A Sociedade Da Confiança
A Sociedade Da Confiança
A Sociedade Da Confiança
ia s n º 34
INTRODUÇÃO
I. ANTES DA DIVERGÊNCIA
O desenvolvimento
complexas. tem a ver
Certas sociedades com uma combinação de causas múltiplas e
divergiram através dessa combinação de causas,
finalizando processos lentos que, uma vez em movimento, prosseguiram, se
encadearam e interagiram, chegando ao desenvolvimento.
Esse processo é demorado. Podemos tomar como indicador da divergência o
momento em que a agricultura não se limita a garantir a subsistência. Isso ocorre
a partir do século XIII.
A alta Idade Média terá sido o “prelúdio” do desenvolvimento? A despeito da
fome, da peste e da guerra, sempre presentes, não há dúvida de que ocorrem
avanços do século XI ao século XIV.
No século XI aparecem as primeiras organizações profissionais. O comércio
torna-se profissão. Surge um código marítimo e comercial na Apúlia (1063). A
agricultura progride. Os comerciantes italianos aparecem em Ypres, na França, já
em 1127. As
mercados
hansas comerciam de Londres a Novgorod. Mas com a abertura dos
surgem tentativas de protegê-los. Em 1213 a Inglaterra proíbe a
importação do tecido de lã flamengo; em 1295, Eduardo I proibirá a exportação
das lãs inglesas para Flandres.
A peste negra varre um terço da cristandade ocidental. No mesmo momento,
decretos reais fixam o estatuto dos trabalhadores, tanto na Inglaterra (onde
Eduardo III fixa salários e preços em 1349-1351) quanto na França (onde João, o
Bom, fixa em 1332 os salários dos operários). O comércio de longa distância, as
peregrinações à Terra Santa, os empreendimentos estatais coordenam-se para
que se singre o Mediterrâneo e nele se assegure a predominância de Veneza.
O século XV, o século dos Médicis, é o século da letra de câmbio: ela circula de
Sevilha a Lübeck, de Valência a Bruges. As trocas se intensificam com a
supressão dos pedágios da navegação fluvial na Polônia e a convenção comercial
entre a França e a Hansa alemã.
Seria possível discernir nessas seqüências de fatos econômicos a regularidade
de uma lógica interna, uma evolução irreversível?
A Europa do século XIV pode saciar sua fome. Não obstante, esse crescimento
da produção agrícola ocorre durante um período demasiado longo para que a
mudança seja percebida. Não abala as mentalidades. No ínterim, as cidades se
emparedam – com
entrincheiram-se muralhas
num de pedraavesso
protecionismo e fechando-se em seus
a mudanças. direitos adquiridos;
As corporações inibem
a iniciativa e a inovação, e desconfiam do indivíduo. Com suas proibições,
protegem cada profissão contra qualquer ameaça exterior e neutralizam a
concorrência.
Acima das cidades e do campo, começa a estruturar-se um poder, o do
soberano. Ele obedece a uma lógica própria, visando a consolidar os territórios de
que começa – com crescente intervencionismo – a extrair rendimentos e homens
armados.
No final da Idade Média, as pestes que devastaram a cristandade a partir de
1348 afetaram a dinâmica demográfica. Quando a peste e a guerra dão trégua, a
demografia logo se refaz. A novidade na economia do final da Idade Média
provém menos da vitalidade demográfica pura e simples do que do modo como
soube
Masadaptar-se às novas
há um contraste entre o Norte efazer
condições: o mesmo
o Sul: com menos
os promotores homens.
desses progressos.
No Sul, o crescimento é obra do príncipe; no Norte é o mercado que o determina.
Mas a evolução é lenta e não caracteriza uma revolução agrária: o alimento é
demasiado precioso para que se assuma o risco de uma inovação.
A oposição sem trégua das corporações contra a inovação não chega a
emperrar o progresso técnico. Ao mesmo tempo, uma revolução parece brotar nas
mentalidades. É no século XV que aparecem o espírito do empreendimento, o
individualismo, a concorrência – à margem da regulamentação e da inibição
hierárquicas que a organização dos ofícios ainda tenta impor.
No final da Idade Média o progresso urbano do século XVI e o simples aumento
demográfico provocam a especialização – que, por sua vez, pressupõe o
intercâmbio e novos mercados. Para que a cidade se tornasse palco de
crescimento
que era preciso
favorecessem que a estrutura medieval fosse suplantada por estruturas
a inovação.
Essa evolução vem dos empreendedores, financistas e comerciantes. Graças a
eles, a cidade torna-se o espaço de centralização, recinto fechado mais ou menos
próspero. Torna-se entroncamento de relações comerciais e financeiras. Seu
símbolo maior são os Fugger.
Mas, atenção: Jakob Fugger troca seus empréstimos por monopólios. A
autoridade política troca o que detém – a coação, o poder de proibir – pelos
fundos que não tem. Remunera o risco financeiro por exclusividade comercial.
Assim, quando termina a primeira terça parte do século XVI, no momento em
que a Reforma vai romper a unidade da cristandade, já é possível detectar os
lugares onde o progresso parece caminhar mais depressa, os microclimas
econômicos e sociais onde começa a despontar a divergência.
Na Europa, nos séculos XIII e XIV, de cada dez pessoas menos de uma sabia
ler. A revolução de Gutenberg é uma das inovações que marcam a passagem da
Idade Média para os tempos modernos – que marcará uma divergência que
perdurará por muito tempo no interior das mesmas fronteiras.
A imprensa propaga-se rapidamente. Veneza, Paris, Nápoles, Lyon, Cracóvia,
Louvain imprimem seu primeiro livro na década de 1470-80. No final da Idade
Média os que sabem ler e escrever somavam algumas dezenas de milhares. São
clérigos,
século 17 religiosos,
o número delegisladores – raramente
leitores é contado negociantes
aos milhões, ou banqueiros.
distribuídos No
principalmente
ao longo de uma faixa vertical que vai da Suécia à Suíça, e que inclui Londres e
Edimburgo. Contudo, a relação entre alfabetização e espírito da Reforma aparece
menos como correlação mecânica de causa e efeito do que como afinidade de
mentalidade.
No período de meio século que vai de 1480 a 1530 a cristandade ocidental
quase conseguiu a emancipação das forças de liberdade e de inovação que
estavam em gestação havia dois séculos. É o tempo de Erasmo.
O seu Manual do Soldado Cristão já definia uma pedagogia da confiança:
Confiança no indivíduo independente, “apoiado diretamente em sua razão” e em
sua energia espiritual, estimulada pela emulação. Com relação ao argumento da
autoridade ou da antiguidade, ele escreve: “traduzi todo o Novo Testamento
segundo os manuscritos
todo o mundo gregos, colocando
possa imediatamente o texto”.em
comparar grego
Para ao alado,
ele, a fim de
religião que
estaria
fundamentada na confiança, no “ espírito humano comandando a si próprio ”.
A Contra-Reforma não era inevitável. Atesta-o Erasmo. A Contra-Reforma não
foi manifestação de uma estrutura imanente, mas de uma escolha: política,
cultural, religiosa, intelectual; foi resultado de uma conjuntura de oposição que
causou maior rigidez. Com o fracasso de Erasmo a Europa deixou escapar sua
chance de emancipação sem traumatismo – de divergência sem distorção.
com
e na os juros e na confiança
rentabilidade do tomador
do investimento de queem sua própria
assume capacidade de reembolsar
o risco.
A despeito da condenação, a prática do empréstimo a juros estava demasiado
difundida para que fosse proibida. Uma regulamentação de 1311 reprime
unicamente as usuras “muito graves”, isto é, muito pesadas – superiores a 20% do
capital –, e às vezes os próprios reis concediam privilégios de usura.
Calvino foi o primeiro a admitir o empréstimo a juros. Para ele, a lei divina não
proíbe a usura, permitida pela lei natural. O próprio dinheiro é mercadoria e,
portanto, ele é tão produtivo quanto qualquer outra – não frutifica
espontaneamente, mas pode frutificar se for investido. É mais que um instrumento
de troca; é um meio de empreendimento, uma condição de desenvolvimento.
“Suprimir dinheiro ocioso, fazê-lo dar rendimento”: é essa, segundo Calvino, a lei
do empréstimo.
Calvino
civil”. tornacalvinista
Na ética a usura as
leiga, comodetorna
noções leigo tudo
intercâmbio , deomercadoria
que pertence ao “governo
e troca perdem
o tom depreciativo, e a vida econômica não é relegada ao menosprezo espiritual,
destinada ao desprezo e à vergonha. O calvinismo é uma éticado trabalho.
A Contra-Reforma não se resumiu a um período de luta contra a Reforma; ela
foi marcada por vigorosa renovação religiosa, por “poderosa vaga de fervor
popular”. Mas isso não impede que o catolicismo após Lutero e Calvino já não seja
o mesmo. Endureceu-se no fogo do combate. Reencontrou, porém, o élan
religioso – e como ignorar as realizações de um Inácio de Loiola, de um Francisco
de Sales, de um João Eudes, de um Vicente de Paula? Mas também se reforçou
pela organização hierárquica e de exercício do poder.
Desse enrijecimento do catolicismo como organização não se pode encontrar
melhor testemunho do que o Concílio de Trento. A obra positiva do Concílio é
impressionante:
aurora doutrinal
do século éXX. e reformadora.
Mas o Concílio Seusuma
termina com efeitos
notaserão sentidos
negativa: até a
o anátema.
Sofre anátema quem nega que “a hierarquia foi instituída por ordem de Deus” e
que essa hierarquia não depende do homem: fixada por Deus, é intangível. Com
ela abre-se uma distorção de mentalidade entre a Reforma e a Contra-Reforma. O
Concílio recusa a confiança ao reforçar o controle hierárquico, desconfiar das
interpretações e do julgamento pessoal e por fazer proliferar os decretos
disciplinares.
É claro que não se cogita em afirmar que o Concílio de Trento quis gerar
deliberadamente uma sociedade de desconfiança. Mas, trasladada a domínios a
que não se dirigia, a doutrina da vã confiança (vana fiducia) reforçou certos
componentes fatalistas capazes de inibir o ethos de confiança.
III. A DIVERGÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO
sociedades
dois modelosanônimas, todas
a confiança é aautônomas. O sistema
regra. Na França, ao holandês
contrário,éasparecido. Nesses
companhias de
comércio são estritamente dependentes: o capital vem, sobretudo, do Estado, o
que lhe dá o direito de nomear os diretores e determinar a distribuição do lucro. O
Estado tenta compensar tais imposições oferecendo isenções e outros privilégios.
Mas essas vantagens não permitem às companhias francesas a flexibilidade de
que gozam as equivalentes companhias britânicas, já que são fatalmente
acompanhadas de controle e regulamentações de efeitos contraproducentes.
Enquanto o francês rejeita instintivamente a concorrência comercial, o inglês
entrega-se a ela como a um guia salutar. O que para o primeiro é objeto de
desconfiança será para o segundo oportunidade para um desafio.
Passado de glória de Veneza, ascensão de Amsterdã. Decadência espanhola,
emergência holandesa. Enrijecimento francês, mutação inglesa. Esses duplos
contrastes despertam uma interrogação. Qual é a relação entre sua divergência e
a divergência religiosa? Simples coincidência? Superposição de conjunturas? Ou
afinidade profunda?
É necessário destacar dois fenômenos fundamentais. O primeiro é que a
reforma não foi um mero episódio, transitório, da história. Onde ocorreu a Reforma
ocorreu primeiro o desenvolvimento. As sociedades que entraram em Reforma
não saíram dela. Também foram elas as primeiras a entrar em desenvolvimento ,
e, no seu conjunto, mantiveram o avanço até nossos dias.
Não existiria
protestantes um ligado
estaria desenvolvimento católico? O desenvolvimento dos países
a seu protestantismo?
A idéia de que o protestantismo e especialmente o calvinismo estariam na
srcem do nascimento do capitalismo moderno teve na figura do grande historiador
Hugh Trevor-Roper um contestador documentado e tenaz. Não nega o fato, é
claro, de que o desenvolvimento tenha surgido no campo protestante nem que o
centro de gravidade econômica da Europa se deslocou, nos séculos XVI e XVII,
do sul para o norte, do Mediterrâneo católico para o Mar do Norte protestante.
Apenas duvida que a causa deva ser procurada no domínio religioso.
Suas objeções são as seguintes: o calvinismo não é intrinsecamente o
instigador de um espírito de capitalismo , tal como o define Max Weber; os
numerosos empreendedores calvinistas nunca se distinguiram por um verdadeiro
comprometimento religioso; seu denominador comum real não é a religião, mas a
propensão
espírito do para emigrar: finalmente,
capitalismo; foi a diáspora
é naholandesa
estrutura que insuflou
política na Europa
e social o
(cidades-
repúblicas autônomas versus Estados monárquicos) que reside a distorção
fundamental, como “demonstra o extraordinário impulso de certas sociedades
protestantes e o declínio das sociedades católicas no século XVII”. Trevor -Roper
chama a atenção para o fato de que “nem a Holanda, nem a Escócia, nem
Genebra, nem o Palatinado – as quatro sociedades calvinistas por excelência –
produziram seus próprios empresários”.
Reconheçamos que, insistindo na “diáspora” flamenga, Trevor -Roper pôs o
dedo num fenômeno importante: a migração das elites como fator de
desenvolvimento. Mas é necessário que a sociedade que os acolha seja aberta;
em território católico, a boa acolhida aos imigrantes flamengos não foi suficiente
para criar a sinergia do desenvolvimento.
naturalmente
Isso a dirigir“Pensando
ocorre porque, seu capitalapenas
aos setores
em seumais vantajosos
próprio para
lucro, ele a sociedade”.
é levado [como
que] por uma mão invisível a cumprir uma finalidade que não está absolutamente
em suas cogitações”: a de satisfazer as necessidades dos outros. A metáfora irá
gerar controvérsias.
Qual o espaço da liberdade em Smith? Para ele, ela tem um cunho negativo, de
ausência de limitações arbitrárias. É um “deixar agir a natureza”. Conceito
contemporâneo.
Posição distinta tem Marx. Ele investe contra a troca logo nos primeiros
capítulos do Capital. Aponta que a riqueza das sociedades em que reina o modo
de produção capitalista aparece como uma “imensa acumulação de mercadorias”.
Para analisar o “valor” da mercadoria, Marx distingue na mercadoria o “valor de
uso” e o “valor de troca”. “A utilidade de uma coisa constitui seu valor de uso”. O
valor de troca é uma “relação quantitativa, proporção em que valores de uso de
espécies diferentes são trocados uns pelos outros”. Daí conclui: “o valor de troca é
arbitrário e puramente relativo”. Em poucas palavras tudo está dito.
Na troca ocorre o máximo da abstração: “É evidente que se faz abstração do
valor de uso das mercadorias quando elas são trocadas, e que qualquer relação
de troca é de fato caracterizada por essa abstração”.
Daí em diante, toda a teoria marxista do valor é escandida pela oposição
uso/troca, confundida deliberadamente com a oposição concreto/abstrato, sendo o
primeiro
material, termo
etc. da oposição sistematicamente valorizado como mais natural, mais
Na busca de um padrão de valor que não fosse nem a “subjetividade” do uso
nem a “abstração” da troca, Marx encontrou o trabalho. O trabalho é um dado
concreto. Ademais, permite que se obtenha uma medida. Mas o “padrão-trabalho”
ignora a demanda. Pois não seria melhor dizer que nenhum artigo terá valor se
não for demandado, e que o trabalho humano consumido para produzi-lo será
apenas uma das bases de sua estimativa em termos de troca?
Marx tem bons motivos para desacreditar a troca: ela implica “o reconhecimento
recíproco [dos possuidores de mercadorias] como proprietários privados”. Ora, a
propriedade privada é para Marx objeto de uma desconfiança que confina com a
fobia.
Marx constrói um edifício de desconfiança. Em diversos momentos, a partir do
século XVI,dea explicar
tentativas questão areligiosa interveio
distorção em nossa
econômica descrição
da Europa e em Não
ocidental. nossas é
extraordinário que um materialista ateu como Marx tenha concedido grande
importância a essa distorção religiosa, expressão segundo ele de uma distorção
econômica?
Marx afirma que expropriação do trabalhador pelo capital é fenômeno ligado
“pelo espírito” à Reforma. “A Reforma e a espoliação dos bens da Igreja que se
seguiu vieram dar novo e terrível impulso à expropriação violenta do povo no
século XVI. A supressão dos conventos lançou os habitantes no proletariado [...] O
direito de propriedade dos pobres sobre uma parte dos dízimos eclesiásticos foi
tacitamente confiscado”.
A ordem anterior à Reforma anglicana é, assim, apresentada como coletivismo
caritativo, garantidor de uma ordem econômica imóvel e resignada à miséria. A
essa ordem, ecomo
protestantismo muitopromoção
antes dede Max Weber, burguês”:
um “espírito Marx opõe“O oprotestantismo
surgimento doé
essencialmente uma religião burguesa”.
Contrapondo o sistema monetário metálico ao sistema da moeda fiduciária e do
crédito, Marx vê também correlação entre o catolicismo e o protestantismo. Para
ele, a economia capitalista, como a religião, é uma abstração. Do catolicismo ao
protestantismo há um “agravamento” da abstração. Portanto, a moeda metálica
católica ainda guarda um vínculo com o concreto, fato que desaparece com a
moeda fiduciária protestante.
O que Marx ignora é algo que ele diz ser abstrato , mas que é simplesmente
moral, vivenciado, humano – a confiança. Impressiona também a onipresença da
referência religiosa em Marx. A economia capitalista, parece dizer, é uma paródia
da economia cristã da salvação: “A riqueza burguesa encontra sua maior
expressão no valor de troca, erigida em mediador. Esse valor une os contrários
e parece ser poder superior ante os extremos que contém. [...] Assim, na esfera
religiosa, o Cristo, mediador entre Deus e o homem, torna-se sua unidade,
homem-Deus, e como tal assume importância maior do que Deus; os santos
assumem importância maior do que o Cristo; os padres são mais importantes que
os santos”.
Marx havia estabelecido o princípio de que uma teoria desmentida pelos fatos é
falsa, e só é correta uma teoria confirmada pelos fatos. A história se encarregou
de Passemos
revelar queaa uma
visão abordagem
de Marx era alternativa
errônea. da divergência ocidental. Se Marx
estava errado, Max Weber estaria certo?
Max Weber não pretendeu ter descoberto que as sociedades protestantes eram
mais bem dotadas para o progresso econômico do que as católicas: isso já era
sabido havia três séculos. Sua srcinalidade consiste em ter tentado mostrar de
que maneira a moral protestante favorecia o espírito do capitalismo.
Seu objetivo consiste em elucidar o porquê e o como do que constitui “o poder
mais decisivo da nossa vida moderna: o capitalismo”. Esse “poder” é diferente da
eterna sede de lucro, da antiga auri sacra fames – instinto tão velho quanto os
homens, que não bastaria para explicar fenômeno tão recente. O que distingue a
ação econômica capitalista é o ser penetrada pela racionalidade.
O capitalismo é uma “organização racional do empreendimento, ligado às
previsões
especular”.deÉ um mercado
a srcem e oestável,
segredoe dessa
não àsracionalidade
ocasiões irracionais ou políticas
que convém de
procurar.
Trata-se, portanto, de exorcizar todo o espectro de irracionalidade econômica,
jurídica e social da história do capitalismo. Estamos longe da religião.
Uma sociologia darwiniana. Outra surpresa aguarda o leitor de Weber. É a
distinção rigorosa, para não dizer oposição, que ele estabelece entre o
“capitalismo moderno” e o capitalismo das origens. É apenas para explicar o
capitalismo srcinal que a abordagem pela sociologia religiosa demonstra sua
pertinência. Para o capitalismo moderno uma sociologia darwiniana pode ser
suficiente.
O “ ethos” do capitalismo moderno seria somente um mecanismo de eliminação
concorrencial, cujo motor é o instinto de sobrevivência do empreendedor. Do
ponto de vista da economia, o comportamento do capitalista é tão-somente
resultado
que tendemdea uma adaptação
determinar . “São
opiniões os interesses comerciais, sociais e políticos
e comportamentos”.
A questão do espírito do capitalismo, portanto, não se colocaria nos mesmos
termos para o nascimento do primeiro capitalismo e para a época do capitalismo
moderno. E o liberalismo econômico já não seria lugar de liberdade ativa, de
escolha responsável, de confiança no empreendimento ou no empreendedor.
Resultaria, segundo um processo determinista, de um mecanismo de seleção, que
valorizaria as atitudes adaptadas à sobrevivência na luta econômica pela
existência.
Não deixa de surpreender que Weber, que tem a reputação de ser o grande
teórico da explicação religiosa, negue a esta, logo nas primeiras páginas, qualquer
valor como modelo explicativo para hoje.
É preciso, portanto, resolver a questão da srcem. Weber elimina inicialmente
os tipos de explicação que só podem desembocar em contradições. A primeira é
justamente a seleção darwiniana; Max Weber refuta também a “doutrina simplista
do materialismo histórico”.
Para explicar “a entrada em cena” do espírito do capitalismo, ele volta à
racionalidade. O nascimento e o crescimento do capitalismo não constituem
fenômeno específico. São tão-somente uma aplicação “da vida e do pensamento
racionais”: “O impulso do espírito do capitalismo seria mais facilmente
compreendido se fosse considerado parte do progresso da racionalidade em seu
conjunto”.
Donde, portanto, o problema do elo entre o desenvolvimento da racionalidade
no domínio econômico e um desenvolvimento semelhante no domínio religioso
dever ser analisado: basta que a Reforma proceda de uma emancipação do
tradicionalismo para que ela ofereça ao espírito do capitalismo uma ideologia de
eleição.