Manual de Formação Etica 2019
Manual de Formação Etica 2019
Manual de Formação Etica 2019
Manual de Formação
CARLOS CARAPETO
FÁTIMA FONSECA
Data: 2013
ISBN 978-972-99919-1 -2
O primeiro é dispor, em forma de livro, da documentação de suporte e apoio à formação sobre ética e
deontologia, que todos os novos engenheiros técnicos têm que fazer, para adquirir a qualidade de
membro efetivo.
O segundo é proceder à distribuição, de um exemplar a cada um dos 20 mil membros da Ordem. Com esta
distribuição pretendemos que todos os engenheiros técnicos disponham da informação sobre a Ética e
Deontologia profissional da Classe Centenária que somos, fazendo justiça ao seu passado, preparando-se
para o futuro.
Sabemos que, também neste domínio, somos pioneiros, mas tem sido esse o nosso desígnio e tudo
faremos para prestigiar cada vez mais a nossa Classe.
Capítulo I.....................................................................................................................................................7
2.1. Ética.......................................................................................................................................8
2.2. Moral.....................................................................................................................................9
2.3. Costumes...............................................................................................................................9
2.4. Direito..................................................................................................................................10
2.5. Deontologia.........................................................................................................................11
Capítulo II..................................................................................................................................................13
1.1.1. Os clássicos.......................................................................................................................14
DECISÃO ÉTICA..............................................................................................................................42
1. Problemas Éticos.....................................................................................................................42
CONCLUSÕES............................................................................................................................................52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................................54
A formação que agora iniciamos não é, assim, uma questão de moda. É uma questão de prestígio e
credibilidade de um grupo profissional e da Ordem que o representa e defende. O prestígio da Ordem dos
Engenheiros Técnicos (OET) está estreitamente ligado ao prestígio dos seus membros. E uma falta cometi-
da por um repercute-se em todos. Por isso, a OET deve dar a conhecer as regras deontológicas e velar pelo
seu respeito e pela elevada conduta ética dos seus membros, tal como resulta, nomeadamente, das
alíneas b) e i) do artigo 2.° da Lei n.º 47/2011, de 27 de junho, que aprovou o Estatuto da Ordem. Daí a
aposta nesta formação, destinada a desenvolver a reflexão ética (reconhecer problemas éticos,
desenvolver raciocínio analítico, ajudar a lidar com a diferença de opiniões em ética e promover o sentido
de responsabilidade) e a proporcionar a interiorização dos valores subjacentes à profissão, condição
essencial para o exercício dignificante da mesma.
Sem descurar uma análise teórica, necessariamente breve, dos conceitos de ética e deontologia
profissional, este Manual está sobretudo vocacionado para uma análise prática dos valores profissionais
que subjazem aos direitos e deveres dos engenheiros técnicos, terminando com um "guia" sucinto para a
decisão ética em engenharia que pretende ajudar a resolver os vários dilemas que os engenheiros técnicos
encontram na sua prática quotidiana.
Com efeito, o homem necessita criar regras que lhe permitam (inter)agir. Estas servirão de base para
identificar o que é certo e o que é errado, o que é permitido e o que não é permitido, dando previsibilidade
à sua conduta. Estes padrões culturais ou de conduta, socialmente criados, são vinculativos para os
membros do grupo. Só assim a sociedade pode desenvolver-se, num contexto de ordem e estabilidade,
que permite aos homens construir projetos de vida.
Para além de uma função de integração (assegurar a coordenação entre as diferentes partes do sistema
social), as normas têm como função básica assegurar a estabilidade, garantindo que os valores
subjacentes são conhecidos dos indivíduos, para que estes se conformem e sejam motivados por eles.
Para além disso, ao proporcionar uma vida social ordenada e ao atribuir-lhe um papel ou vários papéis
nessa vida, as normas contribuem ainda para oferecer aos indivíduos uma identidade socialmente
reconhecida.
Nem todas as áreas da vida estão reguladas ao pormenor. Nas sociedades modernas, industrializadas, a
vida privada das pessoas é bastante menos regulada do que a esfera pública, que possui uma regulação
extensiva em áreas como a educação, a economia e a política. No entanto, existem aspetos da vida social
que, pela sua importância, possuem vários mecanismos de regulação que estabelecem as formas aceites
de comportamento.
A regulação dos comportamentos pode resultar basicamente de uma intervenção externa ou do próprio
indivíduo. Quando uma entidade externa dita ao indivíduo a forma como ele deve decidir ou agir, estamos
perante uma hetero-regulação, ou seja, o controlo dos comportamentos do indivíduo é imposto do
exterior. A regulação dos comportamentos passa, neste caso, pelo respeito das regras ditadas pela
autoridade e pela possibilidade de uma sanção em caso de incumprimento. Quando a regulação dos
comportamentos emerge sobretudo do indivíduo, que decide por ele mesmo as suas escolhas e as suas
ações, estamos perante uma auto-regulação. A autonomia individual é regulada essencialmente por nor-
mas vindas do interior do próprio homem e que o expõem ao julgamento de terceiros. Nesta circunstância,
o indivíduo encontra a fonte da regulação dos seus comportamentos num sentido construtivo e partilhado
pelos membros do grupo ao qual ele pertence.
Este conjunto de modos de regulação dos comportamentos constitui uma espécie de "infraestrutura"
reguladora da sociedade. E uma vez que cada um desses modos possui uma finalidade, dinâmica e modos
de concretização distintos, é bem patente que os diversos modos precisam muitas vezes de ser utilizados
de forma complementar. É nessa complementaridade que reside o segredo da eficácia da regulação: os
comportamentos problemáticos só são reduzidos de forma satisfatória se as instâncias sociais souberem
tirar partido de cada uma destas formas de regulação. Por isso, na sociedade atual, fortemente
tecnológica, global e complexa, é dada tanta importância à infraestrutura reguladora dos com-
portamentos.
2.1. Ética
A ética tem sido tradicionalmente analisada por filósofos desde o tempo dos gregos clássicos. A palavra
ética vem do grego ethos, que significa hábito ou costume, aludindo, assim, aos comportamentos
humanos. É o domínio da filosofia responsável pela investigação dos princípios que orientam o
comportamento humano. Ou seja, que tem por objecto o juízo de apreciação que distingue o bem e o mal,
o comportamento correto e o incorreto.
A ética é um modo de regulação dos comportamentos que provém do indivíduo e que assenta no
estabelecimento, por si próprio, de valores (que partilha com outros) para dar sentido às suas decisões e
ações. Faz um maior apelo à autonomia, ao juízo pessoal do indivíduo e também à sua responsabilidade do
que os outros modos de regulação, pelo que se situa numa perspetiva de autoregulação. A autonomia do
indivíduo é, desta forma, algo de paradoxal, na medida em que a liberdade de que dispõe é
simultaneamente um encargo: impõe ao indivíduo que se abra às necessidades dos outros e que procure
encontrar um equilíbrio entre a sua própria liberdade e a responsabilidade relativamente aos outros. A
ética ajuda o indivíduo neste caminho.
Os princípios éticos são diretrizes pelas quais o homem, enquanto ser racional e livre, rege o seu compor-
tamento. O que significa que a ética apresenta, em simultâneo, uma dimensão teórica (estuda o "bem" e o
"mal") e uma dimensão prática (diz respeito ao que se deve fazer).
Ajuda o indivíduo a explicar as razões das suas ações e a assumir as respetivas consequências.
A ética é, assim, uma filosofia prática que procura regulamentar a conduta tendo em vista o
desenvolvimento humano. Porque procura aperfeiçoar o homem através da ação e por isso procura que os
atos humanos se orientem pela retidão, isto é, a concordância entre as ações e a verdade ou o bem. Nesta
medida, a ética é uma racionalização do comportamento humano, ou seja, um conjunto de princípios
obtidos através da razão e que apontam o caminho certo para a conduta. Por isso se diz, como Aristóteles,
que o homem é um animal racional. Uma vez que não existem regras de comportamento aplicáveis a todas
as situações e a todo o momento, a ética tem a função de fornecer princípios operativos, normas, valores
para a atuação, que o homem vai aplicar, de uma forma evolutiva, utilizando a sua razão, procurando em
permanência as melhores soluções para os problemas que se lhe colocam.
Os valores (ideais coletivos) são o fundamento da decisão e da ação, ou seja, servem de guia para que o
indivíduo possa medir as consequências da sua decisão sobre os outros e sobre a comunidade. Servem
também de base à reflexão sobre os fundamentos das suas decisões e ajudam a tomar a melhor decisão
possível, num determinado contexto. Neste caso, os valores de referência, aqueles que provêm dos
indivíduos e são partilhados por todos, ajudam a tomar decisões justificáveis, uma vez que estas tendem a
ser consideradas aceitáveis, razoáveis ou justas.
Assim, apesar da ética ser eminentemente auto-reguladora, permitindo aos indivíduos gerir os seus
próprios comportamentos, é aplicada num contexto não apenas individual mas social, no seio de um
grupo onde os valores são partilhados. É aplicada através da reflexão e do julgamento individual e a
motivação para a ação é o compromisso pessoal para com os outros em respeitar os valores partilhados e a
responsabilidade, mais do que a ameaça de sanção.
Na infraestrutura reguladora dos comportamentos, a ética ocupa o ponto de partida, uma vez que
favorece a reflexão e a sua perspetiva é preventiva: cultiva a responsabilidade e a autonomia no indivíduo.
Por isso, permite-lhe questionar normas e valores, contestar costumes desadequados, leis ultrapassadas
ou injustas face às mudanças culturais ou normas deontológicas inoperantes. Pode, por outro lado,
suscitar o debate sobre problemas não regulados e concluir pela necessidade de novas leis ou novas
normas deontológicas (face, por exemplo, a novas descobertas científicas).
2.2. Moral
A ética tem a mesma raiz etimológica que a moral, só que esta deriva da palavra latina mores (que também
significa costumes). Todavia, a ética tem um significado mais amplo do que a moral. Moral é um conjunto
de regras, valores e proibições vindos do exterior ao homem, ou seja, impostos pela política, a religião, a
filosofia, a ideologia, os costumes sociais, que impõem ao homem que faça o bem, o justo nas suas esferas
de atividade. Enquanto a ética implica sempre uma reflexão teórica sobre qualquer moral, uma revisão
racional e crítica sobre a validade da conduta humana (a ética faz com que os valores provenham da
própria deliberação do homem), a moral é a aceitação de regras dadas. A ética é uma análise crítica dessas
regras. É uma "filosofia da moral". No entanto, é preciso estar atento, uma vez que os termos são
frequentemente utilizados como sinónimos, sobretudo entre os autores anglo-saxónicos.
A moral tem uma dimensão imperativa, porque obriga a cumprir um dever fundado num valor moral
imposto por uma autoridade. Por isso, aplica-se através da disciplina e a motivação para a ação é, neste
caso, a convicção (interiorização do bem e do mal e da legitimidade da entidade que os enuncia) e a
sanção.
2.3. Costumes
Os costumes são formas de pensar e de viver partilhadas por um grupo. Assentam em regras informais e
não escritas que regem as práticas do grupo e que traduzem as suas expetativas de comportamento.
Referem-se a valores partilhados, a usos comuns a um grupo ou uma época e que resultam da experiência
e da história. Muitas vezes atualizam os valores sociais.
2.4. Direito
O direito, à semelhança da ética, tem caráter obrigatório e normativo, é regulador das relações humanas.
O direito é o modo de regulação dos comportamentos mais operativo nas sociedades democráticas, pois
impõe obrigações e estabelece mecanismos procedimentais para garantir a sua aplicação. Através das leis,
garante-se a organização e o funcionamento da sociedade e estabelecem-se relações claras de autoridade
e de poder. Uma vez que as regras são estabelecidas pelo Estado, estamos perante uma forma de hetero-
regulação. O objetivo da regulação dos comportamentos pelo direito é favorecer a coexistência entre os
indivíduos, protegendo minimamente os direitos de cada um, procurando evitar e gerir conflitos e
sancionar os indivíduos que violem a lei.
Mas a ética e o direito são categorias de normas diferentes, apesar de por vezes se sobreporem e outras
vezes colidirem. Efetivamente, apesar de a maioria das normas jurídicas ser considerada, em si mesma,
eticamente neutra, há casos de comportamentos em que sucede o seguinte:
A questão coloca-se, por exemplo, quando as inovações tecnológicas andam mais depressa do que as nor-
mas e, num dado momento, não existem normas jurídicas que definam as condutas numa situação
inovadora, causada pelos avanços científicos. Por exemplo, a emissão de uma dada substância para a
atmosfera pode não ser proibida por lei, mas o engenheiro pode descobrir, entretanto, que a referida
substância causa problemas respiratórios. Esta situação coloca, claramente, questões de ordem ética ao
engenheiro que lide com ela.
Uma das principais diferenças entre ética e direito reside no tipo de regulação: na ética as obrigações, os
deveres são internos, pertencem à esfera privada do indivíduo, enquanto que no direito os deveres
impostos pela legislação são externos, pois estão dirigidos aos outros. E desta diferença resultam outras
diferenças fundamentais. Devido ao seu âmbito externo, o direito conta com uma proteção institucional e
estruturas de poder coercivas que sancionam a transgressão à lei. Pelo contrário, dado o seu âmbito
interno, a observância da ética depende apenas da interiorização que cada sujeito faça dos seus princípios:
a ética é o âmbito da consciência e a única sanção é, eventualmente, o remorso. Por isso, a ética vive à
margem do aparelho coercivo dos Estados. Mas esta debilidade é apenas aparente, pois está demonstrado
que os seres humanos atuam mais por convicção do que por obrigação externa. E por isso mesmo, para ser
2.5. Deontologia
Finalmente, temos a deontologia, que deriva do grego deon ou deontos/logos e significa o estudo dos
deveres. Emerge da necessidade de um grupo profissional de autoregular, mas a sua aplicação traduz-se
em hetero-regulação, uma vez que os membros do grupo devem cumprir as regras estabelecidas num
código e fiscalizadas por uma instância superior (ordem profissional, associação, etc.).
O objetivo da deontologia é reger os comportamentos dos membros de uma profissão para alcançar a
excelência no trabalho, tendo em vista o reconhecimento pelos pares, garantir a confiança do público e
proteger a reputação da profissão. Trata-se, em concreto, do estudo do conjunto dos deveres profissionais
estabelecidos num código específico que, muitas vezes, propõe sanções para os infratores. Melhor
dizendo, é um conjunto de deveres, princípios e normas reguladoras dos comportamentos exigíveis aos
profissionais, ainda que nem sempre estejam codificados numa regulamentação jurídica. Isto porque
alguns conjuntos de normas não têm uma função normativa (presente nos códigos deontológicos), mas
apenas reguladora (como, por exemplo, as declarações de princípios e os enunciados de valores).
Neste sentido, a deontologia é uma disciplina da ética especialmente adaptada ao exercício de uma
profissão. Em regra, os códigos de deontologia têm por base grandes declarações universais e esforçam-se
por traduzir o sentimento ético expresso nestas, adaptando-o às particularidades de cada profissão e de
cada país. As regras deontológicas são adoptadas por organizações profissionais, que assume a função de
"legisladora" das normas e garante da sua aplicação. Os códigos de ética são dificilmente separáveis da
deontologia profissional, pelo que é frequente os termos ética e deontologia serem utilizados como
sinónimos, tendo apenas origem etimológica distinta. Muitas vezes utiliza-se mesmo a expressão anglo-
saxónica professional ethics para designar a deontologia.
Mas a ética não se reduz à deontologia. Alguns autores alertam para a necessidade de ir além do mero cum-
primento das normas deontológicas. Seguir os princípios éticos vertidos nos códigos deontológicos
porque o seu incumprimento tem consequências sociais (nomeadamente disciplinares) não é atuar de
forma ética. Porque as ações são apenas conformes à norma e não conformes ao valor. Se o valor não é
assumido pelo agente, este não age racionalmente, de forma livre e responsável, de acordo com aquilo
que, interiormente, sabe que deve fazer. E a verdade é que para ser bom profissional, o homem deve
desenvolver todas as virtudes humanas, exercitadas através da profissão. Além do mais, a ética não se
reduz a um conjunto de proibições: o comportamento ético gera satisfação, uma vez que se opta, livre e
racionalmente, por praticar o bem. O comportamento ético nasce do interior do homem, das suas
convicções, quer estas sejam, como refere José Manuel Moreira1, de natureza transcendente, quer de
natureza humanista. E não deve ser adoptado apenas como "remédio" em caso de conflito: deve ser vivido
todos os dias, como parte de um projeto de vida pessoal.
Todavia, a sanção pela violação de normas deontológicas é fundamental. Faz parte de um processo de
"despertar para a ética" que deve ser assumido pelas organizações, sobretudo a partir do momento em
que os diversos grupos sociais começaram a exercer pressão no sentido de se construir uma sociedade
mais solidária, respeitadora dos direitos humanos e amiga do ambiente.
____________________
1
José Manuel Moreira, As contas com a ética empresarial, 1999.
A ética determina a ação mais razoável para uma dada situação à luz dos valores partilhados, isto é, reflete
não só sobre o meio a utilizar mas também sobre o próprio fim a alcançar, aplicando um valor prioritário; é
uma forma de auto-regulação: o bom comportamento decorre da tomada de uma decisão tendo como
base um valor prioritário. A decisão não é fundada sobre o dever, como na deontologia, mas sobre os
valores. O raciocínio ético é um modo de raciocínio globalizante, que não substitui os outros modos de
raciocínio (fundados no dever ou no cumprimento de objetivos) mas que os integra, uma vez que ajuda a
identificar o valor que legitima a decisão. Nesse processo, pode até mesmo pôr em causa (naturalmente,
na sede própria) normas da moral, do direito e da deontologia.
Estas escolhas (entre o bem e o mal, entre o certo e o errado) podem ser baseadas em várias doutrinas,
desenvolvidas ao longo da história por diversos filósofos, mas atualmente são estudadas também por
sociólogos, psicólogos e outros estudiosos do comportamento humano. Tais doutrinas estabelecem
conjuntos de princípios morais interligados de forma consistente. Os pressupostos e opções das várias
doutrinas éticas devem merecer uma análise crítica, para que cada indivíduo possa identificar a que mais
se adequa à sua concepção de humanidade. Crenças aparentemente generalizadas como a preferência
pelo critério da utilidade ou a suposta subjetividade das normas morais têm de ser clarificadas.
Para muitos, a ética é essencialmente subjetiva, tem a ver com valores e opiniões pessoais, o que explica
porquê as pessoas discordam sobre tantas questões éticas. Esta discussão entre objetivismo e
subjetivismo remonta aos Sofistas e a Sócrates e Platão. Enquanto que os sofistas consideravam que o bem
e o mal refletem as opiniões subjetivas, Platão e Sócrates acreditavam que o bem e o mal faziam parte da
natureza objetiva das coisas. No mundo de hoje, o individualismo e a concorrência feroz parece ter feito
triunfar o utilitarismo: os fins justificam os meios. Não só no mundo dos negócios mas também ao nível
político, com decisões tomadas a partir do ideal aritmético da justiça social que lhe está subjacente. Esta
abordagem foi adoptada em detrimento de uma abordagem objetiva das normas morais, reforçando o
relativismo moral, as "éticas de ocasião", "éticas corporativas", valores de conveniência. Mas será que a
ética é mesmo só um assunto de consciência individual? Reduzir-se-á apenas a um conjunto de normas de
resolução de conflitos de interesse, que pesam os resultados que proporcionam a maior satisfação a um
maior número de pessoas?
Para outros autores, não é assim. Afirmam que a ética tem de residir num fundamento objetivo, válido
para todos. Sob pena de não ser operativa e de não contribuir para reforçar a coesão social, na medida em
que é incapaz de enquadrar o homem na sociedade. Com efeito, existem muitos objetivistas ainda hoje,
pelo menos implicitamente. Se pensarmos nos ativistas de direitos humanos e ambientais, verificamos
que estes consideram que os direitos humanos e os valores ambientais geram obrigações universais. O que
significa que o objetivismo e o subjetivismo ainda são opções filosóficas possíveis.
1.1.1. Os clássicos
A ética como ciência nasceu com o advento das cidades gregas, no "Século de Péricles" (século V a.C.), pri-
meiro com os sofistas, depois com Platão e Aristóteles, autor das três obras básicas da ética no Ocidente:
Ética a Nicómaco, A grande moral e a Ética a Eudemio.
Comecemos pelo "idealismo platónico". Para Platão (427-347 a.C.), agir eticamente é agir com retidão de
consciência. A inteligência, quando bem utilizada, conduz ao Bem, ao Belo, ao Justo. Ao comportar-se de
forma ética, o homem aproxima-se do verdadeiro mundo, o mundo das Ideias, do qual o mundo em que
vivemos é uma mera cópia. O verdadeiro sábio procura atuar em busca do ideal e corrigir-se quando se
engana. Através da sua inteligência e virtude, o homem regressa ao mundo das ideias.
De destacar igualmente a escola estóica (que sobrevive até hoje), fundada por Zenão de Cício (por volta de
300 a.C.) e que dominou parte significativa da cultura greco-romana. Afirma o primado do problema moral
sobre os problemas teóricos. Os estóicos defendiam que a ética decorre de uma lei natural universal. Para
os estóicos, a vida feliz é a vida virtuosa, conforme com a Natureza, conforme a razão. Defende que o
fundamental é viver com retidão, lutando contra as paixões. Aspetos fundamentais da doutrina estóica
são também a compreensão, o cosmopolitismo (o homem como cidadão do mundo) e a igualdade de
todos os homens.
Inimiga da escola estóica, o epicurismo (fundado por Epicuro de Samos, 341 -270) perdura ainda hoje, sob
a designação de hedonismo ou utilitarismo. Basicamente, defende que o homem deve fazer o que gosta
mais, o que lhe dá prazer, do corpo e da alma. Esta busca do prazer deve ser regida pela prudência: o
homem deve diminuir os desejos, para ser auto-suficiente, despreocupado e tranquilo: "não ter dor no
corpo nem perturbação na alma". Todavia, as interpretações simplistas desta doutrina levaram quase
sempre à conclusão de que, em termos éticos, é lícito tudo o que produz prazer, desde que se faça com
domínio de si mesmo, sem perturbação. Por outro lado, contrariamente ao estoicismo, o epicurismo
defende uma vida associal, sem participação do filósofo na vida da cidade.
As doutrinas clássicas foram fonte de inspiração para muitos filósofos modernos e contemporâneos.
_______________________________
2
Seguimos, de perto, José Manuel Moreira, As contas com a ética empresarial, 1999 (pp. 31-49), Gordon Graham, Eight theories of ethics, 2004 e Félix Ruiz
Alonso, Revisitando os fundamentos da ética, 2002.
Os conceitos comuns a estes autores são o "estado de natureza" e o "contrato social", embora os utilizem
em sentidos muito diferentes. Mas a premissa básica é, a partir do "estado de natureza", descobrir
argumentos racionais para um "contrato social" que rege as relações entre indivíduos em sociedade. Os
filósofos diferem na forma do consentimento dado ao contrato mas concordam que, uma vez celebrado, o
contrato social constitui a base da lei e da ética e da nossa obrigação social de reconhecer e respeitar as
necessidades dos outros indivíduos. Na realidade, são teorias mais políticas do que éticas.
A abordagem do bem comum defende uma ética em que o bem individual está ligado ao bem comum, da
comunidade. Por isso, os membros da comunidade estão ligados por objetivos e valores comuns. A noção
de bem comum remonta a Platão, Aristóteles e Cícero e foi, mais recentemente, definido por John Rawls
como as condições que existem em benefício de todos.
Na sua obra Uma teoria da justiça, John Rawls formula um conjunto de princípios que ocupam um lugar de
destaque na ética económica e social contemporânea. A preocupação central é assegurar a cada cidadão,
na medida do possível, aquilo que lhe é necessário para que possa realizar a sua concepção de uma vida
boa. Os meios necessários para essa realização são designados por Rawls "bens primários", de dois tipos:
naturais (saúde, aptidões, etc.) e sociais. Estes últimos integram as liberdades fundamentais (direito de
voto e de elegibilidade, liberdade de expressão e de pensamento, direito de propriedade, proteção contra
a prisão arbitrária), as oportunidades de acesso às posições sociais e as vantagens socioeconómicas
ligadas a essas posições (rendimento e riqueza, poderes, bases sociais do respeito por si, lazer). Uma
sociedade justa, que respeite as concepções de uma vida boa e ofereça a possibilidade de a realizar, é uma
sociedade em que as instituições repartem os bens primários sociais de maneira equitativa entre os seus
membros, tendo em conta, nomeadamente, o facto de estes diferirem uns dos outros em termos de bens
primários naturais. Nesta abordagem, procura-se que as políticas sociais, os sistemas sociais, as
instituições e o ambiente sejam benéficos para todos. Exemplo de bens comuns a todos são o sistema de
saúde, segurança pública, paz, um sistema legal justo e um ambiente saudável. Esta perspetiva procura
que cada um de nós se reveja como membro de uma mesma comunidade e reflita no tipo de sociedade
que pretende ter e como pode alcançá-la.
Stuart Mill defende que os prazeres inteletuais e morais são superiores aos prazeres sensoriais. Por isso,
considera que o homem deve aspirar aos prazeres do espírito, os prazeres superiores. Por outro lado, o seu
utilitarismo não é individualista: exalta a ideia de comunidade, do social, ao afirmar que a utilidade se
Este princípio "aritmético" obriga o filósofo a uma permanente contabilidade entre grupos de
beneficiários e de prejudicados. Os conteúdos éticos variam com o tempo mas a ética é constituída pelos
sentimentos morais da humanidade, o desejo de estarmos unidos com os nossos semelhantes. O que dá
ênfase aos sentimentos de solidariedade. Ao decidir o que fazer, devemos perguntar qual a ação que irá
promover a maior felicidade para todos os que são afetados pelos nossos atos. E devemos fazer o que é
melhor desse ponto de vista.
O utilitarismo é uma das principais referências da ética económica e social contemporânea. Peter Singer é
um dos filósofos utilitaristas contemporâneos mais conhecidos. Esta doutrina sustenta, ao fim e ao cabo,
que não existe entidade suprema que tenha o poder de decretar o que é bom para a humanidade: só
importa o prazer ou o sofrimento vivido pelo homem. Por isso, este deve procurar a maior felicidade, o
maior bem estar, a maior utilidade para o maior número.
Esta é uma doutrina consequencialista, segundo a qual são as consequências previsíveis das ações que
relevam de um ponto de vista ético e não as intenções, as virtudes ou os deveres com que se conformam. E
é um consequencialismo individualista, pois o bem último que preside à avaliação das consequências
reduz-se ao agregado dos bens individuais (o interesse coletivo é a soma dos interesses individuais,
embora não se trate de egoísmo, pois o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual). E
um consequencialismo de bem estar: o bem dos indivíduos reduz-se ao seu nível de bem estar, que, nas
interpretações mais modernas, pode nem se reduzir ao prazer e à dor, incluindo também a satisfação das
preferências das pessoas.
Uma das linhas de pensamento mais seguidas pelos utilitaristas defende que cada indivíduo pode utilizar
as suas preferências como guia para a ação, embora cada pessoa deva também promover as condições que
permitam aos outros prosseguir as suas próprias preferências. Nesta perspetiva, cada pessoa tem uma
dupla obrigação: maximizar o seu próprio bem estar, que cada um define, mas apenas desde que seja
compatível com a promoção das condições que permitam aos outros maximizar o seu próprio bem estar,
tal como eles o definirem. É necessário que pelos menos duas condições estejam presentes para que um
indivíduo prossiga o seu bem estar: em primeiro lugar, cada indivíduo deve dispor da máxima liberdade
pessoal, para que possa prosseguir o bem estar tal como ele o define; e, em segundo lugar, deve dispor das
condições de existência básicas (físicas, como a saúde, e não físicas, como a educação) para concretizar o
mesmo.
O utilitarismo não é isento de críticas. Por um lado, requer um amplo conhecimento dos fatos, o que nem
sempre é possível, sobretudo em termos de análise das consequências a longo prazo de um dado projeto.
Por outro lado, maximizar a utilidade à custa de alguns indivíduos conduz a injustiças para estes (por
exemplo, extração de um minério importante à custa da saúde dos mineiros). Por outro lado ainda, mesmo
que se consiga calcular a utilidade de uma ação, não se consegue simplesmente somar e subtrair as
diversas consequências positivas e negativas das várias ações alternativas. Outras teorias salvaguardam
melhor a posição dos indivíduos, sobretudo de minorias. Podemos, ainda, questionar se os fins justificam
os meios, se uma ação é sempre justificável se tiver consequências boas, independentemente da intenção
de quem a pratica ou do tipo de ação em causa. Efetivamente, para alguns filósofos, há coisas que não se
deve fazer independentemente dos resultados da ação: não são só as consequências que interessam, mas
também os objetivos, as intenções e as ações que, apesar de aparentemente necessárias, violam o nosso
sentido de justiça (colocando-nos perante dilemas éticos).
Para Kant, os princípios da ética são imperativos categóricos. São imperativos porque a lei moral manda,
não aconselha. São categóricos porque são juízos absolutos e não hipotéticos e são incondicionados.
O imperativo categórico é baseado em três critérios: universalidade (as razões para agir devem ser razões
que todos pudessem partilhar), transitividade (as razões para alguém agir devem ser razões que
justificassem a mesma ação por parte de outra pessoa) e individualidade (deve tratar-se cada ser humano
como uma pessoa cuja existência livre e racional deve ser promovida).
A ética de Kant não dita conteúdos, apenas a forma: "atua de tal modo que possas querer que essa atuação
se converta em lei universal". Por exemplo, não é ético roubar porque o roubo não pode converter-se em
lei universal. Trata-se de atuar por dever, por respeito à lei. Mas não uma lei exterior: a lei é intrínseca, o
imperativo categórico pressupõe uma vontade humana autónoma e livre. Se o homem não se sentisse
livre, não poderia ser obrigado a obedecer.
A ideia fundamental a reter é a concepção da ética como um sistema de regras que devemos seguir
partindo de um sentido do dever, independentemente do nosso desejo. Um juízo ético tem de se apoiar
em boas razões. E as razões têm de ser válidas para todas as pessoas em todos os momentos. Para Kant,
existem alguns direitos e deveres morais que o homem deve obrigatoriamente cumprir,
independentemente dos benefícios que obtenha. Por isso, esta corrente diz-nos que as consequências das
ações não são o principal aspeto a ter em conta na decisão sobre o que se deve fazer. Devemos ter em
conta, em primeiro lugar, a justiça e a equidade.
Existem alguns argumentos contrários a esta tese que defende a existência de leis morais absolutas:
A ética kantiana está de certa forma na origem de uma corrente que também ganhou muitos adeptos, a
ética do respeito pelas pessoas. Esta teoria tem como padrão ético "estão certas as ações que respeitam
de forma igual cada pessoa como agente moral". Agente moral é um indivíduo capaz de formular e
prosseguir objetivos próprios de ser responsável pelas ações que se destinam a alcançar esses objetivos. O
respeito pelo indivíduo está bem patente na máxima (presente nas maiores tradições religiosas) "faz aos
outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti". Esta máxima obriga o sujeito que atua a imaginar-se na
posição daqueles que podem ser afetados pela sua decisão.
Todavia, a ética do respeito pelas pessoas pode conduzir a resultados perversos, na medida em que pode
ser demasiado restritiva ("não denuncio o meu colega, apesar da sua incompetência grosseira, pois não
gostaria que ele me denunciasse a mim") ou permissiva ("penso que está certo deitar produtos químicos
no rio, porque eu continuo a pescar nele"). Para evitar estas circunstâncias, alguns filósofos recorrem à
"doutrina dos direitos". Os direitos permitem a alguém agir ou ser beneficiário das ações de outros.
Servem como proteção, apara evitar que alguém desrespeite a sua posição. Os direitos necessários a esta
ética são direitos de liberdade e as condições físicas e não físicas necessárias para concretizar o bem estar
que cada um define. A ética do respeito pelas pessoas considera que estes direitos básicos não podem ser
sacrificados apenas para proporcionar uma maior utilidade a outro indivíduo ou grupo: estes direitos só
podem ser sacrificados para proteger os direitos de outro indivíduo ou grupo que sejam considerados mais
básicos. Esta é a maior diferença entre o utilitarismo e a ética do respeito pelas pessoas.
Para operacionalizar este raciocinio, é necessário criar uma hierarquia de direitos: direitos básicos (vida,
integridade física e saúde mental), seguidos pelos direitos que permitem manter um nível de
concretização dos objetivos de vida já alcançados (direito a não ser enganado, a não ser roubado, a não ser
difamado ou sofrer quebra de promessas) e só depois os direitos que permitem aumentar o nível de
concretização dos objetivos individuais (direito de propriedade, respeito e não discriminação).
Mas esta teoria também apresenta dificuldades. Por um lado, pode não ser clara a prioridade dos direitos
envolvidos: é o caso de lesões meramente potenciais por exemplo, lançar um determinado químico na
atmosfera pode causar problemas respiratórios ligeiros nas pessoas vizinhas mas instalar o equipamento
de controlo da poluição é tão caro que conduzirá ao despedimento de várias pessoas; em situações como
esta, a hierarquia de direitos não resolve o dilema, pois embora o direito ao bem estar económico possa
ser considerado um direito de segunda ordem de importância face ao direito à saúde, o despedimento é
mais certo e afeta mais pessoas. Um outro problema é a implausibilidade de alguns julgamentos morais
que esta teoria pressupõe, na medida em que conflituam demasiado com a utilidade geral. Por exemplo, é
sempre possível melhorar alguns produtos se se gastar mais dinheiro, como os automóveis; contudo, isso
implicaria que os carros fossem muito mais caros; perante este cenário, a maioria das pessoas prefere
carros que consigam comprar embora possam ser menos seguros - decisão que é mais compatível com a
perspetiva utilitarista.
Perante as dificuldades por todas as teorias, os filósofos têm vindo a defender que, na realidade, não é pos-
sível adoptar apenas uma das teorias, uma vez que não é possível incorporar todos os comportamentos
éticos defensáveis na nossa cultura apenas numa teoria ética. O utilitarismo diz-nos para maximizar a
satisfação global, apesar de isso poder significar injustiças para alguns indivíduos; a ética do respeito pelas
pessoas pede-nos para respeitar os direitos dos indivíduos, apesar de isso poder promover a menor
satisfação global das necessidades. Perante este cenário, uma conclusão que parece ser legítimo tirar é
que é preferível analisar os dilemas éticos do ponto de vista de ambas as teorias. Se as duas teorias
convergirem nas conclusões, a ação preconizada é, por certo, a mais adequada. Se não convergirem, há
que decidir qual a que deve ter prioridade. Nesta circunstância, a opinião que tende a ser dominante entre
os filósofos é que a ética do respeito pelas pessoas deve prevalecer sobre a ética utilitarista, salvo quando a
violação dos direitos tenha pouco significado.
Para além destes problemas de escolha entre as duas teorias éticas principais, podem surgir problemas a
que as próprias teorias têm dificuldade em dar resposta: problemas de aplicabilidade de um dado
princípio ético e problemas de conflitos entre princípios éticos.
Com efeito, no final de contas, o que importa é aplicar os princípios éticos aos casos concretos. Ter uma
conduta ética não se aprende na formação. Pratica-se no dia-a-dia, para que ganhe raízes e se desenvolva.
Por isso, não nos vamos alongar mais na discussão dos fundamentos da ética, e vamos já passar para a sua
aplicabilidade prática. Porque aos engenheiros interessa sobretudo encontrar as melhores soluções para o
conjunto dos problemas envolvidos no exercício da sua atividade profissional. Vamos, por isso, falar de
ética aplicada.
Ao nível social, a ética pode subdividir-se em vários ramos, como por exemplo, ética económica ou ética
profissional. Isto porque todas as profissões têm uma ética, pois implicam sempre o relacionamentos com
as pessoas. Umas de maneira direta, como os professores, os educadores, os médicos, os advogados, etc ..
Outras de forma indireta, nas atividades que têm a ver com objetos materiais, como a construção de
pontes e edifícios, a elaboração de programas informáticos, etc ..
Para compreender melhor as questões subjacentes à ética profissional, vale a pena precisar o conceito de
profissão.
A palavra profissão deriva do latim e significa pessoa que se dedica a cultivar uma arte. Uma profissão é a
prática de uma ocupação que influencia diretamente o bem estar humano e requer o domínio de um corpo
complexo de conhecimentos e capacidades especializadas, acarretando igualmente prestígio ligado à
posição social.
Por outro lado, a profissão implica uma ideia de grupo: é partilhada por vários indivíduos, voluntariamente
organizados, que partilham uma ocupação, trabalhando de forma eticamente admissível. Por esse motivo
os ladrões não formam um grupo profissional. Nesta óptica, os indivíduos identificam-se como membros
de um dado grupo profissional porque partilham ideais éticos: os médicos existem para curar pessoas, os
advogados para ajudar as pessoas a obter justiça, os engenheiros para colocar a sua especialidade técnica
ao serviço do progresso económico e social.
Desta forma, a ética profissional - os padrões de conduta a aplicar no exercício da profissão, uns comuns a
várias profissões, outros específicos da profissão em causa - ajuda os indivíduos a pertencerem a um
determinado grupo e distingue esse mesmo grupo dos demais grupos profissionais. Ajuda a tomar
decisões profissionais que sejam acertadas do ponto de vista ético. E a boa reputação que o grupo
profissional consiga alcançar com a sua conduta ética ajudará os seus membros a poder exercer as suas
funções na sua área de expertise.
A ética profissional subdivide-se em vários ramos: ética médica, ética dos advogados e, naturalmente
entre muitas outras, ética na engenharia.
• Engenharia civil;
• Engenharia eletrónica e telecomunicações;
____________________
3
Em muitos ramos existentes, o trabalho pelos engenheiros exige conhecimentos básicos de outros ramos, uma vez que,
muitos problemas estão interrelacionados. E, assim, os dilemas éticos que se colocam são predominantemente transversais.
Em termos simples, os engenheiros criam bens, materiais e imateriais, que aplicam e através dos quais
transformam o mundo real. A visão teórico-prática do engenheiro rompe com a visão tradicional do
homem como mero "animal racional": o homem passa a ser também um "animal técnico", que constrói o
mundo em que vive e cria, em simultâneo, novos perigos que o ameaçam.
A ética na engenharia (engineering ethics) nasceu nos Estados-Unidos da América (EUA) para defender a
missão moral da profissão, fruto do desejo de reforçar a profissão de engenheiro face aos críticos do
desenvolvimento tecnológico. Já em França, por exemplo, o mesmo movimento nasceu em reação ao
desenvolvimento anárquico da formação e como garantia de um controlo da profissão que garantisse a
efetiva segurança do público.
O engenheiro move-se num universo complexo, constituído por todo o tipo de agentes: colegas de profis-
são, colegas de outras profissões, gestores, clientes e consumidores, entidades públicas e, inclusivamente,
o próprio ambiente social e natural. As relações do engenheiro com este universo são regidas por vários
tipos de normas de comportamento, que já examinámos no Capítulo I deste Manual. Qual, então, a
importância específica da ética nesta profissão? A comunicação social bombardeia-nos constantemente
com notícias sobre comportamentos pouco éticos na engenharia, desde a violação de práticas de
concorrência até à realização de construções inseguras. Estas práticas chegam por vezes, a provocar
desastres mediáticos, como a explosão do vaivém espacial Challenger, nos EUA, ou a tragédia de Bophal,
na India. São situações criadas pela aplicação de tecnologias modernas, como a engenharia nuclear, a
engenharia genética ou as tecnologias da informação, que nos colocam perante problemas inéditos. Mas
para além destas novas realidades, os progressos das técnicas já conhecidas e a sua utilização massiva,
tornam os impatos potencialmente negativos mais importantes hoje que no passado. A isto acresce ainda
uma mudança de atitude das pessoas face ao risco e, designadamente, aos riscos ligados aos progressos
tecnológicos. Existe hoje a consciência de "novos riscos", cujas caraterísticas comuns são o número
elevado de vítimas potenciais, os efeitos prolongados no tempo e uma relativa invisibilidade da ligação
entre a causa e o efeito4. Pensemos em verdadeiras preocupações coletivas como os organismos geneti-
camente modificados, as "vacas loucas", os resíduos nucleares ou o acesso não autorizado a
computadores que põe em causa a segurança dos Estados. Para esta consciência contribui os debates
públicos constantes, onde peritos e leigos, mostram frequentemente o seu desacordo quando à
aceitabilidade do risco.
___________________
4
Christelle Didier, Les ingénieurs et l’éthique: en débat qui s’ouvre à peine, 2002.
A discussão sobre o papel da ética na vida profissional é uma discussão natural, porque são evidentes as
suas ligações às pessoas e ao ambiente. Os projetos de engenharia - quaisquer que sejam - não têm
significado foram dos seus contextos sociais, económicos e ambientais. Por exemplo, as pontes servem
para permitir deslocações de pessoas e veículos por razões económicas e sociais. Desta forma, a ética da
engenharia é uma parte essencial da engenharia: porque nenhum aspeto da profissão existe isolado do
contato com a economia, as pessoas e o ambiente e, por esse motivo, o engenheiro deve estar apto a
considerar as consequências, esperadas e inesperadas, das suas ações. Podemos afirmar, por isso, que a
consciência ética é atualmente tão importante na profissão como o domínio das disciplinas técnicas e
científicas tradicionais.
Desde os tempos iniciais da engenharia como disciplina profissional, no início do século XIX, até à última
parte do século XX, considerou-se que a responsabilidade principal do engenheiro era para quem lhe
proporcionava emprego e que a ética da engenharia se esgotava numa certa "etiqueta" profissional. Este
pressuposto começou a ser posto em causa ainda na primeira metade do século XX, nos EUA, através do
chamado "movimento tecnocrático". Afirmava-se então que, os cientistas enquanto tal perseguem a
verdade, os advogados perseguem a justiça, os médicos perseguem a saúde e propunha-se que os
engenheiros enquanto engenheiros perseguiam a eficácia. Ora, o reconhecimento de que a eficácia está
dependente do contexto, fez com que, após a Segunda Guerra Mundial, os engenheiros desenvolvessem
progressivamente um ideal de responsabilidade social.
A ética da engenharia como responsabilidade social esteve sujeita a diversas interpretações na literatura
que, entretanto, surgiu sobre o tema, nomeadamente nos anos 80 e 90 do século passado, umas mais
restritivas (que restringem a ética na engenharia à responsabilidade do engenheiro), outras mais amplas,
que defendem que a ética na engenharia diz efetivamente respeito aos problemas que o engenheiro
enfrenta mas também interessa aos decisores em geral e a todos os que são afetados pelas decisões
técnicas.
Exemplo deste último caso é o conhecido trabalho do filósofo Mike Martin e do engenheiro Roland
Schinzinger, Ethics in Engineering, que define a ética da engenharia como o estudo dos problemas e
decisões morais que enfrentam os indivíduos e as organizações ligados à engenharia. Estes autores
entendem a engenharia como uma forma de experimentação social, donde a importância das
preocupações com a segurança. Mas atendem também às questões relacionadas com a relação entre os
engenheiros e os seus empregadores: autonomia profissional, lealdade, conflitos de interesses,
confidencial idade, ética ambiental e o "whistle blowing". E consideram que a autocompreensão
profissional também depende de uma teoria ética geral sobre o lugar da tecnologia na sociedade.
Para este conceito amplo e complexo da ética na engenharia não podemos partir de preconceitos, como o
princípio que nos diz que "a técnica é neutra, não é boa nem má, e tudo depende do uso que se lhe dê". Se
assim fosse, também pouco importaria o profissional que a desenvolve, disponibiliza e faz evoluir. Nesse
caso, muito dificilmente um engenheiro se poderia sentir responsável pelas consequências sociais e
globais a médio e longo prazo do exercício da sua profissão. No limite, esta pretensa autonomia da técnica
e a sua pressuposta neutralidade de valores levaria ao raciocínio extremo de considerar que apenas é
importante realizar bem o trabalho, não importa em que circunstâncias e quaisquer que sejam as suas
consequências. Foi este tipo de raciocínio que conduziu à criação da bomba atómica.
Mesmo no mundo empresarial a ética tem vindo a ganhar importância. Considera-se hoje que a excelência
empresarial depende também da conduta ética da empresa: os valores éticos, o respeito pelas pessoas, o
espírito de serviço são elementos determinantes para as empresas com bons resultados. E não é por estar
na moda. Esta teoria baseia-se numa visão sistémica das relações da empresa com o mundo que a rodeia
(todas as partes interessadas ou stakeholders). O que significa, então, para uma empresa assumir as suas
responsabilidades sociais? Significa que, ao mesmo tempo que protege os seus próprios interesses,
reconhece as necessidades dos intervenientes da sociedade e avalia as consequências das suas ações
sobre a sociedade, com o objetivo de melhorar o bem-estar da população. Neste contexto, assume
particular importância a ideia de respeito pelo ambiente: na sua atividade e na utilização das tecnologias
que desenvolve, a empresa deve procurar que os seus produtos e processos tenham um mínimo de
impacte sobre o ambiente.
Por todos estes motivos, no exercício da sua profissão, os engenheiros são cada vez mais chamados a
tomar decisões para as quais precisam de uma orientação que os ajude a navegar entre as dúvidas e a
complexidade dos problemas éticos que podem surgir em qualquer projeto. Esses problemas podem ser
de diversa ordem. Todos sabemos, por exemplo, que copiar e plagiar são condutas censuráveis. Tal como
falsificar os resultados de uma investigação. Mas existem muitas mais situações, no âmbito do exercício da
profissão, que não são "preto no branco". Trata-se, muitas vezes, de um cinzento difícil de definir. São os
dilemas éticos, isto é, situações difíceis de qualificar, eticamente e por vezes também juridicamente.
Algumas áreas são mais susceptíveis de causar problemas éticos: é o caso das questões relacionadas com a
Em face dos riscos, os engenheiros devem estar preparados para tomar decisões informadas. Uma decisão
de um engenheiro pode afetar inúmeras vidas. Por isso, é importante lembrar que a primeira obrigação do
engenheiro é para com a segurança das pessoas. O que se torna difícil quando os engenheiros não são
profissionais autónomos, trabalham em ambientes nos quais são determinantes no processo de decisão
fatores como os orçamentos e os prazos de resposta apertados. O engenheiro deve definir, avaliar e gerir o
risco à luz de obrigações para com o público, o empregador e a sua profissão. Nestas circunstâncias, o
engenheiro deve ser, em primeiro lugar, um profissional da engenharia. Deve atender, em primeiro lugar,
às exigências éticas e às obrigações para com a segurança pública. O que lhe pode causar sérias
dificuldades.
Por outro lado, a situação de trabalhador por conta de outra pessoa ou entidade, na qual se encontrarão a
maioria dos engenheiros, é a mais propícia ao surgimento do conflito entre a lealdade para com o
empregador e a obrigação de serviço e/ou de proteção do público. Para o incumprimento deste último
dever também não serve o argumento segundo o qual o engenheiro é apenas um elo numa cadeia de
decisões e de ações, cujos impatos estão distanciados no espaço e no tempo das ações concretas que
praticou. A aceitação deste alibi significaria, pura e simplesmente, renunciar a toda e qualquer reflexão
moral5.
Para responder a esta realidade, as associações profissionais elaboraram códigos que representam o
consenso existente num determinado momento relativamente aos valores profissionais a observar,
traduzidos em normas de conduta a que os respetivos membros devem obedecer.
Por outro lado, levam os profissionais a desenvolver uma cultura comum de responsabilidade em relação à
sociedade e servem como fonte da avaliação pública de uma profissão, uma vez que permitem que a
sociedade saiba o que esperar dos profissionais.
____________________
5
Christelle Didier, Arguments et contre-arguments sur la pertinence de l’engineering ethics, 2002.
Os códigos de ética das associações profissionais são criados num determinado contexto social e económi-
co, pelo que podem mudar ao longo do tempo. Em meados do século xx, começou a pensar-se na
responsabilidade dos engenheiros para com a segurança do público. Nos anos 70 do século passado, a
discussão sobre a ética profissional centrava-se sobretudo nas regras de conduta e na lealdade. Os
movimentos contra o armamento nuclear, os movimentos ambientais (anos 50-60) e os movimentos de
consumidores (anos 60-70), a discussão sobre os problemas da tecnologia e o interesse pelos valores
democráticos contribuíram para introduzir no debate novas preocupações. Atualmente, os códigos dão
ênfase sobretudo ao bem estar público.
Com efeito, enquanto que os códigos de ética das décadas passadas tinham uma lógica meramente "inter-
na" (da profissão), dando ênfase a questões como a concorrência desleal, publicidade, obrigações para
com os clientes e os empregadores, etc., os atuais começam a dar ênfase a outro tipo de condutas. Porque,
apesar destes serem ainda assuntos importantes para os profissionais da engenharia, são menos
importantes do que as obrigações para com o público, decorrentes do contrato social implícito. Por estes
motivos, os códigos de ética, em geral, estabelecem não só deveres do engenheiro no exercício da
profissão e para com os colegas, mas também deveres para com os empregadores, os clientes e para com a
comunidade. Porque, como vimos, a engenharia é hoje mais complexa do que nunca e os seus efeitos
sociais não podem ser ignorados.
Michael Davis6, um conhecido filósofo da ética na engenharia, defende a importância de obedecer ao códi-
go deontológico. E de uma forma extensiva afirma que os engenheiros devem não só cumprir diretamente
o seu código deontológico através da sua prática profissional, mas também indiretamente, isto é,
encorajando os outros a fazer o mesmo e criticando aqueles que não o cumprem. E aponta quatro razões
principais para o engenheiro apoiar o seu código deontológico:
1) apoiar o código ajuda a proteger os próprios engenheiros e as pessoas que lhes são
próximas daquilo que outros engenheiros possam fazer;
2) apoiar o código ajuda a garantir a cada engenheiro um ambiente de trabalho em que a
observância do código seja mais fácil;
3) apoiar o código ajuda a evitar que na sua profissão surjam questões éticas que façam os
engenheiros sentir-se envergonhados ou culpados;
4) apoiar o código significa também cumprir a sua parte enquanto engenheiro; se cada
engenheiro cumprir a sua parte, gera benefícios para toda a classe.
A leitura comparada de alguns dos mais importantes códigos deontológicos na área da engenharia (uns
mais genéricos, outros mais extensos), pela referência que constituem, permite-nos identificar alguns
valores profissionais básicos e comuns a todas as especialidades.
____________________
6
Michael Davis, Thinking like na engineer: the place of a code of ethics in the pratice of a profession, 1991.
Analisando os preceitos citados, verificamos que os engenheiros obedecem a imperativos morais gerais
(como o bem estar humano, a honestidade e a confidencialidade) e a imperativos profissionais específicos
(como a busca da excelência, a competência, etc.). Os princípios fundamentais da sua conduta são a
verdade, a honestidade e a confiança no seu serviço à sociedade, um desempenho ético que demonstre
justiça, cortesia e boa fé para com os clientes, colegas e outras pessoas, a consideração dada aos aspetos
sociais, culturais, económicos, ambientais e de segurança e a utilização eficiente dos recursos mundiais
para satisfazer as necessidades humanas a longo prazo.
Os valores expressos nos códigos são os valores que recebemos como herança da cultura judaico-cristã
mas também os valores da humanidade. Valores como a reciprocidade, a responsabilidade, a integridade,
o respeito pela vida, honestidade, tolerância e respeito pelas pessoas e espírito de serviço à humanidade
estão, sem dúvida, entre os valores comummente aceites. A responsabilidade para com as gerações
futuras é uma ideia relativamente recente - ligada à noção da Terra como uma "nave espacial" à deriva,
com recursos finitos.
Mas esta abordagem "deontologista" não parece ser suficiente. Por um lado, porque os conflitos éticos
não acabam automaticamente pelo facto de existir um conjunto de regras deontológicas. Efetivamente, os
códigos são limitados.
Importa atentar em dois grandes grupos de normas: as respeitantes aos direitos e deveres para com a
Ordem e as respeitantes aos deveres profissionais.
Em matéria de deveres dos membros efetivos, o artigo 52 estipula que constituem deveres dos membros
efetivos para com a Ordem:
Estipula ainda que estão isentos do pagamento de quotas os membros da Ordem cuja inscrição se
encontre suspensa.
Ora, isto significa que houve a preocupação de criar regras aplicáveis ao engenheiro técnico nos seus vários
"papéis": profissional liberal, empregado por conta de outrem, gestor de projetos e pessoas e até mesmo
enquanto dirigente. Vejamos, então, os princípios fundamentais da boa conduta dos engenheiros
técnicos. Alguns dos deveres são relativamente claros; outros carecem de uma análise mais detalhada.
Assim, sempre que necessário, os deveres serão concretizados através de alguns exemplos habitualmente
dados para os ilustrar.
Este é, de certa forma, um dever ligado ao bem da humanidade e ao prestígio da própria profissão.
Significa que o engenheiro técnico, está, por vocação, apto a resolver problemas práticos e complexos,
desenvolvendo, produzindo e melhorando produtos e processos. Deve, por isso, dar o máximo de si no
desempenho das suas funções, aplicando todo o seu saber e criatividade, fazendo progredir a ciência e a
técnica da engenharia. Desta forma, contribuindo para o progresso da profissão que exerce, o engenheiro
técnico contribui para progresso económico e social. Vejamos alguns aspetos em que este dever se
desdobra.
Agir com competência significa, entre outras coisas, ter em consideração os seus conhecimentos antes de
aceitar um trabalho, recusando tarefas que ultrapassem a sua competência e disponibilidade ou cujas
condições de realização prejudiquem a qualidade da prestação. Significa também conhecer a legislação
relevante para o exercício da profissão.
º º
Vejamos o exemplo do livro de obra. De acordo com o previsto no artigo 97. do Decreto-Lei n. 555/99, de
16 de dezembro7, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação, "todos os fatos
relevantes relativos à execução de obras licenciadas ou autorizadas devem ser registados pelo respetivo
diretor técnico no livro de obra, a conservar no local da sua realização para consulta pelos funcionários
º
municipais responsáveis pela fiscalização de obras" (n. 1). Para além disso, "são obrigatoriamente
____________________
7
Alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 26/210, de 30 de Março.
Ainda neste âmbito, o engenheiro técnico deve procurar funções que permitam aplicar totalmente os seus
conhecimentos e experiência, delegando funções "menores" a outros profissionais.
Os engenheiros técnicos devem utilizar os seus conhecimentos de forma socialmente responsável. Ora,
isto significa não apenas proteger segurança e saúde, como se destaca no dever seguinte, mas também
contribuir para o bem estar humano através de um ambiente são.
Ao abrigo deste princípio, os engenheiros técnicos devem, desde logo, melhorar o ambiente para
melhorar a qualidade de vida das pessoas. Mas este princípio pode ser também encarado numa perspetiva
menos antropocêntrica, defendendo-se o ambiente enquanto bem autónomo (abordagem biocêntrica). É
disso que se trata quando se lida com problemas ambientais que não suscitam questões para a saúde
humana, por exemplo, a destruição de habitats ou espécies protegidas.
O ambiente é já um facto decisivo para repensar os pressupostos filosóficos e éticos subjacentes aos
modelos de desenvolvimento no mundo contemporâneo. São bem patentes nas nossas sociedades
("sociedades de risco") as preocupações crescentes com as ameaças ao ambiente (produção de
desperdícios, poluição, esgotamento das reservas minerais), maioritariamente de natureza global, que
surgem como um dos grandes perigos que a humanidade tem de enfrentar e que são motivadas pela
importância atribuída ao crescimento económico contínuo.
Para regular estes riscos, os Estados e várias instâncias internacionais têm vindo a criar verdadeiros
quadros jurídicos de proteção ao ambiente.
____________________
8
De acordo com o previsto nas alíneas l) e n) do n.º 1 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º
26/2010 de 30 de Março, é punível como contra-ordenação “a falta do livro de obra no local onde se realizam as obras”, bem como “a falta dos registos do estado
de execução das obras no livro de obra”.
9
De acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 100.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, as falsas declarações ou informações prestadas pelos autores
de projetos e diretores técnicos de obras, ou de quem esteja mandatado para esse efeito pelo dono da obra, no livro de obra integram o crime de falsificação de
documentos, nos termos do artigo 256.º do Código Penal.
Tal como configurado na sua lei fundamental, a Constituição da República Portuguesa (CRP), o Estado
português contemporâneo, para além de ser de direito, democrático e social, deve ser ambiental
(conciliando a democracia participativa, a economia livre, a sociedade justa e um ambiente equilibrado),
qualificação que passa, essencialmente, pela assunção do ambiente como bem jurídico autónomo de
interesse geral cuja proteção lhe merece uma abordagem integrada e transversal.
Mas não é só ao Estado que cabe a responsabilidade de defender o ambiente: a própria CRP atribui aos
cidadãos um direito ao ambiente, com o que pretende solidarizar os cidadãos com a promoção e
manutenção de um bom ambiente, imputando-lhes um dever de preservação. Como estipulam os seus
artigos 66 e 52, n.º 3, todos têm o direito ao ambiente e o dever de o defender. Este é um verdadeiro
direito-dever de utilização racional dos bens ambientais.
É neste contexto que se inscreve o dever profissional dos engenheiros técnicos, dever de particular
importância uma vez que, pela especificidade da sua profissão, os engenheiros técnicos podem pôr em
causa o ambiente de forma especialmente grave.
Proteger o ambiente significa utilizar os recursos de forma sustentável (reduzir, reutilizar, reciclar),
antecipar e minimizar os impactes ambientais e ter em consideração os benefícios económicos e sociais.
Por exemplo, no âmbito de um estudo de impacte ambiental, o engenheiro técnico deve procurar integrar
as considerações económicas, técnicas e financeiras com os impactes sobre a sociedade (aceitação social,
grupos de interesse, media, etc.) e com os impactes sobre o ambiente (ecossistemas, saúde, proteção das
espécies, etc.). É evidente que esta integração é difícil, não só em razão das diversas racionalidades pre-
sentes nos intervenientes no processo (representantes de diversas disciplinas técnicas), mas também da
dificuldade em obter consensos e da dificuldade de transmitir ao público as avaliações técnicas.
Quando perante um projeto que possa colocar um problema de caráter ambiental, alguns autores
propõem que o engenheiro utilize uma análise custo-benefício (raciocínio do tipo utilitário). Por exemplo,
"compensa o investimento para alterar processos de produção que diminuam a emissão de poluentes,
com benefício para a saúde humana?" Para alguns, só devemos investir em causas ambientais quando os
recursos aí empregues causem maior bem estar humano do que se empregues noutro tipo de
investimento. Mas, na realidade, parece difícil utilizar este raciocínio em termos ambientais: nem tudo se
reduz aos custos económicos; muitos perigos não são inteiramente conhecidos; nem sempre quem
suporta os custos tem os benefícios; e existem valores que transcendem a análise económica - a legislação
ambiental reconhece-o inúmeras vezes. Por isso, provavelmente, este tipo de análise não basta para
decidir.
O engenheiro técnico deve, por um lado, diligenciar para que o pessoal que com ele trabalha disponha de
condições de segurança no exercício da sua atividade e, por outro, garantir que os utentes e o público em
geral usufruam dos produtos ou processos sob a sua responsabilidade em condições de segurança. O que
significa, na prática, abster-se de, por ação ou omissão, produzir ou fornecer bens e serviços que tenham a
potencialidade de colocar em causa essa mesma segurança.
Como tal, não devem aprovar ou subscrever projetos que não se conformem com os padrões de engenha-
ria reconhecidos e que não sejam seguros, no sentido de colocar em risco a saúde e bem estar do público.
Devem observar padrões e procedimentos de controlo de qualidade que permitam ao público entender o
grau de segurança associado ao produto, fazendo essa verificação antes de o aprovar.
Por outro lado, se os engenheiros técnicos se aperceberem que há circunstâncias em que a segurança, a
saúde e o bem estar público podem ser comprometidos, devem avisar os seus clientes e empregadores das
possíveis consequências. E, em determinadas circunstâncias, denunciar à autoridade competente colegas
ou empresas que estejam a fornecer produtos perigosos. Esta prática, conhecida por "whistle-blowing", é,
todavia, uma solução excepcional que não se deve generalizar, porque:
Quando se fala na responsabilidade social do engenheiro técnico, pensa-se, sobretudo, neste aspeto. As
pessoas estão cada vez mais conscientes da necessidade de equilibrar os benefícios do progresso
tecnológico com a necessidade de proteger o público dos perigos que a tecnologia criou. O que pode
significar, muitas vezes, que os engenheiros devem preferir honrar a sua responsabilidade social em vez da
lei ou dos objetivos do seu empregador.
Ligada a esta problemática está a questão do risco. A análise do risco (risco/benefício) visa saber qual é o
risco aceitável. A sociedade aceita alguns riscos em virtude dos benefícios que obtém. Mas para tal, é
necessário que dê um "consentimento informado". Para esse fim, necessita de informação sobre o que
está em causa. Por isso, o engenheiro tem a obrigação de fornecer toda a informação necessária aos
interessados, para que possam decidir qual o grau de risco que aceitam num dado produto. E de minimizar
o grau de risco através das técnicas adequadas.
D) Procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade das obras que
projetar, dirigir ou organizar
Não se trata, aqui, de fazer progredir a engenharia em termos de conhecimento científico mas de
encontrar, no seu quotidiano, as soluções que melhor sirvam o interesse da comunidade. E este interesse é
bem servido quando as soluções técnicas são o ponto de equilíbrio entre aquilo que é economicamente
viável e que apresente, em simultâneo, técnicas de qualidade (que minimizem os riscos e satisfaçam as
A) Contribuir para a realização dos objetivos económico-sociais das organizações em que se integre,
promovendo o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade dos produtos e das condições de
trabalho
Este é um dever ético que cobre a perspetiva organizacional. Nas organizações modernas, a criatividade e
a inovação são componentes fundamentais para a dinâmica das organizações e para a sua adaptação às
rápidas mudanças no seu ambiente. Para que tenham sucesso, é fundamental que as organizações
possuam uma gestão criativa, que favoreça a comunicação, a resolução de problemas e o trabalho em
equipa.
A participação de todos os funcionários torna-se fundamental para o sucesso das atividades planeadas e
para a prestação de serviços de qualidade, que satisfaçam os clientes. Os funcionários participam na
formulação de objetivos de desempenho e na apresentação de sugestões para a inovação e melhoria na
prossecução dos mesmos. São capazes de trabalhar em equipas multidisciplinares, construindo um
ambiente de trabalho saudável, em que domine a confiança e a comunicação.
Quando integrados em organizações produtivas, os engenheiros não devem, pois, ficar fechados sobre si
próprios. Devem ser "bons cidadãos organizacionais", ajudando a organização a alcançar a sua missão, o
seu propósito. Isso passa, não só pelo desempenho das suas funções com competência técnica mas
também por desenvolver toda uma série de outras competências.
Com efeito, o êxito de uma organização ou equipa depende tanto das competências profissionais dos seus
membros como da sua "competência social", ou seja, da sua capacidade para operar com os outros. Por
isso, é importante que o engenheiro não conte apenas com o seu "saber", ou seja, com os conhecimentos
que deve possuir para desempenhar adequadamente a sua tarefa. Deve, também, "saber fazer", ou seja,
ter capacidades para desempenhar adequadamente a sua tarefa, adquiridas com a experiência; e "saber
estar", isto é, saber comportar-se.
Nos últimos anos, o enfoque dado às relações interpessoais no seio das organizações tem tornado muito
popular a teoria da chamada "inteligência emocional". Esta teoria defende que os indivíduos que possuem
inteligência emocional estão particularmente bem posicionados para trabalhar em equipas produtivas, na
medida em que possuem um conjunto de competências que lhes permitem relacionar-se consigo próprios
(competência emocional pessoal) e com os outros (competência emocional social) de forma construtiva.
A competência emocional pessoal determina a forma como cada um se gere a si próprio em termos
pessoais. Compreende:
A este respeito, cumpre anotar que a obrigação de ética organizacional implica ainda tratar as pessoas com
dignidade e respeito pelos seus valores culturais e também não desenvolver produtos de forma que
implique a exploração injusta do trabalho. O facto de, por exemplo, o Governo se comportar de forma
pouco ética, não significa que o engenheiro técnico tenha a obrigação de o fazer. Pense-se, por exemplo,
nas experiências científicas levadas a cabo a mando do Governo de ideologia nazi na Alemanha.
B) Prestar os seus serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem ter-
ceiros, nunca abandonando, sem justificação, os trabalhos que lhe forem confiados ou os cargos que
desempenhar
Este é mais um dever de "bom profissional", a fim de não prejudicar o cliente ou terceiros. Ser diligente
significa dar o seu melhor para cumprir o seu compromisso com o cliente. Implica, por exemplo, fornecer
espontaneamente as explicações necessárias à compreensão dos serviços prestados, prestar
esclarecimentos quando o cliente o solicitar e informar os clientes acerca da utilização correcta e dos
perigos de novas soluções técnicas. Poderá também significar que, quando, em resultado da sua
investigação, o engenheiro técnico conclua que um projeto não terá sucesso, deve avisar o seu
empregador ou cliente. Deve ainda atuar com justiça e equidade para com todas as partes interessadas
quando se encontre a administrar um contrato. Deve também esclarecer todas as questões relacionadas
com propriedade industrial, intelectual e direitos de autor antes de encetar trabalhos que envolvam essas
questões.
No âmbito deste dever assumem particular importância as questões relacionadas com os conflitos de
interesse. As regras sobre conflitos de interesse procuram que o profissional evite encontrar-se numa
situação susceptível de desencadear um conflito entre o seu interesse pessoal e o interesse da sua
entidade empregadora ou do seu cliente, pondo em causa a qualidade do serviço prestado. Essas
situações surgem quando o engenheiro aceita trabalhos ou assume funções fora da empresa empregado-
ra, nomeadamente, como concorrente, como fornecedor, um cargo político ou cargos de gestão em
organizações. Mas também surgem quando os engenheiros sejam chamados a intervir em processos de
decisão que envolvam direta ou indiretamente organizações com que tenham colaborado ou pessoas a
que estejam ou tenham estado ligados por laços de parentesco, afinidade ou amizade. Não devem, por
isso, aceitar trabalhos que saibam, à partida, que possam causar esse conflito.
Quando trabalhem por conta de outrem, os engenheiros técnicos não devem aceitar outros trabalhos sem
o consentimento do seu empregador. Nem utilizar o tempo e a propriedade da empresa para a sua
atividade pessoal. Ou utilizar o seu emprego para promover o seu negócio ou o negócio de terceiros. E se
entretanto se vir confrontado com uma situação de conflito de interesses, deve avisar de imediato o
cliente e perguntar-lhe se, nessas circunstâncias, o cliente deseja que ele prossiga o trabalho. Quando
estiverem na situação particular de serem responsáveis por um cargo público, os engenheiros técnicos não
devem participar em deliberações que digam respeito aos serviços prestados por eles próprios ou pelas
empresas em que tenham trabalhado. Por outro lado, os engenheiros técnicos não devem propor ou
aceitar um contrato com uma entidade pública na qual desempenhe funções um membro da sua
organização. Na administração pública, existem algumas normas que regulam especificamente estas
situações: tratasse dos regimes de incompatibilidades e impedimentos.
Por outro lado, os engenheiros técnicos não devem aceitar remuneração, financeira ou outra, pelo mesmo
trabalho, por parte de mais do que uma entidade. E também não devem aceitar nem solicitar "prendas"
valiosas, de caráter financeiro ou outro, oferecidas por fornecedores que pretendam promover os seus
produtos. E, da mesma forma, não o devem aceitar, direta ou indiretamente, por parte de empreiteiros ou
outras partes relacionadas com os seus clientes ou empregadores relativamente ao trabalho pelo qual são
responsáveis. Uma coisa é aceitar ofertas simbólicas de cortesia, outra coisa é aceitar presentes que sejam
susceptíveis de comprometer (à luz do senso comum relativa o aquela situação) a capacidade de tomar
decisões objetivas e justas.
De igual forma, não devem, em regra, rever o trabalho de outros engenheiros técnicos. Mas há excepções:
podem rever e avaliar o trabalho de colegas com o seu conhecimento ou caso os seus contratos tenham
terminado ou ainda quando requerido pelos seus deveres profissionais (pense-se nas funções inspectivas
ou nas funções de comparação dos seus produtos com os produtos de concorrentes na indústria).
Como corolário deste dever, o bom profissional não deve, sem um motivo atendível, abandonar os
trabalhos ou cargos que lhe forem confiados. Contudo, poderão fazê-lo em situação de conflito de
interesses ou se a independência profissional estiver em causa, quando o empregador incite à prática de
atos ilegais, injustos ou fraudulentos ou quando o cliente ignore os seus pareceres. Ainda assim, nessas
situações deverão dar um préaviso num prazo razoável antes de deixar o trabalho.
O engenheiro técnico deve tratar a informação de que tenha conhecimento no exercício das suas funções
como confidenciai, não a utilizando para proveito próprio ou de
outrem, direta ou indiretamente, se for contrária aos interesses dos clientes, do empregador ou do
público.
Por exemplo, o engenheiro técnico não deve revelar informação confidencial que diga respeito aos
negócios ou processos técnicos de qualquer cliente ou empregados, presente ou antigo, sem o
consentimento do mesmo. E também não revelando informação confidencial recolhida por qualquer
comissão ou grupo de que faça parte. Ou não copiando projetos fornecidos por clientes sem a sua per-
missão. E ainda, enquanto trabalhador por conta de outrem, não deve, sem o consentimento de todas as
partes interessadas, procurar novo emprego relacionado com os projetos que tenha em mãos e para os
quais ganhou competência especializada nesse mesmo emprego.
Poderá, contudo colocar-se a questão de saber se esta obrigação não poderá ser preterida se estiver em
causa o bem comum ... (por exemplo, a segurança das pessoas).
O interesse público requer que o custo dos serviços seja justo e razoável, pelo que os honorários fixados
pelo engenheiro técnico devem ser justos e relacionados com a natureza dos serviços prestados.
Esta questão dos honorários tem particular importância. Enquanto profissional, o engenheiro técnico tem
direito a receber a justa retribuição pelo trabalho que desenvolveu. Mas o estabelecimento em concreto
do quantitativo da remuneração suscita algumas dificuldades. Existem áreas sectoriais em que essa
fixação pode ser facilitada com o recurso a tabelas para cálculo de honorários. Mas noutras áreas, essas
tabelas não existem, não havendo qualquer indicação de base que aponte quais os elementos a ter em
consideração para efeito desse cálculo. O que pode deixar margem para que, consciente ou
inconscientemente, se subvertam algumas regras éticas, dando origem quer a situações de cobrança em
excesso, quer de cobrança por defeito. O que pode originar situações quer de lucro ilícito quer de
concorrência desleal entre colegas (ver alínea a) do artigo 58°) do Estatuto da OET.
Dada a ausência de regras gerais aplicáveis a todas as áreas da engenharia, podemos procurar encontrar
alguns parâmetros a utilizar na fixação do quantum retributivo. O que é difícil sobretudo nas situações em
que os serviços prestados não são mensuráveis em termos materiais. Esses parâmetros deverão apoiar o
engenheiro técnico na fixação de honorários justos e equilibrados, nem demasiado altos, nem demasiado
baixos, atendendo às circunstâncias do caso concreto. Em síntese, deveremos atender, basicamente a:
Estes deveres visam aumentar o prestígio, a honra, integridade e dignidade da profissão, fomentando uma
conduta irrepreensível.
Os engenheiros técnicos devem procurar aumentar o conhecimento do público e evitar mal entendidos
acerca dos progressos da engenharia. Por isso, devem ser objetivos e honestos na documentação que
produzem, emitindo opiniões fundadas no conhecimento adequado da matéria e na sua competência
técnica. Trabalhar com o máximo zelo, dar pareceres objetivos e fatuais e se forem ignorados, avisar sobre
as possíveis consequências, e não devem participar na divulgação de fatos falsos.
Por outro lado, devem ser dignos e modestos na promoção do seu trabalho e do seu mérito, não dando
uma imagem exagerada da sua competência e evitando autopromover-se à custa da honra e dignidade da
profissão.
Não devem também associar-se ou permitir a utilização da sua firma em negócios com pessoas envolvidas
em negócios fraudulentos ou desonestos; não devem utilizar a associação com outras pessoas ou
empresas ou parcerias como "capa" de atos pouco éticos e não devem incitar colegas a cometer atos que
violem as regras da profissão.
E deverão recusar a colaboração em trabalhos cujo pagamento esteja subordinado à confirmação de uma
conclusão pré-determinada.
A isenção passa também por cumprir as regras relativas a conflitos de interesses, que já referimos.
B) Apenas assinar pareceres, projetos ou outros trabalhos profissionais de que seja autor ou
colaborador
Este dever é bastante claro: os engenheiros técnicos só devem subscrever o seu próprio trabalho.
Isto significa, por um lado, que os engenheiros técnicos só devem aceitar os trabalhos para os quais sejam
qualificados, por falta de formação ou experiência, participando em projetos complexos apenas na
medida da sua expertise. Por outro lado, devem reconhecer a justa medida em que participaram nos
projetos: se forem apenas colaboradores, não devem assinar como autores da totalidade do trabalho.
Por fim, não devem evitar utilizar a sua posição de empregador para se aproveitar dos trabalhos dos
colaboradores, utilizando-os como seus.
Já decorre do dever anterior que os engenheiros devem construir a sua reputação profissional com base
no mérito do seu trabalho. Este dever acrescenta que não devem concorrer de forma desleal com os
colegas.
Isto significa que não devem pagar, direta ou indiretamente, qualquer quantia (comissão, contribuição
política, oferta) tendo em vista assegurar um determinado trabalho. Também significa que devem
negociar contratos para prestar os seus serviços profissionais de forma justa e honesta, apenas com base
na demonstração da competência e qualificação necessárias para o tipo de serviço em causa - e que não
devem falsificar nem permitir a adulteração das suas qualificações profissionais ou académicas nem
adulterar ou exagerar o seu grau de responsabilidade num determinado projeto, tendo como objetivo
aumentar as suas qualificações e desempenho (o que também decorre da alínea a) do artigo 57º do
Estatuto). Significa ainda que os engenheiros técnicos não devem solicitar ou aceitar trabalhos em
circunstâncias que comprometam o seu julgamento profissional (o que decorre igualmente da alínea b) do
artigo 56º do Estatuto).
Por outro lado, os engenheiros técnicos podem publicitar os seus serviços mas de forma sóbria: podem
utilizar publicidade em publicações reconhecidas, desde que os elementos fornecidos sejam fatuais e se
refiram apenas à engenharia, sem ostentação, elementos laudatórios e sem exagerar a participação em
determinados projetos. O mesmo se aplica aos artigos na imprensa ou em periódicos e em anúncios para
recrutamento de pessoal.
Já vimos que nesta matéria é igualmente importante a questão da remuneração (ver alínea d) do artigo 56º
do Estatuto). Assim, os engenheiros técnicos devem abster-se de exercer concorrência fundada
unicamente na remuneração e não devem trabalhar gratuitamente, excepto em situações de apoio a
organizações de natureza cívica, caritativa, religiosa, sem fins lucrativos.
A solidariedade profissional impõe aos engenheiros técnicos que apoiem os colegas. Tal comportamento
revela coesão do grupo e o empenho para o desenvolvimento e a imagem da profissão. Mas esse apoio
deve ser dado a pedido: o engenheiro, mesmo que movido por boas intenções, deve evitar imiscuir-se no
trabalho dos colegas sem que tal lhe seja solicitado. Esse comportamento revelaria desprezo pela
autonomia técnica dos outros engenheiros técnicos e falta de confiança nas suas competências.
Os engenheiros técnicos não devem, direta ou indiretamente, lesar a reputação ou a atividade profissional
de colegas.
Não devem, por exemplo, procurar suplantar os colegas para prestar um determinado serviço, caso
saibam que o contrato respectivo está concretizado ou prestes a concretizar-se.
Nem devem solicitar emprego a clientes quando saibam que estes já contrataram um engenheiro. Ou
aceitar emprego por parte de clientes que já tenham tido um engenheiro a fazer o mesmo trabalho e este
não esteja terminado ou não esteja totalmente pago (excepto quando o contrato em causa esteja em
litígio ou tenha sido denunciado por uma das partes, mas, mesmo nesse caso, o engenheiro técnico deve
avisar o colega antes de aceitar o trabalho -a .este propósito, ver o dever seguinte).
Para além de informar o colega antecessor, o engenheiro técnico deve certificar-se que o seu contrato está
terminado e esclarecer previamente com o colega e com o futuro empregador a situação contratual e as
questões relacionadas com os direitos de autor.
O Estatuto da OET é a principal fonte da deontologia profissional dos engenheiros técnicos, embora outros
diplomas possam conter disposições de caráter deontológico que lhes são aplicáveis. É o caso, por
exemplo, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na área da engenharia civil. Veja-se, por exemplo,
o artigo 10º deste diploma, sobre o termo de responsabilidade. Este artigo estabelece que os autores dos
projetos devem declarar que foram observadas na elaboração dos mesmos as normas legais e
regulamentares aplicáveis e a conformidade com os planos municipais de ordenamento do território em
vigor e com a licença ou autorização de loteamento. As falsas declarações dos autores dos projetos no
termo de responsabilidade constitui contra-ordenação (ilícito de mera ordenação social), podendo,
também, assumir relevância para efeitos de responsabilidade civil, criminal ou disciplinar (alínea e) do n.º
1 artigo 98º e artigo 100º do mesmo diploma). Tratam-se, pois, de disposições de caráter deontológico,
cuja violação assume relevância disciplinar e até criminal.
A responsabilidade disciplinar é regulada pelo Estatuto da OET, nos seus artigos 59º a 75º.
No artigo 59º, sob a epígrafe "Responsabilidade disciplinar", estabelece-se que os engenheiros técnicos
estão sujeitos à jurisdição disciplinar dos órgãos da Ordem, nos termos previstos no Estatuto e nos res-
pectivos regulamentos. E define-se infração disciplinar como a violação, por ação ou omissão, dolosa ou
negligente, de algum dos deveres fixados no Estatuto e nos respectivos Regulamentos.
No mesmo artigo estabelece-se ainda que a ação disciplinar é independente de eventual responsabilidade
civil ou criminal. Efetivamente, a mesma falta pode qualificar-se em simultâneo como infração disciplinar e
criminal se, para além de ofender a disciplina do grupo, ofender valores fundamentais da comunidade em
que este se insere, tutelados pela lei penal em vigor. Mas a punição disciplinar e criminal são aplicadas na
sequência de processos distintos e a condenação num deles não envolve necessariamente a condenação
no outro. Por outro lado, nos termos da lei civil (nomeadamente o artigo 483º do Código Civil), aquele que,
com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Assim, o engenheiro que faltar culposamente aos deveres resultantes de um contrato que celebre para
prestação da sua atividade profissional, prejudicando o seu cliente, pode incorrer (simultaneamente) em
responsabilidade disciplinar, penal e civil.
O artigo 61º estabelece que o processo disciplinar é instaurado mediante decisão dos conselhos
disciplinares de secção ou do conselho jurisdicional, consoante o caso. Para esse efeito, os tribunais e
demais autoridades públicas devem dar conhecimento à Ordem da prática, por engenheiros técnicos, de
atos susceptíveis de constituírem infração disciplinar. Também para esse efeito, o Ministério Público e as
demais autoridades com poderes de investigação criminal devem dar conhecimento à Ordem das
participações apresentadas contra engenheiros técnicos, por atos relacionados com o exercício da
profissão.
O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre a prática da infração, excepto se se tratar
de procedimento disciplinar de titulares de órgãos da Ordem, o qual prescreve no prazo de três anos sobre
a cessação das respetivas funções (artigo 62º, n.ºs 1 e 2). Importa ainda referir que o artigo estabelece
ainda que as infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo
prazo que o procedimento criminal, quando este for superior e que a responsabilidade disciplinar
permanece durante o período de suspensão da Ordem, e não cessa pela demissão como membro da
Ordem, relativamente a fatos anteriormente praticados.
Se os fatos apurados no âmbito do procedimento disciplinar forem de molde a provar a violação de algum
dos deveres deontológicos, poderá ser aplicada uma sanção pena disciplinar. A escolha e a medida da pena
são feitas em função da culpa do arguido, tendo em conta a gravidade e as consequências da infração, os
antecedentes profissionais e disciplinares e as demais circunstâncias da infração (artigo 64º).
a) Advertência;
b) Censura;
c) Suspensão até seis meses;
d) Suspensão de seis meses a um ano;
e) Suspensão de um a cinco anos.
As duas primeiras penas são penas “leves”, aplicadas a faltas “ligeiras”. Já as penas previstas nas alíneas c),
d) e e), por serem mais graves, só podem ser aplicadas em determinadas circunstâncias.
A pena prevista na alínea c) só pode ser aplicada por infração disciplinar que configure negligência grave ou
de acentuado desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais consagrados a alínea a) do artigo
52º, nas alíneas b) e c) do artigo 55º, nas alíneas b) e c) do artigo 56º, no artigo 57º e nas alíneas a), c) e d) do
artigo 58º.
A pena prevista na alínea d) só pode ser aplicada por infração disciplinar que afecte gravemente a
dignidade e o prestígio profissional do engenheiro técnico.
A pena prevista na alínea e) é aplicável quando tenha sido cometida infração disciplinar que também
constitua crime punível com pena de prisão superior a 2 anos, ou em caso de reincidência da infração
referida no número anterior.
A primeira etapa é a instrução, fase processual em que se apuram os fatos. O n.º 1 do artigo 65º estabelece
que a instrução do processo disciplinar compreende as diligências necessárias ao apuramento da verdade
material, devendo o relator remover os obstáculos ao seu regular e rápido andamento e, sem prejuízo do
direito de defesa, recusar o que for inútil ou dilatório. Nesta fase, e porque se trata ainda de uma fase de
"investigação", o processo é secreto, só deixando de o ser a partir do despacho de acusação (n.º 2 do
mesmo artigo).
Finda a instrução, o relator profere despacho de acusação ou emite parecer fundamentado em que
conclua no sentido do arquivamento do processo (artigo 66º, n.º 1). Não sendo proferido despacho de
acusação, o relator apresenta o parecer na primeira reunião do conselho disciplinar de secção ou do
conselho jurisdicional, consoante o caso, a fim de ser deliberado o arquivamento do processo ou
determinado que o mesmo prossiga com a realização de diligências suplementares ou com o despacho de
acusação, podendo neste último caso ser designado novo relator (n.º 2 do mesmo artigo).
Nos termos do artigo 68º, uma vez notificado da acusação, o arguido dispõe de 20 dias para apresentar a
sua defesa, que pode ser exercida por um representante especialmente mandatado pelo arguido para esse
efeito. A defesa deve expor clara e concisamente os fatos e as razões que a fundamentam. Com a defesa
deve o arguido apresentar o rol de testemunhas, juntar os documentos e requerer as diligências
necessárias para o apuramento dos fatos relevantes. Não podem ser apresentadas mais de cinco
testemunhas por cada facto, não podendo o total delas exceder as vinte.
Realizadas estas diligências e outras que sejam determinadas pelo relator, o interessado e o arguido são
notificados para apresentarem alegações, por escrito, no prazo de 20 dias (artigo 69º).
Os acórdãos finais são notificados ao arguido e aos interessados nos termos do n.º 2 do artigo 67º e o acór-
dão que aplicar pena de suspensão é também notificado à entidade empregadora do infractor (artigo 71º).
Todavia, se a infração não estiver concretizada ou se não for conhecido o seu autor, ou ainda quando seja
necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos fatos, pode ser ordenada a
abertura, não de um processo disciplinar mas de um processo de inquérito (artigo 72º). Este processo
regula-se pelas normas aplicáveis ao processo disciplinar, com as seguintes especialidades:
____________________
10
Trata-se de uma aparente gralha, uma vez que a pena mais grave corresponde a uma suspensão de 1 a 5 anos, tal como estabelecido no artigo 63.º. Julgamos
que é essa a moldura a atender para efeitos deste artigo.
As decisões disciplinares são executadas pelo conselho directivo nacional, podendo essa competência ser
delegada no conselho directivo regional da área onde o arguido tenha domicílio profissional (artigo 74º,
n.º 1).
O cumprimento da pena de suspensão tem início a partir do dia da respectiva notificação. Se à data do
início da suspensão estiver suspensa ou cancelada a inscrição do arguido, o cumprimento da pena de
suspensão tem início a partir do dia imediato àquele em que tiver lugar o levantamento da suspensão da
inscrição ou a reinscrição, ou a partir do termo da data em que termina a execução da anterior pena de
suspensão (artigo 74º, n.º 2 e 3).
As decisões disciplinares definitivas podem ser revistas a pedido do interessado, com fundamento em
novos fatos ou novas provas, susceptíveis de alterar o sentido daquelas, ou quando outra decisão
definitiva considerar falsos elementos de prova determinantes da decisão a rever. Todavia, a concessão de
revisão depende de deliberação pela maioria absoluta dos membros do órgão que proferiu a decisão
disciplinar (artigo 75º).
1. Problemas Éticos
Os engenheiros técnicos encontram inúmeros problemas éticos na sua atividade. Sobretudo a partir do
momento em que deixaram de exercer funções puramente técnicas para passar a desempenhar
igualmente funções de gestão, no âmbito das quais devem ter em conta aspetos de caráter financeiro,
económico e social nas suas decisões. Ora, o exercício dessas funções e essas novas preocupações
agravaram exponencialmente os problemas éticos, o que já levou alguns engenheiros a "inventar" razões
que alegadamente justificam o atropelamento dos princípios éticos da engenharia para salvar boas
decisões de negócio.
A propósito dos problemas éticos, devemos fazer, desde já, uma chamada de atenção. É necessário não
confundir problemas éticos com outro tipo de situações que são igualmente problemáticas de resolver
mas que não colocam necessariamente questões de ordem ética. Um desses problemas é a discordância
sobre questões de facto, que são verdadeiras ou falsas e que podem ser confirmadas através da
observação empírica. Podem surgir diluídas num dilema ético, por isso é absolutamente necessário
garantir que as questões de facto estão clarificadas. Por exemplo, clarificar se o produto x produz aci-
dentes. Um outro tipo de problema é a discordância sobre questões conceptuais, ou seja, sobre o
significado de determinados termos. Estas questões podem ser muito importantes nos dilemas éticos. Um
bom exemplo é a discussão sobre se o feto deve ser considerado uma pessoa. Ou saber se o pagamento de
uma determinada quantia pode ser considerado suborno. Mas é necessário termos presente que, embora
estas questões possam ter importância num dilema ético, não constituem, elas próprias, o cerne da
questão ética: esta só se coloca quando somos confrontados com a necessidade de saber se um dado
comportamento é certo ou errado. Por exemplo, se um engenheiro considerar errado matar civis nos
conflitos armados, pode decidir não aceitar um contrato relacionado com o desenvolvimento de
armamento. Em suma, para discutir questões de facto, utilizam-se considerações empíricas; para discutir
questões conceptuais, utilizam-se argumentos sobre a preferência de uma dada definição em relação a
outra; para discutir questões morais, utilizam-se princípios morais, que estão organizados nas teorias que
já abordámos no Capítulo II deste Manual.
Os problemas éticos podem ser de dois tipos: problemas de aplicabilidade ou problemas de conflito.
Num problema de aplicabilidade, não se sabe se um determinado princípio ético é ou não aplicável.
Num problema de conflito, é-se confrontado com dois ou mais princípios que parecem ser aplicáveis a
uma dada situação mas cada princípio pressupõe uma linha de ação diferente e incompatível. São os
Os autores têm apontado diversas formas de resolver estes conflitos e cabe a cada um escolher a que
considere mais adequada.
A melhor maneira de resolver dilemas éticos é evitá-los. Mas caso o dilema se apresente, o engenheiro
deve estar preparado para, em primeiro lugar, tomar consciência dele e, em segundo lugar, saber resolvê-
lo.
____________________
11
Samuel Mercier, A ética nas empresas, 2003.
Perante esta lista, podemos concluir que o individuo é mais susceptível de ser influenciado pelos
comportamentos dos indivíduos que o rodeiam do que pela necessidade financeira pessoal, que ocupa
o último lugar da lista.
Uma vez que existe a possibilidade de existir comportamentos pouco éticos, é necessário saber, tanto
quanto possível, evitá-los. O que começa por saber lidar com os dilemas éticos.
Para fazer face aos dilemas éticos, é necessário compreender que a ética cria-se e aplica-se através da
razão, uma vez que o indivíduo é responsável pela decisão que aplica os valores. Não se trata da mera
aplicação de regras e directivas: trata-se de avaliar as decisões à luz de valores partilhados que é necessário
aplicar. Estes valores são muitas vezes contraditórios e o indivíduo deve hierarquizá-los segundo as
circunstâncias. E fá-lo utilizando a sua razão, a sua reflexão crítica, ponderando os elementos da decisão
para avaliar a razão de ser dos comportamentos e formular razões para agir, tomando a decisão razoável
face a determinadas circunstâncias.
Já vimos que as normas deontológicas são um ponto de partida mas podem não ser suficientes para
resolver todos os problemas éticos. Por isso é tão necessário o recurso ao raciocínio ético. O recurso à ética
é necessário sempre que não existam regras para decidir ou quando estas são imprecisas. A ética ajuda a
tomar uma decisão através da interpretação de regras, na gestão de conflitos entre diferentes regras,
entre as regras e determinados valores e mesmo entre diversos valores.
Esta perspetiva é uma perspetiva preventiva, que tenta antecipar as consequências possíveis das ações de
forma a evitar que surjam problemas mais sérios.
A decisão ética tem lugar após um processo de reflexão que visa identificar os valores em conflito para
julgar os fins prosseguidos e a solução aplicável, permitindo estabelecer se a ação a empreender
permite alcançar a finalidade visada e, simultaneamente, limitar as eventuais consequências negativas.
Os engenheiros devem possuir uma capacidade de raciocínio adequado à resolução eficaz de situações
que envolvem responsabilidades conflituantes. Numa decisão estritamente técnica, decide-se o que se
pode fazer; numa decisão ética, decide-se o que se deve fazer, com base em normas profissionais e no
raciocínio ético. O processo decisório é basicamente o mesmo. É só mudar o pode para o deve e
ponderar, além dos aspetos técnicos, os aspetos relacionados com a responsabilidade para com as
pessoas, a sociedade e o ambiente.
Por exemplo, o teste ético de Blanchard e Peale, citados por Mercier12, consiste em colocar as três
questões seguintes para tomar uma decisão ética:
Já Laczniack e Murphy, citados pelo mesmo autor, enunciam oito questões a que é necessário responder
para chegar a uma decisão ética:
1) A decisão é legal?
2) É contrária às obrigações morais geralmente admitidas na sociedade?
3) É contrária às obrigações morais da empresa?
4) A intenção é prejudicial?
5) O resultado é prejudicial?
6) Existe uma ação alternativa que produzisse benefícios equivalentes ou melhores e que,
por essa razão, tivesse menos consequências negativas?
7) Violará os direitos dos atores susceptíveis de ter um impato sobre o dever da empresa?
8) Poderá deixar uma pessoa ou um grupo empobrecido?
Existem diversas abordagens à decisão ética, propostas por diversos autores, que coincidem, todavia, num
conjunto básico de etapas. Julgamos que uma fórmula possível para ajudar a tomar decisões éticas pode
desenvolver-se de acordo com o seguinte esquema (note-se que a ordem das etapas não é fundamental e
pode variar de caso para caso), em quatro fases. Reiteramos que estas são apenas algumas pistas que
podem ajudar cada um a escolher a forma mais adequada ao seu sentido ético pessoal.
Assim, a primeira fase é constituída pela caracterização do problema ético. O engenheiro vai proceder a
uma cartografia da situação. Para isso, deverá inventariar os elementos mais significativos da mesma. Com
base nesses elementos pode então formular correctamente o dilema ético perante o qual se encontra.
____________________
12
Samuel Mercier, A ética nas empresas, 2003.
Trata-se de, sobretudo, de obter fatos e regulações, ou seja, de clarificar os objetivos da decisão, prestar
especial atenção às possíveis consequências (positivas ou negativas) da ação sobre as pessoas, os grupos
ou as instituições e de considerar as normas associadas à decisão (leis, regulamentos, costumes,
consciência pessoal, etc.). Esta fase permite não só identificar as potenciais consequências da ação como
também ficar ciente da distância possível entre a ação e as normas morais, culturais, sociais, jurídicas ou
deontológicas aplicáveis. Permite também identificar alguns valores que serão clarificados na fase
seguinte. Sem um bom conhecimento das consequências reais (fatos) e das regulações específicas
(standards ou parâmetros) aplicáveis ao projeto, o engenheiro não está preparado para pensar sobre as
suas responsabilidades. Como saber se as necessidades dos interessados estão satisfeitas? É necessário
medir o que o engenheiro alcançou no seu projeto comparado com parâmetros pré-definidos. À medida
que trabalha no projeto, o engenheiro deve reunir informação sobre os standards que aplica, relativos a
materiais ou componentes, riscos e segurança, impactes ambientais, etc. O objetivo é reunir informação
necessária para pensar seriamente sobre as suas responsabilidades.
Os problemas -dilemas - surgem quando existem boas razões para decidir por qualquer das alternativas ou
quando uma opção para satisfazer um objetivo compromete outro objetivo que se pretende alcançar.
Alguns são resolúveis apenas com recurso a normas técnicas; outros com recurso a análises económicas;
para a ética, os mais importantes são os que suscitam questões sobre as responsabilidades do engenheiro
para com os outros indivíduos, para com a sociedade, o ambiente e até para com as gerações futuras. Um
bom ponto de partida é fazer um brainstorming sobre os dilemas éticos antes de começar um projeto,
pensando sobre três questões gerais relativas às suas responsabilidades: Deve mesmo levar a cabo o
projeto? Se for possível mais do que uma solução, qual deve utilizar? Se não puder satisfazer todos os
interessados, qual deverá satisfazer? Não se deve esquecer de ponderar os benefícios e os custos,
materiais e imateriais. À medida que o projeto for avançando, as questões devem ser revistas
periodicamente.
Já vimos que todos os modos de regulação dos comportamentos transmitem valores, sendo que a
particularidade da ética é aplicá-los diretamente, sem passar através de uma norma. Esta segunda fase do
raciocínio ético visa determinar quais os valores em conflito numa dada situação. Alguns valores podem
estar associados às consequências de uma ação; outros podem estar associados às normas. Ao identificar
os valores em conflito, entramos no cerne do dilema. Os valores fazem intervir a dimensão afectiva de uma
decisão. As decisões mais difíceis são aquelas em que a pessoa fica afectivamente dividida entre valores ou
entre valores e normas.
Algumas associações profissionais optam por oferecer linhas de orientação para ajudar a hierarquizar
valores conflituantes. Por exemplo, a associação dos engenheiros alemães (VDI -The Association of
Engineers), estabelece que, em caso de valores conflituantes, os engenheiros devem dar prioridade:
Em consequência, enquanto engenheiro, precisará de dois conjuntos de ferramentas para lidar com a
profissão e com os dilemas que aí surgem. Em primeiro lugar, precisam de compreender as regras, os
parâmetros que os engenheiros utilizam para julgar o que são comportamentos certos e errados na prática
da engenharia, vertidos nos chamados códigos de ética ou códigos deontológicos. Em segundo lugar,
precisa de algumas capacidades básicas de raciocínio moral. Desta forma, para procurar soluções para as
várias opções que se lhe apresentam para resolver os dilemas, o engenheiro deverá:
1) observar o que está previsto nas leis, as regras organizacionais e os códigos profissionais
sobre as suas responsabilidades;
Este é a fase mais difícil do processo de decisão ética. É necessário perceber que os dilemas podem não
ter uma solução óptima, porque as responsabilidades são complexas e muitas vezes conflituantes. Por
isso, o engenheiro deve preocupar-se em procurar fornecer uma solução equilibrada e ponderada em vez
de pensar exclusivamente em termos de certo e errado. Para ajudar a tomar uma decisão, o engenheiro
poderá procurar casos análogos, para ver qual foi a conduta adoptada e avaliar se essa terá sido uma boa
decisão. E poderá também discutir a questão com as partes interessadas, para recolher opiniões e as
respetivas justificações, ampliando, assim, o seu quadro pessoal de análise.
Em resumo ...
Actualmente, temos uma maior consciência da nossa ligação com o mundo e do facto de sermos todos
responsáveis por ele. Por isso, ganhámos também uma maior consciência da necessidade de um diálogo
entre as várias profissões para harmonizar as diversas abordagens sectoriais. E nisso a ética desempenha
um papel fundamentaI. Porque a construção de comunidades sustentáveis a nível social, cultural e físico -
depende da capacidade de pensar e dialogar sistemicamente. E a ética fornece esse quadro de referência
que nos permite conjugar esforços num mesmo sentido: tem uma função unificadora porque torna claro
que todos têm o direito e o dever de contribuir para uma vida melhor.
Tem sido evidente o esforço das várias profissões para disciplinar as condutas dos seus membros através
da adopção de normas éticas. Mas é fundamental que as profissões encontrem uma base de valores
comum que orientem a sua ação. Éticas separadas podem levar a escolhas éticas ineficazes e a ações sem
ética. Ao mantermos as éticas separadas, perdemos de vista a função da ética tradicional: criar uma vida
boa para pessoas que vivem em sociedade. Sem uma ética integrada, o homem não sabe qual o seu lugar
no mundo nem como exercer o seu papel. Por isso, a integração ética é tão necessária e faz-se através dos
objetivos partilhados, que congregam as pessoas em prol de causas comuns, orientam a sua ação e dizem
respeito fundamentalmente aos indivíduos (direitos da pessoa humana), à sociedade justiça, solida-
riedade, democracia) e ao ambiente (sustentabilidade).
Neste contexto, os profissionais da engenharia precisam ampliar o horizonte dos seus conhecimentos para
além das disciplinas técnicas, para se inserirem plenamente na economia e na sociedade moderna. Essa
ampliação passa, fundamentalmente, pela interiorização de valores humanísticos, que o relembrem na
sua responsabilidade social e que o ajudem a melhorar continuamente o seu desempenho, incluindo
competências sociais que lhe permitam trabalhar em equipas multidisciplinares. Por isso se afirma que só
a ética pode humanizar uma sociedade cada vez mais tecnológica.
Com efeito, no mundo de hoje, a resposta a uma sociedade que nas últimas décadas tem estimulado
sobretudo o bem-estar individualista e, desse modo, um certo individualismo irresponsável (o cada um
por si), tem sido a recomposição de um individualismo responsável, ligado a um núcleo estável de valores
éticos, comummente aceites nas sociedades ocidentais, como os direitos humanos, a honestidade, a
tolerância, a recusa da violência13.
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13
Gilles lipovetsky, A era do após-dever, 1998.
Assim, mais do que apontar formas rígidas de resolução de conflitos e dilemas éticos, a formação em ética
pretende destacar o seguinte: o código deontológico aponta algumas regras mas é a natureza racional e
humana que faz o resto - a racionalidade humana deve permitir reflectir para encontrar aquela que, em
consciência, e de acordo com os princípios que escolha aplicar, o engenheiro considera ser a melhor
solução para os problemas que se lhe apresentam nos seus variados papéis (criador, gestor de projetos,
gestor de recursos humanos, fornecedor, etc.). Não adoptamos, assim, a definição minimalista de ética
profissional, que se limita a zelar pelo respeito das normas. Mais do que obediência a regras, a ética na
engenharia é uma forma de realização humana e um processo que se aperfeiçoa ao longo da vida, nos
pequenos problemas quotidianos.
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14
Gilles Lipovestky, o crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos, 2004.
LINKS INTERESSANTES
Ordem dos Engenheiros Técnicos (OET) http://www.OET.pt
Acreditation Board for Engineering and Technology (ABEl)
Http://www.abet.org
American Chemical Society http://www.chemistry.org
American Institute of Chemical Engineers (AIChE) http://www.aiche.org
American Society of Civil Engineers (ASCE) http://www.asce.org
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American Society of mechanical Engineers (ASME) http://www.asme.org
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Association for Computing Machinery (ACM) I Institute for Electrical and Electronics Engineers (IEEE)
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Association professionnelle des informaticiens et informaticiennes du Ouébec (APIIO) http://
www.apiiq.qc.ca
Comité de l'Académie pour les Applications de la Science (CAPAS) http://www. kbr. bel-capas
Conseil National des Ingénieurs et des Scientifiques de France (CNISF) http://www.cnisf.fr
Entidades Nacionais representativas dos profissionais da Engenharia, da Arquitectura, da Agronomia,
da Geologia e da Meteorologia http://www.confea.org.br
European Council of Civil Engineers (ECCE) http://www.eccenet.org
European Council of Civil Engineers (ECCE) http://www.eccenet.org
Institute of Electrical and Electronical Engineers (IEEE) http://www.ieee.org
National Society of Professional Engineers (NSPE) http://www.nspe.org
Order of Ouebec Engineers (010) http://www.oiq.qc.ca