Lima 2021 MaretorioConceitoLatinoAmericano
Lima 2021 MaretorioConceitoLatinoAmericano
Lima 2021 MaretorioConceitoLatinoAmericano
Resumo
Abstract
The leadership of the national commission that represents the coastal extractive
peoples and communities of the Brazilian coast (CONFREM) presents a
challenge for the academy: to build a concept for the tidal thermal. In Brazilian
literature it is possible to observe the first efforts in this direction. It turns out that
most of these studies do not show that neither the term "maretorio" nor the other
"maritorio" is not new in Latin American literature. The first records date from the
early two years of 1970, not from Chile. Since then, I have been mobilizing myself
in different areas of knowledge in Latin American countries. I intend to contribute
to this debate, this article presents a brief state of the art around the “maritime”
1
concept - focused on its origin and some of its consequences. It is argued that
this course can serve to provide theoretical-methodological elements to think
about the construction of the concept of “maretorium” claimed by the poor hair
and extractivist communities of the Brazilian coast.
Resumen
2
1. Introdução (30.000 a 50.000 caracteres incluindo os espaços e as
referências)
3 As Resex’s são concebidas como um modelo de conservação que propõe conciliar a proteção
dos recursos naturais – aqui compreendidos como bens comuns da natureza – e o modo de vida
de grupos sociais caracterizados como populações tradicionais: seringueiros (as), extrativistas,
pescadores (as) artesanais, marisqueiras, coletores (as) de caranguejo, coletoras de coco-
babaçu, entre outros. Sobre a trajetória de mobilizações que repercutiu na criação da primeira
Resex no território brasileiro, consultar por exemplo, Allegretti (1994), Almeida (2004), Diegues
(1996), Gonçalves (2001), entre outros.
4 Inspirados nas mobilizações que resultaram nas primeiras Resex’s, povo e comunidades de
3
CONFREM apresentando um desafio direcionado a academia: a construção de
um conceito para o termo “maretório”.
Para esses povos e comunidades de extrativistas costeiro-marinhos5, a
palavra e/ou conceito “territorio” – ou mesmo “territorialidade”6 – não seria capaz
de expressar as especificidades presente no litoral brasileiro, onde se localizam
as Resex’s Costeiro-Marinhas. Particularidades estas, que estão atreladas a um
modo particular de se reproduzir social, política economicamente, em meio a
uma dinâmica que envolve a apropriação e o uso dos bens comuns naturais do
bioma marinho-costeiro.
Em função disso, os membros da CONFREM reivindicam que em
alternativa ao uso da palavra “territorio”, as áreas protegidas delimitadas como
Resex’s Costeiro-Marinhas sejam denominadas “maretórios”. Nas palavras de
uma liderança: “(...) nós chamamos nosso território de maretório. É uma
terminologia ainda em construção. É nossa. É daqui. É dos povos das marés”.
Na literatura brasileira é possível observar os primeiros esforços nesta
direção, a saber Pimentel (2019), Ribaric (2020), Sousa (2019) entre outros.
Ocorre que, a maior parte destes estudos não levou em conta que o termo
“maretório”, ou melhor “maritorio”, não é uma novidade na literatura latino-
americana.
Este conceito, surgira na década de 1970, no Chile, como uma crítica a
dicotomia entre terra e mar. E na atualidade, vem sendo mobilizado por
diferentes áreas do conhecimento na literatura de países da América Latina,
dentre eles Colômbia e Costa Rica – associado, por exemplo, a imagem de um
5É através desta expressão que as lideranças da comissão nacional que representa esses povos
e comunidades – a CONFREM - se autodenominam. É interessante ressaltar que ela dialoga
com o conceito de populações tradicionais sustentado por Cunha e Almeida (2001). Como consta
no estatuto da comissão, o termo “povos e comunidades de extrativistas costeiro-marinhos”
constitui-se em uma categoria em extensão: pescadores artesanais, marisqueiras, catadoras de
mangaba, piaçaveiros, tiradores de caranguejo, agroextrativistas, cipozeiros, artesãos de pesca,
artesãos, extrativistas, catadeiras de camarão, caiçaras, coletoras de frutíferas e sementes,
coletores de algas, “possíveis inclusões”.
6 O termo “maretorialidade” foi empregue no discurso de uma liderança da CONFREM, em
4
território habitado por povos e comunidades pesqueiras; ou como ferramenta de
zoneamento ou estratégia sociopolítica de conservação.
Tendo em vista contribuir com esse debate, este artigo apresenta um
breve estado da arte em torno do conceito “maritorio” – focado em sua origem e
alguns de seus desdobramentos. Argumenta-se que este percurso pode vir a
fornecer elementos teórico-metodológicos para se pensar a construção do
conceito “maretório” reivindicado pelos povos e comunidades de extrativistas
costeiro-marinhos do Brasil.
2. Procedimentos metodológicos
5
das Resex’s Costeiro-Marinhas7 do litoral brasileiro. E, a análise desses estudos
possibilitou reuni-los em dois grupos.
O primeiro, reúne a maior parte das pesquisas (ARRUDA, 2020;
CASAGRANDE, 2019; DE LUCCA, 2018; MARÇAL, 2019; SANTOS, BRAGAS
e ESPÍRITO SANTO, 2020). Em resumo, a principal característica deste grupo
é o fato de que nenhum (a) dos (as) autor (as) se propôs a construir um conceito
para o termo “maretório”. Esses (as) pesquisadores (as) fazem menção ao
termo, o apresentando como uma reivindicação da CONFREM.
O segundo grupo concentra os trabalhos em que os (as) autores (as) se
propuseram a conceituar o termo “maretório”. É o caso do antropólogo Adrian
Ribaric (2020), que em sua pesquisa se ancorou na ideia de “maritimidade”
(DIEGUES, 1998; MALDONADO, 1994), isto é, a apropriação social do ambiente
aquático pelos pescadores, que ocorre dentro dos limites de uma territorialidade
tradicional. Para o antropólogo,
6
Há outras interpretações em torno do conceito, onde no lugar desta
oposição se impera a ideia de fluidez entre os corpos: terra, mangue e mar. É o
caso da geógrafa Marcia Pimentel (2019) que, ao tomar sua experiência de
campo na Resex Costeiro-Marinha de São João da Ponta, no litoral do Pará,
apresentou a seguinte definição:
7
4. Maritorio, um breve estado da arte
Ao que parece, com base na leitura dos artigos de Álvarez et al. (2019) e
o de Herrera e Chapanoff (2017), a origem bem como a autoria do conceito
“maritorio” é objeto de disputa na literatura chilena. No entanto, esse atrito
concentra-se mais em torno da autoria do conceito do que em sua definição.
Uma vez que, as interpretações mais se complementam do que divergem.
Herrera e Chapanoff (2017, p.7) defendem o seguinte: “the concept of
maritorio was developed from a visual motif and ethnographical experience by
Chilean anthropologist, Miguel Chapanoff”8. No artigo intitulado “El mundo
invisible: identidad y maritorio”, publicado no ano de 2003, Chapanoff
8Em tradução livre: “o conceito de maritorio foi desenvolvida a partir da experiência etnográfica
e visual do antropólogo chileno Miguel Chapanoff” (HERRERA e CHAPANOFF, 2017, p.7).
8
apresentaria o conceito como uma crítica a frequente dicotomia concebida entre
o espaço marítimo e o espaço terrestre.
Chapanoff (2003, p. 242) problematiza a forma como o espaço marítimo
é frequentemente caracterizado: “inmensidad, extensión, lejanía son descriptivos
espaciales habituales para referirse al mar massa/llanura de agua al ojo
inabitada, carente de sentidos, no semantizada por el rumor de la cultura”. O
antropólogo ilustra seu argumento da seguinte forma:
9Em tradução livre: “(...) para as comunidades marítimas, o mar contém tantos fatores e detalhes
significativos quanto a terra, portanto, seu mar é tão “desenhado” quanto sua terra. Tem
percursos, áreas, setores e cores, paisagens que são lidas pelas pessoas que estão
acostumadas com aquele ambiente. Portanto, se tem símbolos, tem significados” (HERRERA e
CHAPANOFF, 2017, p. 7).
9
Al hablar de maritorio, me refiro a aquel espacio marítimo que a
lo largo del tiempo há sido habitado, confiriéndole la condición
cultural donde algo tiente lugar o puede tenerlo. El maritorio así
entendido es um escenario cualificado de conducta y acción,
conocido, usado e imaginado. Al asociarse con usos y usuarios
(habitantes), se contituye en un referente de identidad.
10
Esse documento é de autoria dos arquitetos Oscar Buttazoni, Manuel
Casanueva, Aberto Cruz, Claudio Diaz, Godofredo Iommi, Jorge Sanchez e Juan
Verchueren. E, foi resultado de oficinas realizadas na Escuela de Arquitectura
da Pontifícia Universidad Católica de Valparaíso, como parte de um estudo
realizado no Sul do Chile em torno dos tipos de embarcações existentes na
época e como eram utilizadas pelos habitantes locais para gerar novos
assentamentos.
Trata-se de uma região formada por um conjunto de ilhas que compõem
o Arquipélago de Chiloé. Uma localidade marcada, segundo Álvarez et al. (2019),
por sua insularidade e povoada desde os tempos pré-colombianos (final do
século XV e inicio do século XVI), onde a partir de uma forte miscigenação
hispano-indígenas se desenvolveu um modo de vida particular, e que hoje reage
aos traumas desencadeados por um modelo hegemônico de desenvolvimento.
Como afirma Álvarez, et al. (2019), o que chamou a atenção da equipe de
pesquisadores da Escuela de Arquitectura da Universidad Católica de
Valparaiso, foi a existência de duas formas de exercícios de povoamento da
região de Chiloé
11
Os autores ilustram isso a partir do seguinte exemplo: “si se requería de
un puente, o una pasarela aérea, o un molino de agua para transformar los
granos cosechados, era la problación local que recurría a su experiencia
acumulada para resolver esta carencia”. Todavia, no contexto atual, Álvarez et
al. (2019, p.119) observam que isso contrasta com as iniciativas atuais que
buscam “arreglar lo rural para que parezca lo más urbano posible (y por tanto de
fácil manipulación centralizada), y, cuando no despoblar los campos”.
O “maritorio”, argumentam Álvarez et al. (2019, p.17), foi sendo então
constituído através da navegação em direção aos canais do Sul do Chile, a partir
da adaptação exercidas por esses grupos sociais às particularidades da região
10De acordo com Álvarez et al. (2019) boa parte da ação do Estado tem se concentrado no
contexto da modernização neoliberal da economia chilena, em individualizar os recursos afim de
promover sua privatização e extração. O estabelecimento de cotas de pesca, a definição de
áreas de manejo, o ordenamento territorial, entre tantos outros instrumentos, dá conta de uma
12
(...) cuando el efecto negativo sobre los recursos explotados se
hizo patente, se agregaron nuevos regulaciones para controlar
los modos de trabajar y habitar. Este fenómeno, siempre do tipo
top down, provocó um efecto traumático sobre las comunidades
insulares, problema que sigue vigente y que en lugar de
solucionar el problema sólo lo há agudizado (ÁLVAREZ, et al.
2019, p. 117)
cartografia política cujo eixo central é a demarcação territorial e que reflete o que James C. Scott
(1998), chama o olhar do Estado.
13
(...) llamado de atención. Sus alcances incluían dimensiones
tanto teóricas como prácticas. Se anticipaba, a su modo, a la
crítica que se formularan en la antropología respecto a las
visiones esencialistas de la cultura y de los territorios (...) e
invitaban a reconocer la fluidez de procesos que hoy conocemos
como dinámicas socioambientales en interacción con las
dinámicas socioculturales y productivas. En su dimensión
práctica, la propuesta de los arquitectos de la Universidad de
Valparaíso llamaba a promover los espacios territoriales
colectivos y los intereses comerciales de grupo particulares
(ÁLVAREZ et al. 2019, p. 118-119)
14
observa-se a presença de pesquisas em que está ideia tem um maior destaque,
a saber Bick e Morales (2007; 2012); Buttazoni et al. 1971; Boris (2005); Carrera,
Baeza e Villalobos (2019); Rodríguez et al. (2019).
O artigo intitulado “Dinámicas de la insularidade: espacio, lugar y
territorio em Puerto Gala”, publicado em 2007, de autoria dos antropólogos
Guillermo Brinck e Cristian Morales, constitui e um bom exemplo. Neste estudo,
Brinck e Morales (2007), analisam a noção de insularidade a partir dos aspectos
sociais, culturais e econômicos dos habitantes de Puerto Gala, uma comunidade
composta por vilarejos de pescadores, na Ilha de Torto, localizada ao sul do
Chile.
Ao partirem da perspectiva de Chapanoff (2003), os antropólogos
afirmam que, os habitantes de Puerto compreendem o mar a partir de uma
perspectiva náutica: “como um ‘maritorio’, un espacio compuesto de lugares
(simbólicos y productivos), que se habita y que comunica con el exterior” (BINCK
e MORALES, 2007, p. 593).
Outro exemplo, o artigo intitulado “Apropiaciones territoriales y
transformaciones socio-espaciales del maritorio de Chiloé”, publicado 2019, de
autoria dos (as) cientistas sociais Nérton Italo Carrera e María Patrícia Baeza,
em conjunto com o engenheiro comercial Ricardo Andrés Villalobos.
Neste estudo, os autores e a autora procuram analisar a relação cultura-
natureza no maritorio de Chiloé caracterizado pelo desenvolvimento de múltiplas
estratégias cognitivas de apropriação e uso de espaços, construção de relações
de dominação e poder, particularmente, através dos modos de viver e habitar
que alcançaram – para uma maior ou menor medida – fundir o teleológico com
o axiológico, a práxis com o símbolo e o espiritual.
15
Rios (2011) sustenta esse argumento, a partir da análise das formas de
apropriações socioculturais realizadas pelos atores locais, o que resulta em uma
determinada construção social de tempo: passado, presente e futuro.
É com base nessa perspectiva que Araos et al. (2019, p. 419) afirmam
que, o maritorio nos permite “entender el pasado para observar el presente e
imaginarnos el futuro”. Ideia reforçada por outros estudos, como por exemplo
Gárcia et al. (2020) que partem da ideia de que o termo, como representação
social e forma de arranjo coletivo de existência, pode expressar as formas pelas
quais os pescadores artesanais de Chiloé se organizam para garantir sua
sobrevivência como um grupo social.
16
sustentabilidad de los maritorios hacia el resguardo de los
procesos vitales de los sistemas socioecológicos y su
regeneración cuando se encuentren danados (ARAOS et al.,
2020, p.64)
5. Discussões e apontamentos
Referências bibliográficas
17
ALMEIDA, Mauro W. Barbosa de. Direitos à Floresta e Ambientalismo:
Seringueiros e suas Lutas. Revista brasileira de ciências sociais, RBCS v. 19 n. 55,
2004.
18
DE LUCCA, Luana L. Tensões e expectativas: as narrativas dos interlocutores da
Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá – PA. 177p. Dissertação
(Mestrado em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia),
Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento
Local na Amazônia, Universidade Federal do Pará, Belém-PA. 2018
MARQUES, Pedro H.D. Abra os olhos para o banco dos abrolhos: percepção
ambiental, territorialidade e conflitos na ótica da pesca artesanal de Caravelas a
Nova Viçosa, Bahia, Brasil. 131p. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologias
Ambientais), Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologias Ambientais,
Universidade Federal do Sul da Bahia e Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia da Bahia. Porto Seguro – BA. 2020.
19
SOUSA, Victor P. L. A minha terra é o mar: a trajetória de um movimento
socioambiental no litoral da Amazônia. 2019, 84f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Licenciatura em Ciências Sociais), Faculdade de Ciências Sociais, Universidade
Federal do Pará, 2019
20