Compliance Legislação Pátria

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SUMÁRIO

1. CONCEITO E NOÇÕES GERAIS ........................................................... 3

2. DEVERES DO COMPLIANCE................................................................. 5

3. COMPLIANCE OFFICER ........................................................................ 7

4. LEI 9.613/1998 ...................................................................................... 13

5. LEI 12.683/2012 .................................................................................... 17

6. LEI 12.846/2013 .................................................................................... 24

6.1. Decreto nº 4954/13 do Estado de Tocantins ................................... 28

6.2. Decreto nº 60.106/14 do Estado de São Paulo ............................... 29

6.3. Decreto nº 10.271/14 do Estado do Paraná .................................... 29

6.4. Decreto Municipal nº 55.107/14 do Município de São Paulo........... 30

6.5. Decreto Regulamentar nº 8420/15 da União ................................... 31

6.6. A Portaria 909/15 da CGU .............................................................. 36

6.7. Decreto nº 46782/15 do Estado de Minas Gerais ........................... 38

6.8. Decreto Municipal nº 7177/15 do Município de Santos ................... 39

6.9. Decreto Municipal nº 207/15 do Município de Macaé ..................... 40

6.10. Decreto nº 3956/16 do Estado do Espírito Santo ............................ 41

6.11. Decreto nº 37296/16 do Distrito Federal ......................................... 43

6.12. Decreto nº 48.326/16 do Estado de Alagoas .................................. 46

7. ACORDO DE LENIÊNCIA ..................................................................... 47

7.1. Parâmetros do Acordo de Leniência ............................................... 49

7.2. Acordo de Leniência e a Responsabilidade Individual .................... 52

7.3. Acordo de Leniência e o Arrependimento Posterior ........................ 55

7.4. Acordo de Leniência e a relação entre sócio e administrador da


empresa ........................................................................................................ 56

7.5. Acordo de Leniência e o conflito de interesse entre sócio,


administrador e a própria empresa. ....................................................................... 58
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7.6. Acordo de Leniência e o Direito Processual Penal ......................... 59

7.7. Acordo de Leniência sem a Participação do Ministério Público -


Aspectos Práticos. ................................................................................................. 61

7.8. Acordo de Leniência e a improbidade administrativa. ..................... 63

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 65

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1. CONCEITO E NOÇÕES GERAIS1

Fonte: images.adsttc.com

Compliance vem do verbo em inglês “to comply”, que significa “cumprir”,


“executar”, “satisfazer”, “realizar o que lhe foi imposto”, ou seja, Compliance é estar
em conformidade, é o dever de cumprir e fazer cumprir regulamentos internos e
externos impostos ás atividades da instituição.
“Ser Compliance” é conhecer as normas da organização, seguir os
procedimentos recomendados, agir em conformidade e sentir o quanto é fundamental
a ética e a idoneidade em todas as atitudes humanas e empresariais.
“Ser e estar Compliance” é, acima de tudo, uma obrigação individual de cada
colaborador dentro da instituição.
“Risco de Compliance” é o risco de sanções legais ou regulamentos, perdas
financeiras ou mesmo perdas reputacionais decorrentes da falta de cumprimento de
disposições legais, regulamentares, código de conduta...
Entretanto, o conceito de “Compliance” vai além das barreiras legais e
regulamentares, incorporando princípios de integridade e conduta ética.

1 Texto extraído de Compliance e Governança Corporativa - Marcella Blok

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Portanto, deve-se ter em mente que, mesmo que nenhuma lei ou regulamento
seja descumprido, ações que tragam impactos negativos para os “stakeholders”
(acionistas, clientes, empregados etc.) podem gerar risco reputacional e publicidade
adversa, comprometendo a continuidade de qualquer entidade. Para qualquer
instituição, confiança é um diferencial de mercado.
Em geral, as leis tentam estabelecer controles e maior transparência, mas estar
em conformidade apenas com as leis não garante um ambiente totalmente em
Compliance. A efetividade do Compliance está diretamente relacionada à importância
que é conferida aos padrões de honestidade e integridade na instituição.
O Compliance deve começar pelo “topo” da organização, com o apoio da alta
administração para a disseminação da cultura de Compliance, com as atitudes dos
executivos seniores, que devem “liderar pelo exemplo”, e com o comprometimento
dos colaboradores, que devem se conduzir pela ética e idoneidade.
Compliance pressupõe a existência de uma norma ou regulamento, é, pois, o
conjunto de esforços para atuação em conformidade com leis e regulamentações
inerentes ás atividades, assim como elaboração e compromisso com códigos de ética
e políticas de conduta internas.
Trata-se, em outros termos, do ato de cumprir, de estar em conformidade e
executar regulamentos internos e externos, impostos às atividades da instituição,
buscando mitigar o risco atrelado à reputação e ao regulatório/legal.
Compliance é muito presente em instituições e empresas. Originada no
mercado financeiro, tem se estendido às mais diversas organizações privadas e
governamentais, especialmente àquelas que estão sujeitas à forte regulamentação e
controle.
As empresas que são fornecedoras ativas de governos, participantes de
licitações e atuantes no comércio exterior devem estar cientes e se adequar em
relação ao aperto nas regras anticorrupção.
Nos âmbitos institucional e corporativo, Compliance é o conjunto de disciplinas,
para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, a política e as diretrizes
estabelecidas para o negócio e para as atividades da instituição ou empresa, bem
como evitar detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer.
O termo Compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa
agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou pedido.

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Significa, pois, o ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas
reguladoras de determinado setor, conceito que provém da economia e que foi
introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento
das normas, não necessariamente de natureza jurídica.

2. DEVERES DO COMPLIANCE

Fonte: posgraduacaofortaleza.com.br

Os deveres de Compliance previstos na recente Lei de Lavagem de Dinheiro


corporificam no direito pátrio a tendência internacional de privilegiar no combate à
lavagem de dinheiro, a utilização de políticas preventivas ao invés da simples
intimidação que possa ser causada pelo recrudescimento das penas. Desse modo, as
obrigações administrativas introduzidas pela Lei 12.683/12 estabelecem o dever de
colaboração das entidades privadas na persecução criminal no setor das instituições
financeiras.
Em outras palavras, com as alterações havidas na Lei de Lavagem,
incorporaram-se ao ordenamento jurídico brasileiro os deveres de Compliance, que
há muito faziam parte da legislação estrangeira, em especial a norte-americana.
Assim, a nova redação dada ao inc. III do art. 10 da Lei 9.613/98 ao determinar que
as entidades e pessoas obrigadas pela Lei deverão adotar políticas, procedimentos e
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controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes
permitam atender ao disposto neste artigo e no art.11, na forma disciplinada pelos
órgãos competentes, estabeleceu expressamente quais são os deveres de
Compliance das instituições financeiras brasileiras.
Doutro modo, importante frisar que em razão da Resolução do Banco Central
2.554/98, declaradamente elaborada em atendimento às determinações do Comitê da
Basileia, assim como, em consonância às tendências mundiais sobre o tema foi
imposto às instituições financeiras que implantassem até 31 de dezembro de 1999,
sistemas de controles internos para as atividades desenvolvidas e, por essa razão,
desde o início do ano de 2000, os bancos brasileiros contam obrigatoriamente em
seus quadros com, pelo menos, um Compliance officer.
Relevante recordar que a globalização econômica obrigou o país a alinhar-se
às preocupações do mercado mundial relativas às regras de segurança para o
funcionamento das instituições financeiras. Com isso, essas entidades bancárias
foram compelidas a iniciar um ciclo de mudanças que encontra destaque nos deveres
de Compliance.
Em razão desse quadro, mesmo antes da Lei 12.683/12 sobre os deveres de
Compliance, de forma tácita, a redação original da Lei de Lavagem já contemplava
essa necessidade. Isso porque a obrigação de armazenar informações sobre clientes
(art. 9º), o dever de notificação das movimentações financeiras suspeitas de crime
(art. 10º) e o dever de notificação das movimentações financeiras suspeitas de crime
(art. 11º) estão presentes desde a redação original da Lei de Lavagem.
Desse modo, se por um lado não havia a expressa previsão legal do inciso III
do art. 10 da Lei 9.613/98, mas apenas a previsão normativa do Banco Central do
Brasil determinando a existência de um programa de Compliance que atendesse aos
rigores da lei, isso não seria exatamente uma novidade no universo das instituições
financeiras.
Contudo, saliente-se, há uma diferença significativa entre o primeiro e o
segundo momento da Lei de Lavagem de Dinheiro. Antes das recentes alterações,
apenas os bens provenientes de determinados crimes mais graves, como o tráfico de
drogas, por exemplo, podiam dar azo ao crime; todavia, no atual estágio da lei, a
ocultação do produto de qualquer crime ou até mesmo de contravenção penal típica
a lavagem de dinheiro. Nesse sentido, a observação que se faz é que a norma punirá

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com a mesma pena mínima aquele que lava o dinheiro decorrente da prática de um
crime grave, ou de mera contravenção penal, o que pode em efeitos práticos acentuar
a demanda quantitativa das obrigações do Compliance officer.

3. COMPLIANCE OFFICER

Fonte: www.kmblegal.com

O Compliance officer é o profissional responsável pela avaliação dos riscos


empresariais, incumbindo a ele a elaboração de controles internos com o objetivo de
evitar ou diminuir os riscos de uma futura responsabilização, civil, administrativa ou
penal.
A contratação de Compliance officers passou a ser exigida pela Comissão de
Valores Mobiliários dos Estados Unidos da América em 1960, para criar
procedimentos internos de controles, treinamento e monitoramento de pessoas, a fim
de auxiliar nas áreas de negócios supervisionadas.
Desse modo, o Compliance Officer deverá impedir a prática das condutas
associadas à corrupção, à subvenção da prática de atos ilícitos, e as fraudes nos
procedimentos licitatórios, especialmente, por meio da implementação de um
programa de Compliance efetivo.

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Destarte, o Compliance Officer, ao assumir essa posição assume também uma
função complexa e arriscada, exposto à responsabilização criminal por dolo, culpa ou
omissão relevante em razão do assessoramento jurídico deficiente ou incompleto.
As atividades inerentes à função desempenhada pelo Compliance Officer são
imprescindíveis para o bom funcionamento das instituições que compõem o mercado
financeiro. Mais do que isso, o ambiente normativo no qual os bancos estão inseridos
torna obrigatória e indispensável a sua existência para o bom funcionamento
empresarial, e ainda que perante os órgãos fiscalizadores, tais como Banco Central
do Brasil e o COAF, não seja ele o representante oficialmente indicado, sua identidade
facilmente será revelada.
Conclui-se que Compliance officer desempenha uma função em evidência na
instituição financeira, o que acaba por dificultar a omissão da identidade do verdadeiro
garantidor. Dessa forma se perante os órgãos fiscalizadores um laranja ocupar
ficticiamente a função de Compliance officer, buscando com isso ocultar sua real
identidade, os conceitos doutrinários que envolvem a autoria mediata parecem ser
suficientes para solucionar a questão.
Importante esclarecer que a figura do sócio laranja melhor se encaixa no
espaço ocupado pelas empresas de capital fechado nas quais o ambiente regulatório
ainda não se faz presente. As empresas de capital aberto, por sua vez, especialmente
as instituições financeiras, estão sujeitas à forte regulamentação e controle, tanto das
autoridades públicas como também do próprio mercado financeiro. Assim, em razão
dos princípios globalizados de governança corporativa estão obrigadas a impedir a
prática do crime através dos mecanismos de controles internos necessariamente
presentes na sua estrutura de funcionamento. Nesse contexto, seria um absoluto
contrassenso que a função primordial no combate à lavagem de dinheiro neste tipo
de empresa fosse justamente ocupada por um “testa de ferro”.
Em contraponto, importante salientar que, dificilmente a significativa figura do
sócio oculto no direito penal será atrelada a do Compliance officer. Em tal hipótese
corriqueira na casuística, não raras vezes o verdadeiro sócio elege um sócio fictício,
um laranja, para representa-lo formalmente na sociedade, com a finalidade única de
que seja atribuída a essa pessoa eventual responsabilidade por práticas criminosas
no âmbito empresarial.

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Em regra, o sócio “laranja” não participa verdadeiramente da administração da
empresa, e em alguns casos, pode até mesmo desconhecer o fato de que seu nome
está sendo utilizado para fins criminosos, muito embora, não seja menos frequente
que em outras hipóteses possa ser ele recompensado financeiramente para aquiescer
com fraude, ou mais do que isso, para assumir perante as autoridades públicas a
responsabilidade criminal, ocultando e mantendo na impunidade o verdadeiro
responsável pela prática delitiva. No universo normativo do Compliance officer,
entretanto, essa situação é pouco provável.
Alinhados com a doutrina nacional e sua jurisprudência, infere-se que a
responsabilidade penal do garantidor do Compliance officer atuante nas instituições
financeiras, sempre deverá ser individualizada, sendo, nesse processo, todos
princípios inerentes ao direito penal.
Questão um tanto quanto heterodoxa é a seguinte; o Compliance officer pode
ocupar posição de garante e ser responsabilizado por um crime omissivo impróprio?
A ele podem ser imputados resultados lesivos ao ambiente?
Essa preocupação com a determinação e a delimitação da responsabilidade
daquele que atua como Compliance officer faz sentido, sobretudo, em razão da
reinvenção estrutural e organizativa da atividade empresarial, que passa a assumir
programas preventivos orientados a evitar delitos no âmbito da atuação empresarial
e/ou a reparar os impactos produzidos por esses.
A adoção de uma teoria formal do dever jurídico, nos moldes do art. 13 § 2.º,
do Código Penal Brasileiro, aliada à previsão do art. 2º da Lei 9.605/1998, dispositivo
legal esse que dispõe que quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos
crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua
culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão
técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que,
sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando
podia agir para evitá-la, deve impulsionar a doutrina a se posicionar acerca do tema,
discutindo o verdadeiro papel do Compliance officer e a responsabilização desse
como autor ou partícipe de um crime omissivo impróprio no âmbito da atividade
empresarial.
Nesse contexto, é preciso advertir que o agasalho de uma perspectiva
exclusivamente formal da posição de garante pode comprometer uma delimitação

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adequada da responsabilidade penal do sujeito. Por outro lado, contudo, tomar por
base somente uma diretriz material pode conduzir a uma depreciação da legalidade
necessária para assegurar a liberdade do sujeito ante a incidência da intervenção
criminalizadora.
Diante da possibilidade de atribuição da responsabilidade penal com a mera
incidência da condição formal de garante, seria preferível a análise do domínio, porém,
a saber, não como fundamento único para atribuir um resultado a alguém, mas para
reforçar ou elidir a responsabilidade penal quando, embora formalmente ocupe a
posição de garante, não tenha o domínio atual sobre a causa essencial ou sobre o
fundamento do resultado. Assim, apenas quando figurar formalmente como garante e
tiver o referido domínio, será possível promover uma equiparação lógico-objetiva entre
ação e omissão.
No que diz respeito ao Compliance officer, verifica-se que este, mediante ato
de delegação do administrador empresário, assume os deveres de supervisão e de
vigilância do foco de perigo oriundo das atividades empresariais, adquirindo, a
princípio, o domínio por aquisição voluntária derivada. A responsabilidade do
Compliance officer dependerá, assim das funções e deveres que tenha assumido em
termos concretos. Logo, antes de se cogitar a atribuição automática de deveres de
garante ao responsável pela fiscalização do cumprimento das normas, técnicas e
procedimentos em determinada organização empresarial – traçados,
especificamente, no programa de criminal Compliance – deve-se constatar como de
fato ocorre a configuração material da posição do Compliance officer na empresa e
quais competências lhe são efetivamente atribuídas.
Infere-se que tal exame trará importantes reflexos para a exclusão de eventual
responsabilidade penal do Compliance officer por crimes omissivos impróprios
ambientais. Com efeito, embora o Compliance officer assuma formalmente deveres
de fiscalização do cumprimento das medidas preventivas, não possui, em regra,
capacidade executiva de evitar o resultado e tampouco possui o domínio atual sobre
a fonte de perigo.
Dessa forma, segundo o princípio do domínio, a suposta posição de garante do
Compliance officer se torna bastante questionável, já que unicamente exerce um
poder de fiscalização/controle, mas não influi nem está inserido no processo produtivo
empresarial interno e, por isso, tampouco exerce domínio sobre ele.

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Essas considerações se aplicam em parte às informações obtidas pelo
Compliance officer no cumprimento de medidas de prevenção de riscos no âmbito das
atividades empresariais por meio de inspeções e alertas para a eventual ocorrência
de determinados perigos. Concretamente, o Compliance officer exerce um domínio
informativo e, portanto, possui um dever com conteúdo delimitado: informar a
autoridade competente a fim de que esta possa tomar as devidas decisões. Contudo,
mesmo nesse cenário não seria cabível imputar-lhe a ocorrência de eventual resultado
lesivo, já que em momento algum tinha o domínio sobre a fonte geradora de perigo.
Ante a crise de validade e legitimidade presente nos crimes omissivos, cumpre
delimitar com cuidado seu âmbito de incidência e afastá-los sempre que – como ocorre
em relação aos Compliance officers- inexistam bases sólidas que permitam a
imputação do resultado e, consequentemente, autorizem a responsabilização penal.
Importante consignar que a atividade de Compliance officer, subsome-se em
implementar controles internos tendentes a prevenir e evitar o cometimento de atos
ilícitos, e essa função está hodiernamente vinculada às políticas de governança
corporativa alinhadas a preceitos éticos e a boas práticas empresariais. A ideia de
responsabilidade penal para alguns gestores, nesse contexto, parece ser um assunto
distante de sua área de atuação.
Nessa esteira, o que é preciso se atentar é que a principal função do
Compliance officer é a da prevenção, inovando na lógica da persecução penal, que
estava habituada a cuidar das condutas comissivas ou omissivas depois do direito
tutelado violado e, talvez, esteja aí a grande importância do criminal Compliance de
atuar no antecedente, mitigando riscos e evitando ilícitos.
Contudo, isso repercute na empresa numa intricada cadeia de
responsabilidades penais convergentes ao Compliance officer, mas, não findando
dele. Os gestores da alta administração que possuem ascendência sobre Compliance
officer também terão suas responsabilidades apuradas, pois a eles também cabe a
incumbência do dever de vigilância.
Ocorre que tal afirmativa não é pacífica e tampouco integralmente aceita pela
doutrina nacional quando se imagina a figura ilustrativa da omissão imprópria do
direito penal, que comete aquele que tem dever legal ou contratual de garantidor. No
caso de um Compliance officer submetido a uma atividade complexa que a incidência

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da norma penal não se faça clara e em que uma ação na mesma medida possa
parecer ilegal, como exigir dele a certeza da conduta? Seria razoável?
E mais: no caso de condutas que possam parecer ilegais e seja preferível
abster-se de exercê-las, abrir-se-ia um paradoxo ao se pensar que elas também
possam parecer legais e, assim sendo, haveria uma margem de conduta lícita sendo
abdicada pela incerteza da incerteza da incidência de uma norma incriminadora.
Portanto, poderia o Estado interferir nessa área cinzento de incerteza?
Sendo a resposta de tal questão afirmativa ou negativa, um fato é notável: o
Estado cada vez mais transfere ao particular as obrigações do policiamento do
cumprimento da norma. Antes, tal ente se preocupava em munir-se de técnicas e
possibilidades legais de fiscalizar a empresa de fora para dentro; agora não. Constata-
se uma clara estratégia inversa – a de iniciar a persecução de dentro para fora, e os
exemplos evidentes disso são o Compliance officer e a figura do whistleblower, que é
o denunciante das práticas ilícitas. Nos Estados Unidos, ele é premiado
pecuniariamente por esse ato. No Brasil, no Distrito Federal, há um projeto de lei
nesse mesmo sentido.
Nos Estados Unidos, mais amadurecido com o tema, a Society of Corporate
Compliance and Ethics, em seu código de ética destinado aos profissionais de
Compliance, prescreveu que, ao tomar conhecimento de qualquer decisão de sua
organização empregadora que, implementada, venha constituir má conduta, o
profissional de Compliance deverá recusar a consentir com a decisão, encaminhar o
assunto à alta administração e, se após tomar essas providências, a empresa
continuar na prática da atividade irregular, deve considerar entregar o seu cargo e
reportar a conduta para as autoridades públicas.
No Brasil, a figura do Compliance officer vem angariando maior evidência, e
teses que o incriminem também ganharão maior destaque. Portanto, a atividade deve
ser encarada com retidão, seriedade e compromisso com as normas vigentes.
Do exposto, conclui-se que a função de Compliance officer atrai a
responsabilidade de natureza penal, porém isso ainda é uma área em
desenvolvimento.

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4. LEI 9.613/1998

Fonte: www.omb.adv.br

O Poder Legislativo Brasileiro apressou-se em criar, em 1997, a Lei Sobre


Lavagem de Dinheiro, que foi publicada em março de 1998. Respondia ao clamor das
comunidades econômicas e jurídicas internacionais e à necessidade de preservar o
Sistema Econômico Nacional dos possíveis desequilíbrios causados pelos ‘lavadores’
de dinheiro, que, com simples operações por computador ou fax, transferem
importâncias consideráveis para paraísos fiscais.
Merece destaque o dado estatístico, que informa a respeito da existência de
um trilhão de dólares em circulação em todo o mundo, proveniente da ‘lavagem de
dinheiro’, importância que equivaleria ao oitavo P.I.B. do planeta, ou seja, ao do
Canadá. Esses dados causam estupefação; no entanto, sua divulgação parece-nos
precipitada, visto que o capital de procedência ilícita por certo é camuflado, o que nos
permite antever a possibilidade de ser este número impreciso.
Assim, evidencia-se a necessidade de integração de todos os países que
possuem uma política econômica séria para combater o problema, coibindo-o.
Analisando-se inicialmente o primeiro artigo da Lei 9.613/98, percebe-se a
intenção do legislador de tipificar a conduta, definindo-a no caput como a prática de:

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Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção; IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou
preço para a prática ou omissão de medidas administrativas;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa.
Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa.

Destaca-se aí a presença de crime derivado, ou seja, aquele que depende da


existência de outro crime precedente para existir.
Abordando individualmente quais seriam os ilícitos precedentes ao do crime de
lavagem de dinheiro, percebe-se a falha vestibular na elaboração do preceito, que
aponta o terrorismo e as práticas patrocinadas por organização criminosa (Lei
9034/95, que é uma verdadeira colcha de retalhos). Parece equivocada a alusão a
estes dois tipos que tratam de assuntos não definidos de forma regular pelo
ordenamento jurídico vigente, pois as leis existentes que atacam os temas dependem
de regulamentação complementar, ou não estão devidamente pacificadas no que
concerne à sua aplicabilidade. Ademais, os tipos relacionados nos incisos de I a VI
são de natureza fechada, não permitindo exploração interpretativa abrangente; no
entanto, o inciso VII, que aponta os delitos originários da atividade do crime
organizado, indica uma tendência antagônica, que abre um leque extenso para o
usuário e intérprete da Lei.
A pena prevista também merece referência, pois aflora branda ao extremo,
principalmente ao se tomarem como parâmetros outros delitos limitados pela Lei
Penal que podem ser praticados individualmente, sem concorrência de outrem, com
potencialidade ofensiva menor, embora apenados de forma mais severa. Este novo
ilícito, que ocorre geralmente com a participação de diversos agentes componentes
de quadrilhas com ramificações internacionais, originários de outras práticas
criminosas, tem a pena prevista menor do que a do crime de furto, por exemplo.
Não é adequado falar em pena de multa sem definição do quantum, pois corre-
se o risco de afundar no ridículo, com o arbitramento de valor irrisório, o que, em geral,
acontece no Brasil. Dever-se-ia aproveitar a previsibilidade constitucional que aceita
como modalidade de pena o confisco, perfeitamente adequado a esta situação.

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Do artigo segundo ao sexto, são previstos os procedimentos processuais,
desprovidos, em sua maioria, do merecido e necessário cuidado para evitar problemas
graves na aplicabilidade do novo texto. Sem maiores problemas, nota-se que o
procedimento escolhido para o processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei
é o ordinário, como, aliás, não poderia deixar de ser, abrindo-se, dessa maneira,
possibilidade para a apresentação da prova e o exercício da ampla defesa.
É de capital importância perceber que o processamento do feito que apura a
lavagem de dinheiro independe do julgamento dos crimes precedentes, praticados no
país ou fora dele (Princípio de Autonomia do Processo Penal). Para isso, basta que a
denúncia seja instruída com indícios do cometimento de qualquer dos ilícitos
elencados como precedentes. A competência exclusiva é da Justiça Federal, o que
se apresenta como a melhor, se não a única, solução, considerando-se que o crime
macula o Sistema Financeiro Nacional.
Somente se admite a modalidade dolosa no cometimento do ilícito, ao contrário
do que acontece com a legislação comparada – a espanhola, por exemplo –,
aceitando-se a figura do crime tentado, caso o ilícito seja praticado com a vontade
livre e consciente. Resta aos administradores que deixarem de noticiar operações
suspeitas – por negligência, imprudência ou imperícia –, depois de definido o limite
das operações carentes de regulamentação complementar e posterior, receber
punições no campo administrativo.
O parágrafo segundo do artigo segundo faz referência expressa à
inaplicabilidade do dispositivo previsto no artigo 366 do Código de Processo Penal,
que trata da obrigatoriedade da citação pessoal do acusado para a continuidade da
ação penal, nos atos que dependam da participação do réu. Por si só, isso representa
inconstitucionalidade, visto que fere diretamente o Princípio da Ampla Defesa.
Não bastasse esse primeiro conflito, ainda num arroubo para corrigir o erro
anteriormente praticado, expressa-se o legislador, no parágrafo terceiro do artigo
quarto, da seguinte forma: “Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o
comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos
necessários à conservação de bens, direitos ou valores, nos casos do artigo 366 do
Código de Processo Penal”.
Ora, num intervalo de apenas dois artigos, em texto composto de dezoito, o
legislador se contradisse, criando uma desconfortável insegurança na aplicação da

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norma. A cada novo despautério desta espécie, descaracteriza-se o dogma vigente
desde a Revolução Francesa, dos tempos de Robespierre e Rousseau, que diziam
ser o legislador infalível como legislante, por ser dotado do sopro divino.
Nova confusão de ordem acadêmica foi cometida no artigo terceiro, quando se
previu: “Art. 3 – Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e
liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu apelar em liberdade”. No mínimo estamos diante de uma
redundância: liberdade provisória é o gênero, e fiança, a espécie. A liberdade
provisória pode ser concedida com ou sem pagamento de fiança.
Também deveria ser atribuição do julgador dispor a respeito da possibilidade
de conceder-se a liberdade provisória, indicando, nessa oportunidade, o arbitramento
de fiança de considerável valor, de acordo com o volume das operações financeiras
processadas. Para isso, as medidas assecuratórias serão levantadas se a ação penal
não for iniciada no prazo de 120 dias, contados da data em que ficar concluída a
diligência.
Atenção redobrada deve ser dedicada ao parágrafo segundo do artigo quarto,
que, interpretado sem a devida cautela, pode ser considerado uma aberração
processual, caracterizando verdadeira inversão do ônus da prova. Assim se expressa
o legislador: “O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos
ou sequestrados quando comprovada a licitude de sua origem.” Obviamente, não se
quer aqui dizer que o acusado deva provar a ausência de sua culpa; o que se
pretende, a despeito da falta de qualidade do texto, é prever a possibilidade da
devolução dos bens bloqueados antes da sentença absolutória – seja ela
fundamentada no que for – se o acusado interessado em liberar seus bens produzir
prova suficiente e capaz de convencer o julgador da origem lícita de seus bens. Tal
explicação foi prestada pessoalmente pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Nelson Jobim – que, à época da edição da Lei, era Ministro da Justiça –, a mim e a
outros operadores do direito que compareceram à reunião patrocinada pela
FEBRABAN – Federação Brasileira dos Bancos.
Outra passagem interessante e merecedora de registro é o ‘privilégio’
reservado ao delator, que terá sua pena reduzida de 1/3 a 2/3, devendo cumpri-la
inicialmente em regime aberto, podendo o juiz, se assim julgar conveniente, deixar de
aplicá-la, ou substituí-la por pena restritiva de direitos.

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A eficácia preventiva do Direito Penal não pode exclusivamente ser garantida
pela Lei; deriva de uma estrutura previamente montada, que dê condições de
aplicabilidade à Lei, garantindo, desta forma, a preservação e certeza de sua eficácia.
Do artigo quatorze ao dezessete da Lei 9613/98, dispõe-se a respeito da
criação do órgão nominado e conhecido pela sigla COAF (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras), criado no Ministério da Fazenda, no âmbito de suas
atribuições, que vão desde a prerrogativa de disciplinar e punir administrativamente
até a de identificar ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.

5. LEI 12.683/2012

Fonte: dominio.fm

Em 10 de julho de 2012 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n. 12.683,


de 09 de julho de 2012, editada para alterar a Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998,
que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, sob
o pretexto de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de “lavagem de
dinheiro”.
Com o advento da predita Lei, a figura principal do crime de lavagem de dinheiro
passou a ser definida do seguinte modo:

17
Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de infração penal.

O tipo penal em estudo é classificado como um “crime complexo”, vez que a


objetividade jurídica tutelada pela norma penal incriminadora, continua sendo a ordem
econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, a paz pública e a administração
da justiça.
Admite-se figurar como sujeito ativo do crime de “lavagem” ou ocultação de
bens, direitos e valores, qualquer pessoa (“crime comum”), excluídos os autores ou
partícipes dos crimes, sob pena de violação ao princípio do “non bis in idem” (dupla
incriminação pela mesma circunstância). Em verdade, uma vez condenado por crime
antecedente, não há que se falar em punição pela ocultação do produto ou proveito
deste mesmo crime. Forçoso é concluir que, neste caso, a conduta de “lavagem” é
atípica, tratando-se de mero exaurimento da empreitada criminosa, que deve ser
entendida como única.
Como sujeito passivo da conduta incriminada, se aflora o Estado, entendido
como a pessoa jurídica de direito público titular dos bens jurídicos tutelados pela
norma penal, e responsável pela ordem econômica, sistema financeiro, ordem
tributária, paz pública e administração da justiça.
Da análise objetiva do tipo penal em estudo, depreende-se que coexistem dois
núcleos ou verbos, a seguir expostos:
(i) “ocultar” – que significa esconder, tornar irreconhecível, encobrir; e
(ii) “dissimular” – que remete à ideia de disfarçar o propósito, fingir a
finalidade. Por se tratar de um tipo misto alternativo, de conteúdo
múltiplo ou variado, se o agente, no mesmo contexto fático, praticar mais
de uma das condutas previstas, ou seja, “ocultar” e “dissimular”,
responderá por crime único, em homenagem ao princípio da
alternatividade.
A propósito, o crime de “lavagem” se desenvolve em três fases definidas:
(i) ocultação ou conversão: trata-se da introdução no sistema financeiro,
dos bens, direitos ou valores, por meio de depósitos bancários, contratos
de câmbio de moeda estrangeira, aquisições de ações ou outros valores
mobiliários, contratos de venda e compra de imóveis etc.;

18
(ii) dissimulação: entendida como a etapa em que são efetuados diversos
negócios jurídicos ou operações financeiras (transferências de fundos,
movimentações entre contas correntes etc.), com a finalidade de
dificultar a identificação da origem destes bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal;
(iii) integração: ocorre no momento em que estes bens, direitos ou valores
retornam ao sistema financeiro, com aparência da legalidade de sua
origem, exaurindo-se a empreitada criminosa.
Prosseguindo no estudo do tipo objetivo, verifica-se que estas condutas devem
recair sobre elementos normativos que guardam íntima relação com os objetos
materiais do crime. Estes elementos normativos foram elencados na seguinte ordem:
(i) natureza – qualidade, gênero ou espécie, o que caracteriza algo;
(ii) origem – procedência, fato que de que provém outro fato, lugar de onde
se vem;
(iii) localização – determinado local onde algo pode ser encontrado;
(iv) disposição – colocação, arranjo, emprego ou uso;
(v) movimentação – circulação ou mudança de posição;
(vi) propriedade – direito pelo qual um bem pertence a alguém.
Com efeito, conforme acima afirmado, guardando relação com os elementos
normativos supracitados, foram definidos três objetos materiais do crime de
“lavagem”, a seguir pontuados:
(i) bens – objeto material ou imaterial de determinada relação jurídica;
(ii) direitos – situação jurídica que confere ao seu titular a faculdade de exigir
a prestação ou abstenção de determinado ato;
(iii) valores – grau de utilidade dos bens expressos em moeda corrente.
Além disso, os “bens, direitos ou valores”, com vistas ao perfeito
enquadramento típico, devem ser “provenientes” (vinculados), direta (sem
intermediários) ou indiretamente (de forma dissimulada ou valendo-se de interposta
pessoa), de “infração penal”.
Na redação original da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, para a
configuração do crime de “lavagem”, se exigia a ocorrência de crime antecedente, que
deveria encontrar-se listado no rol exaustivo previsto em seu artigo 1º. A Lei n. 12.683,
de 09 de julho de 2012, rompe com este paradigma, ao revogar expressamente todos

19
os incisos que compunham o elenco taxativo que era previsto neste artigo (incisos I
ao VIII).
Comumente, as leis penais dos diversos países classificam as “infrações
penais”, levando em consideração a gravidade em abstrato das condutas, em dois
sistemas: tripartido e bipartido.
O primeiro sistematiza “infração penal” como gênero, de que são espécies
“crime”, “delito” e contravenção penal (Código Penal francês de 1791). O segundo
sistema, adotado pela lei penal brasileira, divide o gênero “infração penal” entre duas
espécies: “crime” e “contravenção penal”.
A anterior construção típica do crime previsto no artigo 1º, caput, da Lei n.
9.613, de 03 de março de 1998, exigia para a sua configuração que os bens, direitos
ou valores, ocultados ou dissimulados, fossem provenientes de “crime”. Verifica-se
que, a antiga redação do dispositivo era mais restrita, na medida em que exigia como
requisito do enquadramento típico do crime de “lavagem” que os objetos materiais
fossem provenientes de “crime”, espécie do gênero “infração penal”. É dizer: após o
advento da Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012, admite-se para a configuração do
crime de “lavagem”, a vinculação com qualquer crime ou contravenção penal.
Quanto ao tipo subjetivo, o crime é punido somente a título de dolo, a vontade
livre e consciente de ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores, provenientes de
infração penal. Segundo a doutrina tradicional, trata-se de dolo genérico, uma vez que
o tipo não requer a presença de elemento subjetivo especial.
O crime se consuma com a ocorrência do “branqueamento” ou “lavagem”, ou
seja, com a efetiva ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal (crime material). A tentativa é tecnicamente admitida,
vez que se trata de um crime comissivo (praticado por ação) e plurissubsistente (a
conduta é composta de diversos atos), sendo a previsão de que “a tentativa é punida
nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal”, prevista no parágrafo
terceiro, do dispositivo em estudo, se revela totalmente desnecessária.
O parágrafo primeiro, do artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998,
prevê uma série de figuras equiparadas, ao descrever em seus incisos, diversas
modalidades de prática destas condutas. Ressalta-se que, a Lei n. 12.683, de 09 de
julho de 2012, também alterou este parágrafo primeiro. Em sua primitiva redação, este
dispositivo equiparava à “lavagem” de capitais a conduta de “quem, para ocultar ou

20
dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos
crimes antecedentes referidos neste artigo”. Como visto acima, o rol de crimes
antecedentes, que outrora era previsto no “caput” do artigo 1º, foi suprimido pela Lei
n. 12.683, de 09 de julho de 2012. Assim sendo, com a finalidade de conferir coerência
à Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, o legislador penal alterou o parágrafo primeiro,
passando a ter a seguinte redação: “incorre na mesma pena quem, para ocultar ou
dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal”.
No inciso I, deste parágrafo primeiro, está descrita a conduta daquele que para
ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração
penal, “os converte em ativos lícitos”. O núcleo deste tipo consiste em “converter”, que
significa mudar, transformar. O objeto material sobre o qual recai a conduta
corresponde a “ativos lícitos”, bens, direitos, valores ou créditos adquiridos conforme
a forma prescrita em lei.
E no inciso II, foi tipificada a conduta daquele que para ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, “os adquire,
recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito,
movimenta ou transfere”. Neste dispositivo foram previstas diversas modalidades de
prática do crime, traduzidas nos seguintes verbos:
(i) adquirir – comprar, obter;
(ii) receber – aceitar em pagamento;
(iii) trocar – permutar;
(iv) negociar – firmar, celebrar acordo, ajuste ou contrato;
(v) dar – transferir a posse de algo, gratuitamente, para outrem;
(vi) receber em garantia – tomar, aceitar caução;
(vii) guardar – ter sob vigilância e cuidado, pôr em lugar apropriado, reservar;
(viii) ter em depósito – conservar ou reter a coisa à sua disposição;
(ix) movimentar – circular ou mudar a posição;
(x) transferir – transportar, levar de um lugar a outro.
Já no inciso III, o legislador incriminou a conduta daquele que para ocultar ou
dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal,
“importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros”. Nesta
figura equiparada, coexistem dois núcleos do tipo, a seguir expostos:
(i) importar – fazer entrar no território nacional;

21
(ii) exportar - fazer sair do território nacional. O objeto material deste crime
consiste em “valor não correspondente ao verdadeiro”, ou seja,
hipóteses de superfaturamento ou subfaturamento de bens, que pode
acarretar um aparente “prejuízo”, com a finalidade de “lavar” os valores
obtidos de forma lícita.
Ademais, o parágrafo segundo do artigo 1º, Lei n. 9.613, de 03 de março de
1998, traz mais algumas figuras equiparadas, em seus dois incisos.
No inciso I, se busca incriminar a conduta daquele que “utiliza, na atividade
econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal”. O
núcleo deste tipo penal consiste em “utilizar” (fazer uso). Além disso, o dispositivo
emprega dois elementos normativos (i) atividade econômica – produção ou circulação
de bens e serviços; (ii) atividade financeira – coleta, intermediação ou aplicação de
recursos.
Este inciso sofreu duas alterações pela Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012.
A primeira alteração ocorreu justamente pela mesma razão da modificação do
parágrafo antecedente, tendo em vista a supressão do rol que era previsto no “caput”
do dispositivo em estudo. Assim, o legislador substituiu a expressão “provenientes de
qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo” pela fórmula “provenientes
de infração penal”. Já a segunda alteração deste inciso, se refere ao elemento
subjetivo da conduta. Pela redação anterior do dispositivo era prevista textualmente a
presença do elemento subjetivo “que sabem serem”, traduzindo a exigência de dolo
direto para a responsabilização penal do agente.
A Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012, ao suprimir esta expressão, reforçou a
tese que o dolo indireto também estaria abarcado como elemento subjetivo típico,
principalmente para os fatos praticados em momento posterior ao da sua edição.
Recentemente, na Ação Penal n. 470, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, o
tema foi debatido por ocasião do julgamento do sétimo item da acusação, que versava
justamente sobre os crimes de “lavagem” supostamente praticados pelos réus do
processo.
A Procuradoria Geral da República pugnou pela condenação dos réus pelo
predito crime, fundamentando a pretensão acusatória na tese da ocorrência de dolo
eventual. Ocorre que, sobre este item houve empate de votos (cinco a cinco), Com
efeito, o Supremo Tribunal Federal deixou em aberto a possibilidade de que em futuros

22
processos que versem sobre o crime de “lavagem”, mesmo que não existam provas
de que os réus tinham o conhecimento de que os valores recebidos eram provenientes
de infração penal, possam haver condenações com base na tese do dolo eventual.
Por outro lado, o inciso II, deste parágrafo segundo, prevê como típica a
conduta daquele que participa (toma parte) de grupo (reunião de pessoas),
associação (atividade organizada de pessoas para a realização de um objetivo
comum) ou escritório (local onde são exercidas atividades profissionais), tendo
conhecimento (dolo direto) de que sua atividade principal (atividade-fim) ou
secundária (atividade-meio) é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
O parágrafo quarto, do artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, prevê
duas causas especiais de aumento de pena. A pena do crime de “lavagem” será
aumentada de um a dois terços, se:
(i) os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada: esta
previsão, demasiadamente larga, diz respeito à habitualidade criminosa
dos crimes antecedentes. Certamente por um lapso, o legislador penal,
por ocasião da edição da Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012, deixou
de alterar esta disposição, pelo que, como afirmado, o rol de crimes que
era previsto no artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, foi
expressamente revogado;
(ii) por intermédio de organização criminosa: o artigo 2º, da Lei n. 12.694,
de 24 de julho de 2012, definiu organização criminosa como: “a
associação, de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou
superior a quatro anos ou que sejam de caráter transnacional”.
Por derradeiro, o parágrafo quinto, do artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março
de 1998, confere ao magistrado um leque de possibilidades despenalizadoras para o
caso em que o acusado resolva colaborar com a comprovação da materialidade do
crime, apuração de autoria, e solução das demais circunstâncias. Podem ser
beneficiados com a aplicação destes institutos tanto os autores como partícipes. O
legislador exige que a colaboração seja espontânea, não se satisfazendo com a mera
voluntariedade. Além disso, esta colaboração deve conduzir “à apuração das

23
infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização
dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. No caso de colaboração espontânea
de autor ou partícipe, que conduza a uma das hipóteses citadas, o magistrado poderá:
(i) reduzir a pena de um a dois terços – causa especial de diminuição de
pena –, e fixar o início de cumprimento de pena no regime aberto ou
semiaberto;
(ii) deixar de aplicar a pena – perdão judicial; ou
(iii) substituir a pena privativa de liberdade imposta por pena restritiva de
direitos.

6. LEI 12.846/20132

Fonte: www.amanha.com.br

Ratificando, em 30 de novembro de 2000, a Convenção da OCDE, o Brasil


assumiu o importante compromisso de coibir o suborno transnacional. Somando-se a
esse compromisso, havia uma grande necessidade de atualização do sistema jurídico
de responsabilização de pessoas jurídicas. Houve, portanto, determinada pressão

2 Texto adaptado de A Lei 12.846/13 e os incentivos aos mecanismos de Compliance: uma

análise da lei federal e seus regulamentos - Bruno Soares Santos Araújo.

24
para que o legislador brasileiro respondesse ao compromisso internacional assumido
e também aos anseios sociais no que diz respeito à responsabilização das pessoas
jurídicas.
As Leis nºs 6.385/76, 9.613/98 e 12.529/11, que responsabilizavam as pessoas
jurídicas por infrações econômico-financeiras, não previam sanções para o suborno
de funcionários públicos nacionais.
A Lei nº 8666/93, a despeito das importantes previsões de suspensão
temporária para participar de licitações, impedimento de contratar com a
Administração Pública e declaração de idoneidade, limitava as sanções ao valor dos
contratos celebrados. Tal limitação possibilitava, em casos de empresas de grande
porte, esvaziamento do conteúdo punitivo da sanção, vez que o custo da infração à
lei poderia ser menor que o custo do cumprimento do contrato.
A Lei nº 8429/93, tratando da responsabilização dos agentes públicos por atos
de improbidade, trouxe a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica
envolvida em ato de improbidade apenas se comprovado tal envolvimento. Previu,
portanto, uma responsabilização subjetiva das pessoas jurídicas–tornando-se
sobremaneira dificultosa a responsabilização da pessoa jurídica, devido à dificuldade
de aproximar as ações do agente privado às intenções da pessoa jurídica.
Na seara penal, a Lei nº9.605/98 trouxe a responsabilização penal das pessoas
jurídicas por crimes ambientais. Entretanto, sendo moderna a discussão sobre a
responsabilização por dano causado a coletividade social, a aplicação das sanções
previstas pelo diploma é ainda precária.
Somado o contexto de pressão internacional à incapacidade do sistema jurídico
de responsabilizar objetivamente as pessoas jurídicas, a Lei nº12.846/13 encontrou
terreno para seu nascimento, fertilizado pelas pressões sociais contra atos de
corrupção. Daí a razão por ter sido chamada de Lei Anticorrupção, a despeito de ter
trazido previsões que extravasam o assunto corrupção.
Resultante, portanto, da série de fatores apresentados, a Lei nº12.846/13
ingressou no ordenamento jurídico brasileiro trazendo, em sua redação, importantes
inovações jurídicas.
Assim dispõe o artigo 1º da Lei nº12.846/13:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e


civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
nacional ou estrangeira.

25
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e
às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma
de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer
fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades
estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro,
constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. (Brasil 2013)

A Lei nº 12.846/13 previu a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas


por atos que ofendam a Administração Pública. As pessoas jurídicas não mais
poderão se afastar da responsabilização alegando desconhecimento das ações das
pessoas físicas que a compõe (Bittencourt, Comentários à Lei Anticorrupção: Lei
12.846/13 2014, 21) A responsabilização objetiva estende seu alcance para
responsabilizar a pessoa jurídica investigada pelos atos de seus parceiros,
fornecedores e distribuidores, materializando cobrança comum no direito estrangeiro
conhecida como due diligence. Sobre a responsabilização objetiva trazida pela lei,
assim assevera Marçal Justen Filho:

Há uma presunção absoluta de que, se o indivíduo envolveu a empresa numa


prática de corrupção, isso foi resultado de defeitos organizacionais e
gerenciais. (2013)

Também previu a Lei nº 12.846/13 que tal responsabilização objetiva se


estenderia para atos cometidos contra a Administração Pública nacional e estrangeira,
consolidando preocupações internacionais contra o suborno que ultrapassa as
fronteiras nacionais, explícitas em leis estrangeiras como os citados FCPA dos
Estados Unidos e Bribery Act do Reino Unido.
Quanto à multa a ser aplicada às pessoas jurídicas, a lei previu a possibilidade
de quantificação máxima em 20% (vinte por cento), do respectivo faturamento bruto,
ou R$ 60 milhões (sessenta milhões de reais), caso o critério do faturamento bruto
não possa ser utilizado. Previu a lei federal outras modalidades de sanção como a
publicação da decisão condenatória e a suspensão ou interdição das atividades,
dentre outras.
Previu a lei federal outras modalidades de sanção como a publicação da
decisão condenatória e a suspensão ou interdição das atividades, dentre outras.
A Lei nº12.846/13, indo ao encontro do objetivo do presente trabalho, inaugurou
o incentivo à implementação, ao aprimoramento e à manutenção dos mecanismos de
Compliance no cenário das relações privadas. Tal contribuição retirou o Brasil de uma

26
posição de inércia, diante do movimento internacional de políticas de Compliance,
para a posição de incentivador de tais políticas em seu território.
O incentivo trazido pelo legislador federal consolida o que, até aqui, vem se
buscando relacionar: o Estado, por meio de seu aparato legal e em busca da
preservação da ética nas relações comerciais, intervém, ainda que de maneira
indutiva, para corrigir a falha sistêmica da corrupção – cujo custo envolve o
desenvolvimento do próprio Estado.
Desde a publicação da Lei nº 12.846, no dia 1º de agosto de 2013, aos
legislativos federal, estaduais e municipais foi conferida a responsabilidade de
regulamentar, adaptar e internalizar as diretrizes de combate à corrupção e
responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos contra a Administração
Pública, fornecidas pela Lei nº 12.846.
A lei é federal e encontra-se na função de estimular e inaugurar no direito
interno diretrizes sobre os conceitos e procedimentos a serem observados nos
processos administrativos de responsabilização das pessoas jurídicas cujos atos,
direta ou indiretamente, atentem contra a Administração Pública. Serão apresentados,
então, os dispositivos da lei que demonstrem incentivos à implementação,
manutenção e melhoria das estruturas de Compliance.
Importante dispositivo, inovando o ordenamento jurídico brasileiro, o artigo 7º
da Lei 12.846, em seu inciso VIII, dispõe que:

Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções: [...]


VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; (Brasil, Lei
nº12.846 2013)

Este dispositivo desempenha funções de grande importância. Primeira função,


cumpriu inaugurar no direito interno brasileiro o estímulo às políticas de Compliance
nas empresas e garantir, como item a ser considerado da aplicação das penalidades
constantes da lei, a existência de programas e mecanismos de Compliance. Segunda
função, o dispositivo serviu de modelo para os decretos e demais regulamentos.
Ainda em seu artigo 7º, em seu parágrafo único, a lei determinou que:

Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções:


[...]

27
Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e
procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em
regulamento do Poder Executivo federal. (Brasil, Lei nº12.846 2013)

Logo, competiria a Decreto Regulamentar dispor sobre os parâmetros a serem


analisados para garantir que somente programas cujas características conferissem
com as exigências legais pudessem ser considerados no momento de aplicação das
sanções e penalidades da lei.
Importante ressaltar, havia na lei dispositivo (artigo 16, inciso IV) com redação
dada pela Medida Provisória 703 de 2015, cujo conteúdo tratava o compromisso de
implementação e melhoria dos mecanismos de Compliance pela empresa como
requisito do acordo de leniência. Entretanto, a vigência dessa Medida Provisória foi
encerrada e achou melhor o legislador tratar do assunto no regulamento federal da
lei.
A lei traduziu o termo Compliance para o direito interno brasileiro como
integridade ou conformidade, sendo chamadas as estruturas de “programas de
integridade”, “programas de conformidade”, “mecanismos e procedimentos internos
de integridade” e “mecanismos e procedimentos internos de conformidade”.

6.1. Decreto nº 4954/13 do Estado de Tocantins

O Estado do Tocantins, em 13 de dezembro de 2013, foi o primeiro a


regulamentar a Lei 12.846/13 no âmbito estadual. O pioneirismo, entretanto, custou-
lhe a oportunidade de regulamentar o tema de maneira mais eficaz. Limitou-se a,
usando o padrão da lei, prever a consideração quanto a existência de programas de
Compliance para a aplicação de sanções. Assim dispõe seu artigo 6º, inciso VIII:

Art. 6º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:


[...]
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; e (Brasil 2013)

Exemplo do custo do pioneirismo na iniciativa do Estado de Tocantins, o


decreto sequer possui capítulo específico que trate da aplicação das sanções no
processo administrativo de responsabilização. A função da regulamentação estatal de
detalhar a consideração proposta pela lei federal ficou, portanto, prejudicada.

28
A despeito de não ter regulamentado com precisão o incentivo às áreas de
Compliance, o pioneirismo da iniciativa cumpriu a função de despertar os demais
Estados para a necessidade da internalização, no âmbito estadual, das diretrizes
nacionais trazidas pela Lei 12.846/13. E tal resultado foi observado nos 5 meses
seguintes, período em que foram publicados três novos decretos regulamentando a
lei, dois estaduais e um municipal.

6.2. Decreto nº 60.106/14 do Estado de São Paulo

O decreto, de 29 de janeiro de 2014, possuindo apenas oito artigos, quanto às


estruturas de Compliance, remeteu à redação do artigo 7º da lei federal e ao seu
respectivo regulamento federal.
Assim dispôs em seu artigo 6º:

Art. 6º - Aplicar-se-á ao processo administrativo de que trata este decreto, no


que couber, o disposto em regulamento do Poder Executivo federal acerca
do artigo 7º da Lei federal nº 12.846, de 1º de agosto de 20l3. (Brasil 2014)

Como ocorrido no Decreto do Estado de Tocantins, o pioneirismo legislativo


custou, ao Estado de São Paulo, a oportunidade de aprimorar e adaptar ao âmbito
estadual as diretrizes nacionais. Novamente, não houve detalhamento quanto à
extensão da consideração, quando da aplicação das sanções, da existência de
programas de Compliance. A opção do legislador estadual foi aguardar a edição do
regulamento federal e suas disposições.

6.3. Decreto nº 10.271/14 do Estado do Paraná

O Decreto do Estado do Paraná, de 21 de fevereiro de 2014, trouxe redação


que surpreendeu, negativamente, expectativas de regulamentação das diretrizes de
Compliance. O Estado editou decreto em cujo conteúdo não se encontra menção a
programas de compliance.
A notável preocupação do legislador estadual foi determinar competente a
Controladoria-Geral do Estado do Paraná para a instauração dos processos
administrativos de responsabilização, no âmbito do Estado do Paraná.

29
6.4. Decreto Municipal nº 55.107/14 do Município de São Paulo

O decreto de 13 de maio de 2014, cumpriu a importante função da


regulamentação das diretrizes nacionais trazidas pela Lei nº 12.846/13. No que diz
respeito à regulamentação do incentivo às estruturas e programas de compliance, o
decreto limitou-se a copiar o padrão básico trazido pela lei e remeter, assim como a
lei, ao regulamento federal os critérios de avaliação das estruturas e programas de
compliance.
Seguindo a redação proposta pela lei federal, em seu artigo 21, inciso VIII, o
decreto dispõe que:

Art. 21. Na aplicação das sanções, serão levados em consideração os


princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como:
[...]
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, nos termos do
artigo 24 deste decreto; (Brasil 2014)

Cumprindo tão somente a diretriz federal de considerar a existência de


programas de Comliance na aplicação das sanções, o decreto também perdeu a
oportunidade de detalhar as dimensões e extensões dessa consideração.
Quanto a exigência da implementação, manutenção ou melhoria do programa
de Compliance como resultado ou exigência dos acordos de leniência, o decreto não
dispôs diretamente sobre o tema, deixando uma cláusula genérica a ser preenchida
pelo Controlador Geral.
Assim dispõem o artigo 31, inciso X, do decreto:

Art. 31. Do acordo de leniência constará obrigatoriamente:


[...]
X - as demais condições que a Controladoria Geral do Município considere
necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do
processo. (Brasil 2014)

Há possibilidade de preenchimento dessa cláusula com a exigência de


programas e estruturas de Compliance. Entretanto, apenas se observado um
comportamento geral de exigência de implementação de programas de Compliance,
quando da celebração dos acordos de leniência, tal possibilidade se materializaria.
Por fim, no que diz respeito à avaliação dos programas de Compliance e seus
requisitos, em seu artigo 24, o decreto assim dispõe:

30
Art. 24. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos
previstos no artigo 7º, inciso VIII, da Lei Federal nº 12.846, de 2013, serão,
no que couber, aqueles estabelecidos no regulamento do Poder Executivo
Federal a que alude o parágrafo único do mencionado artigo.

Parágrafo único. Até a publicação, pelo Poder Executivo Federal, do


regulamento a que se refere o “caput” deste artigo, considerar-se-á, única e
exclusivamente, no âmbito da pessoa jurídica, a existência de mecanismos e
procedimentos consistentes de integridade e monitoramento, a efetividade
dos sistemas de controle interno, a utilização de códigos de ética e conduta
para funcionários e colaboradores, a existência de sistemas de recebimento
e apuração de denúncias que assegurem o anonimato, a adoção de medidas
de transparência na relação com o setor público e a realização periódica de
treinamentos com o intuito de promover a política interna de integridade.
(Brasil 2014)

Tendo sido publicado antes da edição do decreto regulamentar federal que


disporia sobre tais parâmetros de avaliação, o decreto demonstrou preocupação, em
seu parágrafo único, de propor critérios de avaliação até que o regulamento federal
dispusesse sobre o tema.

6.5. Decreto Regulamentar nº 8420/15 da União

Editado em 18 de março de 2015, o Decreto Regulamentar nº 8420 se mostrou


importante diploma na regulamentação das diretrizes nacionais trazidas pela Lei nº
12.846.
Importante, primeiramente, por fazer cessar o hiato legislativo que imperava
desde maio de 2014, quando houve a iniciativa do município de São Paulo. Tal período
serviu de reflexão e crítica diante das iniciativas estaduais e municipais anteriores,
cujas conclusões serviram para que o texto do regulamento federal pudesse sanar
alguns anseios dos aplicadores da Lei nº 12.846.
Segundo, especificamente sobre a regulamentação do incentivo das políticas
de Compliance, o decreto trouxe importante exposição dos quantitativos de redução
da multa possíveis às empresas possuidoras de programas e mecanismos de
Compliance, bem como a pormenorização dos critérios avaliativos a serem aplicados
na consideração do Compliance como causa de redução de multa e como resultado
do acordo de leniência.
Assim dispõe o parágrafo 4º de seu artigo 5º:

Art. 5º No ato de instauração do PAR, a autoridade designará comissão,


composta por dois ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e
circunstâncias conhecidos e intimará a pessoa jurídica para, no prazo de

31
trinta dias, apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que
pretende produzir.
[...]
§ 4º Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e
documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de
integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os
parâmetros indicados no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem
aplicadas. (Brasil 2015)

Diferente da lei federal e dos decretos estaduais e municipais editados até


então, o regulamento federal dispôs, em capítulo específico, sobre parâmetros de
exame e dosimetria das sanções para empresas que possuíssem programas de
Compliance em funcionamento. Por conseguinte, teve de desenvolver novo modelo
de redação que, não apenas declarasse a consideração da existência dos programas
para aplicação das sanções, mas também remetesse ao detalhamento dessa
consideração.
Dispositivo de expressiva importância para o ordenamento jurídico brasileiro, o
artigo 18, em seu inciso V, trouxe, pela primeira vez no direito brasileiro, a previsão
de redução da pena de multa para empresas que comprovem existência, e
funcionamento, de programa de Compliance que atenda parâmetros determinados no
próprio regulamento federal.
Assim dispõe o dispositivo supracitado:

Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os


valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da
pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR,
excluídos os tributos:
[...]
V - um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica
possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros
estabelecidos no Capítulo IV. (Brasil 2015)

O dispositivo previu, portanto, a possibilidade de redução da sanção de multa


de 1% (um por cento) a 4% (quatro por cento), trazendo diretriz básica para os
regulamentos estatais que seriam a seguir editados. Representou o dispositivo
materialização do incentivo às políticas e programas de Compliance numa esfera
prática de estímulo, por meio da previsão da redução da multa aplicável.
Outro importante dispositivo diz respeito ao estímulo às implementações de
políticas e programas de Compliance nas empresas por meio dos acordos de
leniência.
A saber, o artigo 37 do diploma, em seu inciso IV, assim dispõe:

32
Art. 37. O acordo de leniência conterá, entre outras disposições, cláusulas
que versem sobre:
[...]
IV - a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade,
conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV. (Brasil 2015)

A previsão da adoção, aplicação ou aperfeiçoamento dos programas de


Compliance como cláusula obrigatória dos acordos de leniência traduz uma
preocupação que vai para além do incentivo mitigatório da multa outrora observado.
A empresa que deseja lançar mão de acordo de leniência é, obviamente, empresa
cujos atos já, de alguma forma, atentaram contra a Administração Pública.
Consequentemente, pode-se concluir ser tal fato falha dos mecanismos internos de
prevenção da empresa, se existirem.
Percebendo, o legislador, tal correlação – e trazendo, vez por todas, ao
ordenamento jurídico brasileiro a preocupação da Medida Provisória 703/15, que dava
redação distinta ao artigo 16, §1º, inciso IV da Lei nº12.846/13 – achou oportuno
trazer, nos instrumentos de formalização dos acordos de leniência, a obrigação da
implementação, manutenção ou melhoria das estruturas de Compliance.
É notável a diferente postura do legislador quando da edição do regulamento
federal. Em 2013, encontrava-se pressionado a dar uma resposta às inquietações
sociais e aos compromissos adquiridos diante de organizações internacionais.
Quando da edição do Decreto Regulamentar, então analisado, mostrando maturidade
após o hiato reflexivo de maio de 2014 a março de 2015, trouxe redação que expressa
uma nova preocupação bem mais positiva e ativa acerca da inserção das políticas e
estruturas preventivas de Compliance.
Por fim, e de igual importância, o diploma trouxe o esperado conjunto de
critérios que define o que a lei considera como estrutura e programa de Compliance
para a concessão dos benefícios das reduções de multa e dos acordos de leniência.
Assim dispõem os artigos 41 e 42 do decreto:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade


consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta,
políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes,
irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública,
nacional ou estrangeira.
Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e
atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de
cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante

33
aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua
efetividade.
Art. 42. Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade
será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os
seguintes parâmetros:
I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os
conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;
II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de
integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente de cargo ou função exercidos;
padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas,
quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de
serviço, agentes intermediários e associados;
IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;
V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao
programa de integridade;
VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as
transações da pessoa jurídica;
VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e
confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;
VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito
de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em
qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros,
tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de
autorizações, licenças, permissões e certidões;
IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna
responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu
cumprimento;
X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente
divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à
proteção de denunciantes de boa-fé;
XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de
integridade;
XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de
irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos
danos gerados;
XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso,
supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço,
agentes intermediários e associados;
XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e
reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou
da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;
XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu
aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos
lesivos previstos no art. 5ºda Lei no 12.846, de 2013; e
XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos
e partidos políticos.
§ 1º Na avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, serão
considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como:
I - a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores;
II - a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de
departamentos, diretorias ou setores;
III - a utilização de agentes intermediários como consultores ou
representantes comerciais;
IV - o setor do mercado em que atua;
V - os países em que atua, direta ou indiretamente;
VI - o grau de interação com o setor público e a importância de
autorizações, licenças e permissões governamentais em suas operações;
VII - a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o
grupo econômico; e

34
VIII - o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno
porte.
§ 2º A efetividade do programa de integridade em relação ao ato lesivo objeto
de apuração será considerada para fins da avaliação de que trata o caput.
[...]
§ 4o Caberá ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União
expedir orientações, normas e procedimentos complementares referentes à
avaliação do programa de integridade de que trata este Capítulo. (Brasil
2015)

A transposição quase completa dos artigos acima se faz necessária por dois
importantes motivos.
Primeiramente, o texto do regulamento federal, já citado de maneira
programática pelo Decreto do Município de São Paulo, serviu de modelo para as
iniciativas regulamentares que o seguiram. Dessa forma, a transcrição dos artigos visa
mostrar a estrutura básica dos programas de Compliance exigida pelo diploma. Tal
transposição literal ocorrerá apenas neste momento deste trabalho, vez que serão
feitas apenas referência ao modelo durante a análise dos demais diplomas.
Também motivo para tal transposição, a redação do decreto demonstra que a
iniciativa regulamentar federal, ainda que relativamente tardia, se preocupou em
introduzir em suas exigências as novas preocupações daqueles que estruturam e
aplicam as políticas e os mecanismos de Compliance. Tais novas características e
preocupações envolvem:
a) maior independência das funções de Compliance (auditoria interna,
Compliance, administração de riscos);
b) envolvimento da cúpula na política de aplicação e divulgação dos
mecanismos de Compliance;
c) abordagem baseada nos resultados da análise de riscos;
d) desenvolvimento da função sempre baseada em dados de frequentes
análises dentro da empresa;
e) capacidade de desenvolvimento de estratégias de prevenção – e não apenas
de detecção;
f) implementação das políticas de Compliance nas áreas comportamental e
cultural da empresa;
g) canal de denúncia de fácil acesso, independente e capaz de responder às
denúncias de irregularidades.

35
6.6. A Portaria 909/15 da CGU

A Portaria da Controladoria Geral da União, de 07 de abril de 2015, cumpre


função de grande importância com seu ingresso no ordenamento jurídico brasileiro,
razão de estar elencada entre os dispositivos aqui analisados.
Importante ressaltar, o cumprimento da redação programática do parágrafo
único, do artigo 7º, da Lei nº12.846/13, foi dado pelo Decreto Regulamentar 8420 de
2015. Entretanto, o regulamento federal não cumpriu de maneira completa, no que diz
respeito ao detalhamento dos critérios de avaliação dos programas de Compliance, a
programação da lei federal. Sua redação logrou êxito descrever o que seria
considerado um programa de Compliance, em linhas gerais, para a lei. Não foi, no
entanto, detalhado o processo de avaliação desse programa descrito no decreto –
avaliação esta que permite o cálculo da multa a ser aplicada ou a confirmação do
cumprimento da cláusula do acordo de leniência que exige a existência e o
funcionamento do programa de Compliance.
Visando, então, suprir a missão dada pela lei federal, um mês depois da
publicação do decreto regulamentar federal, a Controladoria Geral da União editou as
Portarias 909 e 910 – ambas de 2015. À Portaria 909 ficou a responsabilidade de
dispor sobre os critérios e processo de avaliação da estrutura do programa de
Compliance da empresa que busca ser beneficiada, ou na redução da multa, ou na
celebração de acordo de leniência.
Os artigos 1º e 2º da Portaria 909 assim dispõem:

Art. 1º Os programas de integridade das pessoas jurídicas, para fins da


aplicação do disposto no inciso V do art. 18 e no inciso IV do art. 37 do
Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, serão avaliados nos termos desta
Portaria.
Art. 2º Para que seu programa de integridade seja avaliado, a pessoa jurídica
deverá apresentar:
I - relatório de perfil; e
II - relatório de conformidade do programa. (Brasil 2015)

Os artigos 3º e 4º da portaria detalharam o conteúdo do relatório de perfil e do


relatório de conformidade do programa, não importando a este trabalho a transcrição
e pormenorização dos critérios, vez que importa destacar os dispositivos cujo objetivo
é o incentivo, o estímulo da política de Compliance no âmbito das empresas.

36
Entretanto, cabe destaque aos artigos 5º e 6º, cujas redações reforçam a
preocupação do legislador em estimular programas e estruturas de Compliance que
sejam eficientes no combate aos riscos referentes às atividades da empresa.
Assim dispõem os artigos citados:

Art. 5º A avaliação do programa de integridade, para a definição do percentual


de redução que trata o inciso V do art. 18 do Decreto nº 8.420, de 2015,
deverá levar em consideração as informações prestadas, e sua
comprovação, nos relatórios de perfil e de conformidade do programa.
§ 1º A definição do percentual de redução considerará o grau de adequação
do programa de integridade ao perfil da empresa e de sua efetividade.
§ 2º O programa de integridade meramente formal e que se mostre
absolutamente ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos da
Lei nº 12.846, de 2013, não será considerado para fins de aplicação do
percentual de redução de que trata o caput.
§ 3º A concessão do percentual máximo de redução fica condicionada ao
atendimento pleno dos incisos do caput do art. 4º.
§ 4º Caso o programa de integridade avaliado tenha sido criado após a
ocorrência do ato lesivo objeto da apuração, o inciso III do art. 4º será
considerado automaticamente não atendido.
[...]
Art. 6º Para fins do disposto no inciso IV do art. 37 do Decreto nº 8.420, de
2015, serão consideradas as informações prestadas, e sua comprovação,
nos relatórios de perfil e de conformidade do programa de integridade. (Brasil
2015)

A portaria preocupou-se, portanto, em complementar o incentivo da lei e do


decreto de modo que:
a) os programas de Compliance a serem implementados, mantidos ou
aperfeiçoados sejam adequados às atividades e necessidades específicas das
empresas;
b) os programas sejam capazes de coibir as práticas descritas como sujeitas a
sanção pela Lei nº 12.846/13;
c) as empresas, cujo programa de Compliance atenda plenamente os requisitos
exigidos pelo diploma, recebam, igualmente de maneira plena, o benefício da redução
da multa – em seu percentual máximo e;
d) os programas de Compliance implementados após o ato lesivo não sirvam
de escusa ou diminuição da responsabilidade da empresa.
Importante destacar também que, muito embora exista a competência estadual
para legislar sobre a matéria, as portarias da Controladoria Geral da União, para além
de alcançar apenas os processos no âmbito federal – vez que cumpriram função de
complementar o regulamento federal sobre a lei –, servem ao propósito de orientar as
produções legislativas estaduais e municipais sobre o tema.

37
6.7. Decreto nº 46782/15 do Estado de Minas Gerais

O decreto de 24 de junho de 2015 foi responsável pelo regulamento das


diretrizes federais no âmbito do Estado de Minas Gerais. O diploma, utilizando do
padrão proposto pelo regulamento federal, dispôs da seguinte maneira em seu artigo
16, parágrafo 1º:

Art. 16. Encerrada a fase de instrução, a comissão emitirá relatório final,


contendo:
[...]
§ 1º Caso a pessoa jurídica apresente, em sua defesa, informações e
documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de
integridade, a comissão deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados
no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas. (Brasil
2015)

Seguindo a estrutura do Decreto Regulamentar nº 8420/15, o diploma estadual,


nos casos de comprovação da existência de programa de Compliance na empresa
investigada, remeteu a análise dos parâmetros para dosimetria da pena à capítulo
específico.
O artigo 34 do decreto estadual trouxe a seguinte redação, que o diferencia dos
demais estudados até aqui:

Art. 34. A comprovação pela pessoa jurídica da existência da implementação


de um programa de integridade, observado o disposto no Capítulo V deste
Decreto, configurará causa especial de diminuição da multa e deverá se
sobrepor a qualquer outra circunstância atenuante no respectivo cálculo.
(Brasil 2015)

O artigo 32 do diploma ficou responsável por elencar as causas que seriam


consideradas atenuantes no cálculo da multa aplicável. Entretanto, a presença de
programas ou estruturas de Compliance, não encontrou lugar nesse rol de atenuantes.
Ficou, portanto, sob responsabilidade do artigo 34, ora transposto, dispor sobre a
consideração da existência de programas de Compliance para a aplicação da multa.
O que o diferencia sobremodo em relação aos demais diplomas, até então
analisados, é que a presença de estruturas de Compliance implementadas foi trazida
como causa especial de diminuição da multa, se sobrepondo às demais atenuantes.
O diploma, entretanto, não especificou percentual de redução da multa nos casos em
que a empresa possua programa de Compliance que atenda os termos da lei.

38
O dispositivo deixa claro serão observados os parâmetros do Capítulo V – que
traz a descrição de programa e estrutura de Compliance aos olhos do diploma – para
que a empresa possa ser alcançada pela causa especial de redução da multa.
O Capítulo V do diploma, citado pelo artigo acima transcrito, compreende os
artigos 39 e 40 e cumpre a função de descrever o que, para o decreto, será
considerado programa de Compliance implementado. A transcrição dos referidos
dispositivos não será necessária, pois não muito se difere do padrão do regulamento
federal. Frise-se novamente, a preocupação de oferecer o benefício da redução de
multa, às empresas que possuam programas de Compliance eficientes, é grande
avanço na legislação brasileira e grande coibente da implementação de estruturas
superficiais de controle interno – que vise tão somente o benefício da redução das
multas
Seguindo a redação proposta pelo Decreto Municipal de São Paulo, quanto a
exigência da implementação, manutenção ou melhoria do programa de Compliance
como resultado ou exigência dos acordos de leniência, o decreto não dispôs
diretamente sobre o tema, deixando uma cláusula genérica a ser preenchida pelo
Controlador Geral.
Assim dispõem o artigo 47, inciso XI, do decreto:

Art. 47. Do acordo de leniência constará obrigatoriamente:


[...]
XI - as demais condições que a CGE considerar necessárias para assegurar
a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo. (Brasil 2015)

6.8. Decreto Municipal nº 7177/15 do Município de Santos

Datando de 24 de julho de 2015, ao decreto do Município de Santos cumpriu


internalizar as orientações trazidas pela lei federal e seu regulamento no âmbito
municipal.
O artigo 18, inciso VIII, aproximando-se ao padrão de redação da lei federal,
assim dispôs:

Art. 18. Na aplicação das sanções, serão levados em consideração os


princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como:
[...]
VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, nos termos do
artigo 21; (Brasil 2015)

39
Houve preocupação de reafirmar a consideração dada pela lei federal.
Entretanto, o diploma não especificou percentual de redução da multa nos casos em
que a empresa possua programa de Compliance que atenda os termos da lei.
Quanto à descrição do programa de Compliance considerado pelo diploma para
a concessão da redução da multa, em seu artigo 21, o decreto remeteu ao disposto
no regulamento estatal, com a seguinte redação:

Art. 21. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos


previstos no artigo 7º, inciso VIII, da Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto
de 2013, serão, no que couber, aqueles estabelecidos no regulamento do
Poder Executivo Federal a que alude o parágrafo único do mencionado artigo.
(Brasil 2015)

Por fim, repetindo a proposta dos decretos dos municípios de Santos e São
Paulo, quanto a exigência da implementação, manutenção ou melhoria do programa
de Compliance como resultado ou exigência dos acordos de leniência, o decreto não
dispôs diretamente sobre o tema, deixando uma cláusula genérica a ser preenchida
pela respectiva Secretaria ou autoridade competente.

Art. 28. Do acordo de leniência constará obrigatoriamente:


[...]
X – as demais condições que a respectiva Secretaria ou autoridade
competente considere necessárias para assegurar a efetividade da
colaboração e o resultado útil do processo. (Brasil 2015)

6.9. Decreto Municipal nº 207/15 do Município de Macaé

O decreto, de 30 de novembro de 2015, regulamentou, no âmbito do município


de Macaé, a lei federal e seus regulamentos.
Em seu artigo 1º, pode-se observar diferença em relação às redações dos
demais diplomas. Assim dispõe o artigo:

Art. 1º O processo administrativo destinado à apuração da responsabilidade


administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
Administração Pública Municipal Direta e Indireta, no âmbito do Poder
Executivo do Município de Macaé, será disciplinado pela Lei Nacional n.º
12.846/2013, ficando regulamentado, no que couber, por este Decreto. (Brasil
2015)

O artigo remete a disciplina dos processos administrativos de responsabilidade


à lei federal (regulamentada pelo Decreto 8420/15), sendo subsidiária a sua
competência. Tal disposição foi transcrita porque, a despeito de não haver disposição

40
no decreto municipal sobre a porcentagem de redução das multas e sobre a exigência
do programa de Compliance para a celebração de acordos de leniência, tais assuntos
foram tratados, respectivamente, pelos artigos 18, inciso IV e 37, inciso IV do decreto
que regulamentou a lei federal. São, portanto, tais disposições aplicáveis aos
processos administrativos de responsabilização do Município de Macaé.
Assim, apesar do artigo 30 do decreto municipal não elencar a implementação,
manutenção e melhoria do programa de Compliance como resultado ou requisito dos
acordos de leniência, com base na lei e no seu regulamento, tal exigência deve estar
presente nos acordos de leniência. Assim também a regra de redução da multa, com
base na lei e em seu regulamento, deve valer para os processos administrativos do
município.
O diploma, aproximando-se ao padrão de redação da lei federal, em seu artigo
20, inciso VIII, assim dispôs:

Art. 20. Na aplicação das sanções, serão levados em consideração os


princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como:
[...]
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, nos termos do
artigo 24 deste Decreto; (Brasil 2015)

Por fim, o artigo 23 do decreto municipal remeteu a descrição dos programas


de Compliance considerado para os fins do diploma àquela feita pelo Decreto
Regulamentar nº 8420/15.

6.10. Decreto nº 3956/16 do Estado do Espírito Santo

Regulamentando a lei federal a nível estadual o decreto, datado de 30 de março


de 2016, foi o primeiro regulamento da lei federal em 2016, trazendo redação mais
completa quando comparada aos regulamentos estaduais e municipais que lhe
antecederam.
Primeira menção, no diploma, aos programas de Compliance é feita em seu
artigo 16, inciso V, com a seguinte redação:

Art. 16. Concluídos os trabalhos de instrução, o relatório final da comissão


processante deverá obrigatoriamente ser elaborado com a observância dos
seguintes requisitos:
[...]

41
V - análise da existência e do funcionamento de programa de integridade;
(Brasil 2016)

Percebe-se distinção entre as redações trazidas pela lei, seu regulamento


federal e pelos regulamentos estaduais e municipais. O decreto não falou sobre
consideração da existência de programa de Compliance para a aplicação das
sanções, mas trouxe obrigação para a comissão processante de analisar a existência
e o funcionamento do programa de Compliance na empresa processada. Apesar da
redação diferente, o decreto deixou subentendida a consideração para aplicação das
sanções, tendo dado maior importância em deixar explícita a obrigação da comissão
processante.
Quanto à redução da pena de multa, o decreto trouxe redação semelhante à
proposta no decreto do Estado de Minas Gerais. Assim dispôs em seu artigo 29:

Art. 29. A comprovação pela pessoa jurídica da existência da implementação


de um programa de integridade configurará causa especial de diminuição da
multa e deverá se sobrepor a qualquer outra circunstância atenuante no
respectivo cálculo. (Brasil 2016)

O dispositivo considera a existência de programa de compliance como causa


especial de redução da multa, se sobrepondo a qualquer outra atenuante. Os
parágrafos do mesmo dispositivo trazem preocupações também observadas no
decreto do Estado de Minas Gerais, quanto à eficiência do programa no combate ao
ato que lesionou a Administração Pública e quanto a possibilidade de fraude por meio
de programas superficiais ou criados após os atos lesivos.
O dispositivo, entretanto, não especificou percentual de redução da multa nos
casos em que a empresa possua programa de Compliance que atenda os termos da
lei.
Quanto a descrição dos programas de Compliance considerados para os fins
do diploma, a redação dos artigos 51 ao 55 trouxe uma união dos conteúdos do
Decreto Regulamentar 8420/15 e da Portaria 99/15 da Controladoria Geral da União.
Ou seja, o decreto trouxe toda a descrição dada pelo regulamento federal, somada à
estrutura de relatórios de perfil da empresa e de conformidade do programa analisado
– proposta pela portaria.
O decreto demonstrou grande preocupação com o estímulo aos programas de
Compliance por meio dos acordos de leniência. Assim dispõem os artigos 42, incisos
IV e V – neste a alínea “c” – e 47, inciso X:

42
Art. 42. Compete à comissão responsável pela condução da negociação do
acordo de leniência:
[...]
IV - proceder à avaliação do programa de integridade, caso existente, nos
termos deste Decreto;
V - propor cláusulas e obrigações para o acordo de leniência que, diante
das circunstâncias do caso concreto, reputem-se necessárias para
assegurar:
[...]
c) a obrigação da pessoa jurídica em adotar, aplicar ou aperfeiçoar programa
de integridade; e
[...]
Art. 47. Do acordo de leniência constará obrigatoriamente:
[...]
X - a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade,
conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo VIII; (Brasil 2016)

Em três oportunidades distintas o diploma afirmou e reafirmou as preocupações


e anseios que têm sido discutidos desde a publicação da Lei nº12.846 em 2013. Ou
seja, a edição tardia do decreto – em relação a data da lei federal e dos demais
regulamentos – lhe proporcionou maturidade em sua redação que, além somar os
trabalhos de iniciativas federais e estaduais, trouxe como clara obrigação aos acordos
de leniências o estabelecimento de cláusulas que levem as empresas a adotar, aplicar
e aperfeiçoar seus programas de Compliance, de modo a serem capazes de impedir
atos lesivos à Administração Pública.

6.11. Decreto nº 37296/16 do Distrito Federal

Datado de 29 de abril de 2016, cumpriu ao decreto dispor, no âmbito do Distrito


Federal, sobre as diretrizes e regulamentos trazidos pela Lei nº 12.846/15. Fazendo
parte do grupo de regulamentos tardios, porém, maduros, o decreto trouxe redação
mais completa, incluindo percentuais de multa – disposição, até então, somente vista
no Decreto Regulamentar nº 8520/15.
Seguindo a proposta do regulamento federal, assim dispôs o decreto, em seu
artigo 22, parágrafo 4º:

Art. 22. Na hipótese de a pessoa jurídica acusada requerer a produção de


provas, a Comissão Processante apreciará a sua pertinência em despacho
motivado e fixará prazo razoável, conforme a complexidade da causa e
demais características do caso concreto, para a produção das provas
deferidas.
[...]
§ 4º Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e
documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de
integridade, a Comissão Processante deverá examiná-lo segundo os

43
parâmetros indicados neste Decreto, para a dosimetria das sanções a serem
aplicadas. (Brasil 2016)

Apesar do caput do dispositivo diferir da proposta feita pelo regulamento


federal, o parágrafo 4º cumpre a função de remeter ao capítulo referente à dosimetria
das sanções a análise dos casos em que haja comprovada existência e
funcionamento de programa de Compliance na empresa processada.
Nesse capítulo responsável pela dosimetria das sanções, o diploma trouxe a
especificação do percentual de redução da penalidade de multa. Assim dispõe o artigo
37 em seu inciso IV:

Art. 37. Do resultado da soma dos fatores do artigo 36, serão subtraídos os
valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da
pessoa jurídica relativo ao último exercício anterior ao da instauração do PAR,
excluídos os tributos:
[...]
IV 1% (um por cento) a 4% (quatro por cento) para comprovação de a pessoa
jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os
parâmetros estabelecidos neste Decreto; e (Brasil 2016)

A redação do dispositivo, apesar de apenas repetir a disposição do


regulamento federal, é de grande importância, vez que garante limites mínimos e
máximos para a aplicação da redução – além de garantir a própria redução.
O decreto da capital federal também dispôs sobre a descrição do programa de
Compliance considerado para fins do diploma. Tal descrição foi realizada em seus
artigos 68 a 73. O decreto, assim como visto no decreto do Estado do Espírito Santo,
trouxe uma união dos conteúdos do Decreto Regulamentar 8420/15 e da Portaria
99/15 da Controladoria Geral da União – já transcritos nesta análise. Ou seja, o
decreto, assim como o diploma espiritossantense, trouxe toda a descrição dada pelo
regulamento federal, somada à estrutura de relatórios de perfil da empresa e de
conformidade do programa analisado – proposta pela portaria.
Quanto ao incentivo à política de adoção de programas de Compliance, o
decreto trouxe em sua redação três estímulos diferentes.
Diferente dos diplomas até então editados, o decreto previu um incentivo maior
relacionado à atenuação da penalidade de multa. O artigo 37 do diploma, cujo caput
já foi transcrito, assim dispôs em seu parágrafo único:

Art. 37. [...]


Parágrafo único. Em caso de celebração de acordo de leniência, a multa
prevista no inciso I do art. 6º da Lei Federal nº 12.846/13 poderá ser reduzida

44
em até dois terços, depois de efetuada a subtração de que trata o caput.
(Brasil 2016)

Ou seja, uma vez o cálculo da redução em até dois terços sendo realizado após
as reduções previstas no caput do artigo 37, a presença e funcionamento de programa
de Compliance na empresa processada pode proporcionar redução maior que o valor
de 4% (quatro por cento) da multa aplicável.
Como resultante da colaboração em acordo de leniência, o artigo 51, em seu
inciso IV, assim dispôs:

Art. 51. O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas


responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei nº 12.846/2013,
[...], devendo resultar dessa colaboração:
[...]
IV o comprometimento da pessoa jurídica na implementação ou na melhoria
de mecanismos internos de integridade; e (Brasil 2016)

Ainda, como requisito dos acordos de leniência firmado, o artigo 52, inciso I,
alínea “c”, assim previu:

Art. 52. Do acordo de leniência constarão, cumulativa e obrigatoriamente, os


seguintes requisitos:
I quanto às ações e posturas da empresa:
[...]
c) se comprometa a implementar ou a melhorar os mecanismos internos de
integridade, auditoria, incentivo às denúncias de irregularidades e à aplicação
efetiva de código de ética e de conduta. (Brasil 2016)

Resta clara a preocupação do diploma em estimular, quando da celebração dos


acordos de leniência, a adoção, a manutenção e a melhoria dos programas de
compliance nas empresas processadas. As disposições buscam assegura que
empresas, cujos atos já lesaram a Administração Pública, sejam capazes de prevenir
a ocorrência de nova lesão.
Por fim, e de grande importância, o decreto, em sua redação, previu a criação
de cadastro de empresas que adotam programas de Compliance. Assim dispôs o
artigo 77 do diploma:

Art. 77. Mediante Portaria a ser editada pelo Controlador Geral do Distrito
Federal, será criado o cadastro de empresas que adotam programas de
integridade, dando-lhe publicidade no Portal da Transparência e no sítio
eletrônico da Controladoria Geral do Distrito Federal. (Brasil 2016)

Surge no diploma o intuito da criação de uma outra forma de incentivo: uma


vitrine de empresas com as quais subentende-se ser mais seguro interagir em
45
parcerias, fornecimentos, distribuições, etc. Resta, uma vez mais, evidente a
maturidade do diploma em relação aos demais.

6.12. Decreto nº 48.326/16 do Estado de Alagoas

O Decreto datado de 05 de maio de 2016, regulamentou a lei federal no âmbito


do Estado de Alagoas.
Seguindo o padrão do regulamento federal, assim dispôs o decreto, no
parágrafo 3º de seu artigo 5º:

Art. 5º No ato de instauração do PAR, a autoridade designará comissão que


avaliará fatos e circunstâncias conhecidas e intimará a pessoa jurídica para,
no prazo de 30 (trinta dias), apresentar defesa escrita e especificar eventuais
provas que pretende produzir.
[...]
§ 3º. Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e
documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de
integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os
parâmetros indicados no Capítulo IV deste Decreto, para a dosimetria das
sanções a serem aplicadas. (Brasil 2016)

No capítulo mencionado pelo dispositivo acima, o diploma trouxe a


especificação dos percentuais mínimos e máximos para a redução da penalidade
multa. Assim dispõe o artigo 22, em seu inciso V:

Art. 22. Do resultado da soma dos fatores do art. 21 deste Decreto serão
subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais do
faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da
instauração do PAR, excluídos os tributos:
[...]
V - 1% (um por cento) a 4% (quatro por cento) para comprovação de a pessoa
jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os
parâmetros estabelecidos no Capítulo IV deste Decreto. (Brasil 2016)

Assim como no decreto do Distrito Federal, a redação do dispositivo, apesar de


apenas repetir a disposição do regulamento federal, é de grande importância, vez que
garante limites mínimos e máximos para a aplicação da redução.
O decreto trouxe, em sua redação, descrição de programa de Compliance
semelhante à proposta pelo regulamento federal, motivo pelo qual nova transcrição
torna-se desnecessária. Os artigos 45 e 46 foram os dispositivos que expressaram a
preocupação do diploma – ainda que apenas repetindo redação proposta pelo
regulamento federal – com o estabelecimento de um padrão a ser observado pelas

46
empresas que visem os benefícios de redução de sanção e da leniência, previstos no
diploma.
O diploma trouxe também a presença de um programa de Compliance como
requisito para a celebração de acordo de leniência. Assim dispôs em seu artigo 41,
parágrafo IV:

Art. 41. O acordo de leniência conterá, entre outras disposições, cláusulas


que versem sobre:
[...]
IV - a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade,
conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo VI deste Decreto. (Brasil
2016)

7. ACORDO DE LENIÊNCIA3

Fonte: www.antcbrasil.org.br

Acordo de leniência é firmado entre a pessoa jurídica que cometeu ato ilícito
contra a administração pública, nacional ou estrangeira, mas que se dispõe a auxiliar
nas investigações que levem a captura de outros envolvidos no crime, em troca de
benefícios para sua pena.

3 Texto adaptado de Aspectos Controvertidos Dos Acordos De Leniência No Direito Brasileiro.

Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 20, n. 31, 2017 - Artur de Brito Gueiros Souza

47
O significado literal do acordo de leniência é garantir a “suavização” da
punibilidade ao infrator que participou de atividade ilícita, mas que em troca passa a
colaborar com as investigações com o intuito de denunciar outros infratores envolvidos
no crime.
As definições do acordo de leniências estão estabelecidas na lei nº 12.846, de
1º de agosto de 2013, conhecida por Lei Anticorrupção.
O programa de leniência também faz parte do Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência, conforme descrito na lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.
Além da necessidade de apresentar provas e informações que sejam
relevantes para as investigações e captura de outros infratores, as empresas que se
comprometem com o acordo de leniência devem implementar mecanismos internos
que melhorem a integridade da sua organização (conhecido por programa de
Compliance), evitando que ocorram novos atos criminosos, que faltem com a ética e
moral na administração pública:

IV - a pessoa jurídica se comprometa a implementar ou a melhorar os


mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo às denúncias de
irregularidades e à aplicação efetiva de código de ética e de conduta. (Art. 16.
Lei nº 12.846/2013)

O órgão responsável por celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder


Executivo Federal é a Controladoria-Geral da União (CGU). No entanto, este benefício
também pode ser concedido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE), como estabelece a lei nº 12.529/11.
A incorporação do programa de acordo de leniência no sistema jurídico
brasileiro é fruto da observação de experiências vividas nos Estados Unidos,
principalmente a partir do começo da década de 1990.
Como “recompensa” pelo auxílio durante as investigações, na tentativa de se
redimir pela participação no ato ilícito, o infrator sob acordo de leniência poderá ter a
isenção total da multa, ou a sua redução em até 2/3 (dois terços) do valor total.
Outros possíveis benefícios podem incluir: isenção da proibição de receber do
Governo Federal incentivos, subsídios e empréstimos; isenção de obrigatoriedade de
publicação a punição e isenção ou atenuação da proibição de contratar com a
Administração Pública.
No entanto, o acordo de leniência não exime a empresa de reparar todos os
danos causados por decorrência de seus atos.

48
O acordo de leniência e Delação premiada, ambos consistem em acordos
firmados entre infratores e os respectivos órgãos responsáveis pelos processos de
investigações criminais.
A principal diferença entre o acordo de leniência e a delação premiada está na
concessão de ambas as práticas: o acordo de leniência é firmado por órgãos
administrativos do Poder Executivo; a delação premiada, por sua vez, é celebrada
pelo Poder Judiciário, em parceria com o Ministério Público.
Em ambos os casos, o acusado deverá se comprometer em compactuar com
as investigações do ato criminoso do qual participou.

7.1. Parâmetros do Acordo de Leniência

A disciplina do acordo de leniência no Brasil encontra na Lei n. 8.884/1994 um


diploma de investigação obrigatória. Isso porque, ela introduziu três importantes
institutos no nosso Direito: o compromisso de cessação, o compromisso de
desempenho e, subsequentemente, o acordo de leniência.
Com relação ao compromisso de cessação, cuidou-se de instrumento de
composição de conflitos concorrenciais, que teve por escopo a recomposição do
mercado ao seu regular funcionamento. Ao tempo de vigência da Lei n. 8.884/1994, a
regulamentação desse instituto foi alterada sem, contudo, modificar-lhe a essência. O
compromisso de cessação tratava do retorno do agente econômico a um
comportamento conforme o direito, constituindo-se elemento suficiente a impedir a
aplicação das sanções previstas para a prática de infrações à ordem econômica. Não
obstante, o compromisso, além de exigir um retorno a um comportamento regular,
veiculava obrigações para o investigado em seu termo. Dentre tais obrigações,
figurava o pagamento de contribuição pecuniária para o Fundo de Defesa dos Direitos
Difusos.
Outra espécie de ajuste previsto no âmbito da citada Lei n. 8.884/1994, mas
que não foi repetido na vigente Lei n. 12.529/2011, era o compromisso de
desempenho. Cuidava-se de instituto vinculado com a concentração econômica, mas
pouca repercussão na órbita penal, visto que pressupunha a falta do substrato de um
ato ilícito.

49
O terceiro instrumento veiculado na Lei n. 8.884/1994 foi o acordo de leniência
que, contudo, não constava de sua redação original. Apenas com a Medida Provisória
n. 2.055/2000, posteriormente convertida na Lei n.º 10.149/2000, foram introduzidos
os arts. 35-B e 35-C. Além de minuciosa regulamentação, a lei condicionava a
produção de efeitos do acordo de leniência à verificação de determinados resultados,
tais como a identificação dos demais coautores da infração e obtenção de informações
e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.
A Lei n. 12.529/2011 veio a revogar a Lei n. 8.884/94, mas embora o tenha
feito, preservou o instituto do acordo de leniência, com o formato de programa de
leniência. Todavia, a Lei n. 12.259/2011 manteve extensa regulamentação do instituto.
Neste diploma podem ser observadas as características essenciais do acordo, além
daquelas já antecipadas, tais como que empresa seja a primeira a se qualificar com
respeito à infração específica, que cesse completamente seu envolvimento na
infração noticiada confessando sua participação no ilícito, que colabore
permanentemente com as investigações, e – o que parece fundamental – que as
autoridades públicas celebrantes do acordo não disponham de provas suficientes para
assegurar a condenação.
Cumpre, assim, salientar que o acordo de leniência é uma ferramenta de
caráter dúplice, pois almeja ao mesmo tempo investigar e reprimir ilícitos, tutelando a
lhaneza comportamental dos agentes de mercado. Dessa forma, a indicação de que
o Estado não possua as provas necessárias para a condenação da empresa parece
denotar o interesse público subjacente ao acordo. Vale dizer, o acordo de leniência
tem como pressuposto a obtenção de elementos que viabilizem a condenação
daqueles que concorram ao ato ilícito, ainda que amenize a situação da corporação.
Evidencia-se, ainda, um compromisso no sentido de a empresa retornar às práticas
econômicas lícitas.
Contudo, a adoção de mecanismos de investigação fundados em técnicas
premiais – tais como os acordos de leniência – não se encontra restrito ao campo das
infrações administrativas contra a ordem econômica. Com efeito, a Lei nº 12.846/2013,
que disciplina a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública nacional e estrangeira, também prevê
programa de leniência em seu âmbito de incidência. No entanto, a Lei n. 12.846/2013

50
destoa da Lei n. 12.529/2011 no sentido de contemplar efeitos penais para as pessoas
físicas (dirigentes, empregados ou prepostos das empresas colaboradora).
Efetivamente, os acordos de leniência representam a implementação do
paradigma da consensualidade, uma vez que possibilitam o ajuste de vontade entre a
empresa que comete o ato ilícito e o poder público. Desse modo, a corporação oferece
colaboração efetiva para com a administração pública no que diz respeito às
investigações e o respectivo processo, indicando, por exemplo, os nomes dos demais
envolvidos na infração, em troca de determinados benefícios, contidos tanto na Lei n.
12.529/2011 como na Lei n. 12.846/2013.
No que se refere aos acordos de leniência celebrados com base na Lei n˚
12.846/2013, os benefícios podem consistir em isenção das sanções de publicação
extraordinária da decisão condenatória e das sanções previstas na Lei n˚ 8.666/1993,
e a redução de até 2/3 (dois terços) da multa ou a sua remissão, caso seja a primeira
pessoa jurídica a firmar o acordo. Ressalte-se que, em qualquer caso, subsiste o dever
de a empresa reparar integralmente o dano e submeter-se à aplicação de
determinadas sanções, consoante os arts. 16 e seguintes da Lei n˚ 12.846/2013.
No que tange à Lei n. 12.529/2011, o acordo de leniência é celebrado tão
somente com a primeira pessoa jurídica que se qualificar com respeito à infração
noticiada ou sob investigação. Isto ocorrerá desde que a Superintendência-Geral não
tenha ainda provas suficientes para assegurar a condenação de pessoas jurídicas ou
físicas envolvidas e desde que haja a confissão da prática da infração e do
compromisso de participar de todos os atos de instrução. E, com relação à pessoa
física, bastam os três últimos requisitos para a celebração do acordo de leniência,
conforme os arts. 86 e seguintes da Lei n˚ 12.529/2011.
Cumpre, ainda, observar que a Lei n˚ 12.529/2011 confere tratamento distinto
para o acordo de leniência celebrado antes e após a descoberta da infração, sendo
certo que tal distinção não é feita pela Lei n. 12.846/2013. Surge, assim, na Lei
12.529/2011, a figura daquilo que se pode chamar de leniência plus. Se a pessoa
jurídica ou física não conseguir, no curso do processo administrativo, realizar o acordo
de leniência, poderá celebrá-lo com a Superintendência-Geral do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), até a remessa do processo para
julgamento, tendo como objeto uma infração da qual a administração pública ainda
não tenha conhecimento. Este mecanismo está previsto no artigo 86, §§ 7˚ e 8˚, da

51
Lei n˚ 12.529/2011. E nos casos em que a administração pública não tiver
conhecimento, a pessoa jurídica ou física ficará isenta de punição na via administrativa
(art. 86, caput e § 4˚, I, da Lei n˚ 12.529/2011). Com relação aos fatos em que a
administração pública já tinha conhecimento, haverá a redução de 1/3 (um terço) a
2/3 (dois terços) sobre a penalidade aplicável (art. 86 da Lei n˚ 12.529/2011).
Demais disso, o acordo de leniência celebrado nos moldes da Lei 12.529/2011
também provoca efeitos na seara penal. Conforme o art. 87 da Lei n˚ 12.529/2011, o
acordo de leniência celebrado impede o oferecimento de denúncia contra a pessoa
física que o celebrou em crimes contra a ordem econômica (art. 4˚ da Lei n˚
8.137/1990), crimes de fraude à licitação (art. 89 da Lei n˚ 8.666/1993) e crimes de
associação criminosa (art. 288 do Código Penal). Segundo, ainda, o art. 87, parágrafo
único, da Lei 12.529/2011, o acordo de leniência cumprido acarreta a extinção da
punibilidade de crimes praticados por pessoas físicas. Outrossim, como já
mencionado, não existe norma idêntica na Lei n. 12.846/2013.
Por fim, é preciso ressaltar que tanto na Lei n˚ 12.529/2011 como na Lei n˚
12.846/2013 não há vedação expressa à imposição, por parte da administração
pública, da sanção de dissolução compulsória da pessoa jurídica que pretender
celebrar o acordo de leniência. Contudo, em uma interpretação lógico-sistemática,
esta sanção não poderia ser aplicada, caso exista interesse do poder público em
celebrar o acordo, pois não faria sentido dissolver compulsoriamente a pessoa jurídica
– provocando a sua morte civil – em uma situação fática em que ela se prontificou a
colaborar efetivamente com as investigações.

7.2. Acordo de Leniência e a Responsabilidade Individual

Conforme antecipado, a celebração de acordo de leniência tem como um dos


seus requisitos que a empresa interessada apresente as provas necessárias para a
identificação das pessoas físicas responsáveis por determinada infração.
Nesse sentido, a Lei n. 12.846/2013, que trata da responsabilização extrapenal
de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira, disciplina a possibilidade de formulação de acordo de leniência – cujos
efeitos beneficiariam somente a pessoa jurídica – a partir de requisitos que implicam
diretamente na comprovação de fatos que podem levar à responsabilização das

52
pessoas físicas envolvidas. Com efeito, o acordo de leniência previsto na Lei n.
12.846/2013 exige que seja obtida a identificação dos envolvidos no ilícito, quando
isso couber, exigindo, ainda, de maneira célere, a apresentação de informações e
documentos que comprovem os fatos sob apuração.
Além disso, a Lei n. 12.846/2013 impõe que a pessoa jurídica reconheça seu
envolvimento no ilícito e que colabore, de maneira completa e permanente, tanto com
a investigação quanto com o processo administrativo, inclusive com o
comparecimento, às suas próprias custas, sempre que lhe for determinado, a todos
os atos processuais até o fim. Evidentemente, tais exigências levam a apresentação
de provas contra as pessoas físicas que, no exercício de função de controle, tenham
estado, de maneira penalmente relevante, por trás dos atos praticados da pessoa
jurídica.
Por outro lado, o acordo de leniência disciplinado na Lei n. 12.846/2013 não
prevê qualquer benefício em relação à responsabilidade penal de pessoa física que
integre a pessoa jurídica. Uma cooperação voluntária com as investigações, inclusive
com esclarecimento dos fatos ocorridos, somente beneficiará o indivíduo se for
realizada no contexto de alguma espécie de colaboração premiada, como a prevista
no art. 4º e seguintes da Lei n. 12.850/2013, que prevê, para aquele que estabelecer
um acordo de colaboração, a possibilidade de perdão judicial, de redução em até dois
terços da pena privativa de liberdade ou sua substituição por pena restritiva de direitos.
A ausência de benefícios penais para pessoas físicas no acordo de leniência
constante na Lei n. 12.846/2013 – diferentemente da Lei n. 12.529/2011 – teria sido
uma opção do legislador brasileiro. Como visto, no âmbito das infrações cometidas
contra a ordem econômica, o antigo art. 35-C, caput, e parágrafo único, da Lei
8.884/1994, previa um acordo de leniência que tinha por efeito penal a suspensão do
curso do prazo prescricional e o impedimento do oferecimento de denúncia pelo
Ministério Público, e, após o término de seu cumprimento, a extinção automática da
punibilidade do sujeito. Tais efeitos foram mantidos no acordo de leniência da Lei n.
12.529/2011, que, em seu art. 87, caput, e parágrafo único, dispõe que o curso do
prazo prescricional será suspenso e o Ministério Público impedido de oferecer
denúncia contra aqueles que praticam crimes contra a ordem econômica previstos na
Lei n. 8.137/1990, demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, como
os tipificados na Lei n. 8.666/1993, e os previstos no art. 288 do Código Penal, além

53
da consequente extinção automática da punibilidade depois de seu cumprimento.
Assim, ao contrário do que ocorre com o indivíduo envolvido em “atos lesivos à
administração pública nacional ou estrangeira” que podem configurar crimes, a
pessoa física que pratica os delitos apontados pelo art. 87 da Lei n. 12.529/2011
obtém a extinção da sua punibilidade desde que cumpra integralmente o acordo de
leniência firmado com o CADE.
Embora se tratem de delitos submetidos à ação penal pública incondicionada,
não há previsão legal expressa, nessa espécie de acordo de leniência, da participação
do Ministério Público. Isso levou à discussão sobre se o princípio da indisponibilidade
da ação penal pública não tornaria indispensável a chancela do Ministério Público para
que o acordo pudesse surtir efeitos sobre a punibilidade do beneficiado.
Contudo, ao que parece, a intenção do legislador ao não prever benefícios
penais no âmbito do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013 foi a de manter sua
esfera de aplicação restrita às pessoas jurídicas, de modo que os benefícios nela
contidos somente pudessem ser desfrutados pelo ente moral. Ademais, por uma
questão de conveniência político-criminal, tem-se que o legislador quis evitar colisão
normativa entre o acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013 com o instituto da
colaboração premiada, previsto na Lei n. 12.850/2013, sendo certo que ambos os
projetos que deram azo às Leis n. 12.846 e 12.850/2013 tramitaram, ao mesmo tempo,
no Parlamento brasileiro. Desse modo, manifesta-se a divisão normativa procedida
pelo legislador: na hipótese dos ilícitos abrangidos pela Lei n. 12.846/2013, benefícios
incidentes sobre a responsabilização da pessoa jurídica são concedidos pelo acordo
de leniência previsto nela própria, enquanto aqueles referidos à responsabilização
penal individual das pessoas físicas devem ser obtidos por meio do acordo de
colaboração premiada previsto na Lei n. 12.850/2013. Considera-se que a opção
legislativa merece elogios, pois o acordo de leniência, disposto na Lei n. 12.846/2013,
deve ser celebrado, como prevê o seu art. 16, caput, entre a beneficiária e a
autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública afetada – o que, no plano
administrativo, é mais apropriado para a modalidade de responsabilização objetiva da
pessoa jurídica que a própria lei prevê –, ao passo que o acordo de colaboração
premiada, disposto na Lei n. 12.850/2013, deve ser estabelecido no âmbito dos órgãos
atuantes no plano judicial, com o envolvimento do Ministério Público e do Poder

54
Judiciário – o que se reputa mais adequado quando se trata discutir a diminuição ou
extinção da responsabilidade penal de uma pessoa física.
Em síntese, prever efeitos sobre a responsabilização individual penal no acordo
de leniência da Lei n. 12.846/2013 significaria reeditar a mal resolvida questão da
ausência do Ministério Público na celebração do acordo de leniência da Lei n.
12.529/2011, acima mencionada, e sobrepor eventuais negociações fundadas no
acordo de colaboração premiada da Lei n. 12.850/2013.

7.3. Acordo de Leniência e o Arrependimento Posterior

Outra questão importante sobre a presente temática diz respeito a relação


existente entre acordo de leniência e o instituto do arrependimento posterior. Isso
porque, há muito tempo que a doutrina penal se preocupa com mecanismos
reparatórios das lesões ou ameaças a bens jurídicos, e, na atualidade, tais
preocupações sobrelevam de importância, em especial nos crimes empresariais,
tendo em conta a extensão da lesão que, via de regra, ocorre na realidade
socioeconômica.
Uma das propostas desse modelo penal mais suave, brando ou leniente, seria
a obrigação da reparação do dano. A reparação do dano sofrido pelo lesado – quando
possível – poderia conduzir a uma suspensão condicional ou até mesmo à dispensa
da pena, mantendo-se, neste caso, a condenação do agente.
Inspirado em idêntico ideal de recomposição da vítima ao status quo anterior à
infração penal, a Reforma Penal brasileira de 1984 contemplou a figura do
arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal). O arrependimento posterior, no
direito brasileiro, guardaria proximidade com a previsão do direito penal alemão de
uma atenuação obrigatória da pena quando reparação do dano for verificada antes de
ter início o procedimento principal (Haupverfahren).
Na estruturação do nosso Código Penal, o arrependimento funcionaria tão
somente como um redutor de pena, e para crimes cometidos sem violência ou grave
ameaça a pessoa. Contudo, a jurisprudência brasileira manteve ou construiu o
entendimento de que, em certos crimes, a reparação integral do dano gera efeitos
mais intensos, ou seja, extintivos da punibilidade, como ocorre nas hipóteses do

55
estelionato mediante cheque sem fundos e dos crimes tributários, quando ocorre o
pagamento do débito antes do início da ação penal.
Pode ser extraído do instituto do arrependimento posterior o aspecto da
reparação do dano como um dos alicerces para a estruturação dos acordos de
leniência, tanto na Lei n. 12.529/2011 como na Lei n. 12.846/2013. E assim parece
pertinente pelo fato de que o lucro, objetivo maior da empresa, não pode ser obtido a
qualquer custo.
Outrossim, é preciso ter em conta que a mera reparação do dano decorrente
do ilícito não se revela suficiente como medida de prevenção e repressão ao
comportamento indesejado. Pelo contrário, a adoção de uma mera lógica matemática
de custo e benefício, na qual prevaleça tão-somente a reparação do dano no acordo
de leniência, sem que a empresa denote uma mudança do ambiente interno
criminógeno ou não colabore com a apresentação de provas concretas dos
responsáveis pela prática do ilícito, pode conduzir a que o acordo se insira dentro de
uma lógica imoral ou de mera conveniência empresarial.

7.4. Acordo de Leniência e a relação entre sócio e administrador da empresa

Como se sabe, o ente moral consiste em criação do Direito, com vistas a


permitir que pessoas físicas conjuguem esforços, interesses e recursos para a
consecução de objetivos em comum. Nesse contexto, em regra, a pessoa jurídica é
dotada de personalidade jurídica autônoma e independente dos seus sócios e
administradores, estando apta a se tornar titular, de forma lícita, de direitos e
obrigações no ordenamento jurídico.
Para fins de exercer os direitos e cumprir as obrigações de que é titular, a
pessoa jurídica, no caso a empresa, é organizada internamente em estruturas
próprias, cada qual com suas prerrogativas e funções inerentes à formação e
materialização da vontade da entidade no mundo real. Nesse sentido, considerando-
se os dois tipos societários mais comuns na realidade brasileira (sociedades limitadas
e sociedades anônimas), tais centros de interesse manifestam-se principalmente nas
figuras dos sócios e dos administradores dessas entidades.
Apesar da possibilidade dessas posições, em certas ocasiões, se confundirem,
quando o sócio também exerça a função de administração da entidade, é certo que a

56
complexidade dos negócios e do desenvolvimento econômico faz com que haja a
separação de tais funções. Dessa maneira, é possível que, ao menos, três centros de
interesses relevantes despontam: o interesse pessoal dos sócios, enquanto pessoas
físicas; o interesse pessoal de administradores; e o interesse social, compreendido
como o melhor interesse da empresa, abrangendo todos os agentes econômicos nela
envolvidos (sócios, administradores, fornecedores, consumidores, trabalhadores,
Fisco etc.).
Em regra, cabe aos sócios, reunidos em órgão próprio, compor a vontade da
entidade. A vontade da entidade é manifestada, na prática, por meio de atos
realizados pelos administradores, os quais, segundo o entendimento contemporâneo,
tornam presente a empresa no mundo dos fatos.
Veja-se o exemplo da celebração de um acordo comercial relevante para a
sociedade. Em geral, tal acordo e seus principais termos e condições devem ser
apreciados e deliberados pelos sócios, em órgão próprio, à luz daquilo que
vislumbram como o melhor interesse da empresa. Uma vez aprovados os termos e
condições de celebração do acordo pelos sócios, cabe aos administradores, com
funções executivas, efetivamente negociar e firmar o contrato.
A principal questão que aqui se coloca, consiste na pertinência do
procedimento acima descrito acima para a negociação e celebração de um acordo de
leniência. Nesse sentido, diversas seriam as indagações que a celebração de um
acordo dessa natureza trás para a relação entre sócio e administrador. Como tratar o
sigilo da negociação e celebração do acordo de leniência, caso tenham de ser
deliberados e aprovados pelos sócios? Como permitir que um assunto tão relevante
para o futuro da empresa seja decidido diretamente pelos administradores, sem a
participação prévia dos sócios, que são aqueles que mais sofrerão os efeitos desse
ato? Como assegurar às autoridades públicas que aqueles com que negociam e
celebram acordos de leniência efetivamente possuem os poderes necessários para
representar a corporação, vinculando-a ao teor do que for avençado com o poder
público?
Como se percebe das questões apontadas, todas as partes envolvidas na
negociação e celebração de acordos de leniência possuem considerável interesse na
delimitação de bases seguras, do ponto de vista corporativo, para que o acordo possa
ser juridicamente executável. Portanto, a definição de um procedimento específico

57
para embasar tais atos sobreleva de importância de lege lata, vale dizer, para os
projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional relacionados com o instituto do
acordo de leniência.
Ultrapassada a questão procedimental inerente à negociação e celebração do
acordo de leniência, destaca-se, ainda, a questão concernente a potencial ocorrência
de conflitos de interesse entre os agentes corporativos envolvidos na confecção desse
acordo.

7.5. Acordo de Leniência e o conflito de interesse entre sócio, administrador


e a própria empresa.

Uma questão bastante discutida no contexto empresarial diz respeito a adoção


de medidas que coíbam a chamada teoria da agência. Com efeito, segundo esta
teoria, aquele que comanda a entidade é chamado de “agente”, ao passo que o sócio,
que é o proprietário da corporação – e, portanto, quem irá suportar os efeitos
patrimoniais dos atos de gestão – são chamados de “principal”. A partir desse ponto
de vista, é possível existir o desalinhamento entre o interesse social e os interesses
particulares dos diversos agentes integrantes da organização.
Os agentes, ao atuarem como órgãos sociais, devem ter o interesse social da
empresa como exclusivo fundamento para adoção de condutas, atendendo ao dever
fiduciário que assumem junto à corporação e devendo, para tanto, relegar a segundo
plano, ou mesmo afastar, seus próprios interesses ou aqueles das pessoas a eles
vinculadas com laços que possam comprometer a sua independência. Em cada uma
das relações existentes na empresa percebe-se a configuração dessa dinâmica
“principal-agente”. Assim, a sociedade empresarial pode ser vista como um conjunto
de contratos e relações jurídicas, administrados pelos agentes, dentre os quais se
insere a negociação e celebração de acordos de leniência.
Os potenciais conflitos entre interesses opostos, que surgem na administração
desses acordos ou nas situações jurídicas deles decorrentes, configuram hipótese
prática do que se pode denominar de “conflito de agência”. No caso, existiria, de um
lado, o interesse social e, de outro, em posição potencialmente antagônica, os
interesses particulares dos agentes ou de terceiras pessoas.
Sobre esse aspecto, pode-se conjecturar, por exemplo, situação em que o
administrador (a pedido do sócio controlador, ou ao arrepio da sua vontade e

58
contrariando o procedimento previsto no item anterior) decida negociar e celebrar
acordo de leniência, em nome da entidade administrada, com a finalidade de que as
investigações não atinjam a sua esfera particular de interesses, “entregando” a
empresa, mas não os agentes a ele vinculados, por qualquer motivo. Para evitar
situações como esta, faz-se relevante o aprimoramento normativo, com o objetivo de
contemplar a realidade dos chamados “custos de agência”, na busca por um
alinhamento entre os interesses daqueles que comandam a organização com os da
própria organização. Isto incentivaria a atuação dos agentes na negociação e
celebração dos acordos de leniência, de maneira independente, transparente e em
conformidade com o objeto social, buscando-se, de forma razoável, as maiores
vantagens possíveis para a empresa, dentro dos parâmetros da boa-fé e da
comutatividade das obrigações assumidas pelas partes.
Vislumbra-se, portanto, a necessidade de uma revisão, de cunho societária-
corporativa, nas normas aplicáveis e nos projetos em tramitação no Poder Legislativo,
com vistas a conferir maior segurança jurídica ao procedimento de negociação e
celebração de acordo de leniência.

7.6. Acordo de Leniência e o Direito Processual Penal

No seu significado literal, leniência significa a qualidade do que é lene, brando,


suave, agradável. Como visto ao longo do texto, acordo de leniência é a terminologia
jurídica utilizada para denominar o acordo que o investigado ou acusado realiza com
o poder público, colaborando nas investigações de uma determinada infração,
obtendo, em contrapartida, certos benefícios, como a não aplicação ou a minoração
da punição.
O acordo ou pacto de leniência tem sido utilizado, na generalidade dos países,
a fim de fazer frente a uma nova forma de criminalidade que ganhou impulso em todo
mundo com a globalização e as transformações econômicas que se sucederam. No
Brasil, existem vários dispositivos legais que regulamentam várias espécies de
acordos, conforme as já mencionadas Leis n. 12.529/2011 e 12.850/2013, com seus
reflexos na esfera penal. Assim é possível afirmar que estes acordos – de origem norte
americana – integram, atualmente, o sistema processual brasileiro.

59
A propósito, cumpre indagar se a celebração de acordo de leniência interfere
ou mitiga a obrigatoriedade da ação penal pública, bem como com o sistema
acusatório. Dito por outras palavras, questiona-se se institutos de origem norte
americana, com negociações entre acusação e defesa, com a aceitação da culpa por
este, em troca de benefícios como retirada ou redução das imputações, seriam
consentâneos ou não com o modelo processual penal adotado a partir da Constituição
de 1988.
A resposta para tais indagações exige uma breve análise sobre o sistema
processual penal brasileiro, cujo Código de Processo Penal foi, inicialmente,
elaborado em bases inquisitivas e, posteriormente, sofreu forte modificação com a
adoção, pela Constituição de 1988, dos princípios relativos ao sistema acusatório.
Como se sabe, a linha divisória entre um sistema processual acusatório e um sistema
inquisitivo repousaria nas garantias constitucionais. Desse modo, não existe um único
modelo acusatório, visto que cada país disciplina seu sistema processual penal, sendo
correto afirmar que “acusatório” seria todo modelo que respeitasse as garantias
constitucionais de um processo penal democrático.
Desta forma, uma das principais características de qualquer modelo acusatório,
além da observância de garantias processuais, seria a presença de partes com
funções distintas das do julgador. Isso porque não se pode aceitar, no sistema
acusatório, que o julgador tenha poderes de iniciativa ou impulso processual próprias
de um processo de partes.
Assim, se na pendência do inquérito policial ou do processo penal, sobrevier o
interesse na celebração de acordo de leniência, com os efeitos penais previsto na lei,
tem-se como fundamental a não-exclusão do Ministério Público no curso dessas
tratativas. Isso porque, como se base, o Ministério Público é o titular da ação penal
pública. Nesse sentido, pode-se travar um paralelo entre acordo de leniência e outros
institutos próprios de um consensualismo processual, tais como a transação penal e
a suspensão condicional do processo, ambas previstas na Lei n. 9.099/1995,
pontuando que são alternativas penais de iniciativa exclusiva do Ministério Público.
Em suma, em um processo de partes, apenas o titular da ação poderia mitigar o
princípio da obrigatoriedade.
Portanto, eventuais tentativas de retirar do titular da ação penal a legitimidade
para transigir com investigado, realizando – sem o Ministério Público – acordos que

60
possam repercutir na persecução criminal, violariam o sistema acusatório, na medida
em que uma das partes seria excluída da sua posição no processo penal.
Nesse contexto, questiona-se a compatibilidade do acordo de leniência com o
nosso modelo processual. Isso porque, ao permitir que a administração pública
negocie acordo com a pessoa física ou jurídica responsável pelo ilícito, isso
redundaria no impedimento de denúncia pelo MP, pois o seu cumprimento é causa de
extinção da punibilidade dos crimes tipificados na Lei n° 8.137/1990, e dos crimes
relacionados com prática de cartel, tais como os tipificados na Lei n° 8.666/1993, bem
como no art. 288, do Código Penal.
Não se questiona a relevância e a pertinência do instituto do acordo de
leniência para a prevenção e repressão da criminalidade econômica. Porém, a
ausência do Ministério Público em um acordo que repercute na ação penal, que
repercute na punibilidade, é disposição legal de duvidosa constitucionalidade.
É certo que o legislador pode criar condições para o exercício da ação penal
ou causas de extinção da punibilidade. Todavia, nos acordos contidos na Lei n.
12.259/2011 e 12.846/2013, a não previsão expressa da participação do titular da
ação penal na celebração do pacto de leniência, pode acarretar efeitos mediatos
negativos para o interesse público na adequada e eficaz repressão da criminalidade
econômica, nela incluída a corrupção de funcionários públicos nacionais ou
estrangeiros.

7.7. Acordo de Leniência sem a Participação do Ministério Público - Aspectos


Práticos.

Como já repetido ao longo do texto, no âmbito federal, são três os tipos de


acordos de leniência: os realizados pela Controladoria Geral da União, atual Ministério
da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC), com base na Lei n. 12.846/2013;
os pactuados pelo CADE, com base na Lei n. 12.529/2011; e os firmados pelo próprio
Ministério Público Federal.
Por vez, o CADE, desde 2003, sempre em parceria com o MPF, vem
promovendo acordos de leniência, verificada a existência de seus pressupostos, ainda
que não haja na Lei n. 12.529/2011, conforme dito linhas antes, a previsão expressa
de participação. Isso se dá pelo fato de que o estabelecimento de que o acordo de
leniência celebrado com base na Lei n. 12.529/2011 impede, como dito, a propositura

61
de denúncia pela Procuradoria da República em decorrência dos crimes da Lei n.
8.137/1990, crimes relacionados com prática de cartel previstos na Lei n. 8.666/1993
e do art. 288, de Código Penal.
Em sentido oposto, a CGU, atual MTFC, considera ser a única legitimada a
celebrar o acordo de leniência, com base na Lei nº 12.846/2013, por não existir
previsão expressa de participação, no âmbito da administração pública federal do
MPF. Vale salientar ser esse um entendimento controvertido, uma vez que ele pode
violar a regra da indisponibilidade da ação penal – bem como a sua titularidade –,
constitucionalmente assegurada ao Parquet.
A propósito, em representação feita ao Tribunal de Contas da União (TCU), o
MPF aduziu que, além de ser aquele posicionamento contrário ao disposto no art. 16,
da Lei nº 12.846/2013, os acordos de leniência firmados pela CGU, e não fiscalizados,
poderiam interferir tanto suas investigações, como as da Polícia Federal. A seu turno,
o TCU, apesar de reconhecer a relevância da participação do MPF, considerou ser
prescindível sua atuação na celebração do acordo de leniência. A propósito, o julgado
concluiu:

87. Nesse teor, o parecer instrutivo enfrentou a questão da possível


vinculação absoluta do parecer da CGU à possível negativa de vantagem
informada pelo MPF, quando ciente das exatas condições oferecidas ao
leniente. No processo de consulta ao MPF poderão existir, afinal, informações
sigilosas sobre a empresa delatora não compartilhadas ao executivo – sob
pena de risco às investigações – o que, na prática, limitará ou vinculará a
competência administrativa da CGU de celebrar o acordo de leniência ao
juízo do Parquet. Seria, em última análise, eventualmente limitar a
competência legal conferida à CGU.
88. A conclusão desta unidade técnica, com respaldo de toda digressão
argumentativa oferecida, foi de que, embora recomendável a participação
integrada do MPF na negociação conjunta de acordos administrativos, não
se pode taxar como contra legis absoluta eventual tratativa específica em que
essa boa prática não tenha sido objetivamente empreendida. Esse não é o
extrato legislativo delineado pela Lei 12.846/2013, em suas especificidades,
por mais criticáveis que sejam. Reduzir tal raciocínio a termo significa inferir
que a negativa de inclusão do MPF nos termos de confidencialidade iniciais
das negociações, embora desejável, não seja uma disposição coercitiva
absoluta. Em outras palavras, pode-se até se questionar a intelecção
legislativa de conferir tal responsabilidade à CGU; mas não se pode negar
que a lei, em seu desígnio atual, prevê a CGU como a titular de avaliação da
vantagem – mesmo reconhecendo o seu limitado poderio de conhecimento.

Em que pese a edição da Instrução Normativa TCU n° 74/2015, que garante a


participação do MPF na aferição da legalidade do acordo firmado pela CGU, no
tocante à análise dos critérios legais a serem ali preenchidos, tem-se que acordo de
leniência sem direta e efetiva participação do Parquet impede-o de promover a ação

62
penal pública. Em outras palavras, afronta a prerrogativa constitucional contida no art.
129, I da Constituição Federal.
Nesse sentido, o modelo desenhado pela Lei n. 12.846/2013 desconsidera a
possibilidade de interferência em investigação criminal já em curso, com elementos
suficientes à persecução. Este modelo não estabelece, ainda, mecanismos
mandatórios de interação entre os órgãos para salvaguardar situações de eventual
conflito, o que também é criticável.

7.8. Acordo de Leniência e a improbidade administrativa.

A Medida Provisória nº 703/2015 tentou implementar diversas inovações no


regramento original do acordo de leniência, porém ela teve sua vigência encerrada no
dia 29 de maio de 2016, não sendo convertida em lei. Todavia, subsistem em
tramitação na Câmara dos Deputados projetos de lei que também tem por finalidade
promover alterações significativas na disposição dos acordos de leniência, como, por
exemplo, os Projetos de Lei nº 3636/2015 e 4850/2016. O debate sobre acordo de
leniência e a improbidade administrativa foi avivado pela mencionada MP nº 703, na
medida em que previu a alteração do art. 17, da Lei n. 8.429/1992, que, no seu art.
17, § 1°, proíbe acordo ou qualquer transação no âmbito da improbidade
administrativa, ante o postulado da indisponibilidade do interesse público.
Diante desse contexto, merecem ser feitas considerações de lege ferenda
sobre a possibilidade de acordo de leniência gerar efeitos na responsabilidade de
agentes públicos e privados pela prática de improbidade administrativa. Por outras
lavras, seria válida modificação legislativa que permitisse efeitos do acordo de
leniência nas ações de ações de improbidade administrativa?
Cuida-se de questão controvertida. De um lado, tal alteração da Lei n.
8.429/1992 estaria em consonância com novos paradigmas do Direito, coadunando-
se, assim, com um novo marco regulatório da autocomposição dos conflitos, na esteira
do que dispõe a Lei nº 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares
como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no
âmbito da administração pública.
Em sentido contrário, sustenta-se que tal iniciativa seria flagrantemente
inconstitucional, além de contrária ao interesse público de um combate eficaz ao

63
fenômeno da corrupção, compromisso assumido pelo poder público não somente para
a Sociedade brasileira, como, igualmente, em tratados e convenções internacionais.
O Senado passou a admitir a não aplicação das punições da Lei 8.429/92 (Lei
de Improbidade Administrativa) em hipóteses de acordo de leniência, registrando que
a Lei 8.429/92 é o mais importante e mais utilizado instrumento jurídico de proteção
ao patrimônio público pelo MP hoje no Brasil.
Como se já não fossem bastantes os argumentos já mencionados, a justificativa
de apresentação da Medida Provisória n. 703 para destravar a economia, permitindo
que empresas suspeitas de corrupção tenham acesso a financiamentos públicos e
fiquem impunes com anulação da multa prevista na Lei 12.846 danifica o princípio da
livre concorrência e nega princípios universais esculpidos nos pactos internacionais
anticorrupção — especialmente da OCDE (1997) e Mérida (2003).
Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República (PGR), em substancioso
parecer adicionado à ADI 5466, que questionava a constitucionalidade da referida
Medida Provisória, denota preocupação com os danosos efeitos que a mesma geraria,
tendo opinado pela sustação cautelar de seus efeitos. No tocante à suposta
“consensualidade administrativa” no âmbito da Lei de Improbidade, a ideia também
não foi bem recebida pela PGR, que salientou: “A competência excessivamente ampla
para celebração dos acordos, com reflexos potenciais sobre ações de improbidade e
todos os benefícios do art. 16, § 2o, da lei alterada pela MP, debilita fortemente o
princípio da responsabilidade, deturpa a finalidade do instituto da leniência e fere a
eficiência da administração pública na prevenção e repressão de atos ilícitos.”
Por fim, registre-se que não se trata de uma mera discussão teórica, haja vista
que as disposições contidas na MP n. 703 desapareceram juntamente com a perda
da vigência pelo decurso do tempo. Isso porque, como visto, ainda há projetos de lei
em tramitação no Parlamento que objetivam, dentre outras providências, fazer com
que os acordos de leniência possam surtir efeitos não somente para determinados
grupos de crimes, mas, também, para as infrações tipificadas na Lei n. 8.429/1992, o
que evidencia que a presente discussão está longe de terminar.

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