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Acordos Parassociais Macau

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UNIVERSIDADE DE MACAU

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO EM LÍNGUA PORTUGUESA

ACORDOS PARASSOCIAIS: VINCULAÇÃO E OPONIBILIDADE

José Joaquim Bandeira

Região Administrativa Especial de Macau, Setembro de 2024


UNIVERSIDADE DE MACAU

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO(LÍNGUA PORTUGUESA)

ACORDOS PARASSOCIAIS: VINCULAÇÃO E OPONIBILIDADE

Trabalho desenvolvido como requisito para obtenção de


nota na disciplina de Direito Comercial do curso de
Mestrado em Direito (em Português) da Universidade de
Macau, pelo discente José Joaquim Bandeira, sob
orientação do Professor Doutor Augusto Teixeira Garcia.

Região Administrativa Especial de Macau, Novembro de 2024

2
Resumo

Este trabalho aborda os acordos parassociais no contexto do regime jurídico das sociedades
comerciais em Macau, destacando sua importância como instrumentos regulatórios das
relações entre sócios. A análise começa com a definição e características dos acordos
parassociais, seus momentos de celebração e a liberdade de forma na sua elaboração. O
trabalho também examina a duração, a função e a classificação desses acordos, ressaltando os
limites à sua admissibilidade. Questões complexas relativas à vinculação e oponibilidade dos
acordos parassociais à sociedade são discutidas, especialmente no que diz respeito às
implicações do incumprimento.O artigo conclui que, embora os acordos parassociais
ofereçam flexibilidade e autonomia aos sócios, eles devem respeitar os respectivos limites
legais e normativos, garantindo assim a estabilidade e a equidade nas relações sociais.

Palavras-chave: Acordos Parassociais, Sociedade, Vinculação, Oponibilidade, Limites.

3
Índice

Introdução................................................................................................................................6

Os Acordos Parassociais.........................................................................................................7

2.1. Momento da sua Celebração..............................................................................................8

2.2. A Liberdade de Forma na Celebração do Acordo Parassocial...........................................9

2.3. A Duração do Acordo Parassocial.....................................................................................10

2.4. Função dos Acordos Parassociais..................................................................................... 11

2.5. Classificação dos Acordos Parassociais............................................................................12

Limites à Admissibilidade dos Acordos


Parassociais...........................................................15

3.1. Condutas Proibidas por


Lei................................................................................................16

3.2. Independência dos Órgãos


Sociais.....................................................................................17

3.3. Art. 185.º, n. º


2...................................................................................................................18

3.4. Art. 185.º, n. º


3…………………………………………………………………………...18

Outros Limites........................................................................................................................19

4.1. Limites Decorrentes do Contrato


Social............................................................................20

Vinculação e Oponibilidade dos Acordos Parassociais à


Sociedade...................................22

Conclusão……………………………………………………..……………………………..23

Bibliografia……………………………………………………………………………….…24

4
Lista de Abreviaturas

 AL - Alínea

 ART. - Artigo

 CC - Código Civil

 Ccom - Código Comercial

 EUA - Estados Unidos da América

 RAEM - Região Administrativa Especial de Macau

 n.º - Número

 § - Parágrafo

 SOC - Sociedade

 V – Voto

5
1. Introdução

Mesmo que em termos teóricos o contrato social seja a figura central de regulação das
matérias ligadas à sociedade comercial e o seu funcionamento, não podemos deixar de
reconhecer a importância e relevo dos acordos parassociais na vida da sociedade.

A prática reiterada da sua celebração pelos sócios originou a que o seu regime fosse
tipificado, ainda que de forma limitada, de modo a evitar que estes contornassem as regras
jussocietárias através de um acordo entre os mesmos.

Assim, surge o artigo 185.º do Código Comercial de Macau, que consagra o regime aplicável
aos acordos parassociais. Porém, percebe-se que, dada a diversidade de acordos parassociais
que podem ser celebrados, a sua regulamentação revela-se uma tarefa complexa. Daí nos
depararmos com diversas questões por responder neste âmbito, nomeadamente, no que
respeita a sua vinculação e oponibilidade.

Se, por um lado, podemos argumentar que o artigo 185.º do Código Comercial, prevê a
possibilidade de um acordo parassocial poder ser celebrado entre todos os sócios, por outro
lado, notamos que as regras previstas nos respectivos n.º 2 e 3 do artigo referido, não
denotam uma devida clareza no que toca a sua vinculação e oponibilidade.

Desde logo, questionámo-nos até que ponto o conteúdo previsto num acordo parassocial
poderá se sobrepor às regras jussocietárias. Por outro lado, também podemos questionar o
real sentido e alcance dos acordos parassociais quanto a sua vinculação e oponibilidade a
teceiros.

6
2. Os Acordos Parassociais
A temática dos acordos parassociais remonta a longos anos, em 1942, o autor Giorgio Oppo
definia os acordos parassociais como sendo os

“acordos celebrados pelos sócios [...], exteriores ao


acto constitutivo e aos estatutos [...], para regular
interesses ou ainda nas relações com a sociedade com
os órgãos sociais ou com terceiros, um certo interesse ou
uma certa conduta social”.1

Porém, nesta fase, o conceito ainda era recente e não seguia a dinâmica das sociedades
comerciais como nos dias de hoje. A autora Ana Filipa Leal2 considera que, actualmente,
tornaram-se comuns e praticáveis ao longo da vida da sociedade, sendo praticados pelos
sócios desde o nascimento da sociedade até ao momento da sua dissolução.

No ordenamento jurídico macaense, a noção de acordo parassocial pode ser encontrada no


artigo 185.º do Código Comercial. Da sua definição podemos extrair três(3) elementos
essenciais, a citar:

 Derivada, uma vez que apenas podem intervir num acordo parassocial os sócios de
uma sociedade. Assim, a qualidade de sócio é adquirida por outro título, sendo
esse o seu pressuposto normativo.

 Referencial, tendo apenas e unicamente por objecto as situações jurídicas referentes


à sociedade da qual os sócios contratantes são partes.

1
Cfr. Giorgio Oppo, Contratti parasociali, Milano, 1942, p. 1 citado por Ana Filipa Leal, “ Algumas notas sobre
a parassocialidade no Direito português”, Revista de Direito das Sociedades, Ano I (2009), n.º 1, Almedina, p.
135;
2
Cfr. Ana Filipa Leal, ob. cit., p. 138.

7
 Integrada, ou seja, encontra-se integrada no universo societário formando “com
ela (sociedade) uma mesma unidade de sentido jurídico-normativo”, apesar de
serem estruturalmente diversas”.3

Refira-se, então, que os acordos parassociais se manifestam por duas características


fundamentais: por um lado, a independência e autonomia perante o contrato da sociedade e,
por outro, a existência de um nexo de acessoriedade com o contrato de sociedade.

Neste sentido, esclarece Coutinho de Abreu, “na medida em que podem influenciar a vida
societária e intervir na delimitação de direitos e obrigações de sócios, os acordos
parassociais têm algumas conexões com os estatutos sociais. Mas são fenómenos distintos
(o “parassocial” não é “social).”4

2.1. Momento da sua celebração

Os acordos parassociais podem ser celebrados em diferentes momentos da vida da sociedade


e até mesmo antes de a sociedade existir.

Com efeito, os acordos parassociais podem ser anteriores ao contrato de sociedade, ou,
como refere Maria da Graça Trigo, “o acordo parassocial antecipa a constituição de uma
sociedade” , tal como sucede, por exemplo, quando celebrados visando a constituição de
uma sociedade comercial, em que os participantes se obrigam a subscrever determinada
percentagem do capital social, ou que algum ou alguns deles serão nomeados para o órgão
de administração.

Podem, também, ser contemporâneos do contrato de sociedade, quando celebrados


simultaneamente ou, mesmo, quando inseridos no contrato de sociedade, caso que revela a
necessidade de distinção entre o social e o parassocial, bem como das cláusulas
verdadeiramente sociais ou parassociais, independentemente do que o contrato vier,
efectivamente, a estabelecer. Tais acordos poderão visar qualquer aspecto sobre o
funcionamento da sociedade, sobre o regime de transmissão de participações sociais, por
exemplo. A esse respeito, Diogo Costa Gonçalves refere que

“não é raro, sobretudo quando uma sociedade surge


abertamente como um veículo instrumental de certo
empreendimento económico, que o contrato de

3
Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial II, 4ª edição, Almedina, 2011, p. 148.
4
Coutinho de Abreu, ob. cit, p. 148.

8
sociedade e os acordos parassociais sejam celebrados
concomitantemente, depois de haverem sido objecto de
uma negociação conjunta na qual, não poucas vezes, não
só se assistiu à alteração de uma minuta em razão das
alterações introduzidas na outra, como a uma flutuação
de cláusulas entre a minuta do contrato de sociedade e a
minuta do acordo parassocial”.

Por fim, e quiçá os casos mais frequentes, depois de celebrado o contrato de sociedade ou,
se se quiser, na vigência do mesmo, podem ser celebrados acordos parassociais, visando
alterar ou complementar um acordo parassocial já vigente, ou regular, ex novo, determinado
aspeto da vida da sociedade, considerando o amplo leque de matérias que podem ser objeto
dos acordos parassociais.

A esse respeito, Carolina Cunha esclarece que “parece ser mais usual (sobretudo no que
toca aos acordos de voto) a sua celebração (dos acordos parassociais) por ocasião da entrada
de novos sócios, seja por aumento de capital, seja por transmissão de participações sociais”.

2.2. A liberdade de forma na celebração do acordo parassocial

Para o acordo parassocial vigora o princípio geral de liberdade de forma previsto no artigo
211.º do Código Civil, Compreende-se que assim o seja, desde logo, porque esta figura
jurídica deriva dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada previstos no
artigo 399.º do Código Civil Assim, os intervenientes do acordo parassocial poderão
livremente adoptar qualquer formalidade, quer documental, quer simplesmente verbal, sem
que, por isso, seja afectada a sua respetiva validade, o mesmo procede para a sua
modificação.

Note-se que, naturalmente, se exige uma unanimidade entre os contraentes para uma eventual
alteração do contrato, ao invés do que se verifica, por exemplo, na alteração do contrato de
sociedade.

Em todo o caso, esta não deixa de ser uma solução algo insegura ao nível da prova da
existência do acordo parassocial para o caso, por exemplo, do seu incumprimento 5, para além
5
Para Pinto Coelho, a lei ao exigir uma certa formalidade está, desde logo, a admiti-la como uma «prova
préconstituída». Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo I, Lisboa, 1946, citado por Fernando
Galvão Teles, União de contratos …, p. 89.

9
de que a exigência de uma formalidade representa sempre um meio de reflexão na formação
da vontade dos subscritores do acordo.

Tal como no ordenamento jurídico português, O legislador de Macau absteve-se de exigir


qualquer formalidade para a celebração do acordo parassocial e, na verdade, caberá somente
ao subscritor do acordo parassocial a escolha pela estipulação de uma determinada forma já
que estamos perante um contrato que a própria lei societária afasta qualquer eficácia externa.
Como bem sabemos este é um regime que se afasta do consagrado para o contrato de
sociedade.

2.3. A duração do acordo parassocial

Os acordos parassociais, por via do exercício da autonomia privada, podem ser celebrados
antes ou depois da constituição da sociedade comercial. Quando anteriores à celebração do
pacto social, visam estabelecer determinadas relações a perdurar no âmbito societário ou
regular determinados aspectos atinentes à vida societária 6. Quando posteriores, propõem-se
regular as mais variadas situações societárias atendendo aos específicos interesses dos sócios
subscritores, regulando ou complementando o contrato de sociedade7.

Os acordos parassociais podem, assim, regular determinados aspectos societários de uma


forma pontual ou ocasional, ou de uma forma duradoura, quer verse sobre uma determinada
situação em concreto, como por exemplo. o exercício do direito de voto numa certa e
concreta deliberação social ou, simplesmente, não tenha qualquer indicação temporal.

Actualmente, não existe qualquer imposição legal relativamente à duração do acordo


parassocial8. As partes podem, por isso, livremente inserir uma cláusula acessória, sujeitando
a duração do respectivo acordo parassocial a um termo certo ou incerto, pelo que os seus
subscritores sabem que o mesmo irá durar até que se verifique um determinado

6
Podem os sócios celebrar um acordo parassocial e obrigarem-se, mediante um contrato-promessa, à celebração
do contrato de sociedade, regulando “entre si relações particulares que hão-de perdurar estranhas ao estatuto
social, já porque essa é a vontade dos mesmos sócios, já porque tais acordos se revelam incompatíveis com a
regulamentação social”. Assim, Fernando Galvão Teles, União de contratos , pp. 84-87.
7
grande maioria de acordos parassociais “são celebrados por ocasião de alterações subjectivas da sociedade”.
8
J.Magalhães Correia, “Notas breves sobre o Regime dos Acordos Parassociais nas Sociedades Cotadas”, em
Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 15, 2002, p. 95, também disponível em:
http://www.cmvm.pt/CMVM/Publicacoes/Cadernos/Documents/0654cf3c9eae4af18f5a5bc858867f8fJMCorreia
. pdf. Consultado aos 03 de Novembro de 2024.

10
acontecimento futuro, mas certo, quer saibam a priori quando será esse o momento, quer seja
este desconhecido.

No entanto, os subscritores do acordo parassocial podem, simplesmente, não se pronunciar


sobre a sua duração. Ora, não se verificando quaisquer causas de extinção do acordo, quer
objectivas, pela extinção da sociedade comercial, quer subjectivas, pela cessação da
qualidade de sócio, é levantada a questão pela forma possível de desvinculação do
interveniente do acordo parassocial. Note-se que estamos perante um acordo parassocial com
uma duração indeterminada.

Assim, de modo a garantir a liberdade dos subscritores do acordo parassocial, Vasco Lobo
Xavier admite a sua respectiva desvinculação mediante o recurso: à revogação unilateral sem
necessidade de se fundamentar, das obrigações duradouras; à resolução ou modificação do
acordo por alteração das circunstâncias; à doutrina do abuso do direito; ou ainda, à
interpretação e integração do acordo atendendo a critérios de normalidade e de boa-fé. 9

Numa perspectiva comparada, o Direito italiano estipula, no seu artigo 2.341 do Código
Civil, uma limitação temporal do acordo parassocial até cinco anos, permitindo, no entanto,
aos seus subscritores a possibilidade de se retirarem com um aviso prévio de cento e oitenta
dias, para os casos em que não se estipule um prazo de duração.

Por sua vez, o Direito brasileiro, paralelamente com o disposto na doutrina portuguesa, desde
2001 admitiu expressamente a possibilidade do prazo do acordo de acionistas ficar
subordinado a um termo ou condição. Nesse sentido, os subscritores do acordo não ficam
incumbidos de estipular um prazo de duração, bastando que seja determinável à ocorrência de
um determinado acontecimento.

2.4. Função dos acordos parassociais

Podemos desde logo, questionar sobre quais são as razões que levam os sócios de uma
empresa a celebrar um acordo parassocial. As motivações que levam a que os sócios
escolham celebrar um acordo parassocial apresentam uma natureza muito diversificada.
Ainda assim podemos destacar, em primeiro plano, a necessidade de garantir a
estabilidade e unidade da sociedade, assegurar a manutenção de uma política comum entre
os sócios, a qual pode ser essencial para a vida da sociedade em determinadas

9
Vasco Lobo Xavier, “A Validade dos Sindicatos de Voto no Direito Português Constituído e Constituendo” in
Revista da Ordem dos Advogados, ano 45, III, dezembro 1985 …, p. 652.

11
circunstâncias, nomeadamente através de convenções de voto. Os sócios pretendem, assim,
configurar integralmente o funcionamento da sociedade de acordo com a sua própria
vontade.10

Não será, no entanto, de descartar a função de controlo que estes acordos possuem. Esta
função é mais visível aquando da regulação do exercício dos seus direitos participativos ou
por via da salvaguarda da eficiência de núcleos de pressão, seja no sentido ofensivo, quando
sirvam para provocar mudanças no controlo societário, seja no defensivo, quando permitam
controlar maiorias de poder que se poderão tornar instáveis10.

Do mesmo modo, em certos casos, os acordos parassociais podem assumir uma função
protectora perante as minorias, possibilitando mecanismos que impeçam abusos de poder
da maioria. Interesses económicos também poderão estar em jogo quando se celebram
acordos parassociais, principalmente nas situações em que a sociedade é vista como um
instrumento para a realização de uma determinada actividade económica e o acordo
parassocial dá sentido e corpo ao plano de investimento dos sócios na actividade em causa.

2.5. Classificação dos acordos parassociais

Constitui uma tarefa díficíl descrever a classificação dos acordos parassociais, senão mesmo
impossível11. De facto, uma vez que se inserem no domínio da autonomia privada e da
liberdade contratual, o seu conteúdo pode ser diversificado, tornando, até mesmo,
complicada a tarefa de a definição de categorias entre eles.

Porém, a grande maioria da doutrina portuguesa 12, que como se sabe, a RAEM tem na sua
matriz doutrinária e legal essencialmente portuguesa, classifica ocivils acordos parassociais
em três modalidades, de acordo com a sua frequência na prática jurídica.

10
Rita Guimarães Fialho D’ Almeida, Os acordos parassociais: Reflexão Dogmática e Jurisprudencial,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 124.
11
De acordo com Maria da Graça Trigo, Os Acordos Parassociais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1998
p. 28, “Para além dos acordos parassociais sobre o exercício do direito de voto podem surgir acordos
parassociais com as mais diversas configurações, em função dos interesses que as partes pretendem prosseguir.
Se é possível estabelecer parâmetros teóricos para delimitar o instituto, já se apresenta extremamente difícil
proceder a uma enumeração de hipóteses de contratos parassociais ou até mesmo tentar definir categorias entre
eles.”;
12
A. Filipa Leal, ob. cit., pp. 142-143; A. Pereira de Almeida, ob. cit., p. 585. Citado por Rita Fialho D’almeida,
Os Acordos Parassociais–Reflexão Dogmática e Jurisprudencial”, Tese de Doutoramento em Direito, ramo
Ciências Jurídico-Empresariais, p. 137

12
Deste modo, podemos classificá-los da seguinte forma:

acordos relativos ao exercício do direito de voto: os acordos relativos ao exercício do


direito de voto podem ser classificados de acordo com um critério de ordem temporal, ou
seja, podemos encontrar acordos que apenas se destinem à participação numa votação ou em
votações determinadas, consoante as matérias em causa, e os que se destinam a vigorar por
um período de tempo prolongado, como é o caso dos sindicatos de voto13.

Especificamente sobre os acordos de voto, Raúl Ventura14 considera que pressupõe, em


primeiro lugar, uma qualidade específica de, pelo menos, um dos intervenientes, em que
deverá ser uma “pessoa que, numa sociedade, tenha legitimidade para exercer o direito de
voto”. Em segundo lugar, o objecto do acordo será o modo como o sócio se irá comportar no
momento de exercício do seu direito de voto, ou seja, reduz- se ou não a exercer esse direito
ou a não exercê-lo em determinados sentidos ou a exercê- lo em determinado sentido.
Por sua vez, ainda neste âmbito, Menezes Cordeiro agrupa estas convenções de voto em três
grandes tipos: “as partes predeterminam, no próprio acordo, o sentido do voto, em termos
concretos [...]; as partes obrigam-se a uma concertação futura, relativa a determinado tipo
de assuntos [...]; as partes obrigam-se a reunir em separado, antes de qualquer assembleia
geral, de modo a concertar o voto.”15

Ainda assim, podemos encontrar oposição por parte de alguma doutrina portuguesa à
admissibilidade dos sindicatos de voto. Barbosa Magalhães é da opinião que a proibição das
vinculações de voto, “resulta directamente da legislação portuguesa, da natureza do direito
16
de voto e da necessidade de garantir o seu livre exercício e a genuidade de voto” . Na
opinião do autor, a promessa de votar em determinado sentido não garante a liberdade de
voto e a sua genuinidade.17
13
Maria da Graça Trigo, Os acordos parassociais…, págs. 27 e 28, divide os acordos relativos ao exercício de
direito de voto segundo outros critérios, tal como, o critério de “duração do acordo, um critério de identidade
das partes entre as quais se celebra, um critério de matéria regulada pelo acordo, um critério de fim
prosseguido, um critério de carácter autónomo ou não do acordo, um critério da sua estrutura interna…”

14
Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais Português, p.31
15
Manuel Carneiro Da Frada, Manual de Direito das sociedades,I, Das sociedades em geral, 2004 citado por
Rita Mafalda Barros, Revista de Direito das Sociedades, “Os acordos parassociais-breve caracterização, p.338
16
Barbosa de MagalhãeS, La società per azionialla metà del secolo XX,p. 23, admitindo o agrupamento de
accionistas nos termos estritamente previstos no Código Comercial.
17
No de voto, fixação dum fim comum”- cfr. M. Cavaleiro Ferreira, Obra Dispersa, p.273 citado por Rita
Bairros, ob. cit., p. 103.

13
acordos relativos ao regime das participações sociais: estes visam a regulamentação de
alguns aspetos respeitantes ao regime das participações sociais, onde, em particular,
podemos encontrar as convenções18 ou sindicatos de bloqueio. Entre estes acordos podemos
encontrar proibições absolutas ou temporárias quanto à alienação das participações sociais a
determinadas pessoas por parte dos subscritores do acordo.
acordos relativos ao funcionamento da sociedade: os acordos de funcionamento da
sociedade comercial têm como escopo regular as orientações comerciais da própria
sociedade, ou seja, pretendem regular as opções de maior importância que a sociedade terá de
realizar, tais como as orientações comerciais, os investimentos financeiros e a própria
organização da sociedade.

Para uma sociedade, poderá ser de máxima importância, no futuro, um investimento


financeiro, no entanto para evitar complicações, se os sócios celebrarem um acordo nestes
moldes as complicações serão evitáveis.

Maria Graça Trigo19 afirma que estes acordos parassociais, no fundo consistem num conjunto
de acordos de direito ao voto e participações sociais, ou seja, segundo as suas palavras a
sociedade decide adoptar um plano empresarial e comprometem-se a colocâ-lo em prática,
para que a sociedade cumpra com os seus desígnios.

Entendemos que os acordos parassociais relativamente ao funcionamento da sociedade é no


fundo um plano empresarial, contudo, também entendemos que muitas vezes estes acordos
parassociais levam que a sociedade faça boas escolhas, mais precisamente, bons
investimentos com o lucro obtido.

De acordo com Maria de Graça Trigo, “Os Acordos Parassociais…”, p. 29 -; Almeida Costa, Cláusulas de
inalienabilidade, Coimbra, 1992, p. 23 citado por Maria da Graça Trigo, “Síntese…”, p. 29
Trigo, Maria Graça, “Os acordos parassociais sobre o exercício do direito ao voto”, págs. 30 e
seguintes.mesmo sentido, M. Cavaleiro Ferreira considera, desde logo, existir uma íntima relação entre o regime
convencional de restrição da transmissibilidade das acções e as vinculações de voto, na medida em que “a
organização do sindicato de accionistas pressupõe estes três elementos – bloqueio de acções, limitação do
direito de voto, fixação dum fim comum”- cfr. M. Cavaleiro Ferreira, Obra Dispersa, p.273 citado por Rita
Bairros, ob. cit., p. 103.
18
De acordo com Maria da Graça Trigo, “Os Acordos Parassociais…”, p. 29 -; Almeida Costa, Cláusulas de
inalienabilidade, Coimbra, 1992, p. 23 citado Por Maria Graça Trigo, “Síntese…”, p. 29
19
Trigo, Maria Graça, “Os acordos parassociais sobre o exercício do direito ao voto”, págs. 30 e seguintes.

14
3. Limites á Admissibilidade dos Acordos Parassociais

Condutas proibidas por lei:

Naturalmente que os acordos parassociais, enquanto negócios jurídicos, estão submetidos às


exigências gerais formuladas no art. 273° do Código Civil, nomeadamente no que toca à não
contrariedade à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, sob pena de nulidade. Por
conseguinte, o n° 1 do art. 185° do Código Comercial apenas vem replicar uma necessidade
que já decorre daqueles princípios gerais: a de os acordos purasociais respeitarem a lei, não
erigindo em obrigação uma conduta por ela proibida.

No específico campo da disciplina societária, são apontados como exemplos de acordos


parassociais nulos por violação da lei aqueles que quebrem a proibição do pacto leonino que
obriguem a votar no sentido determinado por um sócio impedido de votar, que conduzam à
tomada de deliberações nulas ou anuláveisio; que privem irrevogavelmente o accionista do
seu direito de voto'", que vinculem ao reconhecimento da administração permanente por um
determinado accionista'", que impeçam a transmissão de participações sociais de modo a
tornar o sócio "prisioneiro da sociedade", ou que eliminem ou dispam de conteúdo o direito
dos sócios à informação"', que violem o princípio fundamental da igualdade de tratamento
dos sócios .20

À interrogação, levantada por Raúl Ventura, quanto à viabilidade de um acordo parassocial


violar preceitos imperativos do direito das sociedades quando estes só por estipulação do
acto constituinte ou por deliberação dos sócios poderão ser violados 21 deve responder-se
mobilizando a categoria da fraude à lei . Nos exemplos acima apontados, os efeitos do
acordo parassocial visam um resultado proibido pela lei societária, ainda que esta não haja
previsto e, concomitantemente, vedado a consecução desse resultado pela via parassocial.
20
Olavo Cunha, 2006, pág 118, citado por Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário,
Volume I, Almedina 2010.
21
Raúl Ventura, 1992, pág 73, citado por Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário,
Volume I, Almedina 2010.

15
Diferentemente, considera Ana Filipa Leal que os acordos parassociais não estão sujeitos
numa primeira impressão, aos imperativos próprios do direito societário: dependerá da
interpretação dos concretos enunciados normativos apurar se determinado preceito se dirige
apenas á regulação do Contrato Social ou também á regulação de qualquer contrato com ele
relacionado.22

3.1. Independência dos órgãos sociais

Os limites constantes do n° 2 do art. 185 e das als. a) e b) do n° 3 também do artigo 185 do


Código Comercial, . podem, não obstante a sua diversidade, agrupar-se sob um
denominador comum: o princípio da tipicidade societária enquanto garantia da
independência dos órgãos sociais e da distribuição imperativa de competências entre eles.
Dito isto, cada um dos preceitos procura concretizar tal princípio num vector particular.

3.2. Art. 185.º, n. 2

O art. 185.°, 2, proíbe que os sócios dirijam instruções aos membros dos órgãos de
administração e fiscalização fora do quadro em que elas possam ser legítimas, isto é, fora da
via deliberativo-social18. Há, todavia, quem conclua que são lícitos os acordos parassociais
sobre matérias de administração acessíveis a deliberação dos sócios. Indo mais longe, outros
defendem que o preceito deve ser interpretado restritivamente: proibidas estarão apenas as
cláusulas que imponham aos titulares dos órgãos condutas concretas, mas não já aquelas que
exijam a unanimidade, ou o voto de certo administrador para a tomada de determinadas
decisões.

Seja como for, está manifestamente em causa evitar uma invasão ou apropriação pelos
sócios da esfera de competência daqueles órgãos": um operdo parasocial não pode ter como
objecto actos ou omissões cuja concretização dependa do comportamento de membros de
órgãos de administração ou de fiscalização, quer estes sejam sócios subscritores do acordo,
quer pessoas alheias ao mesmo. Segundo Graça Trigo, esta proibição representa, na prática,
uma "fortíssima condicionante" à liberdade de estipulação do conteúdo dos acordos
parassociais, já que um dos "objectivos tradicionais" destes acordos o de assegurar o
controlo directo sobre a actividade da administração da sociedade; será provavelmente,
portanto, "uma das limitações mais frequentemente violada23".
22
Ana Filipa Leal, 2009, página 157-158.
23
Já que "dificilmente os sócios abdicam da possibilidade de influenciar, de forma mais ou menos directa, a
actuação dos órgãos de administração" - v. Graça Trigo (2002), p. 174-175: por isso se encontram, com

16
A ratio do art. 185°, 2, encontra-a a doutrina no já referido princípio da tipicidade
consagrado no art. 174.º, número 2, a defesa do interesse público, a protecção dos sócios e
a tutela dos credores, que não poderiam contar com uma organização diferente da plasmada
no pacto social. Complementa-a, todavia, com necessidade de garantir a liberdade e
responsabilidade dos administradores que, o exercício das suas funções, estão adstritos à
realização do interesse social ao preceituado pelo art. 235° do Código Comercial.

3.3. Art. 185, 3, als. a) e b)

O n° 3 do art. 185° ocupa-se de particularidades relativas a uma das categorias mais


frequentes de acordos parassociais, os acordos de voto. As duas primeiras alíneas visam
salvaguardar a repartição de competências entre os vários órgãos sociais, impedindo, desta
feita, que o órgão deliberativo interno seja "comandado" por outros, evita-se, assim, uma
orgânica paralela, à margem da oficial, que defraude o princípio da tipicidade.

A al. a) do n° 3 do art. 185° comina a nulidade para os acordos parassociais que obriguem
um sócio a votar seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos.
Ora, os órgãos sociais emitentes das instruções poderão ser o órgão de administração e
representação ou o órgão de fiscalização24. No primeiro caso, impõem-se algumas
clarificações. Se o órgão de administração e representação actua como tal, ou seja, como
órgão ou "repre-sentante" da sociedade, estamos perante instruções emitidas pela
sociedade'».25

Se as instruções forem oriundas de um ou mais sujeitos titulares do órgão sem peso


suficiente para determinar as deliberações nele tomadas, estamos fora do campo de
aplicação da norma. Por conseguinte, e atendendo a sua ratio (salvaguardar a repartição de
competências26) este segmento da proibição dirige apenas às instruções emitidas pela
frequência, cláusulas de acordos parassociais segundo as quais as partes se dispõem a "envidar esforços" no
sentido de fazer com que a administração siga uma determinada política de ordem financeira, comercial, etc. (p.
175).
24
São abrangidas , portanto as instruções de todos ou da maioria dos membros do órgão de fiscalização”,
Coutinho de Abreu, 2009, página 90.
25
Coutinho de Abreu, 2009, página 159.
26
Segundo Pupo Correia (2009), p. 188, as als. a) e b) do n° 3 do art. 17° visam salvaguardar a autonomia do
exercício do direito de voto, pelos sócios em relação à sociedade e aos seus órgãos, obstando à inversão da
ordem natural das coisas: os sócios é que devem formar a vontade social, pelo que não é admissível que se
submetam à vontade da própria sociedade ou dos seus órgãos, que têm por missão exprimi-la e executá-la". Para
Lucas Coelho (1987), p. 97, pretende evitar-se a que administração adquira uma influência sobre o resultado da

17
maioria dos membros do orgão ou então, ás instruções emitidas pela totalidade dos
membros desprovidos dessa veste "orgânico-funcional",

Também pelas razões acima apontadas, a al. b) do n° 3 do art. 185° fere de nulidade os
acordos que obriguem os sócios a aprovar sempre as propostas feitas pelos órgãos da
sociedade logrando um efeito igual ou ainda mais directo do que o previsto da norma
anterior, pois aqui não há sequer necessidade de uma instrução.27

O alcance do advérbio "sempre", presente tanto na al. a) como na al. b) do n° 3 do art. 185,
tem suscitado divergências na doutrina. Para alguns, isso significa que um acordo pontual
para aprovar, por exemplo, uma certa proposta isolada de um órgão da sociedade não cabe
na letra nem no espírito da lei: não apresenta a gravidade de um acordo duradouro, nem cria
a intolerável influência entre órgãos que o preceito pretende evitar. Para outros, pelo
contrário, a interpretação teleológica daqueles preceitos não deixará de sujeitar à nulidade
também os acordos de voto dirigidos a concretas situações.

3.4. "Venda" de votos - art. 179, 3, al. c)

Apesar de o n° 2 do art. 185° vir expressamente admitir que os acordos parassociais digam
respeito ao exercício do direito de voto, a al. c) do n° 3 impõe-lhes a proibição da chamada
venda de votos. Ou seja, se é lícito ao sócio comprometer-se a votar neste ou naquele
sentido (ou a ficar-se pela abstenção 38 28), já não lhe é permitido fazê-lo em contrapartida
de vantagens especiais. Não se trata, obvia-mente, da venda do próprio direito de voto,
destacado da acção.29

votação em assembleia geral; na senda do direito alemão, será indiferente que a obrigação seja assumida perante
a sociedade, o órgão, outro accionista ou mesmo um terceiro.
27
“Para o Professor Oliveira Ascenção, seriam válidos os pactos pelos quais os sócios se obriguem a votaar
sempre segundo instruções, ou para aprovar sempre as propostas de outros sócios”, citado por Raúl Ventura,
1992, páginas 65-66.
28
frisando a contradição em que incorreu o legislador português, que, preocupado em efectuar a cópia fiel da
referida versão do art. 35° da Proposta de Directiva, nem se deu conta de que um sócio não se pode "obrigar a
votar" (17.º, 3) "abstendo-se" (17.º, 3, al. c), Coutinho de Abreu (2009), p. 160, nt. 161; no mesmo sentido já
Raúl Ventura (1992), p. 67, acrescentando que na "abstenção" se inclui a hipótese de não comparência do sócio
na assembleia.
29
Como adverte Raúl Ventura (1992), p. 68 e 69, considerando que quem transmitisse para outrem o seu direito
de voto isolado deixaria de exercer em comum a actividade determinante da constituição da sociedade; v.
também Ana Filipa Leal (2009), 167 (o que o sócio "vende" é a definição da orientação do seu voto, não o seu
direito de voto).

18
O fundamento desta específica proibição encontra-o a doutrina na circunstância de aquele
que vincula o seu voto apenas para receber uma contrapartida pessoal não estar, quando
efectivamente vota, a exercer a actividade em comum, mas tão-só a cumprir a obrigação de
que já recebeu contrapartida.30 Pouco importa, por isso, o concreto sentido do voto
vinculado. Há quem saliente, também, a "compra" de voto poderia dar azo a deliberações
abusivas e dissociar o risco da detenção de capital, que funciona como "motor essencial de
equilíbrio". Outros, ainda, entendem que o legislador visou coibir a venia-lidade do voto,
impondo uma barreira à crescente patrimonialização das faculdades pessoais.

Em causa estarão, portanto, vantagens, patrimoniais ou não, que caibam apenas aos sócios
que se obrigaram a votar em determinado sentido (ou a não votar), e que estão em imediata
ou mediata relação causal com tal vinculação. Podem beneficiar tanto o sócio vinculado a
votar, como terceiro por este indicado: Na prática, contudo determinar quando se está
perante vantagens especiais como correspectivo do voto pode revelar se uma tarefa árduas
Na rdade, pode dizer-se que "todo o acordo tem um contrapartida, toda a con-rapartida pode
ser qualificada como uma vantagem especial'5°, pelo que há que interpretar adequadamente
a expressão contrapartida de vantagens especiais, sob pena de a expressão abranger quase
tudo”.

4. Outros limites

Discute-se, na doutrina, se os acordos parassociais estarão sujeitos a outros limites de ordem


geral que não os vertidos no art. 185.°, nomeadamente, a limites decorrentes do contrato
sociedade ou da consideração do interesse social, pelo que, neste trabalho, apresentaremos
somente uma delas.

4.1. Limites decorrentes do contrato sociedade

Quanto ao primeiro problema, o tratamento a dar às situações em que os acordos


parassociais se revelam contrários ao estipulado no pacto social sem, todavia, violar
qualquer norma imperativa, a resposta não pode passar pela categoria da invalidade. À
partida, considerando que colidem (pelo menos quando o acto de constituição da sociedade
tenha natureza negocial) duas obrigações com fonte contratal, caberá ao devedor, no
exercício da sua autonomia privada, escolher qual delas cumprir, sujeitando-se às

30
Raúl Ventura (1992), p. 69, que todavia isenta da proibição a simples obrigação de estar presente ou
representado na assembleia ou de participar na discussão de assuntos da ordem de trabalhos.

19
consequências do incumprimento da obrigação violada. 31Há quem entenda, contudo, que o
sócio deverá cumprir a obrigação emergente do pacto social, com base numa ideia de
subordinação normativa das regras parassociais às regras sociais.
5. VINCULAÇÃO E OPONIBILIDADE OPONIBILIDADE DOS ACORDOS
PARASSOCIAIS À SOCIEDADE

Um dos problemas nucleares da dogmática dos acordos parassociais prende-se com a


possibilidade e com os limites da oponibilidade dos mesmos à sociedade. O problema está,
em grande medida, relacionado com a temática do incumprimento dos acordos parassociais.
Em causa não estão as questões relativas às consequências inter partes desse inadimplemento,
mas antes saber se a existência e, mais particularmente, a violação de vinculações
parassociais pode ter implicações perante a sociedade.32

Enquanto os acordos parassociais não têm, em regra, oponibilidade à sociedade, é possível


que suas disposições sejam consideradas, limitadamente, em situações marcadas pelo
interesse social. Essa interpretação deve ser feita com cautela, levando em conta a teleologia
do artigo 185.º e a busca pelo equilíbrio entre os direitos dos sócios e os interesses colectivos
da sociedade.

O artigo 185.º, n.º 1, do Código Comercial regula a matéria, na sua parte final, ao dispor que
“os acordos parassociais […] apenas produzem efeitos entre os contraentes, não podendo,
com base neles, ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade”.
Daqui decorre, em primeira linha, que, nos casos em que a sociedade não é parte do acordo
parassocial, as disposições deste não vinculam a sociedade 33. No entanto, ao contrário do que

31
Assim Ana Filipa Leal (2009), p. 169-172, com exemplos dessas situações (»,g, quando o acordo parasocial
não respeita o alargamento dos casos de impedimento de voto operado pelo estatuto; quando o pacto social
limita o número máximo de votos por accionista e haja uma vinculação a votar no sentido determinado pelo
accionista que pessoalmente já atingiu esse limite).
32
Cfr., entre tantos, Raul Ventura, Acordos de voto, pp. 37-39; Maria da Graça Trigo, Acordos parassociais
sobre o exercício do direito de voto, pp. 148-149; Paulo Câmara, Parassocialidade e transmissão de valores
mobiliários, pp. 416 e ss.; Pedro Pais De Vasconcelos, A participação social nas sociedades comerciais, p. 63;
Ana Filipa Leal, Algumas notas sobre a parassocialidade no direito português, pp. 174-178
33
Na jurisprudência portuguesa, reforçando a ideia da não vinculação da sociedade às disposições do acordo
parassocial e, com isso, clarificando que “nos acordos parassociais não há qualquer razão para aplicar o regime
do art.º 260.º do CSC [português], pois este artigo trata da vinculação da sociedade perante terceiros”, cfr.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.11.2016, Processo n.º 1762/13.0TJVNF- A.G1, Relator:
Elisabete Valente, disponível em www.dgsi.pt. Consultado aos 09 de outubro de 2024.

20
poderia parecer à primeira vista, o preceito em causa não esgota a questão 34. O preceito
apenas determina que os acordos parassociais não podem servir de base à impugnação de
actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade. Contudo, as hipóteses previstas a
impugnação de actos societários e de actos dos sócios perante a sociedade, não esgotam o
universo de possíveis situações de oponibilidade dos acordos parassociais à sociedade.

Um estudo compreensivo da oponibilidade dos acordos parassociais à sociedade não pode


cingir-se a uma análise exegética da letra do artigo 185.º, n.º 1, da Lei das Sociedades
Comerciais. Desde logo, importa analisar o que se deve entender por oponibilidade de um
acordo parassocial à sociedade. Como se verá, as dificuldades na resolução deste problema
principiam logo pela polissemia que este conceito tem assumido. Ora, essa polissemia
esconde diferentes núcleos problemáticos, correspondentes a diferentes problemas
fundamentais que são amplamente estudados pela dogmática geral do direito civil.

Por outro lado, importa recordar que a interpretação da lei nunca se pode esgotar em meras
considerações literais35. A resposta à questão sobre em que medida é que a admissibilidade
dos actos da sociedade ou dos sócios pode ser parametrizada pelo estipulado nos acordos
parassociais reclama, pois, que, para além de se atender à letra do artigo 185.º, n.º 1, do
Código Comercial, se indaguem os demais elementos de interpretação, em particular, a sua
teleologia. Apenas interpretado o artigo 185.º, n.º 1, do Código Comercial, em conformidade
com estes elementos será possível responder, de forma fundamentada, à questão que nos
ocupa.

Por fim, importa indagar se os acordos parassociais, mesmo quando não são em si mesmos
considerados oponíveis à sociedade, podem assumir algum tipo de oponibilidade por força de
outras normas jurídico-societárias que, de forma explícita ou implícita, para eles remetam (ou
seja, mediatamente).

6. Conclusão

34
Chamando a atenção para este aspecto, veja-se Manuel Carneiro da Frada, Acordos parassociais
“omnilaterais”, pp. 105 e ss., e Diogo Costa Gonçalves, Notas breves sobre a socialidade e a parassocialidade,
pp. 791 e ss.
35
Como alerta Manuel Carneiro Da Frada, Acordos parassociais “omnilaterais”, pp. 105-107, nenhuma
interpretação se pode cingir à consideração da letra da lei. Uma resposta ao problema da oponibilidade dos
acordos parassociais terá sempre de passar pela reconstrução de todo o “pensamento legislativo.

21
A análise dos acordos parassociais no contexto do regime jurídico das sociedades
comerciais em Macau revela a complexidade e a relevância desta figura jurídica no
quotidiano das relações sociais. Desde a sua origem, os acordos parassociais têm sido um
instrumento fundamental que dá suporte à dinâmica interna das sociedades, reflectindo a
interacção entre os sócios e as estratégias que adoptam para assegurar seus interesses
comuns.

Os acordos parassociais, com suas características de independência em relação aos contratos


sociais, permitem que os sócios regulamentem aspectos específicos da vida societária, seja
no que diz respeito ao exercício dos direitos de voto, ao regime das participações sociais ou
ao funcionamento da sociedade. A possibilidade de celebrar esses acordos em momentos
diversos, seja antes, durante ou após a constituição da sociedade, demonstra a flexibilidade e
a adaptabilidade que caracterizam os mecanismos de governança social.

Entretanto, essa liberdade também traz consigo desafios e limites claros, que se
materializam principalmente nas diretrizes estabelecidas pelo Código Comercial de Macau,
com foco na protecção dos interesses da sociedade e dos princípios que regem a governança
corporativa. Assim, enquanto os sócios desfrutam da liberdade de redigir acordos que
reflictam suas vontades, também encontram a obrigatoriedade de respeitar os preceitos
legais e normativos que visam garantir a estabilidade e a equidade nas relações sociais. A
possibilidade de existência de cláusulas que violem normas imperativas ou que infrinjam o
princípio da tipicidade societária sublinha a importância de um equilíbrio entre a autonomia
privada dos sócios e a segurança jurídica da entidade.

O desafio da oponibilidade dos acordos parassociais à sociedade se destaca como um


assunto delicado que exige uma interpretação cuidadosa. Embora o artigo 185.º do Código
Comercial deixe claro que os acordos parassociais só produzem efeitos entre os sócios
contratantes, restam várias questões em aberto quanto à possibilidade de tais acordos
influenciarem a sociedade ou serem invocados em disputas relacionadas à gestão ou à
governança. As implicações de um eventual incumprimento dos acordos parassociais
também interagem directamente com o funcionamento da sociedade, merecendo atenção e
uma análise prática que considere não só a letra da lei, mas também os princípios que a
norteiam.

Ainda que as limitações estabelecidas pelo legislador, como a proibição de condutas que
restrinjam a independência dos órgãos sociais e a necessidade de observar as normas que

22
protegem os direitos dos sócios, possam ser vistas como restrições à liberdade dos sócios
em negociar, elas também servem como salvaguardas que fortalecem a coagulação do
governo corporativo. É assim que o controlo e a fiscalização interna de uma sociedade são
potencializados, evitando que decisões arbitrárias possam danificar os interesses dos sócios
minoritários ou da sociedade como um todo.

Por fim, a classificação dos acordos parassociais mostra que, apesar da diversidade e da
flexibilidade inerentes a esses instrumentos, existem categorias que podem ser observadas e
que ajudam a sistematizar o entendimento sobre a matéria. Seja em relação ao exercício do
direito de voto ou à regulamentação das participações sociais, a tipificação dos acordos
parassociais contribui para um melhor conhecimento dos direitos e deveres dos sócios, além
de facilitar o exercício à luz da autonomia privada e do fortalecimento socioeconômico das
sociedades.

Portanto, conclui-se que os acordos parassociais desempenham um papel essencial no


ambiente das sociedades comerciais, facilitando a governança e a atuação dos sócios, ao
mesmo tempo que se mostram da natureza complexa em suas interações com as regras
estabelecidas pelo direito societário. Nessa perspectiva, a necessidade de se respeitar os
limites legais e normativos não apenas garante a segurança jurídica, mas também fomenta
um ambiente em que os interesses individuais e coletivos possam coexistir de maneira
equilibrada, assegurando a proteção das partes envolvidas e a estabilidade das sociedades
comerciais no contexto de Macau.

Neste sentido, a população de discursos sobre os acordos parassociais ainda é um campo em


constante evolução, necessitando de uma análise contínua que leve em consideração as
mudanças sociais, econômicas e legislativas que possam afetar o panorama das sociedades
comerciais e os direitos dos sócios.

23
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