Acordos Parassociais Macau
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FACULDADE DE DIREITO
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Resumo
Este trabalho aborda os acordos parassociais no contexto do regime jurídico das sociedades
comerciais em Macau, destacando sua importância como instrumentos regulatórios das
relações entre sócios. A análise começa com a definição e características dos acordos
parassociais, seus momentos de celebração e a liberdade de forma na sua elaboração. O
trabalho também examina a duração, a função e a classificação desses acordos, ressaltando os
limites à sua admissibilidade. Questões complexas relativas à vinculação e oponibilidade dos
acordos parassociais à sociedade são discutidas, especialmente no que diz respeito às
implicações do incumprimento.O artigo conclui que, embora os acordos parassociais
ofereçam flexibilidade e autonomia aos sócios, eles devem respeitar os respectivos limites
legais e normativos, garantindo assim a estabilidade e a equidade nas relações sociais.
3
Índice
Introdução................................................................................................................................6
Os Acordos Parassociais.........................................................................................................7
Outros Limites........................................................................................................................19
Conclusão……………………………………………………..……………………………..23
Bibliografia……………………………………………………………………………….…24
4
Lista de Abreviaturas
AL - Alínea
ART. - Artigo
CC - Código Civil
n.º - Número
§ - Parágrafo
SOC - Sociedade
V – Voto
5
1. Introdução
Mesmo que em termos teóricos o contrato social seja a figura central de regulação das
matérias ligadas à sociedade comercial e o seu funcionamento, não podemos deixar de
reconhecer a importância e relevo dos acordos parassociais na vida da sociedade.
A prática reiterada da sua celebração pelos sócios originou a que o seu regime fosse
tipificado, ainda que de forma limitada, de modo a evitar que estes contornassem as regras
jussocietárias através de um acordo entre os mesmos.
Assim, surge o artigo 185.º do Código Comercial de Macau, que consagra o regime aplicável
aos acordos parassociais. Porém, percebe-se que, dada a diversidade de acordos parassociais
que podem ser celebrados, a sua regulamentação revela-se uma tarefa complexa. Daí nos
depararmos com diversas questões por responder neste âmbito, nomeadamente, no que
respeita a sua vinculação e oponibilidade.
Se, por um lado, podemos argumentar que o artigo 185.º do Código Comercial, prevê a
possibilidade de um acordo parassocial poder ser celebrado entre todos os sócios, por outro
lado, notamos que as regras previstas nos respectivos n.º 2 e 3 do artigo referido, não
denotam uma devida clareza no que toca a sua vinculação e oponibilidade.
Desde logo, questionámo-nos até que ponto o conteúdo previsto num acordo parassocial
poderá se sobrepor às regras jussocietárias. Por outro lado, também podemos questionar o
real sentido e alcance dos acordos parassociais quanto a sua vinculação e oponibilidade a
teceiros.
6
2. Os Acordos Parassociais
A temática dos acordos parassociais remonta a longos anos, em 1942, o autor Giorgio Oppo
definia os acordos parassociais como sendo os
Porém, nesta fase, o conceito ainda era recente e não seguia a dinâmica das sociedades
comerciais como nos dias de hoje. A autora Ana Filipa Leal2 considera que, actualmente,
tornaram-se comuns e praticáveis ao longo da vida da sociedade, sendo praticados pelos
sócios desde o nascimento da sociedade até ao momento da sua dissolução.
Derivada, uma vez que apenas podem intervir num acordo parassocial os sócios de
uma sociedade. Assim, a qualidade de sócio é adquirida por outro título, sendo
esse o seu pressuposto normativo.
1
Cfr. Giorgio Oppo, Contratti parasociali, Milano, 1942, p. 1 citado por Ana Filipa Leal, “ Algumas notas sobre
a parassocialidade no Direito português”, Revista de Direito das Sociedades, Ano I (2009), n.º 1, Almedina, p.
135;
2
Cfr. Ana Filipa Leal, ob. cit., p. 138.
7
Integrada, ou seja, encontra-se integrada no universo societário formando “com
ela (sociedade) uma mesma unidade de sentido jurídico-normativo”, apesar de
serem estruturalmente diversas”.3
Neste sentido, esclarece Coutinho de Abreu, “na medida em que podem influenciar a vida
societária e intervir na delimitação de direitos e obrigações de sócios, os acordos
parassociais têm algumas conexões com os estatutos sociais. Mas são fenómenos distintos
(o “parassocial” não é “social).”4
Com efeito, os acordos parassociais podem ser anteriores ao contrato de sociedade, ou,
como refere Maria da Graça Trigo, “o acordo parassocial antecipa a constituição de uma
sociedade” , tal como sucede, por exemplo, quando celebrados visando a constituição de
uma sociedade comercial, em que os participantes se obrigam a subscrever determinada
percentagem do capital social, ou que algum ou alguns deles serão nomeados para o órgão
de administração.
3
Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial II, 4ª edição, Almedina, 2011, p. 148.
4
Coutinho de Abreu, ob. cit, p. 148.
8
sociedade e os acordos parassociais sejam celebrados
concomitantemente, depois de haverem sido objecto de
uma negociação conjunta na qual, não poucas vezes, não
só se assistiu à alteração de uma minuta em razão das
alterações introduzidas na outra, como a uma flutuação
de cláusulas entre a minuta do contrato de sociedade e a
minuta do acordo parassocial”.
Por fim, e quiçá os casos mais frequentes, depois de celebrado o contrato de sociedade ou,
se se quiser, na vigência do mesmo, podem ser celebrados acordos parassociais, visando
alterar ou complementar um acordo parassocial já vigente, ou regular, ex novo, determinado
aspeto da vida da sociedade, considerando o amplo leque de matérias que podem ser objeto
dos acordos parassociais.
A esse respeito, Carolina Cunha esclarece que “parece ser mais usual (sobretudo no que
toca aos acordos de voto) a sua celebração (dos acordos parassociais) por ocasião da entrada
de novos sócios, seja por aumento de capital, seja por transmissão de participações sociais”.
Para o acordo parassocial vigora o princípio geral de liberdade de forma previsto no artigo
211.º do Código Civil, Compreende-se que assim o seja, desde logo, porque esta figura
jurídica deriva dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada previstos no
artigo 399.º do Código Civil Assim, os intervenientes do acordo parassocial poderão
livremente adoptar qualquer formalidade, quer documental, quer simplesmente verbal, sem
que, por isso, seja afectada a sua respetiva validade, o mesmo procede para a sua
modificação.
Note-se que, naturalmente, se exige uma unanimidade entre os contraentes para uma eventual
alteração do contrato, ao invés do que se verifica, por exemplo, na alteração do contrato de
sociedade.
Em todo o caso, esta não deixa de ser uma solução algo insegura ao nível da prova da
existência do acordo parassocial para o caso, por exemplo, do seu incumprimento 5, para além
5
Para Pinto Coelho, a lei ao exigir uma certa formalidade está, desde logo, a admiti-la como uma «prova
préconstituída». Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo I, Lisboa, 1946, citado por Fernando
Galvão Teles, União de contratos …, p. 89.
9
de que a exigência de uma formalidade representa sempre um meio de reflexão na formação
da vontade dos subscritores do acordo.
Os acordos parassociais, por via do exercício da autonomia privada, podem ser celebrados
antes ou depois da constituição da sociedade comercial. Quando anteriores à celebração do
pacto social, visam estabelecer determinadas relações a perdurar no âmbito societário ou
regular determinados aspectos atinentes à vida societária 6. Quando posteriores, propõem-se
regular as mais variadas situações societárias atendendo aos específicos interesses dos sócios
subscritores, regulando ou complementando o contrato de sociedade7.
6
Podem os sócios celebrar um acordo parassocial e obrigarem-se, mediante um contrato-promessa, à celebração
do contrato de sociedade, regulando “entre si relações particulares que hão-de perdurar estranhas ao estatuto
social, já porque essa é a vontade dos mesmos sócios, já porque tais acordos se revelam incompatíveis com a
regulamentação social”. Assim, Fernando Galvão Teles, União de contratos , pp. 84-87.
7
grande maioria de acordos parassociais “são celebrados por ocasião de alterações subjectivas da sociedade”.
8
J.Magalhães Correia, “Notas breves sobre o Regime dos Acordos Parassociais nas Sociedades Cotadas”, em
Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 15, 2002, p. 95, também disponível em:
http://www.cmvm.pt/CMVM/Publicacoes/Cadernos/Documents/0654cf3c9eae4af18f5a5bc858867f8fJMCorreia
. pdf. Consultado aos 03 de Novembro de 2024.
10
acontecimento futuro, mas certo, quer saibam a priori quando será esse o momento, quer seja
este desconhecido.
Assim, de modo a garantir a liberdade dos subscritores do acordo parassocial, Vasco Lobo
Xavier admite a sua respectiva desvinculação mediante o recurso: à revogação unilateral sem
necessidade de se fundamentar, das obrigações duradouras; à resolução ou modificação do
acordo por alteração das circunstâncias; à doutrina do abuso do direito; ou ainda, à
interpretação e integração do acordo atendendo a critérios de normalidade e de boa-fé. 9
Numa perspectiva comparada, o Direito italiano estipula, no seu artigo 2.341 do Código
Civil, uma limitação temporal do acordo parassocial até cinco anos, permitindo, no entanto,
aos seus subscritores a possibilidade de se retirarem com um aviso prévio de cento e oitenta
dias, para os casos em que não se estipule um prazo de duração.
Por sua vez, o Direito brasileiro, paralelamente com o disposto na doutrina portuguesa, desde
2001 admitiu expressamente a possibilidade do prazo do acordo de acionistas ficar
subordinado a um termo ou condição. Nesse sentido, os subscritores do acordo não ficam
incumbidos de estipular um prazo de duração, bastando que seja determinável à ocorrência de
um determinado acontecimento.
Podemos desde logo, questionar sobre quais são as razões que levam os sócios de uma
empresa a celebrar um acordo parassocial. As motivações que levam a que os sócios
escolham celebrar um acordo parassocial apresentam uma natureza muito diversificada.
Ainda assim podemos destacar, em primeiro plano, a necessidade de garantir a
estabilidade e unidade da sociedade, assegurar a manutenção de uma política comum entre
os sócios, a qual pode ser essencial para a vida da sociedade em determinadas
9
Vasco Lobo Xavier, “A Validade dos Sindicatos de Voto no Direito Português Constituído e Constituendo” in
Revista da Ordem dos Advogados, ano 45, III, dezembro 1985 …, p. 652.
11
circunstâncias, nomeadamente através de convenções de voto. Os sócios pretendem, assim,
configurar integralmente o funcionamento da sociedade de acordo com a sua própria
vontade.10
Não será, no entanto, de descartar a função de controlo que estes acordos possuem. Esta
função é mais visível aquando da regulação do exercício dos seus direitos participativos ou
por via da salvaguarda da eficiência de núcleos de pressão, seja no sentido ofensivo, quando
sirvam para provocar mudanças no controlo societário, seja no defensivo, quando permitam
controlar maiorias de poder que se poderão tornar instáveis10.
Do mesmo modo, em certos casos, os acordos parassociais podem assumir uma função
protectora perante as minorias, possibilitando mecanismos que impeçam abusos de poder
da maioria. Interesses económicos também poderão estar em jogo quando se celebram
acordos parassociais, principalmente nas situações em que a sociedade é vista como um
instrumento para a realização de uma determinada actividade económica e o acordo
parassocial dá sentido e corpo ao plano de investimento dos sócios na actividade em causa.
Constitui uma tarefa díficíl descrever a classificação dos acordos parassociais, senão mesmo
impossível11. De facto, uma vez que se inserem no domínio da autonomia privada e da
liberdade contratual, o seu conteúdo pode ser diversificado, tornando, até mesmo,
complicada a tarefa de a definição de categorias entre eles.
Porém, a grande maioria da doutrina portuguesa 12, que como se sabe, a RAEM tem na sua
matriz doutrinária e legal essencialmente portuguesa, classifica ocivils acordos parassociais
em três modalidades, de acordo com a sua frequência na prática jurídica.
10
Rita Guimarães Fialho D’ Almeida, Os acordos parassociais: Reflexão Dogmática e Jurisprudencial,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 124.
11
De acordo com Maria da Graça Trigo, Os Acordos Parassociais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1998
p. 28, “Para além dos acordos parassociais sobre o exercício do direito de voto podem surgir acordos
parassociais com as mais diversas configurações, em função dos interesses que as partes pretendem prosseguir.
Se é possível estabelecer parâmetros teóricos para delimitar o instituto, já se apresenta extremamente difícil
proceder a uma enumeração de hipóteses de contratos parassociais ou até mesmo tentar definir categorias entre
eles.”;
12
A. Filipa Leal, ob. cit., pp. 142-143; A. Pereira de Almeida, ob. cit., p. 585. Citado por Rita Fialho D’almeida,
Os Acordos Parassociais–Reflexão Dogmática e Jurisprudencial”, Tese de Doutoramento em Direito, ramo
Ciências Jurídico-Empresariais, p. 137
12
Deste modo, podemos classificá-los da seguinte forma:
Ainda assim, podemos encontrar oposição por parte de alguma doutrina portuguesa à
admissibilidade dos sindicatos de voto. Barbosa Magalhães é da opinião que a proibição das
vinculações de voto, “resulta directamente da legislação portuguesa, da natureza do direito
16
de voto e da necessidade de garantir o seu livre exercício e a genuidade de voto” . Na
opinião do autor, a promessa de votar em determinado sentido não garante a liberdade de
voto e a sua genuinidade.17
13
Maria da Graça Trigo, Os acordos parassociais…, págs. 27 e 28, divide os acordos relativos ao exercício de
direito de voto segundo outros critérios, tal como, o critério de “duração do acordo, um critério de identidade
das partes entre as quais se celebra, um critério de matéria regulada pelo acordo, um critério de fim
prosseguido, um critério de carácter autónomo ou não do acordo, um critério da sua estrutura interna…”
14
Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais Português, p.31
15
Manuel Carneiro Da Frada, Manual de Direito das sociedades,I, Das sociedades em geral, 2004 citado por
Rita Mafalda Barros, Revista de Direito das Sociedades, “Os acordos parassociais-breve caracterização, p.338
16
Barbosa de MagalhãeS, La società per azionialla metà del secolo XX,p. 23, admitindo o agrupamento de
accionistas nos termos estritamente previstos no Código Comercial.
17
No de voto, fixação dum fim comum”- cfr. M. Cavaleiro Ferreira, Obra Dispersa, p.273 citado por Rita
Bairros, ob. cit., p. 103.
13
acordos relativos ao regime das participações sociais: estes visam a regulamentação de
alguns aspetos respeitantes ao regime das participações sociais, onde, em particular,
podemos encontrar as convenções18 ou sindicatos de bloqueio. Entre estes acordos podemos
encontrar proibições absolutas ou temporárias quanto à alienação das participações sociais a
determinadas pessoas por parte dos subscritores do acordo.
acordos relativos ao funcionamento da sociedade: os acordos de funcionamento da
sociedade comercial têm como escopo regular as orientações comerciais da própria
sociedade, ou seja, pretendem regular as opções de maior importância que a sociedade terá de
realizar, tais como as orientações comerciais, os investimentos financeiros e a própria
organização da sociedade.
Maria Graça Trigo19 afirma que estes acordos parassociais, no fundo consistem num conjunto
de acordos de direito ao voto e participações sociais, ou seja, segundo as suas palavras a
sociedade decide adoptar um plano empresarial e comprometem-se a colocâ-lo em prática,
para que a sociedade cumpra com os seus desígnios.
De acordo com Maria de Graça Trigo, “Os Acordos Parassociais…”, p. 29 -; Almeida Costa, Cláusulas de
inalienabilidade, Coimbra, 1992, p. 23 citado por Maria da Graça Trigo, “Síntese…”, p. 29
Trigo, Maria Graça, “Os acordos parassociais sobre o exercício do direito ao voto”, págs. 30 e
seguintes.mesmo sentido, M. Cavaleiro Ferreira considera, desde logo, existir uma íntima relação entre o regime
convencional de restrição da transmissibilidade das acções e as vinculações de voto, na medida em que “a
organização do sindicato de accionistas pressupõe estes três elementos – bloqueio de acções, limitação do
direito de voto, fixação dum fim comum”- cfr. M. Cavaleiro Ferreira, Obra Dispersa, p.273 citado por Rita
Bairros, ob. cit., p. 103.
18
De acordo com Maria da Graça Trigo, “Os Acordos Parassociais…”, p. 29 -; Almeida Costa, Cláusulas de
inalienabilidade, Coimbra, 1992, p. 23 citado Por Maria Graça Trigo, “Síntese…”, p. 29
19
Trigo, Maria Graça, “Os acordos parassociais sobre o exercício do direito ao voto”, págs. 30 e seguintes.
14
3. Limites á Admissibilidade dos Acordos Parassociais
15
Diferentemente, considera Ana Filipa Leal que os acordos parassociais não estão sujeitos
numa primeira impressão, aos imperativos próprios do direito societário: dependerá da
interpretação dos concretos enunciados normativos apurar se determinado preceito se dirige
apenas á regulação do Contrato Social ou também á regulação de qualquer contrato com ele
relacionado.22
O art. 185.°, 2, proíbe que os sócios dirijam instruções aos membros dos órgãos de
administração e fiscalização fora do quadro em que elas possam ser legítimas, isto é, fora da
via deliberativo-social18. Há, todavia, quem conclua que são lícitos os acordos parassociais
sobre matérias de administração acessíveis a deliberação dos sócios. Indo mais longe, outros
defendem que o preceito deve ser interpretado restritivamente: proibidas estarão apenas as
cláusulas que imponham aos titulares dos órgãos condutas concretas, mas não já aquelas que
exijam a unanimidade, ou o voto de certo administrador para a tomada de determinadas
decisões.
Seja como for, está manifestamente em causa evitar uma invasão ou apropriação pelos
sócios da esfera de competência daqueles órgãos": um operdo parasocial não pode ter como
objecto actos ou omissões cuja concretização dependa do comportamento de membros de
órgãos de administração ou de fiscalização, quer estes sejam sócios subscritores do acordo,
quer pessoas alheias ao mesmo. Segundo Graça Trigo, esta proibição representa, na prática,
uma "fortíssima condicionante" à liberdade de estipulação do conteúdo dos acordos
parassociais, já que um dos "objectivos tradicionais" destes acordos o de assegurar o
controlo directo sobre a actividade da administração da sociedade; será provavelmente,
portanto, "uma das limitações mais frequentemente violada23".
22
Ana Filipa Leal, 2009, página 157-158.
23
Já que "dificilmente os sócios abdicam da possibilidade de influenciar, de forma mais ou menos directa, a
actuação dos órgãos de administração" - v. Graça Trigo (2002), p. 174-175: por isso se encontram, com
16
A ratio do art. 185°, 2, encontra-a a doutrina no já referido princípio da tipicidade
consagrado no art. 174.º, número 2, a defesa do interesse público, a protecção dos sócios e
a tutela dos credores, que não poderiam contar com uma organização diferente da plasmada
no pacto social. Complementa-a, todavia, com necessidade de garantir a liberdade e
responsabilidade dos administradores que, o exercício das suas funções, estão adstritos à
realização do interesse social ao preceituado pelo art. 235° do Código Comercial.
A al. a) do n° 3 do art. 185° comina a nulidade para os acordos parassociais que obriguem
um sócio a votar seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos.
Ora, os órgãos sociais emitentes das instruções poderão ser o órgão de administração e
representação ou o órgão de fiscalização24. No primeiro caso, impõem-se algumas
clarificações. Se o órgão de administração e representação actua como tal, ou seja, como
órgão ou "repre-sentante" da sociedade, estamos perante instruções emitidas pela
sociedade'».25
17
maioria dos membros do orgão ou então, ás instruções emitidas pela totalidade dos
membros desprovidos dessa veste "orgânico-funcional",
Também pelas razões acima apontadas, a al. b) do n° 3 do art. 185° fere de nulidade os
acordos que obriguem os sócios a aprovar sempre as propostas feitas pelos órgãos da
sociedade logrando um efeito igual ou ainda mais directo do que o previsto da norma
anterior, pois aqui não há sequer necessidade de uma instrução.27
O alcance do advérbio "sempre", presente tanto na al. a) como na al. b) do n° 3 do art. 185,
tem suscitado divergências na doutrina. Para alguns, isso significa que um acordo pontual
para aprovar, por exemplo, uma certa proposta isolada de um órgão da sociedade não cabe
na letra nem no espírito da lei: não apresenta a gravidade de um acordo duradouro, nem cria
a intolerável influência entre órgãos que o preceito pretende evitar. Para outros, pelo
contrário, a interpretação teleológica daqueles preceitos não deixará de sujeitar à nulidade
também os acordos de voto dirigidos a concretas situações.
Apesar de o n° 2 do art. 185° vir expressamente admitir que os acordos parassociais digam
respeito ao exercício do direito de voto, a al. c) do n° 3 impõe-lhes a proibição da chamada
venda de votos. Ou seja, se é lícito ao sócio comprometer-se a votar neste ou naquele
sentido (ou a ficar-se pela abstenção 38 28), já não lhe é permitido fazê-lo em contrapartida
de vantagens especiais. Não se trata, obvia-mente, da venda do próprio direito de voto,
destacado da acção.29
votação em assembleia geral; na senda do direito alemão, será indiferente que a obrigação seja assumida perante
a sociedade, o órgão, outro accionista ou mesmo um terceiro.
27
“Para o Professor Oliveira Ascenção, seriam válidos os pactos pelos quais os sócios se obriguem a votaar
sempre segundo instruções, ou para aprovar sempre as propostas de outros sócios”, citado por Raúl Ventura,
1992, páginas 65-66.
28
frisando a contradição em que incorreu o legislador português, que, preocupado em efectuar a cópia fiel da
referida versão do art. 35° da Proposta de Directiva, nem se deu conta de que um sócio não se pode "obrigar a
votar" (17.º, 3) "abstendo-se" (17.º, 3, al. c), Coutinho de Abreu (2009), p. 160, nt. 161; no mesmo sentido já
Raúl Ventura (1992), p. 67, acrescentando que na "abstenção" se inclui a hipótese de não comparência do sócio
na assembleia.
29
Como adverte Raúl Ventura (1992), p. 68 e 69, considerando que quem transmitisse para outrem o seu direito
de voto isolado deixaria de exercer em comum a actividade determinante da constituição da sociedade; v.
também Ana Filipa Leal (2009), 167 (o que o sócio "vende" é a definição da orientação do seu voto, não o seu
direito de voto).
18
O fundamento desta específica proibição encontra-o a doutrina na circunstância de aquele
que vincula o seu voto apenas para receber uma contrapartida pessoal não estar, quando
efectivamente vota, a exercer a actividade em comum, mas tão-só a cumprir a obrigação de
que já recebeu contrapartida.30 Pouco importa, por isso, o concreto sentido do voto
vinculado. Há quem saliente, também, a "compra" de voto poderia dar azo a deliberações
abusivas e dissociar o risco da detenção de capital, que funciona como "motor essencial de
equilíbrio". Outros, ainda, entendem que o legislador visou coibir a venia-lidade do voto,
impondo uma barreira à crescente patrimonialização das faculdades pessoais.
Em causa estarão, portanto, vantagens, patrimoniais ou não, que caibam apenas aos sócios
que se obrigaram a votar em determinado sentido (ou a não votar), e que estão em imediata
ou mediata relação causal com tal vinculação. Podem beneficiar tanto o sócio vinculado a
votar, como terceiro por este indicado: Na prática, contudo determinar quando se está
perante vantagens especiais como correspectivo do voto pode revelar se uma tarefa árduas
Na rdade, pode dizer-se que "todo o acordo tem um contrapartida, toda a con-rapartida pode
ser qualificada como uma vantagem especial'5°, pelo que há que interpretar adequadamente
a expressão contrapartida de vantagens especiais, sob pena de a expressão abranger quase
tudo”.
4. Outros limites
30
Raúl Ventura (1992), p. 69, que todavia isenta da proibição a simples obrigação de estar presente ou
representado na assembleia ou de participar na discussão de assuntos da ordem de trabalhos.
19
consequências do incumprimento da obrigação violada. 31Há quem entenda, contudo, que o
sócio deverá cumprir a obrigação emergente do pacto social, com base numa ideia de
subordinação normativa das regras parassociais às regras sociais.
5. VINCULAÇÃO E OPONIBILIDADE OPONIBILIDADE DOS ACORDOS
PARASSOCIAIS À SOCIEDADE
O artigo 185.º, n.º 1, do Código Comercial regula a matéria, na sua parte final, ao dispor que
“os acordos parassociais […] apenas produzem efeitos entre os contraentes, não podendo,
com base neles, ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade”.
Daqui decorre, em primeira linha, que, nos casos em que a sociedade não é parte do acordo
parassocial, as disposições deste não vinculam a sociedade 33. No entanto, ao contrário do que
31
Assim Ana Filipa Leal (2009), p. 169-172, com exemplos dessas situações (»,g, quando o acordo parasocial
não respeita o alargamento dos casos de impedimento de voto operado pelo estatuto; quando o pacto social
limita o número máximo de votos por accionista e haja uma vinculação a votar no sentido determinado pelo
accionista que pessoalmente já atingiu esse limite).
32
Cfr., entre tantos, Raul Ventura, Acordos de voto, pp. 37-39; Maria da Graça Trigo, Acordos parassociais
sobre o exercício do direito de voto, pp. 148-149; Paulo Câmara, Parassocialidade e transmissão de valores
mobiliários, pp. 416 e ss.; Pedro Pais De Vasconcelos, A participação social nas sociedades comerciais, p. 63;
Ana Filipa Leal, Algumas notas sobre a parassocialidade no direito português, pp. 174-178
33
Na jurisprudência portuguesa, reforçando a ideia da não vinculação da sociedade às disposições do acordo
parassocial e, com isso, clarificando que “nos acordos parassociais não há qualquer razão para aplicar o regime
do art.º 260.º do CSC [português], pois este artigo trata da vinculação da sociedade perante terceiros”, cfr.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.11.2016, Processo n.º 1762/13.0TJVNF- A.G1, Relator:
Elisabete Valente, disponível em www.dgsi.pt. Consultado aos 09 de outubro de 2024.
20
poderia parecer à primeira vista, o preceito em causa não esgota a questão 34. O preceito
apenas determina que os acordos parassociais não podem servir de base à impugnação de
actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade. Contudo, as hipóteses previstas a
impugnação de actos societários e de actos dos sócios perante a sociedade, não esgotam o
universo de possíveis situações de oponibilidade dos acordos parassociais à sociedade.
Por outro lado, importa recordar que a interpretação da lei nunca se pode esgotar em meras
considerações literais35. A resposta à questão sobre em que medida é que a admissibilidade
dos actos da sociedade ou dos sócios pode ser parametrizada pelo estipulado nos acordos
parassociais reclama, pois, que, para além de se atender à letra do artigo 185.º, n.º 1, do
Código Comercial, se indaguem os demais elementos de interpretação, em particular, a sua
teleologia. Apenas interpretado o artigo 185.º, n.º 1, do Código Comercial, em conformidade
com estes elementos será possível responder, de forma fundamentada, à questão que nos
ocupa.
Por fim, importa indagar se os acordos parassociais, mesmo quando não são em si mesmos
considerados oponíveis à sociedade, podem assumir algum tipo de oponibilidade por força de
outras normas jurídico-societárias que, de forma explícita ou implícita, para eles remetam (ou
seja, mediatamente).
6. Conclusão
34
Chamando a atenção para este aspecto, veja-se Manuel Carneiro da Frada, Acordos parassociais
“omnilaterais”, pp. 105 e ss., e Diogo Costa Gonçalves, Notas breves sobre a socialidade e a parassocialidade,
pp. 791 e ss.
35
Como alerta Manuel Carneiro Da Frada, Acordos parassociais “omnilaterais”, pp. 105-107, nenhuma
interpretação se pode cingir à consideração da letra da lei. Uma resposta ao problema da oponibilidade dos
acordos parassociais terá sempre de passar pela reconstrução de todo o “pensamento legislativo.
21
A análise dos acordos parassociais no contexto do regime jurídico das sociedades
comerciais em Macau revela a complexidade e a relevância desta figura jurídica no
quotidiano das relações sociais. Desde a sua origem, os acordos parassociais têm sido um
instrumento fundamental que dá suporte à dinâmica interna das sociedades, reflectindo a
interacção entre os sócios e as estratégias que adoptam para assegurar seus interesses
comuns.
Entretanto, essa liberdade também traz consigo desafios e limites claros, que se
materializam principalmente nas diretrizes estabelecidas pelo Código Comercial de Macau,
com foco na protecção dos interesses da sociedade e dos princípios que regem a governança
corporativa. Assim, enquanto os sócios desfrutam da liberdade de redigir acordos que
reflictam suas vontades, também encontram a obrigatoriedade de respeitar os preceitos
legais e normativos que visam garantir a estabilidade e a equidade nas relações sociais. A
possibilidade de existência de cláusulas que violem normas imperativas ou que infrinjam o
princípio da tipicidade societária sublinha a importância de um equilíbrio entre a autonomia
privada dos sócios e a segurança jurídica da entidade.
Ainda que as limitações estabelecidas pelo legislador, como a proibição de condutas que
restrinjam a independência dos órgãos sociais e a necessidade de observar as normas que
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protegem os direitos dos sócios, possam ser vistas como restrições à liberdade dos sócios
em negociar, elas também servem como salvaguardas que fortalecem a coagulação do
governo corporativo. É assim que o controlo e a fiscalização interna de uma sociedade são
potencializados, evitando que decisões arbitrárias possam danificar os interesses dos sócios
minoritários ou da sociedade como um todo.
Por fim, a classificação dos acordos parassociais mostra que, apesar da diversidade e da
flexibilidade inerentes a esses instrumentos, existem categorias que podem ser observadas e
que ajudam a sistematizar o entendimento sobre a matéria. Seja em relação ao exercício do
direito de voto ou à regulamentação das participações sociais, a tipificação dos acordos
parassociais contribui para um melhor conhecimento dos direitos e deveres dos sócios, além
de facilitar o exercício à luz da autonomia privada e do fortalecimento socioeconômico das
sociedades.
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