Este documento resume um livro sobre a presença negra na Amazônia brasileira, especialmente no estado do Amazonas. O livro usa fontes históricas para contar a história pouco conhecida dos escravos, libertos e comunidades negras na região, mostrando como sua cultura e identidade foram apagadas da historiografia regional que enfatizava apenas a presença indígena. O texto também discute como os escravos conseguiam espaços de autonomia e negociavam melhorias em suas vidas dentro do sistema escravista.
Este documento resume um livro sobre a presença negra na Amazônia brasileira, especialmente no estado do Amazonas. O livro usa fontes históricas para contar a história pouco conhecida dos escravos, libertos e comunidades negras na região, mostrando como sua cultura e identidade foram apagadas da historiografia regional que enfatizava apenas a presença indígena. O texto também discute como os escravos conseguiam espaços de autonomia e negociavam melhorias em suas vidas dentro do sistema escravista.
Este documento resume um livro sobre a presença negra na Amazônia brasileira, especialmente no estado do Amazonas. O livro usa fontes históricas para contar a história pouco conhecida dos escravos, libertos e comunidades negras na região, mostrando como sua cultura e identidade foram apagadas da historiografia regional que enfatizava apenas a presença indígena. O texto também discute como os escravos conseguiam espaços de autonomia e negociavam melhorias em suas vidas dentro do sistema escravista.
Este documento resume um livro sobre a presença negra na Amazônia brasileira, especialmente no estado do Amazonas. O livro usa fontes históricas para contar a história pouco conhecida dos escravos, libertos e comunidades negras na região, mostrando como sua cultura e identidade foram apagadas da historiografia regional que enfatizava apenas a presença indígena. O texto também discute como os escravos conseguiam espaços de autonomia e negociavam melhorias em suas vidas dentro do sistema escravista.
Baixe no formato PDF, TXT ou leia online no Scribd
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6
NEGRO NA AMAZÔNIA:
RECUPERANDO SUA HISTÓRIA
SAMPAIO, Patrícia M. (org.). O fim do silêncio – presença negra na
Amazônia. Belém: Açaí / CNPq, 2011. 298 p.
Partindo de um amplo acervo de nia, não raro o pesquisador é indaga-
fontes, escritas e orais, a presente co- do: e ali houve escravidão?! O tom letânea alarga o campo de reflexão, surpreso da pergunta revela não ape- num olhar multidisciplinar, sobre his- nas um desconhecimento da história tória, memória e práticas culturais daquela região, mas também põe em ainda pouco visitadas – a presença relevo esta ausência na historiografia negra na região amazônica, em espe- brasileira sobre o escravismo, que tem cial no estado do Amazonas. Os tex- privilegiado as áreas de plantation e tos aqui reunidos resultam de inves- de mineração, onde a mão de obra es- tigações de um grupo de pesquisa, crava africana foi hegemônica. Um além do desdobramento de estudos questionamento que revela a represen- realizados no âmbito de vários pro- tação de uma Amazônia extrativista; gramas de pós-graduação, em espe- das drogas do sertão coletadas pelos cial da UFAM, que possibilitam olhar nativos e caboclos. Essa percepção de com mais acuidade para uma região um espaço de cultura marcadamente que pode parecer – mas não é “ ho- indígena, fez com que a escravidão e mogênea em sua paisagem e sua cul- a cultura africanas se deslocassem a tura. Este livro nos dá a conhecer uma um plano menor, constituindo um va- destas significativas diferenças, ao zio na historiografia regional, o que tratar de experiências de negros es- fica mais evidente ao se buscar estu- cravos, livres e libertos, de suas re- dos sobre as comunidades negras, qui- presentações culturais e identitárias. lombolas ou não, que se constituíram História a partir de vestígios recupe- ao longo da história.1 rados que podem vencer o esqueci- mento, o ocultamento, o silêncio. 1 Eurípedes A. Funes, “Nasci nas matas nun- Ante o estudo de temáticas que ca tive senhor”: história e memória dos mocambos do Baixo Amazona (Tese de dou- abordam a presença negra na Amazô- torado, Universidade de São Paulo, 1995).
Afro-Ásia, 45 (2012), 195-200 195
RES funes.pmd 195 12/7/2012, 10:52
Hoje este cenário historiográfico nia”, discute a inserção do africano apresenta outro desenho. no mercado de trabalho. Um proces- A presente obra se insere neste so lento, resultado de apelos contínu- novo contexto e soma-se àquelas que os das autoridades locais pressiona- abordaram com pertinência a presen- das pelos colonos frente ao impedi- ça negra na Amazônia brasileira, em mento do emprego da mão de obra especial no Pará, onde Vicente Salles, indígena, em razão da ação contrária a partir de documentação inédita, es- da Igreja e da legislação governamen- creveu uma obra impar, O negro no tal, processo que ademais enfrentou Pará, publicada em 1971. Por ser um dificuldades devidas à economia ali estudo abrangente, algumas questões desenvolvida, o extrativismo. Soma- foram pouco analisadas, mapeando, va-se a isso o limitado poder aquisi- no entanto, sinais significativos para tivo dos colonos, já que essa ativida- futuras pesquisas sobre o mundo cri- de era, e é, flutuante, sazonal, sem alta ado pelos negros, escravos, libertos rentabilidade e, em decorrência, re- e livres naquela região. É, sem dúvi- sulta uma circulação monetária aca- da, um marco na historiografia regi- nhada e a inexistência de bens que onal sobre essa temática; leitura obri- pudessem ser dados em hipoteca na gatória para se começar a entender a aquisição de negros escravizados presença da escravidão e da cultura As representações mais correntes negra na Amazônia. sobre o mundo do escravo são Com este livro não é diferente. marcadas pela despersonalização do Uma história que remonta às primei- indivíduo, pela visão do sofrimento ras décadas da colonização, quando e do desencanto, ou a polarização já era possível encontrar, em 1637, entre violência e rebeldia, ou seja, não entre os poucos moradores de Belém se distingue na vida dos escravos sen- algumas dezenas de escravos. Neste timentos, família e relações sociais mesmo ano, a expedição comandada que escapem ao controle do senhor. por Pedro Teixeira, que subiu o rio No entanto, é necessário não esque- Amazonas, estava composta por al- cer a sua condição humana e que, guns soldados, centenas de nativos e como tal, viveram e sobreviveram à escravos africanos. ordem escravista. Nesse sentido, eram Partindo de um balanço historio- passíveis de paixão, ódio, desejos, gráfico e da análise de um corpus compreensão, e capazes de entender documental, em especial para a pro- o momento de agir contra sua condi- víncia de São José do Rio Negro, ção, negociar, ter reações explícitas, Patrícia Sampaio, no capítulo “Escra- ou não, contra a ordem escravista. vos e escravidão africana na Amazô- Portanto, tinham consciência do sis-
196 Afro-Ásia, 45 (2012), 195-200
RES funes.pmd 196 12/7/2012, 10:52
tema em que viviam, e buscavam es- de mecanismos capazes de lhe garan- paços em que pudessem legitimar tir espaços e de questionar os meca- suas ações e garantir direitos. nismos de controle inerentes à escra- Assim, sabendo olhar, e queren- vidão. As fontes documentais têm do ver, se percebe que no seu cotidi- demonstrado que o escravo, mesmo ano os escravos exploraram seus limitado por um estatuto social e ou- momentos de autonomia, relativa é tro legal, conseguia espaço para ne- claro, e fizeram destes um direito. O gociar, manifestar-se como agente casamento (no caso da Amazônia histórico. Negociar a alforria, por muito frequente entre negros africa- exemplo. Tinha queixas do destino nos e negros da terra), as relações que lhe havia sido imposto e por isso sexuais, o nascimento de um filho buscava formas de superar adversi- foram expressões significativas des- dades, pois “é nessa micropolítica que ses momentos. Circular por proprie- o escravo tenta fazer a vida e, por- dades vizinhas não constituía novida- tanto, a história.”2 de para os cativos da região, pois E por que fugiam? Bastaria dizer: eram frequentes os casos em que eles, porque eram escravos. É deste assun- a mando de seus senhores, se deslo- to que trata o capítulo de Ygor Olinto cavam a longas distâncias – aliás, cir- Cavalcante, “’Fugindo, ainda que sem cular pelos rios, lagos e igarapés era motivo’: escravidão, liberdade e fu- típico de um escravo pescador, ou gas escravas no Amazonas imperial”. condutor de embarcação, por exem- Há uma série de razões decorrentes plo. da sua condição, que levaram os ca- Esses aspectos não significam, de tivos a apelar para a fuga. Estava na forma alguma, que houve uma acei- relação senhor/escravo uma das ra- tação tácita do escravo à sua condi- zões da fuga, mais do que no ato de ção social, nem uma benevolência sedução de “contrabandistas” ou de explícita, ou mesmo implícita, dos hábeis sedutores. Se o escravo con- senhores. A luta de classes não dei- quistasse no seu cotidiano garantias xava de existir. Havia várias formas de autonomia de ação e movimento, de fazê-la e era no cotidiano que o tendo a possibilidade, mesmo míni- escravo construía a sua contra-ordem ma, de gerenciar sua vida, ele com es-cravista. Experiências tais são des- certeza pensaria duas vezes antes de tacadas por Provino Pozza Neto, ao fugir. Os escravos tinham noção cla- analisar as alforrias, onerosas ou não, na província do Amazonas. O autor 2 João J. Reis e Eduardo Silva. Negocia- sugere que o escravo tem clareza da ção e conflito: a resistência negra no Bra- sil escravista, São Paulo: Companhia das lógica da dominação e cria uma série Letras, 1989, p. 21
Afro-Ásia, 45 (2012), 195-200 197
RES funes.pmd 197 12/7/2012, 10:52
ra do contexto e se valiam da conjun- Manaus, e vice-versa, como mostram tura para forçar negociações, conse- os relatos observados nos anúncios de guir mais autonomia e flexibilidade de fuga analisados por Cavalcante. As- ação den-tro do próprio sistema escra- sim, escravos fujões circulam pelos vista, tendo a fuga como principal rios, igarapé e lagos da região. arma engatilhada contra as ameaças às Fugir, como se vê, não significava suas conquistas, ainda que precárias. necessariamente ir diretamente para os Aproveitando-se da complexida- quilombos, podiam circular pelos rios, de da região, das longas distâncias e se juntar a outros negros livres e liber- dos rios que constituíam caminhos na- tos, como aqueles que chegaram ao turais para a fuga, os escravos, ao se Amazonas fugindo das secas que evadirem das propriedades de seus calcinavam o Nordeste. É o caso da senhores, tinham como opção ir para comunidade negra constituída por des- outros centros urbanos ou se embre- cendentes de escravos de Sergipe que nharem nas matas. Nesse sentido, chegaram ao rio Pauni, o rio dos pre- havia a possibilidade de grande mo- tos, por volta de 1907. Através de nar- bilidade espacial para os cativos em rativas orais, Emmanuel Almeida, no fuga, que procuravam passar por li- capítulo “Quilombolas no Amazonas: bertos, misturando-se às camadas po- do rio dos pretos ao Quilombo do Tam- pulares um tanto matizadas, onde um bor”, adentra a história destes quilom- mulato podia passar por um tapuia, bolas, que materializam o sentido de um curiboca, por um cafuzo. Assim, liberdade, o direito à terra, a configu- a qualidade da cor se diluía, quebran- ração de uma territorialidade, a afir- do um elemento a mais de identidade mação de pertença e identidade. do escravo fujão, já que costumava Todavia, os espaços de autonomia tam-bém trocar de nome. Outra saí- não se limitavam a essas práticas. da encontrada pelo escravo em fuga Eram buscados, também, nos folgue- era valer-se de instrumentos legais dos religiosos. Momentos de lazer em que garantissem a ex-cativos o status que diferentes elementos culturais se de livre, e a partir daí encontrar me- mesclam, em que o sagrado e o pro- canismos para preservar a condição fano se confundem e as manifestações de liberto. se expressam através dos cantos, das Ajustando-se como tripulantes de danças e nos ritmos dos batuques e barcos, ou neles se escondendo, os dos sons tirados do gambá, da ma- escravos em fuga circulavam ao lon- rimba, da onça e da viola europeia go dos rios, em especial pelo Ama- As festas constituíam, para os es- zonas, deslocando-se com certa faci- cravos, momentos de ruptura com a lidade entre o Baixo Amazonas, e vida cotidiana. Oportunidade em que
198 Afro-Ásia, 45 (2012), 195-200
RES funes.pmd 198 12/7/2012, 10:52
vestiam os seus melhores trajes. Ge- santos, cantavam seus hinos e dança- ralmente as mulheres usavam vestidos vam. Eram momentos em que as ori- bufantes e coloridos, esbanjavam sen- gens africanas se manifestavam, e sualidade nas danças do lundu e do novas identidades culturais se cons- carimbo, ao som dos tambores. Mo- tituíam. Carimbó, lundu, boi-bumbá, mentos em que as relações antagôni- marambiré, aiuê e outros folguedos cas tornavam-se fragilizadas e em que se cristalizaram a partir de práticas livres e escravos faziam causa comum. culturais dos escravos, e hoje, como O ciclo das festas natalinas era o tem- diz Vicente Salles, “a lúdica amazô- po em que essas rupturas se acentua- nica, no que tem de mais representa- vam. Henry Bates, em 1851, presen- tivo, é essencialmente africana”.4 ciou dois momentos de festejos. Em As festas juninas constituíam ou- Santarém, “os negros faziam uma tro ciclo festivo em que os folguedos grande apresentação semiteatral nas religiosos possibilitavam alegrias aos ruas”, e na vila de Serpa, hoje Itacoa- negros. Era e é tempo do boi-bumbá, tiara-AM, “uma estranha folia” aos olhos de vi- ajantes do século XIX, como Henry à noite o povo se entregou a alegres folguedos por toda a cidade. Os ne- Bates, Robert Avé-Lallemant e gros, devotos de um santo que tinha Sanches Frias. Um “boi” que vai a sua cor - São Benedito - fizeram a marcando a calha do grande rio, uma sua festa à parte e passaram a noite festa de negro, lugar dos filhos de mãe toda cantando e dançando ao com- Catirina e pai Francisco. Mais que um passo de um tambor comprido, cha- grande espetáculo televisivo, esta “es- mado “gambá”, e do “caracaxá”.3 tranha folia” tem sido elemento forte de uma cultura afro em terras manau- Uma festa ao santo negro que, mesmo aras. Danças e andanças de negros na quando ganha o espaço urbano, como Amazônia, como nos coloca Sérgio relata Jamily Sousa da Silva em “A Ivan Gil Braga, que pergunta: por festa de São Benedito no bairro da onde anda o filho de mãe Catirina? E praça 14”, mantém elementos comuns pai Francisco, seria ele o Macunaí- àquelas das comunidades quilombo- ma de Mario de Andrade? las da região amazônica – uma festa São cantos e danças que expri- de mastro, dança do lundu ao som dos mem uma nova “estética musical”. tambores. Sons, ritmos, palavras, cantos que Valendo-se das festas religiosas, vêm do outro lado do Atlântico, que os escravos faziam devoções a seus 3 Henry Bates, Um naturalista no rio Ama- 4 zonas. Belo Horizonte: Itatiaia, São Pau- Vicente Salles, O negro no Pará. Rio de lo: Edusp 1979, p. 124 e 141. Janeiro: FGV, Belém: UFPA, 1971, p. 186
Afro-Ásia, 45 (2012), 195-200 199
RES funes.pmd 199 12/7/2012, 10:52
se materializam, se mesclam em no- dadosa da obra de Ferreira de Cas- vas formas de expressão da cultura tro. Em “Gente sem crônica defini- negra, em rodas de capoeira, por tiva: negro e mulato n’A Selva”, as exemplo, como relata Luís Carlos de autoras buscam, como dizem, abrir Matos Bonates em “A capoeiragem mais uma janela “para romper o si- baré”, onde apresenta a capoeira no lêncio sobre a tão discutida presen- Amazonas, com ou sem berimbau. ça do negro na Amazônia”. O livro vai assim, dando conta de Ler este livro é como percorrer lugares específicos da vasta região e muitos caminhos de um passado afro- de uma população amazônico a não ser esquecido e que que excluída por um processo eco- alimenta a luta daqueles a quem di- nômico e urbanístico direcionado reitos de cidadania têm sido negados, para entender as elites, vivia, segun- como informam Arlete Anchieta da do Bonates – parafraseando o escri- Silva e Gláucia Gama no balanço que tor Milton Hatoum – em uma “zona fazem de um dos programas de ação de sombra, escondida ou muito pou- afirmativa no capítulo “Braços que ca revelada”. remam nas águas do rio Negro rumo ao PROUNI: acadêmicos afrodescen- Lugares onde capoeiras, berim- dentes do Amazonas”. baus, gambá, carimbó, tambores, boi, Braços que remam no mesmo sen- sons e ritmos, antigos e novos, ecoam tido, junto aos professores negros que na terra de Ajuricaba, marcando as nas universidades enfrentam novas for- danças e andanças dos filhos de mãe mas de ver e encarar o racismo e o pre- Catirina e pai Francisco. A visibilida- conceito, que o saber acadêmico nem de afro-amazônica ganha as ruas da sempre supera, mas, ao contrário, fre- cidade com uma musicalidade, ritmos quentemente, cria novos estereótipos e danças que vêm de outros lugares, que marcam aqueles que tiveram a mar- mas as letras que vêm dos becos, dos ca da exclusão social em suas trajetóri- excluídos, expressam a força de uma as de vida. É este o tema de Ednailda luta. Estas experiências contemporâ- Santos em “Identidades e trajetória de neas dos negros do Amazonas estão docentes negras(os) da UFAM”. presentes no texto de Sidney Barata O livro, como que num pacto fir- de Aguiar que em “Hip hop de leste a mado entre seus autores, expressa o oeste de Manaus: quatro cabeças de sentimento de que, para vencer a in- uma hidra urbana” traz à tona história justiça racial, o esquecimento preci- desta gente sem crônica sa parar de vencer. Tomando a literatura como fon- te, Maria José Nunes Aleixo e Patrí- Eurípedes A. Funes cia Sampaio fazem uma leitura cui- Universidade Federal do Ceará
Andrea Zhouri - O Fantasma Da Internacionalizacao Da Amazonia Revisitado. Ambientalismo, Direitos Humanos e Indigenas Na Perspectiva de Militares e Politicos Brasileiros