Monografia - Capítulo 2
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Monografia - Capítulo 2
CAPÍTULO 2
1
Termo utilizado pelo autor para designar os comissários de Fortaleza que foram enviados ao Aracati, naquele
ano de 1878: o Sr. Quintino Augusto Pamplona e o Sr. Luiz Carlos da Silva Peixoto. O termo assemelha-se à
forma como os membros da elite aracatiense se referiam aos comissários, como por exemplo, o comerciante
Antonio Francisco Pinheiro, que referindo-se à esta medida do Governo Provincial, que segundo ele, desdenhava
dos cidadãos aracatienses, colocando em mãos de pessoas estranhas à cidade a responsabilidade de gerir a
comissão de socorros, dava a denominação a eles de “comissário de nomeação do ex-presidente Aguiar”. In:
Ofício do comerciante do Aracati, Antonio Francisco Pinheiro, ao presidente da província, Dr. José Júlio de
Albuquerque Barros, em 25 de junho de 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série:
Correspondências recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
2
Gazeta de Notícias, 23.07.1878. Apud. CÂMARA, José Aurélio Saraiva. Fatos e documentos do Ceará
Provincial. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1970. p. 149.
73
Com que lhe era possível agir, o conselheiro Aguiar empreendeu novas formas de
controlar o que parecia estar fugindo do domínio do governo provincial. A “ousadia” dos
membros da Comissão do Aracati era um dentre vários outros itens sobre os quais o
presidente da província necessitava intervir, para não ver interesses outros determinarem os
destinos da distribuição de socorros, e o que seria pior, ver a grande massa retirante
desassistida por um modelo de contenção que não se efetivasse, o que possivelmente lhe
alteraria os ânimos. Segundo o próprio conselheiro Aguiar, não lhe era possível empreender
uma reformulação no modelo de distribuição de socorros, como afirmou em seu relatório de
fevereiro daquele ano de 1878:
3
Periódico publicado no Rio de Janeiro, que circulou a partir de agosto de 1875, tendo sido fundado por Manuel
Carneiro, Ferreira de Araújo e Elísio Mendes. Sendo um jornal anti-monarquista e abolicionista, teve como
colaborador o também abolicionista José do Patrocínio (sob o pseudônimo “Prudhome”).
4
Relatório com que o Ex.mo Sr. Conselheiro João José Ferreira D’Aguiar passou a administração da Província do
Ceará ao Ex.mo Sr. Dr. Paulino Nogueira Borges da Fonseca, 3º vice-presidente da mesma província em o dia
22.02.1877. Fortaleza: Typografia Brasileira, 1878. p. 10.
74
a bancarrota do Tesouro Provincial. O mesmo Presidente, em seu relatório, assume que tais
medidas restringiram o envio de gêneros para o interior: “As comarcas do alto sertão e todas
quantas, por mais centrais, não teem podido ser auxiliadas com generos, enviados por mar,
hão de ter naturalmente soffrido maiores privações do que as outras”5. Os retirantes abrigados
nas localidades interioranas não suportaram a espera, que por muitas vezes não era agraciada
com a chegada de gêneros, e muitos que já haviam se deslocado de regiões mais longínquas,
novamente peregrinavam na direção dos centros litorâneos. Ao contrário do seu antecessor,
que tinha visto sucesso na forma como os socorros eram distribuídos, o Presidente Aguiar
externou de forma oficial seu desacordo com o modelo de assistência à multidão retirante:
O Presidente Aguiar deu-se por conta que no estado atual em que se encontrava a
Província, a manutenção das comissões de socorros ainda era a forma possível de contenção
da massa retirante. Contudo, novas medidas foram adotadas por ele para reforçar o controle
sobre os flagelados, e no caso aracatiense, tais medidas incluíam também evitar que os
membros aracatienses da Comissão de Socorros dela fizessem uso para seus fins particulares,
ameaçando o objetivo primordial pelo qual a Comissão fora formada.
5
Relatório com que o Ex.mo Sr. Conselheiro João José Ferreira D’Aguiar passou a administração da Província do
Ceará ao Ex.mo Sr. Dr. Paulino Nogueira Borges da Fonseca, 3º vice-presidente da mesma província em o dia
22.02.1877. Fortaleza: Typografia Brasileira, 1878. p. 10.
6
Idem.
7
O jornal O Cearense, durante todo o ano de 1877, traz diversos Editais de reuniões da Junta de Compras da
Capital, presididas pelo comissário Pamplona, convocando os fornecedores a oferecerem seus produtos. Como
este, do dia 28 de outubro de 1877: “Edital. Comissão de compras e transportes por terra.
Fornecimento de roupa para emigrantes indigentes.
De ordem do Ilmo. Sr. Dezembargador Presidente da província, annuncio que no dia 31 do corrente mez, a 1
hora da tarde perante esta commissão, terá logar a arrematação de fornecimento de peças de roupa feita de
algodãozinho, camiza e calsa, para ser destribuida aos emigranes indigentes.
Os pretendentes deverão apresentar suas propostas em cartas fechadas, acompanhada das amostras de ditas
fazenda, e preço de cada peça. Quintino Augusto Pamplona. Comissário de Compras”. In: O Cearense. Anno
XXXI. N. 91. Edital. 28.10.1877. p. 4.
75
Confesso a V. Excia. que nunca esperei encontrar tanto trabalho, cercado sempre de
tanto foro, que me rouba totalmente o tempo. Um outro, a não ser eu, obediente
como sou as ordens do meo superior, teria abandonado esta missão, qualquer que
fosse o resultado.11
8
Ofício no 1 do Comissário de Socorros Públicos do Aracati, Quintino Augusto Pamplona, ao Presidente João
José Ferreira d’Aguiar, em 31 de janeiro de 1878 In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série:
Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
9
Idem.
10
Ofício no 3 do Comissário de Socorros Públicos do Aracati, Quintino Augusto Pamplona, ao Presidente João
José Ferreira d’Aguiar, em 7 de fevereiro de 1878 In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série:
Correspondências recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
11
Idem.
76
Foi, portanto, que a partir de então, uma série de novas atitudes foram propostas e
colocadas em prática no sentido de controlar a Comissão de Socorros e a cidade do Aracati.
Estas práticas não seriam levadas adiante somente pelo comissário Pamplona, sob a direção
do presidente Aguiar, mas se estenderia por todo o ano de 1878, principalmente nos primeiros
seis meses daquele ano, quando a comissão do Aracati foi presidida por comissários de
Fortaleza.
12
Termo encontrado por diversas vezes na documentação oficial trocada entre a comissão de socorros e o
governo provincial, e que foi por demais utilizado naquele ano de 1878. Consistia em fazer “emigrar novamente”
os retirantes, embarcando-os em navios e “hiates” com destino a outras províncias. No caso de órfãos, a
comissão de socorros foi orientada a enviá-los para a capital, Fortaleza.
77
E já que nos falta os meios providenciais de salvação, o que fazer? Lançar-se mao da
medida suprema, a única que pode nos salvar, - a re-emigração voluntária ou
forçada, já e já, sem delonga nem procastinação, - sob pena de assistirmos a
hecatombe de um povo inteiro.
A re-emigração é ao meo ver o remedio poderoso e efficasmente útil para tão grande
mal, e ainda mesmo que haja dinheiro, que nos subministre o alimento, acho-a
conveniente por motivos bem ponderosos
........
A nossa situação é um dilemma bem acentuado: ou a re-emigração ou a morte.16
13
Ofício no 6600, de 27 de dezembro de 1877, do presidente da Província, Conselheiro João José Ferreira
d’Aguiar, à comissão de socorros do Aracati. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Comissões de
Socorros. Data: 1877. Cx. 22. Livro: 202
14
Ofício da Comissão de Socorros Públicos do Aracati ao presidente da Província, conselheiro João José
Ferreira d’Aguiar, em 6 de janeiro de 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências
recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
15
Ofício da Comissão de Socorros Públicos do Aracati ao presidente da Província, conselheiro João José
Ferreira d’Aguiar, em 6 de janeiro de 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências
recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
16
Idem.
78
ainda esperançosos retirantes. Alguns, de tão esperançosos, sequer aceitavam sair da terra
natal, e quando algumas chuvas esparsas caíram nas Proximidades do Aracati, de imediato
tomavam o caminho de volta para suas terras17. Contudo, persistindo a seca, a enorme maioria
tomaria de forma voluntária o caminho para fora da Província cearense. Entretanto, nem todos
o faziam de vontade própria, e dos 8.114 (THEÓPHILO, 1922, p. 255) retirantes que o
comissário Peixoto “reemigrou” nos meses de março a junho de 1878, boa parte tenha saído
forçadamente. Um dos engenheiros enviados ao Aracati para organizar a construção de obras
públicas, Ernesto Antônio Lassance Cunha, pôde relatar sobre a “reemigração” forçada, no
trecho a seguir:
Embarca quem não quizer morrer de fome, porque os socorros vão se acabar. Era o
grito que se ouvira em Fortaleza e em Aracati. O povo aterrado com tal presagio
afluía para os portos de embarque e aí tomava as jangadas que o conduziam para os
navios do Lloid. A mais completa desordem presidia ao serviço de embarque. Em
primeiro lugar o retirante ignorava qual era seu destino, se para o norte ou para o sul,
o que pouco o preocupava por não ter moral em estado de deliberar. Na afazama do
embarque ocorriam as cenas mais contristadoras. Mulheres separadas dos maridos.
Mães, de filhas impúberes. Secções de famílias embarcadas para o norte, outras para
o sul. Os gritos e reclamações dos que se viam em tal contingência não eram
ouvidos; era preciso a todo transe encher o paquete com lotação superior a que podia
comportar. Isso não prejudicava.18
17
Ofício da Comissão de Socorros Públicos do Aracati ao presidente da Província, conselheiro João José
Ferreira d’Aguiar, em 14 de janeiro de 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências
recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
18
Correio do Povo (Porto Alegre). 1900. Apud. ALVES, Joaquim. História das secas (séculos XVII a XIX). 2.
ed. Coleção Mossoroense. Vol. CCXXV. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 1982. p. 233.
19
Ofício no 462, de 21 de janeiro de 1878 ,do presidente da Província, conselheiro João José Ferreira d’Aguiar, à
comissão de socorros do Aracati. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Comissões de Socorros. Data:
1877. Cx. 33. Livro: 228.
79
comissão médica chefiada pelo Dr. Meton de Alencar20, tendo recebido instrução para
colaborar com a Comissão de Socorros no sentido de promover o ordenamento das barracas já
construídas pelos retirantes, que chegavam ao número de três mil.
20
Ofício no 601, de 29 de janeiro de 1878 ,do presidente da Província, conselheiro João José Ferreira d’Aguiar, à
comissão de socorros do Aracati. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Comissões de Socorros. Data:
1877. Cx. 33. Livro: 228.
21
Ofício da Comissão de Socorros Públicos do Aracati ao presidente da Província, Dr. José Júlio de
Albuquerque Barros, em 21 de abril de 1878. In.: APEC - Fundo: Governo da Província. Série:
Correspondências recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
22
Ofícios do médico encarregado do tratamento dos indigentes do Aracati, Dr. Antonio Manoel da Costa Barros,
ao presidente da Província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 13 e 19 de março 1878. In: APEC. Fundo:
Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
80
23
Sobre as representações construídas sobre os retirantes, Cf. FERREIRA, A.; DANTAS, G.F. Os “indesejáveis”
na cidade: as representações do retirante da seca (Natal, 1890-1930), Scripta Nova: Revista Electrónica de
Geografia y Ciencias Sociales. No 94 (96), Ago/2001. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn-94-96.htm.
24
Ofício no 946, de 5 de fevereiro de 1878 ,do presidente da província, conselheiro João José Ferreira d’Aguiar,
à comissão de socorros do Aracati. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Comissões de Socorros.
Data: 1877. Cx. 33. Livro: 228.
25
Ofício de no 3 da Comissão de Socorros Públicos do Aracati ao presidente da província, Conselheiro João José
Ferreira d’Aguiar, em 7 de fevereiro 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências
recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
81
de concessão abusiva de duplicatas, sendo que ele recebera informações de que determinadas
pessoas recebiam duas ou mais vezes a ração semanal.
Junto com uma equipe de pessoas, formada para promover o transporte dos
gêneros, armazenagem e a distribuição, o comissário Pamplona também organizou uma Junta
de Compras, pela qual cotava os preços dos comerciantes locais, objetivando reduzir o custo
nas compras feitas à praça aracatiense. A compra realizada a comerciantes locais ainda se
configurava como uma medida necessária, visto que o envio de gêneros da capital ainda era
inconstante e, às vezes, incerto. Portanto, como se verá não apenas neste ano de 1878, mas
também no de 1879, a compra feita aos comerciantes locais continuou a compor o expediente
da Comissão de Socorros.
No início de janeiro, a Comissão informou que havia arrolado 5 mil nomes para a
“reemigração”. No dia 14 de janeiro, seriam embarcadas 172 pessoas da relação levantada.
No momento do embarque, 12 dos 172 retirantes desistiram de embarcar. A Comissão
informou como possível razão para esta desistência o fato de que um bom número de pessoas
não teria se apresentado, esperançosas de boas chuvas. Segundo a Comissão “a esperança de
voltarem a seos lares alimentadas com as chuvas que aqui cahirão dos dias 3 a 8 do corrente
mez foi bastante para fazel-as mudar de resolução”27. Ou seja, os retirantes, apesar dos
esforços da Comissão em determinar onde e aonde eles deveriam estar e ir, tinham suas
próprias definições e interesses em relação a sua estada ou não na cidade do Aracati, fato este
que a documentação produzida pelos elementos “distintos” da cidade, assim como das outras
localidades, teimavam em silenciar, e nem sempre com sucesso.
26
Ofício do Presidente da Câmara Municipal do Aracati, Guilherme Pereira de Azevedo, Comissão de Socorros
Públicos do Aracati ao presidente da província, Conselheiro João José Ferreira d’Aguiar, em 7 de fevereiro 1878.
In: APEC - Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. (1877-
1889). Cx. 2.
27
Ofício da Comissão de Socorros Públicos do Aracati ao presidente da província, Conselheiro João José
Ferreira d’Aguiar, em 14 de janeiro de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências
recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
83
[...] Levei este facto ao conhecimento do juiz municipal, aqui de que fosse tomada a
devida providencia, punido os desordeiros28.
Este caso é curioso, por percebermos que, para prejudicar a distribuição, o dito
morador da travessa presta uma espécie de auxílio às retirantes, para que as mesmas pudessem
receber uma quantidade maior de gêneros posteriormente. Não fossem outros problemas
enfrentados pelos comissários da Capital, esta situação teria sido apenas pontual e uma
exceção. Contudo, outros transtornos às atividades da Comissão de Socorros seriam
empreendidos por moradores do Aracati. Outro caso, semelhante a esse, envolvendo
moradores e comerciantes do Aracati, agindo conjuntamente com retirantes, aconteceu no ano
de 1879, tomando maiores proporções, mas nos deteremos nele no próximo capítulo.
28
Ofício do Comissário de socorros públicos do Aracati, Quintino Augusto Pamplona, ao presidente da
província, Conselheiro João José Ferreira d’Aguiar em 13 de fevereiro de 1878. In.: APEC - Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
29
Ofício de no 3 do Comissário de socorros públicos do Aracati, Quintino Augusto Pamplona, ao presidente da
província, Conselheiro João José Ferreira d’Aguiar em 13 de fevereiro de 1878. In.: APEC - Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
85
O Sr. Commissario veio para o Aracaty (como diz elle) como unico fim de
economizar os generos do governo que estavam sendo esbanjados pela ex-
commissão, porém assim não parece; se aquella commissão esbanjava, esta também
o pratica, e com o seguinte facto mostro o que se deu no dia 30 de janeiro findo,
n’um ds armazéns do Sr. Commissario: - André Gomes d’Oliveira, Ignacio Vicente
de Souza, Alexandre Pereira Lima e Theotonio Vicente de Souza, todos residentes
n’esta cidade, juram como viram na tarde d’este mesmo dia, em um dos armazéns
estar sahindo por uma das janellas porção de carne que um dos empregados
entregava a uma outra pessoa que achava-se do lado de fora. Já não quero que isto
seja esbanjamento ou...são apenas pequenas iniciativas – cotegipanas: - não é assim
Sr. Commissario?
Os seus empregados passam bem, em quanto os retirantes morrem de inanição pelas
calçadas, como tem acontecido depois que o Sr. Quintino começou o seu officio de
commissario.30
30
Algumas correspondências de pessoas do Aracati foram publicas em O Retirante, periódico de Fortaleza,
publicado entre junho de 1877 e início de 1878. Afirmava ser o órgão das vítimas da seca e opositor à
administração do presidente Aguiar. In: CEARÁ, Biblioteca Pública Gov. Menezes Pimentel. Jornais Cearenses
em Microformas. Op. cit. p. 07. Esta correspondência se encontra no: O Retirante. Anno I. n. 35. A pedido. O
commissario do Aracaty, ou a ultima caduquice do immortal Aguiar. 02.03.1878. p. 3.
31
Ofício do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da
província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 12 de abril de 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
86
Uma das dificuldades encontradas pelo comissário Peixoto foi dispor de pessoas
confiáveis para ocupar os cargos de distribuidores nos armazéns da comissão, como se vê em
outra correspondência ao presidente José Júlio:
32
Ofício do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da
província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 12 de abril de 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
33
Nasceu no Aracati em 1840. Era irmão do cônego João Francisco Pinheiro. Fora empregado da firma Gurgel
& Irmão e depois sócio da firma Lemos Braga & Companhia, quando tornou-se grande exportador de gêneros,
em especial de algodão, sendo reconhecido no Império por relevantes serviços durante a guerra do Paraguai.
Chefiou o Partido Liberal no Aracati. Em 1884, foi nomeado comandante superior da Guarda Nacional na
comarca do Aracati e reformado nesse posto por Decreto Estadual de 8 de outubro de 1890. In: STUDART,
Guilherme Barão de; STUDART, Newton Jacques. Dicionário Bio-Bibliográfico Cearense. 2. ed. Fortaleza:
Tipogrnafia Progresso, 1980. p. 210.
87
atravessador que intermediava a relação dos compradores do vale jaguaribano com as praças
fornecedoras34. Em abril, com relação aos gêneros fornecidos no mês de fevereiro ao
comissário Quintino Augusto Pamplona, o presidente José Júlio autorizava o pagamento ao sr.
Pinheiro do valor de $30:438,000 (Trinta contos quatrocentos e trinta e oito mil réis),
referente ao fornecimento de 3.204 (Três mil duzentas e quatro) sacas de farinha, vendidas a
$9.500 (Nove mil e quinhentos réis)35. Este número já mostra como o Sr. Pinheiro tornara-se
um importante fornecedor de gêneros à Comissão de Socorros, mesmo naquele período de
racionalização dos recursos e da distribuição de gêneros.
[...] As ordens expedidas pelo Sr. Peixoto com relação a paga de homens de serviço,
alem de energica tem sido mais que mesquinha, e é por isso que o povo subleva-se e
com razão, porque o salário d’um home que tem grande família, não deve ser
34
Cf.: Correspondências do comerciante Antonio Francisco Pinheiro In: APEC. Arquivo da Casa Bóris &
Fréres. Correspondências de Comerciantes do Aracati. Data: 1874-1880. Caixas. 5 e 6.
35
Ofício do procurador do comerciante Antonio Francisco Pinheiro, José da Silva Villar, respondido pelo
presidente da província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, e enviado ao comissário da Mesa de Rendas do
Aracati, em 13 de abril de 1878. In.: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas.
Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
36
Ofício do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da
província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 21 de abril de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
37
Idem.
88
equivalente ao d’aquelle que tem somente duas ou tres pessoas, e um litro de farinha
nunca que pode chegar para a sua alimentação [...].38
38
O Retirante. Anno I. n. 37. Correspondência. Aracaty, 15 de março de 1878. 21.03.1878, p. 2.
39
Ofício do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da
Província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 15 de abril de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
40
Nos meses de abril a junho, as vendas feitas pelo comerciante Antonio Francisco Pinheiro reduziram em
número de vezes e em volume de cada venda realizada. Cf. Recibo referente à venda de 40 fardos de carne seca
feita pelo comerciante Antonio Francisco Pinheiro à comissão de socorros do Aracati, em 23 de abril de 1878.
In: In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data:
1877-1889. Cx. 2.
41
Ofício do sr. Antonio Francisco Pinheiro, ao Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva
Peixoto, em 18 de maio de 1878. In: APEC Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas.
Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
89
É mister declarar a V.Exca que com repugnância effectuei as compras de que tracta
ditas contas, mas as circunstancias imperiosas em que me achara obrigarão-me a
assim fazer. A situação era critica, e definia-se por um dilemma – ou morrem o povo
d fome ou comprar generos – accrescentando achar-se interrompido o fio
telegraphico, por onde podia pedir a V.Exa os devidos conselhos a providenciar.
Cumpre-me também declarar que a impugnação levantada pela Thesouraria da
Fazenda, ao meu ver, não tem fundada razão de existência.
Os preços dos generos varião por diversas causas, conforme o mercado, producção
ou consumo, qualidade, abundancia ou escassez, contracto, e certas e determinadas
condições peculiares às transacções mercantis.
42
Ofício de no 3062, do presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque Barros, à comissão de socorros do
Aracati, em 11 de maio de 1878. Fundo: Governo da Província. Série: Comissões de Socorros. Data: 1878. Cx.
33. Livro: 228.
43
Cópia de uma correspondência do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto,
ao comerciante do Aracati, Sr. Antonio Francisco Pinheiro, em 31 de maio de 1878. In: APEC. Fundo: Governo
da Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
90
44
Ofício do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da
província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 3 de junho de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
45
Ofício de no 36 do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da
província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 4 de junho de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
91
46
Ofício do Comissário de socorros públicos do Aracati, Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da
província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, em 3 de junho de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da
Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
92
até sua dissolução em 1880, permaneceria sendo administrada por membros aracatienses.
Sobre isto, é interessante notarmos como a percepção do presidente José Júlio d’Albuquerque
Barros a respeito dos interesses aracatienses fez com que ele mudasse a estratégia no
relacionamento com a elite aracatiense, em especial com seus comerciantes.
Desde que o Snr Commissario Luiz Carlos da Silva Peixoto (de execrável memória
para o infeliz povo cearense) procurou por meio de informações secretas dirigidas a
V. Excia. denegrir o caracter de Aracatyenses, que em todos os tempos gosaram de
consideração e honradez, somente por que clamaram contra o seu procedimento
deshumano e bárbaro para com o infeliz emigrado; de então impossibilitou a todo o
homem que se presa, e que tem dignidade de ser membro da commissão de
soccorros d’esta cidade, inquestionavelmente digna de ser mais considerada.
Foi necessário, Exmo. Snr. que houvesse esta horrível seca, foi necessário, que
viessem paaqui commissário de nomeação do ex-presidente Aguiar, para aviltar
tanto esta terra, e lançar sobre seus filhos infamantes pechas. Orgulho-me porém de
poder affirmar a V. Exmo. que aqui ainda não se levantaram fortunas com soccorros
publicos, como em outros logares; e se furtos tem havido, correm lá pelos armasens
de distribuição, que estão sob a guarda do honrado Snr. commissario. O meu
humilde nome, Exmo. Snr. e de outros cidadãos distinctos d’esta cidade, já
figuraram em uma, e talvez em muitas queixas dadas a V. Excia. pelo commissário
d’esta cidade, distribuidor zeloso dos dinheiros públicos; e portanto tendo, como
presa-me de ter amor próprio, e dignidade, não posso nem devo acceitar semelhante
logar.47
47
Ofício do comerciante do Aracati, capitão Antonio Francisco Pinheiro, ao presidente da província, Dr. José
Júlio de Albuquerque Barros, em 25 de junho de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série:
Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
48
Ofícios dos comerciantes do Aracati, capitão Melchiades da Costa Barros e Coronel José Teixeira Castro, ao
presidente da província, Dr. José Júlio de Albuquerque Barros, respectivamente em 28 e 29 de junho de 1878. In:
APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas. Diversas Localidades. Data: 1877-
1889. Cx. 2.
93
Alexandre Pereira também foi convocado, mas também recusou. Mais tarde, outro foi
solicitado a assumir a comissão, o comerciante Vicente Ferreira dos Santos Camara, em 5 de
julho, e também recusou, alegando muitas ocupações e mau estado de saúde. Daquele mês de
junho até o mês de agosto, a comissão permaneceria administrada pelo comissário da Mesa de
Rendas, o Sr. José Joaquim de Miranda.
50
Sobre a importância da pecuária no povoamento dos sertões brasileiros, Cf: ABREU, J. Capistrano de.
Caminhos antigos e povoamento do Brasil, 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
96
fornecimento deste produto ao mercado inglês. Neste contexto, a autora ressalta o surgimento
de Fortaleza como um segundo ponto de escoamento da produção, tornando-se na metade do
século o principal centro comercial, seguido de perto pelo Aracati. Até o início dos anos 50,
quando o Aracati ainda mantinha um posto da alfândega, sua arrecadação seguia de perto a
arrecadação de Fortaleza, chegando até mesmo, no ano de 1851, a ser superior a da Capital51.
Acrescido a isso devemos levar em conta a análise empreendida por Mello (1999),
quando discute a respeito das disputas realizadas no Parlamento e Senado Imperial, onde os
políticos do Norte agrário lutaram de forma ferrenha, principalmente a partir dos anos 50 do
XIX, por um maior contingente de recursos e obras de infra-estrutura, tendo em vista arrancar
uma parcela substancial do volume de arrecadação da parcela total de exportações que o
Império auferia. Neste sentido, os senadores do Ceará entraram nesta disputa angariando
recursos para a realização de tais obras, principalmente a construção da via férrea que ligava
Fortaleza à localidade interiorana de Baturité, trecho que abrangia uma grande faixa produtora
dos itens de exportação. O interesse por esta obra dizia respeito, principalmente, a nuclear em
51
Em 1851, a alfândega do Aracati arrecadou 10:124$592 (dez contos cento e vinte e quatro mil quinhentos e
noventa e dois réis), sendo que 8:699$148 (oito contos seiscentos e noventa e nove mil cento e quarenta e oito
réis) foram arrecadados de impostos sobre comercialização com o exterior. Já Fortaleza, no mesmo ano,
arrecadou 9:642$442 (nove contos seiscentos e quarenta e dois mil quatrocentos e quarenta e dois réis). In:
LEMENHE, Maria Auxiliadora. As razões de uma cidade: conflitos de hegemonias: Stylus Comunicações,
1991. p. 117.
97
O município foi largamente assolado pela grande sêcca de tres annos, durante a qual
ficarão paralisados quase todos os seos ramos de industria, e perderão-se quase
inteiramente os gados vaccum e cavallos.
........
Pouco a pouco vão-se restabelecendo as condições industriaes do município
anteriores a sêcca, não obstante a escassês de recursos a que ficam a população
redusida.
.........
O que principalmente embaraça ou entorpece o desenvolvimento das fôrças
productivas do município, é a grande falta de meios pecuniários com que de
continuo vive lutando a população, que por isso mesmo não pode dar a máxima
extensão aos seos trabalhos, e depois os pesados impostos de que se vê sobre
carregada por um modo inteiramente desanimador.
........
A medida mais efficaz, que o Governo poderia adoptar para o fim de reconstruir as
forças productivas do município, seria incontestavelmente a construcção de uma
estrada de ferro, tantas veses projectada, que d’aqui partisse para o centro da
província. É esta certamente a principal necessidade do município, que faz os mais
ardentes votos no sentido de ser promptamente attendido e satisfeito, visto que, só
da sua realisação, nas actuais circunstancias, depende a prosperidade e o
engrandecimento do mesmo município52.
52
Ofício de no 3127, do Paço da Câmara Municipal do Aracaty, ao presidente a província do Ceará, Pedro Leão
Veloso, em 27 de junho de 1881. In: APEC. Fundo: Câmaras Municipais. Série: Correspondências Expedidas.
Local: Aracati. Data: 1853-1912. Cx. 14.
53
Cf. CAMINHA, Adolfo. A normalista. 13. ed. São Paulo: Ática, 1998.
99
Não quero aprofundar o grau de veracidade dessa insinuação: ela revela, todavia, a
nunca esquecida rivalidade das duas cidades, a qual se manifesta a todo o instante e
por diferentes maneiras.
Para explicar a decadência de uma cidade, como a de um povo, é impossível
destacar esta ou aquela causa; a decadência é sempre a resultante de fatores
múltiplos e diversos, alguns dos quais de ação lenta e já antiga.
Em relação ao Aracati creio que ela se filia às dificuldades naturais de seu porto, à
substituição de sua alfândega por uma simples mesa de rendas, à centralização
desastrosa e depauperante, e principalmente ao sistema infeliz, que sempre tiveram
nossas assembléias provinciais e Câmaras Municipais de entregar a confecção de
seus orçamentos a indivíduos incompetentes de partidarismo político.
A morte o Aracati nasceu dos pesados impostos de que a exportação, e a importação
foram sobrecarregadas sem piedade e que afugentaram pouco a pouco de lá o
comércio honesto e inteligente transferindo-o para outros portos [...]
Em vista disso, o centro urbano do Aracati não foi privilegiado com melhorias
significativas. Estudando o traçado urbano das vilas que atendia ao projeto colonizador
português em sua política de constituição de núcleos urbanos para a reprodução de seu
capitalismo mercantil, Jucá Neto (2007) trata das vilas de Aracati e Icó, e destaca que a do
Aracati, pelo menos até o final do século XIX, não apresentaria mudanças substanciais em
seu traçado urbano. A partir das informações fornecidas por Antonio Bezerra de Menezes em
1901, o autor mostra que algumas construções no entorno das ruas principais, traçadas desde a
elaboração da vila no século XVIII, foram as poucas alterações no mapa da urbe aracatiense
durante o século XIX.
100
Fonte: JUCÁ NETO, Clóvis Ramiro. A urbanização do Ceará Setecentista: as vilas de Nossa Senhora da
Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. 2007. Tese (Doutorado Arquitetura e Urbanismo) - UFBA,
Salvador, 2007. p. 356.
Tal quadro é reforçado por Beatriz Oliveira (2009), quando, analisando os códigos
de posturas e os documentos de aforamentos da cidade aracatiense, percebe que a legislação
apresentada pela Câmara do Aracati previa controlar, na década de 1860, principalmente as
construções nas intermediações da cidade, assim como promover a limpeza urbana,
estabelecendo leis municipais sobre as atividades comerciais, sobre a criação e abate de
animais para o comércio de carne e couros, assim como legislar sobre a aparência das
residências, com vistas a promover a uniformização de um projeto de salubridade pública e
higiene domiciliar. Não há qualquer menção de uma reformulação urbana, melhoria do porto
ou construção de estradas, exceto, já na década de 1870, quando a Câmara solicitou
autorização para a instalação de trilhos nas ruas da cidade, para o funcionamento de um
bonde54, e também a autorização para a instalação da iluminação pública nas ruas55.
54
Collecção dos actos legislativos da Província do Ceará promulgados pela respectiva assembléia no anno de
1872. Fortaleza. Typ. Constitucional, 1872. Resolução no 1.488 de 16 de dezembro de 1872, que approva o
101
Possivelmente, as notícias que davam conta de que o Aracati era ainda um grande
núcleo comercial despertaram no viajante a expectativa de encontrar um centro social
pulsante como era o da Capital, que projetava o centro urbano nos moldes europeus (PONTE,
1993). Contudo, o que viu foi pouca movimentação e nenhum passeio, ou praça para o
ajuntamento da sociedade aracatiense. Os ajuntamentos, característicos de localidades
interioranas, só se davam em momentos religiosos, aos domingos ou dias santos. Outra
questão interessante é o fato de ele atestar o caráter industrioso dos habitantes do Aracati, sem
contudo perceber um movimento intenso de pessoas no comércio local. Talvez o viajante não
tenha atentado para o fato de que, como cidade entreposto, o movimento do Aracati se dava
principalmente nos ancoradouros, fosse o da barra do Jaguaribe, para pequenas embarcações,
ou os de Canoa Quebrada, a 2 léguas da cidade, ou os de Cajuaes, Retiro Grande e Pedrinhas
(BRASIL, 1997, p. 49-50). Já no início da década de 1869, sobre o Aracati já reiterava o
Senador Pompeu em seu ensaio estatístico:
contrato para a colocação de trilhos urbanos na cidade do Aracaty. Cf. também: GIRÃO, Raimundo. História
Econômica do Ceará. 2. ed. Fortaleza: UFC. Casa José de Alencar – Programa Editorial, 2000. p. 368.
55
Collecção dos actos legislativos da Província do Ceará promulgados pela respectiva assembléia no anno de
1876. Fortaleza. Typ. Constitucional, 1876. Resolução no 1.706 de 12 de julho de 1876, que manda publicar
diversos artigos de posturas da câmara municipal da cidade de Aracaty.
102
província. Em 1854 havia 162 fazendas de crear em que foram collectados :500
garrotes, e 435 poltros
.........
As casas importadoras despacham suas fazendas no Rio Grande ou na Fortaleza.
Exporta em algodão para cima de 50:000 arrobas, mais de 30:000 calçados, muita
cêra de carnahuba, obras de palha, etc. Sua importação directa, e por cabotagem,
excede a tres mil contos. Em 1857 entraram em seu porto 67 embarcações, afora 24
vezes os vapores da Companhia Pernambucana
Tem a cidade cinco capellas alem da matriz, 600 casas de telha, e 415 de
palha.(BRASIL, 1997, P. 50, 54)
É interessante notar que, à revelia das pressões e das investidas hostis do centro
do poder oficial da província, em concordância com a elite de Fortaleza, a vida econômica
aracatiense buscava meios de perpetuar suas características. O algodão, o comércio de couros,
solas e calçados, ainda permitia ao Aracati ter um poder de barganha em relação aos seus
compradores. Tal posição, que a classe comercial aracatiense lutava por manter, era
empreendida por meio da perspicácia dos seus membros. Voltando ao início da década de
1850, quando da extinção da alfândega, Lemenhe (1991, p. 117) mostra que na Mesa de
Rendas do Aracati, nos primeiros anos após 1851, a queda da arrecadação de negócios com o
exterior caiu drasticamente, sendo que em 1852, a Mesa de Rendas ainda arrecadou
4:705$758 (quatro contos setecentos e cinco mil setecentos e cinqüenta e oito réis), mas em
1853, esta renda caiu para 50$061 (cinqüenta mil e sessenta e um réis). Entretanto, com
relação às rendas nacionais, ou seja, no comércio com outras províncias, a arrecadação passou
de 1:441$133 (um conto quatrocentos e quarenta e um mil cento e trinta e três réis) em 1852,
para 2:382$432 (dois contos trezentos e oitenta e dois mil quatrocentos e trinta e dois réis) em
1853, tendo um novo aumento no ano seguinte. Estes números mostram que, na
impossibilidade de negociarem diretamente com o exterior, os comerciantes aracatienses
passaram a investir no comércio interprovincial, em especial com a praça de Pernambuco,
com quem já mantinham laços antigos.
dos interesses dos comerciantes de Fortaleza, à revelia das investidas e tentativas de praça da
Capital em forçar a subserviência da praça aracatiense, Mello (1999, p. 224) reitera:
[...] Fortaleza não conseguiu atrair então o comércio do Aracati. O tiro saiu pela
culatra pois uma parte do movimento do vale jaguaribano reorientou-se para o Rio
Grande do Norte, quando anteriormente era quase toda a região do vale do Apodi
que negociava através da cidade cearense; o Recife também saiu ganhando, ao
reforçar sua posição no sul do Ceará. Ainda em 1859 um viajante pernambucano
asseverava que “o comércio do Aracati é talvez o mais importante da província,
sendo essa cidade que abastece grande parte do sertão”, sendo, por sua vez
“abastecida pela [praça] do Recife, com que mantém importante e freqüentes
relações”.
Como devem saber comprei aqui aos Snrs. Levy Freres 400 barricas a 26:000, sito q
fasendo-lhes favor, e quase que forçado, como posso ficar com os 150 de V. Mcês e
27.000 do preço mais despesas?
.......
Há presentemente no mercado quantidade de artigo vindo d Pernambuco, e todos
57
querem dispor mesmo sabendo o custo, temendo que o artigo aumente o preço.
56
In: FERREIRA NETO, Cicinato. Estudos de história jaguaribana: documentos, notas e ensaios diversos
para história do baixo e médio Jaguaribe. Fortaleza: Premuis, 2003. p. 383.
57
Correspondência do Comerciante Melchiades da Costa Barros à Casa Bóris & Fréres, em 5 de maio de 1879.
In: APEC. Arquivo da Casa Bóris & Fréres. Correspondências de Comerciantes do Aracati. Data:1874-1880. Cx.
6.
104
Dos que participaram do Clube Republicano, alguns nomes nos são familiares,
como de Julio Cesar da Fonseca Filho, presidente do clube e comandante da Guarda Nacional,
aparecendo algumas vezes na documentação da Comissão de Socorros, assim como o padre
João Francisco Ramos, dos farmacêuticos fornecedores de medicamentos à Comissão,
Francisco do Carmo Ferreira Chaves e João Adolpho Gurgel do Amaral, dos comerciantes
Luiz de Lavor Paes Barreto e Manoel Lourenço Cintra Collares e do tabelião Aureliano de
Paula Martins (envolvido no movimento que provocou a saída do comissário Peixoto).
58
REVISTA DO INSTITUTO DO CEARÁ. ACTA - da 1ª reunião preliminar para a creação de um Club
Republicano na cidade do Aracaty. Anno XIV. Tomo XIV. Typ. Minerva, 1900. p. 281-284.
106
Este contexto nos mostra o nítido quadro de uma realidade onde o poder político
oficial, atendendo aos intentos da ordem que se avolumava, segundo uma nova relação de
produção específica do sistema capitalista - que tinha a Inglaterra como centro irradiador no
aspecto global, o Rio de Janeiro como reprodutor na esfera imperial e Fortaleza a nível de
Província - impunha sua agressiva consolidação, generalizando novas relações sociais e
divisão do trabalho. Semelhantemente, um modelo proposto por Levi (2000), em obra que
analisa um momento de expansão de determinado modelo centralizador, o regime monárquico
absoluto na Itália do século XVII, traz à tona esta relação entre centro irradiador de
determinada ordem, a corte absolutista, e sua periferia, as comunidades rurais ainda não
inseridas em determinada lógica prevista pelo centro de poder. Ainda que situados em
momentos distintos, propomos aproximar nossa análise desta do autor italiano, no sentido de
que ambos os casos abrangem momentos de crise de um determinado modelo de estrutura
social, em momento de transição. Em ambos os casos, notamos que constam em “fase de
conflito do qual saíram transformados tanto a sociedade local quanto o poder central” (LEVI,
2000, p. 44). Esta ação transformadora não foi monopólio do poder central, mas o elemento
108
59
As figuras do suíço G.J. Brummischveiler e do capitão José Alexandre Pereira, atendiam a essa definição, por
terem feito essa dupla função: atender as comerciantes e a política provincial de distribuição de socorros, o
primeiro em 1877, o segundo, no restante do ano de 1878, como veremos ainda neste capítulo.
109
Esta racionalidade pode ser mais bem descrita se admitirmos que ela se expressava
não só através de uma resistência à nova sociedade que se expandia, mas fosse
também empregada na obra de transformação e utilização do mundo social e natural.
É neste sentido que usei a palavra estratégia. (LEVI, 2000, p. 45)
os retirantes de fome, parece ter afugentado os emigrantes, e a notícia que o Aracati não
atendia às suas necessidades fez com fossem buscar outras paragens, especialmente a
Capital60. A “reemigração”, seja voluntária ou forçada, levada a cabo ainda antes da chegada
do comissário Peixoto, fez sair naquele ano de 1878, segundo informação de Theóphilo
(1922, p. 256), “cerca de 16.000 almas”. Estas medidas, pelo menos não fizeram subir o
número de retirantes alojados no centro urbano, que permaneceu na faixa dos 40 mil na
metade daquele ano.
A retirada de emigrantes para a Capital foi lembrada ainda por Theophilo (2000,
p. 220), como sendo a razão da chegada da varíola no Aracati. Como não podia cortar as
comunicações com a cidade, Fortaleza receberia boa parte dos retirantes que estavam no
Aracati ou que mudaram sua rota, deixando de seguir pelo Jaguaribe e desviando para a
Capital.
60
O ano de 1878 representaria para a capital o momento de maior crise durante aquele período de seca. o número
de pessoas emigradas ultrapassou os 100 mil, e a epidemia de varíola fez abater sobre a capital um dos seus
episódios mais horrendos, quando em um só dia, em dezembro de 1878, mais mil cadáveres desciam à sepultura
no Cemitério São João Batista, por culpa da epidemia.
61
Ofício de no 13 do comissário João José de Miranda, ao presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque
Barros, em 25 de agosto de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas.
Diversas localidades. Data:1877-1889. Cx. 2.
111
--------------Depósito Central--------------
3 Jozé Joaquim d’Aguiar Administrador 70:000
4 Francisco Gurgel do Amaral Valente Ajudante 60:000
-----------------Pagadorias----------------
5 Theodomiro Emilio Ayres Admor Pagador 50:000
6 Lafayete Franco Pereira Idem 50:000
7 José Cypriano Carmo Monteiro Idem 50:000
8 José Leandro Bizerra Idem 50:000
9 João Paulo dos Santos Brigido Ajudante na distribuição de 20:000
dietas
10 --------Obras e imigração ------------ Director do trabalho e
João Pinto Chaves encarregado do embarque
dos emigrantes 70:00
11 -----------------Capatazia---------------------
Horacio Franco Ramos Enc. do embarque dos
12 generos de bordo à terra 70:000
Francisco Xavier de Carvalho Recebedor dos generos do
13 porto 50:000
Dorgival Ayres do Nascimento Conductor dos generos do
porto para o deposito
central e d’este para a 20:000
pagadoria
15 ---------------Serviço mortuário----------------
Pedro Borges Director 40:000
Fonte: Anexo ao ofício de no 48 do comissário Luiz Carlos da Silva Peixoto, ao presidente da província, Dr. José
Júlio d’Albuquerque Barros, em 29 de junho de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série:
Correspondências recebidas. Data: 1877-1889. Cx. 2.
duplicar. Some-se a isso a falta de prestação de contas da comissão anterior, o que deve ter
subestimando em muito o número de gêneros distribuídos nas fontes oficiais.
62
Ofício da Comissão de Socorros do Aracati ao presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque Barros,
em 15 de outubro de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas.
Diversas localidades Data:1877-1889. Cx. 2.
63
Ofício da Comissão de Socorros do Aracati ao presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque Barros,
em 27 de setembro de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas.
Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
64
Idem.
113
outro médico, o Dr. Antonio Manoel da Costa Barros, tendo este solicitado sua dispensa, foi
também dispensado pelo presidente da Província.65
No que tange aos interesses dos comerciantes, os meses de agosto a outubro não
ofereceram boas oportunidades de negócios. Raras vendas foram feitas à Comissão, e estas
compreendiam apenas itens suplementares como bacalhau e carne salgada, e peças de chita e
madapolão, mas em pequenas quantidades67. Provavelmente, a manutenção do número de
retirantes tenha “enfraquecido” o mercado aracatiense, e os comerciantes poucas vezes
puderam intervir sobre o fornecimento à Comissão de Socorros.
As “boas quadras” foi uma menção feita pelo suíço G.J. Brummschveiler, ao qual
já nos referimos no capítulo anterior, em correspondência enviada por ele à Casa Bóris e
65
Ofício de no 9.971 do presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque Barros, à Comissão de Socorros
do Aracati, em 9 de outubro de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências
expedidas. Data: 1878. Cx. 33. Livro: 228.
66
Ofício da Comissão de Socorros do Aracati ao presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque Barros,
em 25 de outubro de 1878. In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas.
Diversas localidades. Data:1877-1889. Cx. 2.
67
Cf. Ofício da Comissão de Socorros do Aracati ao presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque
Barros, em 16 de novembro de 1878. In: APEC - Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências
recebidas. Diversas localidades. Data: 1877-1889. Cx. 2.
114
N’esses últimos dias tem se vendido farinha, arroz e charque em grande escalla ao
commissário de soccorros, e muito decerto que V. Sas. se utilisassem dos meos
serviços, afim de approveitar taes quadras.
Tenho 200 barricas de bollaxas para vender, por isso peço-lhes para que contractem
70
com o governo a venda, para fazer remessa immediata”.
68
Ofício do Sr. G.J. Brummschveiler à Casa Bóris & Fréres, em 12 de novembro de 1878. In: APEC. Arquivo da
Casa Bóris & Fréres. Correspondências de Comerciantes do Aracati. Data: 1874-1880. Cx. 6.
69
Ofício do Sr. G.J. Brummschveiler à Casa Bóris & Fréres, em 3 de dezembro de 1878. In: APEC. Arquivo da
Casa Bóris & Fréres. Correspondências de Comerciantes do Aracati. Data: 1874-1880. Cx. 6.
70
Ofício do Sr. G.J. Brummschveiler à Casa Bóris & Fréres, em 28 de dezembro de 1878. In: APEC. Arquivo da
Casa Bóris & Fréres. Correspondências de Comerciantes do Aracati. Data:1874-1880. Cx. 6.
115
de setembro ultimo com o do mez findo, data aquella em que a referida commissão
deo principio a seos trabalhos.
Despendeo a commissão n’aquelle período de 8.946 volumes e n’este de 13.869,
notando-se portanto uma differença de 4.923 volumes ou 35,5% de augmento, sem
que eu enxergue uma causa que justifique tamanha despesa porque o numero de
indigentes de então ainda permanece e talvez em numero menor.
A commissão que se compõe de dois membros, os snrs. Jozé Alexandre Pereira e
Jozé Augusto Gurgel do Amaral, naturalmente occupados pelos seos afaseres
particulares, talves não prestem a devida attenção em acautellar a Fazenda Publica,
deixão que a distribuição dos soccorros seja feita sob a vigilância de uma malta de
zangões que se achão empregados n’aquelle serviço e d’esta arte, deixa de ser o
povo efficasmente soccorrido, em proveito desta gente que só tem por fim
locupletar-se com o que pertence ao Governo.
Se officialmente estivesse investido de poderes para fiscalisar os actos d’esta
commissão, certamente já teria tolhido o passo a tanto esbanjamento e a despesa se
71
redosiria na mesma proporção em que está augmentada.
71
Ofício de no 68, da Comissão de compras do Aracati ao presidente da província, Dr. José Júlio d’Albuquerque
Barros, em 2 de fevereiro de 1879 In: APEC. Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências recebidas..
Localidades diversas. Data:1877-1889. Cx. 18.
116