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Ave Libertas: Ações emancipacionistas no Amazonas Imperial
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Ave Libertas: Ações emancipacionistas no Amazonas Imperial
E-book369 páginas4 horas

Ave Libertas: Ações emancipacionistas no Amazonas Imperial

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Sobre este e-book

O Amazonas Imperial foi a segunda província a abolir a escravidão, antecipando em quatro anos a Lei Áurea, seguindo as trilhas da província do Ceará. O presente trabalho, com o intuito de demonstrar os meandros das ações emancipacionistas na província, se delineia na hipótese de que a escravidão no Amazonas, conduziu-se por uma lógica inerente ao sistema escravocrata. Assim, junto com as adaptações do escravo para a sobrevivência e conquista de espaço numa sociedade desigual, a província do Amazonas foi também palco de confronto de relações de poder e de disputas ideológicas e políticas, ora a favor, ora contra o sistema escravocrata.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de jul. de 2021
ISBN9786558401322
Ave Libertas: Ações emancipacionistas no Amazonas Imperial

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    Ave Libertas - Provino Pozza Neto

    Prefácio

    Alforrias na Província do Amazonas: desconstruindo memórias e fazendo história

    A notícia da publicação deste livro me trouxe imensa alegria. O belo trabalho de Provino Pozza Neto não poderia ficar restrito à leitura dos especialistas. Sua dissertação, defendida no âmbito do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (PPGH/Ufam) em 2011, já nasceu com a marca do pioneirismo e as razões são muitas. Vamos a elas.

    Para começar, a escolha do tema. Estudar alforrias de homens e mulheres escravizados na província do Amazonas parecia tarefa impossível para tantos quanto se deixassem levar pelo senso comum. Refiro-me àquelas ideias que insistiam na pouca importância da presença do trabalho escravizado na região amazônica e outra, também muito frequente, que assegurava inexistirem fontes suficientes para tanto. A sólida pesquisa desenvolvida pelo jovem pesquisador colocou por terra tais juízos apressados. Solidamente amparada em mais de uma centena de cartas de alforria, cuidadosamente colhidas nos acervos locais, a dissertação lançou uma luz poderosa sobre histórias extraordinárias de gente até então sem nome, mulheres em sua maioria, que alcançaram a liberdade. As alforrias, somadas a outras fontes documentais, ajudam a contar parte de tais trajetórias.

    Uma outra marca importante do trabalho é a própria trajetória do pesquisador. A busca pelas cartas de alforria nasceu ainda na graduação, durante a execução de um projeto de Iniciação Científica financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Foram dois anos de pesquisa na graduação, a elaboração de uma monografia para conclusão do curso de História e, por fim, o mestrado. Ao todo, estamos falando de 4 anos de atividade intensa de pesquisa documental: procurar, identificar, higienizar, digitalizar, transcrever e montar um banco de dados. Tudo isso junto com o acompanhamento sistemático da vasta historiografia sobre o tema. Tive o privilégio de acompanhar toda essa trajetória.

    Não é equívoco dizer que o pesquisador foi forjado junto com seu tema de pesquisa. Afinal, aprendeu a ler a documentação oitocentista manuseando as ditas cartas, debruçou-se sobre os números, produzindo gráficos e tabelas, também a partir delas e, finalmente, foi movido pela emoção de contar as histórias das pessoas que encontrou nesse processo que escreveu sua dissertação. Importante sublinhar, nesses tempos estranhos em que vivemos onde se nega a importância do financiamento público sistemático para a ciência no Brasil, que toda essa trajetória só foi possível graças às bolsas concedidas pelo CNPq, durante a graduação e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), no mestrado.

    Nascido deste esforço continuado de pesquisa, o livro se debruça sobre a questão da emancipação escrava na província do Amazonas, procurando realizar uma aproximação deste debate em nível local a partir da imprensa. Analisa, pela primeira vez, o funcionamento do Fundo de Emancipação criado pela lei de 28 de setembro de 1871 e os dados da Junta Classificadora no Amazonas e, por fim, mergulha no universo das Cartas de Liberdade, recolhidas nos Cartórios de 1º e 2º Ofícios de Manaus e no acervo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).

    Ave libertas é, portanto, um trabalho de pesquisa histórica, solidamente amparado em fontes variadas e inéditas, desenvolvido na universidade pública como parte do processo de formação de um profissional de História. Ao longo desses anos de produção, foi avaliado várias vezes e considerado como um esforço relevante pela contribuição que trouxe para a historiografia amazônica e brasileira. Só isso já justificaria a leitura deste livro, mas ainda há outros motivos.

    O livro de Pozza Neto que, agora, chega às mãos de leitoras e leitores carrega ainda o mérito de descontruir mitos e um deles é muito caro à memória das elites amazonenses. Como muitos já sabem, o Amazonas foi a 2ª província do Império a decretar o fim da escravidão. Ocorrido em 1884, o evento ainda merece ser investigado, de modo mais profundo, para dar conta dos múltiplos atores que mobilizou e suas articulações com o mundo dos escravizados. Contudo, a despeito do estado incipiente das pesquisas, a memória oficial que prevaleceu sobre 1884 foi a de uma ação organizada conduzida por uma elite local, progressista e até generosa, que teria levado a cabo o processo de emancipação em nível local, inclusive abrindo mão de pagamentos indenizatórios, sem nenhum outro tipo de interesse a não ser a causa da liberdade.

    Uma leitura criteriosa do Ave libertas joga por terra essa imagem positivada e hegemônica da elite local. Se é certo que existiram várias ações emancipacionistas, como as realizadas pela Maçonaria e pelos clubes emancipadores, os números deixam evidente que a maioria dos senhores que concederam alforria a seus escravos e escravas o fizeram de forma condicional, isto é, receberam pagamentos por isso. Como diz o autor, o discurso panegírico não se sustenta diante do número majoritário de alforria onerosas. Afinal, como em todos os lugares onde a escravidão estava presente neste século XIX, a liberdade concedida a um escravo estava mais relacionada com o interesse comercial do que com um gesto de generosidade.

    Há ainda muito a ser investigado sobre o tema e, como vocês terão a chance de verificar, o texto é rico em indicações preciosas que permitem a abertura de novos caminhos de investigação como é o caso das sociedades emancipadoras, apenas para citar um, entre tantos exemplos. Uma questão que não poderia ficar de fora diz respeito à proeminência e ao protagonismo das mulheres escravizadas neste processo de construção da liberdade confirmando, no Amazonas, uma tendência já apontada pela historiografia especializada. Por fim, não há dúvidas de que estamos diante de uma leitura incontornável para entender o processo de emancipação escrava no Amazonas e no Brasil. Também nos ajuda a compreender como pessoas, em condição subordinada, foram capazes de pavimentar seus caminhos em direção à liberdade. Isso é imprescindível para iluminar nossas contradições e nossas possibilidades de luta no tempo presente.

    Patricia Melo

    Professora titular do departamento de História na Universidade Federal do Amazonas (Ufam)

    Introdução

    Ave libertas (...)

    Vós, oh Pátria, fazei que destes brilhos,

    Caia do Santuário lá da História,

    Fulgente do valor da vossa glória,

    A Bênção do valor dos vossos filhos!

    Augusto dos Anjos

    Quando comparado a outros países escravocratas, os ventos da liberdade tardaram a soprar no Império do Brasil. Enquanto não soprava, porém, o ideal emancipacionista foi capaz de instigar ações e motivar desejos que repercutiram em estratégias de lutas antiescravistas, fomentadas por escravos, libertos e homens livres em nome da causa libertária.

    O Amazonas Imperial não computava, em relação a outras províncias do Império do Brasil, uma grande população escrava. Foi, entretanto, a segunda província imperial a abolir a escravidão, antecipando em quatro anos a Lei Áurea, seguindo as trilhas da província do Ceará. Por proporcionar a emancipação dentro dos limites da legalidade jurídica, a alforria foi um dos meios utilizados para o abandono dos grilhões da escravidão; foi um instrumento da luta antiescravista explorado pelos emancipacionistas convictos em limpar gradualmente a mancha da escravidão, numa luta tardia que fez do Brasil o último país cristão e ocidental a abandonar o regime escravocrata.

    O presente trabalho, com o intuito de demonstrar os meandros das ações emancipacionistas na província, e, consequentemente, a relevância e a contribuição dos principais atores sociais desta história, delineia-se na hipótese de que a escravidão no Amazonas, embora com um número relativamente inexpressivo de almas cativas, regeu-se por uma lógica inerente ao sistema escravocrata. Assim, junto com as adaptações do escravo para a sobrevivência e conquista de espaço numa sociedade desigual, a província do Amazonas foi também palco de confronto de relações de poder e de disputas ideológicas e políticas, ora a favor, ora contra o sistema escravocrata.

    O projeto de pesquisa nasceu, dentre outros fatores, de uma inquietação teórica e metodológica que se contrapõe ao entendimento – anteriormente difundido – de que a escravidão no Amazonas foi pouco relevante devido à pequena contribuição econômica da escravidão na província e ao baixo número de escravos existentes, merecendo, por este motivo, uma preocupação secundária na escrita da história local. Assim, por algum tempo, as trajetórias destas populações permaneceram num relativo estado de invisibilidade, fundamentado por argumentos que atribuíam um reduzido impacto socioeconômico e histórico desta população na região.

    Este ocultamento, que por muito tempo caracterizou a escrita da história da região, vem, todavia, sendo progressivamente desfeito. A historiografia regional, partindo de outras posturas analíticas, tem revisto, de forma importante, estes temas com nomes que merecem destaque, como o do etnólogo Manuel Nunes Pereira, Vicente Salles, Anaíza Vergolino-Henry e Arthur Figueiredo e, mais recentemente, Eurípedes Funes, João Maia Bezerra Neto e Flávio Gomes.¹

    No caso específico do Amazonas, merecem destaque os esforços de alguns pesquisadores que vêm buscando desvelar estas trajetórias no campo da história social. Sob a liderança da professora Patrícia Sampaio, alguns trabalhos, de jovens pesquisadores, vêm sendo desenvolvidos, e que, partindo de fontes inéditas, vêm possibilitando uma maior aproximação aos sujeitos destas histórias, com novas problemáticas e enfoques teóricos e metodológicos, elencando, desta forma, um novo olhar sobre a escravidão no Amazonas.

    No que tange ao estudo ora apresentado, é importante frisar que algumas das promissoras questões utilizadas para o juízo das ações emancipacionistas no Amazonas, e desenvolvidas neste trabalho, começaram a ser formuladas em momento anterior quando, ainda na graduação, surgiu a oportunidade de desenvolver uma pesquisa, com um profícuo tema que se encontrava com muito – ou quase tudo – a se fazer.

    Em 2007, com a orientação de Patrícia Sampaio, deu-se início a um projeto de pesquisa intitulado Para além das fugas: um estudo sobre alforrias no Amazonas Imperial, vinculado ao Pibic-Ufam, com a contribuição do CNPq, e que tinha como objetivo analisar os processos de alforria no sistema escravocrata do Amazonas Imperial, realizando o levantamento de cartas de liberdade registradas no Cartório do 1º Ofício de Notas de Manaus. Este projeto foi renovado no ano de 2008, ampliando a pesquisa do primeiro cartório ao Cartório do 2º Ofício de Notas de Manaus, Cartório do 1º Ofício do Judicial e Anexos de Humaitá e Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Este período, por suposto, foi fundamental para o delineamento das perspectivas que vêm sendo apresentadas no presente trabalho, compondo parte da trajetória de pesquisa aqui apresentada.

    Atendendo à necessidade do projeto construído para a pós-graduação de ampliar a pesquisa a documentos de outra natureza, possibilitando um maior aprofundamento do delineamento das ações emancipacionistas no Amazonas, aprofundamos a pesquisa no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e no Arquivo Público do Amazonas. Assim, além das cartas de alforria analisadas, servem de esteio das reflexões aqui descritas, jornais da província, relatórios ministeriais e provinciais e, ainda, diversos documentos manuscritos potencialmente esclarecedores para a questão proposta. Desta forma, além da pesquisa histórica e heurística, na busca de extrair a representatividade do discurso oitocentista relacionado à escravidão em periódicos e impressos, a pesquisa ancora-se, também, na metodologia aplicada à história social para a análise de fontes seriais, como as cartas de alforria; trata-se de vasta quantidade de fontes até então inéditas para analisar questões relevantes para o entendimento da escravidão e do fim de seu funcionamento na província, por meio de ações emancipacionistas difundidas e praticadas pelos mais diferentes segmentos sociais.

    Ave Libertas, título deste trabalho, representou, na segunda metade do século XIX, uma máxima de louvor e de saudação à liberdade, divulgada pelos convictos emancipacionistas – estando intrinsicamente inserida no contexto emancipacionista intensificado na década de 1880 – sendo uma dentre tantas outras expressões afins que serviram de porta-estandarte para ventilar os ideais emancipacionistas e que fundamentaram diálogos entre diversas instituições e províncias comprometidas com a causa emancipacionista.

    Lembremo-nos de que a expressão Ave Libertas ganhou maior destaque na luta emancipacionista ao designar uma sociedade abolicionista organizada por mulheres – fundada por Leonor Porto em 20 de abril de 1884, em Recife – no intuito de posicionarem-se perante as contradições existentes entre o direito natural e o direito civil próprias da instituição da escravidão, tornando-se a maior associação abolicionista feminina do Brasil. Segundo Elizabeth Angélica Santos Siqueira e Marluce Oliveira Raposo Dantas, essas mulheres

    mostraram-se organizadas e desfraldaram sua bandeira de combate ao governo, e contra o sistema, contra os políticos retrógrados que mantinham interesse na preservação do sistema social fundado na escravidão. Mais do que ninguém, as mulheres entendiam de opressão; mais do que ninguém, conheciam o valor da palavra LIBERDADE.²

    A iniciativa pernambucana coadunava-se com as ações emancipacionistas construídas no Ceará e que, por sua vez, difundia suas experiências e empreendimentos em todo o Império – estando o Amazonas bem informado destes acontecimentos.

    Foram abundantes os exemplos dessa influência gerada, e do apoio mútuo desenvolvido, entre as diferentes sociedades emancipadoras, das diferentes províncias. A exemplo, destaquemos a conferência abolicionista realizada no teatro Santa Isabel, em Recife, publicada a mando da diretoria da sociedade Ave Libertas pernambucana, em março de 1885, para homenagear o primeiro aniversário da libertação dos escravos do Ceará, realizado em 25 de março de 1884.³ Desta forma, foram difundidos posicionamentos libertários, compostos por distintas estratégias, entre emancipacionistas oriundos de diferentes províncias, sendo a liberdade compreendida enquanto um conceito universal. Ave Libertas! Salve a Liberdade!

    Em consequência deste diálogo e permuta de experiências, alguns conceitos que exprimem estes ideais, como o Ave Libertas, foram amplamente utilizados. Por isso, também em homenagem à libertação dos escravos do Ceará, os tipógrafos do jornal Commercio do Amazonas, reutilizando o nome preconizado pelas abolicionistas feministas do Recife, compilaram o folhetim Ave Libertas, no intuito de difundir os ideais de liberdade na província do Amazonas, e de louvar o sucesso da liberdade cearense.

    A relação entre o Ceará e o Amazonas não pode ser subestimada, isto porque, este diálogo proporcionou e fomentou diferentes interpretações da questão da escravidão, pontuando a questão da liberdade enquanto pauta de discussão. Assim, ainda que sobre contextos diferentes, novas histórias de liberdade foram escritas por meio da troca de experiências, ideias e projetos emancipacionistas oriundos das duas províncias; por meio do enfrentamento de saídas possíveis e necessárias para o alcance da liberdade.

    É, portanto, sobre estas histórias de liberdade – a partir das ações emancipacionistas provindas dos diversos setores sociais – que este trabalho se debruça.

    No capítulo primeiro estabelecemos uma discussão sobre as abordagens, também indicadas, para a compreensão das ações emancipacionistas. Para tanto, o contexto da escravidão no Amazonas imperial será analisado, servindo de sustentação para a análise posterior.

    Evidentemente, a compreensão das estratégias emancipacionistas no contexto nacional e mundial apresenta-se como necessária para o posterior entendimento do contexto emancipacionista local. Para uns, a emancipação, enquanto meio de libertação gradual, foi vista como uma forma de arrefecer os ânimos abolicionistas; já, para outros, mais radicais, era o caminho a ser seguido para extinguir, por completo, a escravidão no império do Brasil. A discussão emancipacionista e abolicionista nos levará, por conseguinte, a compreender as trajetórias de emancipadores e abolicionistas, caracterizadas por diferentes formas de luta e perspectivas dos movimentos emancipadores e abolicionistas no Império. Neste contexto, maior ênfase será dada à Lei Rio Branco, de 28 de setembro de 1871, em especial, à representação da emancipação do ventre na trajetória de luta emancipacionista amazonense.

    Partindo da premissa de que a Lei Rio Branco foi um divisor de águas nos rumos abolicionistas, não necessariamente por causa do impacto efetivo nas libertações escravas ocorridas, mas, principalmente, pela mudança de perspectiva que a lei possibilitou, dando direitos aos escravos e deveres aos senhores, o segundo capítulo, intitulado Emancipando para abolir: o fundo de emancipação Imperial, objetiva analisar as medidas emancipacionistas de iniciativa imperial, por meio das leis e aplicações das leis na província do Amazonas. Para tanto, a análise volta-se mais uma vez à Lei n. 2.040, mas agora no que diz respeito ao fundo de emancipação. A direção deste capítulo foi norteada pela descrição do fundo de emancipação criado pela lei de 28 de setembro, o seu funcionamento e o impacto que esta iniciativa imperial causou na frequência da liberdade escrava na província. O levantamento de ofícios provinciais relativos ao funcionamento da junta, alegando ineficiência desta e até falta de lisura em alguns processos, entre outros fatores, como o cruzamento dos dados da Junta Classificadora e dos fundos de emancipação com as informações provenientes das cartas de alforria, nos possibilitará delinear as características, a atuação e o impacto da Lei Rio Branco, em específico, o fundo de emancipação imperial, no movimento emancipacionista na província do Amazonas.

    Para além das medidas oficiais imperiais e provinciais que buscavam disciplinar a questão do elemento servil no Amazonas, o terceiro capítulo, Aqui abrio-lhe os braços da liberdade, apresenta reflexões sobre as ações particulares intentadas neste contexto, definida pelos cativos na luta de adaptação e obtenção da liberdade, e pelos senhores que tentavam, em última instância, resistir ou lucrar com a escravidão em meio a tendências emancipacionistas provenientes de diversos meios. Uma das problemáticas será, portanto, compreender como os particulares aproveitaram estes ventos favoráveis para a liberdade.

    Para tanto, os discursos emancipacionistas disponíveis na imprensa e nas falas oficiais da província do Amazonas e o tratamento dos periódicos provinciais complementarão a análise que buscaremos explicitar sobre os processos de alforrias no sistema escravocrata no Amazonas Imperial, enfatizando suas modalidades e refletindo sobre os aspectos que influenciaram sua efetivação. A partir das cartas de liberdade, identificamos as razões e condições para a obtenção da liberdade de escravos africanos e afrodescendentes na província. Para tanto, foram analisadas diversas variáveis para esboçar os perfis relativos aos alforriados e relacioná-los com aqueles disponíveis na historiografia especializada para outras áreas do país.

    Buscaremos, desta forma, apontar os meandros da trajetória emancipacionista culminada na Lei Áurea de 1884: uma exceção à regra.


    Notas

    1. Pereira, Manuel Nunes. A introdução do Negro na Amazônia. Boletim Geográfico, n. 77, p. 509-15, 1949; Salles, Vicente. O Negro no Pará. Rio de Janeiro: FGV/UFPA, 1971; Vergolino-Henry, Anaíza e Figueiredo, Arthur Napoleão. A presença africana na Amazônia colonial: uma notícia histórica. Belém: APP/Secult, 1990; Funes, Eurípedes. Nasci nas matas, nunca tive senhor: História e memória dos mocambos do Baixo Amazonas. 1995. 137f. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo; Gomes, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: Editora Unesp/Polis, 2005; Bezerra Neto, José Maia. Por todos os meios legítimos e legais: as lutas contra a escravidão e os limites da abolição (Brasil. Grão-Pará: 1850-1888). 2009. 502f. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

    2. Siqueira, Elizabeth Angélica Santos; Dantas, M. R. A Temática dos Poemas Femininos no Recife no Século XIX. In: Revista Travessia, Florianópolis: Editora da UFSC. Mulheres – Século XIX, n. 23 (p. 134-147) jan. 1991. É importante ressaltar que inúmeras outras associações emancipacionistas foram criadas em todo o país com a especificidade de formar uma diretoria composta só por mulheres, inclusive no Amazonas, que recebeu o nome de Sociedade Amazonenses Libertadoras, fundada também em abril de 1884.

    3. Interessante notar que a cópia digitalizada encontrada deste livro apresenta um carimbo do Cartório Crime do 3º Districto da Capital – Amazonas – Manaós – na pessoa do Escrivão Pessoa de Carvalho, pressupondo uma aproximação efetiva dos ideais emancipacionistas ocorridos nas províncias próximas. In: Barreto, Fernando de Castro Paes. Homenagem da Sociedade Ave Libertas ao primeiro anniversario de libertação integral do Ceará realizada no dia 25 de março de 1884, Pernambuco 1885. Recife: Typ. Apollo, 1884 – Anno 1, n. 1 (25 de março de 1884).

    Capítulo 1

    Libertas Quæ Sera Tamen! ventos tardios da liberdade

    Bem sei que não cabe tal responsabilidade ao povo brasileiro que, por herança recebeo tão nefasta instituição e contra ella continuamente se manifesta; mas, que pesa tal estigma sobre aquelles que, tendo até hoje cuidado unicamente de seos interesses individuaes, teem á eles sacrificado os brios d´este grande paiz, e comprometido os seos fóros de civilizasado. Felizmente, ele hoje, cançado de vêr-se mal julgado, e comprehendendo que é a nota única dissonante na harmonia universal dos póvos que entoam hymnos á liberdade e a igualdade das raças, perante o direito, alistou-se ás suas co-irmâs e procura remindo os seos escravos, fazer jus as palmas e as flores com que a humanidade aplaude taes commenttimentos. Libertas quæ sera tamen!...

    (Lemos Bastos, Jornal Ave Libertas, Manaus, 25 de março de 1884)

    Neste primeiro capítulo, estabeleceremos uma reflexão sobre abordagens possíveis para compreendermos as ações emancipacionistas na província do Amazonas. Para tanto, valeremo-nos da análise de algumas estratégias emancipacionistas no contexto nacional e mundial para, em seguida, compreendermos o contexto da escravidão no Amazonas imperial e os caracteres das ações emancipacionistas na região.

    As ações libertárias, modeladas por diferentes formas de luta e de perspectiva dos movimentos emancipadores e abolicionistas no Império, remeter-nos-á necessariamente às discussões emancipacionistas e abolicionistas repercutidas na trajetória abolicionista, e, neste contexto, este capítulo incute, em meio à discussão, a importância da Lei Rio Branco, de 28 de setembro de 1871, em especial, a representação da emancipação do ventre na trajetória de luta emancipacionista amazonense.

    Emancipar ou abolir, eis a questão: as estratégias para a liberdade

    Ao meio-dia de 10 de julho de 1884, na então Praça 28 de Setembro, localizada no centro da capital da província do Amazonas, reuniram-se diversas personalidades das mais distintas classes da sociedade local amazonense. Entre elas, estavam presentes membros da Assembleia Legislativa da Província, autoridades civis e militares e, os mais interessados nesta história, africanos e afrodescendentes livres, outrora cativos. Todos ali estavam no intuito de fazer uma homenagem

    à civilização e à Pátria, em nome do Povo Amazonense, que pela Vontade Soberana do mesmo Povo e em virtude de suas Leis, não existiam

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