Múltiplas Alternativas
Múltiplas Alternativas
Múltiplas Alternativas
Márcia Amantino∗
Vinicius Maia Cardoso∗
ABSTRACT: The main goal of the authors is to discuss the different ways of production in
the vila of Santo Antonio de Sá, in Rio de Janeiro Captaincy during the XVIII century, using
the originals documents made by the colonial administration. It also relates other forms of
production for subsistence and data regarding social, demographic and slaves relations in this
society.
KEY WORDS: Rio de Janeiro Capitany, Santo Antonio de Sá, manioc, wood.
∗
Professora do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO).
∗
Bolsista da FAPERJ no Programa de Mestrado em História do Brasil – Universidade Salgado de Oliveira
(UNIVERSO)
Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada – Vol. 3 Nª 5 Jul-Dez 2008
Introdução
1
Discripção do que contém o distrito da Vila de Santo Antônio de Sá de Macacu feita por ordem do vice-rei do
estado do Brasil, conde de Resende [D. José Luís de Castro]. 07 de abril de 1797. Arquivo Histórico
Ultramarino-Rio de Janeiro. Cx. 165, doc. 62 e AHU_ACL_CU_017, Cx.161, D. 12071. Contém anexo com
mapas (planilhas).
Existe uma cópia deste mesmo documento, catalogado com outro título e sem os mapas: Memorial descritivo da
Vila de Santo Antônio de Sá de Macacu (Cachoeiras de Macacu) com: localização, portos, estradas, produção,
população e dois quadros demonstrativos. O primeiro refere-se ás madeiras da região, indicando-se-lhes a
utilidade; o segundo contém dados sobre engenhos, instituições, habitantes e contingentes militares. Sf. 7 de
abril de 1797. 61 p. IEB/USP – COL.ML, 88.1. A primeira fonte será a utilizada para este trabalho, doravante
denominada apenas como Discripção...
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montuozas, vem ate ai os seus Limites na Vila de S. Jozé d´El Rey, que parte com o
Districto de Tapacorá. (DISCRIPÇÃO...)
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Concentrando sua pesquisa para o Rio de Janeiro, este autor demonstra também que no
processo de constituição das fortunas desses homens, os mesmos nem sempre vieram para cá
ricos, mas justamente em busca de riquezas, títulos e privilégios concedidos por El Rey, e que
possibilitaram a acumulação a muitos que demonstraram disposição para a conquista. Entre
estes privilégios, estava o acesso a cargos e o controle administrativo das câmaras municipais,
instituições onde se expressava o poder local.
Boxer (2002: 101) explica que dado o desinteresse da alta nobreza portuguesa na nova
colônia ‘descoberta’, estando esta mais voltada para as rotas do leste, os primeiros donatários
das concessões de terras em 1534 nem sempre pertenciam a elevados estamentos sociais, nem
tampouco eram integrantes do grupo mercantil mais rico. Pelo contrário, muitos eram mesmo
homens despossuídos de ‘cabedal’ que facultasse uma empresa mais segura nas novas terras,
mesmo face aos privilégios jurídicos e fiscais.
A aplicação da nomenclatura de Fragoso (2001:33) pôde ajudar a se buscar também
demarcar a constituição da elite senhorial na região do Vale do Macacu, como formada na
esteira do processo de conquista do recôncavo do Rio de Janeiro após sua consolidação na
baía da Guanabara – braço estendido da colonização em direção aos sertões.
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2
O Macacu seria retificado nos anos 1930 pelo Governo Federal, para erradicação das febres palustres que
grassavam na região, devido ao seu natural trasbordamento durante a época das cheias, formando pântanos e
brejos. Tal medida também valorizaria as terras do vale do Macacu, acarretando nas décadas seguintes,
profundos conflitos entre posseiros e grileiros pela posse das mesmas.
3
Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 67, Das Sesmarias. Disponível em
<http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l4p164.htm> Acesso em 13 abril 2008.
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Deve-se levar em consideração que, ao final dos setecentos essas terras já deveriam ter
oferecido aos plantadores várias safras anuais dos produtos agrícolas explorados: cana-de-
açúcar, arroz, feijão, milho e mandioca, esta última para o fabrico de farinha. Mesmo assim,
no final do século XVIII, sua força produtiva ainda suscitava elogios.
O mesmo documento também menciona que, apesar de sua fertilidade, muitas áreas
em Macacu, mormente nas terras mais baixas, eram facilmente alagáveis ou encontravam-se
cobertas de brejos, o que atrapalhava sobremaneira a atividade agrícola. Mesmo assim,
ocorreram disputas internas entre os colonizadores pela posse da terra de Macacu.
Um exemplo destes conflitos é o que se deu entre os jesuítas e os herdeiros do
conquistador Baltazar Fernandes, que se revelaram ser aos inacianos rivais bem menos
perigosos e fáceis de derrotar, do que os tamoios. Segundo Belchior,
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son seis o siete hombres pobres, que conquistaron aquella tierra com mucho
trabajo, y no tienem otras de que pueden sustentarse, y por la justicia “saltem” en
el foro interior estar por sua parte dellos e por el grande escândalo que auria em
les echar fuera y auver muchos años que estan de posse com suas grangearias y
principalmente por que la tierra no ualdra, mas que hasta quarenta ducados y a
los Padres sobran lãs tierras, y que allende desta data tiene outra cerca de la
ciudad, y los hombres no tiene adonde labrar por el coll.º tener lo mas e meior
delas tierras.(BELCHIOR,1965:190)
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QUADRO 01 – Sesmarias concedidas nos rios Macacu e Guapiaçu (Séc. XVI e XVII)
4
Cf. Lista de Sesmarias Extraídas dos Livros do Cartório do Tabelião Antônio Teixeira de Carvalho – IHGB
(Lata 90 Pasta 2). Acrescentou-se sesmarias doadas no rio Guapiaçu, pelo fato deste e do Macacu se constituírem
como os principais que cortam de norte a sul a região.
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5
Cf. Auto de ereção da vila de Santo Antônio de Sá, antiga Macacu. 05 de gosto de 1697.6 p. Cópia. Original no
Arquivo Nacional. Notação Final DL 04.017. Notação Original DL 4.74. Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro – IHGB, Rio de Janeiro.
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O comércio, de escravos e de gêneros produzidos pelo setor agrário pelo braço cativo,
foi gerador de fortunas as quais se voltaram, mesmo com a expansão desse capital mercantil,
não para sua própria reprodução, mas para a reiteração da hierarquia social, calcada na
manutenção e reprodução do próprio sistema agrário, escravista e excludente.
A aquisição de status social era o objetivo último de muitos homens e famílias ao
adquirir terras coloniais, em especial no que tange a este artigo em áreas fluminenses.
Portanto, esse capital, concentrado em sua origem mercantil, ao retornar á paisagem rural
cria necessariamente uma estrutura agrária igualmente concentrada. (SAMPAIO, 2003:24)
Sampaio relaciona esta mecânica das relações socioeconômicas coloniais à própria
formação, no agro fluminense, da futura atividade cafeeira, onde se destacaram as atividades
de caráter rentista. Mesmo assim, semelhante ao agrarismo dos séculos anteriores ao café, o
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resultado era mais uma vez a reiteração de uma ordem social fortemente hierarquizada e
excludente, na qual os mecanismos de acumulação estavam concentrados em pouquíssimas
mãos. (SAMPAIO, 2003:24)
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As arrobas foram mais simples de transpor para nosso sistema de medidas, importando
em 431.925 kg, já que uma arroba corresponde a praticamente quinze quilogramas. As 582
pipas de aguardente correspondem a 14.550 almudes. Estes por sua vez equivalem a 464.436
litros da bebida. Para os alqueires, optou-se em utilizar o fator de conversão proposto por
Luna & Klein (2001: 4) segundo a seguinte tabela para a conversão alqueires/quilogramas:
Unidade Em Em
Produto Produto/Densidade
Original Litros quilos
Milho Alqueire 0,8333 36,27 30,225
Feijão Alqueire 0,8333 36,27 30,225
Arroz Alqueire 0,8333 36,27 24,180
Portanto, de acordo com o fator de densidade desses grãos (0,8333) e calculando com
base na relação de quantos quilogramas estão presentes em um litro de milho, arroz ou feijão,
tem-se que para estes dois últimos deve-se multiplicar o valor em alqueires por 30,225,
enquanto que para o arroz, o cálculo a ser feito é através do fator 24,180.
A produção de arroz equivale então a 465.924 kg; a de feijão e milho,
respectivamente, 111.107 e 135.166 kg. A farinha é o produto-rei da região. Usando a mesma
relação de 30, 225 para a farinha de mandioca, chega-se a uma estimativa de valor máximo de
produção, para um ano, correspondente a 2.149.329 kg do produto.
A farinha superou em 1.717.404 kg a produção de açúcar de cana. Definitivamente,
pelo que informa a fonte, a região de Macacu não tinha a agromanufatura do açúcar como
atividade econômica principal. Mesmo adotando-se o menor fator, de 24,180, utilizado para o
arroz, a farinha ainda assim alcançaria uma produção de 1.719.463 kg, ou seja, 1.255.027
quilogramas a mais de farinha que de açúcar.
Ainda com relação à produção, o relator da Discripção... faz menção à mentalidade
das populações em relação ao processo produtivo na agricultura:
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A população da região caracterizava-se por ser em sua maioria, formada por pequenos
e médios proprietários com pouco ou nenhum escravo. Pode-se inferir que a maior parte da
mão-de-obra cativa estaria concentrada nas grandes propriedades. Mesmo assim, os dados
fornecidos pelas fontes mostram a predominância da mão-de-obra cativa. Todavia, isto poderá
ser comprovado à medida que as pesquisas avançarem.
Adotando um critério comparativo, segundo o relatório do marquês do Lavradio, em
1778, a Vila de Macacu (Santo Antonio de Sá) e suas freguesias, possuíam já perto de 17.329
habitantes, sendo 8.371 livres, 8.958 escravos e 2.085 residências (fogos), numa área total de
1.500 km².6
6
Relatório do Marquês do Lavradio – 1778.
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os Lavradores da Cana, porem, os q. não possuem terra mais forte e própria para
a plantação da Cana e q. não tem terras cem abundancia são os q. extrumão os
Canaviaes com o bagasso da mesma Cana, depois de muhido e podre com a
continuação do tempo. (...) mas este condimento não he geralmente sempre certo,
he conforme a qualidade da terra ou lugar e conforme corre a Estação do anno,
porem a terra chamada Massapé, q, jhe barrenta e vizcoza, sempre he a milhor e
mais própria para esta plantação q. de ordinário o seo assento he em Varges beira
Rio. N´esta plantação há annos q. os Lavradores experimentão grandes prejuízos,
huns por cauza das enchentes, quando estas são extraordinárias tendo os
Canaviaes em terras baixas, estando ainda pequenas as Canas de pouco tempo
plantadas por q. as mata e outros por cauza de huns pequenos Insetos a q. os
Lavradores chamão Baratas (...) Além d´este prejuízo, segue-se mais quando a
Estação he Tórrida experimentarem alguma falta de Condimento, quando esta
Plantação hé feita em terras arientas e montuozas. (DISCRIPÇÃO...)
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Lisboa não oferece dados sobre a produção de farinha, arroz, feijão e milho, não sendo
possível estabelecer qualquer critério comparativo com esta fonte neste caso.
Com respeito às olarias, os dados se aproximam da Discripção..., que menciona a
haver 10 olarias que produziram 88 mil telhas e 179 mil tijolos. Nada desprezível para apenas
um ano de produção, numa média aproximada de 7.300 telhas e 14.900 tijolos/mês.
Pelo menos seis dessas olarias eram pertencentes a senhores de engenho listados: D.
Ângela Rita Gago da Câmara, Marcos da Costa Falcão, Antonio de Oliveira Braga e os
capitães Manoel Velho da Silva, Braz Carneiro Leão e José de Souza Lobo.
Tal volume de produção cerâmica pode indicar que seriam as telhas e tijolos
produzidos comercializados no Rio de Janeiro e adjacências. Uma atividade certamente
corriqueira e tradicional no cenário econômico do vale. Tanto o é, que durante sua visita na
região, à fazenda Rio das Pedras, no avançado ano de 1846, Thomas Ewbank (1973:359)
relatou que
A Discripção... identifica que a região possuía, além dos produtos já citados, algumas
poucas plantações de café em propriedades pequenas e médias utilizando para isso, pouco ou
nenhum escravo. O informante salienta que esta era uma prática local por tratar-se de
proprietários pobres e como a terra era boa o suficiente para não precisar de preparo, apenas
uma pessoa podia plantar e colher o café. Observa-se que o café não apareceu na lista de
produtos analisados pelo Marquês do Lavradio. Pode-se inferir tratar-se mesmo de uma
pequena produção voltada para o consumo local e sem representatividade econômica.
O documento salienta que havia muitas terras devolutas na região e as que ficavam
cansadas devido ao constante uso eram abandonadas em busca de novas. Todavia, esta
informação precisa ser relativizada, pois desde o século XVI ocorriam constantes disputas por
terras na área. As disputas eram comuns porque parte das terras disponíveis ficavam
inundadas durante grade parte do ano, impossibilitando seu cultivo.
Na Discripção..., percebe-se que apesar da relativamente expressiva produção de cana-
de-açúcar, esta não era boa planta para a região e os agricultores experimentavam há anos
constantes prejuízos, não só por causa do excesso de águas como também porque a umidade
favorecia o aparecimento de pragas que destruíam os pés ainda novos. Cita também as
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plantações de arroz e milho, mas para ele, a mandioca era a principal lavoura da região e era
em seu cultivo que a maior parte dos lavradores estavam empregados. Ainda assim, havia
também constantes perdas por causa das enchentes e do calor excessivo.
TABELA 03: Informações sobre produção de farinha de mandioca na Vila de Santo Antonio de Sá.
7
Correspondência e documentos relativos as novas Minas de Macacu, do Rio de Janeiro, de que era
superintendente Manuel Pinto da Cunha e Souza – 1786 a 1790. Seção de Manuscritos. Biblioteca Nacional.
Catálogo 09,3,017-021.
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8
Foi desconsiderada, nas três listagens, a repetição de nomes, sendo analisadas em seu conjunto e abordadas as
três datas de compra como listagens independentes entre si, buscando caracterizar a possibilidade de oferta do
produto na região.
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O autor comenta sobre os produtores que não tinham posses suficientes, nem recursos
financeiros, para a abertura de inventário e, portanto, não detentores de utensílios necessários
para produzir farinha que verificou presentes nos bens dos inventariados – roda, prensa, forno
e tacho (de cobre). Sugere ainda a presença de formas alternativas para a produção de farinha
por parte dos não possuidores desses utensílios, embora não tenha encontrado menção a estas
formas na documentação por ele analisada, mas é plausível sua argumentação de que de
alguma forma, dada a universalidade da produção da farinha pela população da comarca de
Paranaguá, estas pessoas deveriam produzir a sua própria.
Por sua vez, Hebe Castro, em trabalho para Capivari (atual município de Silva
Jardim), na província do Rio de Janeiro, faz menção a estas formas alternativas de se elaborar
farinha. Capivari era freguesia integrada à região de Macacu, para onde Castro menciona três
tipos de preparo da raiz da Maniot utilissima, atividade de transformação relacionada à maior
ou menor possibilidade de aquisição dos utensílios necessários. Estes três tipos relacionam-se
respectivamente à produção dos tipos farinha d´água ou farinha gorda, farinha d´água de
mistura e farinha seca. (CASTRO, 1987:86)
No primeiro caso, apenas o forno era requerido para a última etapa, sendo
primeiramente a mandioca amolecida em água exposta ao sol, espremida à mão e
coada em peneira grossa. No segundo caso, o forno de cobre e a roda de ralar
eram indispensáveis: "a mandioca é primeiramente ralada e depois misturada com
água, espremida à mão e passada em peneira fina, misturando então o que
'passou' e o que ficou na peneira, de modo a formar novamente uma só massa, de
novo espremida e levada ao forno". No terceiro caso, entravam em cena os
utensílios mais comuns no preparo da chamada "farinha seca": "a mandioca
raspada é lavada e ralada em um ralador que pode ser movido à mão ou a água,
submetida neste estado durante várias horas à ação de uma prensa, passada em
peneira fina e levada ao forno ou tacho para ser cozida e torrada. (CASTRO,
1987:86)
comer, e depois a produzir farinha, certamente desconheciam roda, tacho e ‘forno’, na sua
produção.
Possivelmente, Francisco Lopes, lavrador em Macacu, que forneceu apenas meio
alqueire de farinha (15 kg) às tropas coloniais, o único a fornecer tão pouco, de acordo com a
segunda listagem de fornecedores, de 13 de fevereiro de 1786, recebendo 200 réis, utilizou-se
de um destes três métodos.
Leandro (2007:15) apresenta, para Paranaguá, em Santa Catarina, que:
É bem provável que esta relação também se desse para a região de Macacu, dado que
em 1797, segundo a Discripção..., ao menos para os 649 lavradores listados pode-se montar o
seguinte quadro:
QUADRO 02: Quantidade de escravos por cada produtor
Nº de 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09
Escravos
Nº de 206 89 79 65 43 35 22 18 16 08
,
Produtores
Nº de 10 11 12 13 14 15 16 17 19 10
Escravos
Nº de 16 13 03 04 05 03 02 01 01 16
Produtores
Nº de 17 19 21 22 23 24 27 31 34 41
Escravos
Nº de 01 01 03 02 02 01 01 01 01 01
Produtores
Enquanto 206 produtores não possuíam, cada um, nenhum escravo, apenas 03, vão
possuir respectivamente 31, 34 e 41 cativos. Todos esses 649 lavradores produziram um total
de 26.548 alqueires de farinha (802.413,3 kg). Já dos listados como donos de “fabricas de
farinha”, portanto possivelmente possuidores de roda, tacho e forno, ou seja, todos os
utensílios necessários, apenas 13 não possuíam nenhum cativo. O maior detentor de escravos
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contará a propriedade de 90 cativos, produzindo 960 alqueires do produto (29.016 kg). Este
grupo, com apenas 238 produtores, produziu por sua vez um total de 38.633 alqueires
(1.167.682 kg).
Outrossim, o documento produzido em Macacu revelou que, de forma subsidiária,
aquela produção farinheira gerou uma peculiar atividade econômica: o aluguel de sacos para
acondicionamento do produto. Relata o sargento-mor, em carta de 12 de janeiro, que a farinha
era acondicionada em sacos de aluguer. Na carta de 13 de fevereiro, anotou que
pelo Ajudante Ângelo Soares Gomes de Proensa, recebi oitenta e sete mil nove
centos e secenta reis, com que satisfiz aos Fazendeiros as suas respectivas
quantias condicionada somente, quinhentos sincoenta e quatro alqueires em huma
talha de madeira, que mandei aprontar e fazer a fim de ficarem asim mais bem
acondicionadas, e os donos dos sacos não sentirem prejuízo, ficando de fora da
.9
dita talha cento e trinta e trez alqueires em sacos.
9
Correspondência e documentos relativos às Novas Minas de Macacu (1786-1790). op. cit.
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Além da agricultura, a Discripção... aponta para outra atividade que tinha papel
relevante na economia da região de Macacu: a extração e o comércio das madeiras,
abundantes e presentes em variadas espécies. Essas madeiras rendiam bom lucro aos
extratores: Ella he de tal interece, q. sendo laborioza e pezada a sua factura, e conducção
para os Portos de Embarque, nem por isso deixão de continuar com as fabricar...
(DISCRIPÇÃO...)
Em 1797, segundo ainda o documento, Macacu produzira 1.482 dúzias de tábuas,
‘conssoeiras’, vigas, ‘frexaes’, ‘páos de prumo’, ‘pernas’, caibros e curvas, perfazendo um
total de 17.784 peças, indicando também a presença de 55 ‘serradores’.
Cortar e transportar as madeiras do interior das matas, puxadas por bois, era trabalho
duro e difícil, mas os lucros compensavam. Trazidas aos portos nas margens dos rios, eram
vendidas a negociantes que as vinham buscar e que também garantiam seus lucros como
“atravessadores” dessas madeiras.
Segundo Cabral,
não só com seos Escravos, como com homens e jornaleiros, a quem pagão
vencendo a difficuldade da navegação naquelles lugares aonde não chegão as
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Outra forma de comércio era o realizado nas vendas de beira de estrada ou nas
localidades onde mais ou menos há o Surtimento para a sustentação deste Povo ordinário.
Uma economia, entretanto, realizada não exclusivamente pela compra com dinheiro,
mas também à base de troca de produtos entre os lavradores e os comerciantes, estes
recebendo madeiras e alimentos em troca de outros produtos.
Também nas Aves domesticas e Ovos fazem o seu interece alguns destes
moradores, principalmente as mulheres, por serem as q. cuidam mais na criação
dellas, em as vender aos Quitandeiros q. vem a este lugar e em as mandar pª a
Cidade, e outros também percebem algum lucro na vendage de alguns Porcos e
Carneiros; como também do Fumo, formado em Molhos, a q. chamão Fumo de
folha. (DISCRIPÇÃO...)
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Há informações a respeito do que restou dos índios outrora espalhados pela região e
aldeados em finais do século XVI em São Barnabé pelos jesuítas, que à época do documento
já havia se constituído na Vila de São José d´El Rei. Em 1797, a população indígena
remanescente era constituída por uma população de gente pobre,
cujo numero de Fogos são 81 e em 430 Almas de maior a menor os quaes são
regidos pelo seo Director, o Ajudante Leonel Antonio de Almeida, sendo-lhe
determinada esta Regência no anno de 1779. Todos se empregão, huns na
Agricultura, outros na Pescaria, e outros em fazer Ballayos. Esteiras e outras
curiozidades de Palhas e Taquaras, pintadas de diferentes cores, e Panelas de
barro e n´isto estabelecem o seo Comercio. (DISCRIPÇÃO...).
Conclusão
Pode-se afirmar que a Vila de Santo Antonio de Sá de Macacu, ao longo do século
XVIII, caracterizava-se por apresentar em conjunto com algumas plantations uma economia
doméstica de produção variada, que englobava o cultivo do arroz, do feijão, da farinha, do
milho, do fumo, a exploração das madeiras, a criação de aves e a conseqüente
comercialização dos seus ovos, além da criação de porcos.
Toda esta produção tinha parte consumida na própria Vila e parte exportada para as
localidades vizinhas, inclusive a cidade do Rio de Janeiro. Para esta exportação, em muito
auxiliaram os rios, que desembocavam diretamente na Baía da Guanabara.
A maior parte da população da Vila era formada por pequenos e médios proprietários
de pequenos plantéis de escravos ou mesmo nenhum cativo. A riqueza concentrava-se em
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uma elite diminuta que também produzia os mesmos produtos, só que em grandes
quantidades. Aí estava a grande diferença.
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