Campos de Concentração - Ceará e Cariri

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CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NO CEARÁ

O fenômeno da seca configurasse como um acontecimento que desestabiliza os


sertanejos na vida pessoal e na agricultura, principal meio de subsistência da família. De
acordo com a intensidade da estiagem os sertanejos sem vêm obrigados a saírem da localidade
onde moravam para buscar novas condições de sobrevivência diante da calamidade que os
assola.

Em janeiro de 1931, o clima da região sertaneja permanece em um ritmo de poucas


chuvas, sem desencadear alarmes sobre uma possível estiagem de grandes proporções o que
leva aos agricultores permanecerem nas terras, confiantes que as preces a São José
trouxessem um inverno vigoroso. Ao final do mês de março, levas de retirantes começam a
sair de suas localidades em direção a capital, Fortaleza visto que as chuvas não viriam,
homens e mulheres se lançavam nas estradas do Sertão tentando resistir a fome e ao cansaço
que lhes consumiam.

Em abril do ano seguinte, trens saíam do interior do Sertão transportando um grande


número de retirantes, onde muitos ao chegarem na capital se defrontavam com as forças
policiais que tentava ao máximo controlar o número de flagelados que saqueavam e se
acomodavam nas ruas e praças da capital, esse momento de confronto era bastante noticiado
pelo jornal O povo, sobretudo, essas manchetes eram mais corriqueiras nos meses de abril e
maio. Os grandes números de flagelados percorriam as duas principais estradas de ferro que
entrecortavam o Ceará que era a estrada ferroviária de Baturité e a Estrada de Sobral, e foi a
partir dessas localidades que o Governo começou a construir campos de concentração para
controlar esse grande excedente de retirantes, e outra forma utilizada para obter esse controle
foi a suspensão das passagens que eram distribuídas nas Estações ferroviárias.

Como destacado anteriormente, os campos eram substituições dos abarracamentos que


estavam localizados no centro de Fortaleza. Eles foram construídos em áreas estratégicas que
impedia com que a migração chegasse a capital, permitindo um maior controle do Governo
sobre a vida dos retirantes. O movimento migratório era mais expressivo nas localidades onde
estavam instaladas as estradas de ferro o que acarretava um maior número de confinações.

As duas principais obras ferroviárias tinham sua importância na rota de


comercialização de produtos da indústria cearense, por esse motivo percebesse a insistência
da elite no prolongamento das estradas e na melhoria do porto de Fortaleza, consolidando-se
um maior incentivo ao capitalismo. Após a declaração oficial da seca de 1932 nos meios de
comunicação, a elite fortalezense começa a realizar campanhas para a construção e a reforma
de edificações na cidade, as mesmas seriam porta de entrada e saída de mercadorias e turistas.
Aos olhos dos turistas e da elite social de Fortaleza a cidade era vista sobre um olhar poético
que a definiam como “ a loura desposada do sol”, onde a luz do sol representava o progresso e
os elementos naturais eram exaltados, materializados em construções e melhoramentos
urbanos.

Em contraponto a essa visão romantizada do sol os sertanejos o viam como símbolo de


tragédias e de dor, não sendo o seu corpo marcado pelo sol, bem-vindo ao ambiente de
prosperidade da cidade do sol. A causa climática que afetava os sertanejos foi utilizada para o
benefício das obras na capital, os orçamentos financeiros custeados pela União no combate à
seca, foi um fator bastante aproveitado pela burguesia.

A cidade estava vivenciando uma das piores secas do século XX, entretanto os pedidos
de obras e o uso dos flagelados como força de trabalho, impulsionava a estruturação do
progresso em Fortaleza o que era constantemente anunciado nas manchetes de jornais locais.
Contudo, a seca de 1932 não foi a pioneira no uso do flagelo como força de trabalho, ao que
se pode observar foi em 1877 que essa força começa a ser usada mais sistematicamente na
ampliação da capital, sendo sempre alocados em algum serviço de melhoramento.

Nesse contexto de inovações perante uma crise climática, a seca juntamente com os
campos de concentração, onde estavam instalados os retirantes tornasse uma atração para os
excursionistas, que observa na miséria um espetáculo. Anulando a imagem trágica do
sofrimento em decorrência do sentimento de caridade que era buscado ao pagar cinco contos
de reis para uma atração nas instalações dos campos.

Assim, as obras de aformoseamento eram constituídas, o que não impedia de certa


forma a chegada de novos retirantes que transformava a cidade em um ambiente que exibe a
miséria e o luxo em um mesmo cenário. Era inevitável ignorar a tragédia da seca e o pavor da
elite a essa população que era restabelecido por meio das manchetes de jornais que buscava
com suas publicações obter uma resposta imediata do Governo ao mesmo tempo que se criava
a imagem ameaçadora de um flagelado. O discurso dos ricos sobre as medidas a serem
tomadas em relação ao destino dos flagelados se consolidava em um discurso civilizatório,
um projeto que tinha como finalidade disciplinar os retirantes em uma ordem que também era
esperada para a cidade.
Todas as medidas e projetos que foram apoiados pela classe dominante eram na
finalidade de manter os valores da burguesia, pois em diversos momentos praticas severas
foram estabelecidas para o controle dos pobres, sobretudo no final do século XIX quando
ocorre uma multiplicação de casas para pobres, asilos e leprosários. Em seguida teremos a
consolidação do “ Dia da Extinção da Mendicância”. A partir do dia 17 de fevereiro ficaria
proibido mendigar na cidade, está proibição aparecia como uma forma de gesto humanitário.
O controle dos retirantes foi exercido de diversas formas, seja na consolidação de leis
proibitórias ou na construção de campos de concentração, esse controle desencadeara a
construção de mais sete campos (Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, São Mateus, Crato e
dois em Fortaleza). Após estarem nesse ambiente os retirantes não poderiam sair sem a
autorização dos inspetores que estavam constantemente vigiando todos os concentrados.

Diante dessa perspectiva, é notável que as medidas de controle parte de uma tradição
de aprisionamento dos pobres, pois é corriqueiro a presença de pessoas vindas de outras
regiões em busca de melhores condições de vida, principalmente no final do século XIX em
diante. E para legitimar as concentrações faziam uso do discurso médico e das comissões de
higienistas que alegava as aglomerações como possíveis potenciais de dispersão de doenças,
em decorrência da proteção dos cidadãos as instalações dos campos seriam feitas nas áreas
mais pobres da cidade longe das áreas nobres de fortaleza.

O Projeto dos Campos de Concentração apresentava sinais de sucesso, nos jornais era
comum perceber a satisfação de diversos cidadãos, onde reconheciam que as ruas e praças
estavam tranquilas e o centro da cidade se mostrava mais civilizado. Em certo sentido os
objetivos iniciais com a construção dos campos foram obtidos, nos meses iniciais vários
elogios foram tecidos nas páginas dos jornais, o sucesso na consolidação serviu de modelo
para o desenvolvimento de outras medidas mais severas, bem como a mendicância pelas ruas
não eram mais legitimas, visto que os mendigos agora teriam um lugar apropriado para se
instalarem. Os que se opusessem a estar nas concentrações seriam levadas para outras
instalações. Outras medidas foram tomadas no decorrer dos anos, o interventor Carneiro de
Mendonça não aceitava mais o embarque de retirantes para Fortaleza, pois já existiam campos
localizados no interior do Estado, como era o caso do Campo do Buriti.

Devemos compreender que os campos funcionam como um serviço de assistência, não


disponibilizando um serviço de trabalho, e é nessa condição que começam a surgir críticas
sobre a pouca utilização dessa mão-de-obra que estava presente nos campos e má
administração dos mesmos. Diante das críticas e em decorrência das primeiras chuvas em
1933, efetivasse uma campanha para a dissolução dos campos, pois em decorrência das
poucas chuvas as cidades não estariam mais sujeitas a receberem novas levas de retirantes.

No final do mês de junho foi perceptível o aumento de flagelados nos campos de


concentração do interior o que levou a uma efetivação mais positiva no exercício de poder
disciplinador nos dois campos que estavam localizados em Fortaleza. Era de costume que os
responsáveis pela vigilância dos presos nos campos do interior fossem os próprios flagelados
que empolgados com o poder que exerciam acabavam por causar alguns conflitos, e para
punir essas desordens foi construído um espaço especifico para intensificar a “pedagogia do
medo”.

Salienta-se que em todos os campos foram construídas capelas que alimentaria a fé


dos flagelados, a fim de os aproximar da noção de pecado. E para os sertanejos a consolidação
de sacramentos clericais não se configurava como pecado, pois suas vivencias religiosas
estava alicerçada em uma ligação com o santo protetor, sem atribuir ao sacerdote essa
mediação. Desenvolvendo-se uma crença pouco ortodoxa perante os costumes da igreja.

Para além da imposição da ortodoxia católica, procurava-se a legitimação do saber


cientifico sobre as crenças medicinais das benzedeiras. O ataque as práticas tradicionais era
uma estratégia da indústria farmacológica de combater a crença das curandeiras na sociedade,
pois elas estavam comprometendo a atuação dos médicos no combate as doenças. Em linhas
gerais, a devoção no sertão é a forma pela qual os devotos procuram solucionar os mais
diversos problemas.

Aspectos religiosos na construção de uma memória de poder.

No ano de 1889 em Juazeiro do Norte ocorria o primeiro ato sagrado que


transformaria o povoado em um espaço religioso, a hóstia se consagraria em sangue na boca
da beata Maria de Araújo, sendo Padre Cicero a partir desse momento considerado um
homem santo. Em decorrência dessa alta proliferação do milagre em Juazeiro devotos de
outras localidades saem em direção ao povoado em busca da concepção de alguma benfeitoria
que seria destinada por Jesus Cristo, essa grande devoção no Pe. Cicero e nos panos
ensanguentados que fazia referência ao corpo de cristo.

Essas romarias ou peregrinações, eram feitas pelo um grande número de pessoas,


muitas vinham fugidas da grande seca que começava se alastrar pelo interior, pois no
imaginário dos romeiros o sangue derramado em Juazeiro anunciava o dia do juízo final e ao
exercerem a autopenitencia estariam se reconciliando com deus. Sendo o padre responsável
por manter os peregrinos no caminho de reconciliação com Deus.

Em decorrência da expansão do milagre, chega a Juazeiro José Lourenço, homem


extremamente religioso que ao ser influenciado pelas ideias do Padre Cicero decide fixar-se
sua no povoado, estando sempre em conato com os penitentes, beatas e romeiros. Sendo logo
em seguida pioneiro de um espaço coletivo que abrigasse a vinda dos penitentes e flagelados
que fossem chegando ao Juazeiro, em 1890 ocorre o surgimento do sitio Baixa Dantas que se
consolidava por ser um espaço de recepção e cultivo da agricultura de subsistência. No
decorrer dos anos este espaço foi se tornando o principal ponto de recepção dos que nada
tinham e em pouco tempo esta região estava com um grande número de alojados que
contribuíam para a subsistência do local a partir da agricultura e do cultivo de frutas. Sendo
sempre destacado a religiosidade e devoção do local ao cristianismo e a Padre Cícero.

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