía, as comunicações marítimas nunca
foram a única inspiração da estratégia naval. Além dos dois propósitos estratégicos
relacionados com essas comunicações – a segurança das nossas e a interrupção das
do inimigo – as marinhas sempre se preocuparam também com o uso do mar como
via de projeção de poder – ou seja, com o ataque ao litoral inimigo e com a defesa
do seu próprio litoral.
Esses quatro grandes propósitos estratégicos navais continuam válidos hoje, mas as
injunções político-estratégicas e tecnológicas do mundo contemporâneo estão
enfraquecendo a posição da multissecular precedência dos dois primeiros – a
segurança do tráfego marítimo e a negação do uso do mar (FLORES, VIDIGAL,
1976, p. 64).

Flores e Vidigal descrevem, então, os novos propósitos estratégicos que deveriam

nortear o desenvolvimento do PN brasileiro. Eles destacaram, como mais importante, a defesa

do litoral, que deveria ser conduzida por meio do emprego de aeronaves para esclarecimento,
30

sensores, minagem defensiva e força de reação composta por aeronaves e embarcações

pequenas, rápidas e bem armadas; este modelo se assemelha à concepção da Jeune École .

Outro propósito elencado era o de impor uma ameaça a território inimigo por meio de forças

aeronavais ou anfíbias. A defesa do tráfego marítimo amigo, ou o ataque do tráfego inimigo,

completam o quadro que possibilitaria, ainda, o exercício da persuasão, que apesar de não ser

um propósito em si mesma, poderia ter uma utilidade política (FLORES, VIDIGAL, 1976, p.

66-67, 80-90).

Na análise sobre a interferência, ou ataque, ao tráfego militar marítimo do

inimigo, os autores denominam de tarefa as ações para a negação do uso do mar. Elas podem

ser classificadas em dois tipos: a minagem ofensiva, e o bloqueio dos portos ou bases

inimigas por submarinos. Neste sentido, a NUM, segundo os autores, deve ser conduzida em

águas inimigas (FLORES, VIDIGAL, 1976, p. 89).

Encerrando a década, em 1979, e consolidando toda esta efervescência intelectual,

o Ministério da Marinha publica a primeira versão da DBM (BRASIL, 1979a). Ela incorpora

algumas ideias do trabalho dos Almirantes Flores e Vidigal, embora sofra uma grande

influência do artigo do Almirante Turner.

A DBM adota a expressão “Tarefa Básica do Poder Naval” para representar o que

Turner chamou de missão, e Flores e Vidigal designaram como “propósito estratégico”, isto é,

o conjunto categorizado de atividades realizadas pelas forças navais. O uso da palavra

“tarefa” enseja, a princípio, uma postura extrovertida, pois vincula a MB com as demais

esferas do Poder Militar, como se o output da MB em termos de tarefa fosse possibilitar a

consecução de um propósito mais amplo. A expressão “propósito estratégico” indica, por

outro lado, uma categorização introvertida e que se encerra em si mesma, representando a

finalidade última de um determinado conjunto de operações e ações de guerra naval.

Esta primeira DBM, conforme visto anteriormente, foi redigida para atender à
31

demanda pela fixação de uma nova postura estratégica autônoma. Neste sentido, os seus

autores pretendiam preparar a Força para enfrentar situações impostas pelo ambiente político

do final da Guerra da Fria. Para fazer frente a possíveis evoluções da conjuntura internacional,

incluíram, em sua introdução, o seguinte parágrafo:

Uma Doutrina como esta é influenciada por fatores diversos, principalmente


políticos, militares e tecnológicos, eminentemente dinâmicos. Entretanto, o
documento foi redigido de modo a assegurar à Doutrina uma relativa estabilidade,
embora sujeita a reajustes que a atualizem periodicamente (BRASIL, 1979a, p. xiii).

Percebe-se, pela leitura desta DBM, a forte influência proveniente do artigo do

Almirante Turner. As TBPN da DBM são semelhantes às missões do artigo.

Assim, a missão de Sea Control, passa a ser a TBPN de Controle de Área

Marítima. Esta solução para designar tal tarefa atendia ao propósito apontado por Turner:

afastar esta missão do conceito mahaniano de Domínio ou Controle do Mar. As justificativas

apresentadas, tanto na DBM, quanto no artigo de Turner, são, praticamente, idênticas:

Trata-se de conceito novo, que está substituindo o conceito clássico de domínio do


mar, cuja aceitação vem decrescendo em virtude de suas vinculações históricas com
o domínio absoluto, permanente e global, praticamente inexequível. [...].Este
conceito é seletivo, sendo o controle exercido somente onde e quando necessário – o
que é uma ideia mais realista no quadro conjuntural de nossos dias – mas inclui o
controle do espaço aéreo sobrejacente, da superfície e da massa líquida subjacente.
Como o mar é um ambiente permeável que não admite frentes de combate precisas,
a intensidade do controle dificilmente pode ser absoluta, embora possa aproximar-se
desta condição em área restrita e por tempo limitado (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 4).

O termo “Controle de Área Marítima” deriva da tradicional frase “Controle do Mar”.


Esta mudança de terminologia pode parecer pequena, mas uma tentativa deliberada
de reconhecer as limitações de controle do oceano [...]. O novo termo “Controle de
Área Marítima” tem a intenção de conotar um controle mais realista em áreas
limitadas e por períodos de tempo limitados. O que se concebe hoje é o exercício do
controle aéreo, submarino e da superfície de uma área [...]. Não se concebe mais,
exceto em raras exceções, o controle total dos mares ou a sua completa negação ao
inimigo (TURNER, 1974, p. 6-7, tradução nossa).

O CAM, nesta DBM, servia para atingir aos seguintes propósitos: prover áreas de

operações seguras para a PPT; prover segurança às comunicações marítimas; permitir a

exploração e a explotação dos recursos do mar; e dificultar, ou impedir, que o inimigo execute

as atividades anteriores. Fica clara, nesta DBM, a opção pela adoção do CAM na defesa de

costa, em caso de necessidade de defesa do litoral brasileiro “contra a invasão e os ataques


32

procedentes do mar. Efetivamente, esse controle é a mais eficiente defesa que pode ser

montada contra a projeção do poder inimigo através do mar” (BRASIL, 1979a, cap. 3, p.5).

A segunda TBPN definida na DBM, a Negação do Uso do Mar (NUM), diverge

conceitualmente dos preceitos estabelecidos por Turner, que entendia que a NUM era apenas

uma variação no grau de controle a ser exercido sobre determinada área, sendo, portanto uma

modalidade de CAM e não uma missão per se. Convém lembrar que, por outro lado, os

Almirantes Flores e Vidigal, consideravam a NUM como sendo uma tarefa distinta da de

CAM. Talvez esta diferenciação se devesse ao porte da MB em relação ao poderio naval da

USN. Assim como na Jeune École, a NUM seria mais importante para PN de menor

expressão, vindo daí a razão para que a DBM a elevasse ao nível de TBPN.

Na DBM (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 6), a NUM consistia em “dificultar o

estabelecimento do controle de área marítima pelo inimigo ou a exploração de tal controle

para fins militares ou econômicos”, ficando claro que para a defesa da costa, a negação do uso

do mar “ao inimigo constitui uma segurança inferior que o controle de área marítima fronteira

ao território que deseja proteger”.

A terceira TBPN é a de Projeção de Poder sobre Terra, que, de forma idêntica à

missão de Turner, abrange as operações anfíbias, o bombardeio naval e o aeronaval. Os

propósitos também são semelhantes: conquistar área estratégica para a condução da guerra

naval ou aérea; negar ao inimigo área capturada; apoiar operações em terra; e destruir, ou

neutralizar, instalações inimigas importantes. Segundo a DBM, esta tarefa abrangeria,

também, o ataque com mísseis nucleares estratégicos lançados de submarinos.

A primeira DBM não considerou a missão de Presença Naval, elencada por

Turner como sendo uma TBPN. No entanto, juntou seus preceitos com os da missão de

Contribuir para a Dissuasão Estratégica, com a ressalva de que, apesar deste tipo de TBPN

estar, normalmente, associada à capacidade de se lançar mísseis estratégicos nucleares, a


33

dissuasão naval clássica poderia ser concretizada pela “existência de um Poder Naval

adequado, que inspire credibilidade quanto ao seu emprego e que evidencie essa credibilidade

por atos de presença ou demonstração de força, quando e onde for oportuno”. Cabe registrar a

ambiguidade da doutrina que classificou o ataque com mísseis estratégicos nucleares, tanto

nesta TBPN quanto na PPT (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 2-3, 7).

Assim como as missões concebidas pelo Almirante Turner visavam a quebrar o

nicho operacional desenvolvido em função da Guerra Fria, que forçava uma primazia do

emprego dos submarinos com propulsão e armamentos nucleares, a primeira DBM foi

publicada para diversificar o emprego do PN brasileiro. Também devido à influência da

Guerra Fria, a MB, na época, focava o seu emprego nas ações antissubmarino. Neste sentido,

ambas categorizaram todas as operações de guerra naval, agrupando-as em missões ou TBPN.

Uma diferença importante, no entanto, foi a de que a USN fez questão de realçar a relevância

da interdependência e da superposição destas missões, como forma de integrar suas diversas

forças. A MB, apesar de ter se espelhado no artigo de Turner, não teve a mesma preocupação.

2.4 Síntese

Este capítulo buscou identificar alguns conceitos básicos. Com base em Mahan

identificou-se o Domínio do Mar, a busca da batalha decisiva e da concentração da esquadra.

Com Corbett, o vínculo do PN com as ações em terra, assim como a proteção do litoral. Com

a Jeune École, uma forma de atuar própria para marinhas de menor envergadura que

buscassem, na guerra ao comércio, a imposição de perdas inaceitáveis ao inimigo. Na

doutrina da guerra costeira, descreveu-se a forma como importantes países têm pensado o

emprego do PN para defender seu litoral.

Em seguida, analisou-se o pensamento estratégico naval norte-americano na


34

década de 1970, para identificar as razões que levaram ao estabelecimento de suas missões.

Identificou-se que uma importante razão consistia em valorizar o emprego de outras forças

navais, e não apenas a submarina, ampliando o espectro de opções de emprego das forças

navais e balanceando seu PN.

Ao final, pesquisou-se sobre a situação política e estratégica da MB, na mesma

década, para conhecer o contexto em que se inseriu a formulação da primeira DBM.

Descobriu-se que um importante fator de influência foi a necessidade de estabelecer uma

postura estratégica autônoma, após a denúncia do Acordo Militar Brasil-EUA. As forças

navais de então se adestravam precipuamente em guerra antissubmarino, e as análises

estratégicas para a defesa do país indicavam a necessidade de outras modalidades de emprego.

Valendo-se da influência do artigo do Almirante Turner, mas, também, de contribuições dos

Almirantes Flores e Vidigal, enunciaram-se, então, as TBPN.


3 A EVOLUÇÃO DAS TAREFAS BÁSICAS DO PODER NAVAL

Após a investigação sobre as origens das TBPN, compreendendo o ambiente

político e estratégico que provocou o seu surgimento, será realizada uma análise da evolução

dessas tarefas no tempo. Esse exame será conduzido, inicialmente, pela identificação de novas

abordagens surgidas sobre o uso do mar pelas marinhas. A seguir, será efetuada uma

comparação das mudanças doutrinárias ocorridas, assim como das circunstâncias estratégicas,

tanto no caso brasileiro, como no dos EUA. As doutrinas marítimas do Reino Unido e de

outras importantes marinhas do mundo serão, também, consideradas neste processo.

3.1 Outras abordagens para as Tarefas Básicas do Poder Naval

Alguns importantes estrategistas do final do século XX teorizaram sobre as

missões das marinhas e conceberam diferentes formas de representar o conjunto de ações

executadas pelas forças navais.

Um desses teóricos foi o britânico Ken Booth, que, em 1977, escreveu o livro

Navies and Foreing Policy. O autor inicia o livro suscitando uma questão fundamental que,

segundo ele, deveria ser reiterada periodicamente: por que precisamos de uma marinha? E ele,

então, procura fornecer, ao longo do livro, uma resposta à pergunta, destacando o papel das

marinhas na condução da política externa de seus países (BOOTH, 1977, p. 15).

Booth inicia sua análise definindo o que ele denominou de “trindade das funções

navais”, que categoriza as formas como as marinhas empregam seus meios, sendo composta

por uma vertente militar, outra diplomática e uma última policial. Os limites entre as vertentes

não são claros, o que dificulta a categorização de certas ações navais, como, por exemplo, a

vertente policial implica, muitas vezes, o uso militar do PN. Segundo o autor, a escolha deste
36

tipo de categorização foi influenciada, dentre outros, pelo artigo Missions of the U.S.Navy16,

do Almirante Turner (BOOTH, 1977, p. 15-16, 25).

A unidade da trindade de Booth é caracterizada pelo fato de que todas as funções

contribuem para um mesmo fim: o uso do mar. O mar seria, então, empregado pelas seguintes

razões: transporte de pessoas e bens; passagem de forças militares; e exploração de seus

recursos. A primeira razão é precipuamente comercial. A segunda abrange o uso de força

naval para fins diplomáticos ou para o combate “no mar”, ou a partir “do mar”. A última diz

respeito à sua exploração econômica ou científica. As marinhas seriam, então, empregadas

para atingir um destes objetivos, de acordo com a política externa do país, ou, inversamente,

para impedir que um inimigo os atinja (BOOTH, 1977, p. 15-16).

A “trindade das funções navais” pode ser representada graficamente por meio de

um triângulo como o da FIG. 2 (ANEXO A). A base do triângulo é constituída pelo papel

militar, por ser ele a essência das marinhas. A capacidade de exercer, ou de ameaçar exercer,

o uso da violência é o que possibilita o desempenho tanto do papel diplomático quanto do

policial (BOOTH, 1977, p. 16-17).

As funções militares poderiam ser exercidas em tempos de paz (funções de

equilíbrio de poder) ou de guerra (funções de projeção de força). Durante a paz, existiriam: a

deterrência nuclear estratégica; a deterrência e defesa convencionais; a deterrência e defesa

em locais distantes; e a manutenção da ordem internacional, apoiando o direito marítimo

internacional. Durante a guerra, as funções de projeção de força seriam: fazer frente a algum

desafio no mar; comandar área marítima; desafiar, ou impedir que o inimigo use o mar; usar o

mar para o transporte de tropa e suprimentos; usar o mar para projetar força em terra; e apoiar

operações internacionais de manutenção da paz. As funções policiais da marinha dizem

respeito às responsabilidades de sua guarda costeira – preservação da soberania nacional, uso


______________
16
O artigo Missions of the U.S. Navy, do Almirante Stansfield Turner, foi publicado na Naval War College
Review (TURNER, 1974), e foi analisado no item 2.2 Origem do Conceito de Tarefas Básicas.
37

dos recursos naturais e manutenção da boa ordem interna – ou às contribuições para o

progresso do país. As funções diplomáticas, por sua vez, referem-se: ao reforço às

negociações do governo e seus aliados; às manipulações da política externa com

demonstrações de apoio a outros países ou pelo desenvolvimento de outras marinhas; e ao

prestígio que possibilita projetar uma imagem favorável do país (BOOTH, 1977, p. 17-24).

Booth destaca, nas funções de projeção de força que demandam ações mais

violentas, a centralidade do uso do mar, de forma positiva ou negativa, de acordo com as

capacidades e os interesses a serem defendidos por cada país. Assim, quando se pretende usar

o mar a seu favor, as marinhas devem buscar o “domínio do mar”, e quando bastar opôr-se ao

seu uso pelo inimigo, opta-se pela “negação do uso do mar” (BOOTH, 1977, p. 24).

As justificativas apresentadas por Booth para buscar uma categorização da forma

de emprego das marinhas são, segundo ele próprio, semelhantes às que levaram o Almirante

Turner a conceber as missões para a USN. A explicitação das funções ajudam a justificar a

própria existência das marinhas, facilitam a alocação de recursos e a otimização dos sistemas

de armas, além de “assegurar que os componentes de uma marinha foquem mais em seu

conjunto do que em alguma de suas partes” (BOOTH, 1977, p. 24, tradução nossa).

Outro ponto importante desta abordagem, também alinhado com o pensamento

do Almirante Turner, consiste no fato de que ela não pretende ser universal. Segundo o autor,

esta gama de funções não estará ao alcance da maioria das marinhas, e ele prossegue:

Devido a limitações de vontade ou de recursos, a maior parte das marinhas terá que
restringir-se a exercer apenas algumas das funções aludidas, que poderão variar de
acordo com o fluxo e o refluxo do desenvolvimento nacional, dos acontecimentos
mundiais e assim sucessivamente (BOOTH, 1977, p. 25, tradução nossa).

Outro estrategista naval importante neste processo de categorização das funções e

missões das marinhas foi o britânico Eric Grove, que escreveu o livro The Future of Sea

Power, em 1990. Nele, ao projetar o futuro das marinhas, Grove partiu da trindade de Booth

para desenhar o seu primeiro “triângulo do uso do mar”, FIG. 3 do ANEXO A, fazendo
38

algumas adaptações (GROVE, 1990, p. 234-236).

Grove manteve a função militar como a base do triângulo, por considerar, assim

como Booth, que esta é a razão de ser das marinhas. Dividiu esta função em três missões:

projeção de poder sobre terra, controle de área marítima e negação do uso do mar. Restringiu

estas missões a apenas três, por considerar: que a missão de deterrência estratégica se inseria

na de PPT; a de defesa do tráfego marítimo, na de CAM; e as de defesa de costa e de guerra

de corso se inseriam na de negação do uso do mar (GROVE, 1990, p. 233).

O autor, assim como Turner e Booth, destaca o papel central da missão de CAM.

Ela é um pré-requisito para a maioria das missões de PPT, excetuando-se aquelas cujos meios

de projeção possuam uma capacidade de “CAM inerente”, como são os casos dos submarinos

nucleares ou de poderosos grupos de batalhas (GROVE, 1990, p. 235).

Em sua classificação da função diplomática das marinhas, Grove diverge de

Booth e adota as denominações propostas por Sir James Cable17: mostrar bandeira e

diplomacia das canhoneiras. Para Booth, todas as missões da função diplomática não

envolveriam o uso da força, que permaneceria restrito à função militar. Segundo Cable, a

função diplomática, na missão de “diplomacia das canhoneiras”, pode abranger certo nível de

uso de força, como aquela necessária para induzir uma ação inimiga ou criar um fato

consumado. As missões sem uso de força seriam as de mostrar bandeira. Cabe registrar que

uma missão pode iniciar mostrando bandeira e evoluir para “diplomacia da canhoneira”

(GROVE, 1990, p. 195).

______________
17
O diplomata britânico Sir James Cable escreveu, em 1971, o livro intitulado “Gunboat diplomacy: political
applications of limited naval force” (CABLE, 1971). Neste livro, o autor estabelece que a diplomacia das
canhoneiras refere-se ao uso, ou ameaça de uso, de força naval limitada, não como um ato de guerra, e tem o
propósito de garantir vantagem, ou evitar perdas, seja na promoção de um litígio internacional ou contra
cidadãos estrangeiros em seu próprio estado. Estas ações poderiam ser de quatro tipos: força definitiva, que
provoca um fato consumado, como a liberação de prisioneiros ou de navios capturados; força proposital, que é
deliberadamente usada para alterar a postura de um governo; força catalítica, para emprego em situações de crise
onde as características do poder naval de mobilidade,flexibilidade e permanência, possibilitariam a regulação do
nível de força ou ameaça a ser empregada; e força expressiva, que é empregada para enfatizar atitudes ou
provocar reações favoráveis, sem a conotação explícita de ameaça como quando do emprego da força proposital
(CABLE, 1971, p. 21-65).
39

No terceiro lado do triângulo, Grove propõe uma denominação distinta da original

de Booth, ao substituir a função policial pela constabular18. As missões que a compõem são:

manutenção da soberania e da boa ordem; salvaguarda dos recursos nacionais; e operações

marítimas internacionais de paz (GROVE, 1990, p. 234).

Grove prossegue em sua análise, acrescentando uma observação importante que

também já havia sido identificada por Booth: uma dada missão, ou operação naval, pode

abranger mais de uma função, ou, visto por outro ângulo, as funções seriam interdependentes.

Assim, concebe uma nova representação gráfica, colocando círculos interseccionados

centrados nos vértices do triângulo. Este segundo triângulo, mostrado na FIG. 3 do ANEXO

A, consegue representar melhor algumas situações reais. Cabe salientar que os diâmetros dos

círculos devem variar de marinha para marinha, de acordo com a importância que cada função

representa para seus respectivos países. Ao denominar estes círculos, a função diplomática

passou a ser “interesse nacional”, a constabular, “lei e ordem”, e a militar, “confronto Leste-

Oeste”. Esta última denominação deveu-se ao fato de o triângulo ter sido concebido sob o

contexto da Guerra Fria (GROVE, 1990, p. 235).

3.2 Marinha do Brasil

Tendo sido realizada a análise constante no item 2.3 – A Primeira Doutrina Básica

da Marinha, passou-se a investigar a evolução da DBM ao longo do tempo. Este estudo,

constante do APÊNDICE B, abrange todas as outras quatro edições da doutrina (BRASIL,

1981; 1983; 1997; 2004).

As duas primeiras reedições (1981 e 1983), em intervalos regulares de dois anos,


______________
18
Para efeitos deste trabalho, será adotada a definição para a expressão constabular constante da Doutrina
Marítima Britânica: “O uso de forças militares para defender uma lei nacional ou internacional, mandato ou
regime, com emprego mínimo de violência como um último recurso e após terem sido estabelecidas, isentas de
qualquer dúvida razoável, evidências de violação ou de intenção de desafiar. [...] Também chamada de policial.”
(REINO UNIDO, 2004, p. 248, tradução nossa).
40

indicavam que o Estado-Maior da Armada (EMA) estava cumprindo o que estava prescrito na

própria doutrina, naquilo que se refere a proceder atualizações periódicas de seu conteúdo de

forma a mantê-la coerente com eventuais evoluções estratégicas ocorridas. As versões de

1997 e 2004 deixaram de determinar - e de efetuar - a atualização periódica da doutrina.

O estudo realizado revelou que as TBPN, praticamente, não se alteraram desde

sua primeira versão em 1979, apenas um pequeno ajuste foi realizado na tarefa de Contribuir

para a Dissuasão Estratégica, que na DBM de 1997 passou a ser designada como Contribuir

para a Dissuasão. Com exceção desta alteração, até mesmo os textos explicativos de cada uma

das TBPN sofreram poucas alterações textuais e, praticamente, nenhuma evolução conceitual.

A seguir serão apresentados, de forma resumida, outros aspectos de relevo identificados pelo

estudo constante do APÊNDICE B:

- desde a primeira edição, a importância do CAM é destacada em relação às

demais TBPN;

- um aspecto que quase não sofreu alteração, em todas as edições, foi o emprego

do CAM para a defesa da costa brasileira contra “invasão e ataques procedentes

do mar”. Segundo as DBM, esse controle é a “mais eficiente defesa que poderá

ser articulada contra a projeção do poder inimigo por mar.” (BRASIL, 1979a,

cap. 3, p. 5; 1981, cap. 3, p. 4; 1997, cap. 3, p. 4; 2004, cap. 3, p. 3);

- a tarefa de NUM apresenta, desde a primeira edição, o mesmo texto, segundo o

qual, esta TBPN é, geralmente, a opção de emprego adotada pelos PN que não

têm condições de estabelecer o CAM. A doutrina destaca que sob “o ponto de

vista da defesa [do litoral] contra a projeção de poder sobre terra, negar o uso do

mar ao inimigo constitui uma segurança inferior ao controle efetivo da área

marítima fronteira ao território que se deseja proteger” (BRASIL, 1979a, cap. 3,

p. 6; 1981, cap. 3, p. 5; 1997, cap. 3, p. 5; 2004, cap. 3, p. 4); e


41

- a TBPN de Contribuir para a Dissuasão manteve a referência, presente nas

demais versões, aos atos de presença naval e de demonstração de força. Esta

TBPN incorpora, em 2004, um conceito que a vincula diretamente às outras três

tarefas: “esta Tarefa Básica representa o corolário da efetiva capacidade de

concretizar as três anteriores” (BRASIL, 2004, cap. 3, p. 4).

Concluindo a comparação entre as diversas edições da DBM, constatou-se que

nenhuma delas fez menção ao principal ponto destacado pelo Almirante Turner: a

interdependência e a complementaridade das TBPN.

3.3 Marinha dos Estados Unidos da América

O APÊNDICE C apresenta um estudo sobre a evolução da doutrina marítima da

USN, tendo como referência as diferentes tarefas ou missões elencadas em diversos

documentos doutrinários por ela publicados.

A análise inicia-se com o Project SIXTY (1970), do Almirante Elmo Zumwalt, e o

artigo Missions of the US Navy (1974), do Almirante Turner. Conforme visto no item 2.2, este

texto possui uma importância crucial, pois foi nele que se divulgou o conceito de missões, ou

Tarefas Básicas, das marinhas. O último documento analisado foi o Naval Doctrine

Publication 1 – Naval Warfare, de 2010, que contém a doutrina naval em vigor na USN.

Neste período de quarenta anos, entre 1970 e 2010, a USN publicou um total de

41 documentos estratégicos e/ou doutrinários, sendo 38 até 2009 (ver FIG. 8) e mais dois em

2010. Dentre estes, um total de 13 promoveram alterações nas Tarefas Básicas da USN. A

evolução destas alterações pode ser observada na TAB. 1, no APÊNDICE C, cabendo

destacar alguns pontos de interesse:

- a denominação “missão” evoluiu, passando para “função”, “papel”, “capacidade


42

marítima”, até chegar à atual: “capacidade fundamental”;

- a quantidade de missões, que se iniciou com quatro, sofreu diversas alterações,

sendo reduzida para três ou aumentada até 13. Ao todo, 29 diferentes missões

foram enunciadas;

- as quatro missões iniciais do Almirante Turner – CAM, PPT, Presença Naval e

Deterrência Estratégica - serviram de referência para as outras doutrinas. Apesar

disto, suas denominações, e, principalmente, seus embasamentos conceituais

foram bastante alterados ao longo dos anos, adaptando-se a novas circunstâncias

estratégicas;

- eventos políticos e estratégicos foram os responsáveis pelas principais

mudanças, permitindo denotar um vínculo entre o desenho de uma nova doutrina

e suas tarefas e o contexto em que elas se inseriam. Assim, eventos de porte,

como o fim da Guerra da Fria ou os atentados terroristas de 11 de setembro,

provocaram alterações de tarefas;

- as tarefas de Transporte Marítimo e Segurança Marítima, que não foram

consideradas por Turner, apareceram em diversas versões doutrinárias

posteriores, caracterizando sua importância; e

- os documentos doutrinários recentes passaram a enfatizar a importância de se

empregar a marinha para prover assistência humanitária e mitigar crises.

A missão de CAM (Sea Control) sempre ocupou um papel central e, muitas vezes,

preponderante em relação às demais missões. Mesmo quando, em 1992 e 1994, os

documentos “... From the Sea” e “Foward ... from the Sea” marcaram um ponto de inflexão

no emprego da USN, que, com o fim da Guerra da Fria mudou sua postura baseada em

preceitos mahanianos de domínio do mar para uma abordagem como a de Corbett, que

valorizava o emprego a partir do mar, influenciando os acontecimentos em terra, o CAM era


43

apontado como uma missão que habilitava a ocorrência de todas as outras. Esta ideia pode ser

percebida ainda nos documentos mais recentes: “o Controle de Área Marítima é a base da

primazia do Poder Naval” (EUA, 2010b, p. 29, tradução nossa).

Estes documentos enfatizam a interdependência entre as missões, conforme

estabelecido por Turner em seu artigo, e, apesar da centralidade do CAM, a importância da

PPT foi bastante impulsionada a partir do fim da Guerra Fria. A USN buscaria se engajar mais

em problemas regionais buscando mitigar crises antes que elas se transformassem em guerras.

Os conceitos de entrada força, desdobramento avançado para resposta a crises e emprego em

operações humanitárias passaram a ocupar papel de destaque nas novas doutrinas.

A NUM é raramente citada nestes documentos doutrinários, sendo compreendida

como uma instância do próprio CAM. Nos documentos mais recentes, desde o A Cooperative

Strategy for 21st Century Seapower, de 2007, até o Naval Operations Concept, e o Naval

Doctrine Publication 1 – Naval Warfare, ambos de 2010, o conceito de NUM foi expandido e

substituído pelo de “Antiaccess - Area Denial”19, também conhecido por A2/AD. Estes novos

conceitos abrangem o uso de sistemas diversificados de armas para impedir o acesso, pelo

mar, de forças navais que ameacem a costa que se pretende defender.

Os documentos, desde 2006, passaram a dar mais ênfase à segurança marítima,

transformando-a em Tarefa Básica, tendo em vista a necessidade de proteger o território

norte-americano de ameaça no mar e a partir do mar, assim como de assegurar o fluxo

adequado do comércio marítimo. Estas evoluções refletem o impacto da globalização e da

ameaça terrorista sobre a doutrina marítima, sendo um bom exemplo da necessidade constante

de atualização das Tarefas Básicas, conforme previsto por Turner em seu artigo.

______________
19
O Naval Operations Concept estabelece que uma tarefa de antiacesso ocorre quando “um adversário visa
prevenir ou retardar a capacidade dos EUA e seus aliados de se aproximarem e acessarem o Teatro de
Operações, especialmente em áreas litorâneas, a partir do mar aberto” e a tarefa de negação de área ocorre
quando “um adversário visa a degradar ou negar a eficácia operacional ou a liberdade de ação dos EUA e seus
aliados dentro do Teatro de Operações, negando a capacidade dos EUA de conduzir operações no interior e em
vários domínios, ou a capacidade dos EUA de projetar poder sobre terra” (EUA, 2010b, p. 54, tradução nossa).
44

As informações coletadas nas pesquisas realizadas nas doutrinas da MB e da USN

foram consolidadas nos QUADROS 1, 2 e 3 do APÊNDICE C.

O QUADRO 1 compara as versões iniciais das TBPN da USN e da MB. Existem

três TBPN coincidentes: CAM, PPT e Deterrência Estratégica. As doutrinas diferem apenas

na quarta tarefa: Presença Naval para a USN; e NUM na DBM. As semelhanças apontadas

reforçam a ideia de que as TBPN da MB foram influenciadas pelas da USN.

O QUADRO 2 compara a evolução das TBPN, da MB e da USN, desde 1979 até

2011. O cotejamento efetuado possibilitou identificar uma diferença de postura doutrinária: a

DBM, menos flexível, não alterou suas TBPN no decorrer do período considerado; a doutrina

da USN, mais flexível, introduziu diversas alterações, conforme já havia sido identificado na

TAB. 1.

O QUADRO 3 estabelece uma comparação direta entre as TBPN atualmente em

vigor na MB e na USN. Ele indica que a categorização adotada pela USN representa uma

gama mais ampla e atualizada de tarefas, abrangendo, também, atividades não-combativas. As

Tarefas Básicas previstas na atual doutrina da USN, denominadas de capacidades

fundamentais, são as seguintes: Presença Naval Avançada; Deterrência; CAM (Sea Control);

PPT; Segurança Marítima; e Assistência Humanitária e Resposta a Desastres.

3.4 Real Marinha Britânica

O APÊNDICE D apresenta um estudo das três últimas edições da doutrina

marítima desta marinha. Em 1995, a publicação do manual The Fundamentals of British

Maritime Doctrine substituiu o The Naval War Manual que continha a doutrina anterior. Nos

anos de 1999 e 2004, foram publicadas as segunda e terceira edições desta publicação, que

passaram a ser denominadas: British Maritime Doctrine (Reino Unido, 1995, 1999, 2004).

A leitura e comparação destas três edições permitem destacar alguns pontos de


45

interesse sobre o desenvolvimento doutrinário desta marinha, tão importante e influente. O

primeiro deles é que todas as edições são enfáticas em registrar que doutrina não é dogma, e

que ela precisa evoluir à medida que os fundamentos estratégicos que a embasam se alteram.

A Real Marinha Britânica (RMB) adotou um modelo de categorização das

funções militares semelhante aos triângulos de Booth e Grove (FIG. 2 e 3), e que abrange

tarefas constabulares, benignas e militares, sendo que esta última se divide em CAM (Sea

Control), ou “no mar”, e Projeção de Poder, ou “a partir do mar”. As doutrinas salientam a

interdependência necessária entre estas tarefas e funções, explicando que muitas missões

abrangem mais de uma função, podendo ser, por exemplo, ao mesmo tempo militar e

constabular. Neste sentido, a tarefa de CAM é pré-requisito para quase todas as demais tarefas

e operações, não devendo ser considerada um fim em si mesma.

Embora as tarefas tenham sofrido somente pequenas alterações de denominação,

as descrições dos conceitos que as embasam evoluíram com o tempo, na busca de uma

adequação às mudanças estratégicas. Em todas as versões, a NUM não constitui uma tarefa

isolada, sendo considerada parte integrante da tarefa de CAM, da qual não pode se distinguir.

As tarefas militares de CAM abrangem as operações contra as forças inimigas no

mar e a proteção ao tráfego marítimo. Já as tarefas militares de PPT abrangem: a deterrência

nuclear; as operações de combate contra a terra; as operações de combate em defesa de forças

terrestres; as operações de evacuação de não-combatentes; o emprego de forças navais em

apoio à diplomacia; e as operações de apoio à paz. É interessante destacar a inclusão da

deterrência estratégica como parte da PPT, em posição diversa das funções elencadas pelo

Almirante Turner, que considerava estas duas atividades como sendo duas missões distintas.

Na classe de tarefas constabular, ou policial, a doutrina manteve as duas opções de

denominação, que fazem referência aos triângulos dos estrategistas britânicos Booth e Grove

(FIG. 2 e 3), respectivamente. A doutrina britânica insere nesta classificação operações


46

realizadas em águas territoriais ou não, sendo exemplo: a imposição de quarentena, de

sanções econômicas e de embargos; a imposição da lei e manutenção da boa ordem no mar

(incluem a proteção à pesca, as patrulhas em plataformas de petróleo, e o combate à pirataria,

ao narcotráfico e ao terrorismo); e as operações de manutenção da paz.

A classe de tarefas denominada de benigna difere da classificação de Booth e

Grove, que a denominavam de diplomática. Estas tarefas abrangem: operações humanitárias e

de resposta a desastres; operações de promoção da paz; busca e salvamento; assistência

militar à comunidade civil; e assistência militar a outros países. Esta categorização adotada foi

criticada pelas demais FA britânicas pelo uso da palavra “benigna”, que leva ao entendimento

de que as operações não benignas seriam, consequentemente, consideradas como malignas.

Na segunda edição (1999), após o fim da Guerra Fria, houve um incremento na

postura expedicionária, cujas principais características são a mobilidade estratégica e a

flexibilidade. Acrescentou-se um novo método de atingir a NUM com o emprego de baterias

de mísseis superfície-superfície ao longo da costa. Na função constabular, acrescentou as

operações de contrainsurgência e realçou a crescente importância das operações de garantia

da lei e da ordem no mar, a ser exercida nas águas jurisdicionais.

A versão de 2004 incorporou as evoluções doutrinárias decorrentes das alterações

estratégicas ocorridas após os atentados terroristas de 11 de setembro e a Guerra do Iraque em

2003, reforçando o conceito de flexibilidade da doutrina ante as mudanças do ambiente

político e estratégico. A última versão da classificação das funções do Poder Marítimo

britânico pode ser vista no quadro da FIG. 9, apresentando as seguintes tarefas: Militar de

CAM; Militar de PPT, Constabular (ou Policial); e Benigna.

3.5 Outras Marinhas

Após a análise da evolução das TBPN nas MB, USN e RMB, passou-se a
47

investigar as doutrinas navais dos seguintes países: África do Sul, Austrália, Canadá, Chile,

Coreia do Sul, Espanha, França, Índia, Portugal e Rússia. O estudo destes documentos

encontra-se relatado no APÊNDICE E e consolidado na TAB. 2. As principais observações a

respeito são apresentadas a seguir.

Com relação ao tipo de categorização adotado pelas marinhas, notou-se a

influência dos estrategistas navais britânicos – Ken Booth e Eric Grove – sobre a maior parte

das doutrinas estudadas. As Marinhas da África do Sul (FIG. 10), Austrália (FIG. 11), Canadá

(FIG. 12 e 14), Chile, Índia (FIG. 15) e Portugal (FIG. 16), além da própria RMB (FIG. 9),

adotam variações dos triângulos do uso do mar de Booth (FIG. 2) e Grove (FIG. 3).

Apesar da preponderância da influência do pensamento britânico, percebe-se,

também, o emprego da terminologia usada pelo Almirante Turner. Assim, as missões de PPT

e de CAM (Sea Control), são empregadas, respectivamente, por oito e sete das 10 marinhas

estudadas (excetuando-se nesta conta a MB, a USN e a RMB). A missão de Presença Naval e

a de Deterrência são empregadas por cinco marinhas. Cabe a ressalva, no entanto, que, dentre

os países que preveem a tarefa de deterrência, quatro (França, Índia, Reino Unido e Rússia)

possuem a capacidade de lançar artefatos nucleares, e apenas a Marinha da Coreia do Sul

adotou esta tarefa sem possuir capacidade para tanto.

No tocante à centralidade da tarefa de CAM em relação a, praticamente, todas as

demais tarefas e missões das marinhas, constatou-se que esta ideia está presente, de forma

explícita, nas doutrinas da RMB, Austrália e África do Sul, e de forma implícita nas demais.

A TBPN de NUM só é considerada como tal nas doutrinas das Marinhas

Canadense, Sul-Africana e Australiana20. Nestas doutrinas, a NUM é considerada como

Tarefa Básica, ou como conceito estratégico, possuindo, sempre, um vínculo estreito com o

CAM, havendo previsão de ambas as tarefas ocorrerem simultaneamente em áreas distintas.


______________
20
Cabe o registro de que o estudo realizado, constante do APÊNDICE E, observou haver grande semelhança
textual entre as doutrinas das Marinhas Sul-africana e Canadense.
48

A utilização da categorização do emprego do PN em funções, missões ou tarefas,

em todas as marinhas analisadas, busca espelhar todo o espectro de atividades realizadas,

desde as praticadas nos tempos de paz até aquelas de combate. Neste contexto, destacam-se as

atividades relacionadas ao bom uso do mar (também denominadas de Policiais, de

Constabulares, de Garantia da Lei e da Ordem no Mar, de Imposição da Lei no Mar, de Ações

de Estado no Mar etc.) e as diplomáticas (também denominadas de Benignas, de

Demonstração de Força, de Presença Naval etc.).

As tarefas elencadas pelas doutrinas demonstraram preocupação com temas atuais

como, por exemplo, pirataria, narcotráfico, poluição, resposta a crises e desastres, ações

humanitárias e com o aumento do emprego do PN em tarefas expedicionárias a partir do mar.

As Marinhas da Rússia, Chile, Austrália e África da Sul definiram a Defesa de

Costa como uma Tarefa Básica.

Existe uma grande diversidade de funções, missões e tarefas entre as diversas

doutrinas. As diferenças são, tanto de denominação apenas, quanto de seleção sobre quais

atividades realizadas por determinada marinha serão categorizadas. Assim, a Armada

Espanhola possui apenas duas Tarefas Básicas, CAM e PPT, enquanto a Marinha Francesa

possui cinco funções, divididas em 19 tarefas, e a Marinha do Chile possui três funções e 34

tarefas. Percebe-se que não existe um padrão universal de categorização.

Outro ponto que chamou a atenção foi a apresentação dos documentos

doutrinários. As doutrinas marítimas consultadas, particularmente as da África do Sul,

Austrália, Canadá, Chile, Índia e Portugal possuem uma diagramação amigável e fotos e

gráficos bem elaborados, nos moldes dos documentos doutrinários da USN e da RMB.

3.5 Síntese

Este capítulo apresentou as concepções para emprego do PN de Booth e Grove,


49

que categorizaram este emprego em funções – militar, diplomática e policial/constabular –,

representadas na forma de “triângulos do uso do mar” (FIG. 2 e 3). Esta categorização serviria

para justificar a existência das marinhas, além de facilitar a alocação de recursos e assegurar

que seus integrantes foquem mais em seu conjunto do que em alguma de suas partes. Estas

funções, assim como suas tarefas e missões, seriam interdependentes entre si e não deveriam

ser fixas nem universais, ao contrário, elas deveriam adaptar-se ao perfil de cada marinha.

Estes autores influenciaram diretamente a doutrina da RMB e de outras cinco marinhas.

O estudo da evolução das edições da DBM e sua comparação com as doutrinas de

outros países revelaram, de imediato, que as TBPN não são universais, pois cada país as

adapta às suas demandas estratégicas. Cabe ressaltar, também, outros pontos de divergência:

apesar de as TBPN da MB serem semelhantes às missões concebidas pelo Almirante Turner

(1974), após sua definição na primeira DBM (1979) elas não mais evoluíram, ao contrário do

ocorrido com as missões da USN e com as tarefas de outras marinhas; as TBPN da MB só

representam uma parcela das atividades de combate realizadas pelas marinhas e, além disso,

não abrangem missões policiais, diplomáticas, de segurança marítima ou humanitárias; e

dentre as 13 marinhas estudadas, ao todo, só a MB e mais três (África do Sul, Austrália e

Canadá) consideram a NUM como sendo uma TBPN, as demais doutrinas ou não a citam ou a

embutem no CAM. Outro ponto importante é o fato de as DBM não fazerem referência à

interdependência das tarefas e nem ao papel central do CAM em relação às demais TBPN, o

que contribuiu para a formação de nichos operacionais estanques, com sistemas de armas

dedicados a cada uma das TBPN, em vez de cogitar-se do uso complementar e integrado dos

diversos meios navais, como era a intenção inicial do Almirante Turner.


4 A AMAZÔNIA AZUL

Após realizadas a pesquisa e a análise sobre a origem das TBPN e de sua

aplicação atual pela MB e por diversas marinhas do mundo, este capítulo apresentará aspectos

relevantes da evolução da mentalidade marítima brasileira que culminou com a formulação do

conceito de Amazônia Azul e a identificação das demandas estratégicas para a sua proteção.

4.1 Mentalidade Marítima

O Brasil tem um estreito vínculo com o mar. Desde o descobrimento, passando

pelo assentamento dos primeiros colonizadores e a defesa contra invasores, e pela

consolidação da independência, possibilitada pelo emprego de meios navais ao longo de

extenso litoral nacional desprovido de estradas ou outras linhas de comunicação que não as

marítimas. Pelo mar, também, floresceu a economia colonial nos sucessivos ciclos

econômicos, como o do ouro, da cana-de-açúcar e do café, e defendeu-se a pátria, no século

XIX, na Bacia do Prata.

Ao longo do século XX, o povo brasileiro perdeu, em certa medida, a mentalidade

marítima. Em parte, este fato deveu-se à necessidade de ocupação física e econômica do

interior do país, confirmando as fronteiras terrestres. Pesaram, também, os impactos das duas

Grandes Guerras e das crises do petróleo, nos anos 1970, sobre o comércio marítimo e a

indústria da construção naval (VIDIGAL et al., 2006, p. 27-29).

A virada do século marca o movimento de retomada da mentalidade marítima

impulsionada pelas negociações e pesquisas, no Brasil e em diversos países do mundo, para o

estabelecimento da soberania sobre suas águas territoriais, de acordo com o previsto pela

CNUDM. Juntamente com a delimitação dessas novas fronteiras, surge a necessidade de


51

ampliar o conhecimento das potencialidades e o desenvolvimento de capacidades, em suas

vertentes científicas, econômicas e ambientais, que possibilitem o real exercício da soberania

sobre as AJB (BRASIL, 1995; FERREIRA, 2011; RIBAS M., 2011).

Diversas são as riquezas que podem ser exploradas, tais como os recursos

marinhos vivos e não-vivos, a energia das ondas e das marés, e o uso do mar como fonte de

divisas originadas do lazer, esporte e turismo. Em todos estes aspectos, a geografia da costa

brasileira se apresenta, em termos de clima, subsolo, temperatura da água, perfil de regime de

ventos e marés, particularmente propensa ao desenvolvimento das potencialidades citadas.

Uma das principais riquezas, que já é explorada nas AJB, mas que apresenta

considerável potencial de ampliação, é o petróleo. Enormes reservas desta fonte de energia

foram identificadas na Plataforma Continental brasileira, em grandes profundidades, numa

camada do subsolo marinho denominada de “Pré-sal”.

Além das riquezas contidas ou obtidas a partir das AJB, um fator muito relevante

sob o aspecto econômico é o comércio marítimo que cruza estas águas. Cerca de 95% do

comércio internacional brasileiro se faz pelo mar. Cabe salientar que foi a importância

econômica deste tipo de comércio para todos os países que fez crescer, a partir da 2ªGM, a

ênfase na segurança marítima. Após os atentados terroristas de 11 de setembro, ampliou-se a

demanda por este tipo de segurança, visando a reduzir a vulnerabilidade dos vetores do

comércio marítimo e proteger o meio ambiente (VIDIGAL et al., 2006, p. 30, 105, 239).

Foi neste contexto de retomada da mentalidade marítima que o Almirante

Guimarães Carvalho cunhou a expressão Amazônia Azul. Esta ideia-força, ao traçar um

paralelo de referência com a região amazônica, permitiu salientar aspectos atinentes à sua

dimensão e riqueza. Sua associação visual com o mapa do Brasil possibilita identificar

claramente seus limites físicos21: a fronteira marítima do mar que nos pertence.

______________
21
O ANEXO B apresenta o mapa do Brasil com os limites da Amazônia Azul (FIG. 17).
52

Outro aspecto de relevo que aflorou neste processo foi a importância da vertente

soberania da Amazônia Azul, alertando-se para o fato de toda riqueza gerar cobiça e, via de

consequência, criar demandas estratégicas para a sua defesa. Portanto, cumpre destacar as

vulnerabilidades estratégicas do Brasil no mar: concentração de meios de explotação de

petróleo no mar; concentração de grandes cidades, indústrias e usinas de energia próximas ao

litoral; comércio exterior dependente de extensas LCM; e existência de ilhas oceânicas sem

sistema de defesa próprio (MOURA NETO, 2010, p. 451)

A estes aspectos afetos diretamente às AJB, devem ser acrescentados outros de

cunho histórico e geoestratégico do Atlântico Sul. Este oceano constituiu-se, no decorrer da

história, um importante vetor de projeção sobre o território nacional, por onde ocorreu a maior

parte das ameaças à soberania e à integridade do país após sua independência (FIG. 18 -

ANEXO C). A professora Therezinha de Castro acrescenta, ainda, outros pontos:

Citando o General Meira Mattos: “O Brasil ocupa uma posição estratégica adicional
no Atlântico que é projetar-se nesse oceano em sua parte mais estreita [...] e ainda,
por possuir sua imensa costa voltada tanto para o Atlântico Norte quanto para o
Atlântico Sul; se as costas africanas caírem sob influência de forças inimigas,
crescerá ainda mais a importância estratégica da posição geográfica do Brasil.”.
Posteriormente, a autora conclui que “de todos os países banhados pelo Atlântico
Sul é o Brasil o que mais necessita de consciencioso desenvolvimento marítimo e
correspondente influência transatlântica para base de sua expansão econômica e
garantia de desafogada liberdade de movimento no seu tráfego através dos mares
(CASTRO, 1996, p. 15-16, 42-43).

4.2 Aspectos Estratégicos

A Política de Defesa Nacional (PDN) estabelece dois principais espaços

estratégicos para a defesa do território nacional: a Amazônia e o Atlântico Sul 22. Com relação

a esta orientação, cabe salientar que o PN brasileiro, apesar da clara precedência que confere à

______________
22
A PDN estabelece em sua orientação estratégica nº 6.12 que “Em virtude da importância estratégica e da
riqueza que abrigam, a Amazônia brasileira e o Atlântico Sul são áreas prioritárias para a Defesa Nacional” e na
de nº 6.14 que “No Atlântico Sul, é necessário que o País disponha de meios com capacidade de exercer a
vigilância e a defesa das águas jurisdicionais brasileiras, bem como manter a segurança das linhas de
comunicações marítimas” (BRASIL, 2005, p. 6).
53

sua participação no Atlântico Sul, tem sido empregado, e cumprido tarefas, na região

amazônica desde o ano de 1728, quando da criação da Divisão Naval do Norte, sediada em

Belém do Grão-Pará (BRASIL, 2005b; CARNEIRO, 2011).

A END, por sua vez, estabelece os pressupostos estratégicos para o emprego do

PN no século XXI. Sua primeira diretriz é bem clara:

Dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres, nos


limites das águas jurisdicionais brasileiras, e impedir-lhes o uso do espaço
aéreo nacional. Para dissuadir, é preciso estar preparado para combater. A
tecnologia, por mais avançada que seja, jamais será alternativa ao combate.
Será sempre instrumento do combate (BRASIL, 2008, p.4).

A END prossegue, estabelecendo em seus fundamentos que:

Na elaboração das Hipóteses de Emprego, a Estratégia Militar de Defesa


deverá contemplar o emprego das Forças Armadas considerando, dentre
outros, os seguintes aspectos:
- o monitoramento e controle do espaço aéreo, das fronteiras terrestres, do
território e das águas jurisdicionais brasileiras em circunstâncias de paz;
- a ameaça de penetração nas fronteiras terrestres ou abordagem nas águas
jurisdicionais brasileiras;
- a ameaça de forças militares muito superiores na região amazônica;
[...]
- ameaça de conflito armado no Atlântico Sul (BRASIL, 2008, p.39).

Pode-se depreender que, para a MB, a proteção das AJB merece atenção

prioritária. No entanto, existe, também, a previsão do emprego do PN em conflitos no

Atlântico Sul, ainda que além das AJB, e na região amazônica. Além disso, o estabelecimento

da soberania nacional nessas águas demanda a ampliação do conhecimento e a garantia da

explotação de seus recursos marinhos, aliado ao fato de que as marinhas do mundo têm

buscado o caminho da cooperação como forma de reforçar a segurança marítima.

Este conjunto de atividades envolve o emprego do PN desde os tempos de paz,

assim como contribui e complementa as atividades de combate. Dessa forma, as demandas

estratégicas para a defesa da Amazônia Azul podem ser divididas em dois grupos: paz e

guerra. Esta distinção, no entanto, não deve ensejar uma bifurcação operacional, pois na
54

realidade deve ser compreendida como um continuum23 entre as ações na paz e na guerra.

Durante a paz, os meios navais seriam empregados em funções constabulares24

(ou policiais) e diplomáticas, dentro do conceito desenhado por Booth e Grove (FIG. 2 e 3).

Cabe salientar a complementaridade existente entre as funções de paz e de guerra, pois são

executadas, em parte, pelos mesmos meios, além de contribuírem, em alguns casos, para o

adestramento e prontificação dos meios navais (VIDIGAL et al., 2006, p. 282). Esta

superposição de tarefas foi representada graficamente por Grove, no triângulo da FIG. 3.

As tarefas constabulares seriam aquelas relacionadas ao exercício da função de

Autoridade Marítima25, com o propósito de garantir a presença do Estado nas AJB, seja para

confirmar sua soberania neste espaço do território, seja para garantir o cumprimento de leis e

a manutenção da ordem, ou para combater as “novas ameaças”26. O PN pode executar uma

ampla gama de tarefas constabulares, que o Almirante Vidigal (2006, p. 268-269) designava

de “emprego político do poder militar”, e que o Almirante Moura Neto (2010, p. 455-456)

englobou em sete grupos de atividades: garantia da salvaguarda da vida humana no mar;

segurança da navegação aquaviária; prevenção e repressão da poluição ambiental; segurança

orgânica das plataformas de petróleo; prevenção e repressão às “novas ameaças”; garantia da

soberania nacional nas AJB; e segurança da área marítima contra o tráfego não autorizado.

As tarefas diplomáticas do PN envolvem, tradicionalmente, ações que objetivam

______________
23
Um continuun é uma “série longa de elementos numa determinada sequência, em que cada um difere
minimamente do elemento subsequente” (HOUAISS; VILLAR; 2009). Este conceito é aplicado na doutrina
marítima para representar que as TBPN são interconectadas, formando um todo indissociável (KEARSLEY,
1992, p. 189).
24
Para efeitos deste trabalho, prefere-se a expressão constabular à policial, pois evita-se a associação deste tipo
de atividade com as executadas por forças policiais federais ou estaduais.
25
A Lei Complementar nº 117/2004, em seu artigo 17, designa o Comandante da Marinha como “Autoridade
Marítima” e estabelece que é de sua competência o trato das seguintes atribuições subsidiárias da MB: “orientar
e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional; prover a
segurança da navegação aquaviária; contribuir para a formulação e a condução de políticas nacionais que digam
respeito ao mar; e implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores,
em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessário, em
razões de competências específicas” (VIDIGAL et al., 2006, p. 279-280).
26
Para efeitos deste trabalho, o termo “novas ameaças” engloba o terrorismo, o narcotráfico, o contrabando, a
pirataria no mar e o tráfico de pessoas e armas (MOURA NETO, 2010, p. 453).
55

dissuadir, influenciar, coagir, ou mostrar seu alcance e presença. Neste contexto, as

características do PN tornam os meios navais particularmente apropriados para a execução de

diversas tarefas diplomáticas, que o Almirante Vidigal classificava no mesmo grupo, já

citado, de “emprego político do poder militar” (2006, p. 268), dentre as quais destacam-se:

fazer-se presente em portos amigos; exercer ação de presença nas AJB; impor sanções e

embargos; cooperar com forças navais estrangeiras; e realizar ações humanitárias

Outro aspecto importante é o fato de que existe, nos dias atuais, uma demanda,

por parte de organizações multinacionais, pelo emprego do PN em operações para a

imposição da lei no mar, para o combate ao narcotráfico e à pirataria. Estas atividades podem

ser conduzidas fora das AJB, constituindo, neste caso, um exemplo de tarefa ao mesmo tempo

constabular e diplomática, situação esta prevista por Grove (item 3.1).

Apesar da crescente demanda e importância das tarefas executadas na paz, não se

deve perder de vista que o principal emprego do PN é o combate.

A END apresenta como prioridade para uma “estratégia de defesa marítima do

Brasil” a negação do uso do mar “a qualquer concentração de forças inimigas que se aproxime

do Brasil por via marítima” (BRASIL, 2008, p. 12). Para efeitos deste estudo, esta priorização

será observada nos seus termos mais amplos, vislumbrando o emprego combativo do Poder

Militar para negar o acesso através do Atlântico Sul de forças inimigas que ameacem a costa

brasileira. Assim, negar o acesso é uma tarefa mais ampla que Negar o Uso do Mar.

Neste sentido, a proteção das AJB apresenta demandas estratégicas que envolvem

uma considerável variedade de sistemas de armas, que devem ser integrados de forma a

complementar seus efeitos bélicos. Esta proteção inicia-se, em tempos de paz, com atividades

diplomáticas e constabulares, envolve o monitoramento e controle constantes das possíveis

ameaças e a posterior pronta resposta, com o adequado nível de violência, combinando os

vetores submarinos, de superfície, aéreos ou anfíbios. O conjunto destas atividades deve ter
56

seu emprego planejado para ocorrer de forma escalonada em linhas de defesa, aproximada ou

afastada, principalmente nas Áreas Vital e Primária27 (MOURA NETO, 2010, p. 458-461).

No interior das AJB, a patrulha naval deverá responder pela dupla demanda de

fazer o Estado presente, nos tempos de paz, e de constituir uma última linha de proteção, pois,

o inimigo deve ser detido, ou dissuadido, o mais longe possível da costa brasileira. Estas

ações devem envolver a participação de aeronaves da Força Aérea Brasileira.

Outra importante tarefa combativa do PN é a proteção, aproximada ou distante, do

tráfego marítimo. Esta é outra tarefa que se inicia em tempos de paz, envolvendo tanto ações

diplomáticas quanto constabulares, mas que encontra nas ações de combate a instância

derradeira para garantir o necessário fluxo comercial da economia brasileira.

Por fim, o PN deve, ainda, contribuir para as ações de guerra na região amazônica.

Trata-se de prioridade estabelecida na PDN e na END e que encontra nos meios navais um

vetor imprescindível, dadas as características hidrográficas da região. Aplica-se raciocínio

semelhante, ainda que em menores dimensões, à região do pantanal mato-grossense.

4.3 Síntese

Este capítulo apontou aspectos relevantes da evolução da mentalidade marítima

brasileira e da consequente formulação do conceito de Amazônia Azul. Identificou, também,

as demandas estratégicas para a sua proteção, ressaltando que as tarefas envolvidas neste

processo representam um continuum, que se inicia nos tempos de paz e estende-se à guerra.

Este espectro é preenchido por tarefas diplomáticas, constabulares e de combate, executadas

de forma complementar e superpostas, contando com a participação de outras FA, e devendo

ser exercidas tanto no interior das AJB quanto no oceano aberto e na região amazônica.
______________
27
As áreas marítimas estratégicas de maior importância para o Poder Naval brasileiro são: Área Vital (Amazônia
Azul); Área Primária (Atlântico Sul); Área Secundária (Mar do Caribe e Pacífico Sul Oriental); e Demais Áreas
do Globo (MOURA NETO, 2010, p. 461).
5 O PODER NAVAL – PERSPECTIVAS

Nos capítulos anteriores, foram analisados a origem e o emprego atual das TBPN,

tanto na MB e quanto nas principais marinhas do mundo. Também, foram identificadas as

demandas estratégicas para a proteção da Amazônia Azul. Neste capítulo, serão analisadas as

tendências futuras, apontadas por especialistas, para o emprego do PN no século XXI.

5.1 Marinhas Modernas e Pós-Modernas

Dentre as principais tendências que norteiam o desenvolvimento do pensamento

estratégico com vistas ao emprego do PN no século XXI, destaca-se a visão concebida pelo

britânico Geoffrey Till (2009). Ela incorpora os efeitos da globalização, particularmente do

comércio marítimo, sobre a forma de atuação das forças navais. A crescente interdependência

econômica entre os países, aliada aos custos dos fretes e às vulnerabilidades do ambiente

marinho, tornaram ainda mais importante a segurança marítima. Esta segurança é necessária

para possibilitar o uso do mar. Segundo esse autor, o homem usa o mar como: fonte de

recursos, meio de transporte e comércio, troca de informação, e como fonte de poder e

dominação. Recentemente, juntou-se, pela sua importância, um quinto aspecto: a preservação

do meio ambiente marinho (TILL, 2009, p. 286-287).

Esta forte tendência mundial fez com que o Geoffrey Till identificasse dois tipos

de marinhas: as Modernas e as Pós-Modernas. Para chegar a esta denominação, ele vinculou

as marinhas aos tipos de Estados hoje existentes, que, de acordo com a forma como lidam

com os efeitos da globalização, podem ser classificados como: modernos ou pós-modernos.

Neste sentido, as Marinhas Modernas, têm o emprego do seu PN voltado para a

defesa do Estado e de sua soberania, por meio de grandes conflitos no mar contra o PN ou

Marítimo de outros Estados. Deverá haver um contínuo e crescente foco nas operações no
58

litoral. Este classe de marinha possuirá as seguintes TBPN: Deterrência Nuclear; Controle

de Área Marítima, nos moldes tradicionais com ênfase no enfrentamento entre esquadras;

Projeção de Poder Marítimo, em suas versões clássicas de operações anfíbias e

bombardeios navais e aeronavais; Manutenção da Boa Ordem no Mar, abrangendo as

tarefas constabulares nas águas territoriais; e Consenso Marítimo, mais em termos de

arranjos bilaterais do que soluções de cooperação global e multilateral (TILL, 2009, p. 14-16).

As Marinhas Pós-Modernas, por sua vez, buscam proteger o sistema marítimo

mundial, pois, sendo este um dos pilares da globalização, garantiriam, assim, a paz e a

estabilidade global. Desta forma, os pós-modernistas buscam preparar suas marinhas para a

execução de uma gama mais ampla de tarefas diplomáticas e constabulares: ações de ajuda

humanitária; combate à pirataria e ao narcotráfico; operações expedicionárias de

estabilização; operações de interdição e segurança marítimas; e construção de consenso e

cooperação no mar.

Apesar do título de Pós-Moderna, a importância da segurança do comércio

marítimo, conforme já apontado no item 2.1.1, já havia sido prevista por Mahan ao final do

século XIX, quando ele sugeriu a formação de “consórcios navais” transnacionais (SUMIDA,

1997, p. 107-109). No entanto, após o fim da Guerra Fria, com a redução da ênfase dada ao

combate no mar, pela falta, talvez, dos antigos e claros antagonismos, este conceito passou a

ocupar lugar de destaque crescente nas agendas das principais marinhas. A USN em

particular, conforme visto no item 3.3 e no APÊNDICE C, tem feito alusão a esta atividade

em seus recentes documentos doutrinários, como forma de conclamar os Poderes Navais de

diversos países a constituírem parcerias de cooperação em prol da segurança marítima. Esta

iniciativa norte-americana implica, de forma subliminar, que este processo se dará em

detrimento da capacidade combativa das marinhas, que confiariam esta atividade à própria

USN (CARTER; PERRY; STEINBRUNER, 1992, p. 7; EUA, 2005, p. 20-23).


59

As Marinhas Pós-Modernas não contribuirão para Deterrência Estratégica e

possuirão as seguintes TBPN: Controle de Área Marítima, executado em áreas marítimas

mais próximas ao litoral, contra as “novas ameaças” e em proveito de um mar mais seguro

para todos, ao invés de um mar controlado por poucos; Operações Expedicionárias, ou

manutenção da boa ordem a partir do mar, que se distinguem das tradicionais PPT por serem

mais politizadas e por terem o propósito de proteger o sistema de comércio marítimo atuando

em ameaças localizadas em terra; Manutenção da Boa Ordem no Mar, por meio de tarefas

constabulares de combate às “novas ameaças” em qualquer área marítima de interesse; e

Consenso Marítimo, cooperação para a segurança marítima internacional articulada por meio

de ações de Diplomacia Naval (TILL, 2009, p. 7-12).

O autor concebe, ainda, que caberá às marinhas, no futuro, balancear a

distribuição de seus Poderes Navais entre os dois polos de referência para fazer frente a uma

crescente e diversificada gama de tarefas. O quão Moderna ou Pós-Moderna cada marinha

será dependerá de condicionantes, como aqueles descritos por Mahan (item 2.1.1):

engajamento dos governos, posição geográfica, extensão do território, e dimensão e caráter da

população. Importará, também, o fato de o país dispor de guarda costeira, ou se sua marinha

acumula tais funções. Algumas marinhas já vêm adotando este modelo balanceado, como é o

caso de Portugal, com a sua “Marinha de Duplo Uso” (PORTUGAL, 2010a; 2010b;

MONTEIRO; MOURINHA, 2011).

5.2 O Continuun das Tarefas Básicas do Poder Naval

Harold J. Kearsley é um acadêmico canadense, naturalizado norte-americano.

Suas ideias acerca do emprego do PN no século XXI destacam a subordinação do mar em

relação à terra e a crescente influência recíproca entre os dois domínios. Ressalta, ainda, o
60

papel da globalização e da consequente necessidade de garantir a segurança do comércio

marítimo internacional.

De acordo com a sua abordagem, as TBPN no século XXI visariam a propiciar

aos Estados “um continuum de orientações náuticas interconectadas que servissem para lidar

com todos os aspectos políticos de seus interesses marítimos” (KEARSLEY, 1992, p. 189,

tradução nossa). A exemplo das missões interdependentes concebidas pelo Almirante Turner

(FIG. 1), a ideia de um continuum de tarefas interconectadas visava a salientar que nenhuma

TBPN pode ser executada isoladamente. Assim, Kearsley dispôs sua concepção de TBPN em

formato circular, representando uma roda, conforme se vislumbra na FIG. 4 do ANEXO A,

para tornar claro que, partindo-se dos meios navais disponíveis em uma determinada marinha

(Naval Hardware, o centro da roda) e cumprindo as tarefas elencadas (perímetro), produzir-

se-ia um único produto (output): Poder Naval.

A primeira TBPN da roda é a Diplomacia Marítima, considerada um

instrumento político-militar vital, e cujo emprego será amplificado. A missão de Manutenção

de Domínio, que visa a preservar a soberania e a boa ordem nas águas jurisdicionais dos

países, tenderá a ser uma das principais TBPN para todas as marinhas. A Presença Marítima

complementará os efeitos psicológicos das duas anteriores, sendo empregada tanto interna

como internacionalmente. Apresentando um aspecto mais físico do continuum, o Controle e

Negação do Mar continuará a desempenhar um papel relevante para o exercício, positivo ou

negativo, do controle de determinado espaço marítimo, que viabilize a consecução de

atividades cada vez mais variadas. A Deterrência Náutica será respaldada pela clara

sinalização dos Estados com relação à vontade e motivação para executar as demais tarefas. A

TBPN denominada de Armadilhas Marítimas (Sea Tripwire) constitui uma opção de

emprego de força, normalmente adotada por Poderes Navais mais fracos contra oponentes

mais poderosos, valendo-se da percepção de que os custos de um enfrentamento seriam


61

elevados apesar da desproporção de forças. Por fim, a Projeção de Poder Naval terá um

emprego ainda maior, pois, além das tradicionais projeções ofensivas, passará a haver uma

demanda por projeções que visem a defender o interesse nacional (humanitário ou

econômico) em outros litorais. Este caráter de coerção por meio da projeção indica que esta

TBPN se interliga com a de Diplomacia Marítima, fechando o ciclo e estabelecendo o

continuum preconizado.

5.3 Estratégias Antiacesso

Além das duas tendências acima assinaladas, a bibliografia consultada28 apontou

uma terceira, não conflitante com as anteriores, mas que se mostra particularmente apropriada

à adoção por países que possuam a demanda estratégica de proteção do seu litoral de ameaças

pelo mar. Estes casos indicam a necessidade de projetar estratégias antiacesso, que são, em

boa medida, corolários da doutrina da guerra costeira (item 2.1.4).

A USN está estudando o assunto em suas duas vertentes: defesa e ataque. A forma

defensiva coordena suas FA e agências governamentais, para proteger seu território de

ameaças pelo mar (Homeland Defense) (EUA, 2007a). Por sua vez, a vertente de ataque,

prevê ações ofensivas de “entrada forçada”29, como forma de garantir acesso operacional em

suas áreas de interesse, a despeito de estratégias antiacesso de seus potenciais oponentes

(EUA, 2011a; TOL, et al, 2010)


______________
28
Além da nova doutrina básica da USN (EUA, 2010a, p. 19), do livro Seapower (TILL, 2009, p.334, 347), da
Doutrina Marítima Australiana (AUSTRALIA, 2010, p. 37-38) e da Estratégia da Marinha Canadense
(CANADA, 2001, p. 78), as seguintes publicações norte-americanas consultadas fazem alusões a estratégias
antiacesso: Naval Operations Concept (NOC 2010): implementing the maritime strategy (EUA, 2010b, p. 54-
55); The National Military Strategy of the United States of America: redefining America’s military leadership
(EUA, 2011b, p. 3, 8)); The National Strategy for Marttime Security (EUA, 2005, p. 20-23); AirSea Battle: a
point-of-departure operational concept (TOL, et al, 2010, p. 17-48); e Joint Publication (Draft) - Joint
Operational Access Concept (EUA, 2011a, p. 3-12). Cabe ainda registrar que as doutrinas das seguintes
marinhas definem a Defesa de Costa, executada com a disposição de sistemas de armas em camadas, como uma
TBPN ou operação de vulto: África do Sul, Austrália, Chile, Coreia do Sul, França, Índia e Rússia.
29
As operações de “entrada forçada” visam à conquista e manutenção de uma área em face de oposição armada
(EUA, 2010b, p. 97).
62

As capacidades A2/AD têm crescido não apenas devido a aspectos vinculados ao

desenvolvimento tecnológico, mas também pelo uso inovador de armas e táticas

convencionais. As atuais estratégias antiacesso preveem o emprego de armas combinadas30

das FA do país, dispostas em camadas de forma a conferir profundidade à defesa e de acordo

com os conceitos de A2/AD (item 3.3). No conceito de “antiacesso” as FA buscam impedir ou

retardar o acesso inimigo ao Teatro de Operações. A “negação de área” visa a degradar a

eficácia operacional, ou a liberdade de ação, do inimigo dentro do teatro (EUA, 2011a, p. 12).

Pode-se citar como capacidades antiacesso: mísseis balísticos e de cruzeiro,

lançados do ar, da superfície ou de submarinos; sistemas de vigilância e reconhecimento de

longo alcance; submarinos nucleares; e sistemas de ataque cibernético e espacial. As

capacidades de negação de área são: forças navais, aéreas e terrestres integradas; sistemas de

defesa antiaérea; mísseis antinavio de médio e curto alcance, lançados do ar, mar ou terra;

submarinos a diesel; munições inteligentes; sistemas de guerra eletrônica; e lanchas de ataque

(EUA, 2010a, p. 7-8).

As FIG. 19 e 20 apresentam graficamente um sistema A2/AD de defesa de costa

em camadas (ANEXO D). Nota-se que a camada mais distante, a que primeiro interfere com o

inimigo, é aquela relacionada aos sistemas cibernéticos e espaciais. Na realidade, esta camada

ultrapassa as três dimensões convencionais (Mar, Terra e Ar), pois atua em uma quarta

dimensão estratégica – o outerspace31 - que interfere com as demais e viabiliza o Comando e

Controle de qualquer emprego de força e a necessária busca, coleta, avaliação, análise,

integração e disseminação de informações (REIS, 2010, p. 49). Nesta camada, a estratégia de

______________
30
O conceito de armas combinadas busca maximizar o poder de combate por meio da completa integração das
armas, de modo que quando o inimigo tente reagir aos efeitos de uma delas, ele se torne mais vulnerável à outra.
Visa-se a confrontar o inimigo não apenas com um problema, mas com um dilema de difícil decisão (EUA,
1997, p. 93).
31
Segundo o Almirante Reis o termo outerspace poderia ser traduzido como “espaço cósmico”, mas esta
expressão “não revela os meandros do termo” que foi incorporado pelo tratado de 1967 (Outerspace Treaty) e
cujas atividades “têm dado margem a uma série de avanços” tecnológicos de uso civil e militar (REIS, 2010, p.
45).
63

A2/AD prevê o emprego de satélites para a tomada de consciência situacional e de sistemas

de ataque cibernético e espacial, que degradem a capacidade oponente de combate, como um

todo, e de Comando e Controle, em particular.

Nas camadas que se seguem, o planejador coordena o emprego de seus sistemas

de armas, combinando a geografia de sua costa e o alcance e efeito das armas dos meios

navais, aéreos e terrestres disponíveis, para que, à medida que o adversário se aproximar do

núcleo, a resistência ao seu avanço se torne maior. Os mísseis antinavio e antiaéreo (lançados

do mar, da terra ou do ar), as munições guiadas com precisão, os navios de superfície e os

submarinos convencionais ocupam um papel de destaque neste dispositivo (HUGHES Jr.,

2000, p. 290).

A preocupação em garantir o acesso operacional em áreas de interesse que tenham

desenvolvido estratégias A2/AD fez com que se desenvolvesse, nos EUA, o conceito AirSea

Battle, que prevê o uso integrado da USN e da Força Aérea Norte-Americana (VEGO, 2011).

Para viabilizar este estudo, considerou-se a hipótese de que suas FA tenham que executar uma

operação de “entrada forçada” na China (TOL et al, 2010, p. 17-48). Neste contexto,

formulou-se um quadro em que a China disporia do dispositivo A2/AD apresentado na FIG.

21 (ANEXO D).

5.4 Síntese

Este capítulo analisou as tendências futuras para o emprego do PN no século XXI,

definindo três tendências: o balanceamento das marinhas entre tarefas de segurança marítima

e de combate; a compreensão do inter-relacionamento necessário entre as TBPN, para fazer

frente às atividades cada vez mais variadas e numerosas que se impõem às marinhas; e o

emprego do conceito de A2/AD para a defesa de costa. No próximo capítulo serão avaliadas

as perspectivas para o emprego do PN brasileiro na Amazônia Azul.


6 A PROTEÇÃO DA AMAZÔNIA AZUL – PERSPECTIVAS

Os capítulos anteriores apresentaram um estudo sobre as origens e o emprego

atual das TBPN pela MB e pelas principais marinhas do mundo, a identificação das demandas

estratégicas da Amazônia Azul e a análise das tendências futuras para o emprego dos PN.

Considerando estes subsídios, verificar-se-á, neste capítulo, se as atuais TBPN, previstas na

doutrina em vigor, são adequadas para atender às demandas estratégicas identificadas e, se for

o caso, se deverão ser formuladas as atualizações das TBPN para que capacitem o PN

brasileiro a proteger a Amazônia Azul no século XXI.

6.1 A doutrina precisa mudar?

Neste item, será apresentada a resposta para o seguinte questionamento: é

necessário mudar as atuais TBPN para proteger a Amazônia Azul no século XXI?

A resposta buscará integrar as observações trazidas acerca da origem e do

desenvolvimento das atuais TBPN da MB e de outras marinhas, com as demandas estratégicas

das AJB e as perspectivas identificadas para o futuro emprego do PN.

Inicialmente, cumpre destacar o caráter evolutivo das doutrinas. No entender de

Geoffrey Till, “as circunstâncias estão sempre mudando, o que significa que a doutrina

precisa ser versátil e adaptável e tem que ser constantemente revista e desenvolvida” (TILL,

2009, p. 47, tradução nossa). Mahan, Corbett, Turner e a doutrina marítima da RMB também

frisam a importância desta atualização. Conforme visto (itens 2.2 e 2.3 e QUADRO 1), as

TBPN da MB, quando de sua formulação, na DBM de 1979, guardavam uma considerável

semelhança com as missões da USN, formuladas pela primeira vez em 1974. Embora as

primeiras três versões da DBM contenham um item que recomendava, explicitamente, sua
65

atualização periódica, o seu texto pouco se alterou, e as TBPN, em particular, não sofreram

modificações até hoje. Neste mesmo período, as missões da USN já foram alteradas 13 vezes.

Duas principais razões poderiam ter contribuído para este imobilismo doutrinário: a não-

ocorrência de mudança no contexto estratégico da MB que demandasse uma evolução das

TBPN; ou o fato de atribuir um caráter universal às TBPN, considerando que elas

permaneceriam sempre as mesmas para todas as marinhas, e sob quaisquer condições

estratégicas.

Ora, a virada do século foi marcada, para a MB, pela retomada da mentalidade

marítima, culminando com a própria formulação do conceito de Amazônia Azul. Este

processo veio conferir uma identidade estratégica a uma Marinha que, recentemente (década

de 1970), havia se tornado independente dos ditames operacionais, com ênfase na guerra

antissubmarino da USN. Apesar da profunda mudança de postura estratégica, não houve a

respectiva alteração na taxonomia das TBPN.

Por outro lado, o estudo realizado nos capítulos 4 e 5 indica que as TBPN não

possuem um caráter universal e que cada marinha busca adaptar as duas principais fontes de

referência neste assunto – as missões da USN concebidas pelo Almirante Turner e o triângulo

do uso do mar de Booth e Grove – às demandas estratégicas do seu país.

Outro fator favorável à atualização das TBPN diz respeito à interdependência das

TBPN. Cabe relembrar que uma das principais razões que levou o Almirante Turner a

conceber as missões da USN foi a atrofia operacional de parcela das forças navais norte-

americanas, devido ao predomínio do emprego de submarinos nucleares em proveito da

Deterrência Estratégica. Foi com o intuito de destacar a importância das demais forças navais

e de balancear sua marinha que o almirante elencou as missões e as representou graficamente

com setas superpostas (FIG. 1). Buscava, assim, indicar que as missões eram igualmente

importantes e que elas deveriam interagir entre si de forma complementar. Na MB, a ideia da
66

interdependência não foi transposta para a DBM. Embora a leitura de todas as versões da

doutrina permita subentender que os efeitos desejados das TBPN são complementares, este

conceito não foi acolhido. Ao contrário, com o passar do tempo, formaram-se nichos

operacionais relacionados a cada uma das TBPN (CAM e navios aeródromos e de superfície;

NUM e submarinos; e PPT e fuzileiros navais), devido a uma interpretação segundo a qual as

tarefas são estanques e são cumpridas por meios navais dedicados. Este conceito de

interdependência das TBPN também está inserido nas teorias de Booth e Grove, e na doutrina

marítima da RMB e de outras marinhas, como as da África do Sul, Austrália, Canadá, Chile,

Índia e Portugal.

Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de que a prioridade atribuída à defesa

da região amazônica, tanto na PDN quanto na END, não está devidamente respaldada pela

DBM, que apenas prevê a atuação da MB nesta região por meio da execução de Operações

Ribeirinhas, no contexto das Operações em Teatros Não-marítimos e de ações de Autoridade

Marítima. Considerando-se que é crucial proteger e atuar na Amazônia, talvez fosse

interessante caracterizar este tipo de emprego tão específico, em termos de meios navais e

doutrina, como uma Tarefa Básica. Conforme visto, a classificação do emprego do PN em

outputs, como as TBPN, serve não apenas para padronizar a doutrina para o público interno,

mas também para justificar, junto ao governo e à população em geral, o emprego das

marinhas.

A análise destes fatos, tantos os passados quanto os atuais, indica que já haveria

motivo suficiente para alguma atualização das TBPN. Passa-se agora, no entanto, a observar

as necessidades de mudança sob a perspectiva das tendências para o futuro emprego do PN

(capítulo 5).

Uma das tendências identificadas é a do balanceamento do perfil do PN entre os

conceitos de Marinha Moderna e Pós-Moderna. Por esta classificação, a leitura da DBM


67

permite categorizar a MB como uma Marinha Moderna, pois suas TBPN enfatizam o

emprego bélico do Poder Naval. Na prática, no entanto, a MB já desempenha tarefas típicas

de Marinhas Pós-Modernas (segurança marítima, missões diplomáticas, de combate às novas

ameaças, de Autoridade Marítima, operações expedicionárias e de manutenção da boa ordem

no mar), sem, no entanto, denominá-las de TBPN, como sugere Geoffrey Till e como é o caso

nas demais marinhas estudadas. Segundo este autor, haverá uma tendência a aumentar a

demanda pelo emprego do PN em atividades que garantam a segurança do sistema de

comércio marítimo internacional.

A outra tendência consiste em considerar as TBPN como um conjunto integrado

de tarefas interdependentes que formam um continuum. Este conjunto abrange, além das

tarefas concebidas pelo Almirante Turner (CAM, PPT, Presença Naval e Deterrência

Estratégica), a Diplomacia Marítima, a Manutenção de Domínio e a Armadilha Marítima.

Estas TBPN englobam um amplo espectro que inclui tarefas de combate, diplomáticas e

constabulares, representando o perfil que as marinhas devem apresentar no futuro.

Além destes indícios de que a MB precisa atualizar suas TBPN para adaptar-se às

demandas do futuro, vale salientar que esta necessidade de mudança tem sido apontada por

representantes de alto nível da administração naval. No Seminário Amazônia Azul, ocorrido

em outubro de 2010 na Escola Naval, o então Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros

Navais, Almirante-de-Esquadra (FN) Alvaro Augusto Dias Monteiro, e o Vice-Almirante Elis

Treidler Öberg expuseram sugestões de atualização das TBPN. O Almirante Monteiro

(2010b) apresentou um diagrama onde destacava a interdependência necessária das TBPN, a

centralidade do CAM, e acrescentava as tarefas de Diplomacia Naval e de Segurança

Marítima (FIG. 5 – ANEXO A). O Almirante Öberg (2010), por sua vez, buscou salientar a

interdependência das tarefas apresentando uma proposta (FIG. 6 e 7 – ANEXO A) baseada

nos dois triângulos do uso do mar de Grove (FIG. 3 – ANEXO A), com a seguinte alteração:
68

substituição da função constabular por “Fiscalizador da Soberania”.

Por fim, pode-se concluir que existe motivação suficiente para uma atualização

das TBPN. Assim, o próximo item formulará um novo conjunto de Tarefas Básicas que

atenda às demandas especificadas. Este processo de formulação, no entanto, levará em

consideração o caráter tradicionalmente conservador da DBM e o fato de as atuais TBPN já

estarem, há muito, arraigadas no conhecimento coletivo da MB.

6.2 Tarefas Básicas do Poder Naval no Século XXI

A formulação de recomendações que possam balizar a atualização das TBPN deve

buscar atender, em primeiro plano, à necessidade de capacitar o PN brasileiro a proteger a

Amazônia Azul. No entanto, outras demandas estratégicas dizem respeito à atuação da MB na

região amazônica e ao seu emprego como Autoridade Marítima.

Com relação à defesa das AJB, este trabalho baseou-se na prioridade estabelecida

pela END para a MB, de “negar o uso do mar a qualquer concentração de forças inimigas que

se aproxime do Brasil por via marítima” (BRASIL, 2008, p. 12). Esta tarefa estratégica foi

compreendida em termos amplos, extrapolando a mera execução da TBPN de NUM, pois para

que a Marinha cumpra o estabelecido na END no sentido de articular a “estratégia de defesa

marítima do Brasil” (BRASIL, 2008, p. 12), precisa ser planejado um conjunto de outras

atividades.

Além disto, esta estratégia de defesa marítima deve estar alinhada com as

principais tendências de evolução do emprego do PN, particularmente com o conceito de

A2/AD. Assim, deve espelhar o que alguns estrategistas têm denominado de estratégia

antiacesso (item 5.3).


69

Conforme visto, a A2/AD implica projetar uma defesa do litoral, disposta em

camadas sucessivas, em que diferentes sistemas de armas interdependentes combinam seus

efeitos e alcances, de forma a enrijecer a defesa, à medida que o adversário se aproxima da

costa. Este conceito se alinha e amplia o de defesa aproximada, afastada e aleatória (MOURA

NETO, 2010, p. 458).

As camadas apresentadas a seguir, assim como suas análises, servirão de linha

mestra para a formulação de um novo conjunto de TBPN para a MB. Neste processo, as atuais

TBPN serão validadas, ou alteradas, ou, ainda, se for o caso, novas tarefas serão formuladas.

A primeira camada32 a ser considerada é a diplomática. Seu alcance deve ser

amplo, mas deve ter seu foco voltado para o entorno estratégico brasileiro, e, particularmente,

para a Área Primária33. Neste espaço, que abrange os países lindeiros ao Atlântico Sul, aí

incluídos os da África Atlântica, a Marinha deve continuar a desenvolver laços de cooperação

com marinhas amigas. A construção de parcerias é um processo lento, que envolve atividades

a serem desenvolvidas desde os tempos de paz, com um propósito deliberado de fortalecer a

confiança mútua e conferir “credibilidade à presença do Poder Naval no Atlântico Sul”

(MONTEIRO, 2010a, p. 25). O exemplo mais marcante é o da Cooperação Naval Brasil-

Namíbia, além das tradicionais ações de mostra de bandeira e intercâmbios operacionais ou de

ensino.

Outras possibilidades, alinhadas com as tendências apontadas por Till e Kearsley,

consistem em participar no combate às novas ameaças e intensificar o emprego de tropas

expedicionárias em resposta a crises ou a desastres ambientais que venham a ocorrer em

______________
32
A FIG. 22 do ANEXO D apresenta um esboço gráfico e teórico de um sistema de defesa em camadas do litoral
brasileiro. Este diagrama, fora de escala, pretende apenas exemplificar graficamente a sucessão de camadas
defensivas necessárias a uma estratégia de A2/AD.
33
A Área Primária, uma área marítima estratégica para a MB, “é a região abrangida pelo Atlântico Sul, onde o
esforço da Marinha é fundamental, por envolver questões essenciais de interesse nacional” (MOURA NETO,
2010, p. 461). O Atlântico Sul que caracteriza a Área Primária abrange, conforme definido anteriormente, os
países lindeiros a este oceano, tanto os da margem leste da América do Sul, quanto os da margem oeste da
África.
70

países da Área Primária. Neste contexto, o emprego do Conjugado Anfíbio34 representa uma

ferramenta diplomática valiosa. As características de pronto emprego, flexibilidade,

versatilidade e permanência dos Fuzileiros Navais e dos navios anfíbios podem contribuir

para a consolidação da influência do PN brasileiro no Atlântico Sul.

Todo este importante conjunto de atividades diplomáticas recebe variadas

denominações, dependendo do autor ou da marinha em questão, embora, para efeitos deste

estudo, seja adotada a terminologia de “Presença Naval”.

A escolha deste título para esta TBPN prende-se a algumas razões. Esta atividade

é mencionada desde a primeira DBM, sendo, portanto, uma terminologia já adotada e

compreendida na MB. Diversas marinhas estudadas (África do Sul, Austrália, Canadá, EUA,

Índia, Portugal e Rússia) empregam esta denominação. Além disto, trata-se de uma das

missões originais concebidas pelo Almirante Turner para a USN.

A segunda camada defensiva é a cibernética e espacial. Uma camada que

materializa a quarta dimensão estratégica, a ser ativada desde os tempos de paz, e que deve

alcançar os limites do Atlântico Sul, possibilitando a tomada de consciência situacional

marítima35.

O conhecimento e a compreensão do que ocorre na Área Primária, seja em termos

de clima e meteorologia ou de ameaças à segurança marítima ou à defesa do litoral, permite

que o PN brasileiro exerça controle e influencie eventos neste ambiente. Em termos de defesa

de costa, o MDA, ao possibilitar o monitoramento e a identificação de possíveis ameaças o

mais afastado possível do litoral brasileiro, confere profundidade a todo o sistema defensivo.

______________
34
Segundo o Glossário das FA, o Conjugado Anfíbio é o “Conjunto de meios navais, aeronavais e de fuzileiros
navais prontos para cumprir missões relacionadas à projeção do poder sobre terra” (BRASIL, 2007b, p.64).
35
O conceito de consciência situacional marítima está vinculado ao de maritime domain awareness (MDA), que,
segundo o Naval Operations Concept: Implementing The Maritime Strategy, pode ser compreendido como “o
entendimento eficaz de qualquer coisa associada ao domínio marítimo que possa impactar a defesa, a segurança,
a economia, ou o ambiente estratégico de uma nação” (EUA, 2010b, p. 15, tradução nossa).
71

A forma e a estrutura visualizadas para a implementação do MDA são

semelhantes às do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz) (ÖBERG, 2010;

2011), com a ressalva de que seu alcance deve ser ampliado, pois tudo o que ocorrer na Área

Primária deve ser do interesse da MB, principalmente em momentos de crise ou de conflito. A

arquitetura deste sistema deve possibilitar a execução completa do ciclo de obtenção, análise

de dados e produção e disseminação de conhecimentos. Para tanto, o sistema deve estar

tecnicamente capacitado a compartilhar informações com outros órgãos e agências,

governamentais ou não. A eficiência do sistema dependerá, também, da capacidade de

intercâmbio de conhecimentos com outros países, particularmente com os que compartilham

interesses no Atlântico Sul. Para viabilizar essa interação com outros países, torna-se

necessário construir um elo de confiança mútua com eles, o que deve ocorrer por meio das

atividades englobadas pela Tarefa Básica de Presença Naval, acima comentada.

Nesta camada defensiva, além do trato do conhecimento, devem ser realçadas

preocupações relativas à defesa física e lógica dos sistemas cibernéticos e espaciais. O

domínio desta dimensão estratégica possibilita, ainda, o emprego ofensivo, buscando degradar

o poder de combate oponente, e interferindo na capacidade deste de comandar e controlar suas

forças, armas e equipamentos. Nas palavras do Almirante Reis (2010, p. 61) “a Amazônia

Azul requer muito da Quarta Dimensão Estratégica para ser conservada como patrimônio da

sociedade brasileira”.

A camada defensiva que se segue, na teoria, seria palco da ação de submarinos de

propulsão nuclear, de aeronaves de longo alcance e de mísseis balísticos, ou de cruzeiro,

antinavio (lançados do mar, do ar ou da terra). A conjugação dessas armas visaria a negar o

acesso marítimo de adversários que tencionassem se aproximar da costa. No caso brasileiro,

segundo a END, existe apenas a previsão de emprego de submarinos cumprindo a Tarefa


72

Básica de Negação do Uso do Mar. No futuro, talvez os demais sistemas de armas possam

vir a ser contemplados e desenvolvidos com esta orientação estratégica.

O estudo realizado, tanto dos conceitos básicos quanto das teorias dos principais

estrategistas navais do passado e do presente e, ainda, das doutrinas marítimas de diversos

países, indica que a NUM é indissociável do CAM, sendo, apenas, uma tarefa na qual se

observa um grau de controle menor, exercida em alguma frente marítima do Teatro de

Operações onde não se pretenda, ou não se necessite, obter seu pleno controle. Além disto, a

análise da evolução da Jeune École, onde se encontra a raiz da NUM, denuncia o risco que a

ênfase na construção de meios navais dedicados a este fim representa para o necessário

balanceamento do PN.

Apesar destas ressalvas, a NUM, na doutrina da MB, encontra-se já

completamente estabelecida, com táticas e detalhamento doutrinário bastante arraigados,

razão pela qual optou-se por conservá-la como uma TBPN válida para o século XXI.

No entanto, torna-se necessário flexibilizar sua compreensão, ampliando o

espectro de ações que contribuem para a NUM e, no sentido inverso, que podem ser

complementados por ela. Assim a NUM pode contribuir para o CAM e para a PPT, e vice-

versa, representando a interdependência vislumbrada pelo Almirante Turner.

Neste contexto, insere-se o emprego de forças anfíbias para negar o uso de ilhas

oceânicas como bases para forças navais adversas. Esta ação já se encontra prevista na DBM

em vigor (2004, cap. 3, p. 4): “Para a consecução dessa tarefa [NUM], deve-se visar à

destruição ou neutralização das forças navais inimigas e o ataque [...] aos pontos de apoio”.

Prosseguindo na análise do sistema de defesa da costa, identifica-se que a próxima

camada deve ser centrada, e envolver duas áreas do litoral brasileiro: a faixa que vai de Santos

a Vitória e a área em torno da foz do rio Amazonas. Estas áreas foram definidas pela END
73

(BRASIL, 2008, p. 12). Formam-se aí, então, duas camadas não concêntricas36 e de mesmo

nível de proteção, centradas nestas áreas e com alcance coerente com os sistemas de armas

disponíveis. Na teoria, empregar-se-iam, de forma conjunta, forças navais, aéreas e terrestres,

com mísseis, munições guiadas e aeronaves de ataque, alguns dos quais baseados em terra.

Forças anfíbias poderiam ser empregadas para obter o controle de ilhas oceânicas ou para “a

conquista de áreas terrestres que controlam áreas de trânsito ou onde estão localizadas as

bases inimigas” (BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3). Na prática, existe a previsão apenas de

emprego de meios navais e de aeronaves da Força Aérea Brasileira para vigilância (BRASIL,

2008). Os meios navais exerceriam o Controle de Área Marítima, uma ação mais positiva e

forte que a NUM da camada anterior.

Desde a primeira DBM, e em todas as demais versões, a importância do CAM

para a proteção do litoral brasileiro foi destacada em termos praticamente idênticos àqueles

apresentados a seguir, e retirados de sua última versão:

No quarto efeito desejado [impedimento ao inimigo do uso de área marítima


para projetar seu poder sobre território ou área que se deseja proteger],
destaca-se a importância do controle da área marítima lindeira ao território
que se deseja proteger, como, por exemplo, a defesa contra invasão e ataques
procedentes do mar. Efetivamente, esse controle é a mais eficiente defesa
que poderá ser articulada contra a projeção do poder inimigo por mar
(BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3).

Um ponto que merece destaque com relação ao CAM consiste no fato de que a

pesquisa realizada nas doutrinas de outras marinhas, assim como nas teorias dos principais

pensadores da guerra do mar, indica o papel central desta TBPN em relação às demais. Apesar

de o CAM não ser um fim em si mesmo, ele constitui uma ferramenta flexível, em relação ao

grau de exercício do controle, e versátil em termos de finalidade, o que possibilita a

consecução das outras TBPN e de outras atividades de interesse do PN. Da mesma forma, no

conceito da interdependência das Tarefas Básicas, o CAM pode contribuir para a PPT e para a

______________
36
Para uma melhor compreensão da disposição desta camada, ver a FIG. 22, do ANEXO D.
74

NUM. Além disto, cabe ressaltar o fato de que os meios navais, aeronavais e de fuzileiros

navais empregados no CAM são os mesmos, e a conduta tática é semelhante às empregadas

em outras atividades, como as policiais, diplomáticas e de Autoridade Marítima.

A END contraria uma tendência unânime observada no espectro bibliográfico

consultado, ao priorizar a NUM em detrimento do CAM. Cabe lembrar que, dentre as 13

marinhas investigadas, apenas quatro (África do Sul, Austrália, Brasil e Canadá) colocam a

NUM como uma tarefa ou missão apartada do CAM. Todas as outras marinhas, assim como

os estrategistas consultados, não se referem à NUM como uma TBPN, pois apenas a

consideram como parte integrante do CAM, ou como o efeito negativo e inverso deste

controle.

Uma última camada defensiva prevista na teoria envolveria o emprego de lanchas

de ataque com lançadores de mísseis antinavio e de baterias de mísseis, antinavios e

antiaéreos, lançados de terra. O Plano de Articulação e Equipagem da Marinha do Brasil

prevê a aquisição de um modelo de lancha de combate utilizado por algumas marinhas na

defesa de costa (BRASIL, 2009, p. I – 1.3.12 - 1). No entanto, neste plano, a finalidade desta

lancha consiste no emprego em ambiente ribeirinho, e não na defesa de costa. Assim, na

prática, as ações defensivas nesta camada seriam cumpridas pelos navios distritais que atuam

na defesa aproximada (MOURA NETO, 2010, p. 458).

A TBPN de Projeção de Poder sobre Terra continuará a ser um instrumento

fundamental para o fortalecimento do PN brasileiro. Observa-se uma demanda crescente pelo

emprego de forças expedicionárias, como o Corpo de Fuzileiros Navais. A versatilidade do

Conjugado Anfíbio permite que ele contribua para outras TBPN, em consonância com o

caráter de interdependência destas tarefas. Sua vertente mais combativa pode ser explorada
75

em ações em Ilhas Oceânicas, ou em pontos de importância operativa, que contribuam para o

CAM, ou a NUM, conforme já havia sido preconizado na DBM37.

Por outro lado, forças anfíbias expedicionárias têm sido, cada vez mais, projetadas

em terra para mitigar crises, para engajar-se em problemas regionais, aliviar os efeitos de

desastres nacionais ou combater novas ameaças. Em um exemplo nítido do continuum das

Tarefas Básicas, estes casos exemplificam a relação existente entre a PPT e ações

diplomáticas de Presença Naval e de Segurança Marítima internacional.

Assim, a importância desta TBPN deverá ser ampliada no século XXI,

constituindo uma peça central, tanto para as marinhas de perfil moderno quanto para as de

perfil pós-moderno. No tocante ao caso particular da MB, a PPT exercerá um papel de

destaque na “proteção da Amazônia Azul, pois contribuirá para conferir credibilidade à

presença do Poder Naval no Atlântico Sul, seus contornos e ilhas oceânicas” (MONTEIRO,

2010a, p.31).

A quarta TBPN, atualmente existente na DBM, é a de Contribuir para a

Dissuasão. Esta TBPN surgiu na MB por ocasião da primeira DBM (1979a), quando possuía a

denominação de Contribuir para a Dissuasão Estratégica, uma tarefa vinculada ao emprego de

mísseis nucleares. Apesar da nomenclatura e deste vínculo conceitual com as armas nucleares,

a doutrina de então explicava a existência de uma “dissuasão naval clássica”, que poderia ser

concretizada pela “existência de um Poder Naval adequado, que inspire credibilidade quanto

ao seu emprego” (1979a, cap. 3, p. 3).

A quarta edição da DBM (1997) alterou a denominação desta TBPN excluindo a

expressão “estratégica”. Na edição da DBM de 2004, foi acrescentado o conceito que vincula

______________
37
Segundo a DBM, o CAM envolve a execução de operações que visem, dentre outros objetivos, ao “ataque às
forças inimigas em suas bases e a conquista de áreas terrestres que controlam áreas de trânsito ou onde estão
localizadas as bases inimigas” como as ilhas oceânicas do Atlântico Sul. Para a consecução da tarefa de NUM,
por sua vez, deve-se visar "a destruição ou neutralização das forças navais inimigas” e o ataque aos seus “pontos
de apoio”. Em ambas as TBPN, esses objetivos podem ser alcançados com a contribuição da PPT, seja com
bombardeio naval, bombardeio aeronaval, ou operações anfíbias (BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3-4).
76

esta Tarefa Básica às outras três, indicando que ela é o resultado da capacidade de se

concretizar o CAM, a PPT e a NUM. Desta forma, ela consiste, na verdade, em um efeito

desejado, obtido pelas ações empreendidas por meio de outras TBPN.

Além da falta de objetividade desta TBPN, tão necessária para uma adequada

tradução em atividades operacionais ou táticas a serem executadas pelas forças navais, ela é

redundante com a estratégia da Dissuasão38, prevista na Doutrina Militar de Defesa (2007c).

Outra constatação interessante é a de que apenas marinhas com armamento

nuclear (à exceção da Marinha da Coreia do Sul) colocam a deterrência (estratégica ou não)

como uma TBPN.

Por estas razões, sugere-se deixar de considerar a Contribuição para Dissuasão

como uma TBPN, vez que seu conceito e seu efeito desejado são abrangidos, e atendidos, em

melhores condições, pela estratégia da Dissuasão.

As TBPN acima citadas contribuem de forma direta para a defesa da Amazônia

Azul. No entanto, também há influências indiretas. As AJB que precisam ser protegidas em

sua totalidade incluem, dentre outros, o estratégico ambiente ribeirinho da região amazônica,

que consiste em área de alta prioridade para a defesa nacional, segundo a PDN e a END.

Apesar da importância destacada nestes documentos, a DBM não reserva nenhuma categoria

de TBPN para atender a esta demanda. Cabe relembrar que a razão de ser das Tarefas Básicas,

desde sua concepção pelo Almirante Turner, é o intuito de organizar as atividades executadas

pelo PN em termos de output, isto é, de produtos que devam atender às demandas estratégicas

nacionais e, em última análise, da própria sociedade.

No entanto, a lacuna acima destacada é apenas conceitual, pois, na prática, o PN

brasileiro atua nesta região há muito tempo. Cabe frisar que o conjunto de operações e ações
______________
38
A estratégia da Dissuasão, segundo a Doutrina Militar de Defesa, caracteriza-se “pela manutenção de forças
militares suficientemente poderosas e prontas para emprego imediato, capazes de desencorajar qualquer agressão
militar” (BRASIL, 2007c, p. 98). A dissuasão, sendo um efeito desejado a ser alcançado pelo desencorajamento
do agressor, pode ser conquistada, em melhores condições, pelo Poder Militar como um todo, mais do que pelas
suas partes isoladamente.
77

realizadas em Áreas Ribeirinhas39 envolve o emprego de meios e doutrina dedicados. O peso

estratégico e doutrinário desta parcela do PN brasileiro indica a necessidade de criar uma

categoria à parte de TBPN para este conjunto de atividades, denominando-a de Controle de

Área Ribeirinha.

Esta nova TBPN seria executada, precipuamente, por meio de Operações

Ribeirinhas realizadas nos baixos e médios cursos dos rios. Estas operações, segundo a DBM,

são realizadas com o propósito de “obter e manter o controle de parte ou de toda uma Área

Ribeirinha (ARib), ou para negá-la ao inimigo” (BRASIL, 2004, cap.5, p. 2), podendo,

também, visar à “conquista e manutenção de objetivos em terra” (BRASIL, 2005a, cap. 2, p.

3). Como já prevê a própria doutrina, esta TBPN representaria a fusão das tarefas de CAM,

PPT e NUM em ambiente ribeirinho, demonstrando toda sua especificidade e reforçando a

justificativa para a sua categorização como uma Tarefa Básica.

Além do exercício das TBPN acima comentadas, de cunho predominantemente

militar, as marinhas serão cada vez mais instadas a exercer outras funções, de caráter

constabular e diplomático, em prol da garantia da segurança marítima, da boa ordem no mar

ou em apoio à política externa nacional. Esta crescente demanda por este tipo de emprego do

PN já foi percebida por diversas marinhas e incorporada em suas doutrinas marítimas,

constituindo uma Tarefa Básica específica, que pretende canalizar esforços, normatizar

procedimentos e equipamentos, de modo a gerar o output demandado pela sociedade.

Geoffrey Till destacou que a Segurança Marítima é responsável pela garantia de

quatro das cinco razões para o uso do mar. O homem se vale do mar para obter recursos,

transportar e comercializar, trocar informações, preservar o meio ambiente e exercer domínio.

Dentre estas razões, apenas o exercício do domínio demanda ações combativas, as demais se

______________
39
A DBM define Área Ribeirinha como “a área interior compreendendo hidrovia fluvial ou lacustre e terreno,
caracterizada por linhas de comunicações terrestres limitadas e pela existência de extensa superfície hídrica ou
rede de hidrovias interiores, que servem como via de penetração estratégica ou rotas essenciais ou principais para
o transporte de superfície” (BRASIL, 2004, cap. 5, p. 2).
78

valem de ações que visam, apenas, a preservar o meio marítimo e garantir sua segurança.

Conforme visto no item 4.2, os Almirantes Moura Neto e Vidigal identificaram

esta tendência mundial. O Almirante Vidigal denominou de “Gerenciamento do Mar” o

conjunto destas atividades, não relacionadas à defesa do mar, mas que teriam que ser geridas

pela MB (VIDIGAL, et al., 2006, p. 273). O Almirante Moura Neto (2010, p. 454)

denominou este conjunto de atribuições de Segurança Marítima.

O Almirante Monteiro (2010b), por sua vez, seguiu a direção sinalizada pelo

Almirante Moura Neto e sugeriu transformar este conjunto em uma nova TBPN, denominada

de Segurança Marítima, nomenclatura esta já adotada para as tarefas, ou missões, de

marinhas como a da África do Sul, Austrália, Chile, EUA, Índia, Portugal e Reino Unido.

Uma capacidade efetiva de atender a esta nova TBPN, além de contribuir para o

estabelecimento da soberania nacional nas AJB, possibilitaria que o PN brasileiro gerenciasse,

em melhores condições, as atividades no mar que nos pertence, conferindo-lhe “naturalmente,

condições para melhor se projetar no Atlântico Sul” (VIDIGAL, et al., 2006, p. 292).

Antes de concluir, cabe salientar que a pesquisa efetuada em outras 12 marinhas

revelou a preocupação de todas elas em apresentar sua doutrina marítima em publicações com

edições apuradas, bem acabadas e com diagramações amigáveis. Este procedimento contribui

para transmitir, tanto para seu público interno quanto para o externo, a mensagem de que o

documento apresentado está sendo mantido atualizado e compatível com as novas demandas

estratégicas que o tempo impõe a cada país.

6.3 – Síntese

Por fim, encerrando este capítulo, e a pesquisa como um todo, pode-se afirmar

que as atuais TBPN não são adequadas para a proteção da Amazônia Azul no século XXI.
79

Esta afirmação repousa sobre a constatação de que esta proteção demanda, pelas razões

apresentadas, a revisão dos conceitos que conformam as atuais TBPN, e a criação de novas

TBPN. A nova taxonomia sugerida pretende espelhar, em sua plenitude, toda a capacidade e

potencial do Poder Naval brasileiro e oferecer, de forma clara e objetiva, os output

demandados pelo Poder Militar e pela sociedade como um todo.

Chegou-se, então, a um novo conjunto de TBPN, integradas e interdependentes,

que foi especificado com o intuito de atender, em melhores condições, às múltiplas demandas

estratégicas para a proteção da Amazônia Azul, no presente e no futuro. Aderente ao tema

proposto, o QUADRO 4, apresentado abaixo, sintetiza toda a monografia, ao oferecer seu

produto final: Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul.

QUADRO 4

Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul

TBPN (DBM-2004) NOVAS TBPN


Controle de Área Marítima Controle de Área Marítima

Projeção de Poder sobre Terra Projeção de Poder sobre Terra

Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Mar

Contribuir para a Dissuasão Presença Naval

.. Segurança Marítima

.. Controle de Área Ribeirinha


Fonte: BRASIL, 2004.
7 CONCLUSÃO

A história da humanidade é marcada, em boa medida, pelas possibilidades

oferecidas pelo mar. As perspectivas para o século XXI indicam que sua importância tende a

crescer como resultado da globalização, particularmente de sua vertente comercial. Estas

considerações também são válidas para o Brasil. Com uma história marcadamente marítima, o

país tem seu futuro ligado ao mar. Neste contexto, as AJB possuem enorme potencial

econômico e importância estratégica, cabendo à MB a responsabilidade de garantir sua defesa

e segurança.

A presente monografia pretendeu atingir o seguinte propósito: verificar a

adequabilidade das atuais TBPN para a proteção da Amazônia Azul no século XXI,

sugerindo, se fosse o caso, atualizações para estas TBPN.

O estudo realizado com este intuito foi sendo construído por blocos que se

sobrepuseram e se complementaram, para que, ao final, se pudesse ter base suficiente para

verificar a aludida adequabilidade e, caso necessário, sugerir mudanças em um conceito tão

arraigado no conhecimento coletivo da MB, como é o caso das TBPN.

O primeiro bloco buscou prover a pesquisa de elementos fundamentais. Assim,

investigou a obra de pensadores navais clássicos, como Mahan e Corbett, e identificou

conceitos básicos enumerados em quatro grupos doutrinários - domínio do mar, guerra

limitada, guerra de corso e guerra costeira. Ainda neste capítulo, investigou-se a origem das

TBPN. Surgidas em 1974, no artigo do Almirante Turner, intitulado Missions of the Navy,

estas tarefas visavam a destacar o papel e a importância de todas as forças navais norte-

americanas. Naquela época de Guerra Fria, havia uma primazia das Forças de Submarinos que

executavam a Deterrência Estratégica. A MB, por sua vez, na mesma época, após a denúncia

do Acordo Militar Brasil-EUA, estava tentando estabelecer uma postura estratégica


81

autônoma, e as suas TBPN, formuladas em 1979, espelhavam, com bastante fidelidade, as

missões da USN.

De posse desses elementos básicos, passou-se a investigar as TBPN na atualidade.

Comparou-se, então, a evolução destas tarefas na MB e na USN. Contrastou-se a DBM e as

doutrinas marítimas das marinhas dos seguintes países: África do Sul, Austrália, Canadá,

Chile, Coreia do Sul, Espanha, França, Índia, Portugal, Reino Unido e Rússia. Outro prisma

empregado foi o dos autores britânicos Ken Booth e Eric Grove. A análise efetuada apontou,

de imediato, que nenhum país adotava o mesmo grupo de TBPN da MB. Havia certa

coincidência entre as tarefas de algumas marinhas, particularmente aquelas de influência

britânica, cujas doutrinas baseavam-se nos triângulos de uso do mar de Booth e Grove. Outros

pontos de convergência entre as marinhas, e que contrastavam com as tarefas da MB, foram: a

ênfase na interdependência das TBPN; o seu caráter evolutivo de acordo com as demandas

estratégicas do país; a relação indissociável da NUM com a tarefa de CAM; o destaque

crescente de tarefas diplomáticas e constabulares e do emprego das marinhas em atividades

relacionadas ao bom uso do mar, como o combate à pirataria e ao narcotráfico; e a

importância da defesa de costa.

No bloco seguinte, a pesquisa debruçou-se sobre a Amazônia Azul. Foram

identificadas as demandas estratégicas para a sua proteção, por meio da análise da PDN e da

END. Revelou-se que as tarefas envolvidas neste processo deviam iniciar-se no período de

paz e estender-se à guerra. Este espectro deveria ser preenchido por tarefas diplomáticas,

constabulares e de combate. Destacou-se, ainda, o papel de outras FA nesta atividade

defensiva e o papel da MB, no interior das AJB, no oceano aberto e na região amazônica.

Tendo analisado as demandas estratégicas da Amazônia Azul, assim como a

evolução e a situação atual das doutrinas marítimas de diversas marinhas, passou-se a

perscrutar o futuro. Três tendências foram identificadas: as marinhas do futuro teriam dois
82

modelos que tenderiam a influenciar seus perfis: as Marinhas Modernas, com foco no

combate contra outras marinhas, e as Marinhas Pós-Modernas, que visariam a garantir a

segurança do sistema de comércio marítimo global; outra tendência seria a de considerar as

TBPN como um continuum de atividades interdependentes, desde os tempos de paz até os de

combate; finalmente, as marinhas com preocupações defensivas em relação à sua costa

tenderiam a desenvolver estratégias antiacesso.

O capítulo seguinte assenta sobre as conclusões parciais de seus predecessores.

Ele se vale das observações extraídas das pesquisas efetuadas para, inicialmente, basear sua

afirmação de que as atuais TBPN precisam ser atualizadas e, posteriormente, indicar

sugestões de aperfeiçoamento. As razões para a atualização passam pelo fato de que as atuais

TBPN não representam o espectro de atividades desempenhadas pelo PN brasileiro no

presente e, menos ainda, o espectro demandado no futuro visualizado. A defesa das AJB

implica ações executadas em períodos de paz, envolvendo atividades de Autoridade Marítima

que garantam o bom uso do mar, e diplomáticas que construam parcerias no entorno

estratégico de interesse da MB: o Atlântico Sul.

Assim, a pesquisa atingiu o seu propósito, ao constatar que o conjunto das atuais

TBPN não é adequado para a proteção da Amazônia Azul, e ao sugerir o seu aprimoramento.

Neste sentido, o conceito das Tarefas Básicas de CAM, NUM e PPT precisaria ser revisto,

para que fosse destacada a necessária interdependência entre elas. A Contribuição para a

Dissuasão, por sua vez, deveria deixar de ser considerada uma TBPN, pois seu efeito desejado

só é alcançado, em última instância, pelo país como um todo, por meio da implementação da

estratégia da Dissuasão. Além destas alterações, concluiu-se, também, pelo estabelecimento

de três novas TBPN (Controle de Área Ribeirinha, Presença Naval e Segurança Marítima),

que possibilitariam que fosse contemplado um número maior de atividades do PN brasileiro.

Mais do que sugerir nomes para estas novas TBPN, o trabalho pretendeu apontar direções e
83

pontos a ponderar que merecessem estudos mais aprofundados pelos devidos setores da MB.

Levou-se em consideração a tradição de estabilidade da DBM, evitando-se propor mudanças

agudas. O novo conjunto de TBPN sugerido é o que se segue:

- Controle de Área Marítima;

- Negação do Uso do Mar;

- Projeção de Poder sobre Terra;

- Controle de Área Ribeirinha;

- Presença Naval; e

- Segurança Marítima.

Esta atualização das TBPN, assim como o próprio estudo do tema devem

contribuir para o aperfeiçoamento da prontificação do PN brasileiro e, consequentemente,

para o fortalecimento da defesa dos interesses nacionais na Amazônia Azul, ao longo deste

século XXI.
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VIDIGAL. et al. Amazônia Azul: o mar que nos pertence. Rio de Janeiro: Record, 2006.
APÊNDICE A - CONCEITOS BÁSICOS DO EMPREGO DO PODER NAVAL

Os principais conceitos básicos sobre o emprego do PN foram descritos por dois

grandes pensadores da guerra no mar: o norte-americano Alfred Thayer Mahan e o inglês

Julian Stafford Corbett. O primeiro deles representa a doutrina do domínio do mar, enquanto

o segundo, a doutrina da guerra limitada (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 450).

Além destes, serão analisados, neste apêndice, a doutrina da guerra de corso,

vinculada à Jeune École, e a doutrina da guerra costeira. Estas correntes de pensamento, em

certa medida, se contrapõem às de Mahan e Corbett, mas têm o mérito de espelhar o

pensamento estratégico de Poderes Navais não hegemônicos (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p.

450).

1 Alfred Thayer Mahan e a doutrina do domínio do mar

O Contra-Almirante Alfred Thayer Mahan, da USN, foi o autor que mais

influenciou a teoria de emprego do PN e o desenvolvimento da estratégia marítima. Antes

dele, o enfoque dos pensadores da guerra no mar era sempre de nível tático, com vistas apenas

a uniformizar procedimentos que possibilitassem vencer batalhas navais (THIBAULT, 1984,

p. 111-112).

Nascido em 1840, Mahan graduou-se na United States Naval Academy, em 1859,

vindo a servir embarcado durante a Guerra de Secessão. Presidiu, por duas vezes, o Naval

War College, nos período de 1886 a 1889 e de 1892 a 1893, onde era responsável pela

disciplina de História Naval e Tática, o que lhe possibilitou aprofundar suas pesquisas

históricas. Em 1890, publicou seu mais famoso livro, que veio a lhe conferir renome

internacional, intitulado “The influence of sea power upon history,1660-1783” (MAHAN,

1987), contendo a compilação de suas palestras acerca da relação entre a guerra naval e as
93

políticas internacional e marítima da Europa. Retirou-se do serviço ativo em 1896, mas

continuou a produzir copiosamente até o final de sua vida, em 1914 (PARET, 1986, p. 444-

447; THIBAULT, 1984, p. 111-112).

A importância do livro “The influence of sea power upon history,1660-1783” para

o desenvolvimento do pensamento naval em todo o mundo pode ser medida pelo fato dele ter

mais de cinquenta edições e de ter sido traduzido em sete idiomas (COUTAU-BÉGARIE,

2010, p. 435). O sucesso alcançado, tanto pelo autor quanto por sua obra, pode ser creditado à

crescente atenção dada, em sua época, pela classe política, e pelo público em geral, à

expansão do comércio marítimo, do colonialismo e dos instrumentos para a sua segurança e

defesa. Foi para capitalizar a importância das marinhas que ele cunhou a expressão Sea

Power, algumas vezes empregada com a atual acepção de poder marítimo e outras com o

sentido de PN. Sua extensa obra compreende ao todo 19 livros e materializa a base teórica da

doutrina do domínio do mar (PARET, 1986, p. 450-451; SUMIDA, 1997, p. 1, 2, 102).

Exercer o domínio, ou comando, do mar era para Mahan a razão precípua das

marinhas. De acordo com suas pesquisas, o sucesso britânico, nos períodos por ele estudados,

deveu-se à sua capacidade de exercer este domínio, por meio do emprego de seu PN para

vencer guerras e prosperar durante a paz. Um de seus principais argumentos foi o de que o

emprego do PN não deveria ficar restrito aos tempos de guerra, pelo contrário, o planejamento

para o seu desenvolvimento, e o preparo para o seu efetivo emprego, deveriam ser uma

preocupação permanente dos governos desde os períodos de paz (TILL, 2009, p. 52).

O comércio marítimo ocupa uma posição central neste argumento. É este tipo de

comércio que possibilita a produção de riquezas para os países e, portanto, sua proteção deve

ser provida pelos governos que desejem ver seus países prosperarem. Por outro lado, a

construção de um PN adequado a esta proteção, precisa do aporte de consideráveis somas,

provavelmente, provenientes do próprio comércio marítimo. Para que este ciclo entre
94

comércio e defesa se torne virtuoso é necessário haver interferência dos governos, que

costumam não enxergar, aponta Mahan, o estreito vínculo existente entre o PN e a

prosperidade dos países (SUMIDA, 1997, p. 102-103; TILL, 2009, p. 52).

Além do caráter e do engajamento dos governos, segundo Mahan, outras

condicionantes influenciam o desenvolvimento do PN de um Estado, são elas: a sua posição

geográfica, particularmente aspectos como a extensão de seu litoral e seu posicionamento em

relação às Linhas de Comunicação Marítima; a conformação física e hidrográfica de sua costa

e de seus portos; a extensão de seu território, com ênfase na proporção entre as extensões de

suas fronteiras terrestres e marítimas, pois países com grandes e sensíveis fronteiras terrestres

tendem a se preocupar menos com suas marinhas; a dimensão de sua população, onde se

denota sua capacidade produtiva; e o caráter desta população, particularmente o seu nível de

maritimidade (MAHAN, 1987, p. 29-58).

Outro significativo conceito concebido por Mahan foi o da importância da

ofensiva, concentrando os meios navais na busca da batalha decisiva que eliminaria a força

naval inimiga e conferiria ao vencedor o domínio do mar. Neste sentido, ele defendia que a

defesa de costa não devia receber a atenção principal das marinhas. O pleno aproveitamento

da capacidade operacional de um PN ocorre com a concentração de seus meios para executar

ações ofensivas que disputem o controle do mar, por meio de uma batalha decisiva. A defesa

de costa, quando necessária, não deveria ser conduzida dividindo-se a esquadra e colocando

pequenas embarcações em cada um de seus portos. Pelo contrário, a força naval deveria ser

empregada concentrada, operando ofensivamente, o que manteria a ameaça inimiga longe do

litoral (SUMIDA, 1997, p. 48; THIBAULT, 1984, p. 128-129). Em suas palavras: “a esfera de

atuação de uma esquadra está no mar aberto, ela deve atuar mais na ofensiva do que na

defensiva, seu objetivo devem ser os navios inimigos onde quer que eles estejam” (MAHAN,

1987, p. 453, tradução nossa).


95

A validade do emprego ofensivo do PN pôde ser confirmada pelos resultados

positivos obtidos nas duas grandes guerras, por parte das duas marinhas que mais haviam

incorporado as teorias de Mahan: a norte-americana e a britânica40. Consequentemente, desde

então, a obtenção do comando do mar passou a ser o paradigma de emprego para muitas

marinhas. Esta postura estratégica e operacional continuou a ser adotada durante a Guerra

Fria, pautando marinhas como as dos EUA e Reino Unido, ou mesmo a Marinha Soviética,

orientada pelo Almirante Sergei Gorshkov41 (TILL, 2009, p. 54-55).

Apesar desta ênfase na obtenção da supremacia no mar, Mahan concede que

mesmo as esquadras menores podem exercer algum poder sobre um adversário mais forte, em

suas palavras (1899, p. 203, tradução nossa): “não é necessário possuir uma marinha igual às

maiores, para gerar o temor necessário a dissuadir um rival [...]. Uma força muito menor,

porém favoravelmente posicionada, produz um efeito muito além da proporção de seus

números” (TILL, 2009, p. 53).

O poder de influência da obra de Mahan pôde ainda ser sentido, mais

recentemente, nos documentos doutrinários produzidos pela USN. Uma versão ostensiva de

sua Estratégia Marítima de 1986 foi publicada para influenciar a percepção do público a

respeito da importância de se ter uma marinha de seiscentos navios, somente com os quais

poderiam os interesses e o comércio marítimo norte-americanos ser resguardados. Para tanto,

a estratégia baseou-se amplamente nos princípios de Mahan sobre a importância de se ter um

PN forte o suficiente para, por meio de ações ofensivas, conquistar e manter o domínio do

mar em qualquer parte do globo (HATTENDORF; SWARTZ, 2008, p. 203-208, 246-258;

TILL, 2009, p. 55).

______________
40
Nestas duas guerras, a Alemanha adotou uma modalidade de emprego do poder naval distinta das teorizadas
por Mahan, conhecida como Guerra de Corso. Apesar de ter obtido considerável êxito inicial, a Alemanha
acabou sendo derrotada no mar em ambas as ocasiões, vindo a perder as duas guerras. A Guerra de Corso será
estudada no item 3 deste APÊNDICE A.
41
O Almirante Sergei Gorshkov exerceu o cargo de Comandante-em-Chefe da Marinha Soviética de 1956 a
1985 (HATTENDORF, 2004, p. 297).
96

Apesar de escrever há cerca de um século, Mahan antecipou preocupações

referentes ao emprego da marinha como instrumento diplomático e à segurança do tráfico

marítimo internacional. Sendo a marinha uma força com capacidade de se deslocar a grandes

distâncias sem que isto simbolize uma ameaça ou agressão, ela é naturalmente propensa a

representar, ou mesmo defender, diferentes interesses nacionais no exterior, praticando o que

mais tarde veio a denominar-se de Diplomacia Naval (PARET, 1986, p. 462).

O Almirante Mahan partiu da constatação de que o comércio marítimo traz

benefícios simultâneos a vários países e que seu alcance possui dimensões globais, para

deduzir que sua proteção não pode, nem deve, ficar restrita à ação do PN de apenas um país.

Concebeu, então, a necessidade crescente da formação de “consórcios navais” transnacionais

que cooperassem em prol da segurança do comércio marítimo (SUMIDA, 1997, p. 107-109).

Este conceito de consórcio naval pode ser claramente notado, ainda que com outra

denominação, tanto na Estratégia Marítima da USN de 2007, como no documento que

apresenta as diretrizes para a sua implementação - Naval Operatios Concept - de 2010. Este

Conceito de Operação estabelece que os desafios e as ameaças no mar “não poderão ser

vencidos apenas com a atuação isolada do Serviço Naval norte-americano, o que demanda

que os EUA desenvolvam parcerias com países que compartilhem de seus interesses na

segurança marítima global e em sua subjacente prosperidade” (EUA, 2010b, p. 36, tradução

nossa).

Alguns críticos de sua obra apontam para uma excessiva influência de Antoine-

Henri Jomini, particularmente na aparente tendência que Mahan tinha de formular princípios

rígidos que deviam reger o emprego do PN (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 435). Alguns

destes princípios, como as máximas “nunca divida a esquadra” e “números aniquilam”, foram

bastante questionados por outros autores e contrapostos por teorias que serão abordadas mais

adiante nesta monografia. O que, no entanto, torna-se importante salientar, dentro do escopo
97

deste estudo, é a percepção de Mahan da necessidade de se educar os oficiais de marinha,

preparando-os para o exercício da arte e da ciência de comandar, por meio da construção de

uma doutrina naval baseada em análise histórica (MAHAN, 1991, p. 209-301).

Esta doutrina seria, então, composta por um conjunto de princípios, ou “verdades

fundamentais”, que não tinham a intenção de se tornar dogmas. A inflexibilidade destes

conceitos teria decorrido, ao longo do tempo, justamente da falta de uma teoria mais ampla

que explicasse, e pudesse ser ensinada, sobre a guerra no mar. A escassez bibliográfica sobre

o tema, desvirtuou a motivação primeira da formulação dos princípios, retirando sua

flexibilidade. Mahan ao argumentar sobre o papel da FA nas relações internacionais, destacou

a função das Escolas de Guerra Naval como local para o estudo e a disseminação de um corpo

doutrinário consistente que pudesse conferir homogeneidade de ação e convicção nas

decisões, fortalecendo um padrão de raciocínio comum que facilitaria as tomadas de decisões

em combate. Destaca, porém, que esta doutrina é meio e não um fim em si própria; importaria

mais, portanto, o desenvolvimento da capacidade decisória dos oficiais do que a mera e fiel

observância dos preceitos nela contidos (MAHAN, 1912, p. 201; SUMIDA, 1997, p. 68).

O que Mahan não pretendia com suas “verdades fundamentais” era retirar a

iniciativa dos oficiais, transformando em ciência, a complexa arte do comando em combate.

Apesar da forma com que redigia sua obra ser semelhante às análises, com grande

fundamentação histórica, praticada por Jomini, o conteúdo de seus textos se aproxima,

consideravelmente, dos preceitos de Clausewitz42, que destacava a importância das qualidades

morais e intelectuais dos comandantes para que estes pudessem decidir em meio à fricção e à

névoa do combate (SUMIDA, 1997, p. 24, 109-111). Mahan comenta da seguinte forma esta

dicotomia entre a arte e a ciência da guerra:

A ciência descobre e ensina verdades que ela não tem poder para mudar; a arte, parte
de materiais encontrados nela mesma, para criar novas formas com uma variedade
______________
42
Clausewitz (1780- 1831) foi um militar e autor prussiano. Sua obra “Da Guerra” é uma referência para o
estudo da estratégia militar e da teoria da guerra (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 167-168).
98

infinita. [...] A arte reconhece princípios e regras, mas estas não funcionam como
correntes ou trilhos, que obrigam a certos movimentos obrigatórios, ou como guias
que avisam quando algo de errado está acontecendo. Neste sentido, a condução da
guerra é uma arte, que brota na mente humana, lida com variadas circunstâncias,
admitindo certos princípios; mas que pode ter múltiplas manifestações, conforme a
genialidade do artista e a têmpera do material empregado. [...]
As máximas de guerra, portanto, não são regras postivas, uma vez que são o
desenvolvimento e aplicação de alguns princípios gerais. [...]
Cabe à habilidade do artista na guerra, aplicar corretamente os princípios e regras
em cada caso (MAHAN, 1991, p. 209-301, tradução nossa).

2 Julian Stafford Corbett e a doutrina da guerra limitada

Outro grande autor e formulador das bases do pensamento estratégico marítimo

foi o inglês, Sir Julian Stafford Corbett (1854-1922). Contemporâneo de Mahan, e à

semelhança deste, também integrou o corpo docente da Escola de Guerra Naval de seu país, a

Royal Naval War College, fundada em 1900 em Greenwich. Em 1911, este advogado e

historiador publicou sua principal obra - Some Principles of Maritime Strategy (CORBETT,

2004) - baseado em pesquisas históricas e em suas palestras (THIBAULT 1984, p. 156).

Seu objetivo como professor era o de utilizar a história para ensinar a importância

de se observar alguns princípios fundamentais que regeriam o emprego do PN, destacando o

seu relacionamento com a política nacional. Sua audiência, formada basicamente por oficiais

de marinha com grande experiência prática, era cética, inicialmente, com a origem acadêmica

de Corbett. Outro ponto de divergência era a convicção, que muitos de seus alunos

apresentavam, de que as constantes mudanças provocadas pelas inovações tecnológicas nos

meios navais e seus armamentos impediam a formulação de princípios universais. Apesar de

não pretender estabelecer regras detalhadas e rígidas, Corbett advogava que era possível, e

mesmo necessário, compor um corpo doutrinário com bases históricas que, sem retirar a

iniciativa dos comandantes, servisse para homogeneizar as ações no mar e facilitar a

comunicação entre os oficiais e entre estes e seus interlocutores civis no governo

(THIBAULT, 1984, p. 156-157). Apesar do objetivo inicial – aperfeiçoar a educação dos


99

oficiais de marinha – e do instrumento escolhido - a construção de uma doutrina naval

baseada em princípios - serem análogos aos de Mahan, o conteúdo e os conceitos formulados

por Corbett divergiam profundamente.

A primeira, e talvez mais importante, diferenciação foi justamente com relação à

razão de existir das marinhas e de se empregar o PN. Para Mahan a marinha era, ao mesmo

tempo, um fim em si mesma e condição essencial para o sucesso dos Estados como potências

internacionais. Corbett, com considerável influência de Clausewitz, apresenta a questão por

outro ângulo: as marinhas são apenas um dos instrumentos disponíveis para que os Estados

coloquem em prática uma única estratégia para atingir os objetivos nacionais definidos pela

política, o que deveria abranger tanto as forças do mar, como as de terra e as ações

diplomáticas (BRASIL, 2007a, cap. 4, p. 17-18; THIBAULT, 1984, p. 157-158). A razão,

apresentada por Corbett, que embasa esta argumentação, é clara e emblemática:

Uma vez que os homens vivem na terra e não sobre o mar, as grandes questões entre
nações em guerra sempre foram decididas - exceto em raros casos - ou pelo o que o
seu exército pode fazer contra o território e a vida nacional de seus inimigos, ou pelo
medo do que a sua esquadra possibilita que seu exército faça (CORBETT, 2004, p.
14, tradução nossa)

Em decorrência desta assertiva inicial, Corbett afirmava que a ênfase da guerra

naval não podia se limitar apenas às ações ofensivas que buscassem procurar e destruir a

esquadra inimiga para obter o comando do mar. Principalmente porque a guerra no mar não

termina com estas ações. As forças navais deveriam possuir, também, a capacidade de exercer

e desfrutar do comando alcançado, usando o mar em proveito de uma estratégia militar, e não

apenas naval, mais ampla. Conforme verificado anteriormente, os objetivos nacionais em uma

guerra situam-se, muitas vezes, em terra e, assim, importaria mais o exercício do comando do

mar do que a sua conquista (BRASIL, 2007a, cap. 4, p. 17-18; TILL, 2009, p. 61-62).

Outra razão apontada para a menor ênfase à obtenção do comando do mar foi a de

que ele, dificilmente, poderia ser obtido em sua plenitude. Corbett relativiza o conceito de
100

comando do mar, admitindo gradação no nível de controle exercido e flexibilizando o seu

alcance em termos de tempo (permanente ou temporário) e de espaço (local ou geral).

Algumas razões concorriam para a dificuldade do pleno comando do mar: a esquadra inimiga

podia negar a batalha recolhendo-se à sua base e adotando a postura de “Esquadra em

Potência”; e mesmo que a esquadra na ofensiva obtivesse algum êxito inicial, o fato dela estar

concentrada em um único local implicava que outros pontos, na imensa dimensão do mar,

estavam desguarnecidos, dando margem a limitadas, porém ameaçadoras, atuações inimigas

(CORBETT, 2004, p. 158-159; TILL, 2009, p. 61).

Estas guerras marítimas limitadas chamaram a atenção de Corbett, que viu nelas

um instrumento adequado para ações políticas que, devido a características intrínsecas do PN,

como sua mobilidade e flexibilidade, possibilitavam a aplicação judiciosa da força,

balanceando os custos e os benefícios de seu emprego em diversas frentes de ação. O

emprego descentralizado do PN em ações de objetivos limitados, tanto na guerra quanto na

paz, constitui a raiz do que viria a ser praticado como “Diplomacia Naval”, além de contrariar

duas máximas mahanianas, uma que afirmava que o mar seria uno e indivisível e outra que

aconselhava nunca dividir a esquadra (GROVE, 1990, p. 23; TILL, 2009, p. 58, 60).

Corbett não apenas propunha dividir a esquadra, como ressaltava o papel

fundamental exercido por navios, como cruzadores e fragatas, que não integravam a linha de

batalha, na exploração do comando do mar. Assim, uma esquadra organizada para obter o

comando do mar, talvez não apresentasse a melhor conformação para exercer este comando, o

que demandava, dentre outras, ações de patrulhamento, comunicação, controle e presença.

Esta diferenciação entre obtenção e exercício do comando do mar foi uma importante

conclusão a que chegou Corbett (BRASIL, 2007a, cap. 4, p. 27).

Neste ponto, a estratégia naval diferencia-se da terrestre, pois em terra as forças

conquistam e mantêm áreas de interesse no terreno, que são selecionadas em função da


101

presença de inimigos ou de acidentes capitais43, como estradas e cidades. O mar, não

apresenta acidentes capitais, não possuindo valor militar intrínseco, o que importa neste meio

é controlar LCM, seja com propósito comercial ou militar (CORBETT, 2004, p. 89-90,

KEARSLEY, 1992, p. 16). Para se obter este controle, Corbett não considerava necessário a

prévia concentração de forças, como ocorria na guerra terrestre, pois a mobilidade e a

flexibilidade intrínseca aos meios navais possibilitavam a dispersão e a posterior concentração

da esquadra nos locais e momentos desejados. Esta é a ideia central da concentração

estratégica (BRASIL, 2007a, cap. 4, p. 23; THIBAULT, 1984, p. 158-159).

Apesar destas distinções entre a guerra em terra e no mar, Corbett destacou a

importância tanto das operações conjuntas, com o emprego complementar entre as forças

navais e terrestres, quanto das Operações Expedicionárias e Anfíbias. Para a consecução dos

objetivos nacionais que regiam a condução da guerra, as marinhas deveriam ter a capacidade

de proteger as forças terrestre em trânsito no mar e, posteriormente, projetar estas forças em

terra, apoiando suas ações, com o transporte de suprimentos ou pelo fogo (GIBSON, 1998, p.

71-72; TILL, 2009, p. 59-60).

A principal crítica a Corbett ocorreu devido à interpretação que fizeram de sua

posição acerca do uso de comboios, durante a Primeira Guerra Mundial, como forma de

proteger o comércio marítimo das ações da guerra de corso. Sua argumentação baseava-se na

constatação da existência de crescente e elevado número de navios mercantes, decorrente do

uso do vapor no comércio marítimo mundial, e de que a tarefa de protegê-los, certamente,

drenaria importantes meios da esquadra. Além disto, a guerra de corso estava em desuso e a

RMB já dispunha do telégrafo sem fio, o que possibilitaria a tempestiva troca de informações

acerca de eventuais ataques a mercantes, providenciando a devida reação (BRASIL, 2007a,

______________
43
Segundo o Glossário das Forças Armadas, acidente capital é “qualquer acidente de terreno ou área cuja
conquista, manutenção ou controle proporcione acentuada vantagem a qualquer das forças oponentes” (BRASIL,
2007b, p. 18).
102

cap. 4, p. 34-35).

Apesar da precisão de sua análise, o que ele não previu foi o uso que seria feito

pelos alemães da arma submarina, pois o ataque a navios mercantes era condenado pela

Declaração de Paris44, de 1856. Corbett não contava que a Alemanha adotasse o que ficou

conhecido como guerra submarina irrestrita, uma decisão política, e não militar, que alterou o

uso desta arma, que passou a ser empregada, não para capturar navios mercantes, conforme o

previsto nas regras, e, sim, para afundá-los (THIBAULT, 1984, p. 161).

Este erro de estimativa de Corbett comprometeu a aceitação, por parte de seus

contemporâneos, das demais ideias e conceitos por ele formulados. Foi preciso o afastamento

do tempo e a análise isenta de sua obra para que toda a importância de seu pensamento fosse

resgatada, vindo, hoje, a ocupar papel central na formulação de qualquer pensamento sobre o

emprego do PN.

3 Jeune École e a doutrina da guerra de corso

Conforme visto, as duas principais influências sobre a evolução do pensamento

estratégico marítimo tiveram origem em autores – Mahan e Corbett - de países que já eram,

haviam sido, ou viriam a ser potências navais. A lógica empregada em seus argumentos,

portanto, trazia embutida, em certa medida, tanto uma necessidade de meios navais apenas

disponíveis em grandes esquadras, quanto as motivações e aspirações de países que

almejavam uma projeção de poder de alcance global. Apesar da predominância destas teorias,

que se mostraram acertadas em diversos momentos ao longo do século XX, outras ideias

______________
44
A Conferência de Paris teve como propósito proscrever a guerra de corso, um tipo de pirataria oficial em que
navios particulares recebiam autorização de seus Estados para realizar ações navais contra a navegação mercante
de outro Estado. Espanha, México e Estados Unidos votaram contra a proscrição da guerra de corso alegando
que ela constituía a “única reação importante dos países pouco dotados de recursos contra as grandes potências
navais” (BRASIL, 2007a, cap. 4, p. 30).
103

emergiram, ao longo tempo, trazendo soluções de emprego de força no mar por países com

marinhas e interesses marítimos de menor envergadura.

Uma das mais significativas teorias surgidas com este intuito foi a que ficou

conhecida como Jeune École . Uma escola francesa de pensamento, dita jovem (jeune em

francês), que ao longo da segunda metade do século XIX se desenvolveu e se contrapôs à

forma vigente de se pensar a guerra no mar, com batalhas navais decisivas e bloqueios. O

predecessor desta nova escola foi o Barão Richard Grivel, que em seu livro De La Guerre

Maritime, em 1869, propôs que as tradicionais formas de emprego das marinhas eram

inadequadas para a França. Um país com menor PN deveria sempre optar por empregar sua

marinha em uma guerra ao comércio inimigo - guerra de corso -, pois o impacto sobre a

prosperidade do outro país seria bem maior, o que deveria conduzir, mais rapidamente, à

vitória (TILL, 2009, p. 68).

Esta ideia central foi expandida e aperfeiçoada, principalmente pelo Almirante

francês Theophile Aube, sobre dois principais eixos: a guerra de corso e o emprego de navios

de flotilha contra os navios de linha. Em 1886, quando Aube torna-se Ministro da Marinha, a

Jeune École ganha não só impulso, como vida. A construção dos grandes navios de linha é

suspensa e substituída pela construção de cruzadores e torpedeiros e pelo incentivo à pesquisa

e ao desenvolvimento da arma submarina (BRASIL, 2007a, cap. 4, p. 32; TILL, 2009, p. 68).

Ao se olhar com atenção para os acontecimentos navais neste último quarto do

século XIX, percebe-se a ocorrência do surgimento de grandes inovações tecnológicas. Como

soe ocorrer com o pensamento estratégico naval, ele sofreu o impacto destas evoluções. A

grande dependência do funcionamento e da performance dos meios navais para o sucesso na

guerra no mar torna o pensamento naval mais sensível às mudanças tecnológicas do que o

terrestre.

Assim, o surgimento e aperfeiçoamento dos torpedos, das minas e, mais tarde, dos
104

submarinos, ao apontar as vulnerabilidades dos navios de superfície, parecia decretar o fim

dos navios de linha e das batalhas decisivas pelo controle do mar, além de libertar a forças

navais de menor envergadura da condição de “Esquadra em Potência” por meio de uma clara

estratégia de negação do uso do mar (GROVE, 1990, p. 15). Neste contexto, os bloqueios

britânicos aos portos franceses poderiam ser facilmente rompidos por torpedos. Pequenas

embarcações torpedeiras e minas seriam suficientes para bloquear os navios ingleses em suas

bases. Poucos navios costeiros defenderiam o litoral francês. Cruzadores executariam a guerra

ao comércio (TILL, 2009, p. 69). O Almirante Aube passa a questionar os ensinamentos das

batalhas navais históricas ante o advento das novas armas e propõe que cada país, de acordo

com seus interesses, capacidades e geografia, adaptassem suas estratégias para o emprego das

novas tecnologias (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 436).

Interessante ressaltar que foi a Jeune École que, primeiro, desconsiderou a

Declaração de Paris, e se preparou para conduzir ataques a navios mercantes. Anos mais

tarde, conforme visto no subitem anterior, esta prática seria, efetivamente, adotada, com

considerável êxito, pela Alemanha durante as duas guerras mundiais (TILL, 2009, p. 69).

Segundo a Jeune École, o objetivo da guerra de corso não era apenas estrangular o

comércio, mas levar pânico à população e desestabilizar a economia. Esta desproporção entre

os poderes militares envolvidos e a ação militar e o efeito político alcançado permite

classificar seus métodos como os de uma guerra assimétrica45 (TILL, 2009, p. 69).

Várias razões conduziram ao declínio da Jeune École. A redução da animosidade

política entre França e Inglaterra. O próprio desenvolvimento tecnológico, que embasou suas

premissas, possibilitou o surgimento do telégrafo sem fio e do contratorpedeiro, meios que

protegiam os grandes navios, resgatando sua proeminência. O peso político de se arcar com a
______________
45
Segundo o Glossário das Forças Armadas, a guerra assimétrica é “o conflito armado que contrapõe dois
poderes militares que guardam entre si marcantes diferenças de capacidades e possibilidades. Trata-se de
enfrentamento entre um determinado partido e outro com esmagadora superioridade de poder militar sobre o
primeiro. Neste caso, normalmente o partido mais fraco adota majoritariamente técnicas, táticas e procedimentos
típicos da guerra irregular.” (BRASIL, 2007b, p. 123).
105

guerra contra o comércio que infligia danos, inaceitáveis para muitos governos, contra civis e

contra países neutros, correndo o risco do país infrator tornar-se um pária internacional. A

construção de uma esquadra dedicada à guerra de corso foi considerada um desperdício pela

França, pois ela não poderia cumprir outros tipos de tarefas necessárias à consecuções dos

objetivos nacionais em uma guerra (BAUZON, 2010; TILL, 2009, p. 69-70).

Um ponto importante que pode ser denotado deste processo foi o do impacto da

tecnologia sobre o pensamento estratégico naval. Uma aparente vantagem tecnológica na

guerra no mar, que pareça alterar os seus princípios mais fundamentais, pode ser neutralizada

pela advento de novas táticas. Este foi o caso dos torpedeiros e dos contratorpedeiros, os

efeitos devastadores do primeiro foram anulados pelo segundo, possibilitando o retorno da

preponderância dos navios de linha e do conceito de controle do mar. Talvez uma das

principais lições deixadas pela Jeune École foi a de que o pensamento estratégico naval não

deva ser condicionado por questões tecnológicas (BRASIL, 2007a, cap. 4, p. 32).

Apesar do declínio das teorias da Jeune École, os fatos históricos observados ao

longo do século XX, confirmam sua validade. A doutrina da guerra de corso embasou as

ações da Marinha Alemã, tanto na primeira como na Segunda Guerra Mundial, tornando-se,

portanto, referência obrigatória, com seus erros e acertos, para o estudo do emprego do PN

(GROVE, 1990, p. 21; TILL, 2009, p. 70).

4 Doutrina da guerra costeira

Além das teorias anteriores, uma outra significativa forma de se pensar o emprego

do PN é a doutrina da guerra costeira. A proximidade de terra e a profundidade das águas

influenciam esta forma de emprego das forças navais, tanto em sua vertente ofensiva, que se
106

materializa por ocasião de sua projeção sobre terra, quanto do seu emprego defensivo, na

proteção da costa (HUGHES Jr., 2000, p. 165-166).

Uma das primeiras formulações desta doutrina ocorreu no século XIX, nos EUA,

com a preparação das defesas de sua costa leste. Este modelo, denominado de Fortress Fleet

School, apontava para a necessidade de operações conjuntas que conjugassem fortificações

terrestres com o emprego de embarcações pequenas e artilhadas (COUTAU-BÉGARIE, 2010,

p. 463; TILL, 2009, p. 71).

O pensamento sobre a defesa de costa ganha força na União Soviética, nos anos

20 e 30 do século passado, quando da crítica da atuação de sua marinha na 1ªGM. Além de

questionar a postura “mahaniana” reinante, apontou-se as dificuldades que países com

extensos litorais tinham para proteger toda a sua costa, enquanto sua esquadra estava em

águas distantes, lutando pelo domínio do mar ou protegendo seu comércio marítimo. Neste

sentido, destacou a importância de se preservar certa capacidade local para a defesa da costa

em toda sua extensão. Defesa esta que seria feita com táticas e meios específicos e distintos

dos de alto-mar (TILL, 2009, p. 72).

A solução soviética para a defesa de sua costa passava pelo emprego conjunto de

suas FA, com a centralização de suas ações sendo possibilitada por um eficaz sistema de

comando e controle. Previa-se o emprego coordenado de um intrincado sistema de minas,

artilharia de costa, submarinos e torpedeiros. Ao final da década de 30, com a necessidade de

proteger interesses internacionais mais amplos, alterou-se a postura de sua marinha que voltou

a adotar um perfil ofensivo baseado em navios de linha (TILL, 2009, p. 73).

A 2ªGM demonstrou a importância do emprego de outro sistema de armas na

defesa de costa. As aeronaves de patrulhas baseadas em terra tiveram bastante êxito nesta

guerra, em parte porque seu emprego evitava revelar o posicionamento dos navios

aeródromos, mas, também, devido ao seu maior alcance (HUGHES Jr., 2000, p. 142-143).
107

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) (BRASIL,

1995) despertou o interesse marítimo de vários países. Com isto, a necessidade de proteger

seus interesses no mar fez crescer de importância aspectos da teoria do emprego do PN na

guerra costeira, por parte de países, cujas marinhas não tinham nem porte, nem interesse, além

do regional (TILL, 2009, p. 73).

Exemplos recentes de marinhas especializadas em defesa de costa vêm da

Noruega e de Israel. A Noruega, após o fim da Guerra Fria, transformou o planejamento para

o emprego de suas FA com foco na defesa de sua costa. Valeu-se do recorte hidrográfico de

seu litoral, para planejar o emprego conjunto de suas forças. Israel, por sua vez, projetou uma

esquadra balanceada entre navios de superfície, pequenas e rápidas embarcações de ataque e

unidades anfíbias (TILL, 2009, p. 73-74).

A defesa de costa deve ser conduzida segundo o princípio de dispor os diferentes

sistemas de armas em camadas, ou em círculos concêntricos, envolvendo o emprego

coordenado de submarinos, aeronaves, mísseis, minas e artilharia de costa. A força naval

envolvida na defesa de costa usufrui das vantagens propiciadas pela defensiva, tais como o

prévio conhecimento e preparação do local de batalha, a possibilidade de se adestrar na

mesma área em que será empregado e a proximidade do apoio logístico. Por estas razões,

apesar da defesa de costa ser, muitas vezes, exercida por marinha de menor envergadura, este

fato não impede que este PN seja capaz de infligir pesadas perdas à marinha atacante

particularmente se estiver em jogo algum relevante objetivo nacional (HUGHES Jr., 2000, p.

256; JOERGENSEN, 1998 p. 24-25).

Outro fator que exerceu forte influência na guerra costeira foi o término da Guerra

Fria. A vitória norte-americana deixou sua marinha sem oponente à altura, para contestar seu

domínio no mar. Decorrente desta imposição estratégica a USN divulgou duas publicações

apresentando uma nova concepção de emprego estratégico de seu PN: ... From the Sea (EUA,
108

1992) e Forward ... From the Sea (EUA, 1994a). O ponto principal destas estratégias é a

mudança de foco que se tentou dar, alterando-se o propósito do emprego da força naval do

mar (on the sea) para a terra (from the sea), com vistas a influenciar eventos no litoral, com

emprego de meios adaptados para este ambiente. Uma mudança de Mahan para Corbett,

abrangendo princípios da Jeune École (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 463; EUA, 1992, p. 2;

EUA, 1994a, p. 3).

A doutrina da guerra costeira merece, portanto, atenção por parte dos estudiosos

da guerra no mar. Um desses, o Capitão, da USN, Wayne P. Hughes Jr. apresenta, após

detalhada análise histórica e contemporânea, a seguinte tendência futura: “O aumento do

alcance e da letalidade dos armamentos está conduzindo a uma maior interação entre terra e

mar. As batalhas navais cada vez mais incluirão forças baseadas em terra” (HUGHES Jr.,

2000, p. 225). Neste sentido, a defesa de costa demanda operações conjuntas e uma

conjugação específica de sensores, mísseis e meios navais, todos integrados por uma mesma

doutrina, adestramento e comunicações (JOERGENSEN, 1998, p. 24).


APÊNDICE B - AS TAREFAS BÁSICAS DA MARINHA DO BRASIL

Neste apêndice será analisada a evolução das TBPN na MB. Para tanto, serão

comparadas todas as edições da DBM, partindo-se do estudo realizado no item 2.3 – A

Primeira Doutrina Básica da Marinha, e incluindo as quatro edições posteriores.

Na MB, a primeira DBM, conforme visto, foi publicada em 1979, a segunda

DBM em 1981, e a terceira em 1983. Esta reedição, em intervalos de dois anos, indicava que

o Estado-Maior da Armada estava cumprindo o que fora prescrito na doutrina de 1979:

“Compete ao Estado-Maior da Armada acompanhar a evolução daqueles fatores

eminentemente dinâmicos, como os políticos, militares e tecnológicos, julgando da

oportunidade de executar as revisões decorrentes [e atualizando a DBM]” (BRASIL, 1979a, p.

xiii; 1981, p. xiii; 1983, p. xiii). Este procedimento visava a manter a doutrina atualizada e

coerente com eventuais evoluções estratégicas ocorridas.

A DBM de 1981 introduziu, literalmente, poucas alterações à primeira edição. As

TBPN são as mesmas. Uma das poucas mudanças ocorreu no item que define o conceito de

CAM, nele, além de indicar que este controle significa obter um certo grau de garantia de

emprego de áreas marítimas pelas forças, a nova DBM acrescentou que ao inimigo deveria

corresponder uma certa dificuldade de utilização da mesma área (BRASIL, 1981, cap. 3, p. 3).

No item que aborda a conduta da guerra naval, a DBM de 1981 introduziu o

conceito de concentração, que juntamente com o de economia de meios, já existente,

justificavam a existência de um único Teatro de Operações Marítimo, ainda que houvesse

missões distintas a serem cumpridas em áreas marítimas distantes entre si. Tanto o conceito

introduzido quanto a ideia, transcrita literalmente, de que “o mar é uno e indivisível”

demonstram a influência de Mahan nas duas doutrinas (BRASIL, 1981, cap. 3, p. 7).

A DBM de 1983, assim como a anterior, incorporou alterações doutrinárias de


110

pouca monta. Os textos referentes à PPT e à Contribuição para a Dissuasão Estratégica não

sofreram qualquer alteração. Com relação ao CAM, alterou-se a redação de um dos quatro

propósitos para a execução deste controle. No tópico que antes estabelecia que o CAM

serviria para dificultar, ou impedir que o inimigo usasse uma área marítima para “projetar

poder sobre terra, ou para prover segurança às suas comunicações marítimas, ou para permitir

a exploração/explotação dos recursos do mar”, a doutrina passou a prescrever que este

controle serviria apenas para “impedir que o inimigo utilize área marítima para projetar seu

poder sobre território ou área que deseja proteger” (BRASIL, 1981, cap. 3, p. 2; 1983, cap. 3,

p. 4). Enfatizou-se, desta forma, o emprego do CAM para interferir nas operações militares

inimigas, e não na exploração econômica que ele possa fazer do mar.

No item que aborda a NUM, substituiu-se a referência ao emprego desta TBPN

para “hostilizar o tráfego marítimo inimigo”, por “atacar as LCM inimigas”. Excluiu-se,

também, outra referência ao emprego da NUM para impedir que o inimigo explore o controle

do mar com propósitos econômicos, retirando, desta forma, a possibilidade de emprego do PN

brasileiro na guerra de corso (BRASIL, 1981, cap. 3, p. 5; 1983, cap. 3, p. 6).

A quarta edição da DBM só veio ocorrer em 1997. Passaram-se 14 anos sem que a

doutrina fosse atualizada. Embora esta nova versão tenha reestruturado o documento,

retirando e reordenando seus capítulos, uma análise cuidadosa revela que, particularmente em

relação às TBPN, as alterações não foram substanciais.

A introdução da publicação, que era onde antes se apresentava a justificava da

existência da doutrina e descrevia-se sua relação com outros documentos doutrinários, foi

bastante reduzida. Neste processo, foi excluída a menção à necessidade de “reajustes que a

atualizassem periodicamente” (BRASIL, 1983, p. xiii; 1997, p. v), deixando de impôr ao

EMA a tarefa de executar as revisões necessárias.

A DBM de 1997 suprimiu todo o primeiro capítulo – Conceitos Básicos sobre o


111

Poder Militar - das doutrinas anteriores. Era neste capítulo que a doutrina enfatizava a

importância da dissuasão, que podia incluir “atos de presença e demonstração de força, para

cuja execução os meios da Marinha sobressaem entre os demais pela sua adequabilidade,

decorrente da possibilidade de permanecerem longo tempo em áreas onde sua presença

indiquem intenções e comprometimento” (BRASIL, 1983, cap. 3, p. 1).

Com relação às TBPN, esta edição da doutrina alterou a denominação da tarefa de

Contribuir para a Dissuasão Estratégica, retirando a palavra “estratégica”, e ampliou sua

descrição, introduzindo a ideia de que a “disponibilidade de submarinos de ataque dotados de

propulsão nuclear amplia sensivelmente, o potencial de dissuasão” (BRASIL, 1997, cap. 3, p.

6). Este conceito substituiu o anterior que vinculava esta tarefa ao emprego de submarinos

com “mísseis estratégicos nucleares” (BRASIL, 1983, cap. 3, p. 2). Na TBPN de PPT,

substituiu-se a referência à possibilidade de emprego de “mísseis nucleares estratégicos

lançados de submarinos” por “mísseis de longo alcance, a partir de plataformas navais”

(BRASIL, 1983, cap. 3, p. 6; 1997, cap. 3, p. 6). Estas alterações retiraram a ambiguidade46

existente com relação a em qual TBPN se enquadrava o emprego de mísseis e formularam um

campo de atuação para os submarinos nucleares.

As TBPN de CAM e NUM não sofreram qualquer atualização nesta edição.

A quinta e última edição da DBM foi publicada em 2004. As TBPN são as

mesmas da quarta edição. Na realidade, são as mesmas da edição de 1979, com o pequeno

ajuste da tarefa de Contribuir para a Dissuasão, introduzido em 1997. Com exceção desta

alteração, até mesmo os textos explicativos de cada uma das TBPN, sofreram poucas

alterações textuais e, praticamente, nenhuma evolução conceitual.

Desde a primeira edição, a importância do CAM é destacada em relação às demais

______________
46
Esta ambiguidade foi identificada no item 2.3 A Primeira Doutrina Básica da Marinha, e refere-se ao fato dos
ataques com misseis estratégicos nucleares serem classificados tanto como PPT quanto como Contribuição para
a Dissuasão Estratégica (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 2-3, 7).
112

TBPN, pois, em um país dependente do mar e vulnerável a agressões vindas dele, o CAM

empregado na “defesa do território, bem como para a preservação do patrimônio e das

atividades relacionadas à Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e à plataforma continental,

merece atenção constante e prioritária” (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 7-8; 1981, cap. 3, p. 6;

1997, cap. 3, p. 3; 2004, cap. 3, p. 2).

Outro ponto importante que quase não sofreu alteração, em todas as edições, foi o

emprego do CAM para a defesa da costa brasileira contra “invasão e ataques procedentes do

mar”. Segundo a DBM, esse controle é a “mais eficiente defesa que poderá ser articulada

contra a projeção do poder inimigo por mar. Ele [o CAM] reduz a necessidade de empenhar,

em toda a extensão do litoral protegido, forças terrestres e aéreas, liberando-as para emprego

em outras áreas ou missões” (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 5; 1981, cap. 3, p. 4; 1997, cap. 3, p.

4; 2004, cap. 3, p. 3).

Da mesma forma, a tarefa de NUM também apresenta, desde a primeira edição, o

mesmo texto, segundo o qual, esta TBPN é, geralmente, a opção de emprego adotada pelos

PN que não têm condições de estabelecer o CAM. A doutrina destaca que sob “o ponto de

vista da defesa [do litoral] contra a projeção de poder sobre terra, negar o uso do mar ao

inimigo constitui uma segurança inferior ao controle efetivo da área marítima fronteira ao

território que se deseja proteger” (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 6; 1981, cap. 3, p. 5; 1997, cap.

3, p. 5; 2004, cap. 3, p. 4).

A TBPN de Contribuir para a Dissuasão manteve a referência, presente nas

demais versões, aos atos de presença naval e de demonstração de força. Além disto, a doutrina

incorpora, nesta edição de 2004, um conceito que a vincula diretamente às outras três tarefas:

“esta Tarefa Básica representa o corolário da efetiva capacidade de concretizar as três

anteriores” (BRASIL, 2004, cap. 3, p. 4).

Concluindo esta comparação entre as diversas edições da DBM, constatou-se que


113

nenhuma delas fez menção ao principal ponto destacado pelo Almirante Turner, por ocasião

da concepção do conceito de Tarefas Básicas, que é o da interdependência e

complementaridade destas tarefas. O que existe, em todas as versões, é uma referência ao fato

das campanhas navais serem compostas por um “conjunto inter-relacionado de operações”

(BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 8; 1981, cap. 3, p. 6; 1997, cap. 3, p. 1; 2004, cap. 3, p. 1), mas

nada se comenta sobre o fundamental relacionamento entre as TBPN.


APÊNDICE C - AS TAREFAS BÁSICAS DA MARINHA NORTE-AMERICANA

Neste apêndice será analisada a evolução das TBPN na USN, desde 1970, até os

dias atuais. O propósito deste estudo é ampliar o conhecimento destas tarefas e de seus

relacionamentos com a estratégia naval.

O estudo efetuado no item 2.2 - Origem do Conceito de Tarefas Básicas – revelou

aspectos da evolução do pensamento estratégico naval norte-americano a partir de 1970.

Destacou-se a importância dos esforços do Almirante Elmo Zumwalt, Chefe de Operações

Navais no período de 1970 a 1974, que com seu Project SIXTY, buscou balancear a

distribuição dos meios de superfície, submarinos e aeronavais, projetando um PN que pudesse

fazer frente às novas demandas estratégicas do pós Guerra Fria. Nesta época, a predominância

da deterrência nuclear havia criado nichos operacionais, entre os quais preponderavam os

submarinos nucleares, em detrimento dos demais sistemas de armas (SWARTZ, DUGGAN,

2009, p. 96-100).

Em seus estudos, o Almirante Zumwalt contou com o auxílio do Vice-Almirante

Stansfield Turner, que, em 1974 publicou seu importante artigo - Missions of the U.S. Navy -

onde categorizava o emprego do PN em missões (HATTENDORF, 2004, P. 7; 2007, p. ix). A

razão para esta categorização era a necessidade de organizar o emprego das forças navais pelo

seu produto, ou seu output, o que deveria facilitar a formulação de planejamentos estratégicos

e o desenvolvimento de táticas e possibilitar um melhor entendimento por parte do governo

das atividades realizadas pela marinha. Outra razão importante era promover a integração do

emprego dos meios navais, quebrando os nichos operacionais existentes (SWARTZ,

DUGGAN, 2009, p. 108-116; TURNER, 1974, p. 2-3).

Entre os anos de 1970 e 2009 a USN publicou 38 documentos doutrinário e/ou

estratégicos, como pode ser constatado na FIG. 8 (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 12).
115

FIGURA 8 – Documentos doutrinários da Marinha Norte-americana


Fonte: SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 12.

Destes documentos, serão analisados apenas os que alteraram as missões

concebidas pelo Almirante Turner em seu artigo de 1974.

Em 1975, o Comandante de Operações Navais, Almirante, aviador naval, James

L. Holloway, Jr., publicou o Strategic Concepts of the U.S. Navy. Este documento sofreu duas

revisões, feitas pelo mesmo almirante, nos anos de 1977 e 1978. A versão de 1978 passou a

ser a Naval Warfare Publication - 1. Estas publicações tinham o propósito de ampliar o

conhecimento dos oficiais da USN a respeito da doutrina e de conceitos estratégicos

importantes. Visava, também, a valorizar e divulgar a flexibilidade de emprego dos navios

aeródromos (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 123).

Os Strategic Concepts of the U.S. Navy alteraram as missões da USN. Estas


116

alterações visavam a preparar a marinha para lidar com as flutuações orçamentárias e uma

possível futura elevação da quantidade de meios navais de 468 para 600. Havia, também, uma

mudança na política de defesa que passava a conferir maior ênfase ao emprego do PN na

proteção das LCM do Atlântico. Uma das principais mudanças foi a valorização do CAM, que

passou a ser a função fundamental da USN. O conceito estratégico estabeleceu a seguinte

categorização (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 124, 132):

a) duas Funções Básicas:

- CAM (Sea Control), um pré-requisito para outras missões; e

- Projeção de Poder.

b) três papéis (roles):

- Deterrência Estratégica Nuclear;

- Segurança das LCM; e

- Desdobramento de Forças no Estrangeiro, como Presença Naval ou para

reduzir o tempo de reação.

Em 1978, o Secretário da Marinha, Mr. W. Graham Claytor, publicou o Sea Plan

2000. Um volumoso estudo que deveria servir de base para os planejamentos navais e apontar

a relevância da possibilidade de conflitos com uma crescente frota soviética. Apesar de ter

sido distribuído no mesmo ano – 1978 - do Strategic Concepts of the U.S. Navy, apresentava

uma categorização diferente, com três Objetivos de Segurança Nacional, vinculados a sete

missões da marinha (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 140-143, 149):

a) Manutenção da Estabilidade:

- Desdobramento Avançado de Forças Navais;

b) Contenção de Crises:

- Uso gradual de Força contra a Terra;


117

- Superioridade no Mar

c) Deter Guerra Global:

- Segurança das LCM;

- Reforço aos Aliados;

- Pressão sobre os Soviéticos; e

- Limitar as incertezas do futuro distante.

Em 1979, o Almirante Thomas B. Hayward, um aviador naval e Comandante de

Operações Navais de 1978 a 1982, publicou o documento The Future of U.S. Sea Power. Da

mesma forma que seu antecessor, o Almirante Hayward tencionava priorizar as atividades de

combate convencional no mar contra os soviéticos, em relação as proteção de LCM. Assim, a

USN deveria buscar obter a superioridade, ou mesmo a supremacia, marítima contra os

soviéticos (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 156, 159).

Entre os anos 1982 e 1990, a USN publicou oito Estratégias Marítimas. O foco

delas continuou a ser o combate naval contra os soviéticos. Elas desempenharam um papel

importante ao servirem de argumento para a Estratégia dos 600 Navios, que pretendia elevar a

quantidade de meios navais da USN para este patamar. O argumento para se ter uma marinha

deste porte era fortemente baseado em Mahan, onde um PN teria que ser forte o suficiente

para conquistar o controle do mar em qualquer parte do globo. Apesar desta ênfase, a missão

de PPT passou a ter, gradativamente, nestas estratégias, mais importância que o CAM (Sea

Control). Em terceiro grau de prioridade viria o Transporte Marítimo (Sealift)

(HATTENDORF; SWARTZ, 2008, p. 203-208, 246-258; SWARTZ, DUGGAN, 2009, p.

225, 246-248; TILL, 2009, p. 55).

Em 1991, elaborou-se o documento The Way Ahead, que foi assinado pelo

Secretário da Marinha, Sr. H. Lawrence Garrett III, pelo Comandante de Operações Navais,
118

Almirante Frank B. Kelso II, e pelo Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais Norte-

americano (USMC), General Alfred M. Gray Jr. Este documento visava a reposicionar a USN

para fazer frente à nova realidade advinda do fim da Guerra Fria e à redução do número de

navios para 450. Enfatizou a importância das ações de Presença Naval e a necessidade da

marinha fazer frente às crises regionais. A pirataria e as operações no litoral passaram a

ocupar lugar na agenda (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 316-317, 324-326).

Em 1992, publicou-se o The Navy Policy Book. Assinado pelo Secretário da

Marinha, Sr. H. Lawrence Garrett, III, e pelo Comandante de Operações Navais, Almirante

Frank B. Kelso, II. Neste documento as quatro missões de Turner foram retomadas, sendo que

a prioridade entre elas passou a ser a PPT (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 330, 334).

Mais tarde, no mesmo ano de 1992, foi publicado o documento denominado “...

From the Sea”. Assinaram o Secretário da Marinha, Sr. Sean O’Keefe, o Comandante de

Operações Navais, Almirante Frank B. Kelso II, e o Comandante-Geral do USMC, General

Carl E. Mundy Jr. Apesar de possuir poucas páginas, este documento teve grande poder de

influência sobre o pensamento e a postura estratégica da USN e do USMC. Seu principal

argumento, como o seu título já prenunciava, era a mudança de postura da USN de uma força

voltada para o emprego “no mar”, para uma força a ser empregada “a partir do mar” (From

the Sea). Um ponto de inflexão doutrinária de uma marinha mahaniana, para uma que se

espelhasse em Corbett. A PPT passava a ser mais importante que o CAM (Sea Control), pois

não havendo mais ameaças de porte no mar, devido ao fim da Guerra da Fria, o PN deveria

ser empregado para influenciar eventos em terra:

Na medida em que as forças navais mudam de uma estratégia de Guerra Fria, mar
aberto e águas azuis, para uma com foco regional, no litoral, e expedicionária, as
organizações navais vão mudar, a resposta a crises no futuro vai exigir uma grande
flexibilidade e novas maneiras de empregar nossas forças (EUA, 1992, p. 6,
tradução nossa).

Esta mudanças ficaram caracterizadas na nova série de missões da USN, que este
119

documento denominava de capacidades marítimas (EUA, 1992, p. 2, tradução nossa):

- Presença Naval discreta e poderosa;

- Deterrência Estratégica;

- Controle dos Mares (Control of the Seas);

- Resposta a Crises;

- Projeção Precisa de Poder sobre Terra; e

- Transporte Marítimo.

Cabe registrar que o “,,, From the Sea” não cita nenhuma vez a expressão cunhada

pelo Almirante Turner – Sea Control -, optando pelas expressões Control of the Seas

(Controle dos Mares) ou Battlespace Dominance (Domínio do Espaço de Batalha). Esta

última denominação expressa melhor o efeito desejado que se pretende obter nestes casos,

pois o espaço de batalha compreende a superfície dos mares, as águas subjacentes, a área do

litoral que se pretende influenciar e o espaço aéreo acima destas áreas. Outro registro

importante é que este é o primeiro documento a mencionar o estilo de condução do combate

conhecido como Guerra de Manobra47 (HATTENDORF, 2006, p. 89, 95; SWART;

DUGGAN, 2009, p. 351).

Em 1994, o Almirante Frank B. Kelso, II e o General Carl E. Mundy Jr assinaram

o Naval Doctrine Publication – Naval Warfare (NDP-1), o primeiro de uma série de seis

manuais que pretendia reformar o sistema de manuais doutrinários da USN e reforçar os


______________
47
Segundo o Manual Básico dos Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais (BRASIL, 2010), a Guerra de
Manobra é um estilo de condução do combate que prioriza “a aproximação indireta, na busca de se abordar o
inimigo a partir de uma posição vantajosa. Esta vantagem não é apenas física ou espacial, ela pode ser, também,
temporal, moral ou psicológica. Busca-se a consecução dos efeitos desejados pela indução no inimigo do
sentimento de que a resistência será inócua ou redundará em perdas inaceitáveis, trabalhando fundamentalmente
no campo psicológico” (BRASIL, 2010, cap. 3, p. 2). O manual prossegue destacando que a “guerra de manobra
é naturalmente adequada para quando uma força tiver que iniciar um combate em condições desfavoráveis ao
emprego do princípio da massa ou em áreas de frentes muito amplas que impeçam a concentração de seu Poder
de Combate, como é o caso das Operações Anfíbias. Este estilo é igualmente adequado para o emprego de força
em ambientes de ameaças incertas ou híbridas, que exijam iniciativa e rapidez de decisão” (BRASIL, 2010, cap.
3, p. 3-4).
120

conceitos constantes do “... From the Sea” de emprego do PN no litoral, da Guerra de

Manobra e da ênfase nas operações expedicionárias de PPT. Em 1994, o número de navios da

USN havia sido reduzido para 388 navios. Esta doutrina apresentava as seguintes funções

para a USN (EUA, 1994b, p. 26-35; SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 358-360):

a) Deterrência: nuclear e convencional, conseguida pela mobilidade, presença e

demonstração de força;

b) Operações Navais de Não-Guerra: como a demonstração de força, operações

de garantia da liberdade de navegação, de evacuação de não-combatentes, de

combate ao terrorismo e narcotráfico, e operações humanitárias e apoio à paz.

c) Presença Avançada (Forward Presence): que possibilita a construção de

parcerias estratégicas;

d) Transporte Marítimo, abrangendo o transporte e a manutenção logística de

tropas e equipamentos empregados no exterior;

e) Operações Conjuntas; e

f) Operações Navais de Guerra: o manual destaca o papel central do CAM

(Control of the Sea) para a consecução das seguintes funções:

- proteção de LCM;

- negar o uso comercial ou militar do mar ao inimigo;

- estabelecer uma área de operações para a projeção de poder sobre terra; e

- proteção do apoio logístico naval a forças desdobradas em combate.

No mesmo ano de 1994, o Secretário da Marinha, Sr. John H. Dalton, o

Comandante de Operações Navais, Almirante Jeremy M. Boorda, e o Comandante-Geral do

USMC, General Carl E. Mundy Junior assinaram o documento “Foward ... From the Sea”.

Este documento atualizou e reforçou os conceitos constantes em “,,, From the Sea”,
121

particularmente a importância do engajamento de forças navais em operações de não-guerra

com a intenção de prevenir conflitos e mitigar crises. Lançou o conceito de operações de

entrada forçada contra litorais defendidos, por meio de manobras “a partir do mar” que

possibilitariam o emassamento de forças no local e momento decisivos para se influenciar

eventos em terra. Apesar, de reforçar a ideia de ter que operar a partir do mar, mais do que no

mar, resgatou conceitos do Almirante Turner como Sea Control e Supremacia Marítima.

Apresentava as seguintes funções (EUA, 1994a, p. 1, 6, 10; TILL, 2009, p. 68; SWARTZ,

DUGGAN, 2009, p. 375, 383, 390):

- PPT;

- CAM (Sea Control) e Supremacia Marítima;

- Deterrência Estratégica;

- Transporte Marítimo Estratégico; e

- Presença Naval Avançada.

O Comandante de Operações Navais, Almirante Jay L. Johnson, publicou o Navy

Operational Concept, em 1996, e o documento Anytime, Anywhere, em 1997. O primeiro

documento, apresentou o conceito de manobra operacional naval e de velocidade de comando,

ambos derivados do conceito de Guerra de Manobra e adaptados para o uso no mar. O

segundo documento, enfatizou o emprego do PN em combate, com prioridade para o CAM, e

definiu as seguintes missões (HATTENDORF, 2006, p. 174-176; SWARTZ; DUGGAN,

2009, p. 394-395, 416):

- CAM (Sea Control) e Controle de Área (Area Control);

- Projeção de Poder;

- Deterrência; e

- Presença.
122

Os documentos Navy Strategic Planning Guidance, de 1999 e de 2000, também

assinados pelo Almirante Jay L. Johnson, expandiram o conceito de CAM, para o de Domínio

do Espaço de Batalha, em suas cinco dimensões: marítima, aérea, terrestre, cibernética e

espacial (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 431).

No ano de 2002, após os atentados terroristas de 2011, o Comandante de

Operações Navais, Almirante Vern Clark, publicou o documento Sea Power 21. Houve um

reforço da ideia do emprego conjunto das FA na proteção do país contra ameaças externas e o

do conceito de CAM e Controle de Área em um campo de batalha que unificava suas cinco

dimensões (EUA, 2002; SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 518, 520, 529).

O Sea Power 21 (EUA, 2002) apresentava três novos conceitos – Sea Strike, Sea

Shield, e Sea Basing - que ofereciam nova categorização e visavam a transformar a forma de

se executar as tradicionais missões da USN (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 532):

- CAM (Sea Control);

- PPT;

- Deterrência Estratégica;

- Transporte Marítimo Estratégico; e

- Presença Naval Avançada.

No ano de 2006, o Comandante de Operações Navais, Almirante Vern Clark, e o

Comandante-Geral do USMC, General Michael W. Hagee assinaram o “Naval Operations

Concept”. Este documento reconhece o impacto da globalização sobre o emprego do PN e

enfatiza a importância da proteção ao tráfego marítimo, elevando esta atividade ao nível de

missão. Expande as missões da USN para um total de 13 (SWARTZ, DUGGAN, 2009, p.

594, 606, 608):


123

- Presença Naval Avançada;

- Resposta a Crises;

- Projeção de Poder Expedicionário;

- Operações de Segurança Marítima;

- CAM (Sea Control);

- Deterrência;

- Cooperação para a Segurança;

- Operações Civis-Militares;

- Contrainsurgência;

- Contraterrorismo;

- Contraploriferação;

- Defesa Aérea e de Míssil; e

- Operações de Informação.

No ano de 2007, o Comandante de Operações Navais, Almirante Gary Roughead,

o Comandante-Geral do USMC, General James T. Conway e o Comandante da Guarda

Costeira, Almirante Thad Allen, assinaram a estratégia denominada “A Cooperative Strategy

for 21st Century Seapower” (EUA, 2007b). Pela primeira vez, uma estratégia norte-

americana incluía sua Guarda Costeira, considerada fundamental para prover segurança

marítima e proteção do território contra ameaças “no mar” e “a partir do mar”. Este

documento trouxe importantes conceitos, como a eliminação de fronteiras entre a USN e a

Guarda Costeira em assuntos referentes à defesa do território e o de Consciência do Domínio

Marítimo (Maritime Domain Awareness – MDA) como parte fundamental nesta defesa. Outro

ponto importante foi a necessidade de estimular a cooperação entre as marinhas de diversos

países, para a segurança marítima em um mundo cada vez mais globalizado. Esta estratégia de
124

2007 era um detalhamento, para a implementação da The National Strategy for Maritime

Security, de 2005, em particular de temas como o da cooperação e MDA (EUA, 2005, p. 14-

17). Enfatizou, ainda, a necessidade de integração e interoperabilidade entre os serviços e

previu o embarque de Fuzileiros Navais em navios nas operações de interdição marítima. Deu

prosseguimento ao engajamento dos serviços da marinha na guerra contra o terrorismo.

Aplicou a denominação de capacidades fundamentais, às missões da USN (SWARTZ,

DUGGAN, 2009, p. 627, 647-648):

- Presença Naval Avançada;

- Deterrência;

- CAM (Sea Control);

- PPT;

- Segurança Marítima; e

- Assistência Humanitária e Resposta a Desastres.

No ano de 2010, o Comandante de Operações Navais, Almirante Gary Roughead,

o Comandante-Geral do USMC, General James T. Conway, e o Comandante da Guarda

Costeira, Almirante Thad W. Allen, assinaram dois documentos: um novo “Naval Operations

Concept”, que substituiu a versão de 2006, e uma nova edição do Naval Doctrine Publication

1 – Naval Warfare, que substituiu a versão de 1994.

O Naval Operations Concept descreve quando, onde e como as forças navais

norte-americanas contribuirão para aumentar a segurança no mar, para prevenir novos

conflitos e vencer guerras. Em ambos os documentos, houve uma redução das 13 missões da

USN da versão do Naval Operations Concept - 2006, para seis capacidades fundamentais

(EUA, 2010a, p. 25; 2010b, p. 3):

- Presença Naval Avançada;


125

- Deterrência;

- CAM (Sea Control);

- PPT;

- Segurança Marítima; e

- Assistência Humanitária e Resposta a Desastres.

No Naval Operations Concept, importantes conceitos foram apresentados. Dentre

eles, no capítulo referente ao CAM, introduziu-se as formas como outras forças navais podem

se opor às ações da USN: Oposição ao Trânsito; Antiacesso; e Negação de Área. Este

conjunto de conceitos seria adotado por marinhas que pretendem defender seu litoral (EUA,

2010b, p. 53-54).

Com a análise do Naval Operations Concept e do Naval Doctrine Publication 1 –

Naval Warfare conclui-se o estudo da evolução doutrinária da USN. Alguns dados coletados

acerca da evolução das missões da USN serão confrontados com os do estudo das DBM,

constantes do APÊNDICE B, e consolidados em tabelas e quadros com a finalidade de

facilitar a comparação das duas doutrinas.

A TAB. 1, a seguir apresentada, mostra a evolução das missões da USN desde sua

concepção, em 1974, até o último documento doutrinário o Naval Doctrine Publication 1 –

Naval Warfare de 2010. A tabela torna evidente a flexibilidade doutrinária da USN e a busca

para adaptar suas missões às demandas estratégicas surgidas com o passar do tempo.

O QUADRO 1 compara as versões iniciais das TBPN, na forma como foram

concebidas na USN (1974) e na MB (1979), permitindo identificar suas semelhanças e

diferenças. Três TBPN coincidiram: CAM, PPT e Deterrência Estratégica. A diferença entre

as TBPN é que a USN considerava a Presença Naval como uma TBPN, enquanto a MB

inseriu alguns aspectos desta tarefa na de Deterrência Estratégica. No lugar desta Tarefa

Básica a MB enunciou a NUM. As semelhanças apontadas reforçam a ideia de que as TBPN


126

da MB foram influenciadas pelas da USN.

O QUADRO 2 compara a evolução das TBPN na MB e na USN, desde 1979 até o

ano de 2011. Este quadro possibilita identificar uma diferença de postura doutrinária: a DBM,

menos flexível, não alterou suas TBPN no decorrer do período considerado; a doutrina da

USN, mais flexível, introduziu diversas alterações, conforme já havia sido identificado na

TAB. 1.

O QUADRO 3 estabelece uma comparação direta entre as TBPN atualmente em

vigor na MB e na USN. Ele indica que as TBPN da USN representam uma gama mais ampla

e atualizada de tarefas, abrangendo atividades não-combativas como a Segurança Marítima, a

Assistência Humanitária e a Resposta a Desastres.


Presença Naval
Projeção de Poder
CAM (Sea Control)

Segurança das LCM

Superioridade no Mar
Deterrência Estratégica
CLASSE DOCUMENTO ANO

Desdobramento Avançado
Uso Gradual de Força contra Terra
..
..
..
..
x
x
x
x
Missão Mission of the US Navy 1974

Papel Strategic Concepts of

..
..
x
x
x
..
x
x
1975
Função the USN

x
x
x
x
..
..
..
..
Missão Sea Plan 2000 1978
1982

..
..
..
..
..
..
x
x

Missão Maritime Strategy


1990
TABELA 1

..
..
..
..
x
x
x
x

Missão The Navy Policy Book 1992


.. Capacidade
..
..
..
x
x
x
x

… From the Sea 1992


Marítima
Naval Doctrine
..
..
..
x
x
x
x
x

Função Publication 1 – Naval 1994


Warfare
Foward ... From the
..
..
..
..
x
x
x
x

Função 1994
Sea
Evolução das Missões da Marinha Norte-Americana de 1974-2010

..
..
..
..
x
x
x
..

Missão Anytime, Anywhere 1997


..
..
..
..
x
x
x
x

Missão Sea Power 21 2002

Naval Operations
..
..
..
..
..
x
x
x

Missão 2006
Concept
A Cooperative Strategy
Capacidade
..
..
..
..
..
x
x
x

for 21st Century 2007


Fundamental
Seapower
Naval Doctrine
Capacidade
..
..
..
..
..
x
x
x

Publication 1 – Naval 2010


Fundamental
Warfare
127
128

ANO

1974

1975

1978
1982
1990
1992

1992

1994

1994

1997

2002

2006

2007

2010
Reforço aos Aliados .. .. x .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Pressão sobre os Soviéticos .. .. x .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Limitar as incertezas do futuro distante .. .. x .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Transporte Marítimo .. .. .. x .. x x x .. x .. .. ..
Deterrência Convencional .. .. .. .. .. .. x .. .. .. .. .. ..
Operações Navais de Não-Guerra .. .. .. .. .. .. x .. .. .. .. .. ..
Operações Conjuntas .. .. .. .. .. .. x .. .. .. .. .. ..
Negar o uso do mar .. .. .. .. .. .. x .. .. .. .. .. ..
Proteção de Apoio Logístico Naval .. .. .. .. .. .. x .. .. .. .. .. ..
Controle de Mar e de Área .. .. .. .. .. .. .. .. x .. .. .. ..
Resposta a Crises .. .. .. .. .. x .. .. .. .. x .. ..
Segurança Marítima .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x x x
Deterrência .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x x x
Cooperação para a Segurança .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Operações Civis-Militares .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Contrainsurgência .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Contraterrorismo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Contraploriferação .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Defesa Aérea e de Míssil .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Operações de Informação .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Assistência Humanitária e Resposta a Desastres .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. x x
Fonte: SWARTZ, DUGGAN, 2009, p. 115, 132, 149, 246, 249, 334, 349, 384, 416, 532, 606, 646; EUA, 1994b, p. 26-35; EUA, 2010a, p.25.
129

QUADRO 1

Comparação das Primeiras Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha do Brasil e da

Marinha Norte-americana

MB USN
OBSERVAÇÕES
1979 1974

Os conceitos são idênticos


Controle de Área Marítima Controle de Área Marítima
nas duas Marinhas

Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre Os conceitos são idênticos


Terra Terra nas duas Marinhas

Refere-se, principalmente, à
Contribuir para a Dissuasão
Deterrência Estratégica capacidade de lançar
Estratégica
armamento nuclear

A USN não considera a


Negação do Uso do Mar .. NUM como uma Tarefa
Básica

Na DBM, os conceitos
referentes à Presença Naval
foram inseridos na
.. Presença Naval
descrição da TBPN de
Contribuir para a Dissuasão
Estratégica
Fonte: BRASIL, 1979a; TURNER, 1974.
130

QUADRO 2

Comparação da Evolução das Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha do Brasil e da Marinha Norte-americana

1979 1981/1983 1997 2004 2011


MB MB MB MB MB
Controle de Área Controle de Área Controle de Área Controle de Área Controle de Área
Marítima Marítima Marítima Marítima Marítima
Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre
Terra Terra Terra Terra Terra
Contribuir para a Contribuir para a Contribuir para a Contribuir para a Contribuir para a
Dissuasão Estratégica Dissuasão Estratégica Dissuasão Dissuasão Dissuasão
Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Mar
USN USN USN USN USN
Controle de Área Controle de Mar e de Controle de Área Controle de Área
Superioridade no Mar
Marítima Área Marítima Marítima
Uso Gradual de Força Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre
Projeção de Poder
contra Terra Terra Terra Terra
Desdobramento
Transporte Marítimo Deterrência Deterrência Estratégica Deterrência
Avançado de Forças
Segurança das LCM Presença Presença Naval Avançada Presença Naval Avançada
Transporte Marítimo
Reforço aos Aliados Segurança Marítima
Estratégico
Pressão sobre os Assistência Humanitária e
Soviéticos Resposta a Desastres
Limitar as incertezas do
futuro
Fonte: BRASIL, 1979a, 1981, 1983, 1997, 2004; EUA, 2020, 2010a; HATTENDORF; SWARTZ, 2008; SWARTZ; DUGGAN, 2009.
131

QUADRO 3

Comparação das Atuais Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha do Brasil e da

Marinha Norte-americana

MB USN
2004 2010

Controle de Área Marítima Controle de Área Marítima

Projeção de Poder sobre Terra Projeção de Poder sobre Terra

Contribuir para a Dissuasão Deterrência

Negação do Uso do Mar ..

.. Presença Naval Avançada

.. Segurança Marítima

Assistência Humanitária e
..
Resposta a Desastres
Fonte: BRASIL, 2004; EUA, 2010a.
APÊNDICE D - AS TAREFAS BÁSICAS DA REAL MARINHA BRITÂNICA

A análise das TBPN da RMB será conduzida por meio do estudo das três últimas

edições de sua doutrina marítima (Reino Unido, 1995, 1999, 2004).

Em 1995, a publicação do manual The Fundamentals of British Maritime

Doctrine substituiu o The Naval War Manual que continha a doutrina anterior. Apesar da

mudança do título, manteve-se a referência numérica – BR 1806 –, não pela proximidade, e

consequente referência, ao ano da Batalha Naval de Trafalgar48, que ocorreu em 1805, mas,

principalmente, para demonstrar o alcance das raízes dos conceitos doutrinários britânicos

vigentes (Reino Unido, 1995, p. 12).

Esta publicação, ao definir a função da doutrina, alerta para o fato de que após a

promulgação de um documento doutrinário existe a tendência dele adquirir um status que

desencoraje mudanças. Neste sentido, torna-se importante que se impeça que a doutrina se

transforme em dogma: “a doutrina precisa evoluir à medida em que seus fundamentos

políticos e estratégicos se alteram, e à luz das novas tecnologias, das lições da experiência e

das revelações originárias de análises operacionais” (REINO UNIDO, 1995, p. 13, tradução

nossa).

Com relação às TBPN, a doutrina britânica de 1995 adota uma categorização

muito similar à prevista por Eric Grove em seu primeiro triângulo do uso do mar (FIG. 3 do

ANEXO A). Ela agrupa as formas de aplicação do Poder Marítimo em três grandes

categorias: militar, constabular e benigna.

As tarefas militares se subdividem nas que ocorrem “no mar” ou de CAM (Sea

______________
48
A Batalha Naval de Trafalgar é a de maior renome na história naval britânica, sendo um claro exemplo de
batalha decisiva. Nela consagraram-se o nome de Lord Horatio Nelson e as Instruções para o Combate (Fighting
Instructions). A origem destas instruções remonta o ano de 1672, elas foram aperfeiçoadas e amplamente
empregadas por Nelson, servindo de base para o desenvolvimento da doutrina naval britânica. Estas instruções
foram sendo atualizadas ao longo do tempo e, hoje, constituem o principal documento doutrinário de nível tático
da marinha britânica (REINO UNIDO, 2004, p. vi; TILL, 2009, p. 159).
133

Control); e as que “vêm do mar” ou de “projeção de poder”. Esta distinção, no entanto, nem

sempre é clara, pois qualquer operação no mar demanda o exercício de certo grau de CAM

(REINO UNIDO, 1995, p. 82).

A doutrina britânica estabelece a distinção entre Comando do Mar (Command of

the Sea) e CAM (Sea Control), nos termos previstos por Corbett e Turner, como sendo um

controle exercido com limitações de tempo e de espaço. O exercício do CAM, em

determinado grau, é condição necessária para a execução de operações de qualquer nível de

intensidade, desde ações de presença naval até a eliminação de outra força naval que ameace a

exploração deste controle. O CAM (Sea Control), segundo esta doutrina, não deve ser um fim

em si mesmo, pois este controle é necessário para possibilitar o uso do mar com outros

propósitos (REINO UNIDO, 1995, p. 67-68, 96). Este tipo de ação foi denominado na MB,

desde a primeira DBM, como CAM. A doutrina britânica, no entanto, além de empregar as

expressões Sea Control e Sea Denial, utiliza a expressão Area Sea Control Operations, que

poderia, também, ser traduzida para Operações de Controle de área Marítima. O trecho a

seguir explica a diferença de conceitos:

O Poder Marítimo é aplicado no mar de duas formas, por meio de operações


ofensivas realizadas contra as forças inimigas, e através de operações defensivas
conduzidas para proteger as forças amigas (Proteção da Força) e o comércio
marítimo. As duas formas envolvem as operações da função Controle do Mar[Sea
Control], que podem ser tanto ofensivas quanto defensivas, podendo conter
elementos de ambas. Elas também podem conter aspectos que são mais afetos à
Negação do Uso do Mar [Sea Denial]. As Operações de Controle do Mar [Sea
Control Operations] serão conduzidas por qualquer Força-Tarefa, grupo, unidade ou
elemento marítimo, todos os quais terão como objetivo alcançar um nível adequado
de controle do mar dentro de suas próprias áreas de operações. No entanto, as
Operações de Controle de Área Marítima [Area Sea Control Operations] são
essencialmente geográficas e são conduzidas utilizando vigilância e sistemas de
armas de longo alcance, sobre extensas áreas do mar (REINO UNIDO, 2004, p. 68-
69, tradução nossa).

A tarefa de NUM (Sea Denial) faz parte do CAM: “Sea Denial não é um conceito

distinto do Sea Control, pois negar a liberdade de ação inimiga é um aspecto do Sea Control”

(REINO UNIDO, 1995, p. 68, tradução nossa). No nível operacional e tático, o Sea Denial
134

pode ser usado em determinadas áreas em complementação a uma campanha mais ampla de

CAM. No nível estratégico, é usado na guerra de corso e no ataque as LCM que apoiem o

esforço militar inimigo.

As tarefas de CAM abrangem as operações contra as forças inimigas no mar e a

proteção ao tráfego marítimo, cada uma destas tarefas se subdivide em vários tipos de

operações (REINO UNIDO, 1995, p. 95-100).

As tarefas militares de projeção de poder abrangem: a deterrência nuclear; as

operações de combate contra a terra; as operações de combate em defesa de forças terrestres;

as operações de evacuação de não-combatentes; o emprego de forças navais em apoio à

diplomacia; e as operações de apoio à paz. Interessante destacar a inclusão da deterrência

estratégica como parte da PPT, em posição diversa das funções elencadas pelo Almirante

Turner, que considerava estas duas atividades como sendo duas missões distintas. As DBM de

1979, 1981 e 1983, por sua vez, apresentavam o emprego de misseis nucleares, de forma

ambígua49, tanto como PPT como Contribuição para a Dissuasão Estratégica. Outra

divergência notada na doutrina da RMB refere-se ao triângulo de Grove (FIG. 3): a doutrina

incluí as operações de apoio à paz50 na PPT, enquanto Grove às classificava como sendo uma

função diplomática (REINO UNIDO, 1995, p. 83-91).

A segunda classe de tarefas é a constabular, ou policial, a doutrina manteve as

duas opções de denominação, que fazem referência, respectivamente, aos triângulos dos

estrategistas britânicos Booth e Grove (FIG. 2 e 3). Apesar dos dois autores restringirem as

ações constabulares ao ambiente nacional, a doutrina britânica insere nesta classificação as

______________
49
Estas DBM apresentavam o emprego de armas nucleares a partir do mar de forma ambígua, conforme o
destacado no item 3.2 Marinha do Brasil. Esta possibilidade de emprego do Poder Naval que somente algumas
marinhas possuíam era classificado, ao mesmo tempo, tanto como Contribuição para a Dissuasão Estratégica
quanto como PPT (BRASIL, 1979a, cap. 3, p. 2-3, 7).
50
A doutrina britânica define operações de apoio à paz (peace support operations) como sendo uma “operação
que faz uso imparcial de meios diplomáticos, civis e militares, normalmente em busca de princípios e propósitos
da Carta das Nações Unidas, para restaurar ou manter a paz. Estas operações podem incluir a prevenção de
conflitos, a promoção da paz, a manutenção da paz, a consolidação da paz, a imposição da paz, e as operações
humanitárias” (REINO UNIDO, 2004, p. 282, tradução nossa).
135

operações realizadas em águas territoriais ou não, sendo exemplo: a imposição de quarentena,

de sanções econômicas e de embargos; as operações de antipirataria; as de imposição da lei e

manutenção da boa ordem no mar (que incluem a proteção à pesca, as patrulhas em

plataformas de petróleo, e o combate ao narcotráfico, ao contrabando de armas e ao

terrorismo); e as operações de manutenção da paz51.

A última classe de tarefas foi denominada de benigna, diferindo da classificação

de Booth e Grove, que a denominavam de diplomática. Esta tarefa abrange: operações

humanitárias e de resposta a desastres; operações de promoção da paz; busca e salvamento;

assistência militar à comunidade civil; e assistência militar a outros países.

A segunda edição da doutrina britânica foi publicada em 1999, com a

denominação de British Maritime Doctrine, incorporando alterações decorrentes da

publicação da British Defence Doctrine (1996) e da Strategic Defence Review (1998). Estes

documentos confirmaram a direção que a política militar britânica vinha adotando desde o fim

da Guerra Fria: “um afastamento de um cometimento físico no continente europeu, que

consistia em grandes forças estáticas e defensivas, em direção a uma postura expedicionária,

na qual a mobilidade estratégica e a flexibilidade são as principais características” (REINO

UNIDO, 1999, p. vii, tradução nossa).

Esta edição, também, incorporou alguns conceitos, e mesmo o vocabulário, da

doutrina conjunta britânica. Neste contexto, destaca o fato do ambiente marítimo ser

inerentemente conjunto e realça a mudança de foco da estratégia marítima para as operações

no litoral em apoio às operações em terra. Ela explicita, ainda, a diferença de uma doutrina

naval para uma doutrina marítima, como é o seu caso, abordando aspectos que envolvem o

emprego das demais FA e não apenas da marinha. Com relação à natureza da doutrina, esta

______________
51
A doutrina britânica estabelece as operações de manutenção da paz (peacekeeping) como sendo aquelas que
“se seguem a um acordo ou cessar-fogo, que tenha estabelecido um ambiente permissivo onde o nível de
consentimento e confiança é alto e o risco de ruptura é baixo. O uso da força é normalmente limitado à
autodefesa” (REINO UNIDO, 1995, p. 231, tradução nossa).
136

edição acrescentou novos comentários acerca da necessária flexibilidade da doutrina, tanto

para não limitar a iniciativa dos comandantes, quanto para acomodar suas necessárias

revisões. Esta necessária flexibilidade é associada à tradição “nelsoniana” de se instar a

iniciativa dos subordinados e aos conceitos da Guerra de Manobra apresentados nesta

doutrina (REINO UNIDO, 1999, p. 3-6).

A doutrina de 1999 preservou a categorização adotada em 1995, que classificava

as operações em militar, constabular e benigna. Esta classificação foi criticada pelas demais

FA, pois elas não previam o emprego de militares em ações constabulares ou policiais. Esta

forma de atuação, atípica para forças terrestres ou aéreas, vem sendo, tradicionalmente,

praticada por diversas marinhas do mundo, que se envolvem no combate à pirataria e ao

narcotráfico e na proteção à pesca. Outra crítica recebida pela categorização adotada foi

quanto ao uso da palavra “benigna”, que denota o emprego da marinha de forma filantrópica,

tendo, ainda, o efeito adverso de que as operações não benignas seriam, consequentemente,

consideradas como malignas. Apesar das críticas, esta edição de 1999 manteve a

categorização da edição anterior (REINO UNIDO, 1999, p. vii).

Na função militar, esta edição continuou a classificar a NUM (Sea Denial) como

sendo parte integrante do CAM (Sea Control): “A negação da liberdade de ação inimiga é

consequência de operações efetivas de CAM”. Houve, também, o acréscimo de um novo

método de atingir a NUM, “particularmente apropriado para operações no litoral, que é o de

empregar baterias de mísseis superfície-superfície ao longo da costa para impor um grau de

risco inaceitável para as forças de superfície inimigas” (REINO UNIDO, 1999, p. 35,

tradução nossa).

Na função constabular acrescentou as operações de contra-insurgência e realçou a

crescente importância das operações de garantia da lei e da ordem no mar a ser exercida nas

águas jurisdicionais. A função benigna, por sua vez, não sofreu alterações de vulto.
137

Em 2004, a RMB publicou a terceira edição de sua British Maritime Doctrine.

Esta versão incorporou as evoluções doutrinárias decorrentes das alterações estratégicas

ocorridas após os atentados terroristas de 11 de setembro e da Guerra do Iraque em 2003,

reforçando o conceito de flexibilidade da doutrina ante as mudanças do ambiente político e

estratégico (REINO UNIDO, 2004, p. ii).

Com relação à função militar da aplicação do Poder Marítimo, esta doutrina

reforça o conceito de que a NUM faz parte do CAM: “estas operações não são mutuamente

excludentes” (REINO UNIDO, 2004, p. 43, tradução nossa). Outro ponto destacado é o da

centralidade do CAM em relação às demais tarefas:

Um certo grau de Controle de Área Marítima é um pré-requisito à maioria das


tarefas em conflito, incluindo aquelas relacionadas à Projeção de Poder. No entanto,
uma distinção útil pode ser feita entre as aplicações do Poder Marítimo no mar, onde
o Controle de Área Marítima é a essência, e a partir do mar, que são as tarefas de
Projeção de Poder (REINO UNIDO, 2004, p. 68, tradução nossa).

Esta edição manteve a distinção entre a função de CAM e as operações de

Controle de Área Marítima:

As operações da função de Controle do Mar [Sea Control Operations] serão


conduzidas por qualquer Força-Tarefa, grupo, unidade ou elemento, todos buscarão
alcançar um nível adequado de controle do mar dentro de suas áreas de operações.
No entanto, as operações de controle de área marítima [Area Sea Control
Operations] são essencialmente geográficas e são conduzidas utilizando vigilância
de longo alcance e sistemas de armas sobre extensas áreas do mar (REINO UNIDO,
2004, p. 69, tradução nossa).

Estas mudanças resultaram em alterações no texto da doutrina que reviu suas

tarefas militares, aproximando-as das redefinidas pela British Defence Doctrine. Neste

contexto, a publicação passou a abordar, ou aprofundou a descrição, das seguintes tarefas:

- Deterrência Sub-estratégica, que prevê o emprego de submarinos com propulsão

nuclear para o lançamento de mísseis não nucleares;

- Contribuição para a Inteligência Estratégica;

- Assistência Militar às Autoridades Civis - uma ampla denominação de caráter


138

legal que abrange atividades como: Imposição da Lei no Mar, segurança Interna,

Provisão de Serviço Essenciais, Reação a Ataques Terroristas em plataformas de

petróleo, Proteção à Pesca, Operações de Interdição para o combate ao

narcotráfico, Busca e Salvamento, Apoio às Operações de Controle de Poluição

e Operações de Pesquisa Hidrográfica;

- Diplomacia de Defesa, que abrange as ações de Presença Naval, as de

Construção de Confiança Mútua e a Assistência ao Desenvolvimento de

marinhas em novos Estados;

- Diplomacia Naval, que faz parte da Diplomacia de Defesa, mas não se restringe

a ela, e que abrange as ações Presença Naval, de Coerção, as Simbólicas, as

Preventivas, Precaucionarias e as Preemptivas;

- Operações de Contra-insurgência;

- Operações de Interdição Marítima; e

- Operações de Comércio Marítimo, como o Controle do Tráfego Marítimo.

A última versão da classificação das funções do Poder Marítimo britânico pode

ser vista no quadro da FIG. 9.


139

FIGURA 9 – As funções e tarefas da Real Marinha Britânica


Fonte: REINO UNIDO, 2004, p. 90.
APÊNDICE E - AS TAREFAS BÁSICAS DE OUTRAS MARINHAS

1 Introdução

A presente análise será conduzida para buscar identificar como outras marinhas do

mundo organizam sua doutrina naval em termos de TBPN, levando em consideração seus

respectivos aspectos políticos e estratégicos. Serão consideradas as marinhas dos seguintes

países: África do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Espanha, França, Índia,

Portugal e Rússia.

2 África do Sul

A Doutrina Marítima da Marinha da África do Sul foi publicada em 200652, sendo

a primeira doutrina desta marinha. Ela apresenta suas Tarefas Básicas tanto em termos de

missões, nos moldes concebidos pelo Almirante Turner, como em termos de funções,

demonstrando influência da RMB e dos estrategistas Grove e Booth. O estudo da doutrina da

Real Marinha Australiana, apresentado no próximo item, demonstra que esta marinha exerce,

também, forte influência sobre a Marinha Sul-africana (ÁFRICA DO SUL, 2006, p. 3, 26-35).

Na doutrina sul-africana, o CAM desempenha papel de destaque, pois ele será

“um elemento essencial em praticamente toda operação que a Marinha Sul-africana se

envolver” (2006, p. 27, tradução nossa). A Negação do Mar estaria vinculada ao CAM,

podendo as duas ocorrer simultaneamente em diferentes áreas. O CAM estaria, ainda,

relacionado aos conceitos de Esquadra em Potência, ao Domínio do Espaço de Batalha53 e à

______________
52
Esta doutrina está disponível em: http://www.navy.mil.za/SANGP100/SANGP100_CH03.pdf
53
A estratégia marítima da Marinha Sul-africana explica este conceito da seguinte forma: “O embaçamento
gradual dos limites do combate no mar, na terra e no ar tem conduzido a uma maior integração de todos os
elementos de combate para se conquistar o Domínio do Espaço de Batalha. Isto envolve o controle de todos os
141

Projeção de Poder Marítimo.

A estratégia marítima apresenta, também, as funções (FIG. 10) da Marinha Sul-

africana. Como o próprio texto salienta, esta classificação é baseada, inicialmente, no

triângulo do uso do mar de Ken Booth (FIG. 2), acrescido do detalhamento concebido pela

Real Marinha Australiana (ÁFRICA DO SUL, 2006, p. 33):

- Função Militar: CAM e Projeção de Poder Marítimo;

As operações de combate no mar (CAM): Vigilância e Coleta de Inteligência,

Cobertura, Interdição e Ataque Marítimo, Contenção, Bloqueio, Áreas

Defensivas e Operações de Barreira, Defesa em Camadas, Operações de Força

Avançada, e Controle do Tráfego Marítimo. As operações de combate a partir

do mar (Projeção de Poder Marítimo): Mobilidade Marítima (Transporte

Marítimo), Ataque a Terra, Apoio a Operações em Terra e no Ar, e Operações

Anfíbias;

- Função Diplomática: Assistência à Comunidade Civil, Busca e Salvamento,

Assistência a Forças Estrangeiras, Resposta a Desastres, Presença Naval,

Operações de Evacuação e Coerção;

- Função Policial: Proteção e Gerência de Recursos e do Meio Ambiente;

Operações de Paz, Operações de Quarentena, Ajuda de Defesa ao Poder Civil,

Operações Antipirataria e Contra o Narcotráfico.

A doutrina marítima sul-africana estabelece três Tarefas Básicas, apesar de não

detalhar o seu emprego e de classificá-las, ao longo do texto, como “Conceitos do Poder

Naval” junto com outros conceitos como o de Domínio do Mar, Esquadra em Potência,

Domínio do Espaço de Batalha e LCM. As Tarefas Básicas são (ÁFRICA DO SUL, 2006, p.
______________
ambientes deste espaço de batalha, superfície, submarino, ar, terra, informacional e o espectro eletromagnético.
A conquista do Domínio do Espaço de Batalha em uma área terá necessariamente de passar pelo Controle do
Mar. Este conceito é de relevância em operações conjuntas, especialmente no litoral” (ÁFRICA DO SUL, 2006,
p. 30-31, tradução nossa).
142

28-32):

- CAM;

- Negação do Mar; e

- Projeção de Poder Marítimo.

FIGURA 10 – As funções e tarefas da Marinha Sul-africana


Fonte: AFRICA DO SUL, 2006, p. 33.

3 Austrália

A última versão da Doutrina Marítima Australiana foi publicada em 2010,

podendo ser acessada pela internet54 e sendo apresentada em diagramação moderna e com

muitas fotos. Já em seu primeiro capítulo ela explicita a influencia recebida da RMB e de

estrategistas navais britânicos, dentre os quais destacam-se Ken Booth, Eric Groove e
______________
54
http://www.navy.gov.au/w/images/Amd2010_prelim.pdf
143

Geoffrey Till. Apesar desta explícita influência, esta doutrina aproxima-se, também, da norte-

americana, pois faz referência a tarefas similares às missões criadas pelo Almirante Turner

(AUSTRÁLIA, 2010, p. 5, 71).

A adoção de uma forma de categorização das funções de sua marinha (FIG. 11)

nos moldes dos triângulos de Booth e Grove é justificada por ser esta uma sistematização de

alcance global. Sua representação em forma triangular pretende destacar a interdependência

entre as diversas funções e tarefas, tendo sempre como base a função militar:

A utilidade desta classificação é enfatizada pela sua ampla aplicação em Marinhas


diferentes e, portanto, sua capacidade de fornecer um quadro comum de referência
filosófica. A extensão das tarefas marítimas reproduzidas [FIG. 11] ilustra a relação
entre os três papéis definidos e as suas tarefas subordinadas. O diagrama não
pretende ser prescritivo, assim como as funções raramente serão exclusivas e as
tarefas são representativas e não específicas. Na realidade, sempre haverá anomalias,
até porque mais de uma função e várias das tarefas podem ser realizadas
simultaneamente. No entanto, embora a natureza de uma determinada operação
possa mudar rapidamente, na base deste triângulo foi colocada, deliberadamente, a
função militar. A capacidade dos navios de guerra realizar as funções policiais e
diplomáticas depende substancialmente de sua capacidade de realizar suas funções
de combate. A capacidade de fazer todas essas coisas é, portanto, em grande parte
um subproduto dos recursos e competências essenciais desenvolvidas para o
combate (AUSTRÁLIA, 2010, p. 99, tradução nossa).

A doutrina é enfática em ressaltar a centralidade do CAM em relação a todas as

atividades e operações realizadas pela Real Marinha Australiana: “O Controle de Área

Marítima será um elemento essencial de praticamente todas as campanhas ou outras grandes

operações na qual a Austrália esteja envolvida” (AUSTRÁLIA, 2010, p. 71, tradução nossa).

Outro conceito importante apresentado e relacionado ao CAM é o de Domínio do Espaço de

Batalha (conceito já definido no estudo da doutrina sul-africana), que demanda um efetivo

controle da superfície do mar, suas águas subjacentes, espaço aéreo sobrejacente e parcela da

costa que se pretenda influenciar. A doutrina australiana espelha o posicionamento de Corbett

com relação ao papel das marinhas está subordinado aos acontecimentos em terra. Nesta

medida, controla-se o mar para se obter vantagem em terra (AUSTRÁLIA, 2010, p. 72-73).
144

FIGURA 11 – As funções e tarefas da Real Marinha Australiana


Fonte: AUSTRÁLIA, 2010, p. 100.

A classificação apresentada adapta os triângulos de Booth e Grove para a

realidade da Real Marinha Australiana. Cada uma de suas três funções apresenta as seguintes

subdivisões:

- Função Militar: dividida em operações de combate “no mar” e “a partir do mar”.

As tarefas executadas no mar: Vigilância e Coleta de Inteligência, Cobertura,

Intedição e Ataque Marítimo, Contenção, Bloqueio, Áreas Defensivas e

Operações de Barreira, Defesa em Camadas, Operações de Força Avançada, e


145

Proteção da Marinha Mercante. As tarefas executadas a partir do mar:

Mobilidade Marítima (Transporte Marítimo), Ataque a Terra, Apoio a

Operações em Terra e no Ar, e Operações Anfíbias;

- Função Diplomática: Assistência Humanitária e Alívio a Desastres, Assistência a

Forças Estrangeiras e Aliadas, Presença Naval, Operações de Evacuação,

Diplomacia Preventiva, e Coerção;

- Função Policial: Busca e Salvamento, Proteção e Gerência de Recursos e do

Meio Ambiente, Ajuda de Defesa ao Poder Civil, Operações de Barreira

Marítima, Operações Contrapirataria, Operações de Paz, Embargos e Sanções.

Conforme apresentado anteriormente, a doutrina australiana recebeu, também,

influência norte-americana. Em seu capítulo oito, descreve três Tarefas Básicas, apresentadas

como Conceitos Estratégicos Marítimos, que se assemelham às missões criadas pelo

Almirante Turner (AUSTRÁLIA, 2010, p. 71):

- CAM;

- Negação do Mar; e

- Projeção de Poder Marítimo.

4 Canadá

A Marinha Canadense publicou em 2001 um importante documento doutrinário

denominado Leadmark: The Navy’s Strategy for 2020. Este documento encontra-se disponível

para acesso na internet55, possuindo uma apresentação moderna e bem programada

visualmente, o que denota o profissionalismo com que a doutrina é tratada. Assim como na

Doutrina Marítima Australiana, neste documento percebe-se a influência recebida tanto do


______________
55
http://www.navy.dnd.ca/leadmark/pdf/ENG_LEADMARK_FULL_72DPI.PDF
146

Reino Unido quanto dos EUA. A classificação das atividades realizadas por seu PN é

descritas no formato sugerido por Booth e Grove, mas utiliza denominações similares às

missões da USN (CANADÁ, 2001, p. 30-34).

Assim como na teoria de Booth e Grove, a doutrina canadense destaca a

importância da interdependência das funções e tarefas de sua marinha por meio da

representação do triângulo do uso do mar, simultaneamente com as interseções dos círculos

de tarefas. A FIG. 12 apresenta uma representação genérica deste triângulo. A Marinha

Canadense buscou, também, atualizar as tarefas e funções representadas.

FIGURA 12 – As funções e tarefas genéricas - Marinha Canadense


Fonte: CANADÁ, 2001, p. 34.

A Marinha Canadense, neste documento, após apresentar a representação genérica

do triângulo do uso do mar, faz uma análise de sua história e prospecta seu futuro. A FIG. 13
147

apresenta um diagrama no qual são descritas as relações entre as funções e tarefas desta

marinha com os cenários de emprego. A própria doutrina destaca que algumas funções são

habilitadoras para outras, como: Comando do Mar, Domínio do Campo de Batalha, Manobra

Marítima e Cooperação Civil-Militar.

FIGURA 13 – As funções e tarefas da Marinha Canadense e seus Cenários


Fonte: CANADÁ, 2001, p. B2.
148

A doutrina canadense prossegue sua análise para conceber como deverá ser o

futuro emprego de sua marinha em 2020. Esta concepção está representada no diagrama da

FIG. 14, que é uma evolução do da FIG. 12, onde foram introduzidas adaptações próprias da

Marinha Canadense. As funções apresentadas possuem as seguintes subdivisões:

- Função Militar: - CAM, Negação do Uso do Mar, Esquadra em Potência e

Projeção de Poder Marítimo;

- Função Diplomática: Desdobramento Preventivo, Coerção, Operações de

Interdição Marítima, Operações de Apoio à Paz, Operações de Evacuação de

Não-Combatentes, Cooperação Civil-Militar, Uso Simbólico, Presença,

Assistência Humanitária, Construção de Confiança, Diplomacia;

- Função Constabular: Patrulhas de Garantia da Soberania, Ajuda ao Poder Civil,

Assistência a outros Departamentos Governamentais, Busca e Salvamento,

Alívio a Desastres, e Gerência de Oceanos.


149

FIGURA 14 – As funções e tarefas da Marinha Canadense para o século XXI


Fonte: CANADÁ, 2001, p. 99.

5. Chile

A Doutrina Marítima da Armada do Chile em vigor foi publicada em 2009. Trata-

se de um documento de fácil acesso, disponível na internet56, com diagramação amigável e

fotos e gráficos bem elaborados, nos mesmos moldes dos documentos doutrinários da USN e

da RMB. Seu conteúdo é bem atualizado em relação às principais correntes e conceitos

doutrinários em voga em outros países.

Com relação às TBPN, a Armada do Chile adotou uma categorização ternária


______________
56
http://www.armada.cl/prontus_armada/site/artic/20091020/asocfile/20091020181103/doctrina_maritima.pdf
150

muito similar à britânica. Ela reuniu todas as tarefas em três grandes grupos:

- Operações Militares de Guerra;

- Operações Militares de Não-guerra; e

- Função de Contribuição para o Desenvolvimento Nacional.

A doutrina chilena estabelece que estas operações e funções requerem a execução

de ações de caráter militar, policial ou benéfico. Como se pode notar, a mesma classificação

da doutrina britânica (CHILE, 2009, p. 85).

Dentre as Operações Militares de Guerra, a doutrina chilena elenca as seguintes

funções (CHILE, 2009, p. 89-92):

- CAM;

- Projeção de Poder Militar através do Mar;

- Contra Ameaças Assimétricas;

- Desdobramento Preventivo;

- Operações de Coerção57;

- Defesa de Costa; e

- Transporte Marítimo Estratégico.

Dentre estas tarefas militares, destacam-se: a preparação desta armada para

enfrentar as ameaças assimétricas, como o terrorismo, a pirataria e o narcotráfico; e a

elevação ao nível de função do Transporte Marítimo Estratégico, nos mesmos moldes das

doutrinas da USN e da RMB. A Deterrência e a Dissuasão não são comentadas nesta doutrina.

A NUM é parte integrante do CAM, que é definido da seguinte forma:

São aquelas [tarefas] que visam a alcançar a condição que existe quando há
suficiente liberdade de ação para o uso do mar para seu próprio benefício ou para
______________
57
Segundo a Doutrina Marítima chilena, as Operações de Coerção são aquelas que visam a “quebrar a vontade
do adversário usando força gradual ou a ameaça de usá-la” (CHILE, 2009, p. 92, tradução nossa).
151

prejudicar essa liberdade ao adversário ao negar a sua utilização. Assim, o seu efeito
é dual: positivo para a própria força e negativo para o oponente (CHILE, 2009, p.
89, tradução nossa).

Outro ponto muito interessante é a categorização da atividade defesa de costa

como tarefa, sua explanação incorpora modernos conceitos de defesa em profundidade,

desdobrando camadas sucessivas com diferentes sistemas armas:

[A Defesa de Costa] se opõe às operações de projeção adversária contra litoral


próprio, e é destinada a proteger objetivos importantes. É responsabilidade e
preocupação permanente da Marinha, manter essas capacidades. Quando a ameaça é
uma invasão da própria costa, esta defesa assume o caráter conjunto, sendo de
responsabilidade de todas as forças responsáveis pela defesa; [...]. Essa defesa é
desenvolvida interpondo-se sucessivas barreiras defensivas em profundidade em
relação ao avanço da ameaça, em que cada força participa coordenadamente, no
momento ou lugar favorável, de acordo com o alcance de suas armas (CHILE, 2009,
p. 92, tradução nossa).

As Operações Militares de Não-guerra abrangem: as Operações de Paz;

Operações de Manutenção da Paz; Operações de Imposição da Paz; Implantação de Sanções e

Embargos; Operações de Evacuação de Não-combatentes; Operações de Extração58;

Operações de Recuperação59; Proteção do Tráfico Marítimo; Aplicação da Lei contra Delitos;

Mitigação de Desastres; Operações de Contribuição à Confiança Mútua; e Consolidação de

Políticas Especiais de Estado. Esta classe de tarefas, também, apresenta atividades que

passaram, recentemente, a constar, explicitamente, de missões de marinhas, como a USN e

RMB, como a proteção ao tráfico marítimo, a aplicação da lei no mar e a construção de

parcerias como um degrau para a defesa (CHILE, 2009, p. 96-101).

As Funções de Apoio ao Desenvolvimento Nacional, por sua vez, abrangem:

Apoio à Antártica; Segurança à Navegação; Busca e Resgate; Fiscalização e Controle

(Autoridade Marítima), Proteção de Recursos Marítimos Vivos; Assistência Humanitária e

Mitigação de catástrofes Nacionais; Alerta de Tsunamis; Interdição Marítima; Apoio a Áreas

______________
58
Segundo a Doutrina Marítima chilena, as Operações de Extração são aquelas que “compreendem o apoio
necessário fornecido por força marítima, ou outra força militar, para dar segurança à retirada de forças
combatentes de uma região em crise” (CHILE, 2009, p. 99, tradução nossa).
59
Segundo a Doutrina Marítima chilena, as Operações de Recuperação são aquelas que “consideram a busca,
localização, resgate e recuperação de pessoal, restos humanos, equipamentos sensíveis à segurança, ou material
valioso, de uma região de crise” (CHILE, 2009, p. 99, tradução nossa).
152

Isoladas e Ilhas; Promoção de Interesses Marítimos; Desenvolvimento da Indústria Naval; e

Proteção da Identidade e Cultura nacional. Da mesma forma que as funções anteriores, esta

também incorpora missões contemporâneas como a assistência humanitária, a mitigação de

crises e as interdições marítimas (CHILE, 2009, p. 102-111).

Esta Doutrina Marítima mostra-se bastante atualizada, e com uma amplitude de

tarefas bastante abrangente, incorporando, conforme dito, modernos conceitos de emprego do

PN, originários da USN e da RMB.

6 Coreia do Sul

A Marinha da República da Coreia, segundo o Livro Branco de Defesa60 de seu

país, deve proteger os interesses nacionais, por meio da defesa de costa e da proteção de suas

LCM e de seus recursos marítimos. Sua doutrina categoriza suas operações nas seguintes

funções (COREIA DO SUL, 2008, p. 101; 2011):

- Deterrência: manutenção da força no estado da arte e demonstração de força;

- Controle Marítimo;

- Projeção de Força Marítima;

- Proteção da Soberania Marítima;

- Proteção de Interesses Nacionais; e

- Contribuição para a Paz.

______________
60
O Livro Branco de Defesa da República da Coreia encontra-se disponível em:
http://merln.ndu.edu/whitepapers/SouthKorea_English2008.pdf
153

7 Espanha

O Livro Branco de Defesa da Espanha61 estabelece que a missão principal de sua

armada é garantir o livre uso de rotas marítimas, tendo em vista ser a Espanha um país com

um extenso litoral, grande dependência do comércio marítimo e da exploração de recursos

marítimos. A outra missão citada é o exercício de influência, a partir do mar, sobre áreas de

operações costeiras, distantes do território nacional. A Armada Espanhola teria, portanto, duas

Tarefas Básicas: CAM e PPT (ESPANHA, 2000, p. 193).

8 França

A França possui o segundo maior espaço marítimo sob sua responsabilidade.

Manter a soberania sobre esta área é uma das principais funções da Marinha Francesa. Em seu

site oficial62 apresenta as seguintes missões para o seu PN (FRANÇA, 2011; BAUZON,

2010):

- Proteção: proteção da população e dos interesses franceses, inclui o controle e o

monitoramento de espaços de interesse e de acessos, o combate às tradicionais

ou novas ameaças, como o terrorismo e a pirataria, e proteção do comércio

marítimo. A proteção do território é feita por meio de um sistema escalonado

de vigilância e intervenção desde o alto-mar até a costa (defesa de costa em

camadas), envolvendo uma estreita coordenação entre as forças e entre

ministérios. A proteção da soberania nas águas jurisdicionais francesas ocorre

por meio das “Ações de Estado no Mar” e da Segurança Marítima que

______________
61
O Livro Branco da Defesa da Espanha encontra-se disponível em:
http://merln.ndu.edu/whitepapers/Spain_English2000.pdf
62
http://www.defense.gouv.fr/english/navy/missions2
154

abrangem a proteção de pessoas e dos recursos naturais;

- Prevenção: visa a impedir que uma crise se desenvolva, envolve operações

antiterrorismo ou contra o tráfico ilegal e o desdobramento preventivo em

locais de crise. Com a Diplomacia Naval emprega o PN para estreitar laços e

prestar apoio à política externa francesa, bem como para permanecer nas

proximidades dos focos potenciais de crises. Na cooperação naval desenvolve-

se a interoperabilidade com outras marinhas e estreitam-se os laços;

- Antecipação e Conhecimento: esta missão é necessária para o combate às novas

ameaças, a mobilidade dos meios navais que podem ser empregados em áreas

de interesse, facilita a coleta de dados;

- Intervenção: projetar poder, operações de combate aéreo baseadas no mar,

liberar reféns, perseguir perpetradores de ações terroristas, evacuação de não-

combatentes, garantir a manutenção da paz no contexto de uma coalizão, e

executar embargos; e

- Deterrência: baseada na capacidade de lançar misseis balísticos com ogivas

nucleares, seja a partir de submarinos com propulsão nuclear ou de aeronaves

projetadas de seu navio aeródromo.

9 Índia

As Tarefas Básicas da Marinha Indiana são detalhadas em sua Estratégia Militar

Marítima, que foi publicada em 2007 e que substituiu a versão anterior de 1989. Por meio

deste documento, a Marinha Indiana passou a adotar a postura concebida por Corbett, na qual

a principal função da marinha é influenciar eventos em terra. Antes, sua estratégia previa

como atividades principais: a NUM em águas distantes, o CAM (Sea Control) em águas
155

afastadas ou próximas à costa; e a proteção do tráfico e das plataformas costeiras. Nesta nova

postura operacional, a estratégia prescreve duas formas de atuação, a indireta, com a negação

estratégica de commodities, ou a direta, com ataques contra a terra a partir do mar. Para tanto

a Marinha Indiana pretende reforçar sua capacidade expedicionária, que passou a ser sua

prioridade. As operações de controle ou negação do uso do mar continuam, no entanto, a ter

importância, pois são elas que possibilitam, junto com o MDA, tanto as operações

expedicionárias, quanto as de defesa de costa (ÍNDIA, 2007, p. 99-101):

A nova estratégia reconhece que influenciar eventos na terra é uma das


principais funções da Marinha Indiana. Isso, por si só, se traduz na
capacidade de realizar operações no litoral, embora de uma forma faseada.
Importantes contribuições, como um melhor MDA, manobra a partir do
mar, Controle de Área Marítima, Negação do Uso do Mar, guerra no litoral e
operações anfíbias, que possibilitam a realização de operações expedicionárias têm
sido reconhecidos (ÍNDIA, 2007, p. 119, tradução nossa).

Essa estratégia marítima classifica as operações em quatro grupos de funções

(ÍNDIA, 2007, p. 71):

- Militar;

- Diplomática;

- Constabular; e

- Benigna.

Este tipo de categorização guarda certa semelhança com a da RMB, apesar de usar

quatro, ao invés de três, grupos. Ela faz uma diferenciação entre a função benigna e a

diplomática, enquanto a doutrina marítima da RMB reúne as duas sob a denominação de

benigna, e Grove e Booth sob a denominação de diplomática.

A função militar na Marinha Indiana compreende as seguintes tarefas:

- CAM (Sea Control) e NUM, ou Guerra no Mar, como o Bloqueio e a Proteção

de LCM; e

- Guerra no Litoral, ou guerra a partir do mar, como as Operações Anfíbias e as


156

Manobras Expedicionárias Marítimas.

A estratégia para o desenvolvimento da Diplomacia Marítima abrange as

seguintes missões (ÍNDIA, 2007, p. 83-89):

- Cooperação Marítima: cooperação para segurança e defesa estratégicas,

cooperação com a indústria e tecnologia de defesa, cooperação de marinha para

marinha e apoio à diáspora indiana;

- Coerção;

- Projeção de Poder: Mostrar Bandeira e Presença Naval para reafirmar alianças e

dissuadir inimigos.

- Construção de Alianças: acesso a bases, e exercícios e patrulhas conjuntas;

- Assistência Marítima Internacional: adestramento, infraestrutura naval, e

hidrografia; e

- Assistência Humanitária Internacional: Assistência a Desastres e Evacuação de

Não-combatentes.

A Guarda Costeira Indiana foi estabelecida em 1978. Desde esta data, a marinha

transferiu para ela a maioria das tarefas constabulares dentro da Zona Marítima Indiana. Nesta

região a marinha tem a tarefa de garantir a defesa dos ativos econômicos marítimos. A função

constabular é composta pelas seguintes tarefas (ÍNDIA, 2007, p. 89-94):

- Operações Marítimas de Baixa Intensidade, que em inglês recebe a sigla de

LIMO de Low Intensity Maritime Operations: operações antiterrorismo; e

- Manutenção da Boa Ordem no Mar: Operações Antipirataria e Contra o

Narcotráfico.
157

Algumas atividades da função benigna são de responsabilidade da Guarda

Costeira Indiana, como o controle da poluição e Busca e Salvamento. Outras tarefas são da

responsabilidade da Marinha Indiana (ÍNDIA, 2007, p. 94-96):

- Construção Nacional: desenvolvimento da mentalidade marítima;

- Pesquisa Hidrográfica;

- Evacuação de Não-combatentes; e

- Assistência Humanitária e Resposta a Desastres.

A Deterrência Nuclear, a Deterrência Convencional e as Operações de Paz não

são incluídas em nenhuma das funções da Marinha Indiana, constituindo categorias à parte. A

estratégia faz referência ao fato de que a guerra no mar ocorre em quatro dimensões:

superfície, submarina, aérea e eletromagnética.

A FIG. 15 apresenta um quadro, no qual a Marinha Indiana pretende apresentar as

várias tarefas e missões que, segundo sua estratégia marítima, podem ser realizadas pelas

marinhas do mundo. A indicação da capacidade das marinhas (large, medium e small)

necessária para a realização de cada missão pretende ilustrar o “Imperativo da Cooperação

Marítima Internacional” (ÍNDIA, 2007, p. 71-73).

A Estratégia Militar Marítima da Índia é apresentada de forma ostensiva, podendo

ser acessada pela internet63. Possui uma diagramação amigável, com muitas fotos.

______________
63
http://indiannavy.nic.in/maritime_strat.pdf
158

FIGURA 15 – As funções e tarefas da Marinha Indiana


Fonte: ÍNDIA, 2007, p. 72.
159

10 Portugal

A Estratégia Naval Portuguesa estrutura as funções e tarefas de sua marinha em

uma representação triangular (FIG. 16) que se assemelha aos triângulos de Booth e Grove.

Além de terem alterado algumas denominações, os estrategistas portugueses expandiram o

triângulo original, decompondo cada um de seus lados em outros três triângulos. As funções

fundamentais, do primeiro triângulo, são (PORTUGAL, 2010b, p. 75):

- Defesa Militar e apoio à Política Externa;

- Segurança e Autoridade do Estado; e

- Desenvolvimento Econômico, Científico e Cultural.

A função fundamental de Defesa Militar e Apoio à Política Externa é realizada, na

maioria das vezes, no contexto de organizações internacionais como a ONU, a União

Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Baseia-se no uso, efetivo ou

potencial, da força naval para “salvaguardar a soberania e a independência nacionais, garantir

a paz, a estabilidade e a segurança internacional” (PORTUGAL, 2010b, p. 76). O triângulo

desta função apresenta as seguintes tarefas:

- Defesa Militar Própria e Autónoma: missão fundamental da Marinha

Portuguesa;

- Defesa Coletiva e Expedicionária: reforço da Presença Naval; e

- Proteção dos Interesses Nacionais e Diplomacia Naval: Evacuação de Não-

combatentes, Diplomacia Naval e Relações Internacionais.

A função fundamental de Segurança e Autoridade do Estado garante o exercício

da jurisdição sobre os espaços marítimos nacionais, compreendendo as seguintes tarefas


160

(PORTUGAL, 2010b, p. 76):

- Segurança Marítima e salvaguarda da vida humana no mar: Busca e Salvamento,

e Prevenção e Combate à Poluição do Mar;

- Vigilância, Fiscalização e Policiamento: Fiscalização dos Espaços Marítimos, a

proteção dos recursos e a repressão de ilícitos marítimos; e

- Estados de Exceção e Proteção Civil: participação dos meios da marinha nos

Estados de Sítio e de emergência e nas atividades de resposta a catástrofes.

A função fundamental de Desenvolvimento Económico, Científico e Cultural

abrange as seguintes tarefas (PORTUGAL, 2010b, p. 76-77):

- Fomento Econômico: parcerias em projetos de desenvolvimento científico

tecnológico, formação de capital humano, apoio logístico naval;

- Investigação Científica; e

- Cultura: promoção da cultura marítima portuguesa.

A doutrina portuguesa estabelece de forma que a concretização dessas funções

“passa, em boa medida, por elementos transversais, comuns e interdependentes, designados

por dimensões essenciais das operações da Marinha, entre as quais se salientam a projecção

de força, a presença e a superioridade de decisão” (PORTUGAL, 2010b, p. 88). Além desta

interdependência entre as tarefas, ela salienta que a Projeção de Força visa a influenciar os

acontecimentos “no mar” e “a partir do mar”.


161

FIGURA 16 – As funções e tarefas da Marinha Portuguesa


Fonte: PORTUGAL, 2010a, p. 75.

12 Rússia

A Rússia, em seu site oficial64, apresenta as seguintes tarefas para o seu PN

(RÚSSIA, 2011):

- Deterrência;

- Proteção da Soberania: nas águas territoriais e interiores, na ZEE e Plataforma

Continental;

- Segurança das Atividades Econômicas Marítimas;

______________
64
http://eng.mil.ru/en/structure/forces/navy.htm
162

- Presença Naval; e

- Participação em Ações Militares, de Manutenção da Paz e Humanitárias.

A Marinha Russa prevê, ainda, o cumprimento de diversas tarefas e operações que

podem ser executadas em períodos de paz, crise ou guerra. A Defesa de Costa é uma das

tarefas que deve ser executada nos três períodos.

13 Síntese

A TAB. 2, a seguir apresentada, consolida algumas informações sobre a forma da

categorização do emprego do PN, de acordo com a doutrina marítima dos países analisados

neste apêndice, acrescido do Reino Unido. Ao apresentar de forma tabular as diversas funções

e tarefas, busca-se salientar as convergências e divergências de abordagens e de influências

doutrinárias destas marinhas.


163

TABELA 2

Consolidação das Funções, Missões e Tarefas Básicas de Marinhas do Mundo

CORÉIA DO SUL
ÁFRICA DO SUL

REINO UNIDO
AUSTRÁLIA

PORTUGAL
PAÍS

ESPANHA
CANADÁ

FRANÇA
MARINHA

RÚSSIA
CHILE

ÍNDIA
Triângulo de Booth e Grove ou similares* x x x x .. .. .. x x x ..
Militar – CAM (no mar) x x x .. .. .. .. x .. x ..
Militar – PPT (a partir do mar) x x x .. .. .. .. x .. x ..
Militar de Guerra .. .. .. x .. .. .. .. .. .. ..
Militar de Não Guerra .. .. .. x .. .. .. .. .. .. ..
Diplomática x x x .. .. .. .. x .. .. ..
Policial x .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Constabular .. x x .. .. .. .. x .. x ..
Funções** Contribuição para o
Desenvolvimento Nacional
.. .. .. x .. .. .. .. x .. ..
(Desenvolvimento econômico,
científico e cultural)
Benigna .. .. .. .. .. .. .. x .. x ..
Defesa militar e apoio à política
.. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
externa
Segurança e autoridade do Estado .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
164

CORÉIA DO SUL
ÁFRICA DO SUL

REINO UNIDO
AUSTRÁLIA

PORTUGAL
PAÍS

ESPANHA
CANADÁ

FRANÇA
MARINHA

RÚSSIA
CHILE

ÍNDIA
CAM (Sea Control) x x x x x x .. x .. x ..
Projeção de Poder x x x x x x x x x x ..
Presença Naval x x x .. .. .. .. x x .. x
Missões***
Deterrência (Nuclear ou
Convencional) (Estratégica ou .. .. .. .. x .. x x .. x x
Subestratégica)
Negação do Uso do Mar x x x .. .. .. .. .. .. .. ..
Esquadra em Potência .. .. x .. .. .. .. .. .. .. ..
Interdição e Ataque Marítimo
x x x .. .. .. .. .. .. x ..
(Ataque a Forças Navais)
Defesa de Costa (em Camadas) x x .. x x .. x x .. .. x
Proteção do Tráfego Marítimo
(Segurança Marítima - Controle
x x .. x .. .. .. x x x ..
Tarefas**** Naval - Plataforma de Petróleo e
Gás) (Transporte Marítimo)
Apoio a Operações em Terra e no Ar x x .. .. .. .. .. .. .. x ..
Busca e Salvamento x x x x .. .. .. .. x x ..
Assistência a Forças Estrangeiras
Aliadas (Contribuição à Confiança x x x x .. .. .. x .. x ..
Mútua – Cooperação)
Assistência Humanitária e Resposta
x x x x .. .. .. x .. x ..
a Desastres
165

CORÉIA DO SUL
ÁFRICA DO SUL

REINO UNIDO
AUSTRÁLIA

PORTUGAL
PAÍS

ESPANHA
CANADÁ

FRANÇA
MARINHA

RÚSSIA
CHILE

ÍNDIA
Diplomacia Naval (Preventiva) (Uso
.. x x .. .. .. x .. x .. ..
Simbólico)
Sanções, Embargos e Quarentena x x .. x .. .. .. .. .. x ..
Proteção da Soberania Marítima .. .. x .. x .. .. .. .. .. x
Intervenção .. .. .. .. .. .. x .. .. .. ..
Manutenção da Boa Ordem no Mar
(Operações Contra Ameaças
Assimétricas – Operações Marítimas
de Baixa Intensidade - Antipirataria -
Contranarcotráfico) (Ações de
x x .. x .. .. x x x x ..
Tarefas**** Estado no Mar) (Aplicação da Lei
contra Delitos) (Vigilância,
Fiscalização e Policiamento)
(Prevenção e Combate à Poluição do
Mar) (Plataforma de Petróleo e Gás)
Coerção x x x x .. .. .. x .. x ..
Vigilância e Coleta de Inteligência x x .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Cobertura x x .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Operações de Força Avançada x x .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Contenção e Despistamento x x .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Operações de Barreira (Bloqueio) x x .. .. .. .. .. .. .. .. ..
166

CORÉIA DO SUL
ÁFRICA DO SUL

REINO UNIDO
AUSTRÁLIA

PORTUGAL
PAÍS

ESPANHA
CANADÁ

FRANÇA
MARINHA

RÚSSIA
CHILE

ÍNDIA
Assistência à Comunidade Civil
(Estados de Exceção e Proteção x x x .. .. .. .. .. x .. ..
Civil) (Cooperação Civil-Militar)
Proteção e Gerência de Recursos e
do Meio Ambiente (Segurança das
Atividades Econômicas Marítimas,
x x x x x .. x .. .. x x
Proteção da Pesca) (Gerência de
Oceanos) (Promoção de Interesses
Nacionais Marítimos)
Contribuição para a Paz
x x x x x .. .. x .. x x
Tarefas**** (manutenção, imposição, construção)
Desdobramento Preventivo .. .. x x .. .. .. .. .. .. ..
Operação de Evacuação de Não-
x x x x .. .. .. x x x ..
combatentes
Consolidação de Políticas Especiais
.. .. .. x .. .. .. .. .. .. ..
de Estado
Apoio à Antártica .. .. .. x .. .. .. .. .. .. ..
Alerta de Tsunamis .. .. .. x .. .. .. .. .. .. ..
Apoio a Áreas Isoladas e Ilhas .. .. .. x .. .. .. .. .. .. ..
Desenvolvimento da Indústria Naval
.. .. .. x .. .. .. .. x .. x
(Fomento Econômico)
167

CORÉIA DO SUL
ÁFRICA DO SUL

REINO UNIDO
AUSTRÁLIA

PORTUGAL
PAÍS

ESPANHA
CANADÁ

FRANÇA
MARINHA

RÚSSIA
CHILE

ÍNDIA
Proteção da Identidade e Cultura
.. .. .. x .. .. .. x x .. ..
nacional (Mentalidade Marítima)
Prevenção de Conflitos (Antecipação
.. .. .. .. .. .. x .. .. x ..
e Conhecimento)
Pesquisa Hidrográfica (Investigação
Tarefas**** .. .. .. .. .. .. .. x x x ..
Científica)
Defesa militar própria e autónoma .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Defesa coletiva e expedicionária .. .. .. .. .. .. .. .. x .. ..
Assistência a Refugiados .. .. .. .. .. .. .. .. .. x ..
Descarte de Artefatos Bélicos .. .. .. .. .. .. .. .. .. x ..
Fonte: ÁFRICA DO SUL, 2006; AUSTRÁLIA, 2010; CANADÁ, 2001; CHILE, 2009; COREIA DO SUL, 2008; ESPANHA, 2000; FRANÇA,
2011; BAUZON, 2010; ÍNDIA, 2007; PORTUGAL, 2010b; REINO UNIDO, 2004; RÚSSIA, 2011.

Nota: (*) Esta linha apresenta as marinhas cujas doutrinas marítimas foram influenciadas pelos estrategistas navais britânicos Booth e Grove;
(**) Funções do Poder Naval nos moldes concebidos por Booth e Grove ou com adaptações introduzidas pelas doutrinas dos países;
(***) Missões do Poder Naval nos moldes concebidos pelo Almirante Turner; e
(****) Tarefas do Poder Naval consideradas pelas marinhas, não devem ser confundidas com Operações ou Ações de Guerra Naval.
ANEXO A - DIAGRAMAS REPRESENTATIVOS DE TAREFAS BÁSICAS DO

PODER NAVAL

FIGURA 1 – A interdependência das TBPN em sua concepção original


Fonte: TURNER, 1974, p. 2.
169

FIGURA 2 – O triângulo do uso do mar de Booth


Fonte: BOOTH, 1977, p. 16.
170

FIGURA 3 – O primeiro e o segundo triângulos do uso do mar de Grove


Fonte: GROVE, 1990, p. 234-236.
171

FIGURA 4 – A roda marítima de output de Kearsley


Fonte: KEARSLEY, 1992, p. 192.
172

FIGURA 5 – As Tarefas Básicas do Poder Naval apresentadas no Seminário


Amazônia Azul pelo Almirante Monteiro. O almirante sugeriu
incluir as TBPN que estão pontilhadas. A interseção dos círculos
representa a interdependência das TBPN. A posição central da TBPN
de Controle de Área Marítima, em relação às demais, representa a
sua importância para a realização das outras tarefas.
Fonte: MONTEIRO, 2010b.
173

FIGURA 6 – As Tarefas Básicas do Poder Naval apresentadas no Seminário


Amazônia Azul pelo Almirante Öberg - 1. O Almirante Öberg
baseou-se no modelo do triângulo de Grove (FIG. 3) e substituiu a
função constabular por “Fiscalizador da Soberania”.
Fonte: ÖBERG, 2010; 2011.
174

FIGURA 7 – As Tarefas Básicas do Poder Naval apresentadas no Seminário


Amazônia Azul pelo Almirante Öberg - 2. O Almirante Öberg
baseou-se no modelo do triângulo de Grove (FIG. 3) e substituiu a
função East-West Confrontation por “Militar”. Este diagrama
enfatiza a interdependência entre as funções por meio da interseção
dos círculos.
Fonte: ÖBERG, 2010; 2011.
ANEXO B - A AMAZÔNIA AZUL

Extensão da Plataforma
Continental
2
proposta  960 mil km

FIGURA 17 – Limites da ZEE e da Plataforma


Continental que conformam a
Amazônia Azul
Fonte: FERREIRA, 2011.
ANEXO C - HISTÓRICO DE AMEAÇAS AO LITORAL BRASILEIRO

FIGURA 18 – Histórico das principais ameaças ao litoral brasileiro


Fonte: ALVES, 2004, p. 31.
ANEXO D - ANTIACESSO E NEGAÇÃO DE ÁREA

FIGURA 19 – Capacidades antiacesso e de negação de área em uma defesa integrada. A


capacidade antiacesso abrange, do mais distante para o mais próximo da
costa a ser defendida: ataques não-convencionais aos locais de apoio ao
embarque, emprego e manutenção de forças em combate; ataques
cibernéticos e espaciais às redes e sistemas de apoio ao embarque, emprego
e manutenção destas forças; mísseis balísticos de teatro e submarinos;
mísseis balísticos antinavio e navios de superfície; mísseis de cruzeiro
antinavio e aeronaves de asa fixa; e embarcações de ataque, mísseis
superfície-ar, aeronaves de asa rotativa, e sistema de veículos aéreos não-
tripulados. As camadas da capacidade de negação de área se superpõe às
duas últimas da de antiacesso, ao todo a capacidade de negação de área
possui as seguintes camadas: mísseis de cruzeiro antinavio e aeronaves de
asa fixa; embarcações de ataque, mísseis superfície-ar, aeronaves de asa
rotativa, e sistema de veículos aéreos não-tripulados.; e artilharia, morteiros,
foguetes guiados e mísseis, unidades terrestres de manobra e artilharia
antiaérea.
Fonte: EUA, 2011a, p. 9.
178

FIGURA 20 – Sistema de defesa em camadas. A escala de cores (do amarelo para o


vermelho) indica a intensificação do Poder de Combate na medida em que
uma força adversa se aproxima do núcleo da defesa. No círculo mais
afastado estão as forças de operações especiais e de ataque cibernético. No
próximo círculo estão os mísseis balísticos de teatros e intercontinentais e
os submarinos. Nos dois círculos que se seguem estão os mísseis antinavio
balísticos e de cruzeiro e os submarinos. No quinto círculo estão artilharia
de costa com munições guiadas de precisão, aviação, mísseis antinavio de
cruzeiro e mísseis superfície-ar. O último círculo dispõe de minas, pequenas
embarcações e artilharia antiaérea.
Fonte: EUA, 2010c, p. 7.
179

FIGURA 21 – Sistema antiacesso e negação de área da China. Percebe-se o emprego


combinado de satélites, mísseis lançados de terra, mar e ar, submarinos e
aeronaves. A variação de cor, do laranja (mais distante da costa) para o
vermelho (mais próximo), indica que a intensidade da resistência deve
crescer à medida em que a ameaça se aproxima da costa. No círculo mais
afastado, nota-se o alcance dos SSN da classe Shang com mísseis YJ-82,
satélites de pesquisa oceânica, baterias de mísseis superfície-superfície
(CSS-5) e mísseis balísticos antinavio Dong Feng (DF-21). Numa segunda
linha de defesa, nota-se submarinos convencionais da classe Kilo e Song
com mísseis SS-N-27, destroyers da classe Sovremenny com mísseis SS-
N-22, aeronaves Sukhoi SU-30 e Xian H-6, com mísseis HY-4A e AS-18,
e baterias de mísseis superfície-superfície (CSS-6) e mísseis balísticos
antinavio (DF-15). O círculo interno de defesa é coberto pelas mesmas
baterias de mísseis (CSS-6, DF-15 e SS-N-27), por lanchas de ataque
rápidas com mísseis SS-N-22 e por radares de alcance além do horizonte.
Fonte: TOL, 2010, p. 10.
180

4ª 1ª


1ª 5ª



FIGURA 22 – Esboço de um sistema de defesa em camadas do litoral brasileiro.


1ª Camada - TBPN: Presença Naval (construção de parcerias, mostrar
bandeira), Projeção de Poder sobre Terra (Ajuda Humanitária,
Operações de Paz) e Segurança Marítima (Combate às Novas
Ameaças como a pirataria e narcotráfico)
2ª Camada - TBPN: Consciência Situacional Marítima
3ª Camada - TBPN: Negação do Uso do Mar (emprego de submarinos) e
Projeção de Poder sobre Terra (negação do uso de ilhas
oceânicas)
4ª Camada - TBPN: Controle de Área Marítima (“a mais eficiente defesa
que poderá ser articulada contra a projeção do poder inimigo
por mar” (BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3)) e Projeção de Poder
Sobre Terra (“controle de ilhas oceânicas e de áreas terrestres
que controlam áreas de trânsito ou onde estão localizadas as
bases inimigas” (BRASIL, 2004, cap. 3, p. 3)). Esta camada
protege as “duas áreas do litoral [que] continuarão a merecer
atenção especial, do ponto de vista da necessidade de controlar
o acesso marítimo ao Brasil: a faixa que vai de Santos a Vitória
e a área em torno da foz do rio Amazonas” (BRASIL, 2008, p.
12).
5ª Camada - TBPN: Controle de Área Marítima e Segurança Marítima

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