Compliance Legislação Pátria
Compliance Legislação Pátria
Compliance Legislação Pátria
2. DEVERES DO COMPLIANCE................................................................. 5
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 65
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1. CONCEITO E NOÇÕES GERAIS1
Fonte: images.adsttc.com
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Portanto, deve-se ter em mente que, mesmo que nenhuma lei ou regulamento
seja descumprido, ações que tragam impactos negativos para os “stakeholders”
(acionistas, clientes, empregados etc.) podem gerar risco reputacional e publicidade
adversa, comprometendo a continuidade de qualquer entidade. Para qualquer
instituição, confiança é um diferencial de mercado.
Em geral, as leis tentam estabelecer controles e maior transparência, mas estar
em conformidade apenas com as leis não garante um ambiente totalmente em
Compliance. A efetividade do Compliance está diretamente relacionada à importância
que é conferida aos padrões de honestidade e integridade na instituição.
O Compliance deve começar pelo “topo” da organização, com o apoio da alta
administração para a disseminação da cultura de Compliance, com as atitudes dos
executivos seniores, que devem “liderar pelo exemplo”, e com o comprometimento
dos colaboradores, que devem se conduzir pela ética e idoneidade.
Compliance pressupõe a existência de uma norma ou regulamento, é, pois, o
conjunto de esforços para atuação em conformidade com leis e regulamentações
inerentes ás atividades, assim como elaboração e compromisso com códigos de ética
e políticas de conduta internas.
Trata-se, em outros termos, do ato de cumprir, de estar em conformidade e
executar regulamentos internos e externos, impostos às atividades da instituição,
buscando mitigar o risco atrelado à reputação e ao regulatório/legal.
Compliance é muito presente em instituições e empresas. Originada no
mercado financeiro, tem se estendido às mais diversas organizações privadas e
governamentais, especialmente àquelas que estão sujeitas à forte regulamentação e
controle.
As empresas que são fornecedoras ativas de governos, participantes de
licitações e atuantes no comércio exterior devem estar cientes e se adequar em
relação ao aperto nas regras anticorrupção.
Nos âmbitos institucional e corporativo, Compliance é o conjunto de disciplinas,
para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, a política e as diretrizes
estabelecidas para o negócio e para as atividades da instituição ou empresa, bem
como evitar detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer.
O termo Compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa
agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou pedido.
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Significa, pois, o ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas
reguladoras de determinado setor, conceito que provém da economia e que foi
introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento
das normas, não necessariamente de natureza jurídica.
2. DEVERES DO COMPLIANCE
Fonte: posgraduacaofortaleza.com.br
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com a mesma pena mínima aquele que lava o dinheiro decorrente da prática de um
crime grave, ou de mera contravenção penal, o que pode em efeitos práticos acentuar
a demanda quantitativa das obrigações do Compliance officer.
3. COMPLIANCE OFFICER
Fonte: www.kmblegal.com
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Destarte, o Compliance Officer, ao assumir essa posição assume também uma
função complexa e arriscada, exposto à responsabilização criminal por dolo, culpa ou
omissão relevante em razão do assessoramento jurídico deficiente ou incompleto.
As atividades inerentes à função desempenhada pelo Compliance Officer são
imprescindíveis para o bom funcionamento das instituições que compõem o mercado
financeiro. Mais do que isso, o ambiente normativo no qual os bancos estão inseridos
torna obrigatória e indispensável a sua existência para o bom funcionamento
empresarial, e ainda que perante os órgãos fiscalizadores, tais como Banco Central
do Brasil e o COAF, não seja ele o representante oficialmente indicado, sua identidade
facilmente será revelada.
Conclui-se que Compliance officer desempenha uma função em evidência na
instituição financeira, o que acaba por dificultar a omissão da identidade do verdadeiro
garantidor. Dessa forma se perante os órgãos fiscalizadores um laranja ocupar
ficticiamente a função de Compliance officer, buscando com isso ocultar sua real
identidade, os conceitos doutrinários que envolvem a autoria mediata parecem ser
suficientes para solucionar a questão.
Importante esclarecer que a figura do sócio laranja melhor se encaixa no
espaço ocupado pelas empresas de capital fechado nas quais o ambiente regulatório
ainda não se faz presente. As empresas de capital aberto, por sua vez, especialmente
as instituições financeiras, estão sujeitas à forte regulamentação e controle, tanto das
autoridades públicas como também do próprio mercado financeiro. Assim, em razão
dos princípios globalizados de governança corporativa estão obrigadas a impedir a
prática do crime através dos mecanismos de controles internos necessariamente
presentes na sua estrutura de funcionamento. Nesse contexto, seria um absoluto
contrassenso que a função primordial no combate à lavagem de dinheiro neste tipo
de empresa fosse justamente ocupada por um “testa de ferro”.
Em contraponto, importante salientar que, dificilmente a significativa figura do
sócio oculto no direito penal será atrelada a do Compliance officer. Em tal hipótese
corriqueira na casuística, não raras vezes o verdadeiro sócio elege um sócio fictício,
um laranja, para representa-lo formalmente na sociedade, com a finalidade única de
que seja atribuída a essa pessoa eventual responsabilidade por práticas criminosas
no âmbito empresarial.
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Em regra, o sócio “laranja” não participa verdadeiramente da administração da
empresa, e em alguns casos, pode até mesmo desconhecer o fato de que seu nome
está sendo utilizado para fins criminosos, muito embora, não seja menos frequente
que em outras hipóteses possa ser ele recompensado financeiramente para aquiescer
com fraude, ou mais do que isso, para assumir perante as autoridades públicas a
responsabilidade criminal, ocultando e mantendo na impunidade o verdadeiro
responsável pela prática delitiva. No universo normativo do Compliance officer,
entretanto, essa situação é pouco provável.
Alinhados com a doutrina nacional e sua jurisprudência, infere-se que a
responsabilidade penal do garantidor do Compliance officer atuante nas instituições
financeiras, sempre deverá ser individualizada, sendo, nesse processo, todos
princípios inerentes ao direito penal.
Questão um tanto quanto heterodoxa é a seguinte; o Compliance officer pode
ocupar posição de garante e ser responsabilizado por um crime omissivo impróprio?
A ele podem ser imputados resultados lesivos ao ambiente?
Essa preocupação com a determinação e a delimitação da responsabilidade
daquele que atua como Compliance officer faz sentido, sobretudo, em razão da
reinvenção estrutural e organizativa da atividade empresarial, que passa a assumir
programas preventivos orientados a evitar delitos no âmbito da atuação empresarial
e/ou a reparar os impactos produzidos por esses.
A adoção de uma teoria formal do dever jurídico, nos moldes do art. 13 § 2.º,
do Código Penal Brasileiro, aliada à previsão do art. 2º da Lei 9.605/1998, dispositivo
legal esse que dispõe que quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos
crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua
culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão
técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que,
sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando
podia agir para evitá-la, deve impulsionar a doutrina a se posicionar acerca do tema,
discutindo o verdadeiro papel do Compliance officer e a responsabilização desse
como autor ou partícipe de um crime omissivo impróprio no âmbito da atividade
empresarial.
Nesse contexto, é preciso advertir que o agasalho de uma perspectiva
exclusivamente formal da posição de garante pode comprometer uma delimitação
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adequada da responsabilidade penal do sujeito. Por outro lado, contudo, tomar por
base somente uma diretriz material pode conduzir a uma depreciação da legalidade
necessária para assegurar a liberdade do sujeito ante a incidência da intervenção
criminalizadora.
Diante da possibilidade de atribuição da responsabilidade penal com a mera
incidência da condição formal de garante, seria preferível a análise do domínio, porém,
a saber, não como fundamento único para atribuir um resultado a alguém, mas para
reforçar ou elidir a responsabilidade penal quando, embora formalmente ocupe a
posição de garante, não tenha o domínio atual sobre a causa essencial ou sobre o
fundamento do resultado. Assim, apenas quando figurar formalmente como garante e
tiver o referido domínio, será possível promover uma equiparação lógico-objetiva entre
ação e omissão.
No que diz respeito ao Compliance officer, verifica-se que este, mediante ato
de delegação do administrador empresário, assume os deveres de supervisão e de
vigilância do foco de perigo oriundo das atividades empresariais, adquirindo, a
princípio, o domínio por aquisição voluntária derivada. A responsabilidade do
Compliance officer dependerá, assim das funções e deveres que tenha assumido em
termos concretos. Logo, antes de se cogitar a atribuição automática de deveres de
garante ao responsável pela fiscalização do cumprimento das normas, técnicas e
procedimentos em determinada organização empresarial – traçados,
especificamente, no programa de criminal Compliance – deve-se constatar como de
fato ocorre a configuração material da posição do Compliance officer na empresa e
quais competências lhe são efetivamente atribuídas.
Infere-se que tal exame trará importantes reflexos para a exclusão de eventual
responsabilidade penal do Compliance officer por crimes omissivos impróprios
ambientais. Com efeito, embora o Compliance officer assuma formalmente deveres
de fiscalização do cumprimento das medidas preventivas, não possui, em regra,
capacidade executiva de evitar o resultado e tampouco possui o domínio atual sobre
a fonte de perigo.
Dessa forma, segundo o princípio do domínio, a suposta posição de garante do
Compliance officer se torna bastante questionável, já que unicamente exerce um
poder de fiscalização/controle, mas não influi nem está inserido no processo produtivo
empresarial interno e, por isso, tampouco exerce domínio sobre ele.
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Essas considerações se aplicam em parte às informações obtidas pelo
Compliance officer no cumprimento de medidas de prevenção de riscos no âmbito das
atividades empresariais por meio de inspeções e alertas para a eventual ocorrência
de determinados perigos. Concretamente, o Compliance officer exerce um domínio
informativo e, portanto, possui um dever com conteúdo delimitado: informar a
autoridade competente a fim de que esta possa tomar as devidas decisões. Contudo,
mesmo nesse cenário não seria cabível imputar-lhe a ocorrência de eventual resultado
lesivo, já que em momento algum tinha o domínio sobre a fonte geradora de perigo.
Ante a crise de validade e legitimidade presente nos crimes omissivos, cumpre
delimitar com cuidado seu âmbito de incidência e afastá-los sempre que – como ocorre
em relação aos Compliance officers- inexistam bases sólidas que permitam a
imputação do resultado e, consequentemente, autorizem a responsabilização penal.
Importante consignar que a atividade de Compliance officer, subsome-se em
implementar controles internos tendentes a prevenir e evitar o cometimento de atos
ilícitos, e essa função está hodiernamente vinculada às políticas de governança
corporativa alinhadas a preceitos éticos e a boas práticas empresariais. A ideia de
responsabilidade penal para alguns gestores, nesse contexto, parece ser um assunto
distante de sua área de atuação.
Nessa esteira, o que é preciso se atentar é que a principal função do
Compliance officer é a da prevenção, inovando na lógica da persecução penal, que
estava habituada a cuidar das condutas comissivas ou omissivas depois do direito
tutelado violado e, talvez, esteja aí a grande importância do criminal Compliance de
atuar no antecedente, mitigando riscos e evitando ilícitos.
Contudo, isso repercute na empresa numa intricada cadeia de
responsabilidades penais convergentes ao Compliance officer, mas, não findando
dele. Os gestores da alta administração que possuem ascendência sobre Compliance
officer também terão suas responsabilidades apuradas, pois a eles também cabe a
incumbência do dever de vigilância.
Ocorre que tal afirmativa não é pacífica e tampouco integralmente aceita pela
doutrina nacional quando se imagina a figura ilustrativa da omissão imprópria do
direito penal, que comete aquele que tem dever legal ou contratual de garantidor. No
caso de um Compliance officer submetido a uma atividade complexa que a incidência
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da norma penal não se faça clara e em que uma ação na mesma medida possa
parecer ilegal, como exigir dele a certeza da conduta? Seria razoável?
E mais: no caso de condutas que possam parecer ilegais e seja preferível
abster-se de exercê-las, abrir-se-ia um paradoxo ao se pensar que elas também
possam parecer legais e, assim sendo, haveria uma margem de conduta lícita sendo
abdicada pela incerteza da incerteza da incidência de uma norma incriminadora.
Portanto, poderia o Estado interferir nessa área cinzento de incerteza?
Sendo a resposta de tal questão afirmativa ou negativa, um fato é notável: o
Estado cada vez mais transfere ao particular as obrigações do policiamento do
cumprimento da norma. Antes, tal ente se preocupava em munir-se de técnicas e
possibilidades legais de fiscalizar a empresa de fora para dentro; agora não. Constata-
se uma clara estratégia inversa – a de iniciar a persecução de dentro para fora, e os
exemplos evidentes disso são o Compliance officer e a figura do whistleblower, que é
o denunciante das práticas ilícitas. Nos Estados Unidos, ele é premiado
pecuniariamente por esse ato. No Brasil, no Distrito Federal, há um projeto de lei
nesse mesmo sentido.
Nos Estados Unidos, mais amadurecido com o tema, a Society of Corporate
Compliance and Ethics, em seu código de ética destinado aos profissionais de
Compliance, prescreveu que, ao tomar conhecimento de qualquer decisão de sua
organização empregadora que, implementada, venha constituir má conduta, o
profissional de Compliance deverá recusar a consentir com a decisão, encaminhar o
assunto à alta administração e, se após tomar essas providências, a empresa
continuar na prática da atividade irregular, deve considerar entregar o seu cargo e
reportar a conduta para as autoridades públicas.
No Brasil, a figura do Compliance officer vem angariando maior evidência, e
teses que o incriminem também ganharão maior destaque. Portanto, a atividade deve
ser encarada com retidão, seriedade e compromisso com as normas vigentes.
Do exposto, conclui-se que a função de Compliance officer atrai a
responsabilidade de natureza penal, porém isso ainda é uma área em
desenvolvimento.
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4. LEI 9.613/1998
Fonte: www.omb.adv.br
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Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção; IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou
preço para a prática ou omissão de medidas administrativas;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa.
Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa.
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Do artigo segundo ao sexto, são previstos os procedimentos processuais,
desprovidos, em sua maioria, do merecido e necessário cuidado para evitar problemas
graves na aplicabilidade do novo texto. Sem maiores problemas, nota-se que o
procedimento escolhido para o processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei
é o ordinário, como, aliás, não poderia deixar de ser, abrindo-se, dessa maneira,
possibilidade para a apresentação da prova e o exercício da ampla defesa.
É de capital importância perceber que o processamento do feito que apura a
lavagem de dinheiro independe do julgamento dos crimes precedentes, praticados no
país ou fora dele (Princípio de Autonomia do Processo Penal). Para isso, basta que a
denúncia seja instruída com indícios do cometimento de qualquer dos ilícitos
elencados como precedentes. A competência exclusiva é da Justiça Federal, o que
se apresenta como a melhor, se não a única, solução, considerando-se que o crime
macula o Sistema Financeiro Nacional.
Somente se admite a modalidade dolosa no cometimento do ilícito, ao contrário
do que acontece com a legislação comparada – a espanhola, por exemplo –,
aceitando-se a figura do crime tentado, caso o ilícito seja praticado com a vontade
livre e consciente. Resta aos administradores que deixarem de noticiar operações
suspeitas – por negligência, imprudência ou imperícia –, depois de definido o limite
das operações carentes de regulamentação complementar e posterior, receber
punições no campo administrativo.
O parágrafo segundo do artigo segundo faz referência expressa à
inaplicabilidade do dispositivo previsto no artigo 366 do Código de Processo Penal,
que trata da obrigatoriedade da citação pessoal do acusado para a continuidade da
ação penal, nos atos que dependam da participação do réu. Por si só, isso representa
inconstitucionalidade, visto que fere diretamente o Princípio da Ampla Defesa.
Não bastasse esse primeiro conflito, ainda num arroubo para corrigir o erro
anteriormente praticado, expressa-se o legislador, no parágrafo terceiro do artigo
quarto, da seguinte forma: “Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o
comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos
necessários à conservação de bens, direitos ou valores, nos casos do artigo 366 do
Código de Processo Penal”.
Ora, num intervalo de apenas dois artigos, em texto composto de dezoito, o
legislador se contradisse, criando uma desconfortável insegurança na aplicação da
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norma. A cada novo despautério desta espécie, descaracteriza-se o dogma vigente
desde a Revolução Francesa, dos tempos de Robespierre e Rousseau, que diziam
ser o legislador infalível como legislante, por ser dotado do sopro divino.
Nova confusão de ordem acadêmica foi cometida no artigo terceiro, quando se
previu: “Art. 3 – Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e
liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu apelar em liberdade”. No mínimo estamos diante de uma
redundância: liberdade provisória é o gênero, e fiança, a espécie. A liberdade
provisória pode ser concedida com ou sem pagamento de fiança.
Também deveria ser atribuição do julgador dispor a respeito da possibilidade
de conceder-se a liberdade provisória, indicando, nessa oportunidade, o arbitramento
de fiança de considerável valor, de acordo com o volume das operações financeiras
processadas. Para isso, as medidas assecuratórias serão levantadas se a ação penal
não for iniciada no prazo de 120 dias, contados da data em que ficar concluída a
diligência.
Atenção redobrada deve ser dedicada ao parágrafo segundo do artigo quarto,
que, interpretado sem a devida cautela, pode ser considerado uma aberração
processual, caracterizando verdadeira inversão do ônus da prova. Assim se expressa
o legislador: “O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos
ou sequestrados quando comprovada a licitude de sua origem.” Obviamente, não se
quer aqui dizer que o acusado deva provar a ausência de sua culpa; o que se
pretende, a despeito da falta de qualidade do texto, é prever a possibilidade da
devolução dos bens bloqueados antes da sentença absolutória – seja ela
fundamentada no que for – se o acusado interessado em liberar seus bens produzir
prova suficiente e capaz de convencer o julgador da origem lícita de seus bens. Tal
explicação foi prestada pessoalmente pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Nelson Jobim – que, à época da edição da Lei, era Ministro da Justiça –, a mim e a
outros operadores do direito que compareceram à reunião patrocinada pela
FEBRABAN – Federação Brasileira dos Bancos.
Outra passagem interessante e merecedora de registro é o ‘privilégio’
reservado ao delator, que terá sua pena reduzida de 1/3 a 2/3, devendo cumpri-la
inicialmente em regime aberto, podendo o juiz, se assim julgar conveniente, deixar de
aplicá-la, ou substituí-la por pena restritiva de direitos.
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A eficácia preventiva do Direito Penal não pode exclusivamente ser garantida
pela Lei; deriva de uma estrutura previamente montada, que dê condições de
aplicabilidade à Lei, garantindo, desta forma, a preservação e certeza de sua eficácia.
Do artigo quatorze ao dezessete da Lei 9613/98, dispõe-se a respeito da
criação do órgão nominado e conhecido pela sigla COAF (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras), criado no Ministério da Fazenda, no âmbito de suas
atribuições, que vão desde a prerrogativa de disciplinar e punir administrativamente
até a de identificar ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.
5. LEI 12.683/2012
Fonte: dominio.fm
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Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de infração penal.
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(ii) dissimulação: entendida como a etapa em que são efetuados diversos
negócios jurídicos ou operações financeiras (transferências de fundos,
movimentações entre contas correntes etc.), com a finalidade de
dificultar a identificação da origem destes bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal;
(iii) integração: ocorre no momento em que estes bens, direitos ou valores
retornam ao sistema financeiro, com aparência da legalidade de sua
origem, exaurindo-se a empreitada criminosa.
Prosseguindo no estudo do tipo objetivo, verifica-se que estas condutas devem
recair sobre elementos normativos que guardam íntima relação com os objetos
materiais do crime. Estes elementos normativos foram elencados na seguinte ordem:
(i) natureza – qualidade, gênero ou espécie, o que caracteriza algo;
(ii) origem – procedência, fato que de que provém outro fato, lugar de onde
se vem;
(iii) localização – determinado local onde algo pode ser encontrado;
(iv) disposição – colocação, arranjo, emprego ou uso;
(v) movimentação – circulação ou mudança de posição;
(vi) propriedade – direito pelo qual um bem pertence a alguém.
Com efeito, conforme acima afirmado, guardando relação com os elementos
normativos supracitados, foram definidos três objetos materiais do crime de
“lavagem”, a seguir pontuados:
(i) bens – objeto material ou imaterial de determinada relação jurídica;
(ii) direitos – situação jurídica que confere ao seu titular a faculdade de exigir
a prestação ou abstenção de determinado ato;
(iii) valores – grau de utilidade dos bens expressos em moeda corrente.
Além disso, os “bens, direitos ou valores”, com vistas ao perfeito
enquadramento típico, devem ser “provenientes” (vinculados), direta (sem
intermediários) ou indiretamente (de forma dissimulada ou valendo-se de interposta
pessoa), de “infração penal”.
Na redação original da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, para a
configuração do crime de “lavagem”, se exigia a ocorrência de crime antecedente, que
deveria encontrar-se listado no rol exaustivo previsto em seu artigo 1º. A Lei n. 12.683,
de 09 de julho de 2012, rompe com este paradigma, ao revogar expressamente todos
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os incisos que compunham o elenco taxativo que era previsto neste artigo (incisos I
ao VIII).
Comumente, as leis penais dos diversos países classificam as “infrações
penais”, levando em consideração a gravidade em abstrato das condutas, em dois
sistemas: tripartido e bipartido.
O primeiro sistematiza “infração penal” como gênero, de que são espécies
“crime”, “delito” e contravenção penal (Código Penal francês de 1791). O segundo
sistema, adotado pela lei penal brasileira, divide o gênero “infração penal” entre duas
espécies: “crime” e “contravenção penal”.
A anterior construção típica do crime previsto no artigo 1º, caput, da Lei n.
9.613, de 03 de março de 1998, exigia para a sua configuração que os bens, direitos
ou valores, ocultados ou dissimulados, fossem provenientes de “crime”. Verifica-se
que, a antiga redação do dispositivo era mais restrita, na medida em que exigia como
requisito do enquadramento típico do crime de “lavagem” que os objetos materiais
fossem provenientes de “crime”, espécie do gênero “infração penal”. É dizer: após o
advento da Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012, admite-se para a configuração do
crime de “lavagem”, a vinculação com qualquer crime ou contravenção penal.
Quanto ao tipo subjetivo, o crime é punido somente a título de dolo, a vontade
livre e consciente de ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores, provenientes de
infração penal. Segundo a doutrina tradicional, trata-se de dolo genérico, uma vez que
o tipo não requer a presença de elemento subjetivo especial.
O crime se consuma com a ocorrência do “branqueamento” ou “lavagem”, ou
seja, com a efetiva ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal (crime material). A tentativa é tecnicamente admitida,
vez que se trata de um crime comissivo (praticado por ação) e plurissubsistente (a
conduta é composta de diversos atos), sendo a previsão de que “a tentativa é punida
nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal”, prevista no parágrafo
terceiro, do dispositivo em estudo, se revela totalmente desnecessária.
O parágrafo primeiro, do artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998,
prevê uma série de figuras equiparadas, ao descrever em seus incisos, diversas
modalidades de prática destas condutas. Ressalta-se que, a Lei n. 12.683, de 09 de
julho de 2012, também alterou este parágrafo primeiro. Em sua primitiva redação, este
dispositivo equiparava à “lavagem” de capitais a conduta de “quem, para ocultar ou
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dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos
crimes antecedentes referidos neste artigo”. Como visto acima, o rol de crimes
antecedentes, que outrora era previsto no “caput” do artigo 1º, foi suprimido pela Lei
n. 12.683, de 09 de julho de 2012. Assim sendo, com a finalidade de conferir coerência
à Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, o legislador penal alterou o parágrafo primeiro,
passando a ter a seguinte redação: “incorre na mesma pena quem, para ocultar ou
dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal”.
No inciso I, deste parágrafo primeiro, está descrita a conduta daquele que para
ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração
penal, “os converte em ativos lícitos”. O núcleo deste tipo consiste em “converter”, que
significa mudar, transformar. O objeto material sobre o qual recai a conduta
corresponde a “ativos lícitos”, bens, direitos, valores ou créditos adquiridos conforme
a forma prescrita em lei.
E no inciso II, foi tipificada a conduta daquele que para ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, “os adquire,
recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito,
movimenta ou transfere”. Neste dispositivo foram previstas diversas modalidades de
prática do crime, traduzidas nos seguintes verbos:
(i) adquirir – comprar, obter;
(ii) receber – aceitar em pagamento;
(iii) trocar – permutar;
(iv) negociar – firmar, celebrar acordo, ajuste ou contrato;
(v) dar – transferir a posse de algo, gratuitamente, para outrem;
(vi) receber em garantia – tomar, aceitar caução;
(vii) guardar – ter sob vigilância e cuidado, pôr em lugar apropriado, reservar;
(viii) ter em depósito – conservar ou reter a coisa à sua disposição;
(ix) movimentar – circular ou mudar a posição;
(x) transferir – transportar, levar de um lugar a outro.
Já no inciso III, o legislador incriminou a conduta daquele que para ocultar ou
dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal,
“importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros”. Nesta
figura equiparada, coexistem dois núcleos do tipo, a seguir expostos:
(i) importar – fazer entrar no território nacional;
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(ii) exportar - fazer sair do território nacional. O objeto material deste crime
consiste em “valor não correspondente ao verdadeiro”, ou seja,
hipóteses de superfaturamento ou subfaturamento de bens, que pode
acarretar um aparente “prejuízo”, com a finalidade de “lavar” os valores
obtidos de forma lícita.
Ademais, o parágrafo segundo do artigo 1º, Lei n. 9.613, de 03 de março de
1998, traz mais algumas figuras equiparadas, em seus dois incisos.
No inciso I, se busca incriminar a conduta daquele que “utiliza, na atividade
econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal”. O
núcleo deste tipo penal consiste em “utilizar” (fazer uso). Além disso, o dispositivo
emprega dois elementos normativos (i) atividade econômica – produção ou circulação
de bens e serviços; (ii) atividade financeira – coleta, intermediação ou aplicação de
recursos.
Este inciso sofreu duas alterações pela Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012.
A primeira alteração ocorreu justamente pela mesma razão da modificação do
parágrafo antecedente, tendo em vista a supressão do rol que era previsto no “caput”
do dispositivo em estudo. Assim, o legislador substituiu a expressão “provenientes de
qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo” pela fórmula “provenientes
de infração penal”. Já a segunda alteração deste inciso, se refere ao elemento
subjetivo da conduta. Pela redação anterior do dispositivo era prevista textualmente a
presença do elemento subjetivo “que sabem serem”, traduzindo a exigência de dolo
direto para a responsabilização penal do agente.
A Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012, ao suprimir esta expressão, reforçou a
tese que o dolo indireto também estaria abarcado como elemento subjetivo típico,
principalmente para os fatos praticados em momento posterior ao da sua edição.
Recentemente, na Ação Penal n. 470, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, o
tema foi debatido por ocasião do julgamento do sétimo item da acusação, que versava
justamente sobre os crimes de “lavagem” supostamente praticados pelos réus do
processo.
A Procuradoria Geral da República pugnou pela condenação dos réus pelo
predito crime, fundamentando a pretensão acusatória na tese da ocorrência de dolo
eventual. Ocorre que, sobre este item houve empate de votos (cinco a cinco), Com
efeito, o Supremo Tribunal Federal deixou em aberto a possibilidade de que em futuros
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processos que versem sobre o crime de “lavagem”, mesmo que não existam provas
de que os réus tinham o conhecimento de que os valores recebidos eram provenientes
de infração penal, possam haver condenações com base na tese do dolo eventual.
Por outro lado, o inciso II, deste parágrafo segundo, prevê como típica a
conduta daquele que participa (toma parte) de grupo (reunião de pessoas),
associação (atividade organizada de pessoas para a realização de um objetivo
comum) ou escritório (local onde são exercidas atividades profissionais), tendo
conhecimento (dolo direto) de que sua atividade principal (atividade-fim) ou
secundária (atividade-meio) é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
O parágrafo quarto, do artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, prevê
duas causas especiais de aumento de pena. A pena do crime de “lavagem” será
aumentada de um a dois terços, se:
(i) os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada: esta
previsão, demasiadamente larga, diz respeito à habitualidade criminosa
dos crimes antecedentes. Certamente por um lapso, o legislador penal,
por ocasião da edição da Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012, deixou
de alterar esta disposição, pelo que, como afirmado, o rol de crimes que
era previsto no artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, foi
expressamente revogado;
(ii) por intermédio de organização criminosa: o artigo 2º, da Lei n. 12.694,
de 24 de julho de 2012, definiu organização criminosa como: “a
associação, de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou
superior a quatro anos ou que sejam de caráter transnacional”.
Por derradeiro, o parágrafo quinto, do artigo 1º, da Lei n. 9.613, de 03 de março
de 1998, confere ao magistrado um leque de possibilidades despenalizadoras para o
caso em que o acusado resolva colaborar com a comprovação da materialidade do
crime, apuração de autoria, e solução das demais circunstâncias. Podem ser
beneficiados com a aplicação destes institutos tanto os autores como partícipes. O
legislador exige que a colaboração seja espontânea, não se satisfazendo com a mera
voluntariedade. Além disso, esta colaboração deve conduzir “à apuração das
23
infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização
dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. No caso de colaboração espontânea
de autor ou partícipe, que conduza a uma das hipóteses citadas, o magistrado poderá:
(i) reduzir a pena de um a dois terços – causa especial de diminuição de
pena –, e fixar o início de cumprimento de pena no regime aberto ou
semiaberto;
(ii) deixar de aplicar a pena – perdão judicial; ou
(iii) substituir a pena privativa de liberdade imposta por pena restritiva de
direitos.
6. LEI 12.846/20132
Fonte: www.amanha.com.br
24
para que o legislador brasileiro respondesse ao compromisso internacional assumido
e também aos anseios sociais no que diz respeito à responsabilização das pessoas
jurídicas.
As Leis nºs 6.385/76, 9.613/98 e 12.529/11, que responsabilizavam as pessoas
jurídicas por infrações econômico-financeiras, não previam sanções para o suborno
de funcionários públicos nacionais.
A Lei nº 8666/93, a despeito das importantes previsões de suspensão
temporária para participar de licitações, impedimento de contratar com a
Administração Pública e declaração de idoneidade, limitava as sanções ao valor dos
contratos celebrados. Tal limitação possibilitava, em casos de empresas de grande
porte, esvaziamento do conteúdo punitivo da sanção, vez que o custo da infração à
lei poderia ser menor que o custo do cumprimento do contrato.
A Lei nº 8429/93, tratando da responsabilização dos agentes públicos por atos
de improbidade, trouxe a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica
envolvida em ato de improbidade apenas se comprovado tal envolvimento. Previu,
portanto, uma responsabilização subjetiva das pessoas jurídicas–tornando-se
sobremaneira dificultosa a responsabilização da pessoa jurídica, devido à dificuldade
de aproximar as ações do agente privado às intenções da pessoa jurídica.
Na seara penal, a Lei nº9.605/98 trouxe a responsabilização penal das pessoas
jurídicas por crimes ambientais. Entretanto, sendo moderna a discussão sobre a
responsabilização por dano causado a coletividade social, a aplicação das sanções
previstas pelo diploma é ainda precária.
Somado o contexto de pressão internacional à incapacidade do sistema jurídico
de responsabilizar objetivamente as pessoas jurídicas, a Lei nº12.846/13 encontrou
terreno para seu nascimento, fertilizado pelas pressões sociais contra atos de
corrupção. Daí a razão por ter sido chamada de Lei Anticorrupção, a despeito de ter
trazido previsões que extravasam o assunto corrupção.
Resultante, portanto, da série de fatores apresentados, a Lei nº12.846/13
ingressou no ordenamento jurídico brasileiro trazendo, em sua redação, importantes
inovações jurídicas.
Assim dispõe o artigo 1º da Lei nº12.846/13:
25
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e
às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma
de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer
fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades
estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro,
constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. (Brasil 2013)
26
posição de inércia, diante do movimento internacional de políticas de Compliance,
para a posição de incentivador de tais políticas em seu território.
O incentivo trazido pelo legislador federal consolida o que, até aqui, vem se
buscando relacionar: o Estado, por meio de seu aparato legal e em busca da
preservação da ética nas relações comerciais, intervém, ainda que de maneira
indutiva, para corrigir a falha sistêmica da corrupção – cujo custo envolve o
desenvolvimento do próprio Estado.
Desde a publicação da Lei nº 12.846, no dia 1º de agosto de 2013, aos
legislativos federal, estaduais e municipais foi conferida a responsabilidade de
regulamentar, adaptar e internalizar as diretrizes de combate à corrupção e
responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos contra a Administração
Pública, fornecidas pela Lei nº 12.846.
A lei é federal e encontra-se na função de estimular e inaugurar no direito
interno diretrizes sobre os conceitos e procedimentos a serem observados nos
processos administrativos de responsabilização das pessoas jurídicas cujos atos,
direta ou indiretamente, atentem contra a Administração Pública. Serão apresentados,
então, os dispositivos da lei que demonstrem incentivos à implementação,
manutenção e melhoria das estruturas de Compliance.
Importante dispositivo, inovando o ordenamento jurídico brasileiro, o artigo 7º
da Lei 12.846, em seu inciso VIII, dispõe que:
27
Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e
procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em
regulamento do Poder Executivo federal. (Brasil, Lei nº12.846 2013)
28
A despeito de não ter regulamentado com precisão o incentivo às áreas de
Compliance, o pioneirismo da iniciativa cumpriu a função de despertar os demais
Estados para a necessidade da internalização, no âmbito estadual, das diretrizes
nacionais trazidas pela Lei 12.846/13. E tal resultado foi observado nos 5 meses
seguintes, período em que foram publicados três novos decretos regulamentando a
lei, dois estaduais e um municipal.
29
6.4. Decreto Municipal nº 55.107/14 do Município de São Paulo
30
Art. 24. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos
previstos no artigo 7º, inciso VIII, da Lei Federal nº 12.846, de 2013, serão,
no que couber, aqueles estabelecidos no regulamento do Poder Executivo
Federal a que alude o parágrafo único do mencionado artigo.
31
trinta dias, apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que
pretende produzir.
[...]
§ 4º Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e
documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de
integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os
parâmetros indicados no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem
aplicadas. (Brasil 2015)
32
Art. 37. O acordo de leniência conterá, entre outras disposições, cláusulas
que versem sobre:
[...]
IV - a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade,
conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV. (Brasil 2015)
33
aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua
efetividade.
Art. 42. Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade
será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os
seguintes parâmetros:
I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os
conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;
II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de
integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente de cargo ou função exercidos;
padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas,
quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de
serviço, agentes intermediários e associados;
IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;
V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao
programa de integridade;
VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as
transações da pessoa jurídica;
VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e
confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;
VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito
de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em
qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros,
tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de
autorizações, licenças, permissões e certidões;
IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna
responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu
cumprimento;
X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente
divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à
proteção de denunciantes de boa-fé;
XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de
integridade;
XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de
irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos
danos gerados;
XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso,
supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço,
agentes intermediários e associados;
XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e
reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou
da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;
XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu
aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos
lesivos previstos no art. 5ºda Lei no 12.846, de 2013; e
XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos
e partidos políticos.
§ 1º Na avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, serão
considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como:
I - a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores;
II - a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de
departamentos, diretorias ou setores;
III - a utilização de agentes intermediários como consultores ou
representantes comerciais;
IV - o setor do mercado em que atua;
V - os países em que atua, direta ou indiretamente;
VI - o grau de interação com o setor público e a importância de
autorizações, licenças e permissões governamentais em suas operações;
VII - a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o
grupo econômico; e
34
VIII - o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno
porte.
§ 2º A efetividade do programa de integridade em relação ao ato lesivo objeto
de apuração será considerada para fins da avaliação de que trata o caput.
[...]
§ 4o Caberá ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União
expedir orientações, normas e procedimentos complementares referentes à
avaliação do programa de integridade de que trata este Capítulo. (Brasil
2015)
A transposição quase completa dos artigos acima se faz necessária por dois
importantes motivos.
Primeiramente, o texto do regulamento federal, já citado de maneira
programática pelo Decreto do Município de São Paulo, serviu de modelo para as
iniciativas regulamentares que o seguiram. Dessa forma, a transcrição dos artigos visa
mostrar a estrutura básica dos programas de Compliance exigida pelo diploma. Tal
transposição literal ocorrerá apenas neste momento deste trabalho, vez que serão
feitas apenas referência ao modelo durante a análise dos demais diplomas.
Também motivo para tal transposição, a redação do decreto demonstra que a
iniciativa regulamentar federal, ainda que relativamente tardia, se preocupou em
introduzir em suas exigências as novas preocupações daqueles que estruturam e
aplicam as políticas e os mecanismos de Compliance. Tais novas características e
preocupações envolvem:
a) maior independência das funções de Compliance (auditoria interna,
Compliance, administração de riscos);
b) envolvimento da cúpula na política de aplicação e divulgação dos
mecanismos de Compliance;
c) abordagem baseada nos resultados da análise de riscos;
d) desenvolvimento da função sempre baseada em dados de frequentes
análises dentro da empresa;
e) capacidade de desenvolvimento de estratégias de prevenção – e não apenas
de detecção;
f) implementação das políticas de Compliance nas áreas comportamental e
cultural da empresa;
g) canal de denúncia de fácil acesso, independente e capaz de responder às
denúncias de irregularidades.
35
6.6. A Portaria 909/15 da CGU
36
Entretanto, cabe destaque aos artigos 5º e 6º, cujas redações reforçam a
preocupação do legislador em estimular programas e estruturas de Compliance que
sejam eficientes no combate aos riscos referentes às atividades da empresa.
Assim dispõem os artigos citados:
37
6.7. Decreto nº 46782/15 do Estado de Minas Gerais
38
O dispositivo deixa claro serão observados os parâmetros do Capítulo V – que
traz a descrição de programa e estrutura de Compliance aos olhos do diploma – para
que a empresa possa ser alcançada pela causa especial de redução da multa.
O Capítulo V do diploma, citado pelo artigo acima transcrito, compreende os
artigos 39 e 40 e cumpre a função de descrever o que, para o decreto, será
considerado programa de Compliance implementado. A transcrição dos referidos
dispositivos não será necessária, pois não muito se difere do padrão do regulamento
federal. Frise-se novamente, a preocupação de oferecer o benefício da redução de
multa, às empresas que possuam programas de Compliance eficientes, é grande
avanço na legislação brasileira e grande coibente da implementação de estruturas
superficiais de controle interno – que vise tão somente o benefício da redução das
multas
Seguindo a redação proposta pelo Decreto Municipal de São Paulo, quanto a
exigência da implementação, manutenção ou melhoria do programa de Compliance
como resultado ou exigência dos acordos de leniência, o decreto não dispôs
diretamente sobre o tema, deixando uma cláusula genérica a ser preenchida pelo
Controlador Geral.
Assim dispõem o artigo 47, inciso XI, do decreto:
39
Houve preocupação de reafirmar a consideração dada pela lei federal.
Entretanto, o diploma não especificou percentual de redução da multa nos casos em
que a empresa possua programa de Compliance que atenda os termos da lei.
Quanto à descrição do programa de Compliance considerado pelo diploma para
a concessão da redução da multa, em seu artigo 21, o decreto remeteu ao disposto
no regulamento estatal, com a seguinte redação:
Por fim, repetindo a proposta dos decretos dos municípios de Santos e São
Paulo, quanto a exigência da implementação, manutenção ou melhoria do programa
de Compliance como resultado ou exigência dos acordos de leniência, o decreto não
dispôs diretamente sobre o tema, deixando uma cláusula genérica a ser preenchida
pela respectiva Secretaria ou autoridade competente.
40
no decreto municipal sobre a porcentagem de redução das multas e sobre a exigência
do programa de Compliance para a celebração de acordos de leniência, tais assuntos
foram tratados, respectivamente, pelos artigos 18, inciso IV e 37, inciso IV do decreto
que regulamentou a lei federal. São, portanto, tais disposições aplicáveis aos
processos administrativos de responsabilização do Município de Macaé.
Assim, apesar do artigo 30 do decreto municipal não elencar a implementação,
manutenção e melhoria do programa de Compliance como resultado ou requisito dos
acordos de leniência, com base na lei e no seu regulamento, tal exigência deve estar
presente nos acordos de leniência. Assim também a regra de redução da multa, com
base na lei e em seu regulamento, deve valer para os processos administrativos do
município.
O diploma, aproximando-se ao padrão de redação da lei federal, em seu artigo
20, inciso VIII, assim dispôs:
41
V - análise da existência e do funcionamento de programa de integridade;
(Brasil 2016)
42
Art. 42. Compete à comissão responsável pela condução da negociação do
acordo de leniência:
[...]
IV - proceder à avaliação do programa de integridade, caso existente, nos
termos deste Decreto;
V - propor cláusulas e obrigações para o acordo de leniência que, diante
das circunstâncias do caso concreto, reputem-se necessárias para
assegurar:
[...]
c) a obrigação da pessoa jurídica em adotar, aplicar ou aperfeiçoar programa
de integridade; e
[...]
Art. 47. Do acordo de leniência constará obrigatoriamente:
[...]
X - a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade,
conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo VIII; (Brasil 2016)
43
parâmetros indicados neste Decreto, para a dosimetria das sanções a serem
aplicadas. (Brasil 2016)
Art. 37. Do resultado da soma dos fatores do artigo 36, serão subtraídos os
valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da
pessoa jurídica relativo ao último exercício anterior ao da instauração do PAR,
excluídos os tributos:
[...]
IV 1% (um por cento) a 4% (quatro por cento) para comprovação de a pessoa
jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os
parâmetros estabelecidos neste Decreto; e (Brasil 2016)
44
em até dois terços, depois de efetuada a subtração de que trata o caput.
(Brasil 2016)
Ou seja, uma vez o cálculo da redução em até dois terços sendo realizado após
as reduções previstas no caput do artigo 37, a presença e funcionamento de programa
de Compliance na empresa processada pode proporcionar redução maior que o valor
de 4% (quatro por cento) da multa aplicável.
Como resultante da colaboração em acordo de leniência, o artigo 51, em seu
inciso IV, assim dispôs:
Ainda, como requisito dos acordos de leniência firmado, o artigo 52, inciso I,
alínea “c”, assim previu:
Art. 77. Mediante Portaria a ser editada pelo Controlador Geral do Distrito
Federal, será criado o cadastro de empresas que adotam programas de
integridade, dando-lhe publicidade no Portal da Transparência e no sítio
eletrônico da Controladoria Geral do Distrito Federal. (Brasil 2016)
Art. 22. Do resultado da soma dos fatores do art. 21 deste Decreto serão
subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais do
faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da
instauração do PAR, excluídos os tributos:
[...]
V - 1% (um por cento) a 4% (quatro por cento) para comprovação de a pessoa
jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os
parâmetros estabelecidos no Capítulo IV deste Decreto. (Brasil 2016)
46
empresas que visem os benefícios de redução de sanção e da leniência, previstos no
diploma.
O diploma trouxe também a presença de um programa de Compliance como
requisito para a celebração de acordo de leniência. Assim dispôs em seu artigo 41,
parágrafo IV:
7. ACORDO DE LENIÊNCIA3
Fonte: www.antcbrasil.org.br
Acordo de leniência é firmado entre a pessoa jurídica que cometeu ato ilícito
contra a administração pública, nacional ou estrangeira, mas que se dispõe a auxiliar
nas investigações que levem a captura de outros envolvidos no crime, em troca de
benefícios para sua pena.
Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 20, n. 31, 2017 - Artur de Brito Gueiros Souza
47
O significado literal do acordo de leniência é garantir a “suavização” da
punibilidade ao infrator que participou de atividade ilícita, mas que em troca passa a
colaborar com as investigações com o intuito de denunciar outros infratores envolvidos
no crime.
As definições do acordo de leniências estão estabelecidas na lei nº 12.846, de
1º de agosto de 2013, conhecida por Lei Anticorrupção.
O programa de leniência também faz parte do Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência, conforme descrito na lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.
Além da necessidade de apresentar provas e informações que sejam
relevantes para as investigações e captura de outros infratores, as empresas que se
comprometem com o acordo de leniência devem implementar mecanismos internos
que melhorem a integridade da sua organização (conhecido por programa de
Compliance), evitando que ocorram novos atos criminosos, que faltem com a ética e
moral na administração pública:
48
O acordo de leniência e Delação premiada, ambos consistem em acordos
firmados entre infratores e os respectivos órgãos responsáveis pelos processos de
investigações criminais.
A principal diferença entre o acordo de leniência e a delação premiada está na
concessão de ambas as práticas: o acordo de leniência é firmado por órgãos
administrativos do Poder Executivo; a delação premiada, por sua vez, é celebrada
pelo Poder Judiciário, em parceria com o Ministério Público.
Em ambos os casos, o acusado deverá se comprometer em compactuar com
as investigações do ato criminoso do qual participou.
49
O terceiro instrumento veiculado na Lei n. 8.884/1994 foi o acordo de leniência
que, contudo, não constava de sua redação original. Apenas com a Medida Provisória
n. 2.055/2000, posteriormente convertida na Lei n.º 10.149/2000, foram introduzidos
os arts. 35-B e 35-C. Além de minuciosa regulamentação, a lei condicionava a
produção de efeitos do acordo de leniência à verificação de determinados resultados,
tais como a identificação dos demais coautores da infração e obtenção de informações
e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.
A Lei n. 12.529/2011 veio a revogar a Lei n. 8.884/94, mas embora o tenha
feito, preservou o instituto do acordo de leniência, com o formato de programa de
leniência. Todavia, a Lei n. 12.259/2011 manteve extensa regulamentação do instituto.
Neste diploma podem ser observadas as características essenciais do acordo, além
daquelas já antecipadas, tais como que empresa seja a primeira a se qualificar com
respeito à infração específica, que cesse completamente seu envolvimento na
infração noticiada confessando sua participação no ilícito, que colabore
permanentemente com as investigações, e – o que parece fundamental – que as
autoridades públicas celebrantes do acordo não disponham de provas suficientes para
assegurar a condenação.
Cumpre, assim, salientar que o acordo de leniência é uma ferramenta de
caráter dúplice, pois almeja ao mesmo tempo investigar e reprimir ilícitos, tutelando a
lhaneza comportamental dos agentes de mercado. Dessa forma, a indicação de que
o Estado não possua as provas necessárias para a condenação da empresa parece
denotar o interesse público subjacente ao acordo. Vale dizer, o acordo de leniência
tem como pressuposto a obtenção de elementos que viabilizem a condenação
daqueles que concorram ao ato ilícito, ainda que amenize a situação da corporação.
Evidencia-se, ainda, um compromisso no sentido de a empresa retornar às práticas
econômicas lícitas.
Contudo, a adoção de mecanismos de investigação fundados em técnicas
premiais – tais como os acordos de leniência – não se encontra restrito ao campo das
infrações administrativas contra a ordem econômica. Com efeito, a Lei nº 12.846/2013,
que disciplina a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública nacional e estrangeira, também prevê
programa de leniência em seu âmbito de incidência. No entanto, a Lei n. 12.846/2013
50
destoa da Lei n. 12.529/2011 no sentido de contemplar efeitos penais para as pessoas
físicas (dirigentes, empregados ou prepostos das empresas colaboradora).
Efetivamente, os acordos de leniência representam a implementação do
paradigma da consensualidade, uma vez que possibilitam o ajuste de vontade entre a
empresa que comete o ato ilícito e o poder público. Desse modo, a corporação oferece
colaboração efetiva para com a administração pública no que diz respeito às
investigações e o respectivo processo, indicando, por exemplo, os nomes dos demais
envolvidos na infração, em troca de determinados benefícios, contidos tanto na Lei n.
12.529/2011 como na Lei n. 12.846/2013.
No que se refere aos acordos de leniência celebrados com base na Lei n˚
12.846/2013, os benefícios podem consistir em isenção das sanções de publicação
extraordinária da decisão condenatória e das sanções previstas na Lei n˚ 8.666/1993,
e a redução de até 2/3 (dois terços) da multa ou a sua remissão, caso seja a primeira
pessoa jurídica a firmar o acordo. Ressalte-se que, em qualquer caso, subsiste o dever
de a empresa reparar integralmente o dano e submeter-se à aplicação de
determinadas sanções, consoante os arts. 16 e seguintes da Lei n˚ 12.846/2013.
No que tange à Lei n. 12.529/2011, o acordo de leniência é celebrado tão
somente com a primeira pessoa jurídica que se qualificar com respeito à infração
noticiada ou sob investigação. Isto ocorrerá desde que a Superintendência-Geral não
tenha ainda provas suficientes para assegurar a condenação de pessoas jurídicas ou
físicas envolvidas e desde que haja a confissão da prática da infração e do
compromisso de participar de todos os atos de instrução. E, com relação à pessoa
física, bastam os três últimos requisitos para a celebração do acordo de leniência,
conforme os arts. 86 e seguintes da Lei n˚ 12.529/2011.
Cumpre, ainda, observar que a Lei n˚ 12.529/2011 confere tratamento distinto
para o acordo de leniência celebrado antes e após a descoberta da infração, sendo
certo que tal distinção não é feita pela Lei n. 12.846/2013. Surge, assim, na Lei
12.529/2011, a figura daquilo que se pode chamar de leniência plus. Se a pessoa
jurídica ou física não conseguir, no curso do processo administrativo, realizar o acordo
de leniência, poderá celebrá-lo com a Superintendência-Geral do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), até a remessa do processo para
julgamento, tendo como objeto uma infração da qual a administração pública ainda
não tenha conhecimento. Este mecanismo está previsto no artigo 86, §§ 7˚ e 8˚, da
51
Lei n˚ 12.529/2011. E nos casos em que a administração pública não tiver
conhecimento, a pessoa jurídica ou física ficará isenta de punição na via administrativa
(art. 86, caput e § 4˚, I, da Lei n˚ 12.529/2011). Com relação aos fatos em que a
administração pública já tinha conhecimento, haverá a redução de 1/3 (um terço) a
2/3 (dois terços) sobre a penalidade aplicável (art. 86 da Lei n˚ 12.529/2011).
Demais disso, o acordo de leniência celebrado nos moldes da Lei 12.529/2011
também provoca efeitos na seara penal. Conforme o art. 87 da Lei n˚ 12.529/2011, o
acordo de leniência celebrado impede o oferecimento de denúncia contra a pessoa
física que o celebrou em crimes contra a ordem econômica (art. 4˚ da Lei n˚
8.137/1990), crimes de fraude à licitação (art. 89 da Lei n˚ 8.666/1993) e crimes de
associação criminosa (art. 288 do Código Penal). Segundo, ainda, o art. 87, parágrafo
único, da Lei 12.529/2011, o acordo de leniência cumprido acarreta a extinção da
punibilidade de crimes praticados por pessoas físicas. Outrossim, como já
mencionado, não existe norma idêntica na Lei n. 12.846/2013.
Por fim, é preciso ressaltar que tanto na Lei n˚ 12.529/2011 como na Lei n˚
12.846/2013 não há vedação expressa à imposição, por parte da administração
pública, da sanção de dissolução compulsória da pessoa jurídica que pretender
celebrar o acordo de leniência. Contudo, em uma interpretação lógico-sistemática,
esta sanção não poderia ser aplicada, caso exista interesse do poder público em
celebrar o acordo, pois não faria sentido dissolver compulsoriamente a pessoa jurídica
– provocando a sua morte civil – em uma situação fática em que ela se prontificou a
colaborar efetivamente com as investigações.
52
pessoas físicas envolvidas. Com efeito, o acordo de leniência previsto na Lei n.
12.846/2013 exige que seja obtida a identificação dos envolvidos no ilícito, quando
isso couber, exigindo, ainda, de maneira célere, a apresentação de informações e
documentos que comprovem os fatos sob apuração.
Além disso, a Lei n. 12.846/2013 impõe que a pessoa jurídica reconheça seu
envolvimento no ilícito e que colabore, de maneira completa e permanente, tanto com
a investigação quanto com o processo administrativo, inclusive com o
comparecimento, às suas próprias custas, sempre que lhe for determinado, a todos
os atos processuais até o fim. Evidentemente, tais exigências levam a apresentação
de provas contra as pessoas físicas que, no exercício de função de controle, tenham
estado, de maneira penalmente relevante, por trás dos atos praticados da pessoa
jurídica.
Por outro lado, o acordo de leniência disciplinado na Lei n. 12.846/2013 não
prevê qualquer benefício em relação à responsabilidade penal de pessoa física que
integre a pessoa jurídica. Uma cooperação voluntária com as investigações, inclusive
com esclarecimento dos fatos ocorridos, somente beneficiará o indivíduo se for
realizada no contexto de alguma espécie de colaboração premiada, como a prevista
no art. 4º e seguintes da Lei n. 12.850/2013, que prevê, para aquele que estabelecer
um acordo de colaboração, a possibilidade de perdão judicial, de redução em até dois
terços da pena privativa de liberdade ou sua substituição por pena restritiva de direitos.
A ausência de benefícios penais para pessoas físicas no acordo de leniência
constante na Lei n. 12.846/2013 – diferentemente da Lei n. 12.529/2011 – teria sido
uma opção do legislador brasileiro. Como visto, no âmbito das infrações cometidas
contra a ordem econômica, o antigo art. 35-C, caput, e parágrafo único, da Lei
8.884/1994, previa um acordo de leniência que tinha por efeito penal a suspensão do
curso do prazo prescricional e o impedimento do oferecimento de denúncia pelo
Ministério Público, e, após o término de seu cumprimento, a extinção automática da
punibilidade do sujeito. Tais efeitos foram mantidos no acordo de leniência da Lei n.
12.529/2011, que, em seu art. 87, caput, e parágrafo único, dispõe que o curso do
prazo prescricional será suspenso e o Ministério Público impedido de oferecer
denúncia contra aqueles que praticam crimes contra a ordem econômica previstos na
Lei n. 8.137/1990, demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, como
os tipificados na Lei n. 8.666/1993, e os previstos no art. 288 do Código Penal, além
53
da consequente extinção automática da punibilidade depois de seu cumprimento.
Assim, ao contrário do que ocorre com o indivíduo envolvido em “atos lesivos à
administração pública nacional ou estrangeira” que podem configurar crimes, a
pessoa física que pratica os delitos apontados pelo art. 87 da Lei n. 12.529/2011
obtém a extinção da sua punibilidade desde que cumpra integralmente o acordo de
leniência firmado com o CADE.
Embora se tratem de delitos submetidos à ação penal pública incondicionada,
não há previsão legal expressa, nessa espécie de acordo de leniência, da participação
do Ministério Público. Isso levou à discussão sobre se o princípio da indisponibilidade
da ação penal pública não tornaria indispensável a chancela do Ministério Público para
que o acordo pudesse surtir efeitos sobre a punibilidade do beneficiado.
Contudo, ao que parece, a intenção do legislador ao não prever benefícios
penais no âmbito do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013 foi a de manter sua
esfera de aplicação restrita às pessoas jurídicas, de modo que os benefícios nela
contidos somente pudessem ser desfrutados pelo ente moral. Ademais, por uma
questão de conveniência político-criminal, tem-se que o legislador quis evitar colisão
normativa entre o acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013 com o instituto da
colaboração premiada, previsto na Lei n. 12.850/2013, sendo certo que ambos os
projetos que deram azo às Leis n. 12.846 e 12.850/2013 tramitaram, ao mesmo tempo,
no Parlamento brasileiro. Desse modo, manifesta-se a divisão normativa procedida
pelo legislador: na hipótese dos ilícitos abrangidos pela Lei n. 12.846/2013, benefícios
incidentes sobre a responsabilização da pessoa jurídica são concedidos pelo acordo
de leniência previsto nela própria, enquanto aqueles referidos à responsabilização
penal individual das pessoas físicas devem ser obtidos por meio do acordo de
colaboração premiada previsto na Lei n. 12.850/2013. Considera-se que a opção
legislativa merece elogios, pois o acordo de leniência, disposto na Lei n. 12.846/2013,
deve ser celebrado, como prevê o seu art. 16, caput, entre a beneficiária e a
autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública afetada – o que, no plano
administrativo, é mais apropriado para a modalidade de responsabilização objetiva da
pessoa jurídica que a própria lei prevê –, ao passo que o acordo de colaboração
premiada, disposto na Lei n. 12.850/2013, deve ser estabelecido no âmbito dos órgãos
atuantes no plano judicial, com o envolvimento do Ministério Público e do Poder
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Judiciário – o que se reputa mais adequado quando se trata discutir a diminuição ou
extinção da responsabilidade penal de uma pessoa física.
Em síntese, prever efeitos sobre a responsabilização individual penal no acordo
de leniência da Lei n. 12.846/2013 significaria reeditar a mal resolvida questão da
ausência do Ministério Público na celebração do acordo de leniência da Lei n.
12.529/2011, acima mencionada, e sobrepor eventuais negociações fundadas no
acordo de colaboração premiada da Lei n. 12.850/2013.
55
estelionato mediante cheque sem fundos e dos crimes tributários, quando ocorre o
pagamento do débito antes do início da ação penal.
Pode ser extraído do instituto do arrependimento posterior o aspecto da
reparação do dano como um dos alicerces para a estruturação dos acordos de
leniência, tanto na Lei n. 12.529/2011 como na Lei n. 12.846/2013. E assim parece
pertinente pelo fato de que o lucro, objetivo maior da empresa, não pode ser obtido a
qualquer custo.
Outrossim, é preciso ter em conta que a mera reparação do dano decorrente
do ilícito não se revela suficiente como medida de prevenção e repressão ao
comportamento indesejado. Pelo contrário, a adoção de uma mera lógica matemática
de custo e benefício, na qual prevaleça tão-somente a reparação do dano no acordo
de leniência, sem que a empresa denote uma mudança do ambiente interno
criminógeno ou não colabore com a apresentação de provas concretas dos
responsáveis pela prática do ilícito, pode conduzir a que o acordo se insira dentro de
uma lógica imoral ou de mera conveniência empresarial.
56
complexidade dos negócios e do desenvolvimento econômico faz com que haja a
separação de tais funções. Dessa maneira, é possível que, ao menos, três centros de
interesses relevantes despontam: o interesse pessoal dos sócios, enquanto pessoas
físicas; o interesse pessoal de administradores; e o interesse social, compreendido
como o melhor interesse da empresa, abrangendo todos os agentes econômicos nela
envolvidos (sócios, administradores, fornecedores, consumidores, trabalhadores,
Fisco etc.).
Em regra, cabe aos sócios, reunidos em órgão próprio, compor a vontade da
entidade. A vontade da entidade é manifestada, na prática, por meio de atos
realizados pelos administradores, os quais, segundo o entendimento contemporâneo,
tornam presente a empresa no mundo dos fatos.
Veja-se o exemplo da celebração de um acordo comercial relevante para a
sociedade. Em geral, tal acordo e seus principais termos e condições devem ser
apreciados e deliberados pelos sócios, em órgão próprio, à luz daquilo que
vislumbram como o melhor interesse da empresa. Uma vez aprovados os termos e
condições de celebração do acordo pelos sócios, cabe aos administradores, com
funções executivas, efetivamente negociar e firmar o contrato.
A principal questão que aqui se coloca, consiste na pertinência do
procedimento acima descrito acima para a negociação e celebração de um acordo de
leniência. Nesse sentido, diversas seriam as indagações que a celebração de um
acordo dessa natureza trás para a relação entre sócio e administrador. Como tratar o
sigilo da negociação e celebração do acordo de leniência, caso tenham de ser
deliberados e aprovados pelos sócios? Como permitir que um assunto tão relevante
para o futuro da empresa seja decidido diretamente pelos administradores, sem a
participação prévia dos sócios, que são aqueles que mais sofrerão os efeitos desse
ato? Como assegurar às autoridades públicas que aqueles com que negociam e
celebram acordos de leniência efetivamente possuem os poderes necessários para
representar a corporação, vinculando-a ao teor do que for avençado com o poder
público?
Como se percebe das questões apontadas, todas as partes envolvidas na
negociação e celebração de acordos de leniência possuem considerável interesse na
delimitação de bases seguras, do ponto de vista corporativo, para que o acordo possa
ser juridicamente executável. Portanto, a definição de um procedimento específico
57
para embasar tais atos sobreleva de importância de lege lata, vale dizer, para os
projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional relacionados com o instituto do
acordo de leniência.
Ultrapassada a questão procedimental inerente à negociação e celebração do
acordo de leniência, destaca-se, ainda, a questão concernente a potencial ocorrência
de conflitos de interesse entre os agentes corporativos envolvidos na confecção desse
acordo.
58
contrariando o procedimento previsto no item anterior) decida negociar e celebrar
acordo de leniência, em nome da entidade administrada, com a finalidade de que as
investigações não atinjam a sua esfera particular de interesses, “entregando” a
empresa, mas não os agentes a ele vinculados, por qualquer motivo. Para evitar
situações como esta, faz-se relevante o aprimoramento normativo, com o objetivo de
contemplar a realidade dos chamados “custos de agência”, na busca por um
alinhamento entre os interesses daqueles que comandam a organização com os da
própria organização. Isto incentivaria a atuação dos agentes na negociação e
celebração dos acordos de leniência, de maneira independente, transparente e em
conformidade com o objeto social, buscando-se, de forma razoável, as maiores
vantagens possíveis para a empresa, dentro dos parâmetros da boa-fé e da
comutatividade das obrigações assumidas pelas partes.
Vislumbra-se, portanto, a necessidade de uma revisão, de cunho societária-
corporativa, nas normas aplicáveis e nos projetos em tramitação no Poder Legislativo,
com vistas a conferir maior segurança jurídica ao procedimento de negociação e
celebração de acordo de leniência.
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A propósito, cumpre indagar se a celebração de acordo de leniência interfere
ou mitiga a obrigatoriedade da ação penal pública, bem como com o sistema
acusatório. Dito por outras palavras, questiona-se se institutos de origem norte
americana, com negociações entre acusação e defesa, com a aceitação da culpa por
este, em troca de benefícios como retirada ou redução das imputações, seriam
consentâneos ou não com o modelo processual penal adotado a partir da Constituição
de 1988.
A resposta para tais indagações exige uma breve análise sobre o sistema
processual penal brasileiro, cujo Código de Processo Penal foi, inicialmente,
elaborado em bases inquisitivas e, posteriormente, sofreu forte modificação com a
adoção, pela Constituição de 1988, dos princípios relativos ao sistema acusatório.
Como se sabe, a linha divisória entre um sistema processual acusatório e um sistema
inquisitivo repousaria nas garantias constitucionais. Desse modo, não existe um único
modelo acusatório, visto que cada país disciplina seu sistema processual penal, sendo
correto afirmar que “acusatório” seria todo modelo que respeitasse as garantias
constitucionais de um processo penal democrático.
Desta forma, uma das principais características de qualquer modelo acusatório,
além da observância de garantias processuais, seria a presença de partes com
funções distintas das do julgador. Isso porque não se pode aceitar, no sistema
acusatório, que o julgador tenha poderes de iniciativa ou impulso processual próprias
de um processo de partes.
Assim, se na pendência do inquérito policial ou do processo penal, sobrevier o
interesse na celebração de acordo de leniência, com os efeitos penais previsto na lei,
tem-se como fundamental a não-exclusão do Ministério Público no curso dessas
tratativas. Isso porque, como se base, o Ministério Público é o titular da ação penal
pública. Nesse sentido, pode-se travar um paralelo entre acordo de leniência e outros
institutos próprios de um consensualismo processual, tais como a transação penal e
a suspensão condicional do processo, ambas previstas na Lei n. 9.099/1995,
pontuando que são alternativas penais de iniciativa exclusiva do Ministério Público.
Em suma, em um processo de partes, apenas o titular da ação poderia mitigar o
princípio da obrigatoriedade.
Portanto, eventuais tentativas de retirar do titular da ação penal a legitimidade
para transigir com investigado, realizando – sem o Ministério Público – acordos que
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possam repercutir na persecução criminal, violariam o sistema acusatório, na medida
em que uma das partes seria excluída da sua posição no processo penal.
Nesse contexto, questiona-se a compatibilidade do acordo de leniência com o
nosso modelo processual. Isso porque, ao permitir que a administração pública
negocie acordo com a pessoa física ou jurídica responsável pelo ilícito, isso
redundaria no impedimento de denúncia pelo MP, pois o seu cumprimento é causa de
extinção da punibilidade dos crimes tipificados na Lei n° 8.137/1990, e dos crimes
relacionados com prática de cartel, tais como os tipificados na Lei n° 8.666/1993, bem
como no art. 288, do Código Penal.
Não se questiona a relevância e a pertinência do instituto do acordo de
leniência para a prevenção e repressão da criminalidade econômica. Porém, a
ausência do Ministério Público em um acordo que repercute na ação penal, que
repercute na punibilidade, é disposição legal de duvidosa constitucionalidade.
É certo que o legislador pode criar condições para o exercício da ação penal
ou causas de extinção da punibilidade. Todavia, nos acordos contidos na Lei n.
12.259/2011 e 12.846/2013, a não previsão expressa da participação do titular da
ação penal na celebração do pacto de leniência, pode acarretar efeitos mediatos
negativos para o interesse público na adequada e eficaz repressão da criminalidade
econômica, nela incluída a corrupção de funcionários públicos nacionais ou
estrangeiros.
61
de denúncia pela Procuradoria da República em decorrência dos crimes da Lei n.
8.137/1990, crimes relacionados com prática de cartel previstos na Lei n. 8.666/1993
e do art. 288, de Código Penal.
Em sentido oposto, a CGU, atual MTFC, considera ser a única legitimada a
celebrar o acordo de leniência, com base na Lei nº 12.846/2013, por não existir
previsão expressa de participação, no âmbito da administração pública federal do
MPF. Vale salientar ser esse um entendimento controvertido, uma vez que ele pode
violar a regra da indisponibilidade da ação penal – bem como a sua titularidade –,
constitucionalmente assegurada ao Parquet.
A propósito, em representação feita ao Tribunal de Contas da União (TCU), o
MPF aduziu que, além de ser aquele posicionamento contrário ao disposto no art. 16,
da Lei nº 12.846/2013, os acordos de leniência firmados pela CGU, e não fiscalizados,
poderiam interferir tanto suas investigações, como as da Polícia Federal. A seu turno,
o TCU, apesar de reconhecer a relevância da participação do MPF, considerou ser
prescindível sua atuação na celebração do acordo de leniência. A propósito, o julgado
concluiu:
62
penal pública. Em outras palavras, afronta a prerrogativa constitucional contida no art.
129, I da Constituição Federal.
Nesse sentido, o modelo desenhado pela Lei n. 12.846/2013 desconsidera a
possibilidade de interferência em investigação criminal já em curso, com elementos
suficientes à persecução. Este modelo não estabelece, ainda, mecanismos
mandatórios de interação entre os órgãos para salvaguardar situações de eventual
conflito, o que também é criticável.
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fenômeno da corrupção, compromisso assumido pelo poder público não somente para
a Sociedade brasileira, como, igualmente, em tratados e convenções internacionais.
O Senado passou a admitir a não aplicação das punições da Lei 8.429/92 (Lei
de Improbidade Administrativa) em hipóteses de acordo de leniência, registrando que
a Lei 8.429/92 é o mais importante e mais utilizado instrumento jurídico de proteção
ao patrimônio público pelo MP hoje no Brasil.
Como se já não fossem bastantes os argumentos já mencionados, a justificativa
de apresentação da Medida Provisória n. 703 para destravar a economia, permitindo
que empresas suspeitas de corrupção tenham acesso a financiamentos públicos e
fiquem impunes com anulação da multa prevista na Lei 12.846 danifica o princípio da
livre concorrência e nega princípios universais esculpidos nos pactos internacionais
anticorrupção — especialmente da OCDE (1997) e Mérida (2003).
Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República (PGR), em substancioso
parecer adicionado à ADI 5466, que questionava a constitucionalidade da referida
Medida Provisória, denota preocupação com os danosos efeitos que a mesma geraria,
tendo opinado pela sustação cautelar de seus efeitos. No tocante à suposta
“consensualidade administrativa” no âmbito da Lei de Improbidade, a ideia também
não foi bem recebida pela PGR, que salientou: “A competência excessivamente ampla
para celebração dos acordos, com reflexos potenciais sobre ações de improbidade e
todos os benefícios do art. 16, § 2o, da lei alterada pela MP, debilita fortemente o
princípio da responsabilidade, deturpa a finalidade do instituto da leniência e fere a
eficiência da administração pública na prevenção e repressão de atos ilícitos.”
Por fim, registre-se que não se trata de uma mera discussão teórica, haja vista
que as disposições contidas na MP n. 703 desapareceram juntamente com a perda
da vigência pelo decurso do tempo. Isso porque, como visto, ainda há projetos de lei
em tramitação no Parlamento que objetivam, dentre outras providências, fazer com
que os acordos de leniência possam surtir efeitos não somente para determinados
grupos de crimes, mas, também, para as infrações tipificadas na Lei n. 8.429/1992, o
que evidencia que a presente discussão está longe de terminar.
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BIBLIOGRAFIA
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz. Lei anticorrupção: apontamentos sobre à Lei
no 12.846/2013. 2017
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DE ABREU, Natália Martins. Intervenção do Estado na economia através da lei
anticorrupção 12.846/2013. Revista do Direito Público, v. 11, n. 1, p. 245-248, 2016.
66
SOUZA, Nayara Mendonça Silva e. Mecanismos de proteção ao programa de
leniência brasileiro – um estudo sobre a confidencialidade dos documentos e a
responsabilidade civil à luz do direito europeu. IX Prêmio SEAE. Concurso de
Monografias sobre o tema Defesa da Concorrência. SEAE: Brasília, 2014.
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