O Contrato Racial - Charles W. Mills

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Sumário
Capa
Folha de rosto
Sumário

Prólogo, por Tommie Shelby


Prefácio: O contrato racial: O velho é novo de novo, por Charles W. Mills

Introdução
1. Visão geral
2. Detalhes
3. Méritos “naturalizados”

Agradecimentos
Agradecimentos da edição comemorativa de 25 anos
Notas
Sobre o autor
Créditos
Este livro é dedicado às pessoas negras, vermelhas, marrons e
amarelas que resistiram ao contrato racial, e aos brancos
renegados e traidores da raça que o recusaram.
Prólogo
Tommie Shelby

O contrato racial (1997), de Charles Mills, é um texto de referência que


buscou trazer uma renovação conceitual à filosofia política, colocando no
centro o estudo da raça. No entanto, não foi por meio deste clássico
contemporâneo que eu me familiarizei com o pensamento de Mills.
Enquanto fazia pesquisas para minha tese, no início da década de 1990,
deparei com vários artigos de Mills sobre tópico semelhante. Eu tentava
entender a crítica materialista da moralidade em Karl Marx e suas
implicações para a acusação de Marx de que o capitalismo é inerentemente
explorador. Mills havia publicado ensaios investigando o conceito de
ideologia, o materialismo histórico e os limites das críticas morais da
sociedade capitalista em Marx. Essa produção intelectual me impressionou
muito, e o fato de ter sido escrita no idioma da filosofia analítica (meu
modo preferido de escrita filosófica) a tornou especialmente agradável. Eu
também soube, na mesma época, que Mills era negro, o que me levou a
procurar outras obras suas e a descobrir seus primeiros trabalhos sobre
raça e filosofia africana e afro-diaspórica.1
Por que a identidade racial de Mills importava para mim? Antes de
entrar na pós-graduação, eu já me inspirara nos trabalhos de Kwame
Anthony Appiah, Bernard R. Boxill, Howard McGary, Bill Lawson e
Laurence Thomas. Todos são filósofos analíticos negros que escreveram
trabalhos importantes sobre raça e filosofia africana e afro-diaspórica. Mas
esses pensadores estão firmemente enraizados na tradição liberal e dão
pouca atenção às ideias de Marx, meu principal interesse na época. Eu
também estava intensamente curioso a respeito do enigma raça-classe, em
todas as suas manifestações, e meu ponto de partida foi a teoria marxista.
Mills estava modelando o tipo de trabalho que eu queria fazer, em forma e
substância.
Então, vocês podem imaginar como fiquei encantado quando, em uma
reunião da American Philosophical Association, em meados da década de
1990, finalmente o conheci pessoalmente. Depois de um painel do qual
Mills participara, ele se apresentou a mim. Foi encorajador, solidário e
generoso com seu tempo, embora eu não passasse de um mero estudante
de pós-graduação. Rapidamente nos unimos a partir de nossos interesses
acadêmicos mútuos e de nossa esperança de expandir o espaço intelectual
e melhorar o ambiente profissional para pessoas negras na filosofia.
Quando eu estava apenas começando na profissão, ele forneceu o tipo de
mentoria que eu tenho procurado emular desde então com os estudantes
de pós-graduação que conheci ou orientei. Com o tempo, Mills e eu nos
tornamos não apenas colegas, mas amigos — compartilhando ideias e
histórias durante as refeições, debatendo questões difíceis durante a noite e
trabalhando juntos para ajudar a desenvolver um campo que ambos
amamos.
Muita coisa mudou na disciplina de filosofia desde que nos conhecemos.
Perguntas sobre raça e vida negra se moveram das margens para mais
perto do centro, embora nunca tenham chegado até ele, em grande parte
pelos esforços incansáveis e notáveis de Mills. No entanto, ainda me
lembro da minha empolgação em 1997, quando coloquei as mãos no então
recém-publicado livro de que ele vinha me falando, e no qual escreveu a
dedicatória: Para Tommie. Na luta conceitual! Assim, é uma tremenda honra
e um prazer escrever este prólogo para a edição de vigésimo quinto
aniversário daquele livro agora com razão famoso.
As virtudes de O contrato racial são muitas. Em vez de focar estritamente
na América do Norte e na Europa (como é comum), ele oferece uma
perspectiva verdadeiramente global sobre raça, com atenção para África,
Ásia, América Latina, Caribe, ilhas do Pacífico e Austrália. Evita (de fato
rompe com) o enganoso binário preto-branco e considera formas de
dominação racial em que as pessoas de ascendência africana não são as
principais vítimas. O livro está enraizado em uma compreensão
extraordinária da história mundial moderna. Embora seja um trabalho de
filosofia, tem uma abordagem amplamente interdisciplinar de seu tema,
com base na produção acadêmica de todas as ciências humanas e sociais.
Também é escrito em prosa “contundente” e acessível, tornando-o uma
excelente escolha para adoção em cursos de graduação. Essas virtudes,
acredito, explicam parte do amplo apelo do livro fora da filosofia e para
além das fronteiras dos Estados Unidos.
No que diz respeito à filosofia acadêmica, Mills acusa a disciplina, e a
filosofia política em particular, de ser conceitualmente “branca” e evasiva
em relação à subjugação racial. De fato, ele transformou a supremacia
branca em um assunto filosófico sério, enquanto criticava com severidade
os líderes nesse campo por obscurecerem o significado do domínio branco
em sociedades aparentemente democráticas. E apresenta um caso
convincente, de que um contrato racial é o subtexto não reconhecido, mas
assumido, da tradição do contrato social — como exemplificado por
Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant —,
que teve enorme influência na teoria política contemporânea. Também
argumenta que os filósofos políticos têm operado em grande parte com
uma psicologia moral racializada que distorcia a teorização desses filósofos
e limitava a aplicabilidade de suas conclusões ao nosso mundo. Expor o
funcionamento sutil do contrato racial é então uma espécie de terapia
cognitiva para o subcampo.
Esse ataque à filosofia política dominante não deve ser lido como ironia
cínica, resignação pessimista ou postura radical. Seus objetivos são, em
última análise, emancipatórios e estão enraizados na esperança de
mudanças estruturais concretas. Nem se baseia na desconsideração e
rejeição em voga do pensamento político liberal. Em vez disso, Mills
procura revisar, desracializar e radicalizar o liberalismo a fim de que ele
seja redimensionado para fins libertadores. O foco no contrato racial como
algo global em escopo nos ajuda a reformular os debates da filosofia
política desde Hobbes. Dominação racial e imperialismo europeu
deveriam, desde o início, estar no centro das preocupações do subcampo.
Com este livro, Mills realizou uma ruptura pública com o tradicional
marxismo “branco”, situando seus escritos subsequentes na tradição
radical negra. No entanto, pode-se ver prontamente a influência das ideias
de Marx na análise aqui apresentada. Há uma forte posição de
materialismo histórico e análise de classe nas teses que desenvolve. Por
exemplo, diz-se que o contrato racial é impulsionado principalmente pelo
ganho econômico e pela acumulação de capital — a exploração da terra,
do trabalho e dos recursos naturais. A abordagem tem muito em comum
com a crítica da ideologia no sentido marxista ocidental, familiar, da teoria
crítica.
Articula-se no livro uma explicação de como a solidariedade branca
global se opõe às lutas de liberdade dos povos de pele mais escura — tema
boiseano central. Não se trata apenas de uma identidade social nociva, mas
das dimensões políticas e materiais de um conjunto de práticas
transnacionais e catastróficas. Trata-se tanto de poder, trabalho, dinheiro e
de quem vive ou morre quanto da política de reconhecimento e
multiculturalismo. O livro também abre espaço para — e torna mais
legíveis — as contribuições de teóricos políticos não brancos e destaca o
significado filosófico da luta prática antirracista. Os objetos dessa teoria e
prática oposicionais são os regimes raciais e a supremacia branca global,
tornados mais visíveis e explícitos através do enquadramento provocativo
de Mills, que produz variações a partir de tropos e motivos dominantes
nesse campo.
Atualmente há um ataque de direita, pode-se dizer, nacionalista branco,
à teoria racial crítica (trc). A maior parte dessa propaganda reacionária usa
a ideia da teoria racial crítica como um significante vazio, lançando mão de
má-fé para obter vantagem política em um período de polarização racial.
O contrato racial é autoconscientemente uma contribuição para a teoria
racial crítica e, portanto, pode ajudar os leitores de mente aberta a
entender melhor esse movimento intelectual.2
Pioneiros da teoria racial crítica, como Derrick Bell, enfatizaram a
recalcitrância e a pervasividade do racismo na sociedade dos Estados
Unidos. Os fundamentos estruturais da ordem social — do direito
constitucional ao sistema de justiça criminal — são pensados como algo
enraizado na supremacia branca, tornando as mudanças fundamentais
extremamente difíceis, quando não impossíveis. A mudança progressiva
factível ocorre apenas quando a maioria dos brancos está convencida de
que ela os beneficiará materialmente. A raça é real e poderosa, mas
também socialmente construída (não é um tipo biológico) e sustentada
pela prática jurídica. Embora Mills não trate o racismo como uma
característica permanente da sociedade norte-americana, ele o considera
fundacional, produzindo o que chama de um “regime político racial”, que
foi criado por um acordo entre aqueles construídos como brancos com o
objetivo de manter o poder e explorar aqueles considerados não brancos.
Esse contrato racial, de acordo com Mills, cria o constructo da raça e as
identidades duradouras a ele associadas. O poder do Estado é
frequentemente usado para fazer cumprir os termos do acordo e para
derrotar os desafios a ele feitos pelos subordinados raciais.
Os defensores da trc são profundamente críticos do pensamento e da
prática jurídica liberais, em particular por seu endosso à política social
daltônica e por sua falta de realismo racial. Mills também é bastante crítico
da teoria liberal por razões semelhantes. Ele acredita que ela esconde a
história sombria da dominação racial (que continua a moldar nosso
presente) recuando para uma mitologia abstrata e idealista, em vez de
confrontar o legado concreto do contrato racial global.
A teoria racial crítica desenvolveu-se na sequência da teoria feminista
radical, com seu compromisso com a interseccionalidade e a teoria do
ponto de vista. O livro de Mills foi inspirado no influente livro feminista O
contrato sexual, de Carole Pateman, e ele incorpora insights-chave do
feminismo radical, incluindo a ideia de que o patriarcado é em si um
sistema político e que, tal como o regime político racial, deve ser
desmantelado. Ele também defende a ideia de que os racialmente
oprimidos têm um insight especial sobre a natureza de sua subordinação, e
até sugere que eles apenas tornam esse insight explícito — por exemplo a
epígrafe deste livro, atribuída a um “aforismo popular negro americano”.
Por fim, os teóricos raciais críticos, em vez de se apoiarem em modos
bem aceitos de expressão teórica (como o tratado sistemático e o artigo de
jornal sóbrio) ou se conformarem às normas disciplinares, lançam mão de
formas não convencionais, mesmo transgressivas, de comunicar suas
ideias, incluindo narrativa, autobiografia e alegorias. Mills fornece uma
contranarrativa abrangente que perturba nossas expectativas sobre como
deveria ser um trabalho de filosofia política.
Não cabe a mim dizer quais serão as ideias duradouras de O contrato
racial. No entanto, algumas delas me acompanharam nos últimos 25 anos.
Para marcar a forma peculiar de desumanização que as pessoas de pele
escura sofreram por causa da supremacia branca, Mills faz uma distinção
crucial entre pessoa e subpessoa. Os leitores devem prestar muita atenção
em como essa distinção é desenvolvida e usada para explicar a relação
entre o contrato social manifesto e o contrato racial encoberto.
A ideia provocativa e esclarecedora de que o contrato racial está sendo
continuamente reescrito é um aspecto subvalorizado da teoria de Mills. O
regime racial não é estático, mas evolui com as mudanças nas condições
sociais e no poder. A dominância branca não costuma mais ser
formalmente codificada por lei. Mas o contrato entre aqueles que abraçam
sua branquitude e desejam manter suas vantagens foi reformulado para
garantir fins semelhantes e explorar o legado de regimes anteriores, mais
explicitamente racistas. Isso torna a luta antirracista mais complexa e
desafiadora, em parte porque muitos brancos negam que o racismo
continue em vigor.
Também acredito que a distinção de Mills entre signatário e beneficiário
do contrato racial seja importante. Embora ache que todos os brancos
inevitavelmente se beneficiam do contrato racial (queiram ou não), ele
sustenta que apenas alguns brancos efetivamente firmaram a manutenção
do contrato. Alguns desses signatários defendem abertamente as ideias
supremacistas brancas e trabalham com afinco para negar às pessoas de
pele escura seus direitos básicos. Outros signatários, embora não
(oficialmente) subscrevam ideais racistas, aceitam de bom grado as
vantagens de sua branquitude e pouco ou nada fazem para ajudar a
desmantelar o regime racial. Mills não está condenando as pessoas
simplesmente por serem brancas; tampouco pensa que a aceitação passiva
dos benefícios da supremacia branca, por si só, faz com que alguém seja
passível de culpa. Ele chama a atenção para a cumplicidade em regimes de
dominação racial, uma cumplicidade que às vezes assume a forma de
indiferença e ignorância voluntária da subordinação racial passada e
contínua. Mas o outro — e mais esperançoso — lado desse aspecto é que
os brancos que se tornaram conscientes do contrato racial podem se
recusar a assiná-lo, podem se rebelar contra aqueles que optam por mantê-
lo e procuram se beneficiar dele. Eles podem se juntar aos povos de pele
mais escura do globo na luta gloriosa, embora prolongada, para anular o
contrato.
Embora eu concorde com muitas das críticas que Mills faz à filosofia
política, devo confessar que não endosso todas elas. Em particular, não
aceito sua crítica à teoria ideal, pelo menos não em todos os seus detalhes.
No entanto, este não é o lugar para explorar nossos desacordos.3 Contudo,
há uma crítica que eu costumava fazer a este livro que no momento acho
estar fora de lugar. Mills exagera as falhas e os fracassos da filosofia política
contemporânea. Este ainda é meu julgamento bem refletido. Mas agora eu
suspeito que tal hipérbole tenha sido necessária para chamar a atenção
para um assunto tão lamentável e indesculpavelmente negligenciado nesse
subcampo. Talvez fosse necessário tratar o viés cognitivo e os pontos cegos
que Mills corretamente identificou na disciplina. Afinal, ele tentava efetuar
uma mudança gestáltica e desestabilizar um paradigma reinante. Além
disso, usava uma técnica subversiva extraída da prática vernácula negra de
humor e performance cômica, zombando do grupo dominante e do
poderoso lançando mão de exageros e generalizações. Ele escrevia contra
a corrente, contra as expectativas dominantes e, até mesmo, às vezes
transgredia as normas acadêmicas.
Essas estratégias polêmicas e esse talento retórico negro deram fruto,
criando um texto clássico que já influenciou mais de uma geração de
pensadores que refletem sobre os limites da teoria política dominante e o
problema contínuo do racismo. Está claro para mim agora que Mills tem
uma voz distinta, com o poder de alcançar muitos. Então, dou as boas-
vindas a esta nova edição de O contrato racial. E espero sinceramente que o
livro instigue outros filósofos (e outras pessoas com a mesma inclinação) a
se juntarem à luta conceitual.
Prefácio
O contrato racial: O velho é novo de novo

“Professor Mills, estou escrevendo apenas para dizer que O contrato racial
mudou minha vida.”
A minha também.
Recebi muitas dessas cartas ao longo dos anos, vindas de estudantes de
pele escura que me enviaram e-mails do nada para me informar a respeito
do impacto que meu livro teve sobre eles. O contrato racial fez vibrar uma
corda que ainda ressoa décadas depois. De fato, considerando que estou
escrevendo isto na esteira das massivas manifestações globais contra o
racismo provocadas pela morte de George Floyd pelas mãos da polícia de
Minneapolis, sua maior influência pode estar ainda mais adiante. Um livro
que começa com a declaração um dia tão provocativa, Supremacia branca é
o sistema político não nomeado que fez do mundo moderno o que ele é hoje, não
parece mais tão ultrajante. Nem protestos internacionais contra o legado
do colonialismo europeu, o imperialismo, a escravização racial e os
estados colonizadores brancos excludentes; tampouco as demandas para
reformar os currículos ocidentais e os sistemas educacionais que
fomentam uma perigosa “ignorância branca” sobre o passado e o presente;
e os chamados pelo fim da dominação branca estrutural e da injustiça
racial — de repente, tornou-se muito mais difícil negar a precisão da
imagem pintada por este pequeno livro há 25 anos.
Estou seguindo uma longa linhagem de intelectuais negros, trabalhando
em várias disciplinas, que esperavam que seus escritos ajudassem a criar
uma sociedade melhor. Na filosofia, há muitas concepções de filósofos e
tarefas filosóficas, do humilde suboperário (Locke) ao ambicioso
construtor de sistemas (Friedrich Hegel), de uma disciplina que deixa tudo
como está (Ludwig Wittgenstein) a outra que visa mudar o mundo (Marx).
Mas a tradição radical negra internacional sempre esteve inabalavelmente
comprometida com esta última.1 Muito antes do nascimento de Karl
Marx, a diáspora forçada da escravidão africana deu origem a uma
comunidade de pessoas racialmente oprimidas que procurava analisar de
forma crítica sua opressão, compreendê-la e, finalmente, acabar com ela.
Na formulação de Leonard Harris, a filosofia afro-americana (e, em
grande medida, a filosofia africana e afro-diaspórica moderna) é uma
“filosofia nascida da luta”.2 A sala de aula e o painel de conferência são
cenários locacionais relativamente recentes desse discurso revolucionário;
o ambiente original era o das senzalas. Nas suas melhores versões, a
tradição radical negra não tem sido estreitamente nacionalista, mas
declarou sua solidariedade aos subordinados em toda parte.
Assim, ao contrário dos principais filósofos brancos, particularmente na
tradição analítica, que se apresentam como pensadores desinteressados
abordando questões atemporais sem qualquer necessidade de atenção às
circunstâncias contingentes, eu vejo a disciplina como corporificada e
socialmente inserida. O contrato racial é moldado tanto pela experiência
negra quanto pela minha identidade específica como jamaicano, depois
como jamaicano-americano, porque eu migrei para os Estados Unidos, a
fim de me tornar parte do pequeno mas resoluto grupo de filósofos negros
(ainda apenas 1% da profissão).
A perspectiva internacional manifestada no livro desde pronto me veio à
mente. Se você é de uma pequena nação do Sul Global com menos de 3
milhões de pessoas, é mais difícil acreditar que você está no centro do
mundo (embora alguns jamaicanos tenham tentado ao máximo) e ignorar
as forças internacionais que determinaram os contornos daquele mundo.
De fato, a própria formação da Jamaica no período moderno é resultado
do imperialismo europeu. Xaymaca (o nome ameríndio taíno original) foi
invadida e conquistada por Cristóvão Colombo em 1494. A população
indígena foi dizimada, e uma economia escrava se estabeleceu através da
importação de povos africanos capturados. Os espanhóis foram
posteriormente expulsos pelos britânicos, na década de 1650, e a
escravização em larga escala foi instituída, tornando o país uma das
possessões escravas mais lucrativas da Grã-Bretanha (uma “colônia de
exploração” na qual os brancos eram basicamente supervisores externos,
ao contrário das colônias de assentamento branco europeu, como os
Estados Unidos, marcadas pela imigração europeia massiva). A escravidão
foi finalmente abolida ao longo de quatro anos, começando em 1834, mas
a Jamaica permaneceria uma colônia britânica até 1962. E as ideologias
racistas da superioridade europeia justificaram esses sistemas de
dominação ao longo de centenas de anos.
De modo nada surpreendente, então, a recém-independente Jamaica em
que fui criado envolveu-se em intensos debates políticos sobre a questão
do colonialismo e seu legado para a Jamaica pós-colonial (ou aquilo foi, na
verdade, neocolonial?). Além disso, sob o governo social-democrata dos
anos 1970, de Michael Manley, a Jamaica não apenas tentava reformar sua
estrutura socioeconômica piramidal branca/parda/preta herdada, mas
também desempenhava um papel fundamental no cenário mundial; junto
com outras nações do Sul Global, tentou criar uma Nova Ordem
Econômica Internacional. Deixando a atmosfera política de estufa,
mergulhada nos debates radicais anglo-caribenhos da época, fiquei,
portanto, completamente surpreso ao ser apresentado à filosofia política
dominante no trabalho de John Rawls quando comecei meu doutorado na
Universidade de Toronto. Sua prescrição em Uma teoria da justiça, de que
deveríamos pensar a sociedade como, de fato — não apenas idealmente —,
“um empreendimento cooperativo para vantagem mútua”, cujas regras
são “projetadas para promover o bem daqueles que dele participam”, me
fez perceber que essas pessoas estavam trabalhando segundo um manual
muito diferente!3
Embora escrito muitos anos depois, O contrato racial deve ser visto como
minha recusa enfática dessa conceitualização. Com efeito, escrevi o livro
que eu mesmo gostaria de ler ao tentar lidar pela primeira vez com a
brancura ofuscante da disciplina. (Os muitos alunos que me enviam e-
mails ainda enfrentam o mesmo problema.) Essa brancura deve ser
entendida não apenas em termos de números e demografia profissional,
não apenas como manifesta em comentários racistas sobre pessoas de pele
escura no trabalho de figuras canônicas e na exclusão de pessoas de pele
escura desse mesmo cânone, mas — em seu nível mais profundo e
desafiador — no enquadramento conceitual e teórico de questões-chave.
E, a fim de alcançar um público de massa para minha própria tentativa de
reformulação, O contrato racial é meu caso de sucesso, tendo vendido várias
vezes mais que meus outros cinco livros juntos, e constituindo quase
metade do total de minhas citações no Google Acadêmico. Sua aceitação
tem sido internacional e interdisciplinar. Ele foi aplicado, me disseram, às
hierarquias comparativas de cor na Jamaica e em Barbados, à política na
Índia pós-colonial, à dinâmica racial nacional e internacional de
Israel/Palestina, ao racismo no Serviço Público Australiano e à “ignorância
branca” no sistema educacional da Nova Zelândia (Aotearoa). Tem sido
amplamente adotado nas salas de aula de disciplinas outras que não a
filosofia: ciência política, sociologia, educação, relações internacionais,
estudos afro-americanos, antropologia, história e direito.
Tendo concluído meu trabalho de doutorado no Canadá, acabei
conseguindo um emprego nos Estados Unidos, juntando-me a um grupo
comprometido de filósofos negros, em grande parte afro-americanos, que
havia muito tempo estava engajado no mesmo projeto.
É difícil transmitir aos leitores mais jovens de hoje o quão diferente era
a cena filosófica em meados da década de 1990. Publicavam-se livros sobre
raça e filosofia afro-americana — tratando de justiça social, da tradição
religiosa profética, do problema da “subclasse”, de filosofia e escravidão e
das tradições filosóficas afro-americanas —, mas ainda eram relativamente
raros. Nem uma única editora tinha uma série sobre filosofia e raça ou
filosofia afro-americana; hoje, pelo menos cinco delas têm. Nem havia
compêndios ou guias para nenhum desses campos; agora existem pelo
menos três.
Mas Na casa de meu pai, de Kwame Anthony Appiah, publicado em 1992,
representou uma espécie de ponto de virada, embora não fosse
necessariamente reconhecido como tal na época.4 Na visão do colega
filósofo negro Paul C. Taylor, o livro de Appiah foi o texto crucial para
legitimar o estudo da raça e da filosofia africana e afro-diaspórica na
filosofia dominante. Appiah não só tinha credenciais impecáveis de
Oxbridge, mas também possuía uma formação técnica em filosofia
analítica da linguagem. Como, para o bem ou para o mal, a filosofia
analítica é a abordagem hegemônica na profissão, isso significava que raça
e temas africanos e afro-diaspóricos se tornaram respeitáveis de uma
forma que os tratamentos continentais não teriam sido capazes de fazer.
Mas, embora o trabalho de Appiah tenha alcançado um público muito
maior, suas conclusões não foram bem-vindas para a maioria dos filósofos
negros. Sua posição sobre raça era evidentemente eliminativista — “A
verdade é que não há raças” —, e ele era hostil à tradição política pan-
africanista baseada na raça, por exemplo, nos escritos de William E. B. Du
Bois, vendo-a como moralmente duvidosa e possivelmente até racista.5
Em contraste, Lucius Outlaw, vindo da tradição da teoria crítica
continental (embora criticando-a por negligenciar a raça) e há muito
envolvido na luta de libertação dos negros americanos, insistiu na
realidade e no significado sociopolítico da raça, articulados em seu livro On
Philosophy and Race [Acerca de filosofia e raça].6 Nos pequenos círculos
filosóficos de pessoas interessadas em raça, a contenda Appiah-Outlaw
seria reconhecida como o debate-chave do período, desenrolando-se em
seminários e artigos de periódicos, para não mencionar uma explosão
drástica na conferência sobre filosofia e raça em Rutgers, em 1994 (embora
a paz e a civilidade tenham sido restauradas mais tarde — pergunte aos
mais velhos os detalhes).
Claro que eu queria participar dessa conversa, mas como, exatamente?
Minha simpatia estava definitivamente com Outlaw, se não com sua
linguagem. Fui treinado como filósofo analítico e continuo a me
considerar como tal, embora minha abertura para os insights da história,
da sociologia, da ciência política — e aquela fatia da filosofia continental
que consigo entender — tenha feito de mim um suspeito, ou talvez
simplesmente um renegado, perante muitos olhos analíticos. O desafio,
como eu o via, era tornar a filosofia política analítica mais sócio-
historicamente responsável: como isso poderia ser alcançado? O contrato
racial pode ser pensado como uma intervenção filosófica negra que toma o
eminentemente respeitável aparato político da teoria do contrato social e
tenta adaptá-lo de forma radical a fim de trazer a raça para a discussão. Em
vez do discurso branco segregado da filosofia política analítica dominante
da época, eu defendia um novo enquadramento que reconhecesse as
realidades políticas que marcam a experiência das pessoas de pele escura
na modernidade. Sim, raça realmente existe, se não biologicamente, pelo
menos como uma construção social com uma realidade social; e sim, raça
em geral e dominação branca em particular têm sido fundamentais para
construir o mundo moderno; então, sim, nós podemos — e devemos —
desenvolver uma filosofia política informada por essas realidades, e, é
claro, que evite o racismo.
Minhas raízes jamaicanas e minhas simpatias internacionais afro-
caribenhas encontraram uma maneira de se expressar, em solidariedade e
diálogo com a tradição radical negra americana, em um livro sintetizador
(e nos trabalhos posteriores). Nele, eu reivindico uma posição que comecei
recentemente a chamar de liberalismo radical negro, que pretende
integrar um repensar antirracista amplamente revisionista do liberalismo
para os progressistas.7 E, de fato, Tommie Shelby, autor do prólogo desta
edição, sugere em seu Dark Ghettos: Injustice, Dissent, and Reform [Guetos
sombrios: injustiça, dissidência e mudança], que, embora receba nomes
diferentes, essa é uma posição, ou um conjunto de posições,
historicamente adotada por muitos pensadores políticos negros.8 Embora
Shelby e eu possamos discordar sobre os detalhes, particularmente em
nossas leituras de Rawls, concordamos no quadro geral. (Para um paralelo
com o mundo dos estudos de gênero, pense nas muitas variedades
diferentes do liberalismo feminista.)9 A ideia é recuperar o liberalismo de
uma forma sensível à raça, levando em conta as críticas feministas negras.
O trabalho de Shatema Threadcraft, por exemplo, enfatiza a necessidade
de desenvolver os conceitos de opressão racial e da correspondente justiça
racial corretiva que reconheçam a natureza interseccional de ambos, como
a violação histórica dos direitos reprodutivos das mulheres negras.10
Aqui está minha própria versão desse projeto. O liberalismo radical
negro é necessária, íntima e criticamente engajado nas tradições políticas
europeias e euro-americanas “brancas”. De fato, falar delas como tradições
completamente separadas se arrisca a reificá-las como entidades
claramente distintas, mapeando territórios diferentes, quando, claro, todo
o objetivo da tradição negra/africana e afro-diaspórica é oferecer uma
cartografia revisionista do mesmo território. Não é uma questão de
mundos políticos diferentes, mas de perspectivas hegemônicas e
subalternas sobre o “mesmo” mundo político — embora experimentado e
visto de forma muito diferente das posições de privilégio social e
subordinação social.
Estão aí envolvidos, assim, tanto um aspecto descritivo quanto um
normativo: o redesenhar de fronteiras-padrão e de diferenciações internas
do espaço político; e o levantamento de questões normativas tipicamente
ignoradas ou, de modo mais forte, prontamente rejeitadas pela ordem
hegemônica. As nações liberais do Ocidente e aqueles países sobre os quais
impuseram seu liberalismo, que Rawls nos exorta a pensar como
empreendimentos cooperativos para vantagem mútua, eram estados
supremacistas brancos. O racismo não era uma anomalia, mas estava
constitutivamente incorporado em suas “estruturas básicas” (para citar
Rawls) como potências coloniais e imperiais, colônias de exploração,
sociedades de escravidão racial e estados colonizadores brancos. Mas,
como a supremacia branca não é reconhecida (uma evasão
descritiva/conceitual), a justiça racial é tematicamente marginalizada
(uma evasão normativa/prescritiva). O resultado? A teoria da justiça social
liberal do Ocidente branco do último meio século.
Minha alegação, então, é que, conforme empregada de maneira-padrão,
a metáfora do contrato social da teoria política ocidental revivida por
Rawls da década de 1970 em diante não é nem remotamente um aparato
neutro para representar essas realidades, mas é um aparato tendencioso e,
de modo profundo, teoricamente enviesado. Em vez disso, precisamos
trabalhar com a metáfora concorrente e mais útil de um “contrato de
dominação”, seja para raça, como no contrato racial, ou em outros
contextos.11 Assim, seremos capazes de nos envolver com as linhagens
mais influentes do discurso liberal e, ao mesmo tempo, dar voz às pessoas
de pele escura vitimadas pela dominação racial do Ocidente e pela
consequente injustiça racial. A questão da justiça social, então, se torna
principalmente uma questão de justiça corretiva: como desmantelamos a
estrutura básica racializada criada pelo contrato racial?12 Em vez de
estarem isolados em um mundo conceitual separado, os textos políticos de
pessoas de pele escura enraizados em sua longa história de lutas anti-
imperialistas, anticoloniais, abolicionistas, antiapartheid e antirracistas
estão integrados em um espaço discursivo que aborda todos os mesmos
problemas da teoria dominante, mas através de linhas de investigação
racialmente informadas, e não racialmente evasivas.
Uma nova edição deste livro é ocasião para olhar para a frente, mas
também para trás. Enquanto escrevo este prefácio, uma nova geração de
filósofos e teóricos políticos está examinando os problemas da injustiça
racial estrutural em escala global. Um mundo pós-Floyd não pode —
espera-se — voltar ao esquecimento político do passado sobre a raça.
Espero também que O contrato racial continue a servir como texto valioso
para o avanço desse projeto. Embora haja motivos para otimismo, tem
surgido uma reação contra a teoria racial crítica e a filosofia crítica da raça.
Forças políticas poderosas em várias nações ocidentais — Estados Unidos,
Grã-Bretanha e França, entre outros — veem esse trabalho como
subversivo, ameaçando a ordem vigente.13 E, de certa forma, claro, elas
estão completamente corretas, considerando o estabelecimento dessa
ordem sobre a dominação racial branca. A oposição a elas confirma a
validade do diagnóstico de O contrato racial — de que o liberalismo foi e é
racializado, baseado na exclusão, e de que haverá resistência à inclusão
substantiva das pessoas de pele escura. Somente admitindo e
confrontando essa realidade o contrato racial pode ser desfeito. A luta pela
justiça racial continua, mas a luta contra ela também.
O contrato racial
When white people say “Justice”, they mean “Just us”.
[Quando as pessoas brancas dizem “justiça”, querem dizer
“apenas nós”.]
Aforismo popular negro americano
Introdução

Supremacia branca é o sistema político não nomeado que fez do mundo


moderno o que ele é hoje. Você não encontrará esse termo em textos
introdutórios, ou mesmo avançados, de teoria política. Um curso-padrão
de graduação em filosofia começará com Platão e Aristóteles, talvez diga
algo sobre Agostinho, Tomás de Aquino e Maquiavel, passará para
Hobbes, Locke, John Stuart Mill e Marx, e então terminará com John
Rawls e Robert Nozick. Irá apresentar a você noções de aristocracia,
democracia, absolutismo, liberalismo, governo representativo, socialismo,
capitalismo de bem-estar social e libertarismo. Mas, embora cubra mais de
2 mil anos de pensamento político ocidental e percorra a gama ostensiva
de sistemas políticos, não haverá menção ao sistema político básico que
moldou o mundo nas últimas centenas de anos. E essa omissão não é
acidental. Em vez disso, reflete o fato de que os livros e cursos-padrão
foram, em sua maioria, escritos e elaborados por brancos, que tacitamente
assumiram seu privilégio racial a tal ponto que nem sequer o veem como
político, como uma forma de dominação. Ironicamente, o sistema político
mais importante da história global recente — o sistema de dominação
através do qual os brancos historicamente governaram e, em certos
aspectos importantes, continuam a governar pessoas não brancas — não é
visto de maneira alguma como um sistema político. Ele é apenas
pressuposto; é o cenário contra o qual outros sistemas, que nós deveríamos
ver como políticos, se destacam. Este livro é uma tentativa de redirecionar
seu olhar, de fazer você ver o que, de certa forma, sempre esteve lá.
A filosofia tem permanecido notavelmente intocada pelos debates sobre
multiculturalismo, reforma do cânone e diversidade étnica que
atormentam a academia; demográfica e conceitualmente, é uma das mais
“brancas” das ciências humanas. Pessoas negras, por exemplo, constituem
apenas cerca de 1% dos filósofos nas universidades norte-americanas —
cerca de cem pessoas em mais de 10 mil —, e há menos ainda filósofos
latinos, asiático-americanos e nativos americanos.1 Certamente, essa sub-
representação em si precisa de uma explicação e, em minha opinião, ela
pode ser atribuída em parte a uma matriz conceitual e um repertório-
padrão de preocupações cuja abstração tipicamente omite, em vez de
incluir genuinamente, a experiência das minorias raciais. Uma vez que
mulheres (brancas) têm a vantagem demográfica numérica, é claro que há
muito mais filósofas na profissão do que filósofos não brancos (embora
ainda não sejam proporcionais à porcentagem de mulheres da população),
e elas tiveram um progresso muito maior no desenvolvimento de
conceituações alternativas. Aqueles filósofos afro-americanos que
trabalham na teoria moral e política tendem a produzir um trabalho geral
indistinguível daquele de seus pares brancos ou a se concentrar em
questões locais (ação afirmativa, a “subclasse” negra) ou figuras históricas
(W. E. B. Du Bois, Alain Locke) de uma forma que não se engaja
agressivamente com o debate mais amplo.
O que é necessário é um quadro teórico global para situar as discussões
de raça e racismo branco e, assim, desafiar os pressupostos da filosofia
política branca, que corresponderia à articulação das teóricas feministas
acerca da centralidade do gênero, do patriarcado e do machismo na teoria
moral e política tradicional. O que é necessário, em outras palavras, é um
reconhecimento de que o racismo (ou, como argumentarei, a supremacia
branca global) é em si um sistema político, uma estrutura particular de
poder para um governo formal ou informal, para o privilégio
socioeconômico e para normas de distribuição diferenciada de riquezas
materiais e oportunidades, benefícios e responsabilidades, direitos e
deveres. A noção de contrato racial é, sugiro, uma forma possível de fazer
essa conexão com a teoria dominante, uma vez que usa o vocabulário e o
aparato já desenvolvidos pelo contratualismo para mapear esse sistema
não reconhecido. O vocabulário contratualista é, afinal, a língua franca
política de nossos tempos.
Todos compreendemos a ideia de um “contrato”, um acordo entre duas
ou mais pessoas para fazer algo. O “contrato social” apenas amplia essa
ideia. Se pensarmos nos seres humanos como começando em um “estado
de natureza”, isso sugere que eles então decidem estabelecer uma sociedade
civil e um governo. O que nós temos, então, é uma teoria que fundamenta
o governo no consentimento popular de indivíduos considerados iguais.2
Mas o contrato peculiar a que estou me referindo, embora baseado na
tradição de contrato social que tem sido central para a teoria política
ocidental, não é um contrato entre todos (“nós, o povo”), mas apenas
entre as pessoas que contam, as pessoas que realmente são pessoas (“nós,
os brancos”). Portanto, é um contrato racial.
O contrato social, seja na sua versão original, seja na sua versão
contemporânea, constitui um poderoso conjunto de lentes para olhar a
sociedade e o governo. Mas, em seu obscurecimento das realidades
desagradáveis sobre poder e dominação de grupo, ele é, caso não
complementado, uma explicação profundamente enganosa de como o
mundo moderno realmente é e veio a ser. O “contrato racial” como uma
teoria — uso aspas para indicar quando estou falando sobre a teoria do
contrato racial, em contraste com o contrato racial propriamente dito —
explicará que o contrato racial é real e que as violações racistas aparentes
dos termos do contrato social na verdade sustentam os termos do contrato
racial.
O “contrato racial”, então, pretende ser uma ponte conceitual entre
duas áreas que estão segregadas demais uma da outra: por um lado, o
mundo das correntes dominantes (isto é, brancas) da ética e da filosofia
política, preocupadas com as discussões de justiça e direitos em abstrato, e,
por outro lado, o mundo do pensamento político nativo americano, afro-
americano e terceiro e quarto-mundista,3 historicamente focado em
questões de conquista, imperialismo, colonialismo, povoamento branco,
direito à terra, raça e racismo, escravidão, jim crow, reparação, apartheid,
autenticidade cultural, identidade nacional, indigenismo, afrocentrismo etc.
Essas questões dificilmente aparecem na filosofia política dominante,4 mas
têm sido centrais nas lutas políticas da maioria da população mundial. Sua
ausência do que é considerado filosofia séria é um reflexo não de sua falta
de seriedade, mas da cor da vasta maioria dos filósofos acadêmicos
ocidentais (e talvez da falta de seriedade destes).
A grande virtude da teoria do contrato social tradicional era fornecer
respostas aparentemente diretas tanto a questões factuais sobre as origens
e o funcionamento da sociedade e do governo quanto a questões
normativas sobre a justificação de estruturas socioeconômicas e das
instituições políticas. Além disso, o “contrato” era muito versátil,
dependendo de como os diferentes teóricos viam o estado de natureza, a
motivação humana, os direitos e liberdades a que as pessoas renunciavam
ou os que retinham, os detalhes particulares do acordo e o caráter
resultante do governo. Na versão rawlsiana moderna do contrato, essa
flexibilidade continua a ser ilustrada, uma vez que Rawls dispensa as
reivindicações históricas do contratualismo clássico e concentra-se, em vez
disso, na justificação da estrutura básica da sociedade.5 Desde o seu
apogeu, de 1650 a 1800, como uma grande explicação quase antropológica
das origens e do desenvolvimento da sociedade e do Estado, o contrato
agora se tornou apenas uma ferramenta normativa, um dispositivo
conceitual para trazer à tona nossas intuições sobre justiça.
Mas meu uso é diferente. O “contrato racial” que eu emprego está, em
certo sentido, mais de acordo com o espírito dos contratualistas clássicos
— Hobbes, Locke, Rousseau e Kant.6 Eu o uso não meramente de
maneira normativa, para gerar juízos sobre justiça e injustiça social, mas
de forma descritiva, para explicar a gênese efetiva da sociedade e do
Estado, a maneira na qual a sociedade está estruturada, a maneira como o
governo funciona e a psicologia moral das pessoas.7 O caso mais famoso
em que o contrato é usado para explicar uma sociedade manifestamente
não ideal, o que seria denominado no jargão filosófico atual uma
explicação “naturalizada”, é o Discurso sobre a origem da desigualdade entre os
homens, de Rousseau (1755). Rousseau defende que o desenvolvimento
tecnológico no estado de natureza dá origem a uma sociedade nascente de
crescentes desigualdades de riqueza entre ricos e pobres, que são então
consolidadas e tornadas permanentes por um “contrato social”
enganador.8 Enquanto o contrato ideal explica como uma sociedade justa
seria formada, governada por um governo moral e regulada por um
código moral defensável, esse contrato não ideal/naturalizado explica
como uma sociedade injusta, exploradora, governada por um governo
opressivo e regulada por um código imoral vem a existir. Se o contrato ideal
deve ser endossado e emulado, esse contrato não ideal/naturalizado deve
ser desmistificado e condenado. Assim, o motivo de analisar o contrato
não ideal não é ratificá-lo, mas usá-lo para explicar e expor as iniquidades
do regime não ideal real e nos ajudar a ver além das teorias e das
justificações morais oferecidas em sua defesa. Ele nos dá uma espécie de
visão de raio-X da lógica interna real do sistema sociopolítico. Assim,
realiza um trabalho normativo para nós, não por meio de seus próprios
valores, que são detestáveis, mas permitindo-nos compreender a história
real do regime político e como esses valores e conceitos funcionaram para
racionalizar a opressão, para que possamos reformá-los.
O provocativo trabalho feminista de Carole Pateman de uma década
atrás, O contrato sexual, é um bom exemplo dessa abordagem (e foi a
inspiração para meu livro, embora meu uso seja um pouco diferente); sua
existência demonstra quanto de vida descritiva/explicativa ainda há no
contrato.9 Pateman o usa naturalisticamente, como uma maneira de
modelar a dinâmica interna das sociedades não ideais dominadas por
homens, que de fato existem nos dias de hoje. Portanto, esse é, como
indicado, um retorno à abordagem “antropológica” original na qual o
contrato é pretendido como historicamente explicativo. Mas a reviravolta
é, obviamente, que seu propósito agora é subversivo: o de desenterrar o
pacto masculino oculto e injusto sobre o qual o contrato social
ostensivamente neutro, no que diz respeito a gênero, de fato repousa. Ao
olhar para a sociedade ocidental e suas ideologias políticas e morais
predominantes como se fossem baseadas em um “contrato sexual”
inconfesso, Pateman oferece uma “história conjectural” que revela e expõe
a lógica normativa que dá sentido às inconsistências, circunlocuções e
subterfúgios dos teóricos clássicos do contrato e, correspondentemente,
do mundo de dominação patriarcal que seus trabalhos ajudaram a
racionalizar.
Meu objetivo aqui é adotar um contrato não ideal como um dispositivo
retórico e um método teórico para compreender a lógica interna da
dominação racial e como ela estrutura os regimes políticos ocidentais e de
outros lugares. O “contrato social” ideal tem sido um conceito central da
teoria política ocidental para compreender e avaliar o mundo social. E
conceitos são cruciais à cognição: cientistas cognitivos indicam que eles
nos ajudam a categorizar, aprender, lembrar, inferir, explicar, resolver
problemas, generalizar, fazer analogias.10 Do mesmo modo, a falta de
conceitos apropriados pode impedir a aprendizagem, interferir na
memória, bloquear inferências, obstruir explicações e perpetuar
problemas. Estou sugerindo, então, que, como um conceito central, a
noção de um contrato racial pode ser mais reveladora do caráter real do
mundo em que estamos vivendo e das deficiências históricas
correspondentes de suas teorias e práticas normativas do que as noções
destituídas de raça que são atualmente dominantes na teoria política.11
Tanto no nível preliminar de uma conceitualização alternativa dos fatos
quanto no nível secundário (reflexivo) de uma análise crítica das próprias
teorias ortodoxas, o “contrato racial” nos permite lidar com a teoria
política ocidental dominante para trazer a raça para o debate. À medida
que o contratualismo é pensado como uma maneira útil de se fazer
filosofia política, de teorizar sobre como o regime político foi criado e
quais valores deveriam guiar nossas prescrições para torná-lo mais justo, é
obviamente crucial compreender o que o “contrato” original e continuado
realmente era e é, para que possamos corrigi-lo na construção do
“contrato” ideal. O “contrato racial” deveria portanto ser
entusiasticamente bem-recebido também por contratualistas brancos.
Assim, este livro pode ser pensado como se apoiando em três
afirmações simples: a afirmação existencial — a supremacia branca, tanto
local quanto global, existe e tem existido por muitos anos; a afirmação
conceitual — a supremacia branca deve ser ela mesma pensada como um
sistema político; a afirmação metodológica — enquanto sistema político, a
supremacia branca pode, de forma esclarecedora, ser teorizada como
baseada em um “contrato” entre brancos, um contrato racial.
Aqui, então, estão dez teses sobre o contrato racial, divididas em três
capítulos.
1. Visão geral

Começarei com uma visão geral do contrato racial, destacando suas


diferenças e semelhanças em relação ao contrato social clássico e
contemporâneo. O contrato racial é político, moral e epistemológico; o
contrato racial é real; e, economicamente, ao determinar quem fica com o
quê, o contrato racial é um contrato de exploração.
O contrato racial é político, moral e epistemológico

O “contrato social”, na verdade, são vários contratos em um. Os


contratualistas contemporâneos geralmente diferenciam, para começar, o
contrato político e o contrato moral, antes de fazer distinções (subsidiárias)
entre ambos. Afirmo, no entanto, que o contrato social ortodoxo também
pressupõe tacitamente um contrato “epistemológico”, e, para o contrato
racial, é crucial tornar isso explícito.
O contrato político é uma explicação sobre as origens do governo e de
nossas obrigações políticas para com ele. A distinção subsidiária às vezes
feita no contrato político é entre o contrato para estabelecer a sociedade
(desse modo, retirando indivíduos “naturais” pré-sociais do estado de
natureza e reconstruindo-os e constituindo-os como membros de um
corpo coletivo) e o contrato para estabelecer o Estado (desse modo,
transferindo totalmente, ou delegando em uma relação de confiança, os
direitos e poderes que temos no estado de natureza para uma entidade
governante soberana).1 O contrato moral, por outro lado, é a base do
código moral estabelecido para a sociedade, pelo qual os cidadãos devem
regular seu comportamento. A distinção subsidiária aqui é entre duas
interpretações (a serem discutidas) da relação entre o contrato moral e a
moralidade do estado de natureza. Nas versões modernas do contrato,
sobretudo na de Rawls, é claro, o contrato político em grande parte
desaparece, porque a antropologia moderna há muito substituiu as
histórias da origem social ingênua dos contratualistas clássicos. O foco é,
então, quase exclusivamente no contrato moral. Este não é concebido
como um evento histórico real que ocorreu ao se deixar o estado de
natureza. Em vez disso, o estado de natureza sobrevive apenas na forma
atenuada do que Rawls chama de “posição original”, e o “contrato” é um
exercício puramente hipotético (um experimento mental) para estabelecer
o que seria apenas uma “estrutura básica”, com uma tabela de direitos,
deveres e liberdades que moldam a psicologia moral dos cidadãos,
concepções de direito, noções de respeito próprio etc.2
Já o contrato racial — e o “contrato racial” como teoria, isto é, o exame
crítico e distanciado do contrato racial — segue o modelo clássico de ser
ao mesmo tempo sociopolítico e moral. Ele explica como a sociedade foi
criada ou crucialmente transformada, como os indivíduos nessa sociedade
foram reconstituídos, como o Estado foi estabelecido e como um código
moral particular e uma certa psicologia moral surgiram. (Como já
enfatizei, o “contrato racial” busca uma explicação para a maneira como as
coisas são e como elas vieram a ser dessa forma — o descritivo —, bem
como a maneira como deveriam ser — o normativo —, uma vez que, de
fato, uma de suas queixas sobre a filosofia política branca é precisamente
seu caráter sobrenatural, o fato de ignorar as realidades políticas básicas.)
Mas o contrato racial, como veremos, também é epistemológico,
prescrevendo normas de cognição às quais seus signatários devem aderir.
Uma caracterização preliminar seria mais ou menos a que segue.
O contrato racial é aquele conjunto de acordos ou meta-acordos
formais ou informais (contratos de nível superior sobre contratos, que
estabelecem os limites de validade dos contratos) entre os membros de um
subconjunto de seres humanos, doravante designados por (mutáveis)
critérios “raciais” (fenotípicos/genealógicos/culturais) C1, C2, C3…,
como “branco” e coextensivos (levando em consideração a diferenciação
de gênero), com a classe de pessoas plenas, para categorizar o subconjunto
restante de seres humanos como “não brancos” e com um status moral
diferente e inferior, subpessoas, de modo que tenham uma posição civil
subordinada em regimes políticos brancos ou governados por brancos que
os brancos já habitam ou estabelecem; ou em transações com esses
regimes na condição de estrangeiros, com as regras morais e jurídicas que
normalmente regulam o comportamento dos brancos em suas relações
uns com os outros, não se aplicando de maneira alguma em relações com
não brancos ou aplicando-se apenas de forma qualificada (dependendo em
parte da mudança das circunstâncias históricas e de qual variedade
particular de não brancos está envolvida); mas, de qualquer modo, o
objetivo geral do contrato é sempre criar um privilégio diferencial dos
brancos como grupo em relação aos não brancos como grupo, a
exploração de seus corpos, terras e recursos e a negação de oportunidades
socioeconômicas iguais para eles. Todos os brancos são beneficiários do
contrato, embora alguns brancos não sejam signatários dele.3
Será óbvio, portanto, que o contrato racial não é um contrato para o
qual o subconjunto não branco de humanos possa ser uma parte
genuinamente concordante (embora, dependendo novamente das
circunstâncias, às vezes possa ser prudente fingir que esse é o caso). Em
vez disso, é um contrato entre aqueles categorizados como brancos sobre
os não brancos, que são, portanto, os objetos e não os sujeitos do acordo.
A lógica do contrato social clássico, político, moral e epistemológico
sofre então uma refração correspondente, e portanto com mudanças nos
termos e princípios-chave.
Politicamente, o contrato, para estabelecer a sociedade e o governo,
transformando assim “homens” abstratos, sem raça, de habitantes do
estado de natureza em criaturas sociais politicamente sujeitas a um Estado
neutro, torna-se a fundação de um regime político racial, seja como Estados
coloniais brancos (onde as populações preexistentes já são ou podem se
tornar dispersas) ou como o que às vezes é chamado de “colônias de
peregrinos”,[1] o estabelecimento de uma presença branca e de um
domínio colonial sobre as sociedades existentes (que são um pouco mais
populosas ou cujos habitantes são mais resistentes a serem dispersados).
Além disso, a mãe-pátria colonizadora também é modificada por sua
relação com esses novos regimes, de modo que seus próprios cidadãos são
modificados.
No contrato social, a metamorfose humana crucial é do homem
“natural” para o homem “civil/político”, do residente do estado de
natureza para o cidadão da sociedade criada. Essa mudança pode ser mais
ou menos extrema, dependendo do teórico envolvido. Para Rousseau, é
uma transformação dramática, pela qual criaturas de apetite e instinto
animalescos tornam-se cidadãos submetidos à justiça e a leis
autoprescritas. Para Hobbes, é um arranjo um pouco mais casual, no qual
as pessoas que se preocupam principalmente consigo mesmas aprendem a
restringir seus próprios interesses para o seu próprio bem.4 Mas em todos
os casos, o “estado de natureza” original supostamente indica a condição
de todos os homens, e a metamorfose social afeta todos da mesma maneira.
No contrato racial, por outro lado, a metamorfose crucial é a partição
conceitual preliminar e a correspondente transformação de populações
humanas em homens “brancos” e “não brancos”. O papel desempenhado
pelo “estado de natureza” torna-se então radicalmente diferente. No
estado colonial branco, seu papel não é primordialmente o de demarcar o
estado (temporariamente) pré-político de “todos” os homens (que são
realmente brancos), mas sim o estado pré-político permanente, ou, melhor
ainda, o estado não político (dado que “pré” sugere eventual movimento
interno em direção a algo) de homens não brancos. O estabelecimento da
sociedade, portanto, implica a negação de que uma sociedade já existisse; a
criação da sociedade requer a intervenção de homens brancos, que são
posicionados como seres já sociopolíticos. Homens brancos que já são (por
definição) parte da sociedade encontram não brancos que não o são, que
são habitantes “selvagens” de um estado de natureza caracterizado em
termos de natureza intocada, selva, terra inculta. Esses homens brancos os
incorporam parcialmente à sociedade como cidadãos subordinados, ou os
excluem em reservas, ou negam sua existência ou os exterminam. No caso
colonial, sociedades reconhecidamente preexistentes, mas (por uma razão
ou outra) deficientes (decadentes, estagnadas, corruptas), são dominadas e
administradas em “benefício” dos nativos não brancos, considerados
infantis, incapazes de se autogovernar e de cuidar de seus próprios
assuntos, e, portanto, considerados apropriadamente como tutelados do
Estado. Aqui, os nativos são geralmente caracterizados como “bárbaros”, e
não como “selvagens”, com seu estado de natureza um pouco mais
distante (embora, é claro, não tão remoto e perdido no passado — se é que
este existiu, para começo de conversa — tal qual o estado de natureza dos
europeus). Mas em tempos de crise a distância conceitual entre os dois,
bárbaro e selvagem, tende a encolher ou a colapsar, pois essa distinção
técnica dentro da população não branca é muito menos importante que a
distinção central entre brancos e não brancos.
Em ambos os casos, então, ainda que de maneiras diferentes, o contrato
racial estabelece um regime político racial, um Estado racial e um sistema
jurídico racial nos quais o status de brancos e não brancos está claramente
demarcado, seja por lei ou por costume. E o propósito desse Estado, em
contraste com o Estado neutro do contratualismo clássico, é, inter alia,
especificamente manter e reproduzir essa ordem racial, garantindo
privilégios e vantagens dos cidadãos brancos plenos e mantendo a
subordinação dos não brancos. De modo correspondente, o
“consentimento” esperado dos cidadãos brancos é em parte conceituado
como um consentimento, seja explícito ou tácito, à ordem racial, à
Supremacia Branca, ao que se poderia chamar de branquitude. Se aqueles
fenotípica/genealógica/culturalmente categorizados como brancos
falham em cumprir as responsabilidades cívicas e políticas da Branquitude,
estão abandonando seus deveres como cidadãos. Desde o início, então,
raça não é de forma alguma uma “reflexão tardia”, um “desvio” dos ideais
ocidentais ostensivamente não racializados, mas sim um constituinte
central da formação desses ideais.
Na tradição do contrato social, existem duas relações principais possíveis
entre o contrato moral e o contrato político. Na primeira visão, o contrato
moral representa uma moralidade objetivista preexistente (teológica ou
secular) e, portanto, restringe os termos do contrato político. Essa é a
visão encontrada em Locke e Kant. Em outras palavras, há um código
moral objetivo no próprio estado de natureza, mesmo que não haja
policiais e juízes para aplicá-lo. Portanto, qualquer sociedade, governo e
sistema jurídico estabelecidos devem ser baseados nesse código moral. Na
segunda visão, o contrato político cria a moralidade como um conjunto
convencionalista de regras. Portanto, não há critério moral objetivo
independente para julgar um código moral superior a outro ou para acusar
de injusta uma moralidade estabelecida em uma sociedade. Nessa
concepção, que é claramente atribuída a Hobbes, a moralidade é apenas
um conjunto de regras para acelerar a busca racional e a coordenação de
nossos próprios interesses sem entrar em conflito com aquelas outras
pessoas que estão fazendo o mesmo.5
O contrato racial pode acomodar ambas as versões, mas como é a
primeira versão (o contrato conforme descrito em Locke e Kant), em vez
da segunda (o contrato conforme descrito em Hobbes), que representa a
corrente dominante da tradição contratualista, eu me concentro na
primeira.6 Aqui, considera-se que o bom regime político se baseia em um
fundamento moral preexistente. Obviamente, essa é uma concepção de
sistema político muito mais atraente que a visão de Hobbes. O ideal de
uma pólis objetivamente justa, a que devemos aspirar em nosso ativismo
político, remonta, na tradição ocidental, a Platão. Na cosmovisão cristã
medieval que continuou a influenciar o contratualismo até o período
moderno, há uma “lei natural” imanente na estrutura do universo que
supostamente nos dirige moralmente na busca desse ideal.7 (Para as
versões posteriores, as versões seculares do contratualismo, a ideia seria
que as pessoas têm direitos e deveres, mesmo no estado de natureza, por
sua natureza de seres humanos.) Portanto, é errado roubar, estuprar e
matar no estado de natureza, mesmo que não haja leis humanas escritas
dizendo que isso é errado. Esses princípios morais devem restringir as leis
humanas que são criadas e os direitos civis que são atribuídos uma vez que
se estabelece o regime político. Em parte, então, o contrato político
simplesmente codifica uma moralidade já existente, registrando-a e
preenchendo os detalhes, para que não tenhamos que confiar em um
senso, ou consciência, moral divinamente implantado, cujas percepções
podem às vezes ser distorcidas por interesse próprio. O que é certo e
errado, justo e injusto na sociedade será amplamente determinado pelo
que é certo e errado, justo e injusto no estado de natureza.
O caráter desse fundamento moral objetivo é, portanto, obviamente
crucial. Para a corrente dominante da tradição contratualista, o
fundamento é a liberdade e a igualdade de todos os homens no estado de
natureza. Como Locke escreve no Segundo tratado: “Para entender
corretamente o Poder Político e derivá-lo de seu Original, devemos
considerar em que Estado todos os Homens estão naturalmente, e isso
significa um Estado de perfeita liberdade para ordenar suas Ações. […] Um
Estado também de Igualdade, em que todos os Poderes e Jurisdições são
recíprocos, ninguém tendo mais do que o outro”.8 Para Kant, da mesma
forma, é a nossa pessoalidade[2] moral equivalente.9 O contratualismo está
(supostamente) comprometido com o igualitarismo moral, a igualdade
moral de todos os homens, a noção de que os interesses de todos os
homens importam da mesma maneira e de que todos os homens devem
ter direitos iguais. Assim, o contratualismo também está comprometido
com uma oposição fundacional e de princípio à ideologia hierárquica
tradicionalista da velha ordem feudal, a ideologia do status inerente
atribuído e da subordinação natural. É essa linguagem da igualdade que
ecoa nas Revoluções Americana e Francesa, na Declaração de
Independência e na Declaração dos Direitos do Homem. E é esse
igualitarismo moral que deve ser mantido na alocação de direitos e
liberdades na sociedade civil. Quando, em uma sociedade ocidental
moderna, as pessoas insistem em seus direitos e liberdades e expressam
sua indignação por não serem tratadas com igualdade, é para essas ideias
clássicas que apelam.
Mas, como veremos em maiores detalhes depois, a moralidade
codificada por cores do contrato racial restringe a posse dessa liberdade e
dessa igualdade naturais aos homens brancos. Em virtude de seu não
reconhecimento completo ou, na melhor das hipóteses, do
reconhecimento míope, inadequado, dos deveres da lei natural, os não
brancos são propriamente relegados a um degrau inferior na escada moral
(a Grande Cadeia do Ser).10 Eles são designados por terem nascido não
livres e desiguais. Uma ontologia social particionada é, portanto, criada,
um universo dividido entre pessoas e subpessoas raciais, Untermenschen,
que podem ser negras, vermelhas, marrons, amarelas — pessoas
escravizadas, aborígines, populações coloniais —, mas que são conhecidas
propriamente como “raças sujeitadas”. E essas subpessoas — niggers,
injuns, chinks, wogs, greasers, blackfellows, kaffirs, coolies, abos, clinks, googoos,
gooks[3] — estão biologicamente destinadas a nunca penetrar no teto de
direitos normativos estabelecido para elas abaixo dos brancos. Doravante,
então, admitindo-se ou não, será pressuposto que as grandes teorias éticas
propostas no desenvolvimento do pensamento moral e político ocidental
são de escopo restrito, explícita ou implicitamente pretendidas por seus
proponentes como restritas às pessoas, aos brancos. Os termos do contrato
racial definem os parâmetros para a moralidade branca como um todo, de
modo que as teorias contratualistas concorrentes de Locke e Kant sobre
direitos e deveres naturais ou teorias anticontratualistas posteriores, como
o utilitarismo do século xix, são todas limitadas por estipulações desse
contrato.
Por fim, o contrato racial requer sua própria epistemologia moral e
empírica peculiar, suas normas e seus procedimentos para determinar o
que conta como conhecimento moral e factual do mundo. Nas propostas-
padrão contratualistas, não é comum falar da existência de um contrato
“epistemológico”, mas há uma epistemologia associada ao contratualismo,
na forma de lei natural. Isso nos fornece uma bússola moral, seja na versão
tradicional de Locke — a luz da razão implantada em nós por Deus para
que possamos discernir o certo e o errado objetivos — ou na versão
revisionista de Hobbes — a capacidade de avaliar o curso de ação
objetivamente ótimo e o que ele exige de nós para uma cooperação
autointeressada com os outros. Assim, por meio de nossas faculdades
naturais, passamos a conhecer a realidade em seus aspectos tanto factuais
quanto valorativos, como as coisas são objetivamente e o que nelas é
objetivamente bom ou ruim. Sugiro que podemos pensar nisso como um
consenso idealizado sobre normas cognitivas e, no que diz respeito a isso,
uma espécie de acordo ou “contrato”. Há um entendimento sobre o que
conta como uma interpretação correta e objetiva do mundo e, ao
concordar com essa visão, se concede (“contratualmente”) pleno direito
cognitivo no regime político, a comunidade epistêmica oficial.11
Mas para o contrato racial as coisas são necessariamente mais
complicadas. Os requisitos da cognição “objetiva”, tanto factual quanto
moral, em um regime racial são, em certo sentido, mais exigentes, visto
que a realidade oficialmente sancionada é divergente da realidade efetiva.
Portanto, aqui, pode-se dizer, há um acordo para interpretar erroneamente o
mundo. É preciso aprender a ver o mundo de maneira errada, mas com a
segurança de que esse conjunto de percepções equivocadas será validado
pela autoridade epistêmica branca, seja ela religiosa ou secular.
Assim, com efeito, em questões relacionadas a raça, o contrato racial prescreve
para seus signatários uma epistemologia invertida, uma epistemologia da
ignorância, um padrão particular de disfunções cognitivas localizadas e globais
(que são psicológica e socialmente funcionais), produzindo o resultado irônico de
que os brancos, em geral, não serão capazes de compreender o mundo que eles
próprios criaram. Parte do que significa ser construído como “branco” (a
metamorfose do contrato sociopolítico), parte do que é necessário para
alcançar a Branquitude, para se tornar uma pessoa branca com sucesso
(imagina-se uma cerimônia com certificados reconhecendo o rito de
passagem bem-sucedido: “Parabéns, você agora é uma pessoa branca
oficial!”), é um modelo cognitivo que impede a autotransparência e a
compreensão genuína das realidades sociais. Em um grau significativo,
então, os signatários brancos viverão em um mundo delirante, inventado,
uma terra de fantasia racial, uma “alucinação consensual”, para citar a
famosa caracterização do ciberespaço de William Gibson, embora essa
alucinação específica esteja localizada no espaço real.12 Haverá mitologias
brancas, Orientes inventados, Áfricas inventadas, Américas inventadas,
com uma população correspondente forjada, países que nunca chegaram a
ser, habitados por pessoas que nunca existiram — Calibã e Tonto, Man
Friday e Sambo —, mas que alcançam uma realidade virtual através de sua
existência em contos de viajantes, mitos folclóricos, ficção popular e
erudita, relatos coloniais, teoria acadêmica, cinema de Hollywood,
vivendo na imaginação branca e impostos com determinação sobre suas
contrapartes alarmantes da vida real.13 Pode-se dizer, então, como regra
geral, que o mal-entendido, a deturpação, a evasão e o autoengano brancos em
questões relacionadas a raça estão entre os fenômenos mentais mais
difundidos das últimas centenas de anos, uma economia cognitiva e moral
psiquicamente necessária para a conquista, colonização e escravização. E
esses fenômenos não são de forma alguma acidentais, mas prescritos pelos
termos do contrato racial, que exige um certo esquema de cegueiras e
opacidades estruturadas para estabelecer e manter o regime político
branco.
O contrato racial é uma realidade histórica

O contrato social em sua versão moderna há muito tempo desistiu de


qualquer pretensão de ser capaz de explicar as origens históricas da
sociedade e do Estado. Enquanto os contratualistas clássicos estavam
envolvidos em um projeto descritivo e prescritivo, o contrato moderno,
inspirado em Rawls, é um experimento mental puramente prescritivo. E
mesmo o Contrato Sexual de Pateman, embora seu foco seja o real, e não
o ideal, não pretende ser um relato literal do que os homens decidiram
fazer nas planícies da Mesopotâmia em 4004 a.C. O que quer que explique
o que Friedrich Engels uma vez chamou de “a derrota histórica mundial do
sexo feminino”14 — seja o desenvolvimento de um excedente econômico,
como ele teorizou, ou a descoberta masculina da capacidade de estupro e a
desvantagem feminina de ser a metade da espécie responsável pela
gestação de crianças, como as feministas radicais argumentaram —, isso
está claramente perdido na Antiguidade.
Em contraste, ironicamente, o contrato racial, até onde sei nunca
explorado como tal, tem o melhor argumento para ser um fato histórico
real. Longe de estar perdido nas brumas do tempo, ele é historicamente
localizável, de forma evidente, na série de eventos que marcam a criação
do mundo moderno pelo colonialismo europeu e pelas viagens de
“descoberta”, agora cada vez mais apropriadamente chamadas de
expedições de conquista. Os quinhentos anos de Colombo há alguns anos,
com seus debates, polêmicas, controvérsias, contraprotestos e uma
enxurrada de literatura revisionista, confrontaram muitos brancos com o
fato desconfortável, pouco discutido na teoria moral e política dominante,
de que vivemos em um mundo que tem sido fundamentalmente moldado nos
últimos quinhentos anos pelas realidades da dominação europeia e pela
consolidação gradual da supremacia branca global. Assim, não só o contrato
racial é “real”, mas — enquanto caracteristicamente se considera que o
contrato social estabeleceu a legitimidade do Estado-nação e codificou a
moralidade e o direito dentro de seus limites — é global, envolvendo uma
mudança tectônica da base ético-jurídica do planeta como um todo, a
divisão do mundo, como Jean-Paul Sartre disse há muito tempo, entre
“homens” e “nativos”.15
Assim, os europeus emergem como “os senhores da espécie humana”,
os “senhores de todo o mundo”, com o crescente poder de determinar a
posição dos não europeus que são seus sujeitados.16 Embora nenhum ato
corresponda literalmente à elaboração e assinatura de um contrato, há
uma série de atos — bulas papais e outros pronunciamentos teológicos;
discussões europeias sobre colonialismo, “descoberta” e direito
internacional; pactos, tratados e decisões legais; debates acadêmicos e
populares sobre a humanidade dos não brancos; estabelecimento de
estruturas jurídicas formalizadas de tratamento diferenciado; e rotinização
de práticas ilegais ou quase legais informais efetivamente sancionadas pela
cumplicidade do silêncio e da falha governamental em intervir e punir os
perpetradores —, o que coletivamente pode ser visto, não apenas do
ponto de vista metafórico, mas de modo próximo do literal, como seu
equivalente conceitual, jurídico e normativo.
Anthony Pagden sugere que uma divisão dos impérios europeus em
seus principais períodos temporais deve reconhecer “duas histórias
distintas, mas interdependentes”: a colonização das Américas, de 1492 à
década de 1830, e a ocupação da Ásia, da África e do Pacífico, da década de
1730 até o período após a Segunda Guerra Mundial.17 No primeiro
período, para começar, foram a natureza e o status moral dos nativos
americanos que tiveram que ser primariamente determinados, e depois o
dos escravos africanos importados, cujo trabalho era necessário para
construir esse “Novo Mundo”. No segundo período, culminando no
domínio colonial europeu formal sobre a maior parte do mundo no início
do século xx, foi o caráter dos povos coloniais que se tornou crucial. Mas,
em todos os casos, “raça” é o denominador conceitual comum que
gradualmente passou a significar os respectivos status globais de
superioridade e inferioridade, privilégio e subordinação. Há uma oposição
de nós contra eles com múltiplas dimensões sobrepostas: europeus versus
não europeus (geografia), civilizados versus
incivilizados/selvagens/bárbaros (cultura), cristãos versus pagãos
(religião). Mas todas essas dimensões acabaram se unindo na oposição
básica de branco versus não branco.
Robert Williams, um jurista indígena lumbee, traçou a evolução da
posição ocidental legal sobre os direitos dos povos nativos, desde seus
antecedentes medievais até o início do período moderno, mostrando
como essa evolução se baseia de modo consistente na suposição da
“correção e necessidade de subjugar e assimilar outros povos à visão de
mundo [europeia]”.18 Inicialmente, a estrutura intelectual era teológica,
com inclusão e exclusão normativas manifestando-se como a demarcação
entre cristãos e pagãos. Os poderes do papa sobre a Societas Christiana, a
comunidade cristã universal, eram vistos como “estendendo-se não apenas
a todos os cristãos dentro da comunidade universal, mas também sobre os
pagãos e infiéis não regenerados”, e essa política subscreveria as Cruzadas
contra o Islã mas também as viagens posteriores para as Américas. Às
vezes, os pronunciamentos papais concederam direitos e racionalidade aos
não devotos. Como resultado do trato com os mongóis no século xiii, por
exemplo, o papa Inocêncio iv “reconheceu que infiéis e pagãos possuíam o
direito natural de eleger seus próprios líderes seculares”, e o famoso
Sublimis Deus (1537) do papa Paulo iii afirmou que os nativos americanos
eram seres racionais, que não deveriam ser tratados como “bestas
estúpidas criadas para o nosso serviço”, mas “como verdadeiros homens
[…] capazes de compreender a fé católica”.19 Mas, como Williams aponta,
essa segunda qualificação sempre foi crucial. Uma concepção de
racionalidade eurocentrada tornou a ideia de racionalidade coextensiva à
aceitação da mensagem cristã, de modo que a rejeição era prova de
irracionalidade bestial. De modo ainda mais notável, no caso dos nativos
americanos, essa aceitação deveria ser sinalizada por meio da concordância
com o requerimiento, uma longa declaração lida para eles em voz alta, em
uma língua que, claro, eles não entendiam, estabelecendo que, em caso de
infração, uma guerra justa poderia ser legalmente travada contra os
indígenas.20 Conforme escreveu um autor:

O requerimiento é o exemplo prototípico de texto justificador da conquista. Informando aos


indígenas que suas terras foram confiadas por Cristo ao papa, e deste aos reis da Espanha, o
documento oferece liberdade da escravidão para os indígenas que aceitassem o domínio
espanhol. Mesmo que tenha sido inteiramente incompreensível para um não falante de espanhol,
ler o documento fornecia justificativa suficiente para a desapropriação da terra e a escravização
imediata do povo indígena. O famoso comentário de [Bartolomé de] Las Casas sobre o
requerimiento foi que não se sabe se “se deve rir ou chorar do absurdo disso”. […] Embora pareça
respeitar os “direitos”, o requerimiento, de fato, os retira.21

Assim, as declarações da Igreja Católica legitimaram formalmente a


conquista ou puderam ser facilmente contornadas onde houvesse uma
barreira moral fraca prima facie.
O crescimento do Iluminismo e a ascensão do secularismo não
desafiaram essa dicotomização estratégica (cristão/infiel), mas a
traduziram em outras formas. Philip Curtin refere-se ao característico
“excepcionalismo no pensamento europeu sobre o não Ocidente”, “uma
concepção do mundo amplamente baseada na autoidentificação e na
identificação de ‘outros povos’”.22 Da mesma forma, Pierre van den
Berghe descreve a “dicotomização iluminista” das teorias normativas do
período.23 “Raça” gradualmente se tornou o marcador formal desse status
diferenciado, substituindo a divisão religiosa (cuja desvantagem, afinal, era
sempre poder ser superada por meio da conversão). Assim, uma categoria
se cristalizou ao longo do tempo no pensamento europeu para representar
entidades que são humanoides, mas não totalmente humanas (“selvagens”,
“bárbaros”), e que são identificadas como tal por serem membros do
conjunto geral de raças não brancas. Influenciados pela antiga distinção
romana entre os civilizados dentro e os bárbaros fora do império, a
distinção entre os humanos completos e os questionáveis, os europeus
estabeleceram um código moral de duas camadas com um conjunto de
regras para brancos e outro para não brancos.24
De forma correspondente, várias doutrinas morais e legais foram
propostas, as quais podem ser vistas como manifestações e instanciações
específicas, adequadamente ajustadas às circunstâncias, do contrato racial
mais abrangente. Tratava-se de contratos subsidiários específicos
destinados a diferentes modos de exploração dos recursos e povos do resto
do mundo pela Europa: o contrato de expropriação, o contrato de
escravidão, o contrato colonial.
A “Doutrina da Descoberta”, por exemplo, o que Williams identifica
como o “princípio paradigmático que informa e determina o discurso
jurídico europeu contemporâneo a respeito das relações com sociedades
tribais ocidentais”, foi fundamental para o contrato de expropriação.25 O
juiz da Suprema Corte americana Joseph Story descreveu-o como
concedendo aos europeus
um domínio absoluto sobre todos os territórios posteriormente ocupados por eles, não em
virtude de conquista ou cessão pelos índios nativos, mas como um direito adquirido pela
descoberta. […] O título dos índios não foi tratado como um direito de propriedade e domínio,
mas como um mero direito de ocupação. Na condição de infiéis, pagãos e selvagens, não lhes foi
permitido possuir as prerrogativas pertencentes a nações absolutas, soberanas e independentes.
O território no qual eles vagavam e que eles usavam para seus propósitos temporários fugazes,
era, para os cristãos, considerado habitado apenas por animais bravios.26

Da mesma forma, o contrato de escravidão deu aos europeus o direito


de escravizar nativos americanos e africanos em um momento em que a
escravidão estava morta ou morrendo na Europa, com base em doutrinas
da inferioridade inerente a esses povos. Uma declaração clássica do
contrato de escravidão é a decisão de 1857 do caso Dred Scott versus
Sanford pelo presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos Roger
Taney, que afirmou que os negros,

por mais de um século, foram considerados seres de uma ordem inferior, e completamente
inaptos para se associar com a raça branca, seja em relações sociais ou políticas; e tão inferiores
que eles não tinham direitos que o homem branco fosse obrigado a respeitar; e que o negro
poderia justa e legalmente ser reduzido à escravidão para seu benefício […]. Essa opinião,
naquela época, era fixa e universal entre a porção civilizada da raça branca. Era considerada um
axioma tanto na moral quanto na política, que ninguém pensava em contestar nem supunha
estar aberto a contestação.27

Finalmente, há o contrato colonial, que legitimou o domínio europeu


sobre as nações da Ásia, da África e do Pacífico. Considere-se, por
exemplo, este maravilhoso exemplo, quase literalmente “contratualista”
em caráter, do teórico imperial francês Jules Harmand (1845-1921), que
elaborou a noção de associação:

A expansão por conquista, embora necessária, parece especialmente injusta e perturbadora para
a consciência das democracias. […] Mas transpor instituições democráticas em tal cenário é
contrassenso aberrante. As pessoas sujeitadas não são e não podem se tornar cidadãs no sentido
democrático do termo. […] É necessário, então, aceitar como princípio e ponto de partida o fato
de que existe uma hierarquia de raças e civilizações, e que pertencemos a raça e civilização
superiores. […] A legitimação básica da conquista sobre os povos nativos é a convicção de nossa
superioridade, não apenas nossa superioridade mecânica, econômica e militar, mas nossa
superioridade moral. Nossa dignidade repousa sobre essa qualidade e é subjacente ao nosso
direito de dirigir o resto da humanidade.

Portanto, necessário mesmo é um “‘Contrato’ de Associação”:

Sem cair nos devaneios rousseaunianos, vale a pena notar que a associação implica um contrato,
e essa ideia, embora nada mais do que uma ilustração, é aplicada de forma mais apropriada à
coexistência de duas sociedades profundamente diferentes, postas brusca e artificialmente em
contato, do que à única sociedade formada por processos naturais que Rousseau imaginou. É
assim que os termos desse acordo implícito podem ser concebidos. O conquistador europeu traz
ordem, previsibilidade e segurança a uma sociedade humana que, embora aspire ardentemente a
esses valores fundamentais sem os quais nenhuma comunidade pode progredir, ainda carece da
aptidão para alcançá-los a partir de si mesma. […] Com esses instrumentos mentais e materiais,
que lhes faltava e agora recebe, essa sociedade passa a ter a noção e a ambição de uma existência
melhor e os meios para alcançá-la. Nós lhe obedeceremos, dizem os sujeitados, se você começar
se comprovando digno. Nós lhe obedeceremos se você conseguir convencer-nos da superioridade
da civilização da qual tanto fala.28

As leis para os indígenas, os códigos escravos e os atos coloniais nativos


codificavam formalmente o status subordinado dos não brancos e
(aparentemente) regulavam seu tratamento, criando um espaço jurídico
para os não europeus como uma categoria distinta de seres. Portanto,
mesmo que às vezes houvesse uma tentativa de evitar “abusos” (e esses
códigos eram cumpridos com muito mais frequência pela violação do que
pela obediência), o ponto é que “abuso” como conceito pressupõe como
norma a legitimidade da subordinação. Escravidão e colonialismo não são
concebidos como errados em sua negação de autonomia às pessoas; o que
está errado é a administração inadequada desses regimes.
Seria um erro fundamental, então — um ponto ao qual retornarei —,
ver o racismo como anômalo, um misterioso desvio do humanismo
iluminista europeu. Em vez disso, é preciso perceber que, de acordo com o
precedente romano, o humanismo europeu geralmente significava que apenas os
europeus eram humanos. A teoria moral e política europeia, como o
pensamento europeu em geral, desenvolveu-se no âmbito do contrato
racial e, em geral, tomou-o como válido. Como Edward Said aponta em
Cultura e imperialismo, não devemos ver a cultura como “antissepticamente
separada de suas afiliações mundanas”. Mas essa cegueira ocupacional de
fato infectou a maioria dos “humanistas profissionais” (e certamente a
maioria dos filósofos), de modo que

como resultado, [eles são] incapazes de fazer a conexão entre a crueldade prolongada e sórdida
de práticas como escravidão, opressão colonialista e racial e sujeição imperial, por um lado, e a
poesia, a ficção, a filosofia da sociedade que se envolve nessas práticas, por outro.29

No século xix, a opinião branca convencional assumia casualmente a


validade incontroversa de uma hierarquia de raças “superiores” e
“inferiores”, raças “mestras” e “subjugadas”, para as quais, é óbvio, regras
diferentes devem ser aplicadas.
O mundo moderno foi, portanto, expressamente criado como um
regime racialmente hierárquico, globalmente dominado por europeus. Um
artigo de 1969 do periódico Foreign Affairs que vale a pena reler hoje nos
lembra que, até a década de 1940, o mundo
ainda era em geral um mundo ocidental dominado pelos brancos. Os padrões há muito
estabelecidos de poder branco e não poder não branco ainda eram a ordem geralmente aceita das
coisas. Todas as suposições e mitologias correlatas sobre raça e cor ainda eram assumidas como
válidas […]. A supremacia branca era um estado de coisas geralmente assumido e aceito nos
Estados Unidos, bem como nos impérios da Europa.30

Mas declarações de tal franqueza são raras ou inexistem hoje entre a


opinião branca dominante, que geralmente busca reescrever o passado
para negar ou minimizar o fato óbvio da dominação branca global.
No entanto, os próprios Estados Unidos, claro, são um Estado de
colonização branca em território expropriado de seus habitantes
autóctones por meio de uma combinação de força militar, doenças e um
“século de desonra” de tratados quebrados.31 A expropriação envolveu
genocídio literal (uma palavra agora infelizmente desvalorizada por uso
excessivo hiperbólico) de um tipo que, conforme alguns historiadores
revisionistas recentes argumentam, precisa ser visto como comparável ao
do Terceiro Reich.32 Washington, Pai da Nação, era, compreensivelmente,
conhecido de forma um pouco diferente para os Seneca como “Destruidor
de Cidades”.33 Na Declaração de Independência, Jefferson caracterizara os
nativos americanos como “índios selvagens impiedosos”, e, na
Constituição, os negros, claro, aparecem apenas obliquamente, através da
famosa “solução de 60%”.[4] Assim, como conclui Richard Drinnon: “Os
delegados constituintes manifestamente estabeleceram um governo sob o
qual os não europeus eram não homens criados em condição de igualdade
— no regime branco […] eles eram não pessoas”.34 Embora em uma
escala menor e nem sempre tão implacavelmente (ou, no caso da Nova
Zelândia, por causa de uma resistência indígena mais bem-sucedida),
aqueles que são regularmente classificados como os outros Estados de
colonização branca — por exemplo, Canadá, Austrália, Nova Zelândia,
Rodésia e África do Sul — foram todos baseados em regimes semelhantes:
extermínio, deslocamento e/ou confinamento da população autóctone em
reservas.35 Pierre van den Berghe cunhou a esclarecedora expressão
“democracias Herrenvolk” para descrever tais regimes, captando
perfeitamente a dicotomização do contrato racial.36 Sua evolução
subsequente tem sido um pouco diferente, mas os defensores do sistema
de apartheid da África do Sul frequentemente argumentaram que as
críticas dos Estados Unidos eram hipócritas à luz de sua própria história de
jim crow,[5] especialmente porque a segregação de fato permanece tão
arraigada que, mesmo hoje, quarenta anos depois de “Brown versus Board
of Education”, dois sociólogos americanos intitularam seu estudo de
American Apartheid.37 O histórico racista da Rodésia (agora Zimbábue) pré-
libertação e da África do Sul é bem conhecido; não tão familiar talvez seja
o fato de que Estados Unidos, Canadá e Austrália mantiveram políticas de
imigração “branca” até algumas décadas atrás, e os povos nativos em todos
os três países sofrem com altas taxas de pobreza, mortalidade infantil e
suicídio.
Em outros lugares, na América Latina, na Ásia e na África, grandes
partes do mundo foram colonizadas, isto é, formalmente mantidas sob o
domínio de uma ou outra potência europeia (ou, mais tarde, dos Estados
Unidos): os primeiros impérios espanhol e português nas Américas, nas
Filipinas e no sul da Ásia; a competição invejosa entre Grã-Bretanha,
França e Holanda; a conquista britânica da Índia; a expansão francesa na
Argélia e na Indochina; o avanço holandês sobre a Indonésia; as Guerras
do Ópio contra a China; a “partilha da África” do final do século xix; a
guerra dos Estados Unidos contra a Espanha, a tomada de Cuba, Porto
Rico e Filipinas, a anexação do Havaí.38 O ritmo da mudança neste século
tem sido tão dramático que é fácil esquecer que há menos de cem anos,
em 1914,

a Europa detinha um total de aproximadamente 85% da Terra na condição de colônias,


protetorados, dependências, domínios e comunidades. Nenhum outro conjunto associado de
colônias na história foi tão grande, nenhum tão totalmente dominado, nenhum tão desigual em
poder em relação à metrópole ocidental.39

Pode-se dizer que o contrato racial cria um regime branco


transnacional, uma comunidade virtual de pessoas ligadas por sua
cidadania europeia, tanto em suas regiões de origem quanto fora (Europa
propriamente dita, a grande Europa colonial e os “fragmentos” da Euro-
América, Euro-Austrália etc.), e constituídas em oposição a seus sujeitos
indígenas. Na maior parte da África e da Ásia, onde o domínio colonial só
terminou após a Segunda Guerra Mundial, rígidas “barreiras de cor”
mantiveram a separação entre europeus e nativos. Como europeia, como
branca, a pessoa sabia que era membro da raça superior, tendo a pele
como passaporte: “Tudo o que um homem branco fez deve, de alguma
forma grotesca, ser ‘civilizado’”.40 Assim, embora houvesse variações
locais no contrato racial, dependendo das circunstâncias e do modo
particular de exploração — por exemplo, um sistema racial bipolar nos
(anglo) Estados Unidos contra uma hierarquia de cores mais sutil na
América Latina (ibérica) —, a tribo branca, como representante global da
civilização e da modernidade, continua a ocupar, geralmente, o topo da
pirâmide social.41
Vivemos, então, em um mundo construído sobre o contrato racial.
Torna-se bastante óbvio que isso é verdade, se você pensar (as datas e os
detalhes da conquista colonial, as constituições desses Estados e seus
mecanismos jurídicos excludentes, as histórias de ideologias racistas
oficiais, as batalhas contra a escravidão e o colonialismo, as estruturas
formais e informais de discriminação, estão todas na memória histórica
recente e, claro, massivamente documentadas em outras disciplinas), e
simultaneamente não óbvio, já que a maioria dos brancos não pensa nisso
ou não pensa nisso como o resultado de uma história de opressão política,
mas como “a maneira como as coisas são”. (“Você diz que estamos em
todo o mundo porque nós conquistamos o mundo? Por que você colocaria
dessa forma?”) No Tratado de Tordesilhas (1494), que dividiu o mundo
entre Espanha e Portugal; na Conferência Valladolid (Espanha, 1550-1)
para decidir se os nativos americanos eram realmente humanos; nos
debates posteriores sobre a escravidão africana e o abolicionismo; na
Conferência de Berlim (1884-5) para dividir a África; nos vários pactos,
tratados e arranjos informais intereuropeus sobre o policiamento de suas
colônias; nas discussões pós-Primeira Guerra Mundial em Versalhes depois
de uma guerra para tornar o mundo seguro para a democracia, vemos (ou
deveríamos ver) com total clareza um mundo sendo governado por
pessoas brancas. Portanto, embora também haja conflito interno —
desentendimentos, batalhas, até guerras mundiais —, os motores e
formadores dominantes serão os europeus em casa e no exterior, com os
não europeus fazendo fila para lutar sob suas respectivas bandeiras, e o
próprio sistema de dominação branca raramente desafiado. (A exceção,
claro, é o Japão, que escapou da colonização e, assim, durante a maior
parte do século xx, manteve uma relação mutável e ambivalente com o
regime branco global.) O legado desse mundo, claro, ainda está conosco
hoje, na dominação econômica, política e cultural do planeta pelos
europeus e seus descendentes. O fato de que essa estrutura racial, de
caráter claramente político, e de que a luta contra ela, igualmente política,
não foram em sua maioria consideradas assunto apropriado para a filosofia
política anglo-americana dominante, e o fato de que os próprios conceitos
hegemônicos na disciplina são refratários a uma compreensão dessas
realidades revelam, na melhor das hipóteses, um provincianismo
perturbador e uma a-historicidade profundamente em desacordo com o
questionamento radicalmente fundacional do qual a filosofia se orgulha e,
na pior das hipóteses, uma cumplicidade com os termos do próprio
contrato racial.
O contrato racial é um contrato de exploração que cria
dominação econômica europeia global e privilégio racial
nacional branco

O contrato social clássico, como detalhei, é principalmente moral/político


por natureza. Mas também é econômico no sentido de que o propósito de
deixar o estado de natureza é em parte garantir um ambiente estável para
a apropriação do mundo pelo trabalho. (Afinal, uma definição famosa de
política é que ela diz respeito a quem recebe o quê e por quê.) Assim,
mesmo no estado de natureza moralizado de Locke, em que as pessoas
geralmente obedecem à lei natural, ele está preocupado com a segurança
da propriedade privada, de fato proclamando que “o grande e principal fim,
portanto, de os Homens se unirem a Comunidades, e se colocarem sob
um Governo, é a preservação de suas Propriedades”.42 E no famoso estado
de natureza amoral e inseguro de Hobbes, somos informados de que “não
há lugar para a Indústria; porque o fruto dela é incerto; e,
consequentemente, nenhuma Cultura da Terra”.43 Assim, parte do
objetivo de trazer a sociedade à existência, com suas leis e seus aplicadores
da lei, é proteger o que você acumulou.
Qual é, então, a natureza do sistema econômico da nova sociedade? O
contrato geral não prescreve um modelo específico ou agenda específica
de direitos de propriedade, exigindo apenas que a “igualdade” no estado
pré-político seja preservada de alguma forma. Essa disposição pode ser
interpretada de várias formas como uma rendição egoísta a um governo
hobbesiano absolutista que determina os direitos de propriedade ou uma
insistência lockeana em que a propriedade privada acumulada no estado
moralizado de natureza seja respeitada pelo governo constitucionalista. Ou
os teóricos políticos mais radicais, como socialistas e feministas, podem
argumentar que a igualdade do estado de natureza realmente exige o
igualitarismo econômico de classe ou gênero na sociedade. Assim, podem-
se fazer diferentes interpretações políticas do igualitarismo moral do
princípio, mas a ideia geral no fundo é que a igualdade dos seres humanos
no estado de natureza deve, de alguma forma (seja como igualdade de
oportunidades ou como igualdade de resultado), ser transportada para a
economia da ordem sociopolítica criada, levando a um sistema de relações
e trocas humanas voluntárias em que se exclui a exploração.
Por outro lado, a dimensão econômica do contrato racial é a mais
saliente, está no primeiro plano, e não no segundo, uma vez que ele visa,
de forma calculada, a exploração econômica. O propósito de estabelecer
uma hierarquia moral e dividir juridicamente o regime político de acordo
com a raça é garantir e legitimar o privilégio daqueles indivíduos
designados como brancos/pessoas e a exploração daqueles indivíduos
designados como não brancos/subpessoas. Existem outros benefícios
decorrentes do contrato racial — influência política muito maior,
hegemonia cultural, a recompensa psíquica que vem de saber que alguém
é membro do Herrenvolk (o que W. E. B. Du Bois já chamou de “os
benefícios da branquitude”)44 —, mas o resultado principal é a vantagem
material. Globalmente, o contrato racial cria a Europa como o continente
que domina o mundo; localmente, na Europa e nos outros continentes,
designa os europeus como raça privilegiada.
O desafio de explicar o que tem sido chamado de “milagre europeu” —
a ascensão da Europa à dominação global — ocupa há muito tempo tanto
a opinião acadêmica quanto a leiga.45 Como uma região anteriormente
periférica às margens da massa terrestre asiática, na extremidade mais
distante das rotas comerciais, distante das grandes civilizações do Islã e do
Oriente, foi capaz, em um século ou dois, de alcançar o domínio político e
econômico global? As explicações historicamente dadas pelos próprios
europeus têm variado bastante, desde a explicação racista e
geograficamente determinista até a mais sutil, que recorre a fatores do
ambiente e da cultura. Mas o que todas elas têm em comum, mesmo
aquelas influenciadas pelo marxismo, é a tendência a retratar esse
desenvolvimento como essencialmente autóctone, a tendência a
privilegiar algum conjunto de variáveis internas e, de modo
correspondente, a minimizar ou ignorar completamente o papel da
conquista colonial e da escravidão africana. A Europa fez isso por conta
própria, diz-se, por causa das características peculiares da Europa e dos
europeus.
Assim, enquanto nenhum historiador respeitável hoje adotaria as teorias
francamente biológicas do passado, que tornaram os europeus (tanto nas
explicações pré quanto pós-darwinianas) a raça inerentemente mais
avançada, em contraste com as raças atrasadas/menos evoluídas de outros
lugares, a tese da especialidade e do excepcionalismo europeus está
pressuposta até agora. Ainda se assume que racionalismo, ciência,
inovação e inventividade encontraram aqui seu lar especial, contra a
estagnação intelectual e o tradicionalismo do resto do mundo, de modo
que a Europa estava, portanto, destinada antecipadamente a ocupar a
posição especial que possui na história global. James Blaut chama isso de
teoria, ou “superteoria” (um guarda-chuva que abrange muitas versões
diferentes: teológica, cultural, biológica, geográfica, tecnológica etc.), do
“difusionismo eurocêntrico”, segundo a qual o progresso europeu é visto
como “natural” e assimetricamente determinante do destino da não
Europa.46 Da mesma forma, Sandra Harding, em sua antologia sobre a
economia “racial” da ciência, cita

a suposição de que a Europa funciona de forma autônoma de outras partes do mundo; de que a
Europa é sua própria origem, destino final e agente; e de que a Europa e os povos de ascendência
europeia nas Américas e em outros lugares não devem nada ao resto do mundo.47

Sem surpresa, os teóricos negros e do Terceiro Mundo têm


tradicionalmente discordado dessa noção de feliz dispensação europeia
divina ou natural. Eles alegaram, ao contrário, que existe uma ligação
causal decisiva entre o avanço europeu e o destino infeliz do resto do
mundo. Um exemplo clássico de teorização de meio século atrás foi o
Capitalismo e escravidão, do historiador caribenho Eric Williams,
argumentando que os lucros da escravidão africana ajudaram a tornar
possível a Revolução Industrial, de modo que as explicações internalistas
estavam fundamentalmente equivocadas.48 E em anos recentes, com a
descolonização, a ascensão da Nova Esquerda nos Estados Unidos e a
entrada de novas vozes alternativas na academia, essa crítica se
aprofundou e se ampliou. Há variações nas posições dos autores — por
exemplo, Walter Rodney, Samir Amin, André Gunder Frank, Immanuel
Wallerstein49 —, mas o tema básico é que a exploração do império (as
barras das grandes minas de ouro e a prata do México e do Peru, os lucros
da escravidão nas plantations, as fortunas obtidas pelas empresas coloniais,
o estímulo social e econômico geral proporcionado pela abertura do
“Novo Mundo”) foi, em maior ou menor medida, crucial para permitir e
consolidar a decolagem do que antes era um remanso econômico. A
Europa encontrava-se longe de estar especialmente destinada a assumir a
hegemonia econômica; havia uma série de centros na Ásia e na África, em
um nível comparável de desenvolvimento e que poderia potencialmente
ter evoluído da mesma maneira. Mas a ascensão europeia fechou esse
caminho de desenvolvimento para os outros, porque os inseriu à força em
uma rede colonial cujas relações de exploração e cujos mecanismos
extrativos impediam o crescimento autônomo.
Em geral, então, o colonialismo “está no centro” da ascensão da
Europa.50 A unidade econômica de análise precisa ser a Europa como um
todo, uma vez que nem sempre as nações colonizadoras diretamente se
beneficiaram no longo prazo. A Espanha imperial, por exemplo, ainda de
caráter feudal, sofreu uma inflação maciça de suas importações de ouro e
prata. Mas, através do comércio e do intercâmbio financeiro, outros se
lançaram no caminho capitalista, como a Holanda, e lucraram. As
rivalidades nacionais internas continuaram, claro, mas essa identidade
comum baseada na exploração transcontinental do mundo não europeu
seria, em muitos casos, politicamente crucial, gerando um sentido de
Europa como entidade cosmopolita engajada em um projeto comum,
subscrito pela raça. Como Victor Kiernan afirma:

Todos os países dentro da órbita europeia se beneficiaram, no entanto, como Adam Smith
apontou, das contribuições coloniais para um estoque comum de riqueza, ainda que discutissem
amargamente sobre a propriedade de um território ou outro. […] Havia um sentido em que
todos os europeus compartilhavam um senso elevado de poder gerado pelos sucessos de
qualquer um deles, bem como no conjunto de riquezas materiais […] que as colônias
produziam.51

Hoje, de forma correspondente, embora a descolonização formal tenha


ocorrido e, na África e na Ásia, nativos negros, pardos e amarelos estejam
em cargos políticos, governando nações independentes, a economia global
é essencialmente dominada pelos antigos poderes coloniais, suas
ramificações (Euro-Estados Unidos, Euro-Canadá) e suas instituições
financeiras internacionais, agências de crédito e corporações. (Como já foi
observado, a notável exceção, cuja história confirma, em vez de desafiar a
regra, é o Japão, que escapou da colonização e, após a Restauração Meiji,
embarcou com sucesso em sua própria industrialização.) Assim, pode-se
dizer que o mundo é essencialmente dominado pelo capital branco. Os
números globais sobre renda e propriedade são, claro, discriminados
nacionalmente, e não racialmente, mas se uma desagregação racial
transnacional fosse feita, revelaria que os brancos controlam uma
porcentagem da riqueza mundial grosseiramente desproporcional aos seus
números. Uma vez que não há razão para pensar que o abismo entre o
Primeiro e o Terceiro Mundos (que coincide amplamente com essa divisão
racial) será superado — vide o fracasso abjeto de vários planos das Nações
Unidas a partir da “década de desenvolvimento” dos anos 1960 em diante
—, parece inegável que, nos próximos anos, o planeta será dominado pelos
brancos. Com o colapso do comunismo e a derrota das tentativas do
Terceiro Mundo de buscar caminhos alternativos, o Ocidente reina
supremo, como foi comemorado em uma manchete do Financial Times de
Londres: “A queda do bloco soviético deixou o fmi e o G7 para governar o
mundo e criar uma nova era imperial”.52 Estruturas econômicas foram
instituídas e processos causais foram estabelecidos, cujo resultado é
bombear riqueza de um lado do globo para o outro e que continuarão a
funcionar em grande parte independentemente da má/boa vontade e dos
sentimentos racistas/antirracistas de indivíduos específicos. Essa
distribuição global de riqueza e pobreza codificada por cores tem sido
produzida pelo contrato racial, e, por sua vez, reforça a adesão a ele em
seus signatários e beneficiários.
Além disso, não apenas a Europa e os antigos estados colonizadores
brancos são globalmente dominantes, mas dentro deles, onde há uma
presença não branca significativa (povos indígenas, descendentes de
escravizados importados, imigração voluntária não branca), os brancos
continuam a ser privilegiados em relação aos não brancos. As velhas
estruturas de exclusão formal e de jure foram amplamente desmanteladas,
as velhas ideologias explicitamente biológicas, abandonadas53 — o
contrato racial, como se verá adiante, está sendo continuamente reescrito
—, mas as oportunidades para os não brancos, embora tenham se
expandido, permanecem abaixo das para os brancos. A alegação não é,
claro, que todos os brancos estão em melhor situação que todos os não
brancos, mas que, como uma generalização estatística, as chances
objetivas de vida dos brancos são significativamente melhores.
Como exemplo, consideremos os Estados Unidos. Uma série de livros
documentou recentemente o declínio das esperanças integracionistas
criadas pela década de 1960 e a crescente intransigência e hostilidade dos
brancos que pensam ter “feito o suficiente”, embora o país continue a ser
massivamente segregado, a renda mediana da família negra tenha
começado a cair em comparação com a renda familiar branca após algum
avanço anterior para superar a diferença, a chamada “subclasse negra”
tenha sido basicamente descartada e as reparações pela escravidão e a
discriminação pós-emancipação nunca tenham sido pagas, ou, de fato,
nem sequer tenham sido seriamente consideradas.54 O trabalho recente
sobre desigualdade racial de Melvin Oliver e Thomas Shapiro sugere que a
riqueza é mais importante que a renda na determinação da probabilidade
de equalização racial futura, uma vez que tem um efeito cumulativo
transmitido através da transferência intergeracional, afetando as chances
de vida e de oportunidades para os filhos. Enquanto em 1988 as famílias
negras ganhavam 62 cents a cada dólar ganho pelas famílias brancas, o
diferencial comparativo em relação à riqueza é muito maior e,
indiscutivelmente, fornece um quadro mais realisticamente negativo das
perspectivas de fechamento da lacuna racial:
Os brancos possuem quase doze vezes mais patrimônio líquido mediano do que os negros, ou 43
800 dólares contra 3700 dólares. Em contraste ainda mais forte, talvez, a família branca média
controla 6999 dólares em ativos financeiros líquidos, enquanto a família negra média não detém
nenhum investimento.

Além disso, o foco analítico na riqueza, e não na renda, expõe quão


ilusória é a tão alardeada ascensão de uma “classe média negra”: “Os
negros de classe média, por exemplo, ganham setenta centavos a cada
dólar ganho pelos brancos de classe média, mas possuem apenas quinze
centavos a cada dólar de riqueza retida pelos brancos de classe média”.
Essa enorme disparidade entre a riqueza branca e negra não é
remotamente contingente, acidental, fortuita; é o resultado direto da
política estatal americana e do conluio dos cidadãos brancos com ela. Com
efeito, “materialmente, brancos e negros constituem duas nações”,55
sendo a nação branca constituída pelo contrato racial americano em uma
relação de exploração racial estruturada com a nação negra (e, é claro,
historicamente, também a vermelha).
Uma coleção de artigos de debates organizados na década de 1980 pela
National Economic Association, a organização profissional de economistas
negros, fornece alguns insights sobre a mecânica e a magnitude dessas
transferências exploratórias e as negações da oportunidade de acumular
capital material e humano. Ela tem como título The Wealth of Races (A
riqueza das raças) — um tributo irônico ao famoso livro de Adam Smith, A
riqueza das nações — e analisa as diferentes variedades de discriminação a
que os negros foram submetidos: escravização, discriminação no emprego,
discriminação salarial, discriminação de promoção, poder de discriminação
do monopólio branco contra o capital negro, discriminação racial de
preços de bens de consumo, habitação, serviços, seguros etc.56 Muitos
deles, por sua própria natureza, são difíceis de quantificar; além disso, há
custos de angústia e sofrimento que nunca podem ser compensados. No
entanto, aqueles que se prestam ao cálculo oferecem alguns números
notáveis. (Infelizmente, os números estão datados; os leitores devem
multiplicá-los por um fator que leve em conta quinze anos de inflação.) Se
alguém fizesse um cálculo dos benefícios acumulados (através de juros
compostos) da discriminação do mercado de trabalho durante o período
de quarenta anos de 1929 a 1969 e ajustasse à inflação, então, em dólares
de 1983, o valor seria superior a 1,6 trilhão.57 Uma estimativa para o total
de “renda desviada” da escravização, de 1790 a 1860, composta e traduzida
em dólares de 1983, renderia a soma de 2,1 trilhões a 4,7 trilhões.58 E se
alguém tentasse calcular o valor acumulado, com juros compostos, do
trabalho escravo não remunerado antes de 1863, do pagamento
insuficiente desde 1863 e da recusa de oportunidade de aquisição de terra e
recursos naturais disponíveis para os colonos brancos, então o montante
total necessário para compensar os negros “poderia tomar mais do que
toda a riqueza dos Estados Unidos”.59
Portanto, isso dá uma ideia da centralidade da exploração racial para a
economia dos Estados Unidos e as dimensões da recompensa para seus
beneficiários brancos do contrato racial de uma nação. Mas essa mesma
centralidade e essas mesmas dimensões tornam o tópico tabu,
praticamente indiscutível nos debates sobre justiça da maioria das teorias
políticas brancas. Se há essa reação contra a ação afirmativa, qual seria a
resposta à demanda pelos juros sobre os quarenta acres e uma mula não
pagos? Essas questões não podem ser levantadas porque vão ao cerne da
natureza real do regime político e sua estruturação pelo contrato racial. Os
debates na teoria moral branca sobre a justiça no Estado devem ter,
portanto, inevitavelmente, um ar um tanto farsesco, uma vez que ignoram
a injustiça central sobre a qual o Estado repousa. (Não é de espantar que
um contratualismo hipotético que foge das circunstâncias reais da
fundação do regime político seja o preferido!)
Tanto globalmente quanto dentro de nações particulares, então, os
brancos, os europeus e seus descendentes continuam a se beneficiar do
contrato racial, que cria um mundo à sua imagem cultural, Estados
políticos favorecendo diferencialmente seus interesses, uma economia
estruturada em torno da exploração racial de outros e uma psicologia
moral (não apenas entre brancos, mas algumas vezes entre não brancos
também) inclinada consciente ou inconscientemente a privilegiá-los,
tomando o status quo do direito racial diferencial como normativamente
legítimo, e não algo a ser investigado de maneira mais aprofundada.

[1] O termo utilizado no original, sojourner colonies, remete à classificação introduzida por A.
Grenfell Price em 1963 no livro The Western Invasions of the Pacific and Its Discontents. Na obra, citada
por Mills na nota 35 deste capítulo, Price critica a classificação das colônias em colônias de
povoamento ou de exploração. Em substituição, sugere critérios demográficos, de acordo com os
quais os colonizadores seriam classificados como “ocupantes migrantes” (migrant settlers) e
“peregrinos migrantes” (migrant sojourners). Os últimos estabeleceriam as colônias de peregrinos
(sojourner colonies), caracterizadas por grande população nativa subjugada — mas não eliminada — e
explorada pelos colonizadores. (N. T.)

[2] Personhood denota o caráter de ser uma pessoa. Mais adiante, o autor introduzirá a noção de
subpessoalidade, derivada da noção de pessoalidade. (N. T.)

[3] Na língua inglesa, esses termos são formas derrogatórias para se referir a diferentes grupos não
brancos. Dada a especificidade contextual de cada termo e, em muitos casos, a ausência de um
correlato em português, optamos por manter os termos originais. Nigger e injun, em particular, são
palavras repetidamente usadas no texto. A primeira, que se refere a pessoas negras, em alguns
trabalhos é traduzida como “neguinho” ou “crioulo”. Aqui, manteremos o original por entender
que as traduções não captam a ofensividade do termo nigger. Já a palavra injun é um termo antigo e
derrogatório usado para se referir às populações nativas dos Estados Unidos. No caso de brown,
preferimos “marrom” porque, a exemplo de “vermelho” e “amarelo”, encerra numa cor a
diversidade de grupos humanos racializados. Uma tradução alternativa seria “pardo”, designação
também cromática, mas que, no contexto brasileiro, é vinculada à ideia de mestiçagem, e não é
usada para se referir a grupos como os vietnamitas, indianos ou árabes. (N. T.)
[4] A solução de 60% se refere a um acordo estabelecido em 1787 segundo o qual, para fins de
contagem populacional, apenas 60% da população escravizada seria considerada. Posteriormente,
isso seria interpretado como se as pessoas escravizadas fossem apenas 60% humanas. (N. T.)

[5] Referência às Leis Jim Crow, um conjunto de leis estaduais e locais que impunham a segregação
racial em escolas, transporte público, instalações sanitárias etc. no Sul dos eua, aplicadas entre 1877
e 1964. O nome das leis veio da música “Jump Jim Crow”, cantada pelo ator Thomas Rice, que se
pintava de preto. Criou-se assim a expressão jim crow para se referir pejorativamente às pessoas
negras. (N. E.)
2. Detalhes

Isso nos dá uma visão geral. Vamos agora passar para um exame mais
minucioso dos detalhes e do funcionamento do contrato racial: sua
normatização do espaço e das (sub)pessoas, sua relação com o contrato
social “oficial” e os termos de sua execução.
O contrato racial normatiza (e racializa) o espaço, demarcando
espaços civis e selvagens

Nem o espaço nem o indivíduo costumam ser objeto de normatização


explícita e detalhada para o contrato social padrão. O espaço simplesmente
está lá, pressuposto, e o indivíduo é tacitamente assumido como o homem
adulto branco, de modo que todos os indivíduos são obviamente iguais.
Mas, para o contrato racial, o espaço em si e os indivíduos nele contidos
não são homogêneos; portanto, devem se fazer distinções normativas
explícitas. Tratarei a normatização do espaço e das pessoas separadamente,
embora a exegese seja complicada pelo fato de eles estarem entrelaçados.
A normatização do espaço é parcialmente feita em termos de racialização
do espaço, a representação do espaço como dominado por indivíduos
(sejam pessoas ou subpessoas) de uma determinada raça. Ao mesmo
tempo, a normatização do indivíduo é parcialmente alcançada pela sua
espacialização, ou seja, representando-o como impresso com as
características de um determinado tipo de espaço. Portanto, essa é uma
caracterização mutuamente suportada que, para subpessoas, se torna uma
acusação circular: “Você é o que é em parte porque tem origem em um
certo tipo de espaço, e esse espaço tem essas propriedades em parte
porque é habitado por criaturas como você”.
O contrato social supostamente abstrato, mas na verdade branco,
caracteriza o espaço (europeu) basicamente como pré-sociopolítico (“o
estado de natureza”) e pós-sociopolítico (o lócus da “sociedade civil”). Mas
essa caracterização não reflete negativamente as características do próprio
espaço ou de seus habitantes. Esse espaço é o nosso espaço, um espaço em
que nós (pessoas brancas) estamos em casa, um espaço doméstico
aconchegante. Em um determinado estágio, as pessoas (brancas), vendo as
desvantagens do estado de natureza, voluntariamente optam por
abandoná-lo, estabelecendo, a partir daí, instituições que transformam o
caráter do espaço. Mas não há nada inato no espaço ou nas pessoas que
signifique defeito intrínseco.
Por contraste, na aplicação do contrato social fora da Europa, onde ele
se torna o contrato racial, tanto o espaço quanto seus habitantes são
estranhos. Portanto, esse espaço e esses indivíduos precisam ser
explicitamente teorizados, uma vez que (acontece) ambos são defeituosos
de uma forma que requer intervenção externa para se redimirem (isto é,
na medida em que a redenção é possível). Os europeus, ou pelo menos os
europeus plenos, eram “civilizados”, e essa condição se manifestava no
caráter dos espaços que habitavam.1 Os não europeus eram “selvagens”, e
essa condição se manifestava no caráter dos espaços que eles habitavam. De
fato, como foi apontado, essa habitação é captada na etimologia do
próprio “selvagem”, que deriva do latim silva, “floresta”, de modo que o
selvagem é o homem da floresta, silvaticus, homo sylvestris, o homem em
cujo ser a condição de selvagem, a selvageria, penetrou tão
profundamente que a porta para a civilização, para o político, está
cerrada.2 (Você pode tirar o Homem Selvagem da selva, mas não a selva
do Homem Selvagem.) O Homem Selvagem é uma figura crucial no
pensamento medieval, o antípoda doméstico (dentro da Europa) da
civilização, e é um dos antecedentes conceituais dos “selvagens”
extraeuropeus posteriores.3 Como Hayden White aponta, a criação do
“Homem Selvagem” ilustra “a técnica da autodefinição ostensiva por
negação”,4 a caracterização de si mesmo por referência ao que não é.
Quem somos nós? Nós somos os não selvagens. Assim, é realmente aqui,
no contrato racial da vida real, contra o contrato social mítico, que o
“estado de natureza” e o “natural” desempenham seu papel teórico
decisivo. Eles estão no estado de natureza, e nós, não. Os ingleses, escreve
Roy Harvey Pearce, “encontraram na América não apenas um ambiente
incivilizado, mas homens incivilizados — homens naturais, como foi dito,
vivendo em um mundo natural”.5
De modo correspondente, o contrato racial, em suas primeiras versões
de pré-conquista, deve necessariamente envolver a caracterização
pejorativa dos espaços que precisam ser domesticados, os espaços em que
os regimes políticos raciais acabarão por ser construídos. O contrato racial
é, portanto, necessariamente, mais abertamente material do que o contrato
social. Essas paisagens estranhas (tão diferentes das de casa), essa carne
estranha (tão diferente da nossa) devem ser mapeadas e subordinadas.
Criar o civil e o político aqui requer, portanto, uma luta espacial ativa (esse
espaço é resistente) contra o selvagem e o bárbaro, um avanço da fronteira
contra a oposição, uma europeização do mundo. “A Europa”, como
observa Mary Louise Pratt, “passou a se ver como um ‘processo
planetário’, e não simplesmente como uma região do mundo”.6 O espaço
deve ser normatizado e racializado no nível macro (países e continentes
inteiros), no nível local (bairros da cidade) e, finalmente, até mesmo no
nível micro do próprio corpo (o halo carnal contaminado e contaminante
do corpo não branco).
Há duas dimensões principais nessa normatização: a epistemológica e a
moral.
A dimensão epistemológica é o corolário da restrição preventiva do
conhecimento aos conhecedores europeus, o que implica que em certos
espaços o conhecimento real (conhecimento da ciência, conceitos
universais) não é possível. Feitos culturais significativos, progresso
intelectual são, assim, negados a esses espaços, que são considerados (na
falta da intervenção europeia) permanentemente presos a um estado
cognitivo de superstição e ignorância. Valentin Mudimbe se refere a isso
como um “etnocentrismo epistemológico”. Evidências em contrário
podem então ser tratadas de maneiras diferentes. Elas podem
simplesmente ser destruídas, como, por exemplo, os invasores
conquistadores espanhóis que queimaram os manuscritos astecas. E
podem passar a ser vistas como resultado da intervenção de pessoas de
fora, por exemplo, de um contato previamente desconhecido com
brancos:

Uma vez que os africanos não podiam produzir nada de valor, a técnica da estatuária iorubá deve
ter vindo dos egípcios; a arte do Benin deve ser uma criação portuguesa; os feitos arquitetônicos
do Zimbábue foram obra de técnicos árabes; e o estadismo hauçá e buganda foram invenções de
invasores brancos.7

(Pense naquilo que é comum nos quadrinhos, nos romances de


aventura, nos filmes B — a tribo branca perdida cujo legado é descoberto
em algum lugar distante, de outra forma obscuro na Terra, e que é
responsável por qualquer cultura que os infelizes nativos não brancos
possam possuir.) Às vezes, pode-se buscar até mesmo uma origem
extraterrestre, como os desenhos no deserto na América do Sul atribuídos
a visitantes alienígenas. Da mesma forma, independentemente do
resultado final da controvérsia recentemente estimulada pela alegação do
livro de Martin Bernal, Black Athena (Atena negra), de que o antigo Egito
teve uma influência cultural significativa sobre a Grécia Antiga e que era
em grande parte uma civilização negra, decerto se pode inferir que pelo
menos parte da resistência à ideia no establishment acadêmico branco vem
da presunção apriorística de que tal feito não poderia realmente vir da
África negra (e, por fim, “subsaariana”).8 (A expressão “África subsaariana”
é, de fato, em si mesma, um marcador geográfico motivado pelo contrato
racial.) Finalmente, os feitos culturais dos outros podem simplesmente ser
apropriados pela Europa sem reconhecimento, negando a realidade de que
“‘o Ocidente’ sempre foi uma criação multicultural”.9
É evidente que essa normatização está também manifesta no
vocabulário de “descoberta” e “exploração” ainda em uso até pouco
tempo atrás, implicando basicamente que, se nenhuma pessoa branca
esteve num determinado local antes, então não é possível que tenha
ocorrido cognição. Em Coração das trevas, de Joseph Conrad, Marlow se
debruça sobre o globo e observa que “havia muitos espaços em branco na
Terra”.10 E esse vazio significa não apenas que os europeus não chegaram,
mas que esses espaços não chegaram, são um vazio dos próprios habitantes.
A África é, portanto, o “Continente Negro” pela falta de contato europeu
(lembrado) com ela estabelecido. De modo correspondente, existem
rituais de nomeação que servem para confiscar o terreno desses “Novos”
Mundos e incorporá-lo ao nosso mundo: Nova Inglaterra, Nova Holanda,
Nova França — em uma palavra, “Novas Europas”, “extensão[ões]
cultural-espacial[is] da Europa”.11 Elas são domesticadas, transformadas,
tornadas familiares, tornadas parte do nosso espaço, trazidas para o
mundo da cognição europeia (que é cognição humana), para que possam
ser cognoscíveis e conhecidas. O conhecimento, a ciência e a capacidade de
apreender o mundo intelectualmente ficam assim restritos à Europa, que
surge como o lócus global da racionalidade, pelo menos para o agente
cognitivo europeu, que será o único a validar reivindicações de
conhecimento local. Para que esses espaços sejam conhecidos, é necessária
a percepção europeia.
Moralmente, o vício e a virtude são espacializados, primeiro no nível
macro de uma cartografia moral que acompanha o mapeamento europeu
literal do mundo, de modo que regiões inteiras, países inteiros e, de fato,
continentes inteiros sejam investidos de qualidades morais. Assim,
Mudimbe descreve a “geografia da monstruosidade” da cartografia
europeia inicial, que, em um quadro ainda amplamente teológico, divide o
mundo conhecido e indica “Aqui há dragões”.12 O espaço não europeu é,
então, demonizado de uma forma que implica a necessidade de
europeização para que a redenção moral seja possível. A ligação entre o
cognitivo e o moral, claro, conecta a falha em perceber a lei natural com a
falha moral: a escuridão do Continente Negro não é apenas a ausência de
uma presença europeia, mas uma cegueira para a luz cristã, o que
necessariamente resulta em negritude moral, superstição, adoração do
diabo. Apropriadamente, então, uma das tradições cartográficas medievais
era o mapa-múndi, o mapa do mundo organizado não em um sistema de
grade, mas em torno da cruz cristã, com Jerusalém no centro.13 Da mesma
forma, os colonizadores europeus na América descreveram a área além das
montanhas como “terra dos índios”, “o solo escuro e sangrento […] uma
selva uivante habitada por ‘selvagens e bestas feras’”, ou às vezes até
mesmo “Sodoma e Gomorra”. E a sociedade que eles se viram fundando
era, de modo correspondente, às vezes chamada de “Nova Canaã”.14
O estado de natureza não europeu é, portanto, real, um lugar selvagem
e racializado que foi originalmente caracterizado também como
amaldiçoado por uma praga teológica, uma terra profana. O estado de
natureza europeu, em contraste, é hipotético ou, quando real, geralmente
um assunto mais dócil, uma espécie de jardim que perdeu seu vigor, que
pode precisar de alguma poda, mas na verdade já é parcialmente
domesticado e requer apenas algumas modificações para ser
apropriadamente transformado — um testemunho das características
morais superiores deste espaço e de seus habitantes. (O estado de natureza
paradigmaticamente feroz de Hobbes pode parecer uma exceção, mas,
como veremos adiante, é realmente literal apenas para os não europeus, de
modo que mais confirma do que contesta a regra.)
Por causa dessa moralização do espaço, a jornada rio acima ou, em geral,
a jornada para o interior na literatura imperial — a viagem dos postos
avançados da civilização para o território nativo — adquire um profundo
significado simbólico, pois é a expedição ao coração geográfico e pessoal
da escuridão, o mal exterior que se correlaciona com o mal interior. Assim,
em Apocalypse Now, a reescrita, por Francis Ford Coppola, em 1979, de
Conrad no contexto do Vietnã, a viagem de Willard (Martin Sheen) rio
acima para encontrar Kurtz (Marlon Brando), cujos estágios são marcados
pela eliminação gradual do uniforme (civilizado) do Exército dos Estados
Unidos, até a derradeira figura coberta de lama, carregando um facão,
indistinguível dos aldeões cambojanos matando cerimonialmente o búfalo,
é tanto uma descida normativa para a corrupção moral quanto uma
ascensão cognitiva à percepção de que a guerra só poderia ser vencida
abandonando-se as restrições da civilização euro-americana (como
demonstrado em My Lai, presumivelmente) e abraçando a “selvageria” do
Exército norte-vietnamita.15
A batalha contra essa selvageria é, em certo sentido, permanente
enquanto os selvagens continuarem a existir, contaminando o (e sendo
contaminados pelo) espaço não europeizado ao seu redor. Portanto, não se
trata apenas de que o espaço seja normativamente caracterizado no nível
macro antes da conquista e da colonização, mas de que mesmo depois, no
nível local, existem divisões, a cidade europeia e o bairro nativo,
Whitetown e Niggertown/Darktown,[1] boas áreas residenciais e centro
velho e decadente. David Theo Goldberg comenta que “o poder na pólis, e
isso é especialmente verdadeiro em relação ao poder racializado, reflete e
refina as relações espaciais de seus habitantes”.16 Parte do propósito da
barreira de cor/linha de cor/apartheid/jim crow é manter esses espaços em
seu lugar, ter o tabuleiro de damas da virtude e do vício, do espaço claro e
do escuro, nosso e deles, claramente demarcados para que a geografia
humana prescrita pelo contrato racial possa ser preservada. Pois aqui a
topografia moral é diferente e a missão civilizadora ainda incompleta.
Sobre essa partição de espaço e pessoa, Frantz Fanon escreve:

O mundo colonial é um mundo cindido em dois. […] A cidade dos colonizadores é uma cidade
de pessoas brancas, de estrangeiros […] [A cidade dos nativos] é uma cidade de niggers e árabes
sujos. […] Esse mundo dividido em compartimentos, esse mundo cindido em dois é habitado por
duas espécies diferentes.17

De fato, a intimidade da conexão entre lugar e (sub)pessoa significa que


talvez ela nunca esteja completa, que aqueles associados à selva levarão a
selva consigo mesmo quando forem trazidos para regiões mais civilizadas.
(A selva está, por assim dizer, sempre à espera para se reafirmar: cada
évolué corre o risco de involução.) Pode-se argumentar que nos Estados
Unidos a crescente popularidade, no pós-guerra, da expressão “selva
urbana” reflete uma referência subtextual (e não muito sub) à crescente
não brancura dos moradores dos centros velhos das cidades e o padrão
correspondente de “fuga branca” para o santuário de baunilha das boas
áreas residenciais: nosso espaço/espaço residencial/espaço civilizado. Na
América, na África do Sul e em outros lugares, o espaço branco é
atravessado por intrusos escuros, cuja própria presença,
independentemente do que eles possam ou não fazer, é uma mancha na
brancura civilizada tranquilizadora do espaço doméstico. Considere as leis
de toque de recolher em bairros segregados na história pregressa dos
Estados Unidos (e, pode-se argumentar, as medidas policiais informais
ainda em vigor), os avisos que costumavam ser postados fora das cidades
“segregadas” — “Nigger, não deixe que o pôr do sol o encontre aqui!”. O
contrato racial demarca o espaço, reservando espaços privilegiados para
seus cidadãos de primeira classe.
A outra dimensão da avaliação e da normatização moral, que é,
naturalmente, aquela que se torna mais central com a secularização, não é
o vício e a virtude cristãos tradicionais, mas a ética capitalista/protestante
emergente da colonização e da indústria. Franke Wilmer argumenta que a
ideologia de “progresso e modernização” serviu por quinhentos anos
como justificativa dominante ao deslocamento e à matança ocidentais do
“Quarto Mundo” dos povos indígenas.18 Aqui, o espaço é nacionalmente
caracterizado em relação a um padrão europeu de agricultura e indústria,
de forma a torná-lo moralmente passível de apreensão, expropriação,
colonização, desenvolvimento — em uma palavra, povoamento. Nos estados
colonizadores brancos, o espaço às vezes será representado como
território literalmente vazio e desocupado, baldio, deserto e “virgem”.
Simplesmente não há ninguém lá. Ou mesmo quando se admita que
entidades humanoides estejam presentes, nega-se que esteja ocorrendo
qualquer apropriação real, qualquer feito humano no mundo. Portanto,
ainda não há ninguém lá: a terra é terra nullius, vacuum domicilium,
novamente “virgem”. “Assim, no início”, conta Locke, “todo o mundo era
a América”.19 Os mitos centrais e mutuamente complementares, como
Francis Jennings aponta, são as ideias gêmeas de “terras virgens e povos
selvagens”.20 Em ambos os casos, então, essa será a terra despovoada,
habitada no máximo por “vermes”, “criaturas”, “bestas humanas” que são
um obstáculo ao desenvolvimento, não capazes de se desenvolver, e cujo
extermínio ou pelo menos remoção é um pré-requisito para a civilização.
Um jogo de números é jogado, envolvendo a subcontagem sistemática da
população aborígine, muitas vezes por um fator de dez ou mais, já que,
por definição, “grandes populações são impossíveis em sociedades
selvagens”.21 (E quando deixam de ser grandes, não se vai querer admitir o
tamanho que já tiveram.) Richard Drinnon descreve quantos colonizadores
europeus, nos Estados Unidos, pensavam em si mesmos como “Crusoés
do continente” em uma selva “não povoada”, caracterizada por Theodore
Roosevelt como “os desertos vermelhos onde os povos bárbaros do
mundo dominam”.22 Da mesma forma, “no momento da primeira
ocupação das colônias australianas, todas as terras foram consideradas
áreas vazias e propriedade da Coroa”.23 Na África do Sul, os trekboers
saíram em expedições de caça exterminadoras e, posteriormente, “se
gabaram de suas sacolas de bosquímanos do mesmo modo que os
pescadores se gabam de sua pesca”.24 Então, a sequência básica era mais
ou menos assim: não há pessoas lá, em primeiro lugar; em segundo lugar,
elas não estão cultivando a terra; e em terceiro lugar — Ops! —, elas já
estão todas mortas, de qualquer maneira (e, honestamente, não havia
muitas, para começo de conversa), então não há pessoas lá, como dissemos
no começo.
Uma vez que o contrato racial liga o espaço à raça e a raça à
pessoalidade, o espaço racializado branco do regime político é, de certa
forma, o lócus geográfico do regime propriamente dito. Onde se permitiu
que os povos indígenas sobrevivessem, eles tiveram negado todo e
qualquer pertencimento à comunidade política, tornando-se assim
estrangeiros em seu próprio país. Drinnon descreve este notável truque de
confiança política melvilleano final: “O país estava cheio de recém-
chegados do Oriente, misteriosos impostores fingindo ser nativos e
negando aos nativos reais sua humanidade”.25 Da mesma forma, um
historiador australiano pôde escrever em 1961: “Antes da Corrida do Ouro,
havia, afinal, poucos estrangeiros de qualquer raça na Austrália — exceto
os aborígines, se pudermos, envergonhadamente, espero, chamá-los de
estrangeiros, como modo de falar”.26 (De onde vocês vieram, afinal? Vocês
não são daqui, são?) Esse espaço racializado também marcará o limite
geográfico das obrigações totais do Estado. No nível local de
espacialização, a normatização se manifesta na presunção de que certos
espaços (por exemplo, os do centro velho da cidade) estão intrinsecamente
condenados a depender de auxílios sociais, à alta criminalidade nas ruas, ao
status de subclasse, por causa das características de seus habitantes, de
modo que o sistema econômico, de forma geral, não tem papel na criação
desses problemas. Assim, uma das consequências interessantes do contrato
racial é que o espaço político do regime não é coextensivo a seu espaço
geográfico. Ao entrar nesses espaços (escuros), adentra-se uma região
normativamente descontínua com o espaço político branco, onde as regras
são diferentes, desde o financiamento diferencial (recursos escolares, coleta
de lixo, reparo de infraestrutura) até a ausência de proteção policial.
Finalmente, há o microespaço do próprio corpo (que, em certo sentido,
é o fundamento de todos os outros níveis), o fato (a ser tratado mais
detalhadamente a seguir) de que as pessoas e subpessoas, os cidadãos e não
cidadãos que habitam esses regimes o fazem encarnados em envelopes de
pele, carne, cabelo. O corpo não branco carrega uma aura de escuridão ao
redor, o que pode, na verdade, deixar alguns brancos fisicamente
desconfortáveis. (Um arquiteto negro americano do século xix treinou-se
para ler projetos arquitetônicos virados de cabeça para baixo porque sabia
que os clientes brancos ficariam desconfortáveis se ele se sentasse do
mesmo lado da mesa que eles.) Parte desse sentimento é sexual: o corpo
negro em particular é visto paradigmaticamente como um corpo.27 Lewis
Gordon sugere que a “presença negra é uma forma de ausência […]. Toda
pessoa negra se torna membro de um enorme corpo negro: o corpo
negro”.28 Os brancos podem chegar a ser “cabeças falantes”, mas, mesmo
quando as cabeças dos negros falam, sempre se está desconfortavelmente
consciente dos corpos aos quais essas cabeças estão presas. (Então, os
negros são, na melhor das hipóteses, “corpos falantes”.) No começo, o
rock ‘n’ roll foi visto por alguns conservadores brancos como uma trama
comunista porque trouxe os ritmos do corpo negro para o espaço corporal
branco; começou a subversão malemolente desse espaço. Esses são,
literalmente, ritmos da selva, telegrafados do espaço da selvageria,
ameaçando o espaço civilizado do regime branco e a integridade carnal de
seus habitantes. Então, quando na década de 1950 artistas brancos fizeram
versões cover de “discos negros”, músicas nas paradas de rhythm and blues
dos tempos de jim crow, elas foram sanitizadas, limpas, os ritmos
reorganizados; tornaram-nas reconhecidamente “brancas”.
De forma mais geral, há também o requisito social básico de distinguir,
no nível da interação cotidiana (uma interação que ocorre não em algum
plano abstrato, mas dentro desse espaço racializado), as interações sociais
pessoa-pessoa daquelas de pessoa-subpessoa. Assim, nos Estados Unidos,
da época da escravidão e jim crow ao período moderno de liberdade
formal, mas de racismo continuado, as interações físicas entre brancos e
negros são cuidadosamente reguladas por uma etiqueta racial maleável
que é, em última instância, determinada pela forma corrente do contrato
racial. Em seu estudo sobre como a vida das mulheres brancas é moldada
pela raça, Ruth Frankenberg descreve a “geografia social racial” daí
resultante, a “manutenção de limite” pessoal que exigia que “sempre se
mantivesse uma separação”, uma “demarcação autoconsciente de limites
do espaço físico”.29 As concepções do ser branco das pessoas mapeiam
uma microgeografia das rotas aceitáveis através do espaço racial do
próprio espaço pessoal. Essas travessias do espaço são impressas com
dominação: posturas prescritas de deferência e submissão para o Outro
negro, a linguagem corporal da não arrogância (sem “olhares
imprudentes”); códigos de prioridade de trânsito (“meu espaço pode andar
pelo seu e você deve se afastar”); regras não escritas para determinar
quando reconhecer a presença não branca e quando não, ditando espaços
de intimidade e distância, zonas de conforto e desconforto (“até este ponto
e nem um milímetro a mais”); e, finalmente, claro, leis antimiscigenação e
linchamento para proibir e punir a violação derradeira, a penetração do
preto no espaço branco.30 Se, como já argumentei, há um sentido em que
o regime político real é o regime branco virtual, então, sem levar a
metáfora longe demais, pode-se dizer que o corpo não branco é uma bolha
móvel de selvageria no espaço político branco, um nó de descontinuidade
que está necessariamente em permanente tensão com ele.
O contrato racial normatiza (e racializa) o indivíduo,
estabelecendo pessoalidade e subpessoalidade

Na teoria política desencarnada do contrato social ortodoxo, o corpo


desaparece, torna-se teoricamente sem importância, assim como o espaço
físico habitado por esse corpo, em aparência, é teoricamente
desimportante. Mas esse ato de desaparecimento é uma ilusão tanto no
primeiro quanto no último caso. A realidade é que se pode fingir que o
corpo não importa apenas porque um determinado corpo (o corpo
masculino branco) está pressuposto como a norma somática. Em um
diálogo político entre os donos desses corpos, os detalhes de sua carne não
importam, pois são julgados igualmente racionais, igualmente capazes de
perceber a lei natural ou seus próprios interesses. Mas, como as teóricas
feministas apontaram, o corpo só é irrelevante quando é o corpo
masculino (branco). Mesmo para Kant, que define “pessoas” simplesmente
como seres racionais, sem quaisquer restrições aparentes de gênero ou
raça, o corpo feminino demarca a pessoa como insuficientemente racional
para ser politicamente algo mais do que um cidadão “passivo”.31 Da
mesma forma, o contrato racial é explicitamente baseado em uma política
do corpo que está relacionada ao corpo político por meio de restrições
sobre quais corpos são “políticos”. Há corpos impolíticos, cujos
proprietários são julgados incapazes de formar ou entrar totalmente em um
corpo político.
O antecedente intelectual distante aqui, claro, é Aristóteles que, na
Política, fala sobre “escravos naturais”, que precisam ser distinguidos
daqueles cuja escravidão é meramente contingente, resultado, digamos, de
captura em batalha.32 Mas, escrevendo na época da escravidão não racial
da Antiguidade, Aristóteles enfrentou um problema de identificação para
destacar esses desafortunados. O contrato racial busca basicamente
remediar essa deficiência, estabelecendo uma linha (relativamente) clara de
demarcação somática entre possuidores de almas servis e não servis.
Como já foi mencionado, a distinção antiga entre europeus e não
europeus é essencialmente teológica, desenvolvida em grande parte
através das guerras no Oriente e no Sul contra o Islã, o paynim (negro),
tanto anti-Cristo quanto anti-Europa. Para o projeto político-econômico
de conquista, expropriação e assentamento, essa categorização tem a
desvantagem de ser contingente. As pessoas sempre podem se converter, e
se a agenda de direitos é baseada na religião, torna-se pelo menos um
problema prima facie (embora não insuperável) tratar os companheiros
cristãos da maneira que se pode tratar os pagãos. Na Cidade de Deus, como
Hayden White resume Agostinho, “até os mais monstruosos dos homens
ainda eram homens”, “recuperáveis em princípio”, “potencialmente
capazes” de serem redimidos pela graça cristã.33 A nova categoria secular
de raça, que gradualmente se cristalizou ao longo de um século ou mais,
ao contrário, tinha a virtude de permanência ao longo da vida de qualquer
indivíduo. Baseando-se no legado medieval do Homem Selvagem, e dando
a isso uma cor, o contrato racial estabelece um tipo somático particular
como a norma, cujo desvio torna a pessoa inadequada para a pessoalidade
plena e para a plena participação no regime político. Se ele não é sempre
um escravo natural, é pelo menos sempre um não cidadão natural ou um
cidadão de segunda classe. “Na transição gradual das concepções religiosas
para as concepções raciais, o abismo entre as pessoas que se
autodenominam cristãs e as outras pessoas, a quem chamavam de
pagãos”, observa Jennings, “traduziu-se suavemente em uma separação
entre pessoas brancas e pessoas de cor. A lei da obrigação moral sancionou
o comportamento em apenas um dos lados desse abismo”.34
Filosoficamente, podem-se distinguir as dimensões moral/legal,
cognitiva e estética dessa norma racial.35
Moral e legalmente, como afirmei no início, o contrato racial estabelece
uma partição fundamental na ontologia social do planeta, que poderia ser
representada como a divisão entre pessoas e subpessoas, Untermenschen. A
“pessoalidade” tem recebido muita atenção filosófica nos últimos anos por
causa do ressurgimento das teorias morais/políticas kantianas e dos
direitos naturais e do declínio relativo do utilitarismo. O utilitarismo
coloca a moralidade na base direta da promoção do bem-estar social: o
maior bem para o maior número. Mas ele é vulnerável à acusação de que
permitiria a violação dos direitos de alguns se o bem-estar social geral
fosse assim maximizado. Em contraste, as teorias kantianas e de direitos
naturais enfatizam a santidade das “pessoas” individuais, cujos direitos não
devem ser violados, mesmo que se amplie o bem-estar geral.
Idealmente, então, queremos um mundo onde todos os seres humanos
sejam tratados como “pessoas”. Assim, a noção de “pessoa” se torna
central para a teoria normativa. A ontologia social simplificada acarretada
pela noção de “pessoalidade” é, claro, um produto do capitalismo e das
revoluções burguesas do século xviii. Moses Finley aponta que a
“desigualdade perante a lei” era típica do mundo antigo36 e que o
feudalismo medieval tinha sua própria hierarquia social. A pessoalidade
kantiana surgiu, em parte, em oposição a esse mundo de hierarquia e status
atribuídos. Os valores humanos hierarquicamente diferenciados de plebeu
e patrício, de servo, monge e cavaleiro foram substituídos pelo “valor
infinito” de todos os seres humanos. É um ideal nobre e inspirador,
mesmo que sua incorporação em inúmeros manifestos, declarações,
constituições e textos introdutórios de ética tenha sido, agora, reduzida a
uma homilia, privada da força política impactante que já teve. Mas o que
precisa ser enfatizado é que apenas pessoas brancas (e realmente apenas
homens brancos) foram capazes de ter isso como algo garantido, para
quem isso pode ser um truísmo nada empolgante. Como Lucius Outlaw
sublinha, o liberalismo europeu restringe o “igualitarismo à igualdade
entre iguais”, e negros e outros são ontologicamente excluídos, pela raça,
da promessa do “projeto liberal da modernidade”.37 Os termos do
contrato racial significam que a subpessoalidade não branca é preservada
simultaneamente à pessoalidade branca.
Então, para entender o funcionamento dos regimes estruturados pelo
contrato racial, creio eu, precisamos entender também a subpessoalidade.
Subpessoas são entidades humanoides que, em decorrência de
fenótipo/genealogia/cultura racial, não são totalmente humanas e,
portanto, têm uma agenda diferente e inferior de direitos e liberdades que
a elas se aplicam. Em outras palavras, é possível se safar ao fazer coisas
com subpessoas que não poderiam ser feitas com pessoas, porque as
primeiras não têm os mesmos direitos que as segundas. Na medida em que
o racismo é abordado dentro da filosofia moral e política dominante,
geralmente é tratado em uma nota de rodapé como desvio lamentável do
ideal. Mas tratá-lo dessa maneira faz com que ele pareça contingente,
acidental, residual, retira-o do nosso entendimento. A raça é colocada
como marginal quando, na verdade, tem sido central. A noção de
subpessoalidade, por outro lado, torna explícito o contrato racial,
mostrando que caracterizar as coisas em termos de “desvios” é, em certo
sentido, enganador. Em vez disso, o que está envolvido é o cumprimento
de uma norma cuja existência é agora embaraçoso admitir. Então, em vez
de fingir que o contrato social delineia o ideal que as pessoas tentaram
cumprir, mas que ocasionalmente (como com todos os ideais) ficaram
aquém de cumprir, devemos dizer francamente que, para os brancos, o
contrato racial representava o ideal, e o que está envolvido não é desvio da
norma (imaginada), mas efetiva aderência à norma. (Apontei
anteriormente que o “excepcionalismo” era a regra.) O “contrato racial”,
como teoria, coloca a raça em seu lugar — no centro do palco — e
demonstra como o regime político era de fato racial, um Estado de
supremacia branca, para o qual a prerrogativa racial branca diferencial e a
subordinação racial não branca eram definidoras, moldando
inevitavelmente, assim, a psicologia moral e a teorização moral brancas.
Esse é mais claramente o caso, é evidente, para os negros, com a
degradação da escravidão racial significando, como se tem apontado, que,
pela primeira vez (e ao contrário da escravidão da Grécia e da Roma
antigas ou do Mediterrâneo medieval), a escravidão adquiria uma cor. Mas,
para o projeto colonial em geral, a pessoalidade seria racializada, daí o
conceito de “raças sujeitadas”. A divisão conceitual crucial é entre brancos
e não brancos, pessoas e subpessoas, embora, uma vez que se tenha feito
esse corte, outras distinções internas sejam possíveis, com variedades de
subpessoalidade (“selvagens” versus “bárbaros”, como já se observou)
correspondendo a diferentes variantes do contrato racial
(expropriação/escrava/colonial). Assim, o nativo de Kipling poderia ter
mais de um rosto — “meio diabo e meio criança” —, de modo que,
embora (para o contrato de expropriação) alguns tipos tenham
simplesmente de ser exterminados (como nas Américas, na Austrália e na
África do Sul), para outros (como no contrato colonial), uma orientação
paternalista (caso da África e da Ásia coloniais) poderia conduzi-los (como
“menores”) até, pelo menos, o meio do caminho rumo à civilização. Mas,
em todos os casos, o resultado era que se estava lidando com entidades
que não se situavam no mesmo nível moral, incapazes de autonomia e
autogoverno. “Negros, índios e [cafres] não podem sustentar democracia”,
concluiu John Adams.38 (Pensem em Tarzan, o Fantasma, She e Sheena,
reis e rainhas brancos governando a selva negra, estabelecendo a lei para
as raças inferiores que não a possuem.)
Além disso, a inter-relação dinâmica da categorização significou, como
os hegelianos foram rápidos em reconhecer, que as categorias se
determinavam mutuamente. Ser uma pessoa, um ser branco, significava —
por definição — não ser uma subpessoa, não ter as qualidades que
arrastam alguém para o próximo nível ontológico inferior. No mundo
kantiano ideal do contrato social sem raça, as pessoas podem existir em
abstrato; no mundo não ideal do contrato racial naturalizado, as pessoas
estão necessariamente relacionadas a subpessoas. Pois essas são
identidades enquanto “conjuntos contrapontísticos”, exigindo seus
opostos, e a “secundariedade” das subpessoas, como Said coloca, é,
“paradoxalmente, essencial para a primazia do europeu”.39
Onde a escravidão era praticada, como nos Estados Unidos e nas
Américas, de modo a haver uma relação sustentada entre as raças, a
branquitude e a negritude evoluíram em uma intimidade forçada de
repugnância, na qual elas se determinavam pela negação e pelo
autorreconhecimento, em parte, através dos olhos do outro. Em seu
premiado livro sobre a evolução da ideia de liberdade, Orlando Patterson
argumenta que a liberdade foi gerada a partir da experiência da
escravização, que o escravizado estabelece a norma para os humanos.40
Parte do problema atual da tentativa de assimilar os negros americanos no
corpo político é a profunda codificação na psique nacional da noção de
que, como aponta Toni Morrison, americanidade significa definitivamente
branquitude; imigrantes europeus que vieram para os Estados Unidos no
final do século xix e no início do século xx provaram sua assimilação
entrando no clube da branquitude, afirmando seu endosso do contrato
racial.41 A piada antiga na comunidade negra é que a primeira palavra que
o alemão, o escandinavo ou o italiano aprende na ilha Ellis, recém-saído do
barco, é nigger. Negro americano, afro-americano, é um paradoxo,
enquanto americano branco, euro-americano, é um pleonasmo. A
branquitude é definida em parte em relação a uma escuridão que lhe é
oposta, de modo que as autoconcepções brancas de identidade,
pessoalidade e respeito próprio estão, assim, intimamente ligadas ao
repúdio do Outro negro. Não importava o quão pobre alguém fosse, ainda
era capaz de afirmar a branquitude que o distinguia das subpessoas do
outro lado da linha de cor.
Há também uma dimensão cognitiva que é igualmente contínua com a
tradição aristotélica. Historicamente, o indicador paradigmático da
subpessoalidade tem sido a racionalidade deficiente, a incapacidade de
exercer de modo pleno a característica classicamente pensada como aquela
que nos distingue dos animais. Para o contrato social, é crucial para o
argumento uma igualdade grosseira nos poderes cognitivos dos homens,
ou pelo menos uma capacidade necessária básica de detectar a
estruturação moral imanente do universo (a lei natural), ou o que é
racionalmente necessário para a cooperação social. Para o contrato racial,
de forma correspondente, afirma-se uma desigualdade básica na
capacidade de diferentes grupos humanos de conhecer o mundo e detectar
a lei natural. As subpessoas são consideradas cognitivamente inferiores,
carentes da racionalidade essencial que as tornaria totalmente humanas.
Nas primeiras versões (teológicas) do contrato racial, essa diferença foi
explicitada em termos de falta de vontade pagã de reconhecer a palavra de
Deus. Um pastor do início do século xvii caracterizou os nativos
americanos como dotados de

um pouco de Humanidade, além de sua forma, ignorante da Civilidade, das artes, da religião;
mais brutais que as bestas que eles caçam, mais selvagens e menos masculinos [do que] aquele
país selvagem não habitado, que eles ocupam em vez de habitar; cativados também pela tirania
de Satanás.42

Nas versões seculares posteriores, há uma incapacidade racial para a


racionalidade, o pensamento abstrato, o desenvolvimento cultural, a
civilização em geral (gerando esses espaços cognitivos obscuros no
mapeamento do mundo pela Europa). Na filosofia, pode-se traçar esse fio
comum através das especulações de Locke sobre as incapacidades das
mentes primitivas, a negação de David Hume de que qualquer outra raça,
exceto os brancos, havia criado civilizações válidas, as ideias de Kant sobre
os diferenciais de racionalidade entre negros e brancos, a conclusão
poligenética de Voltaire de que os negros eram uma espécie distinta e
menos capaz, o julgamento de John Stuart Mill de que essas raças, “em sua
não idade”, estavam aptas apenas para o “despotismo”. A suposição da
inferioridade intelectual não branca era generalizada, mesmo que nem
sempre elaborada no interior do aparato pseudocientífico que o
darwinismo mais tarde tornaria possível. Uma vez que esse avanço teórico
foi feito, é claro, houve uma tremenda efusão de tentativas de colocar a
normatização em uma base quantificável — uma craniometria revitalizada,
alegações sobre o tamanho do cérebro e das ondas cerebrais, medições de
ângulos faciais, pronunciamentos sobre cabeças dolicocefálicas e
braquicefálicas, recapitulacionismo e, finalmente, óbvio, a teoria do qi —,
a característica supostamente correlacionada com a inteligência variando,
mas sempre alcançando o resultado desejado de confirmar a inferioridade
intelectual não branca.43
As implicações dessa negação da igualdade intelectual e da capacidade
de cognição são várias. Uma vez que, como mencionado, ela impede a
realização cultural, a negação convida à intervenção daqueles que são
capazes de cultura. Uma vez que impede o desenvolvimento moral
necessário para ser um agente moral e político responsável, ela obsta a
adesão plena ao regime político. Uma vez que impede a percepção verídica
do mundo, chega a barrar, em alguns casos, o testemunho em tribunal: os
escravos nos Estados Unidos não tinham permissão para oferecer
evidências contra seus senhores, nem os aborígines australianos poderiam
testemunhar contra os colonos brancos. Em geral, ao longo de um
período de séculos, o princípio epistêmico governante poderia ser posto
como o requisito de que — pelo menos em questões controversas — a
cognição não branca deve ser verificada pela cognição branca para ser
aceita como válida. E é permitido substituir a cognição branca apenas em
circunstâncias extremas e incomuns (grande número de testemunhas não
brancas consistentes, algum tipo de desordem nas capacidades cognitivas
do agente epistêmico branco etc.). (Complicações adicionais envolvem
uma mudança do racismo biológico direto para um racismo “cultural”
mais atenuado, em que a participação parcial na comunidade epistêmica é
concedida quando os não brancos se mostram capazes de dominar a
cultura ocidental branca.)
Finalmente, a normatização do indivíduo também envolve uma
normatização específica do corpo, uma normatização estética. Juízos de
valor moral são, claro, conceitualmente distintos dos juízos de valor
estéticos, mas há uma tendência psicológica de misturar os dois, tal como
ilustrado pelas convenções dos contos de fadas para crianças (e de alguns
para adultos), com seu elenco de heróis bonitos, belas heroínas e vilões
feios. Harmannus Hoetink argumenta que todas as sociedades têm uma
“imagem de norma somática”, que desencadeia alertas caso haja desvio.44
E George Mosse aponta que o Iluminismo envolveu
o estabelecimento de um estereótipo de beleza humana moldado a partir de modelos clássicos
como a medida de todo o valor humano […]. O racismo era uma ideologia visual baseada em
estereótipos […]. Beleza e feiura tornaram-se tanto princípios de classificação humana quanto
fatores materiais de medição, do clima e do meio ambiente.45

O contrato racial torna o corpo branco a norma somática, de modo


que, nas primeiras teorias racistas, encontramos não apenas julgamentos
morais, mas estéticos, com raças bonitas e claras confrontadas com raças
feias e escuras. Alguns não brancos eram próximos o suficiente dos
caucasianos na aparência para que às vezes fossem vistos como bonitos,
atraentes de uma forma exótica (nativos americanos, de vez em quando;
taitianos; alguns asiáticos). Mas aqueles mais distantes do tipo somático
caucasoide — paradigmaticamente, negros (africanos e também
aborígines australianos) — foram estigmatizados como esteticamente
repulsivos e desviantes. Winthrop Jordan documentou o fascínio de
repulsa com que os ingleses discutiam a aparência dos africanos que
encontraram nas primeiras expedições comerciais; e americanos como
Thomas Jefferson expressaram sua antipatia às características negroides.46
(Benjamin Franklin, curiosamente, opôs-se ao tráfico de escravos por
motivos que eram pelo menos parcialmente estéticos, como uma espécie
de programa de embelezamento para os Estados Unidos. Expressando sua
preocupação de que a importação de escravos tinha “enegrecido metade
da América”, ele perguntou: “Por que ampliar os Filhos da África,
plantando-os na América, onde temos uma Oportunidade tão justa, ao
excluir todos os negros e taiwaneses, de aumentar os adoráveis Branco e
Vermelho?”.)47
Na medida em que essas normas são aceitas, os negros serão a raça mais
alienada de seus próprios corpos — um destino particularmente doloroso
para as mulheres negras que, como todas as mulheres, serão (pelos
termos, aqui, do contrato sexual) valorizadas principalmente por sua
aparência física, que em geral será considerada aquém do ideal caucasoide
ou da pele clara.48 Ademais, além de suas consequências óbvias para as
relações sexuais intra e inter-raciais, essas normas também afetarão
oportunidades e perspectivas de emprego, pois estudos confirmaram que a
aparência física “agradável” dá uma vantagem na concorrência por
empregos. Não por acaso os negros mestiços são aqueles representados
diferencialmente no mundo do trabalho “branco”. Eles tenderão, muitas
vezes, pela sua formação, a ser mais bem instruídos também; contudo, um
fator adicional é que os brancos ficam menos desconfortáveis fisicamente
na presença deles. “Se temos que contratar algum deles”, pode-se pensar,
“pelo menos este se parece um pouco conosco”.
O contrato racial subjaz ao contrato social moderno e está
sendo continuamente reescrito

Feministas radicais argumentam que a opressão das mulheres é a opressão


mais antiga. A opressão racial é muito mais recente. Enquanto as relações
entre os sexos necessariamente remontam à origem da espécie, uma
relação íntima e central entre a Europa como entidade coletiva e a não
Europa, entre raças “brancas” e “não brancas”, é um fenômeno da época
moderna. Há controvérsia acadêmica contínua sobre a existência e a
extensão do racismo na Antiguidade (“racismo” como um complexo de
ideias, isto é, não um sistema político-econômico desenvolvido), e alguns
escritores, como Frank Snowden, situam um período “antes do
preconceito de cor”, em que os negros são obviamente vistos como iguais,
enquanto outros alegam que a intolerância grega e romana em relação aos
negros existia desde o início.49 Mas, obviamente, qualquer que seja a
discordância sobre esse ponto, haveria de se concordar que a ideologia do
racismo moderno é muito mais desenvolvida teoricamente do que os
preconceitos antigos ou medievais e que está ligada (qualquer que seja a
visão, idealista ou materialista, de prioridade causal) a um sistema de
dominação europeia.
No entanto, essa divergência implica que são possíveis diferentes
abordagens para o contrato racial. A abordagem que prefiro concebe-o
criando não apenas a exploração racial, mas a própria raça como uma
identidade de grupo. Em um vocabulário contemporâneo, o contrato
racial “constrói” a raça. (Para outras abordagens, por exemplo, mais
essencialistas, a autoidentificação racial precederia a elaboração do contrato
racial.) Pessoas “brancas” não preexistem, mas são trazidas à existência
como “brancas” pelo contrato racial — daí a transformação peculiar da
população humana que acompanha este contrato. A raça branca é
inventada, a pessoa se torna “branca por lei”.50
Nesse quadro, então, os tempos áureos da teoria do contrato (1650 a
1800) coincidiram com o crescimento de um capitalismo europeu cujo
desenvolvimento foi estimulado pelas viagens de exploração que deram ao
contrato cada vez mais um subtexto racial. A evolução da versão moderna
do contrato, caracterizada por um liberalismo iluminista antipatriarcalista,
com suas proclamações de igualdade de direitos, autonomia e liberdade de
todos os homens, ocorreu, portanto, simultaneamente ao massacre, à
expropriação e à sujeição à escravidão hereditária de homens pelo menos
aparentemente humanos. Essa contradição precisa ser reconciliada; ela o é
através do contrato racial, que essencialmente nega a pessoalidade dos
negros e restringe os termos do contrato social aos brancos. “Invadir e
desapropriar o povo de um país civilizado não beligerante violaria a
moralidade e transgrediria os princípios do direito internacional”, escreve
Jennings, “mas os selvagens eram exceção. Sendo incivilizados por
definição, eles estavam fora das sanções da moralidade e da lei.”51 O
contrato racial é, portanto, a verdade do contrato social.
Há algumas evidências diretas de que isso está nos escritos dos próprios
teóricos clássicos do contrato. Ou seja, não é meramente uma questão de
reconstrução intelectual hipotética de minha parte, argumentando sem
fundamento que o termo “homens” deve realmente ser entendido como
“homens brancos”. Já Hugo Grotius, cujo trabalho do início do século xvii
sobre direito natural forneceu a base teórica crucial para os contratualistas
posteriores, expressa, como Robert Williams apontou, o julgamento
sinistro de que, para “bárbaros”, “bestas selvagens em vez de homens,
pode-se dizer com razão […] que a guerra mais justa é contra bestas
selvagens, e depois disso contra homens que são como bestas”.52 Mas
vamos nos concentrar apenas nos quatro mais importantes teóricos do
contrato: Hobbes, Locke, Rousseau e Kant.53
Considere, para começar, a situação notoriamente bestial do estado de
natureza em Hobbes, um estado de guerra em que a vida é “deplorável,
brutal e curta”. Em uma leitura superficial, pode parecer que essa
caracterização não é racial, sendo igualmente aplicável a todos, mas
observe o que ele diz ao considerar a objeção de que “nunca houve tal
tempo, nem condição de guerra como esta”. Ele responde: “Eu acredito
que nunca foi assim de modo geral, em todo o mundo: mas há muitos
lugares, onde se vive assim agora”, e seu exemplo era: “as pessoas
selvagens em muitos lugares da América”.54 Assim, um povo não branco,
de fato, precisamente, as pessoas não brancas cuja terra os europeus então
invadiam, é seu único exemplo de vida real de um povo em estado de
natureza. (E, de fato, foi apontado que as expressões e a terminologia da
caracterização de Hobbes podem muito bem ter derivado diretamente dos
escritos de seus contemporâneos sobre a colonização nas Américas. O
“explorador” Walter Raleigh descreveu uma guerra civil como “um estado
de guerra, que é o mero estado da Natureza dos Homens fora da
comunidade, onde todos têm o mesmo direito a todas as coisas”. E dois
outros autores da época caracterizaram os habitantes das Américas como
“pessoas [que] viviam como animais selvagens, sem religião, nem governo,
nem cidade, nem casas, sem cultivar a terra, nem vestir seus corpos” e
“pessoas vivendo ainda como os primeiros homens, sem letras, sem leis,
sem reis, sem riquezas comuns, sem artes… não civilizados por
natureza”.)55
No parágrafo seguinte, Hobbes prossegue argumentando que, “embora
nunca tenha havido nenhum momento em que os homens estivessem em
condição de guerra uns contra os outros”, há, “em todos os tempos”, um
estado de “ciúmes contínuos” entre reis e pessoas de autoridade soberana.
Ele presumivelmente enfatiza essa contenda para que o leitor possa
imaginar o que aconteceria na ausência de um “poder comum a ser
temido”.56 Mas o texto é confuso. Como se poderia simultaneamente
afirmar que “nunca tenha havido” nenhuma guerra no estado de natureza
literal quando, no parágrafo anterior, ele acabara de dizer que alguns
estavam vivendo daquela forma agora? Como resultado dessa ambiguidade,
Hobbes tem sido caracterizado como um contratualista literal por alguns
comentadores e como um contratualista hipotético por outros. Mas acho
que esse pequeno mistério pode ser esclarecido quando reconhecemos que
há uma lógica racial tácita no texto: o estado de natureza literal é reservado
para os não brancos; para os brancos, o estado da natureza é hipotético. O
conflito entre brancos é o conflito entre aqueles com soberanos, ou seja,
aqueles que já estão (e sempre estiveram) em sociedade. A partir desse
conflito, pode-se extrapolar (apontando para o abismo racial, por assim
dizer) o que aconteceria na ausência de um soberano governante. Mas
realmente sabemos que os brancos são racionais demais para permitir que
isso aconteça com eles. Assim, o mais notório estado de natureza na
literatura contratualista — a guerra bestial de todos contra todos — é, na
verdade, uma imagem não branca, uma lição de algo racial para os brancos
mais racionais, cuja compreensão superior da lei natural (aqui em sua
versão prudencial, e não a altruísta) lhes permitirá dar os passos
necessários para evitá-la e não se comportar como “selvagens”.
De forma padronizada, Hobbes tem sido visto como um escritor
estranhamente transicional, preso entre o absolutismo feudal e a ascensão
do parlamentarismo, que usa o contrato agora classicamente associado ao
surgimento do liberalismo para defender o absolutismo. Mas pode-se
argumentar que ele é transicional de outra maneira, na medida em que, na
Grã-Bretanha de meados do século xvii, o projeto imperial ainda não
estava tão desenvolvido a ponto de ter o aparato intelectual de
subordinação racial completamente elaborado. Hobbes continua de certa
forma ligado a um igualitarismo racial que, enquanto destaca os nativos
americanos como seu exemplo da vida real, sugere que, sem um soberano,
mesmo os europeus poderiam regredir para o estado desses povos, e que o
governo absolutista, apropriado para não brancos, também poderia ser
apropriado para os brancos.57 O alvoroço com que seu trabalho foi
recebido pode ser atribuível, pelo menos em parte, a essa sugestão
moral/política. A disseminação do colonialismo consolidaria um mundo
intelectual no qual esse estado de natureza bestial estaria reservado a
selvagens não brancos, para ser governado despoticamente, enquanto os
europeus civilizados desfrutariam dos benefícios do parlamentarismo
liberal. O contrato racial começou a subjazer ao contrato social.
Pode-se ver melhor essa transição na época de Locke, cujo estado de
natureza é normativamente regulado pela lei natural tradicional (altruísta,
não prudencial). Trata-se de um estado de natureza moralizado, em que a
propriedade privada e o dinheiro existem; de fato, um estado de natureza
virtualmente civilizado. Os brancos podem, portanto, estar literalmente
nesse estado de natureza (por um breve período, pelo menos) sem que isso
ponha em questão suas qualidades inatas. Locke argumenta que Deus deu
o mundo “ao uso do Labutador e do Racional”, cujas qualidades foram
indicadas pelo trabalho. Assim, enquanto ingleses labutadores e racionais
trabalhavam duro em casa, na América, em contraste, encontravam-se
“bosques selvagens e terras desertas não cultivadas […] deixados para a
Natureza” pelos indígenas ociosos.58 Embora eles compartilhem o estado
de natureza por um tempo com os não brancos, sua permanência é
necessariamente mais breve, já que os brancos, ao se apropriarem e
agregarem valor a esse mundo natural, exibem sua racionalidade superior.
Portanto, o modo de apropriação dos nativos americanos não é um modo
real de apropriação, produzindo direitos de propriedade que podem ser de
pronto anulados (se é que sequer existam) e, assim, tornando seus
territórios normativamente abertos para confisco, uma vez que aqueles
que há muito deixaram o estado de natureza (europeus) os encontrem. A
tese de Locke viria a ser, de fato, o pilar central do contrato de
expropriação — “o principal delineamento filosófico dos argumentos
normativos que sustentam a conquista da América pela civilização
branca”, escreve Williams59 —, e não apenas nos Estados Unidos, mas,
mais tarde, nos outros estados coloniais brancos na África e no Pacífico. As
economias aborígines não aprimoravam a terra e, portanto, poderiam ser
consideradas inexistentes.
A prática, e muito possivelmente também a teoria, de Locke teve seu
papel no contrato de escravidão. No Segundo tratado, Locke defende a
escravização resultante de uma guerra justa, por exemplo, uma guerra
defensiva contra uma agressão. Isso dificilmente seria uma caracterização
precisa dos grupos invasores europeus em busca de escravos africanos; de
toda forma, no mesmo capítulo, Locke se opõe explicitamente à
escravização hereditária e à escravização de esposas e crianças.60 Ainda
assim, ele tinha investimentos na companhia de comércio de escravos
Royal Africa Company e, antes disso, ajudou a escrever a constituição da
escravidão da Carolina. Assim, pode-se argumentar que o contrato racial
se manifesta aqui em uma inconsistência surpreendente, que poderia ser
resolvida pela suposição de que Locke via os negros como não totalmente
humanos e, portanto, sujeitos a um conjunto diferente de regras
normativas. Ou talvez a mesma lógica moral lockeana que encampava os
nativos americanos possa ser estendida aos negros. Não estavam se
apropriando de seu continente natal na África; eles não são racionais; eles
podem ser escravizados.61
Os escritos de Rousseau podem parecer uma espécie de exceção. Afinal,
é a seu trabalho que a noção de “bom selvagem” está associada (embora a
expressão não seja realmente dele). E, na reconstrução das origens da
sociedade no Discurso sobre a desigualdade, todos são vistos como tendo
vivido no estado de natureza (e, portanto, tendo sido “selvagens”) em um
momento ou outro. Mas uma leitura cuidadosa do texto revela, mais uma
vez, distinções raciais importantes. Os únicos selvagens naturais citados
são os selvagens não brancos, enquanto os exemplos de selvagens europeus
ficam restritos a relatos de crianças selvagens criadas por lobos e ursos,
práticas de criação de filhos (dizem-nos) comparáveis às dos hotentotes e
caraíbas.62 (Os europeus são tão intrinsecamente civilizados que é
necessário que sejam criados por animais para que eles se transformem em
selvagens.) Para a Europa, a selvageria está em um passado sombrio e
distante, uma vez que a metalurgia e a agricultura são as invenções que
levam à civilização, e verifica-se que

uma das melhores razões pelas quais a Europa, se não a primeira a ser civilizada, tenha sido pelo
menos mais continuamente e mais bem civilizada que outras partes do mundo talvez seja o fato
de que ela é, ao mesmo tempo, a parte mais rica em ferro e a mais fértil para o trigo.

Mas Rousseau escrevia mais de duzentos anos após o encontro europeu


com os grandes impérios asteca e inca; não havia lá pelo menos um pouco
de metalurgia e agricultura em evidência? Aparentemente não: “Tanto a
metalurgia quanto a agricultura eram desconhecidas dos selvagens da
América, que portanto sempre permaneceram selvagens”.63 Assim,
mesmo o que inicialmente parece ser um determinismo ambiental mais
amplo, que abriria a porta para o igualitarismo racial, em vez da hierarquia
racial, degenera em massiva amnésia histórica e deturpação factual,
impulsionadas pelos pressupostos do contrato racial.
Além disso, para tornar o ponto óbvio, mesmo que alguns dos selvagens
não brancos de Rousseau fossem “bons”, física e psicologicamente mais
saudáveis do que os europeus da sociedade degradada e corrupta
produzida pelo contrato falso da vida real, eles ainda seriam selvagens.
Assim, são seres primitivos que não fazem parte de verdade da sociedade
civil, estando pouco acima dos animais, sem linguagem. Deixar o estado
de natureza, como argumenta Rousseau em O contrato social, sua
abordagem posterior de um regime ideal, é necessário para que nos
tornemos agentes morais plenamente humanos, seres capazes de justiça.64
Assim, o louvor aos selvagens não brancos é um elogio paternalista
limitado, equivalente à admiração por animais saudáveis, de forma alguma
implicando igualdade, muito menos superioridade, em relação aos
europeus civilizados do regime ideal. A dicotomização racial subjacente e
a hierarquia de civilizados e selvagens permanecem bastante claras.
Finalmente, a versão de Kant do contrato social é, de certa forma, a
melhor ilustração das garras do contrato racial sobre os europeus, uma vez
que, a essa altura, o contrato real e a dimensão histórica do contratualismo
haviam aparentemente desaparecido por completo. Então, se for para
acontecer em algum lugar, é aqui, alguém pensaria — neste mundo de
pessoas abstratas, demarcadas como tal apenas por sua racionalidade —
que a raça teria se tornado irrelevante. Mas como Emmanuel Eze
demonstrou recentemente com grande detalhe, esse retrato ortodoxo é
radicalmente enganador, e a natureza das “pessoas” kantianas e do
“contrato” kantiano realmente deve ser repensada.65 Pois acontece que
Kant, amplamente considerado o teórico moral mais importante do
período moderno, em certo sentido, o pai da teoria moral moderna, e —
através dos trabalhos de John Rawls e Jürgen Habermas — cada vez mais
central para a filosofia política moderna, é também o pai do conceito
moderno de raça.66 Seu ensaio de 1775, “Von den Verschiedenen Rassen der
Menschen” (Das diferentes raças humanas), é uma afirmação clássica pró-
hereditária e antiambientalista da “imutabilidade e permanência da raça”.
Para ele, comenta George Mosse, “a composição racial torna-se uma
substância imutável e a base de toda aparência física e de todo
desenvolvimento humano, incluindo a inteligência”.67 O famoso teórico
da pessoalidade é também o teórico da subpessoalidade, embora essa
distinção seja — e aqui alguém desconfiado pode quase pensar em uma
conspiração para esconder verdades embaraçosas — muito menos
conhecida.
Como Eze indica, Kant ensinou antropologia e geografia física por
quarenta anos, e seu trabalho filosófico realmente precisa ser lido em
conjunto com essas aulas para se entender quão racializada era sua visão
sobre o caráter moral. Seu comentário em Observações sobre o sentimento do
belo e do sublime é bem conhecido e frequentemente citado por intelectuais
negros: “Tão fundamental é a diferença entre as raças [negras e brancas]
do homem […] esta parece ser tão grande em relação às capacidades
mentais quanto na cor”, de modo que “uma prova clara de que o que [um
negro] disse era estúpido” era que “esse sujeito era bastante negro da
cabeça aos pés”.68 A questão do ensaio de Eze é que essa observação não é
de forma alguma isolada nem uma linha casual descartável que, embora
naturalmente lamentável, não tem maiores implicações. Em vez disso, ela
vem de uma já desenvolvida teoria da raça e das correspondentes
capacidade e limitação intelectuais. A observação apenas parece casual, não
incorporada a uma teoria maior, porque a filosofia acadêmica branca
como instituição não teve interesse em pesquisar, buscar as implicações e
dar a conhecer ao mundo essa dimensão do trabalho de Kant.
Na verdade, Kant demarca e teoriza uma hierarquia racial codificada
por cores de europeus, asiáticos, africanos e nativos americanos
diferenciada por seu grau de talento inato. Eze explica:

“Talento” é aquilo que, por “natureza”, garante para o “branco”, na ordem racial, racional e
moral de Kant, a posição mais elevada acima de todas as criaturas, seguido pelo “amarelo”, o
“preto” e depois o “vermelho”. A cor da pele, para Kant, é evidência de “talento” superior,
inferior ou de nenhum “dom”, ou a capacidade de desenvolver a razão e a perfectibilidade
racional-moral por meio da educação […]. Não se pode, portanto, argumentar que a cor da pele,
para Kant, era apenas uma característica física. É, antes, evidência de uma qualidade moral que
não muda nem pode ser mudada.

Os europeus, para surpresa de ninguém, presumo, têm todos os


talentos necessários para serem moralmente autoeducados; há alguma
esperança para os asiáticos, embora não tenham a capacidade de
desenvolver conceitos abstratos; os africanos, inatamente preguiçosos,
podem pelo menos ser educados como servos e escravos através da
instrução da vara de bambu (Kant dá alguns conselhos úteis sobre como
bater nos negros com eficiência); e os miseráveis nativos americanos são
simplesmente um caso perdido: não podem ser educados de forma
alguma. Então, em completa oposição à imagem de seu trabalho que
chegou até nós e é ensinado de forma padrão em cursos introdutórios de
ética, a pessoalidade plena, para Kant, de fato, depende da raça. Como
resume Eze: “A pessoa negra, por exemplo, pode ter a humanidade plena
legitimamente negada, já que a humanidade plena e ‘verdadeira’ se
encontra apenas no europeu branco”.69
O furor recente sobre Paul de Man70 e, décadas antes, Martin
Heidegger, por cumplicidade com os nazistas, portanto, precisa ser
colocado em perspectiva. Esses são essencialmente jogadores menores, de
várzea. É preciso distinguir a teoria da prática real, claro, e não estou
dizendo que Kant teria endossado o genocídio. Mas o fato embaraçoso para o
Ocidente branco (que sem dúvida explica sua ocultação) é que seu teórico moral
mais importante dos últimos trezentos anos é também o teórico fundamental no
período moderno da divisão entre Herrenvolk e Untermenschen, pessoas e
subpessoas, que posteriormente seria explorada pela teoria nazista. A teoria
moral moderna e a teoria racial moderna têm o mesmo pai.
O contrato racial, portanto, subjaz ao contrato social, é um operador
visível ou oculto que restringe e modifica o escopo de suas prescrições.
Mas, assim como há variação sincrônica e diacrônica, existem muitas
versões diferentes ou instanciações locais do contrato racial, e elas
evoluem ao longo do tempo, de modo que a própria força efetiva do
contrato social se modifica, e o tipo de dissonância cognitiva entre os dois
se altera. (Essa mudança tem implicações para a psicologia moral dos
signatários brancos e seus padrões característicos de percepção e cegueira.)
O contrato social é (em sua versão histórica original) um evento discreto
específico que funda a sociedade, mesmo que (através, por exemplo, das
teorias lockeanas do consentimento tácito) as gerações subsequentes
continuem a ratificá-lo de forma contínua. Em contraste, o contrato racial
está sendo continuamente reescrito para criar diferentes formas de regime
racial. Uma periodização global, uma visão temporal geral da evolução do
contrato racial, destacaria, em primeiro lugar, a divisão crucial entre o
tempo antes e o tempo depois da institucionalização da supremacia branca
global. (Assim, o livro de Janet Abu-Lughod sobre o sistema mundial
medieval dos séculos xiii/xiv é intitulado Before European Hegemony.)71 O
período posterior seria subdividido em período de supremacia branca
formal e jurídica (a época da conquista europeia, da escravização africana
e do colonialismo europeu, da autoidentificação racial branca explícita e da
hegemonia amplamente indiscutível das teorias racistas) e o período atual
da supremacia branca de facto, quando o domínio dos brancos é, na maior
parte, não mais constitucional e juridicamente consagrado, mas sim uma
questão de privilégio social, político, cultural e econômico baseado no
legado da conquista.
No primeiro período, o período da supremacia branca de jure, o
contrato racial era explícito, as instanciações características — o contrato
de expropriação, o contrato escravo, o contrato colonial — deixavam claro
que os brancos eram a raça privilegiada e que o contrato social igualitário
se aplicava apenas a eles. (Cognitivamente, então, esse período teve a
grande virtude da transparência social: a supremacia branca foi abertamente
proclamada. Não era preciso procurar um subtexto, porque ele estava lá no
próprio texto.) No segundo período, por outro lado, o contrato racial
produziu seu próprio apagamento da existência formal. O escopo dos termos
do contrato social foi formalmente estendido para se aplicar a todos, de
modo que “pessoas” não seja mais coextensivo a “brancos”. O que
caracteriza esse período (que é, claro, o presente) é a tensão entre o
privilégio branco contínuo de facto e essa extensão formal de direitos. O
contrato racial continua a se manifestar, claro, em acordos locais não
oficiais de vários tipos (pactos restritivos, contratos de discriminação no
mercado de trabalho, decisões políticas sobre alocação de recursos etc.).
Mas, mesmo que deixássemos isso de lado, uma manifestação crucial é
simplesmente o fracasso em formular certas perguntas, tomando como status
quo e ponto de partida a presente distribuição, informada pela cor da pele,
de riqueza, pobreza, propriedade e oportunidades, a pretensão de que a
igualdade formal e jurídica é suficiente para remediar desigualdades
criadas em uma base de várias centenas de anos de privilégio racial, e que
questionar essa base é uma transgressão dos termos do contrato social. (Se
bem que, em certo sentido, de fato é uma transgressão, na medida em que
o contrato racial é o verdadeiro significado do contrato social.)
No contexto global, o contrato racial efetua uma derradeira e paradoxal
normatização e racialização do espaço, uma caracterização no regime de
certos espaços como conceitual e historicamente irrelevantes para o
desenvolvimento europeu e do euromundo, de modo que esses espaços
racializados são categorizados como apartados da rota da civilização (ou
seja, o projeto europeu). Fredric Jameson escreveu:

Colonialismo significa que um segmento estrutural significativo do sistema econômico como um


todo está agora localizado em outro lugar, além da metrópole, fora da vida cotidiana e da
experiência existencial do país de origem […]. Essa disjunção espacial tem como consequência
imediata a incapacidade de compreender a forma como o sistema funciona como um todo.72

Pela decisão do contrato social de permanecer no espaço do Estado-


nação europeu, a conexão entre o desenvolvimento de indústria, cultura,
civilização desse espaço e as contribuições materiais e culturais da Afro-
Ásia e das Américas é negada; assim, parece que o espaço e seus habitantes
são peculiarmente racionais e diligentes, diferencialmente dotados das
qualidades que lhes permitiram dominar o mundo. Fala-se então do
“milagre europeu” como uma forma de conceber essa região outrora
marginal como sui generis, separando-a conceitualmente da teia de
conexões espaciais que possibilitaram seu desenvolvimento. Na verdade,
esse espaço passa a ter o caráter que tem em decorrência da causalidade
exploradora extrativista estabelecida entre ele e aqueles outros espaços
conceitualmente invisíveis. Mas, ao permanecer dentro dos limites do
espaço europeu do contrato abstrato, ele é valorizado como único,
inimitável, autônomo. Outras partes do mundo desaparecem da história
contratualista branca, absorvidas na categoria geral de espaço não europeu
risível, o “Terceiro Mundo”, onde, por razões de insensatez local e praga
geográfica, o modelo inspirador do contrato social branco autossuficiente
não pode ser seguido.
Nacionalmente, no interior desses regimes raciais, o contrato racial se
manifesta na resistência branca a qualquer coisa além da extensão formal
dos termos do contrato social abstrato (e muitas vezes a isso também).
Enquanto antes se negava que os não brancos fossem pessoas iguais, agora
finge-se que os não brancos são pessoas abstratas iguais que podem ser
totalmente incluídas no regime apenas estendendo-se o escopo do
operador moral, sem qualquer mudança fundamental nos arranjos
resultantes do sistema prévio de privilégio racial explícito de jure. Às vezes,
as novas formas assumidas pelo contrato racial são evidentemente
exploradoras, por exemplo, o contrato jim crow, cuja reivindicação de
“separados, mas iguais” era patentemente ridícula. Mas outros — o
contrato de discriminação no trabalho, o pacto restritivo — são mais
difíceis de provar. As agências de emprego usam subterfúgios de vários
tipos:
Em 1990, por exemplo, dois ex-funcionários de uma das maiores agências de emprego da cidade
de Nova York divulgaram que a discriminação era praticada rotineiramente contra candidatos
negros, embora ocultada por trás de uma série de palavras-código. Clientes que não quisessem
contratar negros indicariam sua preferência por candidatos que fossem “All American”. Por sua
vez, a agência sinalizaria que o candidato era negro invertendo as iniciais do agente de seleção.73

Da mesma forma, um estudo de como o “apartheid americano” se


mantém aponta que, enquanto no passado os corretores de imóveis teriam
simplesmente se recusado a vender para negros, agora os negros
são atendidos por um corretor de imóveis com rosto sorridente que, com uma série de
artimanhas, mentiras e enganações, torna difícil para eles se informar, inspecionar, alugar ou
comprar casas em bairros brancos. […] Como a discriminação é latente, no entanto, em geral ela
não é observável, nem mesmo para a pessoa que a vivencia. Nunca se sabe ao certo.74
Os não brancos, então, descobrem que a raça está, paradoxalmente, em
todos os lugares e em lugar algum, estruturando suas vidas, mas não
formalmente reconhecida na teoria política/moral. Mas, em um regime
racialmente estruturado, as únicas pessoas que podem achar
psicologicamente possível negar a centralidade da raça são aquelas que são
racialmente privilegiadas, para quem a raça é invisível justo porque o
mundo está estruturado em torno delas, a branquitude como o terreno
contra o qual as figuras de outras raças — aqueles que, ao contrário de
nós, são racializados — aparecem. O peixe não vê a água, e os brancos não
veem a natureza racial de um regime branco porque, para eles, é natural o
elemento em que se movem. Como Toni Morrison aponta, há contextos
em que alegar a ausência de raça é em si um ato racial.75
Os debates contemporâneos entre não brancos e brancos sobre a
condição de centralidade ou de periferia da raça podem, portanto, ser
vistos como tentativas, respectivamente, de apontar e negar a existência do
contrato racial que sustenta o contrato social. O problema frustrante que
os não brancos sempre tiveram, e continuam a ter, com a teoria política
dominante não é com a abstração em si (afinal, o “contrato racial” é em si
uma abstração), mas com uma abstração idealizante que torna abstrata a
realidade crucial do regime racial.76 A mudança para o contrato hipotético
e ideal incentiva e facilita essa abstração, uma vez que as características
eminentemente não ideais do mundo real não fazem parte do aparato.
Então, em certo sentido, não há nenhum ponto de entrada conceitual para
começar a falar sobre a maneira fundamental como (como todos os não
brancos sabem) a raça estrutura a vida de uma pessoa e afeta suas
oportunidades de vida.
A professora de direito negra Patricia Williams reclama de uma
neutralidade ostensiva que é realmente “racismo in drag”, um sistema de
“racismo como status quo” que é “profundo, raivoso, excluído da visão”,
mas que continua a fazer com que as pessoas “evitem o fantasma como
fizeram com a substância”, “se submetendo à forma invisível das coisas”.77
O professor de filosofia negro Bill Lawson comenta as deficiências do
aparato conceitual do liberalismo tradicional, que não tem espaço para o
peculiar status pós-emancipação dos negros, simultaneamente cidadãos e
não cidadãos.78 A filósofa do direito negra Anita Allen relembra a ironia
dos textos-padrão da filosofia do direito americana, que descrevem um
universo no qual “todos os seres humanos são paradigmáticos detentores
de direitos” e não veem necessidade de observar que a verdadeira história
dos Estados Unidos é um pouco diferente.79 O recuo da teoria moral e
política normativa dominante para uma teoria “ideal” que ignora a raça
meramente reescreve o contrato racial como a escrita invisível nas
entrelinhas. Assim, John Rawls, um americano que trabalhava no final do
século xx, escreveu um livro sobre justiça amplamente creditado por
reviver a filosofia política do pós-guerra em que não se pode encontrar
nem uma única referência à escravidão americana e seu legado; e Robert
Nozick cria uma teoria da justiça nas propriedades baseadas na aquisição e
na transferência legítimas sem usar mais do que duas ou três frases
reconhecendo a divergência absoluta da história dos Estados Unidos com
relação a esse ideal.80
O silêncio da filosofia moral e política dominante em questões de raça é
um sinal do poder contínuo do contrato sobre seus signatários, um
daltonismo ilusório que realmente reforça o privilégio branco. Uma
genuína transcendência de seus termos exigiria, como preliminar, o
reconhecimento de sua existência passada e presente e as implicações
sociais, políticas, econômicas, psicológicas e morais que teve tanto para
seus executores quanto para suas vítimas. Ao tratar o presente como algo
de certo modo neutro, dada a configuração atual de riqueza, propriedade,
posição social e propensão psicológica ao sacrifício, o contrato social
idealizado torna permanente o legado do contrato racial. O abismo cada
vez mais profundo entre o Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo, onde
milhões — em grande parte não brancos — morrem de fome a cada ano e
muitas mais centenas de milhões — também em grande parte não brancos
— vivem na miséria, é visto como algo lastimável (conclamando,
certamente, ocasionais contribuições de caridade), mas não relacionado à
história transcontinental e intracontinental da exploração racial.
Finalmente, o contrato racial evolui não apenas alterando as relações
entre brancos e não brancos, mas mudando os critérios de quem conta
como branco e não branco. (Portanto, não apenas as relações entre as
respectivas populações mudam, mas as próprias fronteiras da população
também mudam.) Assim — pelo menos na minha abordagem predileta do
contrato racial (novamente, outras abordagens são possíveis) —, a raça é
desbiologizada, tornando explícita sua base política. Em certo sentido, o
contrato racial constrói seus signatários tanto quanto eles o constroem. A
tendência geral é de uma expansão limitada da população humana
privilegiada por meio do “branqueamento” do grupo anteriormente
excluído em questão, embora possa haver reversões locais.
O projeto nazista pode então ser visto em parte como uma tentativa de
voltar no tempo, reescrevendo uma versão mais exclusivista do contrato
racial do que era globalmente aceitável na época. (Um escritor sugere, de
modo irônico, que essa foi “a tentativa dos alemães de se tornarem
mestres da raça mestra”.)81 E esse retrocesso leva a um problema. Minha
categorização (branco/não branco, pessoa/subpessoa) tem as virtudes da
elegância e da simplicidade e parece-me mapear com precisão as
características essenciais do regime racial para desmembrar a realidade
social em suas juntas ontológicas. Mas, uma vez que, como um par de
contraditórios, essa categorização é conjuntamente exaustiva das
possibilidades, ela suscita a questão de onde localizar o que poderia ser
chamado de europeus “limítrofes”, pessoas questionavelmente brancas —
irlandeses, eslavos, mediterrâneos e, acima de tudo, claro, judeus. Nas
guerras coloniais com a Irlanda, os ingleses costumavam usar imagens
depreciativas — “selvagens”, “canibais”, “aparência bestial” — que agora
parecem inacreditáveis se aplicadas aos brancos.82 A onda de imigração
irlandesa, de meados do século xix, para os Estados Unidos estimulou um
cínico a observar que “seria uma boa coisa se todo irlandês matasse um
nigger e depois fosse enforcado por isso”, e caricaturas nos jornais muitas
vezes representavam os irlandeses como símios. O racismo europeu contra
os não brancos tem sido o meu foco, mas também havia variedades
intraeuropeias de “racismo” — teutonismo, anglo-saxonismo, nordicismo
— que hoje são de grande interesse antiquário, mas que foram influentes
na década de 1920 a ponto de a lei de imigração dos Estados Unidos
favorecer os “nórdicos” em detrimento dos “mediterrâneos”. (Há algum
reconhecimento dessa distinção na cultura popular. Os fãs de Cheers
lembrarão que a garçonete “italiana” Carla [Rhea Perlman], morena de
cabelos encaracolados, às vezes chama de “Branquinha” a loira wasp[2] de
“pele de alabastro” Diane [Shelley Long]; e no filme Zebrahead, de 1992,
dois adolescentes negros discutem a questão de saber se os italianos são
realmente brancos.) Finalmente, os judeus, claro, têm sido vítimas da
discriminação e dos pogroms antissemitas da Europa cristã desde os
tempos medievais, com esse registro de perseguição atingindo seu horrível
clímax sob o Terceiro Reich.
Como, então, esses europeus devem ser categorizados, dada a dicotomia
branco/não branco? Uma solução seria rejeitá-la em favor de uma divisão
em três ou quatro categorias. Mas estou relutante em fazer isso, já que
acho que a partição diádica realmente capta a estrutura essencial do
regime racial global. Minha solução, portanto, é reter, “tornando-as
difusas”, as categorias, e introduzir distinções internas a elas. Já apontei
que alguns não brancos (“bárbaros” contra “selvagens”) eram classificados
acima dos outros; por exemplo, os chineses e os indianos teriam sido
colocados acima dos africanos e aborígines australianos. Assim, parece que
também se podem ranquear os brancos; e, de fato, Winthrop Jordan
observa que, “se os europeus eram brancos, alguns eram mais brancos do
que outros”.83 Então, todos os brancos são iguais, mas alguns são mais
brancos e, portanto, mais iguais do que outros, e todos os não brancos são
desiguais, mas alguns são mais negros e, portanto, mais desiguais que
outros. O corte conceitual básico, a divisão primária, então, continua
sendo entre brancos e não brancos, e o status difuso dos brancos inferiores
é abrangido pela categoria de “esbranquiçado”, em vez de não branco.
Comentando o fracasso dos “valentes esforços dos ingleses para
transformar seus sentimentos etnocêntricos de superioridade sobre os
irlandeses ‘negros’ em racismo”, Richard Drinnon conclui que “os celtas
foram no máximo ‘niggers brancos’ aos seus olhos”.84 E, com exceção da
Alemanha nazista, a ser discutida mais tarde, isso parece-me um
julgamento que poderia ser generalizado para todos esses casos de
europeus limítrofes — que eles não eram subpessoas no sentido técnico
completo e que todos teriam sido classificados ontologicamente acima dos
verdadeiros não brancos. A facilidade com que agora eles foram
assimilados na Europa do pós-guerra e aceitos como completamente
brancos nos Estados Unidos é evidência da correção dessa maneira de
fazer a distinção.
No entanto, esses casos problemáticos são úteis para ilustrar — contra
os essencialistas — a base social e não biológica do contrato racial.
Brancura fenotípica e origem europeia nem sempre foram suficientes para
a Branquitude plena, aceitação no santuário interno do clube racial, e as
regras tiveram que ser reescritas para permitir a inclusão. (Um livro
recente, por exemplo, tem por título How the Irish Became White [Como os
irlandeses se tornaram brancos].)85 Por outro lado, existem grupos
“claramente” não brancos que conjunturalmente passaram a ser vistos
como tal. Os japoneses foram classificados como “brancos honorários”
para o propósito da aliança do Eixo, o restritivo contrato racial local (assim
como na África do Sul sob o apartheid), enquanto eram classificados como
não brancos verminosos em relação aos Aliados Ocidentais, herdeiros do
contrato racial global.86 Um século atrás, na época do domínio europeu
sobre a China e da rebelião dos Boxers, os chineses eram uma raça
degradada, colavam-se cartazes dizendo “Não são permitidos cães ou
chineses”, e eles enfrentavam pesadas restrições imigratórias e
discriminação nos Estados Unidos. As representações de “perigo amarelo”
dos chineses na mídia popular americana no início do século xx incluíam
os sinistros orientais dos romances Fu Manchu, de Sax Rohmer, e Ming, o
Impiedoso, inimigo de Flash Gordon. Mas hoje, nos Estados Unidos, os
asiáticos são vistos como uma “minoria modelo”, até mesmo (de acordo
com Andrew Hacker) “brancos em estágio probatório”, que podem chegar
lá se persistirem por tempo suficiente. “Amarelo é preto ou branco?”,
pergunte a um historiador asiático-americano; a resposta varia.87 O ponto,
então, é que os requisitos de adesão à Branquitude são reescritos ao longo
do tempo, com critérios variáveis prescritos pelo contrato racial em
evolução.
O contrato racial tem que ser aplicado por meio da violência e
do condicionamento ideológico

O contrato social é, por definição, classicamente voluntarista, modelando


o regime político com base no consentimento individualizado. O que
justifica a autoridade do Estado sobre nós é que “nós, o povo”, concordamos
em dar-lhe essa autoridade. (No modelo patriarcal “feudal” mais antigo,
em contraste — o modelo de Sir Robert Filmer, alvo de Locke no Segundo
tratado —, as pessoas eram representadas como nascidas em
subordinação.)88 A legitimidade do Estado deriva do consentimento
livremente dado pelos signatários para transferir ou delegar seus direitos a
ele, e seu papel na versão moralizada/constitucionalista dominante do
contrato (lockeano/kantiano) é, de forma correspondente, proteger esses
direitos e salvaguardar o bem-estar de seus cidadãos. O Estado liberal-
democrático é, então, um Estado ético, seja na versão minimalista e
lockeana de vigia noturno, de impor a não interferência sobre os direitos
dos cidadãos, seja na versão redistributivista mais expansiva, de promover
ativamente o bem-estar dos cidadãos. Em ambos os casos, o Estado liberal
é neutro no sentido de não privilegiar alguns cidadãos em detrimento de
outros. De modo correspondente, as leis aprovadas têm como justificativa
essa regulamentação jurídica do sistema político para fins morais
aceitáveis, de modo geral.
Esse modelo idealizado do Estado liberal-democrático, claro, tem sido
desafiado a partir de várias direções políticas ao longo do século xx, mais
ou menos: a crítica moral hegeliana recentemente revivida a partir da
perspectiva de um ideal concorrente, supostamente superior, um Estado
comunitário que busca ativamente promover uma concepção comum do
bem; a versão degradada disso, no Estado corporativista fascista; o desafio
anarquista a todos os Estados como corpos usurpadores de violência
legitimada; e o que tem sido a crítica radical mais influente até pouco
tempo atrás, a análise marxista do Estado como instrumento de poder de
classe, de modo que o Estado liberal-democrático é supostamente
desmascarado como o Estado burguês, o Estado da classe dominante.
Minha posição é de que o modelo do contrato racial nos mostra que
precisamos de uma alternativa, outra maneira de teorizar e criticar o
Estado: o Estado racial, ou supremacista branco, cuja função, inter alia, é
salvaguardar o regime político como um regime branco ou dominado por
brancos, aplicando os termos do contrato racial pelos meios apropriados e,
quando necessário, facilitando sua reescrita de uma forma para outra.
O Estado liberal-democrático do contratualismo clássico obedece aos
termos do contrato social, usando a força apenas para proteger seus
cidadãos, que lhe delegaram essa força moralizada para que pudesse
garantir a segurança não encontrada no estado de natureza. (Isso foi,
afinal, parte da razão de deixar o estado de natureza, para começo de
conversa.) Em contrapartida, o Estado estabelecido pelo contrato racial é,
por definição, não neutro, uma vez que seu objetivo é trazer conformidade
com os termos do contrato racial entre a população de subpessoas, que
obviamente não terá motivos para aceitar esses termos voluntariamente,
uma vez que o contrato é um contrato de exploração. (Uma formulação
alternativa, talvez até melhor, pode ser: ele é neutro para seus cidadãos
plenos, que são brancos, mas, como corolário, é não neutro em relação aos
não brancos, cuja selvageria intrínseca ameaça constantemente reverter ao
estado de natureza, constituindo bolhas de selvageria dentro do regime,
como sugeri.)
Por necessidade, então, esse Estado trata brancos e não brancos, pessoas
e subpessoas, de forma diferente, embora, em variantes posteriores do
contrato racial, seja necessário ocultar essa diferença. Ao buscar primeiro
se estabelecer e depois se reproduzir, o Estado racial emprega as duas
armas tradicionais de coerção: violência física e condicionamento
ideológico.
Na fase inicial do estabelecimento da supremacia branca global, a
violência física generalizada era, naturalmente, a face dominante desse
projeto político: o genocídio dos nativos americanos na conquista dos dois
continentes e dos aborígines na Austrália; as guerras coloniais punitivas na
África, na Ásia e no Pacífico; o número incrível de mortes das expedições
escravistas, a Travessia Atlântica, a “adaptação” e a própria escravidão; a
apreensão de terras apoiada pelo Estado e a imposição de regimes de
trabalho forçado. No contrato de expropriação, as subpessoas são mortas
ou colocadas em reservas, de modo que não é necessário ter com elas
relações diárias extensas; elas não são propriamente parte do regime
político branco. Nos contratos coloniais e de escravidão, por outro lado,
pessoas e subpessoas necessariamente interagem regularmente, de modo
que cumpre haver vigilância constante dos sinais de resistência das
subpessoas aos termos do contrato racial. Se o contrato social é baseado
no cumprimento voluntário, o contrato racial claramente exige compulsão
para a reprodução do sistema político. No contrato de escravidão, em
particular, os termos exigem do escravo uma autonegação contínua de sua
pessoalidade, uma aceitação do status de bens móveis, psicologicamente
mais difícil de alcançar e, portanto, potencialmente mais explosiva do que
as variedades de subpessoalidade impostas pelo contrato de expropriação
(em que alguém estará morto ou sequestrado em um espaço distante das
pessoas brancas) ou pelo contrato colonial (em que o status de “menor”
deixa alguma esperança de que se possa ter permissão para atingir a idade
adulta algum dia). Assim, no Caribe e na parte continental das Américas,
havia locais onde os africanos recém-chegados às vezes eram levados para
se “adaptarem” antes de serem transportados para as plantations
escravistas. E essa foi basicamente a operação metafísica, realizada através
do físico, de quebrá-los, transformá-los de pessoas em subpessoas da
variedade de bens móveis. Mas, como as pessoas sempre podiam fingir a
aceitação da subpessoalidade, era necessário, claro, manter um olhar
eternamente vigilante sobre elas para detectar possíveis sinais de
dissimulação, em consonância com o sentimento de que a vigilância
eterna é o preço da liberdade.
Os braços coercitivos do Estado, então — a polícia, o sistema penal, o
exército —, precisam ser vistos, em parte, como os executores do contrato
racial, trabalhando tanto para manter a paz e prevenir o crime entre os
cidadãos brancos quanto para manter a ordem racial e detectar e destruir
desafios a ela, de modo que, em todos os Estados colonizadores brancos,
os não brancos são encarcerados em proporções diferenciais e por
períodos mais longos. Para entender a longa e sangrenta história da
brutalidade policial contra os negros nos Estados Unidos, por exemplo, é
preciso reconhecê-la não como excessos de racistas individuais, mas como
uma parte orgânica desse empreendimento político. Há uma percepção
bem conhecida na comunidade negra de que a polícia — particularmente
na época da segregação do jim crow e das forças policiais em grande parte
brancas — era basicamente um “exército de ocupação”.
De modo correspondente, em todos esses regimes políticos brancos e
governados por brancos, atacar ou matar brancos sempre foi moral e
legalmente apontado como o crime dos crimes, uma ruptura terrível da
ordem natural, não apenas por causa do maior valor da vida branca (ou
seja, de uma pessoa), mas pelo seu maior significado simbólico como um
desafio ao regime racial. A pena de morte é aplicada diferencialmente a
não brancos, tanto no âmbito dos crimes cobertos (isto é, penas
racialmente diferenciadas para os mesmos crimes)89 quanto em sua
execução efetiva. (Na história da pena capital dos Estados Unidos, por
exemplo, mais de mil pessoas foram executadas, mas muito raramente um
branco foi executado por matar um negro.)90 Atos individuais de violência
de subpessoas contra brancos e, ainda mais grave, rebeliões escravas e
revoltas coloniais são padronizadamente punidos de forma exemplar, pour
encourager les autres, com tortura e assassinatos retaliatórios em massa
excedendo em muito o número de vítimas brancas. Tais atos devem ser
vistos não como arbitrários, não como o produto do sadismo individual
(embora encorajem e forneçam um veículo para isso), mas como a
resposta moral e política apropriada — prescrita pelo contrato racial — a
uma ameaça feita a um sistema baseado na subpessoalidade não branca.
Há um ultraje que é praticamente metafísico, porque sua autoconcepção,
sua identidade branca como um ser superior com direito a governar, está
sob ataque.
Assim, nas reações da América do Norte e do Sul à resistência dos
nativos americanos e às revoltas de escravos, nas respostas europeias à
revolução de São Domingos (haitiana), à Revolta dos Cipaios (“Revolta
Indiana”), à insurreição jamaicana de Morant Bay, à Guerra dos Boxers na
China, à Revolta dos Hereros na África germânica, nas guerras coloniais e
neocoloniais do século xx (Etiópia, Madagascar, Vietnã, Argélia, Malásia,
Quênia, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Namíbia), nas batalhas dos
colonos brancos para manter uma Rodésia branca e um apartheid na
África do Sul, vê-se repetidamente o mesmo padrão de massacre
sistemático. É um padrão que confirma que um estremecimento ontológico
foi enviado através do sistema do regime político branco, invocando o que
poderia se chamar de terror branco para garantir que os fundamentos do
universo moral e político permaneçam no lugar. Descrevendo o “choque
para a América branca” da derrota da Sétima Cavalaria de Custer para os
Sioux, um autor escreve: “Foi o tipo de derrota humilhante, que
simplesmente não poderia acontecer a uma nação moderna de 40 milhões
de pessoas, imposta por alguns espantalhos selvagens”.91 Victor G. Kiernan
comenta sobre o Haiti: “Nenhuma selvageria registrada de africanos em
qualquer lugar poderia superar alguns dos atos dos franceses em seus
esforços para recuperar o controle da ilha”. Sobre a Revolta Indiana, ele
escreve:

Após a vitória, houve represálias selvagens. Pela primeira vez em tal escala, mas não a última, o
Ocidente estava tentando sufocar o Oriente com medo. […] Alguns dos fatos que chegaram até
nós quase nos fazem descrer, mesmo depois dos horrores da própria história europeia do século
xx.92

Em geral, então, a vigilância para a resistência não branca e uma


disposição correspondente para empregar violência retaliatória
massivamente desproporcional são intrínsecas ao tecido do regime racial
de uma forma diferente da resposta aos crimes típicos de cidadãos brancos.
Mas a violência oficial do Estado não é a única sanção do contrato
racial. No estado lockeano de natureza, na ausência de uma autoridade
jurídica e penal constituída, a lei natural permite que os próprios
indivíduos punam os transgressores. Aqueles que mostram por suas ações
que lhes falta a — ou que “renunciaram” à — razão da lei natural e são
como “Bestas Selvagens brutas, com as quais os Homens não podem ter
Sociedade nem Segurança”, podem ser destruídos licitamente.93 Mas se,
no regime racial, os não brancos podem ser considerados inerentemente
bestiais e selvagens (independentemente do que estão fazendo em um
determinado momento), então, por extensão, eles podem ser conceituados
em parte como carregando consigo o estado de natureza, encarnando a
selvageria e a natureza selvagem em sua pessoa. Com efeito, eles podem
ser considerados, até mesmo na sociedade civil, potencialmente no centro
de uma zona móvel de fogo livre na qual as restrições morais e jurídicas de
cidadão para cidadão, de branco sobre branco, não se aplicam.
Particularmente em situações de fronteira, onde a autoridade Branca
oficial é distante ou não confiável, podem-se considerar os brancos
individuais dotados da autoridade para fazer cumprir eles mesmos o
contrato racial. Assim, nos Estados Unidos, de forma paradigmática (mas
também no assentamento europeu na Austrália, no posto colonial no
“mato” ou na “selva” da Ásia e da África), há uma longa história de
vigilantismo e linchamento em que o oficialismo branco é basicamente
conivente, na medida em que quase ninguém jamais foi punido, embora os
autores fossem bem conhecidos e, vez por outra, houvesse fotografias
disponíveis. (Alguns linchamentos eram anunciados com dias de
antecedência, e centenas ou milhares de pessoas se reuniam vindas de
distritos vizinhos.)94 No território do norte da Austrália, um oficial médico
do governo escreveu em 1901: “Era notório que os negros haviam sido
abatidos como corvos e que ninguém dava atenção”.95
A outra dimensão dessa coerção é ideológica. Se o contrato racial cria
seus signatários — aqueles que são partes do contrato — construindo-os
como “pessoas brancas”, ele também tenta transformar suas vítimas, os
objetos do contrato, nas “subpessoas não brancas” que especifica. Esse
projeto requer trabalho em ambas as extremidades, significando o
desenvolvimento de um aparato conceitual despersonizador através do
qual os brancos devem aprender a ver os não brancos e também,
crucialmente, através do qual os não brancos devem aprender a se ver.
Para os não brancos, então, isso é algo como o equivalente intelectual do
processo físico da “adaptação”, do “amansamento dos escravos”, com o
objetivo de produzir uma entidade que aceite a subpessoalidade. Frederick
Douglass, em sua famosa primeira autobiografia, descreve a necessidade
de “escurecer [a] visão moral e mental e, na medida do possível, aniquilar
o poder da razão” do escravo: “Ele deve ser capaz de não detectar
inconsistências na escravidão; ele deve ser levado a sentir que a escravidão
é certa; e ele só pode ser levado a isso quando deixar de ser homem”.96
Tendo a educação originalmente negada, os negros receberam, mais tarde,
no período do postbellum, uma educação apropriada ao status pós-bens
móveis — a negação de um passado, da história, da realização —, para que,
na medida do possível, eles aceitassem seus papéis prescritos de servo e
trabalhador braçal, coons cômicos e sambos, gratos tios Tom e tias Jemima.
Assim, em um dos livros mais famosos sobre a experiência negra
americana, Carter Woodson condena “a des-educação do negro”.97 E, já
na década de 1950, James Baldwin podia declarar que o sistema de
segregação “separado, mas igual”, “funcionou brilhantemente”, pois
“permitiu que os brancos, com quase nenhuma dor de consciência,
criassem, em cada geração, apenas o negro que eles desejavam ver”.98
No caso dos nativos americanos, cuja resistência, em larga medida,
findou na década de 1870, uma política de assimilação cultural foi
introduzida sob o lema “Mate o índio, mas salve o homem”, visando a
supressão e erradicação de crenças e cerimônias religiosas nativas, como a
Dança do Sol Sioux.99 Da mesma forma, cem anos depois, Daniel Cabixi,
um indígena pareci brasileiro, reclama que “as missões nos matam por
dentro […] Elas nos impõem outra religião, menosprezando os valores
que possuímos. Isso nos descaracteriza até o ponto em que temos
vergonha de ser indígenas”.100 O estudioso moicano Jerry Gambill lista
“Vinte e uma maneiras de ‘escalpelar’ um índio”, sendo a primeira delas:
“Faça dele uma não pessoa. Os direitos humanos são para as pessoas.
Convença os índios de que seus ancestrais eram selvagens, de que eram
pagãos”.101 Da mesma forma, no empreendimento colonial, as crianças do
Caribe, da África e da Ásia eram ensinadas a partir de livros escolares
britânicos, franceses ou holandeses a se verem como aspirantes a (mas,
claro, nunca completamente) europeus de cor, salvos das barbaridades de
suas próprias culturas por intervenção colonial, recitando devidamente
“nossos ancestrais, os gauleses” e se transformando em adultos com “pele
negra, máscaras brancas”.102 Estudantes aborígines australianos escrevem:
“Ser preto é ser injustiçado nas escolas brancas, mas justiçado pela
experiência. Ser preto é ir para a escola branca e voltar para casa novamente
menos sábio”.103 Ngũgĩ wa Thiong’o descreve, a partir de experiência em
seu Quênia natal, a “bomba cultural” do imperialismo britânico, que
proibia o aprendizado na tradição oral de quicuio e que os treinou, ele e
seus colegas de escola, a verem a si mesmos e seu país através dos olhos
alienígenas de H. Rider Haggard e John Buchan:

O efeito de uma bomba cultural é aniquilar a crença de um povo em seus nomes, em suas
línguas, em seu ambiente, em sua herança de luta, em sua unidade, em suas capacidades e,
finalmente, em si mesmos. Isso faz com que eles vejam seu passado como um deserto de não
realização e os faz querer se distanciar desse deserto.104

Cabe entender o racismo como ideologia como algo que mira tanto a
mente dos não brancos quanto a dos brancos, inculcando a subjugação. Se
o contrato social exige que todos os cidadãos e pessoas aprendam a
respeitar a si mesmos e uns aos outros, o contrato racial prescreve
autoaversão e deferência racial não brancas aos cidadãos brancos. O
triunfo final dessa educação é que eventualmente se torna possível
caracterizar o contrato racial como “consensual” e “voluntarista”, mesmo
para os não brancos.

[1] Termos utilizados para designar, em cidades segregadas, as regiões habitadas por brancos e as
habitadas por não brancos. (N. T.)

[2] wasp é um acrônimo para White Anglo-Saxon Protestant, ou seja, Branco Anglo-Saxão Protestante.
(N. T.)
3. Méritos “naturalizados”

Finalmente, quero apontar os méritos desse modelo como uma explicação


“naturalizada” do registro histórico real, registro que tem aspirações tanto
explicativas quanto normativas. Provavelmente, estaremos mais bem
posicionados para realizar os ideais políticos (supostamente) desejados se
pudermos identificar e explicar os obstáculos à sua realização. Ao rastrear
a consciência moral real da maioria dos agentes brancos, ao descrever as
realidades políticas reais que os não brancos sempre reconheceram, a
teoria do “contrato racial” mostra sua superioridade em relação ao
contrato social ostensivamente abstrato e geral, mas na verdade “branco”.
O contrato racial rastreia historicamente a verdadeira
consciência moral/política (da maioria) dos agentes morais
brancos

A teoria moral, sendo um ramo da teoria do valor, tradicionalmente lida


com o reino do ideal, as normas pelas quais devemos tentar viver como
agentes morais. E a filosofia política é hoje concebida basicamente como
uma aplicação da ética ao domínio social e político. Então, supõe-se estar
lidando com ideais também. Mas nos dois primeiros capítulos deste livro
passei muito tempo falando sobre o registro histórico real e as normas e
ideais reais que prevaleceram na história global recente. Tenho oferecido o
que, no jargão atual dos filósofos, seria chamado de explicação
“naturalizada”, em vez de uma explicação idealizada. E foi por isso que eu
disse desde o início que preferia o uso clássico do contrato, que busca
descrever e explicar, bem como prescrever. Mas se a ética e a filosofia
política estão focadas em normas que queremos endossar (ideais que são
ideais, por assim dizer), qual foi realmente o objetivo desse exercício? Qual
seria o sentido de “naturalizar” a ética, que é explicitamente o reino do
ideal?
Minha sugestão é que, mirando a consciência moral/política
historicamente dominante real e os ideais morais/políticos historicamente
dominantes reais, estamos mais aptos a fazer prescrições para a sociedade
do que partindo de abstrações a-históricas. Em outras palavras, o objetivo
não é endossar essa consciência deficiente e esses ideais repugnantes, mas,
reconhecendo sua influência e seu poder passados e atuais, e identificando
suas fontes, corrigi-los. Perceber um futuro melhor requer não apenas
admitir a feia verdade do passado — e do presente —, mas compreender as
maneiras pelas quais essas realidades se tornaram invisíveis, aceitáveis para
a população branca. Queremos saber — tanto para descrever quanto para
explicar — as circunstâncias que realmente bloquearam a realização ideal
dos ideais sem raça e promoveram, em vez disso, os ideais raciais não
ideais naturalizados. Queremos saber o que deu errado no passado, o que
está dando errado agora, e provavelmente continuará a dar errado no
futuro se não nos protegermos contra isso.
Agora, por seu relativo silêncio sobre a questão da raça, a teoria moral
convencional levaria o estudante incauto sem nenhuma experiência do
mundo — o antropólogo visitante da Galáxia Central, digamos — a pensar
que os desvios do ideal foram contingentes, aleatórios, teoricamente
opacos, ou algo sobre o que não vale a pena teorizar. Esse visitante pode
concluir que todas as pessoas, em geral, tentaram viver de acordo com a
norma, mas, dada a inevitável fragilidade humana, às vezes ficaram
aquém. Mas essa conclusão é, na verdade, nada mais do que falsa. O
racismo e a discriminação racialmente estruturada não foram desvios da
norma; eles têm sido a norma, não apenas no sentido de padrões de
distribuição estatística de facto, mas, como enfatizei no início, no sentido de
serem formalmente codificados, escritos e proclamados como tal. Nessa
perspectiva, o contrato racial subjazeu ao contrato social, de modo que
deveres, direitos e liberdades têm sido rotineiramente atribuídos a partir de
uma base racialmente diferenciada. Para entender a prática moral real do
passado e do presente, cumpre haver não apenas as discussões abstratas
padrão sobre, digamos, conflitos de consciência das pessoas entre
autointeresse e empatia com os outros, mas uma apreciação franca de
como o contrato racial cria uma psicologia moral racializada. Os brancos,
assim, agirão de maneira racista enquanto pensam estar agindo
moralmente. Em outras palavras, eles experimentarão dificuldades
cognitivas genuínas em reconhecer certos padrões de comportamento
como racistas, de modo que, além de questões de motivação e má-fé, eles
serão moralmente prejudicados simplesmente do ponto de vista
conceitual quando precisarem ver e fazer a coisa certa. Como enfatizei no
início, o contrato racial prescreve, como condição para a adesão ao regime,
uma epistemologia da ignorância.
Filósofas políticas feministas documentaram a impressionante
uniformidade de opinião entre os teóricos clássicos homens sobre a
subordinação das mulheres, de modo que, por mais distantes que suas
posições possam ser em outras questões políticas ou teóricas, há um
entendimento comum sobre isso. Platão, o idealista, e Aristóteles, o
materialista, concordam que as mulheres devem ser subordinadas, assim
como Hobbes, o absolutista, e Rousseau, o democrata radical.1 Com o
contrato racial, como vimos, há um padrão semelhante, entre os
contratualistas Hobbes, Locke, Rousseau, Kant e seus adversários teóricos
— o anticontratualista Hume, que nega que qualquer raça que não seja a
branca tenha produzido uma civilização; o utilitarista Mill, que nega a
aplicabilidade de seu “princípio de dano” antipaternalista aos “bárbaros” e
sustenta que eles precisam do despotismo colonial europeu; o historicista
G. W. F. Hegel, que nega que a África tenha qualquer história e sugere que
os negros foram moralmente melhorados ao serem escravizados.2 Assim,
o contrato racial é “ortogonal” em relação às diferentes direções de seus
pensamentos, a suposição comum que todos eles podem tomar como
certa, não importa quais sejam suas divergências teóricas sobre outras
questões. Há também a evidência do silêncio. Onde estão o magistral Sobre
o direito natural e a injustiça da conquista das Índias de Grotius, a
emocionante Carta sobre o tratamento dos índios de Locke, o comovente
Sobre a personalidade dos negros de Kant, as notoriamente condenatórias
Implicações do utilitarismo para o colonialismo inglês de Mill, a indignada
Economia política da escravidão de Karl Marx e Friedrich Engels?3 Os
intelectuais escrevem sobre o que lhes interessa, o que consideram
importante, e — especialmente se o escritor é prolífico — o silêncio
constitui uma boa evidência prima facie de que o assunto não era de
particular interesse. Por sua incapacidade de denunciar os grandes crimes
inseparáveis da conquista europeia, ou pela indiferença de sua condenação,
ou por seu efetivo endosso em alguns casos, a maioria dos principais
teóricos éticos europeus revela sua cumplicidade com o contrato racial.
O que precisamos fazer, então, é identificar e aprender a entender o
funcionamento de uma ética racializada. Como as pessoas foram capazes,
de modo consistente, de fazer a coisa errada enquanto pensavam que
estavam fazendo a coisa certa? Em parte, trata-se de um problema de
cognição e da disfunção cognitiva moral branca. Como tal, pode ser
potencialmente estudado pelo novo programa de pesquisa da ciência
cognitiva. Por exemplo, um útil artigo de pesquisa recente sobre
“naturalização” da ética de Alvin Goldman sugere três áreas nas quais a
ciência cognitiva pode ter implicações para a teoria moral: a) os “materiais
cognitivos” usados no pensamento moral, como a lógica da aplicação de
conceitos, e sua possível determinação pelo ambiente cultural do agente;
b) julgamentos sobre o bem-estar subjetivo e como eles podem ser
afetados quando uma pessoa se compara com outras; c) o papel da
empatia em influenciar sentimentos morais.4
Agora, deve ser óbvio que, se o racismo é tão central para o regime
quanto eu argumentei, então ele terá um grande efeito modelador sobre
os conhecedores brancos em todas essas áreas: a) por causa da atmosfera
intelectual produzida pelo contrato racial, os brancos (na fase 1) tomarão
como certa a adequação de conceitos que legitimam a ordem racial,
privilegiando-os como raça mestra e relegando os não brancos à condição
de subpessoas, e mais tarde (na fase 2) a adequação de conceitos que
desracializam o regime, negando sua real estrutura racial;5 b) por causa das
definições reciprocamente dependentes de branquitude superior e não
branquitude inferior, os brancos podem avaliar consciente ou
inconscientemente como estão se saindo usando uma escala que depende
em parte de como os não brancos estão se saindo, uma vez que a essência
da branquitude é o direito ao privilégio diferencial em relação aos não
brancos como um todo;6 c) porque o contrato racial exige a exploração de
não brancos, ele exige nos brancos o cultivo de padrões de afeto e empatia
que são apenas fracamente, se é que chegam a existir, influenciados pelo
sofrimento não branco. Em todos os três casos, então, existem estruturas
interessantes de distorção cognitiva moral que podem estar ligadas à raça,
e espera-se que esse novo programa de pesquisa esteja explorando
algumas delas (embora o histórico de negligência não dê nenhum grande
motivo para otimismo).
Essa preocupação moral particionada pode ser pensada, de forma útil,
como uma espécie de “ética Herrenvolk”, com os princípios aplicáveis ao
subconjunto branco (os humanos) mudando adequadamente à medida
que se cruza a linha da cor para o subconjunto não branco (os “menos que
humanos”). (Susan Opotow fez um estudo detalhado das moralidades da
exclusão, em que certos “indivíduos ou grupos são percebidos como fora
da região em que valores morais, regras e considerações de justiça são
aplicáveis”; então, essa seria uma versão racial de tal moralidade.)7
Poderíamos então gerar, de várias maneiras, um lockeanismo Herrenvolk,
em que a própria branquitude se torna propriedade, com os não brancos
não possuindo, totalmente ou de forma alguma, posse sobre si mesmos e o
trabalho não branco não se apropriando da natureza;8 um kantianismo
Herrenvolk, em que os não brancos contam como subpessoas de valor
consideravelmente menor que infinito, necessário para prestar deferência
racial, em vez de igual respeito, às pessoas brancas, e com o autorrespeito
branco correspondente e conceitualmente ligado a essa deferência não
branca;9 e um utilitarismo Herrenvolk, em que os não brancos contam
distributivamente como menos um e considera-se que eles sofrem menos
intensamente do que os brancos.10 Os detalhes reais dos valores básicos de
teorias normativas particulares (direitos de propriedade, personalidade e
respeito, bem-estar) não são importantes, uma vez que todas as teorias
podem ser apropriadamente ajustadas internamente para produzir o
resultado desejado: o que é crucial é a adesão do teórico ao contrato racial.
Sendo suas principais vítimas, os não brancos, claro, sempre estiveram
cientes dessa cisão peculiar que atravessa a psique branca. Muitos anos
atrás, em seu romance clássico Homem invisível, Ralph Ellison fez seu
narrador negro sem nome apontar que os brancos devem ter uma peculiar
“construção de [seus] olhos internos”, que é recíproca e que torna os
negros americanos invisíveis, já que eles “se recusam a me ver”. O
contrato racial inclui um contrato epistemológico, uma epistemologia da
ignorância. “Reconhecimento é uma forma de acordo”, e, pelos termos do
contrato racial, os brancos concordaram em não reconhecer os negros
como pessoas iguais. Assim, o pedestre branco que esbarra no narrador
negro no início é uma figura representativa, alguém “perdido em um
mundo de sonho”. “Mas ele não controlava aquele mundo dos sonhos —
que, infelizmente, é muito real! — e ele não me descartou desse mundo? E
se ele tivesse gritado por um policial, não teria eu sido tomado por ofensor?
Sim, sim, sim!”11 De forma semelhante, James Baldwin argumenta que a
supremacia branca “forçou os americanos [brancos] a racionalizações tão
fantásticas que se aproximaram do patológico”, gerando uma ignorância
atormentada tão estruturada que não se podem levantar certas questões
com os brancos “porque, mesmo que eu falasse, ninguém acreditaria em
mim”, e, paradoxalmente, “eles não acreditariam em mim exatamente
porque saberiam que o que eu disse era verdade”.12
A evasão e o autoengano tornam-se, assim, a norma epistêmica.
Descrevendo a “teia nacional de autoenganos” da América a respeito da
raça, Richard Drinnon cita como justificativa a observação irônica de
Montesquieu sobre a escravidão africana: “É impossível supor que essas
criaturas sejam homens, porque, permitindo que sejam homens, seguir-se-
ia a suspeita de que nós mesmos não somos cristãos”. A ideologia
fundadora do Estado colonizador branco exigia o apagamento conceitual
das sociedades que existiam antes:

Pois se [um escritor da época] tivesse, de maneira consistente, considerado os índios como
pessoas com uma psicologia própria, isso teria derrubado seu mundo. Teria significado
reconhecer que “o estado de natureza” realmente abrigava pessoas de pleno direito e que tanto
ele quanto a querida “sociedade civil” haviam começado como invenções letais da imaginação
europeia.13

Um historiador australiano comenta da mesma forma a existência de


“algo como um culto ao esquecimento praticado em escala nacional” em
relação aos aborígines.14 Lewis Gordon, trabalhando na tradição
fenomenológica existencial, baseia-se em noções sartreanas para
argumentar que, em um mundo estruturado em torno da raça, a má-fé
necessariamente se torna difundida:
De má-fé, eu fujo de uma verdade desagradável para uma falsidade agradável. Devo me
convencer de que uma falsidade é de fato verdadeira […]. Sob o modelo de má-fé, o racista
teimoso fez uma escolha de não admitir certas verdades desconfortáveis sobre seu grupo e opta
por não desafiar certas falsidades confortáveis sobre outras pessoas […]. Já que fez essa escolha,
ele enfrentará o que quer que a ameace […]. Quanto mais o racista joga o jogo de evasão, mais
afastado ele se tornará de seus “inferiores” e mais afundará no mundo necessário para manter
essa evasão.15

No regime ideal, procura-se conhecer a si mesmo e conhecer o mundo;


aqui, esse conhecimento pode ser perigoso.
De forma correlata, o contrato racial também explica o surpreendente
registro histórico real da atrocidade europeia contra os não brancos, que
quantitativa e qualitativamente, em números e detalhes tenebrosos,
cumulativamente, torna menores todos os outros tipos de massacre
etnicamente/racialmente motivados tomados em conjunto: la leyenda
negra — a lenda negra — do colonialismo espanhol, difamatória apenas
em sua invejosa separação dos espanhóis, uma vez que mais tarde seria
imitada pelos invejosos concorrentes da Espanha, os holandeses, franceses
e ingleses, buscando criar suas próprias lendas; a matança por assassinato
em massa e doença de 95% da população indígena das Américas, com
estudos revisionistas recentes, como já mencionado, acrescendo
drasticamente as estimativas da população pré-conquista, de modo que —
com cerca de 100 milhões de vítimas — isso seria facilmente classificado
como o maior ato de genocídio na história da humanidade;16 os infames
slogans, agora um tanto embaraçosos para uma geração que vive em uma
fase diferente do contrato — “Mate as lêndeas e você não terá piolhos!”,
como o cavaleiro americano John House aconselhou quando atirou em
uma criança sauk no massacre de Bad Axe no Wisconsin,17 e “O único
injun bom é um injun morto”; o Holocausto em câmera lenta da
escravidão africana, que agora alguns estimam que tenha ceifado entre 30
e 60 milhões de vidas na África, na Travessia Atlântica e no processo de
“adaptação”, mesmo antes da degradação e da destruição da vida escrava
nas Américas;18 a aceitação casual, como se não fosse um crime, mas
apenas uma necessária limpeza do território de “vermes” e “bichos”
pestilentos, o assassinato aleatório de “índios vadios” na América ou de
aborígines na Austrália ou de bosquímanos na África do Sul; as retaliações
coloniais europeias massivamente punitivas após revoltas nativas; o
número de mortos por consequência direta e indireta do trabalho forçado
nas economias coloniais, como os milhões (estimativas originais de até 10
milhões) que morreram no Congo belga como resultado da busca por
borracha por Leopoldo ii, embora, estranhamente, um “coração das
trevas” seja atribuído à selvageria congolesa e não à europeia;19 a
apropriação do corpo não branco, não só metaforicamente (como se pode
dizer que o corpo negro foi consumido nas plantations escravistas para
produzir capital europeu), mas literalmente, seja como ferramenta
utilitarista ou como troféu de guerra. Como ferramentas utilitaristas, os
nativos americanos eram ocasionalmente esfolados e transformados em
rédeas (por exemplo, pelo presidente americano Andrew Jackson),20
tasmanianos eram mortos e usados como carne de cachorro,21 e, na
Segunda Guerra Mundial, cabelos de judeus eram transformados em
almofadas, e (não tão conhecido) ossos de japoneses foram transformados
por alguns americanos em abridores de cartas. Como troféus de guerra,
escalpos de indígenas, orelhas vietnamitas e orelhas, dentes de ouro e
crânios japoneses eram todos colecionados (a revista Life exibiu a
fotografia de um crânio japonês sendo usado como enfeite de capô em um
veículo militar dos Estados Unidos, e alguns soldados enviavam crânios
como presentes para suas namoradas).22 A estes podemos acrescentar o
fato de que, por causa das reformas penais defendidas por Cesare Beccaria
e outros, a tortura foi mais ou menos eliminada na Europa até o final do
século xviii, enquanto continuava a ser praticada rotineiramente nas
colônias e nas plantations escravas — ser chicoteado, ser castrado, ser
desmembrado, ser assado em fogo lento, ser besuntado de açúcar,
enterrado até o pescoço e deixado para os insetos devorarem, ser enchido
com pólvora e depois explodido e assim por diante;23 o fato de que, na
América, a tradição medieval do auto de fé, a queima pública, sobreviveu
até o século xx, com milhares de espectadores às vezes se reunindo para a
ocasião festiva do churrasco sulista, trazendo crianças, cestas de
piquenique etc., e posteriormente lutando pelos restos mortais para ver
quem poderia pegar os dedos dos pés ou os ossos dos dedos antes de ir
para um baile comemorativo à noite;24 o fato de que as regras de guerra,
pelo menos teoricamente regulando o combate intraeuropeu, foram
abandonadas ou suspensas para não europeus, de modo que, por decreto
papal, o uso da balestra foi inicialmente proibido contra os cristãos, mas
permitido contra o Islã, a bala dum-dum (ponta oca) foi originalmente
proibida na Europa, mas usada nas guerras coloniais,25 a metralhadora foi
aperfeiçoada no final do século xix para subjugar africanos geralmente
armados apenas com lanças ou algumas armas de fogo obsoletas, de modo
que, na gloriosa vitória britânica de 1898 sobre os sudaneses em
Ondurman, por exemplo, 11 mil guerreiros negros foram mortos contra
48 soldados britânicos, um massacre de longa distância em que nenhum
sudanês “chegou a menos de 300 metros das posições britânicas”;26 a
bomba atômica foi usada não uma, mas duas vezes contra a população
civil de um povo amarelo em um momento em que a necessidade militar
só poderia ser questionavelmente citada (levando o juiz Radhabinod Pal,
em sua opinião discordante no Julgamento de Crimes de Guerra em
Tóquio, a argumentar que os líderes Aliados deveriam ter sido julgados
com os japoneses).27 Podemos mencionar os 6 milhões de judeus mortos
em campos e guetos da Europa e os milhões de membros de outras raças
“inferiores” (romanis, eslavos) lá mortos e pelos Einsatzgruppen na Frente
Oriental pela reescrita nazista do contrato racial para torná-los também
não brancos;28 o padrão de estupro, tortura e massacre impunes nas
guerras coloniais/neocoloniais e em parte raciais no século xx na Argélia
(durante as quais cerca de um milhão de argelinos, ou um décimo da
população do país, pereceram) e no Vietnã, ilustrado pelo fato de que o
tenente William Calley foi o único americano condenado por crimes de
guerra no Vietnã e, por seu papel na condução do assassinato em massa de
quinhentas mulheres, crianças e idosos (ou, mais cautelosa e
qualificadamente, “seres humanos orientais”, como se disse no
depoimento), foi condenado à prisão perpétua com trabalhos forçados,
mas teve sua sentença rapidamente comutada por intervenção presidencial
para “prisão domiciliar” em seu apartamento-estúdio em Fort Benning,
onde permaneceu por três anos antes de ser posto em liberdade
condicional, vez ou outra, sem dúvida, um pouco intrigado com o alarido,
já que, como ele disse aos psiquiatras militares que o examinavam, “não se
sentia como se estivesse matando seres humanos, mas sim animais com
quem não se podia falar ou arrazoar”.29
Assim, para esses e muitos outros horrores numerosos demais para
listar, a norma kantiana ideal (contrato social) do valor infinito de toda
vida humana deve ser reescrita para refletir a norma real (contrato racial)
do valor muito maior da vida branca e a cristalização correspondente de
sentimentos de indignação vastamente diferencial com a morte de brancos
e não brancos e o sofrimento de brancos e não brancos. Se, ao olhar para
trás (ou às vezes simplesmente olhando através), alguém quiser perguntar:
“Mas como eles foram capazes?”, a resposta é que é fácil, uma vez criada
certa ontologia social. Espanto e perplexidade mostram que se está
tomando como certa a moralidade do contrato social literal como norma;
uma vez que se começa a partir do contrato racial, o mistério evapora. O
contrato racial, portanto, torna a psicologia moral branca transparente;
não se fica continuamente “surpreso” quando se examina o registro
histórico, porque essa é a psicologia que o contrato prescreve. (A teoria do
contrato racial não é cínica, porque o cinismo realmente implica um
colapso teórico, um desesperado erguer de mãos e uma renúncia ao
projeto de compreensão do mundo e do mal humano em favor de um
anseio mistificado por um homem pré-lapsariano. O “contrato racial” é
simplesmente realista — disposto a olhar para os fatos sem vacilar, para
explicar que, se você começar com isso, então você terminará com aquilo.)
Da mesma forma, o “contrato racial” torna o Holocausto judeu —
enganosamente designado o Holocausto — compreensível, distanciando-se
teoricamente tanto de posições que o tornariam cognitivamente opaco,
inexplicavelmente sui generis, quanto de posições que minimizariam a
dimensão racial e o absorveriam no terrorismo indiferenciado do fascismo
alemão. Da perspectiva nublada do Terceiro Mundo, a pergunta no título
de Arno Mayer, Why did the Heavens not Darken? [Por que os céus não
escureceram?], revela um eurocentrismo climático, que não reconhece que
o céu azul estava sorrindo apenas na Europa. A visão influente que ele cita
(não a dele) é típica:
Prima facie, a catástrofe que se abateu sobre os judeus durante a Segunda Guerra Mundial foi
única em seu próprio tempo e sem precedentes na história. Há fortes razões para acreditar que a
perseguição dos judeus foi tão enorme e atroz a ponto de estar completamente fora dos limites
de todas as outras experiências humanas. Se for esse o caso, aquilo a que os judeus foram
submetidos desafiará para sempre a reconstrução e a interpretação histórica, e ainda mais a
compreensão.30

Mas isso representa uma amnésia branca surpreendente sobre o registro


histórico real. Da mesma forma, a questão desesperadora de como pode
haver poesia depois de Auschwitz evoca a confusa resposta não branca de
como poderia ter havido poesia antes de Auschwitz, e depois dos campos de
extermínio na América, na África, na Ásia. O ponto de vista da América
nativa, da África negra, da Ásia colonial sempre foi consciente de que a
civilização europeia repousa sobre a barbárie extraeuropeia, de modo que
o Holocausto judeu, o “judeocídio” (Mayer), não é de forma alguma um
raio em céu azul, uma anomalia insondável no desenvolvimento do
Ocidente, mas único apenas na medida em que representa o uso do
contrato racial contra os europeus. De forma alguma digo isso para
diminuir o seu horror, claro, mas para negar sua singularidade, para
estabelecer sua identidade conceitual com outras políticas levadas a cabo
pela Europa fora da Europa durante centenas de anos, mas usando
métodos menos eficientes do que aqueles possibilitados pela sociedade
industrial avançada de meados do século xx.
No mundo crepuscular da Guerra Fria, o termo blowback foi usado no
jargão de espionagem americano para se referir a “efeitos inesperados — e
negativos — em casa que resultam de operações secretas no exterior”,
particularmente de (o que foi chamado) operações “negras” de assassinato
e derrubada de governo.31 Pode-se argumentar que devemos ver o
blowback das operações ultramarinas (“brancas”) de conquista,
assentamento, escravização e colonialismo europeus consolidando na
mente europeia moderna uma ética racializada que, em combinação com
o antissemitismo tradicional, acabou se comportando como um
bumerangue, retornando à própria Europa para facilitar o Holocausto
judeu. Há quarenta anos, em clássico e polêmico Discurso sobre o
colonialismo, Aimé Césaire apontou o duplo padrão implícito na
“indignação” europeia com o nazismo:
É nazismo, sim, mas […] antes de [os europeus] serem vítimas, eles foram cúmplices; que eles
toleraram esse nazismo antes de ser infligido a eles, que o absolveram, fecharam os olhos para
ele, legitimaram, porque, até então, ele tinha sido aplicado apenas a povos não europeus […]. [O
crime de Hitler é] o fato de que ele aplicou à Europa procedimentos colonialistas que até então
tinham sido reservados exclusivamente para os árabes da Argélia, os coolies da Índia e os negros
da África.32

O contrato racial continua, com uma ironia verdadeiramente terrível, a


manifestar-se mesmo na condenação das consequências do contrato racial,
uma vez que o assassinato racial em massa de europeus é colocado em um
plano moral diferente do assassinato racial em massa de não europeus. Da
mesma forma, Kiernan argumenta que o Congo do rei Leopoldo “lançou a
sombra que se transformaria no império de Hitler dentro da Europa. […]
Atitudes adquiridas durante a subjugação dos outros continentes agora se
reproduziam em casa”.33 Portanto, nesse quadro explicativo, ao contrário
da subsunção dos campos de extermínio sob um fascismo desracializado, a
dimensão racial e o estabelecimento da subpessoalidade não branca dos
judeus são explicativamente cruciais. Se, como se argumentou antes, os
judeus eram a essa altura basicamente “esbranquiçados”, em vez de “não
brancos”, assimilados na população de pessoas, pode-se dizer que os
nazistas cometeram uma violação local do contrato racial global,
excluindo do clube da Branquitude grupos já admitidos de má vontade, ao
fazer a Europeus (mesmo limítrofes) o que (até então) só deveria ser feito
aos não europeus.
Escritos europeus do pós-guerra sobre esse assunto, tanto na Europa
quanto nos Estados Unidos, têm geralmente procurado bloquear essas
conexões conceituais, representando o regime nazista como mais
desviante do que realmente era, por exemplo, no Historikerstreit, o debate
alemão sobre a singularidade do Holocausto judeu. O registro histórico
sombrio do imperialismo europeu foi esquecido. O arrepiante romance
Pátria amada, de 1992, de Robert Harris, um clássico do gênero de ficção
científica de mundos alternativos, retrata um futuro em que os nazistas
venceram a Segunda Guerra Mundial e erradicaram dos registros sua
execução dos judeus, de modo que apenas evidências dispersas
sobreviveram.34 Mas, em certos aspectos, vivemos em um mundo real, e
não no alternativo, em que os vencedores da matança racial realmente
venceram e reconstruíram e falsificaram os registros. A negação do
Holocausto e a apologia do Holocausto, portanto, precedem de muito
tempo o período pós-1945, remontando à resposta original às revelações
de O paraíso destruído, de Las Casas, em 1542.35 No entanto, com poucas
exceções, só recentemente a historiografia branca revisionista começou
tardiamente a alcançar essa conceituação não branca — daí o título do
livro de David Stannard sobre a conquista de Colombo, American Holocaust
[Holocausto americano]; o título correlato de uma antologia (citado por
Noam Chomsky em Ano 501) lançada na Alemanha em antecipação ao
quincentenário, Das Fünf hundert-Jährige Reich (O Reich de quinhentos
anos); e o livro recentemente traduzido do escritor sueco Sven Lindqvist,
Exterminem todas as bestas, que explicitamente liga a famosa injunção de
Kurtz de Conrad à prática nazista:
Auschwitz foi a aplicação industrial moderna de uma política de extermínio sobre a qual a
dominação mundial europeia se apoiava havia muito tempo […]. E quando o que havia sido feito
no coração das trevas foi repetido no coração da Europa, ninguém reconheceu o que se passava.
Ninguém queria admitir o que todos sabiam […]. Não é conhecimento que nos falta. O que falta
é a coragem de entender o que sabemos e tirar conclusões.36

O debate sem dúvida continuará por muitas décadas. Mas, em uma nota
final, não parece inapropriado obter a opinião daquele conhecido teórico
moral e político Adolf Hitler (certamente um homem com algo de valor a
dizer sobre o assunto), que, olhando para o futuro em um discurso de
1932, “explicitamente localizou seu projeto Lebensraum na longa trajetória
de conquista racial europeia”.37 Como ele explicou ao seu público
presumivelmente atento, você não pode entender “a supremacia
economicamente privilegiada da raça branca sobre o resto do mundo”,
exceto relacionando-a a “um conceito político de supremacia que tem sido
peculiar à raça branca como um fenômeno natural de muitos séculos e
que ela tem defendido como tal para o mundo exterior”:
Veja, por exemplo, a Índia: a Inglaterra adquiriu a Índia não de maneira lícita e legítima, mas sem
levar em conta os desejos, pontos de vista ou declarações de direitos dos nativos […]. Assim
como Cortés ou Pizarro reivindicaram para si a América Central e os estados do norte da
América do Sul não com base em qualquer reivindicação legal, mas no sentimento absoluto e
inato de superioridade da raça branca. A ocupação do continente norte-americano foi, de modo
similar, consequência não de uma reivindicação superior em um sentido democrático ou
internacional, mas sim de uma consciência do que é certo, que tinha suas únicas raízes na
convicção da superioridade e, portanto, do direito da raça branca.

Então, seu plano era apenas defender essa inspiradora tradição


ocidental, esse “direito de dominar (Herrenrecht)” racial, esse “estado
mental […] que conquistou o mundo” para a raça branca, uma vez que
“desta visão política evoluiu a base para a tomada econômica do resto do
mundo”.38 Em outras palavras, ele se via simplesmente fazendo em casa o
que seus companheiros europeus vinham fazendo havia muito tempo no
exterior.
Finalmente, a teoria do contrato racial, ao separar a brancura como
fenótipo/classificação racial da Branquitude como sistema político-
econômico comprometido com a supremacia branca, abre um espaço
teórico para o repúdio branco ao contrato. (Pode-se então distinguir “ser
branco” de “ser Branco”.)
Há aqui um interessante ponto de contraste com o contrato social. Uma
objeção inicial óbvia à noção de que a sociedade está baseada em um
“contrato” era que, mesmo que um contrato fundante tivesse existido, ele
não vincularia as gerações posteriores, que não o tinham assinado. Houve
várias tentativas de contratualistas de contornar esse problema, sendo a
mais conhecida a noção de Locke de “consentimento tácito”.39 A ideia é
que, se você escolher como adulto permanecer em seu país de nascimento
e lançar mão de seus benefícios, então você consentiu “tacitamente” em
obedecer ao governo e, portanto, ser sujeito ao contrato. Mas David
Hume é reconhecidamente mordaz sobre essa afirmação, dizendo que a
noção de consentimento tácito é oca onde não há possibilidade real de
saída mudando-se para um estado de natureza que não existe mais ou
sendo capaz de emigrar quando você não tem habilidades específicas e
nenhum outro idioma além de sua língua materna.40 Você fica porque não
tem escolha real.
Mas para o contrato racial, é diferente. Existe uma escolha real para os
brancos, embora seja reconhecidamente uma escolha difícil. A rejeição do
contrato racial e das desigualdades normatizadas do regime branco não
exige que se deixe o país, mas que se manifeste e se lute contra os termos
do contrato. Assim, nesse caso, juízos morais/políticos sobre o
“consentimento” de alguém a respeito da legitimidade do sistema político
e das conclusões sobre esse alguém ter efetivamente se tornado signatário
do “contrato” são apropriados — e também os juízos de culpabilidade
desse alguém. Ao inquestionavelmente “se deixar levar”, ao aceitar todos
os privilégios da branquitude com concomitante cumplicidade com o
sistema da supremacia branca, pode-se dizer que se consentiu com a
Branquitude.
E, de fato, sempre houve brancos louváveis — anticolonialistas,
abolicionistas, opositores do imperialismo, ativistas dos direitos civis,
opositores do apartheid — que reconheceram a existência e a imoralidade
da Branquitude como sistema político, desafiaram sua legitimidade e, na
medida do possível, recusaram o contrato. (Visto que a mera cor da pele
continuará automaticamente a privilegiá-los, claro, essa identificação com
os oprimidos geralmente é apenas parcial.) Assim, o interessante
fenômeno moral/político do renegado branco, o traidor da raça, na língua da
Klan (preciso o suficiente na medida em que “raça” aqui denota
Branquitude),41 o explorador colonial que “se torna nativo”, o soldado na
Indochina francesa que contrai le mal jaune, o distúrbio amarelo (a doença
perigosa da “afeição… à paisagem, às pessoas… e à cultura da
Indochina”),42 o amante do nigger, do injun ou do judeu. Esses indivíduos
traem o regime branco em nome de uma definição mais ampla da pólis —
“Traição à branquitude é lealdade à humanidade”43 —, tornando-se assim
“renegados dos Estados Unidos, traidores de seu país e da civilização”,
“um injun branco, e não há nada mais desprezível”.44 Pois, como o termo
expressa, onde a moralidade foi racializada, a prática de uma ética
genuinamente daltônica requer o repúdio da posição Herrenvolk e da
epistemologia moral que a acompanha, provocando assim a condenação
moral apropriada dos que defendem a lealdade racial e dos signatários
brancos que não as repudiaram.
O nível de comprometimento e sacrifício, claro, irá variar. Alguns
escreveram denúncias da verdade oculta do contrato racial — O paraíso
destruído, de Las Casas: literatura abolicionista; o apelo do escritor francês
Abbé Raynal pela revolução dos escravos negros; os escritos de Mark
Twain para a Liga Anti-Imperialista (geralmente suprimidos por seus
biógrafos como um constrangimento, como observa Chomsky);45 o
jornalismo de oposição de princípios de Sartre e Simone de Beauvoir
contra a guerra colonial de seu país. Alguns tentaram salvar algumas de
suas vítimas — a Underground Railroad; Sociedades de Proteção dos
Aborígines; os carregamentos de judeus de Oskar Schindler; Don
Macleod, o homem branco australiano “aceito como aborígine honorário,
que ajudou a organizar a primeira greve aborígine em Pilbara em 1946”;46
Hugh Thompson, o piloto de helicóptero americano que ameaçou atirar
em seus companheiros de exército, a menos que parassem de massacrar
civis vietnamitas em My Lai.47 Alguns realmente deram suas vidas pela
luta — o revolucionário americano branco antiescravidão John Brown; os
membros brancos do Congresso Nacional Africano que morreram
tentando abolir o apartheid. Mas o simples fato de sua existência mostra o
que era possível, colocando em contraste e abrindo para juízo moral o
comportamento de seus companheiros brancos, que optaram, em vez
disso, por aceitar a Branquitude.
O contrato racial sempre foi reconhecido pelos não brancos
como o verdadeiro determinante da (maioria) da prática
moral/política branca e, portanto, como o verdadeiro acordo
moral/político a ser contestado

Se a epistemologia dos signatários, dos agentes do contrato racial, exige


evasão e negação das realidades da raça, a epistemologia das vítimas, dos
objetos do contrato racial, é, sem qualquer surpresa, focada nessas
realidades. (Portanto, há uma relação recíproca, o contrato racial
rastreando a consciência moral/política branca, a reação ao contrato racial
rastreando a consciência moral/política não branca e estimulando uma
investigação confusa dessa consciência moral/política branca.) O termo
“teoria do ponto de vista” é agora rotineiramente usado para significar a
noção de que, ao entender o funcionamento de um sistema de opressão,
uma perspectiva de baixo para cima tem mais probabilidade de ser precisa
do que uma de cima para baixo. O que está envolvido aqui, então, é uma
versão “racial” da teoria do ponto de vista, uma vantagem cognitiva de
perspectiva que está fundamentada na experiência fenomenológica da
disjunção entre a realidade oficial (branca) e a experiência real (não
branca), a “dupla consciência” da qual W. E. B. Du Bois falou.48 Essa
experiência diferencial de raça gera uma percepção moral e política
alternativa da realidade social que está encapsulada no insight da tradição
folclórica negra americana que usei como epígrafe deste livro: a
compreensão central, resumindo o contrato racial, de que “quando os
brancos dizem ‘Justiça’, eles querem dizer ‘Só Nós’”.
Os não brancos sempre (pelo menos nos primeiros encontros) ficaram
perplexos ou espantados com a invisibilidade do contrato racial para os
brancos, o fato de que os brancos têm falado rotineiramente em termos
universalistas, mesmo quando ficou bastante claro que o escopo tem
realmente se limitado a eles mesmos. De forma correspondente, os não
brancos, sem nenhum interesse material ou físico no contrato racial —
objetos, e não sujeitos dele, vendo-o de fora, e não de dentro, subpessoas, e
não pessoas —, são (pelo menos antes do condicionamento ideológico)
capazes de ver seus termos com bastante clareza. Assim, a hipocrisia da
política racial é mais transparente para suas vítimas. O corolário é que o
interesse não branco pela teoria moral e política branca tem
necessariamente se concentrado menos nos detalhes dos candidatos
morais e políticos concorrentes particulares (utilitarismo versus
deontologia versus teoria dos direitos naturais; liberalismo versus
conservadorismo versus socialismo) do que no contrato racial não
reconhecido que geralmente enquadra seu funcionamento. A variável que
faz a maior diferença para o destino dos não brancos não são as
divergências conceituais finas — ou mesmo grosseiras — das próprias
teorias (todas têm suas variantes do tipo Herrenvolk), mas se foi ativada ou
não a subcláusula invocando o contrato racial, colocando assim a teoria no modo
Herrenvolk. Os detalhes das teorias morais, portanto, tornam-se menos
importantes do que a metateoria, o contrato racial, no qual elas estão
inseridas. A questão crucial é se os não brancos são contados como pessoas
completas, parte da população coberta pelo operador moral, ou não.
A preocupação do pensamento moral e político não branco com
questões de raça, igualmente intrigante para um liberalismo branco
baseado em indivíduos atômicos incolores e um marxismo branco baseado
em classes incolores em luta, torna-se assim prontamente explicável, uma
vez que a realidade do contrato racial tenha sido concedida. O que está
envolvido não é nem uma simples variante do nacionalismo europeu
tradicional (ao qual às vezes é assimilado) nem um projeto político
misterioso que se desenrola em algum espaço teórico alienígena (como
nos jogos de linguagem mutuamente opacos postulados pelo pós-
modernismo). O espaço conceitual unificador dentro do qual tanto a
filosofia moral/política branca ortodoxa quanto a filosofia moral/política
não branca não ortodoxa estão se desenvolvendo é o espaço que localiza o
contrato social (mítico) no mesmo plano do contrato racial (real),
baseando-se na tradução de “raça” na linguagem mutuamente
comensurável e mutuamente inteligível da pessoalidade, demonstrando
assim que esses são espaços contíguos, de fato idênticos — não tanto um
universo conceitual diferente, mas um reconhecimento da matéria escura
daquele existente. A pessoalidade pode ser tomada como certa por alguns,
enquanto ela (e tudo o que a acompanha) tem que ser conquistada por
outros, de modo que o projeto político humano geral de lutar por uma
sociedade melhor envolve uma trajetória diferente para os não brancos.
Não é por acaso, então, que a teoria moral e política e as lutas práticas
dos não brancos têm tantas vezes se concentrado na raça, o marcador da
pessoalidade e da subpessoalidade, da inclusão ou exclusão da política
racial. O aparato formal contratualista que tentei desenvolver não será
articulado como tal. Mas as noções cruciais da diferenciação
pessoa/subpessoa, o código moral correspondentemente estruturado
racialmente (ética de Herrenvolk) e o caráter supremacista branco do regime
podem ser encontrados de uma forma ou de outra em todos os lugares do
pensamento anticolonial nativo americano, negro americano e terceiro e
quartomundista.
Touro Sentado pergunta:
Qual o tratado que os brancos mantiveram e o homem vermelho quebrou? Nenhum. Qual o
tratado que o homem branco já fez conosco e que eles cumpriram? Nenhum. Quando eu era
menino, os Sioux eram donos do mundo; o sol nascia e se punha em suas terras. Onde estão
nossas terras? Quem é o dono delas? Que homem branco pode dizer que eu roubei sua terra ou
um centavo de seu dinheiro? No entanto, eles dizem que eu sou um ladrão… Que lei eu violei? É
errado eu amar os meus? É errado para mim porque minha pele é vermelha?

Ward Churchill, outro nativo americano, caracteriza os colonos


europeus como uma “raça mestra” autoconcebida. David Walker reclama
que os brancos consideram os negros como “não sendo da família
humana”, forçando os negros “a provarem para eles que nós mesmos
somos homens”. W. E. B. Du Bois representa os negros como um “tertium
quid”, “em algum lugar entre homens e gado”, comenta que “Liberdade,
Justiça e Direito” estão marcados como “Somente para os Brancos” e
sugere que “a afirmação ‘eu sou branco’” está se tornando “o único
princípio fundamental de nossa moralidade prática”. Richard Wright
analisa “a ética de viver o jim crow”. Marcus Garvey conclui que os negros
são “uma raça sem respeito”. Jawaharlal Nehru afirma que a política
britânica na Índia é “a do Herrenvolk e da raça mestra”. Martin Luther King
Jr. descreve o sentimento de “lutar para sempre contra um sentido
degenerativo de não ser ‘ninguém’”. Malcolm X afirma que a América
“não só nos privou do direito de sermos cidadãos, ela nos privou do direito
de sermos seres humanos, do direito de sermos reconhecidos e respeitados
como homens e mulheres […]. Nós estamos lutando pelo reconhecimento
como seres humanos”. Frantz Fanon mapeia um mundo colonial dividido
entre “duas espécies diferentes”, uma “raça governante” e nativos
“zoológicos”. Aimé Césaire afirma que “o colonizador, […] a fim de aliviar
sua consciência, adquire o hábito de ver o outro homem como um animal
[…] colonização = ‘coisificação’”. Aborígines australianos, em uma
declaração de protesto de 1982 nos Jogos da Commonwealth em Brisbane,
apontam que, “desde a invasão Branca, nossa humanidade está sendo
degradada e nossa história distorcida por estranhos. […] Diante do Mundo,
acusamos a Austrália Branca (e sua Mãe, a Inglaterra) de crimes contra a
humanidade e o planeta. Os últimos dois séculos de colonização são prova
de nossa acusação. Por meio desta, exigimos mais uma vez o reconhecimento de
nossa humanidade e de nossos direitos à terra”.49 A comunalidade moral
central que une todas as suas experiências é a realidade da subordinação
racial, necessariamente gerando uma topografia moral diferente daquela
examinada no discurso ético branco.
De modo correlato, o regime era geralmente pensado em termos
raciais, dado que os brancos governavam, e essa perspectiva se tornaria
global no período da administração colonial formal. A teoria política, em
parte, versa sobre quem são os principais atores, e, para o sistema político
não reconhecido, eles não são os indivíduos atômicos do pensamento
liberal clássico nem as classes da teoria marxista, são raças. As tentativas de
vários povos nativos e coloniais (geralmente malsucedidas, insuficientes e
tardias) de forjar uma unidade racial — pan-indianismo, pan-africanismo,
pan-arabismo, pan-asianismo, pan-islamismo — surgiram em resposta a
uma unidade branca já alcançada, um pan-europeísmo formalizado e
incorporado pelos termos do contrato racial.
No período da supremacia branca global de jure, do colonialismo e da
escravidão, essa solidariedade foi claramente percebida pelos brancos
também. “Que raça é tudo, isso é simplesmente um fato”, escreve o
escocês Robert Knox em The Races of Men (1850);50 e as teorias da
necessidade de luta racial, guerra racial, contra as raças subordinadas são
apresentadas como óbvias. O trabalho de Darwin suscitou esperanças em
alguns setores, de que a seleção natural (talvez com uma pequena ajuda de
seus amigos) varreria as raças inferiores remanescentes, como já havia feito
providencialmente nas Américas e na Tasmânia, para que o planeta como
um todo pudesse ser liberado para o assentamento branco.51 E depois
disso só o céu seria o limite. Na verdade, mesmo o céu não seria o limite,
pois haveria sempre o sistema solar. Cecil Rhodes sonhou que talvez
pudesse “anexar os planetas” para a Grã-Bretanha: “Onde há espaço, há
esperança”.52
Mas, infelizmente, esse nobre sonho não se realizaria. Mesmo com
incentivo, os não brancos não morreram rápido o suficiente. Assim, os
brancos tiveram que se contentar com o domínio colonial sobre as
populações nativas em teimoso crescimento, enquanto, claro, mantinham
um olhar atento tanto para a rebelião quanto para as noções subversivas de
autogoverno. Vejam os vários perigos de cor — vermelho (ou seja, nativo
americano), preto e amarelo — que assombraram a imaginação europeia e
euro-implantada. “A Europa”, comenta Kiernan, “pensou em sua
identidade em termos de raça ou cor e se atormentou com temores do
perigo amarelo ou do perigo negro — efeitos bumerangue, como
poderiam ser chamados, de um perigo branco do qual os outros
continentes estavam sofrendo de modo mais tangível”.53 O quadro
político é bem explicitamente baseado na noção de que os brancos em
todos os lugares têm um interesse comum em manter a supremacia
branca global contra insurreições concebidas em termos raciais. Na virada
do século, os europeus estavam preocupados com o “vasto amontoado de
formigas”, cheio de “formigas-soldados” da China, enquanto “temores
semelhantes estavam no ar sobre um enorme exército negro”, ameaçando
uma guerra racial de vingança liderada por “Napoleões escuros”.54
Embora houvesse aberturas ocasionais para a vantagem nacional
estratégica, a solidariedade racial branca internacional foi geralmente
demonstrada nas ações conjuntas para suprimir e isolar rebeliões de
escravos e levantes coloniais: o boicote ao Haiti, a única revolução escrava
bem-sucedida na história (e, não coincidentemente, hoje o país mais pobre
do hemisfério ocidental), a intervenção comum contra a rebelião dos
Boxers de 1899-1900 na China, a preocupação suscitada pela vitória
japonesa de 1905 sobre a Rússia. Já no início do século xx, livros ainda
eram publicados com títulos de advertência, como The Passing of the Great
Race [A passagem da grande corrida] e The Rising Tide of Color Against
White World Supremacy [A crescente onda de cores contra a supremacia do
mundo branco].55 As diferenças e os conflitos intraeuropeus eram reais o
suficiente, mas seriam rapidamente postos de lado diante da ameaça não
branca:
No curso de suas rivalidades, os europeus trocaram muitas palavras duras e às vezes abusaram
uns dos outros para agradar um povo não europeu. […] Mas quando o caso era de qualquer
convulsão colonial séria, os homens brancos sentiram seu parentesco, e a Europa se uniu. […]
Acima de tudo, e de forma muito notável, apesar das inúmeras crises sobre reivindicações rivais,
os países europeus conseguiram, a partir da Guerra da Independência americana em diante,
evitar qualquer guerra colonial entre si.56

Essa unidade terminou no século xx com a eclosão da Primeira Guerra


Mundial, que foi em parte uma guerra interimperialista por reivindicações
coloniais concorrentes. Mas, apesar da agitação e da participação militar
não branca nos exércitos de seus respectivos países mães (em grande parte
como bucha de canhão), o acordo pós-guerra não levou à descolonização,
mas a uma redistribuição territorial entre as próprias potências coloniais.
(“ok, eu vou ficar com este e você pode ficar com aquele.”) Nos anos entre
guerras, a Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental do Japão foi
vista pela maioria dos líderes ocidentais brancos como uma ameaça à
supremacia branca global. De fato, já na Segunda Guerra Mundial, a
popular escritora norte-americana Pearl Buck teve que alertar seus leitores
de que os povos colonizados não continuariam a aturar a dominação
branca global e que, a menos que houvesse mudanças, seu
descontentamento levaria à “mais longa das guerras humanas […], a
guerra entre o homem branco e seu mundo e o homem de cor e seu
mundo”.57
Correspondendo a essa solidariedade branca global que transcende as
fronteiras nacionais, a política branca virtual, o interesse comum dos não
brancos em abolir o contrato racial se manifestou em padrões de
identificação emocional partidária que, de uma perspectiva moderna e
mais nacionalista, agora parecem bastante bizarros. Em 1879, por
exemplo, quando o rei da Birmânia soube da vitória zulu sobre um
exército britânico em Isandhlwana, ele imediatamente anunciou sua
intenção de marchar sobre Rangun.58 Em 1905, os indianos comemoraram
a vitória japonesa sobre os exércitos (brancos) do czar na Guerra Russo-
Japonesa.59 Na Guerra Hispano-Americana, os negros americanos
levantaram dúvidas sobre o sentido de ser “um homem negro no exército
do homem branco enviado para matar o homem pardo”, e alguns negros
realmente foram para o lado das forças filipinas de Emilio Aguinaldo.60
Depois de Pearl Harbor, circulou na imprensa americana a piada sinistra
sobre um meeiro negro que comentou com seu chefe branco: “Aliás,
Capitão, eu ouvi que os japoneses declararam guerra a vocês, brancos”;
militantes negros dos direitos civis exigiram a “dupla vitória”: “vitória em
casa, bem como no exterior”; a inteligência japonesa considerou a
possibilidade de uma aliança com os negros americanos em uma frente de
cor contra a supremacia branca; e americanos brancos ficaram
preocupados com a lealdade negra.61 A vitória vietnamita de 1954 sobre os
franceses em Dien Bien Phu (como a captura japonesa de Singapura na
Segunda Guerra Mundial) foi em parte vista como um triunfo racial, a
derrota de um povo branco por um povo pardo, um golpe contra a
arrogância da supremacia branca global.
Assim, no nível da consciência popular dos não brancos —
particularmente na primeira fase do contrato racial, mas permanecendo
na segunda fase —, a autoidentificação racial estava profundamente
enraizada, com a noção de que os não brancos em todos os lugares
estavam envolvidos em algum tipo de luta política comum, de modo que
uma vitória para um era uma vitória para todos. As diferentes batalhas ao
redor do mundo contra a escravidão, o colonialismo, o jim crow, “a
barreira de cor”, o imperialismo europeu, o apartheid eram, de certo
modo, parte de uma luta comum contra o contrato racial. Como Gary
Okihiro aponta, o que surgiu foi “uma formação racial global que
complementou e sustentou o sistema-mundo econômico e político”,
gerando assim “identidades transnacionais de brancos e não brancos”.62 É
esse mundo — essa realidade moral e política — que W. E. B. Du Bois
descreve em sua famosa declaração pan-africanista de 1900, “Para as
nações do mundo”: “O problema do século xx é o problema da linha de
cor”, uma vez que, como ele apontaria mais tarde, muitos aceitaram
“aquela filosofia moderna tácita, mas clara, que atribui apenas à raça
branca a hegemonia do mundo e assume que outras raças […] se
contentarão em servir aos interesses dos brancos ou morrerão antes de sua
marcha conquistadora”.63 Foi esse mundo que mais tarde produziu a
Conferência de Bandung (Indonésia) de 1955, uma reunião de 29 nações
asiáticas e africanas, os “oprimidos da raça humana”, na expressão de
Richard Wright, cuja decisão de discutir “racialismo e colonialismo”
causou tanta consternação no Ocidente na época,64 o encontro que até
levou à formação do Movimento Não Alinhado. E foi esse mundo que
estimulou, em 1975, a criação do Conselho Mundial dos Povos Indígenas,
unindo aborígines australianos, maoris neozelandeses e indígenas
americanos.65
Se, para os leitores brancos, esse mundo intelectual, distante apenas
meio século, agora parece um universo de conceitos alienígenas, isso é
fruto do sucesso do contrato racial reescrito em transformar os termos do
discurso público de modo que a dominação branca seja agora
conceitualmente invisível. Como Leon Poliakov aponta, o
constrangimento dos campos de extermínio (em solo europeu, pelo
menos) levou a intelectualidade europeia do pós-guerra a uma sanitização
do registro passado, em que o racismo se tornou a invenção aberrante de
figuras de bodes expiatórios como Joseph-Arthur Gobineau: “Um vasto
capítulo do pensamento ocidental, portanto, desaparece como por toque
de mágica, e esse truque de conjuração corresponde, no nível psicológico
ou psico-histórico, à supressão coletiva de memórias preocupantes e
verdades vergonhosas”.66 O fato de o renascimento da filosofia política
anglo-americana ocorrer nesse período, à época atual do contrato racial de
facto, explica parcialmente sua sobrenatural insensibilidade racial. A
história do imperialismo, do colonialismo e do genocídio, a realidade da
exclusão racial sistêmica, está obscurecida em categorias aparentemente
abstratas e gerais que originalmente eram restritas aos cidadãos brancos.
Mas as batalhas abertamente políticas — pela emancipação, pela
descolonização, pelos direitos civis, pelos direitos à terra — eram apenas
parte dessa luta. Os termos do contrato racial normatizam as próprias
pessoas não brancas, estabelecendo moral, epistêmica e esteticamente sua
inferioridade ontológica. Na medida em que os não brancos aceitam isso,
na medida em que eles também foram signatários do contrato, há uma
dimensão pessoal derivada nessa luta que é acomodada com dificuldade, se
é que é acomodada, nas categorias da filosofia política dominante.
Operando no terreno do contrato social e, portanto, pressupondo a
pessoalidade, deixando de reconhecer a realidade do contrato racial, a
teoria política ortodoxa tem dificuldade em entender a
multidimensionalidade do pensamento político oposicional não branco.
O que é necessário para uma subpessoa se afirmar politicamente? Para
começar, significa simplesmente, ou não tão simplesmente, reivindicar o
status moral da pessoalidade. Portanto, significa desafiar a ontologia
construída por brancos que a considerou um “corpo impolítico”, uma
entidade que não tem o direito de afirmar a pessoalidade, em primeiro
lugar. Em certo sentido, ela precisa travar uma batalha interna antes
mesmo de avançar para o terreno do combate externo. Precisa superar a
internalização da subpessoalidade prescrita pelo contrato racial e
reconhecer a própria humanidade, resistindo à categoria oficial de
aborígine desprezado, escravo natural, tutelado colonial. Precisa aprender
o respeito próprio básico que pode ser presumido casualmente pelas
pessoas kantianas, aquelas privilegiadas pelo contrato racial, mas que é
negado a subpessoas. Em particular para negros, ex-escravos, a
importância de desenvolver o respeito próprio e exigir respeito dos
brancos é crucial. Frederick Douglass relata “como um homem se tornou
um escravo” e promete: “Você verá como um escravo se fez homem”.67
Mas, cem anos depois, essa luta ainda está em andamento. “Os negros
querem ser tratados como homens”, escreveu James Baldwin na década de
1950, “uma declaração perfeitamente direta, contendo apenas sete
palavras. As pessoas que dominaram Kant, Hegel, Shakespeare, Marx,
Freud e a Bíblia acham essa afirmação totalmente impenetrável”.68
Ligada a essa luta pessoal estará uma dimensão epistêmica, uma
resistência cognitiva aos aspectos racialmente mistificadores da teoria
branca, a reconstrução meticulosa do passado e do presente necessária
para preencher as lacunas cruciais e apagar as calúnias da visão de mundo
europeia globalmente dominante. É preciso aprender a confiar em seus
próprios poderes cognitivos, desenvolver seus próprios conceitos,
percepções, modos de explicação, teorias abrangentes e opor-se à
hegemonia epistêmica de estruturas conceituais projetadas em parte para
frustrar e suprimir a exploração de tais assuntos; é preciso pensar contra a
corrente. Há escavações das histórias ocultadas pelo contrato racial:
investigação e valorização de seus passados nativos americanos, afro-
americanos, africanos e asiáticos e pacíficos, mostrando a mentira da
descrição da “selvageria” e da existência em estado de natureza de “povos
sem história”.69 A exposição das deturpações do eurocentrismo, das
“mentiras brancas” e das “mitologias brancas” não tão inocentes é,
portanto, parte do projeto político de reivindicação da pessoalidade.70 A
longa história do que tem sido chamado, na tradição oposicional negra, de
campo de estudos “vindicacionista”,71 é uma resposta política necessária às
falsificações do contrato racial e que não tem correlato na teoria política
do contrato social, porque os europeus tinham o controle cultural de seu
próprio passado e, portanto, podiam ter certeza de que este não seria
deturpado (ou, melhor dizendo, de que as deturpações seriam as deles
mesmos).
Finalmente, o aspecto somático do contrato racial — a referência
necessária que ele faz ao corpo — explica a política corporal que os não
brancos muitas vezes incorporaram em sua luta. A supremacia branca
global nega às subpessoas não apenas paridade moral e cognitiva, mas
também estética. Em particular para o corpo negro, fenotipicamente mais
distante da norma somática caucasoide, as implicações muitas vezes são a
tentativa de se transformar o máximo possível em uma imitação do corpo
branco.72 Assim, a afirmação da plena pessoalidade negra também às vezes
se manifestou no repúdio autoconsciente da transformação somática e na
proclamação: “O negro é belo!”. Para a filosofia política dominante, isso é
apenas uma declaração sobre moda; para uma teoria informada pelo
contrato racial, ela faz parte do projeto político de recuperar a
pessoalidade.
O “contrato racial” como teoria é explicativamente superior ao
contrato social sem raça para tratar das realidades políticas e
morais do mundo e para ajudar a orientar a teoria normativa

O “contrato racial” como uma explicação naturalizada (doravante


simplesmente “contrato racial”) é teoricamente superior ao contrato social
sem raça como modelo do mundo real e, de forma correspondente, do
que precisa ser feito para reformá-lo. Eu, portanto, defendo a
complementação das discussões-padrão do contrato social com uma
abordagem do “contrato racial”.
Pode-se responder que estou cometendo uma espécie de “erro
categorial”, já que, embora minhas afirmações sobre a centralidade do
racismo na história global recente sejam verdadeiras, o contratualismo
moderno há muito desistiu das pretensões explicativas do mundo real,
sendo exercícios hipotéticos, subjuntivos de teoria ideal. Portanto, o fato de
as sociedades reais não se basearem nessas normas, mesmo que
verdadeiras e lamentáveis, é simplesmente irrelevante. Esses são apenas
dois tipos diferentes de projetos.
A discussão no início deve ter deixado claro por que acho que essa
resposta erra o alvo. Na medida em que a teoria moral e a filosofia política
do contratualismo atual tentam prescrever ideais para uma sociedade
justa, que presumivelmente se destinam a ajudar a transformar nossa
sociedade não ideal atual, é obviamente importante esclarecer quais são os
fatos. A prescrição moral e política dependerá em parte de afirmações
empíricas e generalizações teóricas, descrições do que aconteceu no
passado e do que está acontecendo agora, bem como visões mais abstratas
sobre como a sociedade e o Estado funcionam e onde o poder político está
localizado. Se os fatos forem radicalmente diferentes daqueles que são
convencionalmente representados, é provável que as prescrições sejam
radicalmente diferentes.
Agora, como indiquei no início, e de fato por toda parte, a ausência de
discussões sobre raça e supremacia branca na maioria da filosofia
moral/política branca levaria a pensar que raça e racismo foram marginais
para a história do Ocidente. E essa crença é reforçada pelas
conceitualizações dominantes do próprio regime, que o retratam como
essencialmente sem raça, seja na visão dominante de uma democracia
liberal individualista, seja na visão marxista radical minoritária de uma
sociedade de classes. Portanto, não que os contratualistas convencionais
não tenham nenhuma imagem geral da sociedade. (Na verdade, é
impossível teorizar sem alguma imagem.) Em vez disso, eles têm uma
imagem real (tácita), que, por sua exclusão ou marginalização da raça e sua
abordagem tipicamente higienizada, esbranquiçada e amnésica do
imperialismo e da colonização europeus, é profundamente falha e
enganosa. Assim, a poderosa imagem do contrato idealizado, na ausência
de uma contraimagem explícita, continua a moldar tanto nossas
teorizações descritivas quanto normativas. Ao não fornecer nenhuma
história, o contratualismo contemporâneo encoraja seu público a
preencher as lacunas com uma história mistificada, que no fim das contas é
estranhamente parecida com a história (ostensivamente) repudiada no
próprio contrato original! Ninguém realmente acredita hoje, claro, que as
pessoas saíram formalmente da selva e assinaram um contrato. Mas existe
a impressão de que os Estados-nação europeus modernos não foram
afetados centralmente por sua história imperial e que sociedades como os
Estados Unidos foram fundadas sobre nobres princípios morais que
pretendiam incluir todos, mas, infelizmente, ocorreram alguns desvios.73
O “contrato racial” explode esta imagem como mítica, identificando-a como um
artefato do contrato racial na segunda fase, a fase de facto, da supremacia
branca. Assim — no conjunto-padrão de metáforas da revolução
perceptual/conceitual —, ele efetua uma mudança gestáltica, invertendo
figura e fundo, alternando paradigmas, invertendo “norma” e “desvio”,
para enfatizar que a exclusão racial não branca da pessoalidade era a norma
real. O racismo, a autoidentificação racial e o pensamento racial não são,
assim, nem um pouco “surpreendentes”, “anômalos”, “intrigantes”,
incompatíveis com o humanismo europeu iluminista, mas exigidos pelo
contrato racial como parte dos termos para a apropriação europeia do
mundo. Então, em certo sentido, as discussões contratualistas padrão são
fundamentalmente enganosas, porque elas representam as coisas de trás
para a frente, para começo de conversa: o que geralmente foi tomado
(quando ao menos foi notado) como a “exceção” racista tem sido, de fato,
a regra; o que foi tomado como a “regra”, a norma ideal, tem sido
realmente a exceção.
A segunda razão, relacionada, por que o “contrato racial” deve fazer
parte dos fundamentos necessários para a teoria política contemporânea, é
que nossa teorização e nossa moralização sobre os fatos sociopolíticos são
afetadas de maneira característica pela estrutura social. Há uma
reflexividade na teoria política, em que se teoriza sobre si mesmo e
teóricos posteriores criticam a cegueira dos anteriores. Os textos clássicos
dos pensadores centrais da tradição política ocidental — por exemplo,
Platão, Hobbes, Locke, Edmund Burke, Marx — normalmente fornecem
não apenas juízos normativos, mas mapeamentos de ontologias sociais e
epistemologias políticas que explicam por que os juízos normativos de
outros pensadores são equivocados. Esses teóricos reconheceram que,
para criar o regime ideal, é preciso entender como a estrutura e o
funcionamento do regime real podem interferir em nossa percepção da
verdade social. Nossos padrões característicos de compreensão e má
compreensão do mundo são influenciados pela maneira como o mundo é
e pela maneira como nós mesmos somos, seja naturalmente ou conforme
moldados e formados por esse mundo.
Portanto, precisamos de critérios para o conhecimento político, seja
penetrando as aparências ilusórias deste mundo empírico (Platão),
aprendendo a discernir a lei natural (Hobbes, Locke), rejeitando a
abstração em favor da sabedoria cumulativa do “preconceito” (Burke) ou
nos desmistificando da ideologia burguesa e patriarcal (marxismo,
feminismo). Particularmente para a teoria alternativa oposicional (como as
duas últimas), a alegação será que um regime opressivo caracterizado pela
dominação de grupo distorce nosso conhecimento de maneiras que
precisam ser teorizadas. Estamos cegos para as realidades que devemos
ver, tomando por naturais estruturas que, de fato, são criação humana.
Portanto, precisamos ver de forma diferente, livrando-nos do preconceito
de classe e gênero, reconhecendo como político o que anteriormente
entendíamos como apolítico ou pessoal, promovendo uma inovação
conceitual, reconcebendo o familiar, olhando com novos olhos para o
velho mundo ao nosso redor.
Agora, se o “contrato racial” estiver certo, as concepções vigentes do
regime são fundamentalmente falhas. Óbvio, há uma gigantesca diferença
entre dizer que o sistema é basicamente sólido, apesar de alguns
lamentáveis desvios racistas, e dizer que o regime é racialmente
estruturado, que o Estado é supremacista branco e que as raças são elas
mesmas existências significativas que uma ontologia política adequada
precisa acomodar. Portanto, a disputa não seria apenas sobre os fatos, mas
sobre por que esses fatos passaram tanto tempo sem apreensão nem
teorização na teoria moral/política branca. Talvez a filiação ao Herrenvolk,
a raça privilegiada por esse sistema político, tenda a impedir seu
reconhecimento como um sistema político? De fato, talvez. Portanto,
enfrentar esse desafio político não apenas implicaria uma “metanarrativa”
radicalmente diferente da história que nos trouxe a esse ponto como
também exigiria, como esbocei, repensar e reconceituar o aparato
moral/político convencional existente e reexaminar do ponto de vista
epistêmico autoconsciente reflexivo como esse aparato deficiente afetou a
psicologia moral dos brancos e desviou sua atenção de certas realidades.
Por seu silêncio crucial sobre a raça e as opacidades correspondentes de
sua matriz conceitual convencional, o contrato social sem raça e o mundo
sem raça da teoria moral e política contemporânea tornam misteriosas as
questões e preocupações políticas reais que historicamente preocuparam
uma grande parte da população mundial.
Pense na rica e colorida tapeçaria formada ao longo dos dois últimos
séculos por abolicionismo, vindicacionismo racial, reivindicações de terras
aborígines, movimentos anti-imperiais e anticoloniais, luta antiapartheid,
buscas para recuperar heranças raciais e culturais, e pergunte a si mesmo
que fio disso aparece dentro do tecido branqueado do texto-padrão da
filosofia política do Primeiro Mundo. É inegável (alguém pode pensar) que
essas lutas são políticas, mas as categorias dominantes obscurecem nossa
compreensão. Elas parecem estar ocorrendo em um espaço conceitual
diferente daquele habitado pela teoria política dominante. Alguém as
procurará em vão na maioria das histórias-padrão e pesquisas
contemporâneas do pensamento político ocidental. O recente advento das
discussões sobre o “multiculturalismo” é bem-vindo, mas o que precisa ser
apreciado é que essas são questões de poder político, não apenas
incompreensões mútuas resultantes do choque de culturas. Na medida em
que “raça” é assimilada a “etnia”, a supremacia branca permanece não
mencionada e a conexão prescrita pelo contrato racial histórico entre raça
e pessoalidade é ignorada, essas discussões, em minha opinião, falham em
fazer a drástica correção teórica necessária. Assim, essas discussões ainda
ocorrem dentro de uma estrutura convencional, mesmo que expandida. Se
eu estiver certo, o que precisa ser reconhecido é que, lado a lado com as
estruturas políticas existentes familiares a todos nós, o tema-padrão da
teoria política — absolutismo e constitucionalismo, ditadura e democracia,
capitalismo e socialismo —, também existe uma estrutura política global
não nomeada — supremacia branca global —, e essas lutas são, em parte,
lutas contra esse sistema. Até que o sistema seja nomeado e visto como
tal, nenhuma apreciação teórica séria do significado desses fenômenos é
possível.
Outra virtude do “contrato racial” é que ele simultaneamente
reconhece a realidade da raça (poder causal, centralidade teórica) e
desmistifica a raça (postulando a raça como algo construído).74
Historicamente, as teorias da raça mais influentes têm sido racistas,
variedades mais ou menos sofisticadas do determinismo biológico, de
especulações ingênuas pré-darwinistas até as posteriores visões mais
elaboradas do darwinismo social do século xix e a ciência racial nazista
Rassenkunde do século xx. Falar de “teoria racial” no clima oficialmente
não racista de hoje provavelmente acionará alarmes: não se provou que a
raça é irreal? Mas é uma falsa dicotomização assumir que as únicas
alternativas são raça como inexistente e raça como essência biológica. A
“teoria racial crítica” contemporânea — da qual este livro poderia ser visto
como um exemplo — acrescenta o adjetivo especificamente para se
diferenciar das visões essencialistas do passado.75 Raça é sociopolítica e não
biológica, mas ainda assim é real.
Assim, por um lado, ao contrário da teoria branca dominante, liberal e
radical, o “contrato racial” vê que “raça” e “supremacia branca” são eles
próprios termos teóricos críticos que devem ser incorporados ao
vocabulário de uma teoria sociopolítica adequada, de que a sociedade não
é apenas uma coleção de indivíduos atômicos nem apenas uma estrutura
de trabalhadores e capitalistas. Por outro lado, o “contrato racial”
desmistifica a raça, distanciando-se dos determinismos biológicos
“oposicionais” (teoria da melanina, “povos do sol” e “povos do gelo”) e do
deplorável antissemitismo ocasional de alguns elementos recentes da
tradição negra, à medida que a promessa de integração dos anos 1960
falha e estruturas sociais intransigentes e a crescente recalcitrância branca
são cada vez mais conceituadas em termos naturalistas. O “contrato
racial”, portanto, se coloca dentro da parte dominante sensata da teoria
moral ao não responsabilizar as pessoas pelo que elas não podem evitar.
Mesmo brancos liberais de boa vontade às vezes ficam inquietos com a
política racial, porque um vocabulário denunciatório grosseiramente
indiferenciado (“branco”) parece não permitir distinções políticas/morais
padrão entre uma política de escolha — absolutista e democrata, fascista e
liberal — pela qual é racional que nos responsabilizemos e uma cor de pele
e um fenótipo que, afinal, não podemos escolher. Ao reconhecê-la como
um sistema político, o “contrato racial” voluntariza a raça da mesma forma
que o contrato social voluntariza a criação da sociedade e do Estado. Ele
distingue entre brancura como fenótipo/genealogia e Branquitude como
um compromisso político com a supremacia branca, abrindo espaço
conceitual para “renegados brancos” e “traidores da raça”. E seu objetivo
não é substituir um contrato racial por outro de uma cor diferente, mas,
em última instância, eliminar a raça (não como variedade humana
inocente, mas como superioridade e inferioridade ontológicas, como
direito e privilégio diferenciais) por completo.
De forma correlata, o “contrato racial” desmistifica a singularidade do
racismo branco (para aqueles que, de modo compreensível, veem os
europeus como intrinsecamente Brancos), localizando-o como o resultado
contingente de um conjunto particular de circunstâncias. É apropriado,
dado o registro histórico e sua negação até recentemente, que o racismo
branco e que a Branquitude branca sejam o foco polêmico da crítica. Mas
é importante não perder de vista o fato de que existem outros contratos
raciais subordinados que não envolvem relações branco/não branco. Em
certo sentido, o “contrato racial” descolore a Branquitude, desvinculando-
a da brancura, demonstrando assim que, em um universo paralelo, poderia
ter havido Amarelidade, Vermelhidão, Cobridão ou Negritude. Ou,
colocando de outra forma, poderíamos ter tido uma Branquitude amarela,
vermelha, parda ou preta: Branquitude não é realmente uma cor, mas um
conjunto de relações de poder.
Isso é ilustrado pelo único desafiante sério do século xx à dominação
europeia: o Japão. Como já mencionei, sua história única colocou os
japoneses na posição peculiar de serem, em momentos diferentes, ou
mesmo simultaneamente por sistemas diferentes, não brancos pelo
contrato racial Branco global, brancos pelo contrato racial Local (nazista)
e amarelos (brancos) por seu próprio contrato racial Amarelo. Na Ásia, os
japoneses há muito se consideram a raça superior, oprimindo os Ainu em
seu próprio país e proclamando durante a década de 1930 uma missão pan-
asiática de “unir as raças amarelas” sob sua liderança contra a dominação
ocidental branca. A crueldade exibida em ambos os lados durante a Guerra
do Pacífico, uma “guerra sem misericórdia”, surgiu em parte porque dos
dois lados era uma guerra racial, uma guerra entre sistemas conflitantes de
superioridade racial, reivindicações concorrentes à verdadeira
Branquitude, rosa ou amarela. A manchete de um artigo de William
Hearst resumiu: “A guerra no Pacífico é a Guerra Mundial, a Guerra das
Raças Orientais contra as Raças Ocidentais pela Dominação do Mundo”.76
Conforme escrito durante a ocupação japonesa da China, a partir do
Estupro de Nanquim, de 1937, o contrato racial Amarelo produziu um
número de mortos estimado por alguns entre 10 e 13 milhões de pessoas.77
O que o triunfo do Eixo poderia ter significado para o mundo foi
revelado em um documento notável que sobreviveu à queima desesperada
de arquivos nas últimas semanas antes da chegada a Tóquio do exército de
ocupação dos Estados Unidos: Uma investigação do regime global com a raça
yamato como núcleo. Não exatamente equivalente ao infame Protocolo
Nazista de Wannsee de 1942, que colocou em prática os detalhes da
Solução Final, esse documento descreve a “hierarquia natural baseada em
qualidades e capacidades inerentes” das várias raças do mundo, prevê uma
ordem global na qual a “raça yamato” seria a “raça líder” (que teria de
evitar casamentos mistos para manter sua pureza), e prescreve uma missão
pós-guerra de expansão e colonização baseada em uma cartografia global
ameaçadoramente revisada na qual, por exemplo, a América emerge como
“ala oriental da Ásia”.78 Os Yamato e os arianos iriam, após a vitória, ter
que lutar para decidir quem era a verdadeira raça mestra global. Portanto,
não há razão para pensar que outros não brancos (não amarelos?) teriam
se saído muito melhor sob essa versão do contrato racial. A questão, assim,
é que, embora o contrato racial Branco tenha sido historicamente o mais
devastador e o mais importante na formação dos contornos do mundo, ele
não é único, e não deve haver ilusões essencialistas sobre a virtude “racial”
intrínseca de ninguém. Todos os povos podem cair na Branquitude sob as
circunstâncias apropriadas, como mostrado no massacre de 1994 por hútus
negros (“brancos”) de meio milhão a 1 milhão de tútsis negros inferiores
em algumas semanas sangrentas em Ruanda.
Embora possa parecer, o “contrato racial” não é uma “desconstrução”
do contrato social. Tenho alguma simpatia política pelo pós-modernismo
— o desafio iconoclasta à teoria ortodoxa, a derrubada dos bustos de
mármore branco no museu dos Grandes Pensadores Ocidentais — mas,
em última análise, eu o vejo como um beco epistemológico e teórico sem
saída, sintomático, em vez de diagnóstico, dos problemas globais à medida
que entramos no novo milênio.79 O “contrato racial” está realmente no
espírito de uma Ideologiekritik racialmente informada e, portanto, pró-
Iluminismo (isto é, o Iluminismo radical e a ser completado de Jürgen
Habermas, embora a visão eurocêntrica, desracializada e desimperializada
da modernidade de Habermas em si ainda demande crítica)80 e antipós-
modernista. Ele critica o contrato social a partir de uma base normativa
que não vê os ideais do contratualismo como necessariamente
problemáticos em si, mas mostra como eles foram traídos por
contratualistas brancos. Assim, assume a intertraduzibilidade, a
comensurabilidade conceitual da norma degradada e da crítica e as junta
em uma união epistêmica que repudia a imagem pós-moderna de jogos de
linguagem isolados e mutuamente ininteligíveis. Além disso, é
explicitamente baseado na verdade de uma metanarrativa particular, a
explicação histórica da conquista europeia do mundo, que fez do mundo o
que ele é hoje. Assim, reivindica a verdade, a objetividade, o realismo, a
descrição do mundo como realmente é, a prescrição para uma
transformação desse mundo para alcançar a justiça racial — e suscita
críticas nesses mesmos termos.
Na melhor tradição da crítica materialista oposicional da teoria social
idealista hegemônica, o “contrato racial” reconhece a realidade do mundo em
que vivemos, relaciona a construção de ideais, e a não realização desses
ideais, ao caráter deste mundo, aos interesses grupais e às estruturas
institucionalizadas e indica o que seria necessário para alcançá-los. Assim,
une descrição e prescrição, fato e norma.
Ao contrário do contrato social, que é necessariamente envergonhado
pelas histórias reais dos regimes em que é propagado, o “contrato racial”
parte de tais realidades desconfortáveis. Assim, não é, como o contrato
social, continuamente forçado a recuar para a abstração idealizante
ilusória, a Terra do Nunca da teoria pura, mas pode mover-se prontamente
entre o hipotético e o real, o subjuntivo e o indicativo, sem nenhuma
necessidade de fingir que aconteceram coisas que não aconteceram, de
velar, omitir e passar por cima. O “contrato racial” é íntimo do mundo e,
portanto, não é continuamente “assombrado” por revelações sobre ele; ele
não acha notável que o racismo tenha sido a norma e que as pessoas
pensem em si mesmas como cidadãos racializados, em vez de cidadãos
abstratos, o que qualquer história objetiva de fato mostrará. O “contrato
racial” é uma abstração mundana, mostrando que o problema da filosofia
política dominante não é a abstração em si (toda teoria, por definição,
requer abstração), mas abstração que, como Onora O’Neill apontou,
caracteristicamente se afasta das coisas que importam, os determinantes
causais reais e seus correlatos teóricos necessários, guiados pelos termos
do contrato racial que agora se apagou da existência, mas continua a afetar
a teoria e a teorização por sua presença invisível.81 O “contrato racial”
escancara as portas do abafado e hermeticamente fechado pequeno
universo da filosofia política ortodoxa e deixa o mundo correr para seus
salões brancos estéreis, um mundo povoado não por cidadãos abstratos,
mas por seres brancos, pretos, marrons, amarelos, vermelhos, interagindo,
fingindo não ver, categorizando, julgando, negociando, aliando,
explorando, lutando uns com os outros em grande medida de acordo com
a raça — o mundo, em suma, no qual todos nós realmente vivemos.
Finalmente, o “contrato racial” localiza-se orgulhosamente na longa e
honrosa tradição da teoria oposicional negra, a teoria daqueles a quem foi
negada a capacidade de teorizar, as cognições de pessoas que rejeitam sua
subpessoalidade oficial. Os termos peculiares do contrato de escravidão
significavam que, de todas as variedades de subpessoas, os negros eram os
mais diretamente confrontados ao longo de um período de centenas de
anos com as contradições da teoria branca, ao mesmo tempo sendo e não
sendo uma parte do regime branco e, como tal, epistemicamente
privilegiados. O “contrato racial” presta homenagem aos insights de
gerações de “homens da raça” anônimos (e “mulheres da raça”) que, nas
circunstâncias mais difíceis, muitas vezes autoeducados, tiveram negado o
acesso ao treinamento formal e aos recursos da academia, foram objeto de
desprezo e desdém pela teoria branca hegemônica e, no entanto,
conseguiram forjar os conceitos necessários para traçar os contornos do
sistema que os oprimia, desafiando o peso maciço de uma produção
acadêmica branca que justificava moralmente essa opressão ou negava sua
existência.
Ativistas negros sempre reconheceram a dominação branca, o poder
branco (o que um escritor em 1919 chamou de “brancocracia”, o governo
dos brancos),82 como um sistema político de exclusão e privilégio
diferencial, problematicamente conceituado pelas categorias do
liberalismo branco ou do marxismo branco. O “contrato racial” pode,
portanto, ser considerado vernáculo negro (literalmente: “a linguagem do
escravo”), fazendo um “Signifyin(g)”[1] no contrato social, uma revisão
formal com uma “voz dupla”, “com dois tons”, que “critica a natureza do
significado (branco) em”, demonstrando que “um simultâneo mas negado
universo discursivo paralelo (ontológico, político) existe dentro do
universo discursivo branco mais geral”.83 É uma desmistificação negra das
mentiras da teoria branca, revelando a vestimenta típica da Klan por baixo
do terno do político branco. Irônico, descolado, moderno e, acima de
tudo, conhecedor, o “contrato racial” fala da perspectiva dos conhecedores
cuja mera presença nos corredores da teoria branca é uma ameaça
cognitiva porque — na lógica epistêmica invertida do regime racial — a
“situação discursiva ideal” requer nossa ausência, uma vez que somos,
literalmente, os homens e mulheres que sabem demais, que — nessa
maravilhosa expressão americana — sabem onde os corpos estão enterrados
(afinal, muitos deles são nossos). Ele faz o que a crítica negra sempre teve
que fazer para ser eficaz: situa-se no mesmo espaço que seu adversário e,
em seguida, mostra o que decorre de “escrever ‘raça’ e [ver] a diferença
que faz”.84 Como tal, torna possível para nós conectarmos os dois, em vez
de, como no presente, tê-los isolados em dois espaços guetizados, a
guetização da teoria política negra ao ser excluída da discussão dominante,
a guetização da teoria dominante branca ao se apartar da realidade.
A luta para fechar a lacuna entre o ideal do contrato social e a realidade
do contrato racial tem sido a história política não reconhecida das últimas
centenas de anos, a “batalha da linha da cor”, nas palavras de W. E. B. Du
Bois, e é provável que continue assim no futuro próximo, à medida que: a
divisão racial continua a apodrecer; os Estados Unidos se movem
demograficamente de uma sociedade de maioria branca para uma
sociedade de maioria não branca; o abismo entre um Primeiro Mundo em
grande parte branco e um Terceiro Mundo amplamente não branco
continua a se aprofundar; a imigração ilegal desesperada do último para o
primeiro aumenta; e as demandas por justiça global em uma nova ordem
mundial de “apartheid global” se intensificam.85 Nomear essa realidade é
colocá-la no foco teórico necessário para que essas questões sejam
abordadas de forma honesta. Aqueles que fingem não as ver, que afirmam
não reconhecer a imagem que esbocei, estão apenas dando seguimento à
epistemologia da ignorância exigida pelo contrato racial original.
Enquanto essa ignorância premeditada persistir, o contrato racial apenas
será reescrito, em vez de totalmente rasgado, e a justiça continuará restrita
a “apenas nós”.

[1] Segundo Gates Jr. (ver nota 83 deste capítulo), Signifyi(g) é um modo de expressar, relacionar e
entender ideias que é parte fundamental da tradição literária negra norte-americana. Para ele:
“Signifyin(g) é um tropo no qual estão reunidos muitos outros tropos retóricos, incluindo metáfora,
metonímia, sinédoque e ironia (o tropo mestre), e também hipérbole, litotes e metalepse […]. A
essa lista poderíamos facilmente adicionar aporia, quiasmo e catacrese, sendo todas elas usadas no
ritual do Signifyin(g)” (The Signifying Monkey, p. 52).
Agradecimentos

A história que inspira este pequeno livro é antiga, e há muito tempo eu


tenho pensado sobre essa história e como incorporá-la em um cenário
filosófico. Ao longo do caminho, incorri em muitas dívidas, algumas das
quais certamente esqueci, e essa lista de agradecimentos é apenas parcial.
Em primeiro lugar, claro, à minha família: meus pais, Gladstone e
Winnifred Mills, que me criaram para prestar igual respeito a pessoas de
todas as raças; meu irmão, Raymond Mills, e meu primo, Ward Mills, pela
conscientização; meu tio e minha tia, Don e Sonia Mills, por seu papel na
luta da Jamaica nos anos 1970 contra o legado do contrato racial global.
Minha esposa, Elle Mills, que apoiou meu trabalho desde o início, às vezes
tendo mais fé em mim do que eu mesmo.
Amigos especiais, passados e presentes, também devem ser citados:
agradeço a Bobs pelos velhos tempos; a Lois, uma amiga de fato, e uma
amiga para o que precisei; a Femi, companheiro terceiro-mundista, por
inúmeras conversas desde nossos dias juntos na pós-graduação sobre como
a filosofia na universidade poderia se tornar menos acadêmica.
Horace Levy, meu primeiro professor de filosofia, e por muitos anos a
unidade individual móvel de filosofia do campus de Mona da West Indies
University, merece menção particular, assim como Frank Cunningham e
Danny Goldstick, da University of Toronto, que me receberam no
programa de pós-graduação do Departamento de Filosofia há mais tempo
do que qualquer um de nós faz questão de se lembrar. A confiança de John
Slater em mim e seu apoio ao meu progresso no doutorado, apesar da
minha quase inexistente formação no assunto na graduação, foram
cruciais. A todos eles eu sou grato.
Originalmente, comecei a trabalhar nessas questões em 1989, durante a
vigência de uma bolsa de pesquisa de verão para o corpo docente júnior da
University of Oklahoma. Um primeiro rascunho foi escrito no ano que
passei como pesquisador do Institute for the Humanities, da University of
Illinois at Chicago (uic), entre 1993 e 1994, e o rascunho final foi concluído
durante meu período sabático no semestre da primavera de 1997. Tanto na
minha instituição anterior quanto na atual, tive a sorte de ter tido uma
série de chefes de departamento que apoiaram muito os pedidos de
subsídios, bolsas de estudo, viagens, licenças e anos sabáticos: John Biro e
Kenneth Merrill na University of Oklahoma; Richard Kraut, Dorothy
Grover e Bill Hart na uic. Quero declarar o quanto sou profundamente
grato a eles por esse apoio. Além disso, fiz inúmeros pedidos de ajuda a
Charlotte Jackson e Valerie McQuay, as inestimáveis assistentes
administrativas do Departamento de Filosofia da uic, e elas têm sido
infinitamente pacientes e prestativas, facilitando muito o meu trabalho.
Agradeço a Bernard Boxill, Dave Schweickart e Robert Paul Wolff por
suas cartas de endosso à minha candidatura à bolsa do Humanities
Institute da uic, que me permitiu dar início ao manuscrito original. Foi
sugestão de Bob Wolff, apoiado por Howard McGary Jr., que eu optasse
por “um livro curto e contundente”, acessível a um público de não
filósofos. Espero que isso seja contundente o suficiente para vocês, pessoal.
Uma versão anterior e mais curta deste livro foi lida e criticada por
membros do Politically Correct Discussion Group of Chicago (pcdgc); eu
me beneficiei das críticas de Sandra Bartky, Holly Graff, David Ingram e
Olufemi Taiwo. Jay Drydyk leu o manuscrito e deu contribuições e
incentivos valiosos. Também me beneficiei do feedback do público nas
seguintes apresentações, entre 1994 e 1996: no Institute for the
Humanities, uic; na Society for the Humanities, Cornell University; um
colóquio na Queen’s University; um painel na reunião anual da Society for
Phenomenology and Existential Philosophy; e uma conferência intitulada
“The Academy and Race”, na Villanova University.
Tenho recebido, de forma consistente, encorajamento especial das
teóricas feministas no projeto: minha amiga Sandra Bartky, Paola Lortie,
Sandra Harding, Susan Babbitt, Susan Campbell e Iris Marion Young.
Também aprendi muito ao longo dos anos com a teoria política feminista,
e, obviamente, tenho uma dívida com Carole Pateman em particular. Meu
foco na raça, aqui, não deve ser entendido como se eu não reconhecesse a
realidade do gênero como um outro sistema de dominação. Alison
Shonkwiler, minha editora na Cornell University Press, ficou muito
entusiasmada com o manuscrito desde a primeira leitura, e em grande
parte sua convicção foi que me convenceu de que havia de fato um livro
aqui e de que eu deveria escrevê-lo. Por sua energia e incentivo, e pelo
olhar editorial aguçado que, sem dúvida, fez deste um livro melhor do que
poderia ser, expresso o meu profundo apreço.
Finalmente, como um estranho em uma terra estranha, fui bem
recebido aqui pelo American Philosophical Association Committee on the
Status of Blacks in Philosophy. Gostaria de destacar e agradecer a Howard
McGary Jr., Leonard Harris, Lucius Outlaw Jr., Bill Lawson, Bernard Boxill
e Laurence Thomas por me fazerem sentir em casa. Como um
beneficiário de ação afirmativa, eu não estaria na universidade americana
hoje não fosse pelas lutas dos negros americanos. Este livro é, em parte,
um reconhecimento dessas lutas e um tributo a elas — e, de modo mais
geral, à tradição radical negra internacional de resistência política que elas
exemplificam.

C. W. M.
1997
Agradecimentos da edição comemorativa de 25 anos

Gostaria de expressar minha gratidão a todos os professores, ao longo


dos anos, que incluíram O contrato racial em inúmeros cursos dentro e fora
da filosofia nos Estados Unidos e também em muitos outros países. Numa
época (agora passada) em que a “pós-racialidade” e o “daltonismo”[1]
estavam surgindo como as novas normas, vocês reconheceram que,
embora um mundo pós-racial possa de fato ser desejável, apenas desejar
não faz com que ele se efetive. O reconhecimento das realidades da raça e
a educação da geração mais jovem sobre essas realidades são cruciais. Ao
fazer isso, vocês ajudaram a tornar O contrato racial um best-seller
acadêmico — mais de 50 mil cópias vendidas até 2021.
Agradeço também aos meus colegas filósofos negros envolvidos no
mesmo projeto, que merecem crédito como pioneiros no campo,
ajudando a estabelecer a filosofia africana e afro-diaspórica[2] e o que
acabaria sendo designado filosofia crítica da raça muito antes de serem
considerados profissionalmente respeitáveis. Minha gratidão a todos vocês,
especialmente àqueles que conheço pessoalmente (muitos para serem
mencionados), tanto por me acolherem aqui nos Estados Unidos quanto
por todos os anos conversando nos mal frequentados painéis tarde da
noite, nos encontros da American Philosophical Association. No final,
valeu a pena.
Tive a sorte de ter trabalhado com duas maravilhosas editoras na
Cornell University Press, Alison Shonkwiler, mencionada nos
agradecimentos originais, e Emily Andrew. Enquanto escrevo este texto,
Emily está deixando a Cornell para buscar outras oportunidades
profissionais. Mas estou em dívida com ela por ter tido a grande ideia de
uma edição de vigésimo quinto aniversário e por ter insistido com
determinação contra minha inércia natural para vê-la concluída antes de
sua partida. Se esta nova edição deve sua existência a alguém, é a você,
Emily. Um sincero muito obrigado e os melhores votos para sua nova
carreira.
Finalmente, por uma coincidência perfeita, fui informado, com o livro
prestes a ir para impressão, de que O contrato racial acabara de ganhar o
Prêmio Benjamin E. Lippincott 2021, um prêmio da American Political
Science Association dado a cada dois anos a um trabalho político “de
excepcional qualidade, por um teórico político vivo que é ainda
considerado significativo após um período de pelo menos quinze anos
desde a data original de publicação”. Meu profundo apreço ao comitê de
premiação pela honraria: Barbara Arneil, presidente (University of British
Columbia); Steven B. Smith (Yale University); e David Runciman
(University of Cambridge). Eu não poderia ter desejado um lançamento
melhor para esta nova edição.
C. W. M.
2021

[1] No original, color-blindness: termo em inglês para daltonismo, condição médica caracterizada
pela dificuldade de diferenciar certas cores. Apesar do uso corrente de color-blindness para se referir a
uma suposta postura de não discriminação racial, o termo é frequentemente criticado por conta da
patologização implicada em seu uso. (N. T.)
[2] No original, Africana philosophy: o termo, em geral, se refere tanto à filosofia africana quanto à
filosofia afro-diaspórica. (N. T.)
Notas
Prólogo

1. Esses primeiros ensaios podem ser encontrados em: Charles W. Mills, Blackness Visible. Ithaca:
Cornell University Press, 2015; e From Class to Race: Essays in White Marxism and Black Radicalism.
Washington D. C.: Rowman & Littlefield, 2003.
2. Alguns escritos importantes do movimento podem ser encontrados em: Kimble Crenshaw et al.
(Orgs.). Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. Nova York: The New
Press, 1995.
3. Ver Tommie Shelby, “Racial Realities and Corrective Justice: A Reply to Charles Mills”. Critical
Philosophy of Race, v. 1, n. 2, pp. 145-62, 2013.
Prefácio

1. O livro Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition, de Cedric J. Robinson (Chapel
Hill: University of North Carolina Press, 2000), originalmente cunhou a frase, embora seu
conteúdo permaneça contestado.
2. Leonard Harris, Philosophy Born of Struggle: Anthology of Afro-American Philosophy from 1917.
Dubuque, Iowa: Kendall; Hunt, 1983.
3. John Rawls, A Theory of Justice: Revised Edition. Cambridge: Harvard University Press, 1999. [Ed.
bras.: Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.]
4. Kwame Anthony Appiah, In my Father’s House: Africa in the Philosophy of Culture. Oxford: Oxford
University Press, 1993. [Ed. bras.: Na casa de meu pai: A África na filosofia da cultura. Trad. de Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.]
5. Appiah, In my Father’s House, p. 40. Em trabalhos subsequentes, ele modificaria um pouco sua
posição original.
6. Lucius T. Outlaw, On Philosophy and Race. Londres: Routledge, 1996.
7. Charles W. Mills, Black Rights/White Wrongs: The Critique of Racial Liberalism. Oxford: Oxford
University Press, 2017.
8. Tommie Shelby, Dark Ghettos: Injustice, Dissent, and Reform. Cambridge: Harvard University Press,
2016.
9. Ver, por exemplo, Amy Baehr (Org.), Varieties of Feminist Liberalism (Washington D. C.: Rowman
& Littlefield Publishers, 2004); e Ruth Abbey, The Return of Feminist Liberalism (Londres:
Routledge, 2011).
10. Para uma discussão crítica sobre mim e Shelby, ver Shatema Threadcraft, Intimate Justice: The
Black Female Body and the Body Politic. Oxford: Oxford University Press, 2016.
11. Carole Pateman, The Sexual Contract. Palo Alto, Calif.: Stanford University Press, 1988. [Ed.
bras.: O contrato sexual. Trad. de Marta Avancini. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.]; Stacy
Clifford Simplican, The Capacity Contract: Intellectual Disability and the Question of Citizenship.
Minneapolis: University of Minnesota Press, 2015.
12. Para minhas próprias sugestões, ver minha Tanner Lecture de 2020, “Theorizing Racial Justice”,
a ser publicada em The Tanner Lectures on Human Values.
13. Michelle Goldberg, “The Campaign to Cancel Wokeness”. New York Times, 28 fev. 2021, SR, 3.
Introdução

1. Um relatório de 1994 sobre a filosofia americana, “Status and Future of the Profession”, revelou
que “apenas um departamento em vinte (28 dos 456 departamentos relatados) tem pelo menos
um afro-americano [com estabilidade] no corpo docente, com um pouco menos tendo
professores [com estabilidade] hispano-americanos ou asiático-americanos (dezessete
departamentos, em ambos os casos). Apenas sete departamentos têm algum docente [com
estabilidade] nativo americano” (Proceedings and Addresses of The American Philosophical Association,
v. 70, n. 2, p. 137, 1996).
2. Para uma visão geral, ver, por exemplo, Ernest Barker, Social Contract, Essays by Locke, Hume and
Rousseau (Oxford: Oxford University Press, 1960 [1947]); Michael H. Lessnoff, Social Contract,
Atlantic Highlands, N.J.: Humanities Press, 1986; Will Kymlicka, “The Social Contract
Tradition”. In: P. Singer (Org.). A Companion to Ethics, v. 186. Oxford: Blackwell Reference, 1991,
pp. 186-96; Jean Hampton, “Contract and Consent”. In: R. Goodin; P. Pettit (Orgs.). A Companion
to Contemporary Political Philosophy. Oxford: Blackwell Reference, 1993, pp. 379-93.
3. Os povos indígenas como um grupo global às vezes são chamados de “Quarto Mundo”. Ver
Roger Moody (Org.), The Indigenous Voice: Visions and Realities. 2. ed. Utrecht: International
Books, 1993 [1988].
4. Para uma exceção louvável, ver Iris Marion Young, Justice and the Politics of Difference (Princeton:
Princeton University Press, 1990). Young se concentra explicitamente nas implicações da
subordinação de grupo para as concepções-padrão de justiça, incluindo grupos raciais.
5. O crédito por reviver a teoria do contrato social e, de fato, da filosofia política pós-guerra em
geral é geralmente atribuído a John Rawls, A Theory of Justice: Revised Edition. Cambridge:
Harvard University Press, 1999.
6. Thomas Hobbes, Leviathan. In: Richard Tuck (Org.). Cambridge: Cambridge University Press,
1991 [Ed. bras.: Leviatã: Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. [S.l.]: LeBooks, 2019];
John Locke, Two Treatises of Government. In: Peter Laslett (Org.). Cambridge: Cambridge
University Press, 1988 [1960] [Ed. bras.: Dois tratados do governo civil. São Paulo: Leya, 2019]; Jean-
Jacques Rousseau, Discourse on the Origins and Foundations of Inequality Among Men. Nova York:
Penguin Putnam Books, 1984 [Ed. bras.: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. São Paulo: Leya, 2020]; Rousseau, The Social Contract. Londres: Penguin, 1968
[Ed. bras.: Do contrato social ou princípios do direito político. São Paulo: Companhia das Letras,
2011]; Immanuel Kant, The Metaphysics of Morals. Cambridge: Cambridge University Press, 1991
[Ed. bras.: Metafísica dos costumes: Contendo a doutrina do direito e a doutrina da virtude. Bauru:
Edipro, 2020].
7. Em “Contract and Consent”, p. 382, Jean Hampton nos lembra que, para os teóricos clássicos, o
contrato se destina “simultaneamente a descrever a natureza das sociedades políticas e a
prescrever uma forma nova e mais defensável para tais sociedades”. Nesse ensaio, e também em
“The Contractarian Explanation of the State” (in: Peter French, Theodore E. Uehling Jr. e
Howard K. Wettstein, The Philosophy of the Human Sciences, Midwest Studies in Philosophy. Notre
Dame, Ind.: University of Notre Dame Press, 1990, pp. 344-71), ela argumenta explicitamente por
um renascimento da antiga e aparentemente desacreditada “explicação contratualista do Estado”.
Hampton ressalta que as imagens do “contrato” captam o ponto essencial de que “sociedades
políticas autênticas são criações humanas” (não ordenadas divinamente ou determinadas
naturalmente) e “convencionalmente geradas”.
8. Rousseau, Discourse on Inequality, parte 2.
9. Carole Pateman, The Sexual Contract. Palo Alto, Cal.: Stanford University Press, 1988. Uma
diferença entre nossas abordagens é que Pateman pensa que o contratualismo é necessariamente
opressivo — “O contrato sempre gera direito político na forma de relações de dominação e
subordinação” (p. 8) —, enquanto eu vejo a dominação, na teoria dos contratos, como mais
contingente. Para mim, em outras palavras, um contrato racial não teve que sustentar o contrato
social. Pelo contrário, esse contrato é o resultado da conjunção particular de circunstâncias na
história global que levou ao imperialismo europeu. E, como corolário, acredito que a teoria do
contrato pode ser usada de modo positivo, uma vez que essa história oculta seja reconhecida,
embora eu não desenvolva aqui esse programa. Para um exemplo de contratualismo feminista
que contrasta com a avaliação negativa de Pateman, ver Susan Moller Okin, Justice, Gender, and
the Family. Nova York: Basic Books, 1989.
10. Ver, por exemplo, Paul Thagard, Conceptual Revolutions. Princeton: Princeton University Press,
1992, p. 22.
11. Ver Hampton, “Contract and Consent” e “Contractarian Explanation”. O foco de Hampton é o
estado liberal-democrático; mas obviamente sua estratégia de empregar o “contrato” para
conceituar normas e práticas convencionalmente geradas está aberta para ser adaptada à
compreensão do estado racial não liberal-democrático; a diferença é que “o povo” agora se torna
a população branca.
1. Visão geral

1. Otto Gierke os chamou, respectivamente, de Gesellschaftsvertrag e Herrschaftsvertrag. Para uma


discussão, ver, por exemplo, Ernest Barker, “Introduction”, in: Social Contract (Oxford: Oxford
University Press, 1967); e Michael Lessnoff, Social Contract Theory, cap. 3 (Hoboken, N.J.: Basil
Blackwell, 1990).
2. Michael Rawls, Theory of Justice, parte 1 (2. ed. rev. Cambridge: Belknap Press, 1999).
3. Ao falar de forma geral em “brancos”, não estou, naturalmente, negando que existam relações de
dominação e subordinação de gênero ou, também, relações de dominação e subordinação de
classe no interior da população branca. Não estou afirmando que a raça é o único eixo da
opressão social. Mas quero focalizar a raça; então, na ausência dessa entidade quimérica, uma
teoria unificadora de opressão de raça, classe e gênero, parece-me necessário fazer generalizações
que seriam estilisticamente complicadas de qualificar, em todos os aspectos. Então, elas devem
ser assumidas. No entanto, quero insistir que meu quadro geral é aproximadamente preciso, ou
seja, que os brancos, em geral, de fato se beneficiam da supremacia branca (embora a
diferenciação de gênero e classe implique, é claro, que eles não se beneficiam de maneira igual) e
que a solidariedade racial branca historicamente se sobrepôs à solidariedade de classe e gênero.
Mulheres, classes subordinadas e não brancos podem ser todos oprimidos, mas não é uma
opressão partilhada: a estruturação é tão diferente que não levou a nenhuma frente comum
entre eles. Historicamente, nem as mulheres brancas nem os trabalhadores brancos se aliaram
como grupo (e não como indivíduos movidos por princípios) aos não brancos contra o
colonialismo, a colonização branca, a escravização, o imperialismo, as Leis Jim Crow, o
apartheid. Todos nós temos múltiplas identidades e, nessa medida, a maioria de nós é
privilegiada e desfavorecida por diferentes sistemas de dominação. Mas a identidade racial branca
geralmente triunfou sobre todas as outras; é a raça que (através dos gêneros, através das classes)
tem geralmente determinado o mundo social e as lealdades, o mundo da vida dos brancos — seja
como cidadãos da pátria colonizadora, colonizadores, não escravizados ou beneficiários da
“barreira de cor” e da “linha de cor”. Nunca houve um mundo de “trabalhadores”
espontaneamente cristalizado que atravessasse as raças ou um mundo “feminino” que
atravessasse as raças: raça é a identidade em torno da qual os brancos geralmente cerram fileiras.
No entanto, como concessão, um sinal semântico desse privilégio de gênero reconhecido dentro
da população branca, pelo qual a pessoalidade da mulher branca é originalmente virtual,
dependente de ter a relação apropriada (filha, irmã, esposa) com o homem branco, às vezes
usarei deliberadamente a palavra “homens”, que não é neutra em termos de gênero. Para
bibliografia recente sobre essas interseções problemáticas de identidade, ver, por exemplo, Ruth
Frankenberg, White Women, Race Matters: The Social Construction of Whiteness (Minneapolis:
University of Minnesota Press, 1993); Nupur Chaudhuri e Margaret Strobel (Orgs.), Western
Women and Imperialism: Complicity and Resistance (Bloomington: Indiana University Press, 1992);
David R. Roediger, The Wages of Whiteness: Race and the Making of the American Working Class
(Londres: Verso, 1991).
4. Rousseau, Social Contract; Hobbes, Leviathan.
5. Para uma discussão acerca das duas versões, ver Will Kymlicka, “The Social Contract Tradition”.
In: Peter Singer (Org.). A Companion to Ethics. Oxford: Blackwell, 1993, pp. 186-96.
6. O julgamento de Hobbes, de que “a injustiça não passa da não execução do pacto” (Leviathan, p.
100), tem sido tomado como uma declaração de convencionalismo moral. A moralidade social
igualitária de Hobbes não se baseia na igualdade moral dos seres humanos, mas numa grosseira
paridade de poder físico e de capacidade mental no estado da natureza (cap. 13). Dentro desse
quadro, o contrato racial seria então o resultado natural de uma disparidade sistemática de poder
— de armamento, não de força individual — entre a Europa expansionista e o resto do mundo.
Pode-se dizer que isso está bem resumido na famosa cantiga de Hilaire Belloc: “Aconteça o que
acontecer, nós temos a metralhadora Maxim, e eles não” (Hilaire Belloc, “The Modern
Traveller”, apud John Ellis, The Social History of the Machine Gun. Baltimore: jhu Press, 1986
[1975], p. 94). Ou, em um estágio anterior, na conquista das Américas, do mosquete e da espada
de aço.
7. Ver, por exemplo, Alexander Passerin D’Entrèves, Natural Law: An Introduction to Legal Philosophy,
2. ed. rev., 1951 (reimp.: Londres: Hutchinson, 1970).
8. John Locke, Second Treatise of Two Treatises of Government, p. 269.
9. Immanuel Kant, Metaphysics of Morals, pp. 230-2.
10. Ver Arthur O. Lovejoy, The Great Chain of Being. Cambridge: Harvard University Press, 1948.
11. Para a noção de “comunidades epistemológicas”, ver trabalhos recentes em teoria feminista, por
exemplo, Linda Alcoff e Elizabeth Potter, Feminist Epistemologies (Londres: Routledge, 1993).
12. Assim, Ward Churchill, nativo americano, fala sardonicamente de “fantasias da raça mestra”, in:
M. Anette Jaimes (Org.). Fantasies of the Master Race: Literature, Cinema, and the Colonization of
American Indians. Maine: Common Courage Press, 1992; William Gibson, Neuro-mancer. Nova
York: Ace Science Fiction Books, 1984.
13. Robert Young, White Mythologies: Writing History and the West. Londres: Routledge, 1990;
Edward W. Said, Orientalism. Nova York: Vintage Books, 1979 [1978] [Ed. bras.: Orientalismo: O
Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007]; V. Y. Mudimbe, The
Invention of Africa: Gnosis, Philosophy, and the Order of Knowledge. Bloomington: Indiana University
Press, 1988 [Ed. bras.: A invenção da África: Gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Petrópolis:
Vozes, 2019]; Enrique Dussell, The Invention of the Americas: Eclipse of “the Other” and the Myth of
Modernity. Nova York: Continuum, 1995 [1992]; Robert F. Berkhofer, The White Man’s Indian:
Images of the American Indian, from Columbus to the Present. Nova York: Knopf, 1978; Gretchen M.
Bataille e Charles Silet (Orgs.), The Pretend Indians: Images of Native Americans in the Movies. Ames:
Iowa State University Press, 1980; George M. Fredrickson, The Black Image in the White Mind: The
Debate on Afro-American Character and Destiny, 1817-1914. Hanover, N.H.: Wesleyan University
Press, 1987 [1971]; Roberto Fernández Retamar, Caliban and other Essays. Minneapolis: University
of Minnesota Press, 1989; Peter Hulme, Colonial Encounters: Europe and the Native Caribbean, 1492-
1797. Londres: Routledge, 1992 [1986]).
14. Friedrich Engels, The Origin of the Family, Private Property and the State. Nova York: International,
1972, p. 120 [1884]. [Ed. bras.: A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo:
Boitempo, 2019.]
15. Jean-Paul Sartre, “Prefácio” a Frantz Fanon, The Wretched of the Earth. Nova York: Grove
Weidenfeld, 1991 [1961]. [Ed. bras.: Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.]
16. Victor G. Kiernan, The Lords of Human Kind: Black Man, Yellow Man, and White Man in an Age of
Empire. Nova York: Columbia University Press, 1986 [1969]; Anthony Pagden, Lords of All the
World: Ideologies of Empire in Spain, Britain, and France, c. 1500-c. 1800. New Haven: Yale University
Press, 1995.
17. Pagden, Lords, pp. 1-2.
18. Robert A. Williams Jr., “The Algebra of Federal Indian Law: The Hard Trail of Decolonizing and
Americanizing the White Man’s Indian Jurisprudence”. Wisconsin Law Review, p. 229, 1986. Dele,
ver também: The American Indian in Western Legal Thought: The Discourses of Conquest. Oxford:
Oxford University Press, 1990.
19. Ibid., pp. 230-1, 233. Ver também: Lewis Hanke, Aristotle and the American Indians: A Study in Race
Prejudice in the Modern World. Bloomington: Indiana University Press, 1959, p. 19.
20. Williams, “Algebra”; Hanke, Aristotle.
21. Allen Carey-Webb, “Other-Fashioning: The Discourse of Empire and Nation in Lope de Vega’s
El Nuevo Mundo descubierto por Cristobal Colon”. In: René Jara e Nicholas Spadaccini (Orgs.).
Amerindian Images and the Legacy of Columbus. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1992,
pp. 433-4. Hispanic Issues 9.
22. Philip D. Curtin (Org.), “Introduction”. Imperialism. Nova York: Walker, 1971, p. xiii.
23. Pierre L. van den Berghe, Race and Racism: A Comparative Perspective. 2. ed. Nova York: Wiley,
1978.
24. Pagden, Lords, cap. 1.
25. Williams, “Algebra”, p. 253.
26. Juiz da Suprema Corte Joseph Story, apud Williams, “Algebra”, p. 256.
27. Dred Scott versus Sanford, 1857. In: Paula S. Rothenberg (Org.). Race, Class, and Gender in the
United States: An Integrated Study. 3. ed. Nova York: St. Martin’s Press, 1995, p. 323.
28. Trecho de François-Jules Harmand, Domination et Colonization. Nova York: Nabu Press, 2012. E.
Flammarion [1910], in: Curtin, Imperialism, pp. 294-8.
29. Edward W. Said, Culture and imperialism. Nova York: Knopf, 1993, pp. xiv, xiii.
30. Harold R. Isaacs, “Color in World Affairs”. Foreign Affairs, n. 47, pp. 235, 246, 1969. Ver também:
Benjamin P. Bowser (Org.), Racism and Anti-Racism in World Perspective. Washington D. C.: Sage,
1995.
31. Helen H. Jackson, A Century of Dishonor: A Sketch of the United States Government’s Dealings with
Some of the Indian Tribes. Nova York: Indian Head Books, 1993 [1881]. Em sua exposição clássica,
Jackson conclui (pp. 337-8): “Faz pouca diferença […] onde se abre o registro da história dos
índios; cada página e todo ano tem sua mancha escura. A história de uma tribo é a história de
todos, variando apenas por diferenças de tempo e lugar […]. O governo dos Estados Unidos
quebra promessas agora [1880] tão habilmente quanto então [1795], e com uma engenhosidade
adicional de longa prática”. A própria Jackson, deve-se notar, via os nativos americanos como
possuidores de um “direito menor”, já que não havia dúvida sobre a “justiça de sustentar que a
soberania final pertencia ao descobridor civilizado, contra o bárbaro selvagem”. Pensar de outra
forma seria meramente “sentimentalismo fraco” (pp. 10-1). Mas ela pelo menos queria que esse
direito menor fosse reconhecido.
32. Ver, por exemplo, David E. Stannard, American Holocaust: The Conquest of the New World. Oxford:
Oxford University Press, 1992.
33. Richard Drinnon, Facing West: The Metaphysics of Indian-Hating and Empire-Building. Nova York:
Meridian, 1980, p. 332.
34. Ibid., p. 102. Ver também Reginald Horsman, Race and Manifest Destiny: The Origins of American
Racial Anglo-Saxonism. Cambridge: Harvard University Press, 1981; e Ronald Takaki, Iron Cages:
Race and Culture in 19th Century America. Nova York: Oxford University Press, 1990 [1979].
35. A. Grenfell Price, White Settlers and Native Peoples: An Historical Study of Racial Contacts between
English-Speaking Whites and Aboriginal Peoples in the United States, Canada, Australia, and New
Zealand. Westport, Conn.: Greenwood Press, 1972 [1950]; ibid., The Western Invasions of the Pacific
and Its Continents. Oxford: Clarendon Press, 1963; Race van den Berghe e Louis Hartz, The
Founding of New Societies: Studies in the History of the United States, Latin America, South Africa,
Canada, and Australia. Nova York: Harcourt, Brace & World, 1964; Frank S. Stevens (Org.),
Racism: The Australian Experience, 3 vols. Nova York: Taplinger, 1972; Henry Reynolds, The Other
Side of the Frontier: Aboriginal Resistance to the European Invasion of Australia. Harmondsworth,
Middlesex: Penguin, 1982. Os livros de Price são fontes valiosas na história comparada, mas —
embora progressistas para os padrões da época — eles precisam ser tratados com cautela, já que
seus números e atitudes agora estão um tanto datados. Em White Settlers, por exemplo, a
população indígena ao norte do rio Grande é estimada em menos de 850 mil, enquanto as
estimativas hoje são de dez a vinte vezes maiores, e Price especula que os indígenas eram “menos
avançados que seus conquistadores brancos” porque tinham cérebros menores (pp. 6-7).
36. Van den Berghe, Race, p. 18.
37. Comer Vann Woodward, The Strange Career of Jim Crow. 3. ed. Nova York: Oxford University
Press, 1974 [1955]; George M. Fredrickson, White Supremacy: A Comparative Study of American and
South African History. Oxford: Oxford University Press, 1981; Douglas S. Massey e Nancy A.
Denton, American Apartheid: Segregation and the Making Of the Underclass. Cambridge: Harvard
University Press, 1993.
38. Ver, por exemplo, Kiernan, Lords e Imperalism and its Contradictions (Harvey J. Kaye (Org.). Nova
York: Routledge, 1995); David K. Fieldhouse, Colonial Empires: A Comparative Survey from the
Eighteenth Century. Londres: Macmillan, 1982 [1966]; Pagden, Lords; Chinweizu, The West and the
Rest of Us: White Predators, Black Slavers, and the African Elite. Nova York: Vintage Books, 1975;
Henri Brunschwig, French Colonialism, 1871-1914: Myths and Realities. Nova York: Praeger, 1966
[1964]; David Healy, US Expansionism: The Imperialist Urge in the 1890s. Madison: University of
Wisconsin Press, 1970.
39. Said, Culture, p. 8.
40. Kiernan, Lords, p. 24.
41. Linda Alcoff esboça um atraente, distintamente latino-americano ideal de identidade racial
híbrida em sua “Mestizo Identity” (in: Naomi Zack (Org.). American Mixed Race: The Culture of
Microdiversity, Lanham, Md.: Rowman and Littlefield, 1995, pp. 257-78). Infelizmente, no entanto,
esse ideal ainda está por ser realizado. Para uma exposição dos mitos latino-americanos de
“democracia racial” e uma mestiçagem que transcende a raça e uma explicação da realidade do
ideal de blanqueamiento (branqueamento) e da contínua subordinação dos negros e das pessoas de
pele mais escura em toda a região, ver, por exemplo, Minority Rights Group (Org.), No Longer
Invisible: Afro-Latin Americans Today (Londres: Minority Rights, 1995); e Bowser, Racism and Anti-
Racism.
42. Locke, Second Treatise, pp. 350-1. Como Locke também usa “propriedade” para significar
direitos, essa não é uma visão tão unidimensional do governo quanto parece.
43. Hobbes, Leviathan, p. 89.
44. W. E. B. Du Bois, Black Reconstruction in America, 1860-1880. Nova York: Atheneum, 1992 [1935].
45. Ver Eric Jones, The European Miracle: Environments, Economies and Geopolitics in the History of
Europe and Asia. Cambridge: Cambridge University Press, 1981. Minha discussão aqui segue
James Morris Blaut e Andre Gunder Frank, 1492: The Debate on Colonialism, Eurocentrism, and
History (Trenton, N.J.: Africa World Press, 1992), e James M. Blaut, The Colonizer’s Model of the
World: Geographical Diffusionism and Eurocentric History (Nova York: Guilford Press, 1993).
46. Blaut e Frank, 1492; Blaut, Colonizer’s Model.
47. Sandra Harding, “Introduction”. In: Sandra Harding (Org.). The “Racial” Economy of Science:
Toward a Democratic Future. Bloomington: Indiana University Press, 1993, p. 2.
48. Eric Williams, Capitalism and Slavery. Nova York: Capricorn Books, 1966 [1944]. [Ed. bras.:
Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.]
49. Walter Rodney, How Europe Underdeveloped Africa. Washington, D.C.: Howard University Press,
1974 [1972] [Ed. port.: Como a Europa subdesenvolveu a África. Lisboa: Seara Nova, 1975]; Samir
Amin, Eurocentrism. Nova York: Monthly Review Press, 1989 [1988] [Ed. port.: O eurocentrismo:
Crítica de uma ideologia. Trad. de Ana Barradas. Lisboa: Dinossauro, 1999]; Andre Gunder Frank,
World Accumulation. Nova York: Monthly Review Press, 1978 [Ed. bras.: A acumulação mundial. Rio
de Janeiro: Zahar, 1977]; Immanuel Wallerstein, The Modern World-System. 3 vols. Nova York:
Academic Press, 1974-1988 [Ed. port.: O sistema mundial moderno. Porto: Afrontamento, 1974].
50. Blaut, 1492, p. 3.
51. Kiernan, Imperialism, pp. 98, 149.
52. Apud Noam Chomsky, Year 501: The Conquest Continues. Boston: South End Press, 1993, p. 61.
[Ed. bras.: Ano 501: A conquista continua. São Paulo: Scritta, 1993.]
53. Mas ver o best-seller de Richard J. Herrnstein e Charles Murray (The Bell Curve: Intelligence and
Class Structure in American Life. Nova York: Free Press, 1994) como um sinal de que as teorias mais
antigas e diretamente racistas podem estar voltando.
54. Ver, por exemplo: Andrew Hacker, Two Nations: Black and White, Separate, Hostile, Unequal. Nova
York: Scribner’s, 1992; Derrick Bell, Faces at the Bottom of the Well: The Permanence of Racism. Nova
York: Basic Books, 1992; Massey e Denton, American Apartheid; Stephen Steinberg, Turning Back:
The Retreat from Racial Justice in American Thought and Policy. Boston: Beacon Press, 1995; Donald
R. Kinder e Lynn M. Sanders, Divided by Color: Racial Politics and Democratic Ideals. Chicago:
University of Chicago Press, 1996; Tom Wicker, Tragic Failure: Racial Integration in America. Nova
York: William Morrow, 1996.
55. Melvin Oliver e Thomas Shapiro, Black Wealth/White Wealth: A New Perspective on Racial
Inequality. Nova York: Routledge, 1995, pp. 86-7.
56. Richard F. America (Org.), The Wealth of Races: The Present Value of Benefits from Past Injustices.
Nova York: Greenwood Press, 1990. Para outro tributo irônico, cujo tema é a distribuição
internacional da riqueza, ver Malcolm Caldwell, The Wealth of Some Nations (Londres: Zed Press,
1977).
57. David H. Swinton, “Racial Inequality and Reparations”. In: America, Wealth of Races, p. 156.
58. James Marketti, “Estimated Present Value of Income Diverted during Slavery”. In: America,
Wealth of Races, p. 107.
59. Robert S. Browne, “Achieving Parity through Reparations”. In: America, Wealth of Races, p. 204;
Swinton, “Racial Inequality”, p. 156.
2. Detalhes

1. Adiante irei discutir os problemas taxonômicos colocados pelos europeus


“limítrofes”/“semi”europeus.
2. Ver, por exemplo, Jan Nederveen Pieterse, White on Black: Images of Africa and Blacks in Western
Popular Culture. New Haven: Yale University Press, 1992 [1990], pp. 30-1; Ronald Sanders, Lost
Tribes and Promised Lands: The Origins of American Racism. Boston: Little, Brown, 1978, p. 202.
3. Edward Dudley e Maximillian E. Novak (Orgs.), The Wild Man Within: An Image in Western
Thought from the Renaissance to Romanticism. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1972.
4. White Hayden, “The Forms of Wildness: Archaeology of an Idea”. In: Dudley e Novak, Wild
Man, p. 5.
5. Roy Harvey Pearce, Savagism and Civilization: A Study of the Indian and the American Mind. Ed. rev.
Baltimore: Johns Hopkins Press, 1965 [1953] (o título original era The Savages of America), p. 3.
6. Mary Louise Pratt, “Humboldt and the Reinvention of America”. In: Jara e Spadaccini,
Amerindian Images, p. 589.
7. Mudimbe, Invention of Africa, pp. 15, 13.
8. Martin Bernal, Black Athena: The Afroasiatic Roots of Classical Civilization, v. 1: The Fabrication of
Ancient Greece, 1785-1985. New Brunswick, N. J.: Rutgers University Press, 1987. Essa afirmação
tem uma longa história na comunidade negra internacional (africana, afro-americana). Ver, por
exemplo, Cheikh Anta Diop, The African Origin of Civilization: Myth or Reality. Westport, Conn.:
Lawrence Hill, 1974 [1955; 1967].
9. Harding, “Racial” Economy, p. 27.
10. Joseph Conrad, Heart of Darkness. In: Paul O’Prey (Org.). Londres: Penguin Books, 1983 [1902],
p. 33. [Ed. bras.: Coração das trevas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.]
11. Scott B. Cook, Colonial Encounters in the Age of High Imperialism. Nova York: HarperCollins World
History Series, 1996, p. 104.
12. Mudimbe, Invention of Africa, p. 71.
13. Sanders, Lost Tribes, pp. 9-12.
14. Drinnon, Facing West, pp. 122-3, 105, 66.
15. Para uma análise do filme, ver, por exemplo, Michael Ryan e Douglas Kellner, Camera Politica:
The Politics and Ideology of Contemporary Hollywood Film (Bloomington: Indiana University Press,
1988).
16. David Theo Goldberg, Racist Culture: Philosophy and the Politics of Meaning. Cambridge, Mass.:
Blackwell, 1993, p. 185; e, de forma mais geral, cap. 8, “‘Polluting the Body Politic’: Race and
Urban Location”, pp. 185-205.
17. Fanon, The Wretched of the Earth, pp. 38-40.
18. Franke Wilmer, The Indigenous Voice in World Politics: Since Time Immemorial. Newbury Park,
Calif.: Sage, 1993.
19. Locke, Second Treatise, p. 301.
20. Francis Jennings, The Invasion of America: Indians, Colonialism, and the Cant of Conquest. Nova York:
Norton, 1976 [1975], parte 1.
21. Ibid, p. 16. Ver também Stannard (American Holocaust, caps. 1 e 2) para um relato da revisão
exponencial ascendente nos últimos anos das estimativas da população pré-colombiana das
Américas e da política anterior de subcontagem. Há meio século, os números-padrão eram de 8
milhões no total para a América do Norte e do Sul, e menos de 1 milhão para a região norte do
México; hoje, algumas estimativas colocariam esses números em 145 milhões e 18 milhões,
respectivamente (p. 11).
22. Drinnon, Facing West, pp. 49, 212, 232.
23. Apud documento oficial de A. Barrie Pittock, “Aboriginal Land Rights”. In: Stevens, Racism, v. 2,
p. 192.
24. Leonard Monteath Thompson, The Political Mythology of Apartheid. New Haven: Yale University
Press, 1985, p. 75.
25. Drinnon, Facing West, p. 213.
26. Russel Ward, “An Australian Legend”. Royal Australian Historical Society Journal and Proceedings, v.
47, n. 6, p. 344, 1961, apud M. C. Hartwig, “Aborigines and Racism: An Historical Perspective”.
In: Stevens, Racism, v. 2, p. 9.
27. Para uma análise clássica, ver Frantz Fanon, Black Skin, White Masks. Nova York: Grove
Weidenfeld, 1968 [1952] [Ed. bras.: Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu, 2020]; e para
uma abordagem recente, Lewis R. Gordon, Bad Faith and Antiblack Racism. Atlantic Highlands,
N.J.: Humanities Press, 1995, esp. caps. 7, 14 e 15, pp. 29-44, 97-103, 104-16.
28. Gordon, Bad Faith, pp. 99, 105.
29. Frankenberg, White Women, cap. 3.3
30. Fanon, Black Skin; Charles Herbert Stember, Sexual Racism: The Emotional Barrier to an Integrated
Society. Nova York: Elsevier, 1976; John D’Emilio e Estelle B. Freedman, Intimate Matters: A
History of Sexuality in America. Nova York: Harper and Row, 1988, cap. 5, “Race and Sexuality”, pp.
85-108.
31. Susan Mendus, “Kant: ‘An Honest but Narrow-Minded Bourgeois’?”. In: Ellen Kennedy e Susan
Mendus (Orgs.). Women in Western Political Philosophy. Nova York: St. Martin’s Press, 1987, pp. 21-
43.
32. Aristóteles, The Politics. Ed. rev. Harmondsworth, Middlesex: Penguin, 1981 [1962], pp. 63-73.
[Ed. bras.: Política. Brasília: Editora da UnB, 1985.]
33. White, “Forms of Wildness”, p. 17.
34. Jennings, Invasion of America, p. 6.
35. Ver a descrição de Cornel West sobre o surgimento, no período moderno, do “olhar normativo”
da supremacia branca: “A Genealogy of Modern Racism”, cap. 2 de Prophesy Deliverance!: An Afro-
American Revolutionary Christianity (Philadelphia: Westminster Press, 1982, pp. 47-65).
36. Moses I. Finley, Ancient Slavery and Modern Ideology. Nova York: Viking Press, 1980, p. 144.
37. Lucius Outlaw Jr., “Life-Worlds, Modernity, and Philosophical Praxis: Race, Ethnicity, and
Critical Social Theory”. In: On Race and Philosophy. Nova York: Routledge, 1996, p. 165.
38. Apud Drinnon, Facing West, p. 75.
39. Said, Culture and Imperialism, pp. 52, 59.
40. Orlando Patterson, Freedom, v. 1: Freedom in the Making of Western Culture. Nova York: Basic
Books, 1991.
41. Toni Morrison, Playing in the Dark: Whiteness and the Literary Imagination. Cambridge: Harvard
University Press, 1992.
42. Apud Pearce, Savagism, pp. 7-8.
43. Para uma discussão, ver, por exemplo, Stephen Jay Gould, The Mismeasure of Man. Nova York;
Londres: Norton, 1981; e William H. Turker, The Science and Politics of Racial Research. Urbana:
University of Illinois Press, 1994. Tucker afirma categoricamente: “A verdade é que, embora
travada com armas científicas, o objetivo dessa polêmica sempre foi político” (p. 5).
44. Harmannus Hoetink, Caribbean Race Relations: A Study of Two Variants. Londres: Oxford
University Press, 1967 [1962].
45. George L. Mosse, Toward the Final Solution: A History of European Racism. Madison: University of
Wisconsin Press, 1985 [1978], pp. xii, 11.
46. Winthrop D. Jordan, White over Black: American Attitudes toward the Negro, 1550-1812. Nova York:
Norton, 1977 [1968].
47. Benjamin Franklin, em 1751: Observations Concerning the Increase of Mankind. Apud Jordan, White
over Black, pp. 270, 143.
48. Ver, por exemplo, Kathy Russell, Midge Wilson e Ronald E. Hall, The Color Complex: The Politics
of Skin Color among African Americans. Nova York: Harcourt Brace Jovanovich, 1992.
49. Frank M. Snowden Jr., Blacks in Antiquity: Ethiopians in the Greco-Roman Experience. Cambridge:
Harvard University Press, 1970; e Before Color Prejudice: The Ancient View of Blacks. Cambridge:
Harvard University Press, 1983.
50. Theodore W. Allen, The Invention of the White Race, v. 1: Racial Oppression and Social Control. Nova
York: Verso, 1994; Ian Haney Lopez, White by Law: The Legal Construction of Race. Nova York:
Nova York University Press, 1996.
51. Jennings, Invasion of America, p. 60.
52. Hugo Grotius, “On Punishment”. In: The Law of War and Peace, cap. 20, livro 2. Indianapolis:
Bobbs-Merrill, 1925, p. 506, apud Williams, “Algebra”, p. 250.
53. Para o que vem a seguir, compare James Tully (Strange Multiplicity: Constitutionalism in an Age of
Diversity. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, esp. cap. 3, “The Historical Formation of
Modern Constitutionalism: The Empire of Uniformity”, pp. 58-98). Agradeço a Anthony Laden
por trazer esse livro à minha atenção, sobre o qual só tomei conhecimento quando meu próprio
manuscrito estava prestes a ser concluído.
54. Hobbes, Leviathan, p. 89.
55. Richard Ashcraft, “Leviathan Triumphant: Thomas Hobbes and the Politics of Wild Men”. In:
Dudley e Novak, Wild Man, pp. 146-7.
56. Hobbes, Leviathan, pp. 89-90.
57. Duzentos anos depois, em contraste, a empresa colonial britânica, com a dicotomização
ontológica que a acompanha, estava tão bem arraigada que John Stuart Mill não experimentou o
menor escrúpulo ao afirmar (em um ensaio agora visto como defesa humanista clássica do
individualismo e da liberdade) que o princípio liberal do dano “destina-se a ser aplicado apenas
aos seres humanos na maturidade de suas faculdades”, não àqueles “estados atrasados da
sociedade em que a própria raça pode ser considerada em sua não idade”: “O despotismo é um
modo legítimo de governo para lidar com os bárbaros, desde que o fim seja seu
aperfeiçoamento”. John Stuart Mill, On Liberty and Other Writings. (Stefan Collini (Org.).
Cambridge: Cambridge University Press, 1989, p. 13). [Ed. bras.: Sobre a liberdade. São Paulo:
Hedra, 2017.]
58. Locke, “Of Property”. Second Treatise, cap. 5.
59. Robert A. Williams Jr., “Documents of Barbarism: The Contemporary Legacy of European
Racism and Colonialism in the Narrative Traditions of Federal Indian Law”. Arizona Law Review,
n. 237, 1989. Também em: Richard Delgado (Org.). Critical Race Theory: The Cutting Edge.
Philadelphia: Temple University Press, 1995, p. 103.
60. Locke, “On Conquest”, in: Second Treatise.
61. Ver, por exemplo, Jennifer Welchman, “Locke on Slavery and Inalienable Rights”. Canadian
Journal of Philosophy, n. 25, pp. 67-81, 1995.
62. Rousseau, Discourse on Inequality, pp. 83, 87, 90, 136, 140, 145 (selvagens não brancos); p. 140
(selvagens europeus).
63. Ibid., p. 116.
64. Rousseau, The Social Contract, livro 1, cap. 8.
65. Emmanuel Eze, “The Color of Reason: The Idea of ‘Race’ in Kant’s Anthropology”. In:
Katherine Faull (Org.). Anthropology and the German Enlightenment. Lewisburg, Pa.: Bucknell
University Press, 1995, pp. 196-237.
66. Eze cita a opinião de Earl Count, em 1950, de que os estudiosos muitas vezes esquecem que
“Immanuel Kant produziu o pensamento raciológico mais profundo do século xviii” (Eze,
“Color of Reason”, p. 196. In: Earl W. Count (Org.). This Is Race: An Anthology Selected from the
International Literature on the Races of Man. Nova York: Henry Schuman, 1950, p. 704). Compare o
veredicto de 1967, do antropólogo alemão Wilhelm Mühlmann, de que Kant é “o fundador do
conceito moderno de raça” (apud Leon Poliakov, “Racism from the Enlightenment to the Age of
Imperialism”. In: Robert Ross (Org.). Racism and Colonialism. The Hague: Leiden University
Press, 1982, p. 59).
67. Mosse, Final Solution, pp. 30-1.
68. Immanuel Kant, Observations on the Feeling of the Beautiful and Sublime. Berkeley: University of
California Press, 1960, pp. 111-3. [Ed. bras.: Observações sobre o sentimento do belo e do sublime e
Ensaio sobre as doenças mentais. São Paulo: Leya, 2018.]
69. Eze, “Color of Reason”, pp. 214-5, 209-15, 217.
70. Ver David Lehman, Signs of the Times: Deconstruction and the Fall of Paul de Man. Nova York:
Poseidon Press, 1991.
71. Janet L. Abu-Lughod, Before European Hegemony: The World System ad 1250-1350. Nova York:
Oxford University Press, 1989.
72. Fredric Jameson, “Modernism and Imperialism”. In: Seamus Deane (Org.). Nationalism,
Colonialism, and Literature. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1990, pp. 50-1.
73. Steinberg, Turning Back, p. 152.
74. Massey e Denton, American Apartheid, pp. 84, 97-8.
75. Morrison, Playing, p. 46.
76. Ver a discussão de abstrações “idealizadoras” em Onora O’Neill, “Justice, Gender, and
International Boundaries”. In: Martha Nussbaum e Amartya Sen (Orgs.). The Quality of Life.
Oxford: Clarendon Press, 1993, pp. 303-23.
77. Patricia J. Williams, The Alchemy of Race and Rights. Cambridge: Harvard University Press, 1991,
pp. 116, 49.
78. Bill E. Lawson, “Moral Discourse and Slavery”. In: Howard McGary e Bill E. Lawson. Between
Slavery and Freedom: Philosophy and American Slavery. Bloomington: Indiana University Press, 1992,
pp. 71-89.
79. Anita L. Allen, “Legal Rights for Poor Blacks”. In: Bill E. Lawson. The Underclass Question.
Philadelphia: Temple University Press, 1992, pp. 117-39.
80. Rawls, Theory of Justice; Robert Nozick, Anarchy, State, and Utopia. Nova York: Basic Books, 1974.
[Ed. bras.: Anarquia, Estado e utopia. Trad. de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.]
81. Isaacs, “Color”, p. 235.
82. Earl Miner, “The Wild Man through the Looking Glass”. In: Dudley e Novak, Wild Man, pp. 89-
90.
83. Winthrop Jordan, White over Black, p. 254.
84. Drinnon, Facing West, p. xvii. Mas ver Allen (Invention of the White Race) para a posição
contrastante de que os irlandeses foram de fato construídos como não brancos.
85. Noel Ignatiev, How the Irish Became White. Nova York: Routledge, 1995.
86. Ver John Dower, War without Mercy: Race and Power in the Pacific War. Nova York: Pantheon
Books, 1986.
87. Gary Y. Okihiro, “Is Yellow Black or White?”. In: Margins and Mainstreams: Asians in American
History and Culture. Seattle: University of Washington Press, 1994, pp. 31-63.
88. Sir Robert Filmer em: Johann P. Sommerville (Org.), “Patriarcha” and Other Writings. Cambridge:
Cambridge University Press, 1991.
89. Novamente, pode-se argumentar que uma formulação melhor é dizer que, na verdade, pelos
termos do contrato racial, eles não são o mesmo crime, que as condições de identidade mudam
com o perpetrador, de modo que realmente não há inconsistência. O julgamento da
inconsistência pressupõe o cenário do contrato social.
90. De acordo com o Fundo Educacional e de Defesa Legal da naacp em Nova York, das 380 pessoas
executadas desde o restabelecimento da pena capital, apenas cinco eram brancos condenados por
matar negros.
91. William Brandon, The American Heritage Book of Indians. Nova York: Dell, 1964, p. 327; apud Jan
Neverdeen Pieterse, Empire and Emancipation: Power and Liberation on a World Scale. Nova York:
Praeger, 1989, p. 313.
92. Kiernan, Lords, pp. 198, 47.
93. Locke, Second Treatise, p. 274.
94. Ralph Ginzburg, 100 Years of Lynchings. Baltimore: Black Classic Press, 1988 [1962].
95. Charles J. Dashwood apud Price, White Settlers, p. 114. Um colono branco, “em vingança por ter
sido atingido por uma lança, atirou em 37 nativos” (p. 115).
96. Frederick Douglass, Narrative of the Life of Frederick Douglass, an American Slave. Nova York:
Viking Penguin, 1982, p. 135. [Ed. bras.: Narrativa da vida de Frederick Douglass. São Paulo:
Penguin Companhia, 2021.]
97. Carter G. Woodson, The Mis-Education of the Negro. Nashville, Tenn.: Winston-Derek, 1990
[1933]. [Ed. bras.: A des-educação do negro. São Paulo: Penguin-Companhia, 2021.]
98. James Baldwin, Nobody Knows my Name: More Notes of a Native Son. Nova York: Vintage
International, 1993 [1961], p. 96.
99. Pieterse, Empire and Emancipation, p. 317.
100. Apud Survival International Review, v. 4, n. 2, 1979; in: Moody, Indigenous Voice, p. 248.
101. Jerry Gambill, “Twenty-one Ways to ‘Scalp’ an Indian”. In: Moody, Indigenous Voice, pp. 293-5,
apud Akwesasne Notes, v. 1, n. 7, 1979, fala de 1968.
102. Frantz Fanon, Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu, 2020.
103. Blackisms, apud Mureena, Aboriginal Student News, v. 2, n. 2, 1972. In: Moody, Indigenous Voice,
pp. 290-2.
104. Ngũgĩ wa Thiong'o, Decolonising the Mind: The Politics of Language in African Literature. Londres:
James Currey, 1986, pp. 3, 12.
3. Méritos “naturalizados”

1. Susan Moller Okin, Women in Western Political Thought. Princeton: Princeton University Press,
1992 [1979].
2. Para Hume, ver a edição de 1753-54 de seu ensaio “Of National Characters”, apud, por exemplo,
Jordan, White over Black, p. 253; para Georg Wilhelm Friedrich Hegel, ver a introdução a
Philosophy of History. Nova York: Dover, 1956, pp. 91-9 [Ed. bras.: Filosofia da história. Editora da
UnB, 1999]. Para uma crítica detalhada de Locke e Mill em particular e seu “liberalismo
colonial”, ver Bhikhu Parekh, “Decolonizing Liberalism”. In: Alexander Shtromas (Org.). The End
of “Isms”?: Reflections on the Fate of Ideological Politics after Communism’s Collapse. Cambridge, Mass.:
Blackwell, 1994, pp. 85-103; e Bhikhu Parekh, “Liberalism and Colonialism: A Critique of Locke
and Mill”. In: Jan Neverdeen Pieterse e Bhikhu Parekh (Orgs.). The Decolonization of Imagination:
Culture, Knowledge and Power. Londres: Zed Books, 1995, pp. 81-98.
3. Para ser justo com Mill, ele tem uma famosa correspondência com Thomas Carlyle sobre o
tratamento dos negros nas Índias Ocidentais Britânicas na qual sai em defesa de políticas sociais
“progressistas” (relativamente, claro). Ver Thomas Carlyle: The Nigger Question; John Stuart Mill:
The Negro Question. In: Eugene R. August (Org.). Nova York: Appleton-Century-Crofts, Crofts
Classics, 1971. Mas a diferença é basicamente entre políticas coloniais menos e mais humanas; o
próprio colonialismo como um sistema político-econômico de exploração não está sendo
desafiado.
4. Alvin I. Goldman, “Ethics and Cognitive Science”. Ethics, n. 103, pp. 337-60, 1993. Para ler mais
sobre o diálogo entre os dois, ver Larry May, Marilyn Friedman e Andy Clark (Orgs.), Minds and
Morals: Essays on Ethics and Cognitive Science. Cambridge: mit Press, 1996.
5. Cf. Frankenberg, White Women, que distingue entre o antigo discurso do racismo essencialista,
“com sua ênfase na diferença de raça entendida em termos hierárquicos de desigualdade
biológica essencial”, e o discurso atual de “mesmice” essencial, “daltonismo”, uma linguagem
“evasiva de cor e poder” que afirma que “somos todos iguais sob a pele”, que, ao ignorar as
“dimensões estruturais e institucionais do racismo”, implica que “materialmente, temos as
mesmas chances na sociedade dos Estados Unidos”, de modo que “qualquer falha em alcançar
realizações é, portanto, culpa das próprias pessoas de cor” (pp. 14, 139).
6. Por exemplo, Donald Kinder e Lynn Sanders concluem em sua análise das atitudes americanas
em relação à raça que, em muitas questões de políticas públicas, “o interesse próprio [individual]
acaba sendo bem desimportante”. O que importa são os interesses do grupo, “interesses que são
coletivos, e não pessoais”, envolvendo percepções de privação como relativas, “baseadas menos
em condições objetivas e mais em comparação social”, ou seja, a noção de “desvantagem relativa
do grupo”. E as raças, por fim, são o grupo social mais importante, já que a raça “cria divisões
mais notáveis do que qualquer outra na vida americana”: “Na medida em que os interesses
aparecem proeminentemente na opinião branca sobre raça, é através das ameaças que os negros
parecem representar para o bem-estar coletivo dos brancos, e não para seu bem-estar pessoal”
(Divided by Color, pp. 262-4, 252, 85).
7. Susan V. Opotow (Org.), “Moral Exclusion and Injustice”. Journal of Social Issues, v. 1, n. 46, 1990,
número especial, apud Wilmer, Indigenous Voice.
8. Ver, para uma discussão, Cheryl I. Harris, “Whiteness as Property”. Harvard Law Review, n. 106,
pp. 1709-91, 1993; e Welchman, “Locke on Slavery”.
9. Considere a “etiqueta racial” do Velho Sul, conforme documentado no livro de John Dollard
(Caste and Class in a Southern Town. 3. ed. Nova York: Doubleday Anchor, 1957 [1937]) e
explorado, digamos, nos romances de William Faulkner; Richard Wright, “The Ethics of Living
Jim Crow”, 1937. In: Henry Louis Gates Jr. (Org.). Bearing Witness: Selections from African-American
Autobiography in the Twentieth Century. Nova York: Pantheon Books, 1991, pp. 39-51.
10. Kiernan cita a opinião de muitos brancos sobre a escravidão, de que “os negros têm nervos
muito mais adormecidos e são menos suscetíveis à dor do que os europeus” (Lords, p. 199).
11. Ralph Ellison, Invisible Man. Nova York: Vintage Books, 1972 [1952], pp. 3, 14. [Ed. bras.: Homem
invisível. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013.]
12. Baldwin, Nobody Knows, p. 172; The Fire Next Time. Nova York: Vintage International, 1993
[1963], pp. 53-4. [Ed. bras.: Da próxima vez o fogo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.]
13. Drinnon, Facing West, pp. 138-9.
14. W. E. H. Stanner, After the Dreaming. Sydney: Boyer Lectures, 1968, p. 25, apud Hartwig,
“Aborigines and Racism”. In: Stevens, Racism 2, v. 10.
15. Gordon, Bad Faith, pp. 8, 75, 87.
16. David Stannard, American Holocaust. A resposta-padrão a essa acusação é afirmar que a grande
maioria dos nativos americanos foi realmente morta por doenças, e não por guerra ou maus-
tratos gerais. Stannard responde que: nenhuma evidência factual foi apresentada para apoiar essa
alegação-padrão, e, mesmo que fosse verdade, a culpabilidade ainda permaneceria, na mesma
linha que consideramos os nazistas moralmente responsáveis pelas mortes de judeus por
doenças, desnutrição e excesso de trabalho nos guetos e nos campos. Alguns estudiosos estimam
que mais de 2 milhões de judeus realmente morreram por essas causas, em vez de por gás ou
tiro. Ver, por exemplo, Raul Hilberg, The Destruction of the European Jews (3 v. Ed. rev. e definitiva.
Nova York: Holmes and Meier, 1985); e Arno J. Mayer, Why did the Heavens not Darken? The “Final
Solution” in History, com novo prólogo (Nova York: Pantheon, 1990 [1988]). No entanto, é claro
que — como deveríamos — atribuímos a culpa por essas mortes à política nazista, como, em
última análise, causalmente responsável. Para posições opostas nesse debate muitas vezes
raivoso, ver David E. Stannard (“Uniqueness as Denial: The Politics of Genocide Scholarship”),
em que esses pontos são apresentados e essas fontes, citadas, e Steven T. Katz (“The Uniqueness
of the Holocaust: The Historical Dimension”), ambos em: Alan S. Rosenbaum (Org.). Is the
Holocaust Unique? Perspectives on Comparative Genocide. Boulder, Colo.: Westview Press, 1996, pp.
163-208 e 19-38. Ver também Tzvetan Todorov, The Conquest of America: The Question of the Other.
Nova York: Harper and Row, 1984 [1982], esp. cap. 3, “Love”, pp. 127-82.
17. Drinnon, Facing West, p. 199.
18. Ver Stannard, American Holocaust, pp. 317-8.
19. Edmund Dene Morel, The Black Man’s Burden: The White Man in Africa from the Fifteenth Century
to World War i. Nova York: Monthly Review Press, 1969 [1920]. A mesma estimativa é dada por
Jan Vansina, professor emérito de história e antropologia da University of Wisconsin.
20. Stannard, American Holocaust, p. 121. Jonathan Swift, em As Viagens de Gulliver (1726), faz seu
protagonista produzir sapatos e uma canoa com a pele dos subumanos/humanos yahoos da
parte 4 (eles mesmos baseados nos “hotentotes”, o povo khoi-khoi da África do Sul). A vela da
canoa era “igualmente composta pelas peles do mesmo animal; mas eu usei o mais novo que
consegui, sendo o mais velho muito duro e grosso” (Gulliver’s Travels. Nova York: Oxford
University Press, 1977, p. 284 [Ed. bras.: As Viagens de Gulliver. São Paulo: Principis, 2020]).
21. Clive Turnbull, “Tasmania: The Ultimate Solution”. In: Stevens, Racism, 2, pp. 228-34.
22. Dower, War without Mercy, cap. 3, “War Hates and War Crimes”, pp. 33-73.
23. C. L. R. James, The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution, 2. ed.
Nova York: Vintage Books, 1963 [1938], pp. 12-3. [Ed. bras.: Os jacobinos negros: Toussaint
L’Ouverture e a revolução de São Domingos. Trad. de Afonso Texeira Filho. São Paulo: Boitempo,
2000.]
24. Ida B. Wells-Barnett, On Lynchings. Nova York: Arno Press, 1969; Ginzburg, 100 Years.
25. Daniel R. Headrick, The Tools of Empire: Technology and European Imperialism in the Nineteenth
Century. Nova York: Oxford University Press, 1981, pp. 102-3. A bala recebeu esse nome porque
foi elaborada em uma fábrica britânica em Dum-Dum, nos arredores de Calcutá.
26. Sven Lindqvist, Exterminate All the Brutes. Nova York: New Press, 1996 [1992], pp. 36-69 [Ed.
port.: Exterminem todos dos brutos. Lisboa: Caminho, 2022]; ver também Ellis, Machine Gun, cap. 4,
“Making the Map Red”, pp. 79-109. Lindqvist ressalta (p. 46) que mais de 16 mil sudaneses foram
feridos na “batalha”, e poucos ou nenhum deles sobreviveu, sendo sumariamente executados em
seguida.
27. Dower, War without Mercy, pp. 37-8.
28. Hilberg, Destruction of the European Jews; Ian Hancock, “Responses to the Porrajmos: The
Romani Holocaust”. In: Rosenbaum, Holocaust, pp. 39-64; Christopher Simpson, Blowback:
America’s Recruitment of Nazis and its Effects on the Cold War. Nova York: Weidenfeld & Nicolson,
1988, cap. 2, “Slaughter on the Eastern Front”, pp. 12-26.
29. Apud Michael Bilton e Kevin Sim, Four Hours in My Lai. Nova York: Penguin, 1992, p. 336. Um
popular grafite de Saigon da época era “Mate um gook [termo derrogatório para vietnamita], por
Calley”, e telegramas para a Casa Branca a seu favor eram na proporção de cem para um.
Também havia uma canção de sucesso em sua homenagem: “O hino de batalha do tenente
Calley” (Four Hours, pp. 338-40). Para a Argélia, ver Fanon, The Wretched of the Earth; e Rita
Rudges Maran, Torture During the French-Algerian War. Nova York: Praeger, 1989. A conclusão de
Maran é que o uso generalizado da tortura pelas tropas francesas (em violação à lei francesa) foi
possibilitado pela missão civilizadora, uma vez que, afinal, a civilização ocidental estava em jogo.
No Vietnã, em contraste, as tropas americanas que cometeram atrocidades simplesmente
apelaram para o princípio moral bem estabelecido da R. M. G.: a “regra do mero gook” (Ver
Drinnon, Facing West, pp. 454-9).
30. Mayer, Why Did the Heavens?, pp. 15-6. Mayer está relatando, mas sem endossar, essa visão, já que
sua própria explicação procura localizar o “Judeocídio” no contexto do anticomunismo de Hitler
e da extrema violência na Europa durante e após a Primeira Guerra. Sua explicação é puramente
internalista, saltando três séculos da Guerra dos Trinta Anos (1618-48) para o rescaldo da
Primeira Guerra, sem prestar atenção à violência racial infligida pela Europa à não Europa nesse
ínterim. Mas, em nosso próprio século, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, havia os
exemplos do holocausto perpetrado pela Bélgica no Congo e o genocídio dos hereros pelos
próprios alemães após a revolta de 1904.
31. Simpson, Blowback, p. 5.
32. Aimé Césaire, Discourse on Colonialism. Nova York: Monthly Review Press, 1972 [1955]. [Ed.
bras.: Discurso sobre o colonialismo. São Paulo: Veneta, 2020.]
33. Kiernan, Imperialism, p. 101.
34. Robert Harris, Fatherland. Nova York: Harper Paperbacks, 1993 [1992]. [Ed. bras.: Pátria amada.
Rio de Janeiro: Record, 1993.]
35. Bartolomé de Las Casas, The Devastation of the Indies: A Brief Account. Nova York: Seabury Press,
1974. [Ed. Bras.: O paraíso destruído: Brevíssima relação da destruição das Índias. Porto Alegre: l&pm,
2021.]
36. Stannard, American Holocaust; Brun Höfer, Heinz Dieterich e Klaus Meyer (Orgs.), Das
Fünf hundert-jährige Reich. Médico International, 1990; Lindqvist, “Exterminate All the Brutes”,
pp. 160, 172.
37. Norman G. Finkelstein, Image and reality of the Israel-Palestine conflict. Londres: Verso, 1995, p. 93.
38. Adolf Hitler, discurso de 1932. In: Max Domarus (Org.). Hitler: Speeches and Proclamations, 1932-
1945, v. 1: The Years 1932 to 1934. Wauconda, Ill.: Bolchazy-Carducci, 1990 [1962], p. 96. Devo essa
referência a Finkelstein, Image and Reality, pp. 93-4. Finkelstein ressalta que muitos dos biógrafos
de Hitler enfatizam a frequência com que ele invocou como um modelo louvável a ser emulado
o bem-sucedido extermínio norte-americano dos “selvagens vermelhos”.
39. Locke, Second Treatise, pp. 346-9.
40. David Hume, “Of the Original Contract”, 1748, publicado em antologias como, por exemplo,
Barker, Social Contract, pp. 147-66.
41. Agora existe uma revista americana com o título Race Traitor: A Journal of the New Abolitionism
[Traidor da Raça: Uma Revista do Novo Abolicionismo]. Para uma coleção de artigos da revista,
consulte Noel Ignatiev e John Garvey, Race Traitor. Nova York: Routledge, 1996.
42. Maran, Torture, p. 125, n. 30.
43. O slogan da Race Traitor.
44. Apud Drinnon, Facing West, p. 163, do romancista americano do século xix Robert Montgomery
Bird.
45. Chomsky, Year 501, p. 31.
46. Roger Moody, “Introdução” (da primeira edição). Indigenous Voice, p. xxix.
47. Bilton e Sim, Four Hours, pp. 135-41, 176-7, 204-5.
48. W. E. B. Du Bois, The Souls of Black Folk. Nova York: New American Library, 1982 [1903]. [Ed.
bras.: As almas do povo negro. São Paulo: Veneta, 2021.]
49. Touro Sentado, apud Moody, Indigenous Voice, p. 355; Churchill, Fantasies; David Walker, Appeal
to the Coloured Citizens of the World. Baltimore, Md.: Black Classic Press, 1993, pp. 33, 48; Du Bois,
Souls, pp. 122, 225; Du Bois, “The Souls of White Folk”. In: David L. Lewis. Du Bois, W. E. B.: A
Reader. Nova York: Henry Holt, 1995, p. 456; Richard Wright, “The Ethics of Living Jim Crow”;
Marcus Garvey in: Amy Jacques-Garvey (Org.). The Philosophy and Opinions of Marcus Garvey. v. 1
e 2. Nova York: Atheneum 1923-25 [1992]; Jawaharlal Nehru, The Discovery of India. Nova York:
Anchor Books, 1959 [1946], apud Chomsky, Year 501, p. 20; Martin Luther King Jr., Why We Can’t
Wait. Nova York: Mentor, 1964 [1963], p. 82; Malcolm X, discurso em 8 abr. 1964 sobre
“Revolução Negra”. In: Fred Lee Hord (Mzee Lasana Okpara) e Jonathan Scott Lee (Orgs.). I Am
Because We Are: Readings in Black Philosophy. Amherst: University of Massachusetts Press, 1995, pp.
277-8; Fanon, Wretched, pp. 40-2; Césaire, Discourse, pp. 20-1; “Statement of Protest”. In: Moody,
Indigenous Voice, p. 360.
50. “Knox foi uma figura influente no desenvolvimento da ‘ciência racial’ britânica — talvez a mais
influente em meados do século —, que Darwin cita com respeito, se não com aprovação
absoluta” (Patrick Brantlinger, “‘Dying Races’: Rationalizing Genocide in the Nineteenth
Century”. In: Pieterse e Parekh, The Decolonization of Imagination, p. 47.
51. Lindqvist, “Exterminate”, partes 2 e 4; e Brantlinger, “Dying Races”.
52. Apud Cook, Colonial Encounters, p. 1.
53. Kiernan, Imperialism, p. 146. Ver também Okihiro, cap. 5, “Perils of the Body and Mind”. In:
Margins and Mainstreams, pp. 118-47.
54. Kiernan, Lords, pp. 171, 237.
55. Madison Grant, The Passing of the Great Race, or, The Racial Basis of European History. Nova York:
Scribner’s, 1916; Lothrop Stoddard, The Rising Tide of Color Against White World Supremacy. Nova
York: Scribner, 1920. Para a discussão sobre isso, ver Thomas F. Gossett, Race: The History of an
Idea in America (Nova York: Schocken, 1965 [1963], cap. 15). Gossett ressalta que o livro de
Stoddard aparece em O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, disfarçado como The Rise of the
Colored Empires.
56. Kiernan, Lords, p. 27.
57. Apud Dower, War without Mercy, p. 160.
58. Kiernan, Lords, pp. 319-20.
59. Ibid., p. 69.
60. Drinnon, Facing West, pp. 313-4.
61. Dower, War without Mercy, pp. 173-8.
62. Okihiro, “Perils”, pp. 133, 129.
63. W. E. B. Du Bois, “To the Nations of the World” e “The Negro Problems” (1915), ambos in
Lewis, Du Bois, pp. 639, 48.
64. Richard Wright, The Color Curtain: A Report on the Bandung Conference. Jackson: University Press
of Mississippi, 1994 [1956].
65. Ver Moody, Indigenous Voice, pp. 498-505.
66. Leon Poliakov, The Aryan Myth: A History of Racist and Nationalist Ideas in Europe. Nova York:
Basic Books, 1974 [1971], p. 5.
67. Douglass, Narrative, p. 107.
68. Baldwin, Nobody Knows, pp. 67-8.
69. Ver Eric R. Wolf, Europe and the People without History. Berkeley: University of California Press,
1982.
70. Young, White Mythologies.
71. Ver, por exemplo, A Vindication of the African Race (1857), de Edward Blyden.
72. Ver Russell et al., The Color Complex.
73. Para a longa história da evasão sistemática da raça pelos teóricos mais famosos da cultura
política americana, ver Rogers M. Smith, “Beyond Tocqueville, Myrdal, and Hartz: The Multiple
Traditions in America”. American Political Science Review, n. 87, pp. 549-66, 1993. Smith ressalta
(pp. 557-8) que “o efeito cumulativo dessas falhas persistentes em estabelecer o padrão completo
de exclusão cívica tem sido tornar muito fácil para os estudiosos concluírem que a inclusão
igualitária é a norma”, enquanto “as exceções obviamente têm grande pretensão de se
classificarem como normas rivais”.
74. Ou pelo menos minha versão preferida faz isso. Como mencionado anteriormente, versões
racistas do “contrato racial” são possíveis; essas tomariam os brancos por seres intrinsecamente
exploradores que são biologicamente motivados a estabelecer o contrato.
75. Para trabalhos representativos em teoria jurídica, a casa original do termo, ver Delgado, Critical
Race Theory; e Kimberlé Crenshaw et al. (Orgs.), Critical Race Theory: The Key Writings That
Formed the Movement. Nova York: New Press, 1995. No entanto, agora o termo está começando a
ser usado de forma mais ampla.
76. Apud Dower, War without Mercy, p. 161.
77. Artigo do Boston Globe, do historiador japonês Herbert Bix, 19 abr. 1992, apud Chomsky, Year
501, p. 239. Ver também James Yin, Shi Young e Ron Dorfman, The Rape of Nanking: An Undeniable
History in Photographs. Chicago: Innovative Publishing Group, 1996.
78. Dower, War without Mercy, cap. 10, “Global Policy with the Yamato Race as Nucleus”, pp. 262-
90.
79. Para uma crítica a partir da esquerda, veja, por exemplo, David Harvey, The Condition of
Postmodernity: An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Oxford: Basil Blackwell, 1990. [Ed.
bras.: Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre a origem das mudanças culturais. São Paulo: Loyola,
1992.]
80. Jurgen Habermas, The Philosophical Discourse of Modernity: Twelve Lectures. Cambridge: mit Press,
1987. [Ed. bras.: O discurso filosófico da modernidade: Doze lições. São Paulo: Martins Fontes, 2000.]
Para críticas, ver, por exemplo, Dussel, Invention of the Americas; e Outlaw, “Life-Worlds,
Modernity, and Philosophical Praxis”.
81. O’Neill, “Justice”.
82. Richard R. Wright Jr. (não o romancista), “What Does the Negro Want in Our Democracy?”. In:
Herbert Aptheker (Org.). A Documentary History of the Negro People in the United States, v. 3: 1910-
1932: From the Emergence of the N.A.A.C.P. to the Beginning of the New Deal. Secaucus, N.J.: Citadel
Press, 1973, pp. 285-93.
83. Henry Louis Gates Jr., The Signifying Monkey: A Theory of African American Literary Criticism.
Nova York: Oxford University Press, 1988, pp. xxi, xxiii, 47, 49.
84. Henry Louis Gates Jr., “Writing ‘Race’ and the Difference It Makes”. In: Gates (Org.). “Race”,
Writing, and Difference. Chicago: University of Chicago Press, 1986, pp. 1-20.
85. Anthony H. Richmond, Global Apartheid: Refugees, Racism, and the New World Order. Toronto:
Oxford University Press, 1994.
sam alcoff

Nascido em Londres, charles w. mills (1951-2021) cresceu em Kingston, na


Jamaica, país natal de sua família. Estudou física e filosofia e foi professor em
importantes universidades nos Estados Unidos. Autor de vasta obra que trata da
relação entre filosofia política e racismo, é um dos precursores da teoria racial
crítica.
Copyright © 1997 by Cornell University
Copyright © 2022 agradecimentos da edição comemorativa de 25 anos, prefácio e prólogo by
Cornell University

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil
em 2009.

Título original
The Racial Contract

Capa
Alceu Chiesorin Nunes + Felipe Sabatini e Nina Farkas/ Gabinete Gráfico

Imagem de capa
Gordon Parks/ Heritage/ Easypix Brasil

Preparação
Angela Vianna

Revisão
Bonie Santos
Julian F. Guimarães

Versão digital
Rafael Alt

isbn 978-65-5979-137-8

Todos os direitos desta edição reservados à


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