Das Memórias Negras Na Amazônia
Das Memórias Negras Na Amazônia
Das Memórias Negras Na Amazônia
Resumo
Este texto evidencia processos sociais recentes de emergências étnico-raciais
na Amazônia. Toma como objeto, as experiências de seis comunidades qui-
lombos do rio Andirá, Barreirinha-AM, fronteira com o Estado do Pará. Após
cerca de quinze anos de intensas mobilizações e lutas, construíram e politiza-
ram uma memória étnica relativa aos mundos do cativeiro, conseguindo com
reconhecimento enquanto “remanescentes de quilombo” em 2013, estando
agora no aguardo das titulações de seus territórios tradicionais ocupados
desde os fins do século XIX.
Palavras chave: Memória; Quilombola; Amazônia.
Abstract
This text highlights recent social processes of ethnic-racial emergencies in
the Amazon. After about fifteen years of intense mobilizations and struggles,
they have built and politicized an ethnic memory related to the worlds of cap-
tivity, achieving with the support of the indigenous peoples of the Andar Riv-
er, Barreirinha-AM, bordering the state of Pará. Recognition as “remnants
of quilombo” in 2013, and are now awaiting the titling of their traditional
territories occupied since the late nineteenth century.
Key words: Memory; Quilombola; Amazônia.
ses estudos aponta outros caminhos para determinadas. Se hoje existem territórios
lermos o mundo da escravidão na Amazô- quilombolas é por que em um momen-
nia, não apenas na perspectiva dos números to histórico dado um grupo se posicionou
aproveitando uma correlação de forças
evidenciados nas baixas entradas de escra-
políticas favoráveis e institui um direito
vos na Amazônia, quando comparados as que fez multiplicar os sujeitos sociais e as
demais regiões monocultoras do país. disputas territoriais. (RESENDE-SILVA,
A mão de obra negra, mesmo em redu- 2008, p. 5-6).
zida quantidade numérica se comparada ás
Funes, (1995), ao falar sobre o Oeste Pa-
demais áreas de plantation, foi fundamen-
raense, afirma que os rios (Curuá, Erepecu-
tal para economia da região. Em seu estudo
ru e Trombetas) acabaram também sendo
sobre a elite mercantil do Amazonas, Patrí-
rios “dos pretos e das pretas” que subiram o
cia Sampaio surpreendeu-se ao notar que a
Rio Amazonas fugindo das fazendas de gado
mão-de-obra escrava, embora relativamente
e das lavouras de cacau de Santarém, Óbi-
escassa na região de Manaus, foi fundamen-
dos e Alenquer na segunda metade do século
tal na composição das fortunas durante o
XIX. Ainda Funes (1995, p. 470), alerta para
terceiro quartel do século XIX. A discussão
o fato de que “na Amazônia a escravidão ne-
acerca do trabalho indígena, segundo a au-
gra não foi tão expressiva, em termos quan-
tora, fez com que os historiadores não per-
titativos, quanto nas regiões açucareiras,
cebessem o papel desempenhado pelos ne-
mineradoras ou cafeicultoras. Todavia, (...)
gros de ganho, pelas vendedoras, pelos pe-
o negro constituiu parcela significativa da
dreiros, carpinteiros, sapateiros lavradores
mão-de-obra, em especial na agropecuária,
e serviçais domésticos, na cidade de Manaus
serviços domésticos e atividades urbanas”.
e seus arredores (GOMES, 2003).
Esses negros buscavam nos contatos
Ainda no século XIX, tais sujeitos cons-
com os povos indígenas as saídas para cons-
truíram espaços de identidades e o que Al-
trução de seus múltiplos espaços de liber-
meida (2008) chama de “territorialidades
dades e identidades, amocambando-se em
específicas”, marcadas por seus modos de
lagos distantes ou acima das cachoeiras. A
vida, uso do território e liberdades que se fi-
presença de índios amocambados junto aos
zeram à revelia dos controles do Estado Im-
negros fugidos aparece com frequência, em
perial e Republicano. Formaram territórios relatórios de chefes das províncias Pará e
iter étnicos, por exemplos, para além das Amazonas do final do século XIX, formando
cachoeiras do Rio Trombetas -PA (ACEVE- “comunidades interétnica” (GOMES; QUEI-
DO; CASTRO, 1998) e para além das águas ROZ, 2003).
“bravas” do Rio Andirá-AM (ROCHA, 2016), É importante aqui apontar as fugas como
nas calmarias das cabeceiras do Matupiri. uma estratégia dos negros para furarem os
Atualmente, recorrem à memória e a tradi- espaços da escravidão. Como tal, havia con-
ção, construídas a partir de suas demandas textos e tempos propícios para as mesmas
atuais de reivindicantes, buscam dialogar acontecerem. O tempo privilegiado estava
as memórias sobre o cativeiro no Andirá e associado ás “água grande” e ao tempo das
sustentar suas demandas frente ao Estado festas de santos. No período das cheias dos
brasileiro, pois, rios aumentava, consideravelmente, as pos-
As territorialidades são instituídas por su- sibilidades de locomoção para as cabeceiras
jeitos sociais em situações historicamente aproveitando-se dos muitos furos e paranás,
do Rio Andirá. São atores sociais que cons- Cavalcante (2011) ao tratar das fugas de
truíram seus espaços de liberdades entre escravos no período Imperial ilumina o flu-
comunidades ditas ribeirinhas e indígenas xo dos negros no Grão-Pará, especialmente
Sateré-Mawé. Nesse sentido esses estudos entre os atuais Estados do Pará e Amazonas.
compõem uma rede de conhecimentos so- Seu texto “Fugindo, ainda que sem moti-
bre a temática negra na Amazônia, a partir vos: escravidão, liberdade e fugas escravas
do Baixo Amazonas. no Amazonas Imperial”, analisa jornais da
A historiografia recente sobre a questão cidade de Manaus e traz ricas informações
do negro no Amazonas vem preenchen- sobre os intensos contatos entre os escravos
do um vazio sobre a temática e aos poucos fugidos do oeste paraense para Amazonas
decretando o “fim do silêncio” (SAMPAIO, no final do século XIX.
2011) ao indicar as múltiplas marcas da cul- Segundo Cavalcante muitos negros em
tura negra no Estado. Também com Farias fuga optavam por adentrar as margens di-
Júnior (2013), que realizou importante estu- reitas do Rio Amazonas como o Paraná do
do junto às comunidades negras Tambor, no Ramos e o Andirá, por onde parecia ter me-
Município de Novo Airão-AM. Este dialoga nos controle estatal, haja vista que as mar-
como os pressupostos do projeto Nova Car- gens esquerdas, com os rios Trombetas,
tografia Social da Amazônia – PNCSA/UEA, Erepecuru e Curuá estavam intensamente
analisa “os processos sociais” das comuni- “vigiadas” pela presença do Estado colonial,
dades do Rio Tambor frente as suas reivin- da existência conhecida de comunidades
dicações de identidade coletiva quilombola de negros fugidos que buscaram as “águas
num contexto de luta pela permanência nas bravas”, as cabeceiras dos rios, onde tam-
terras após regulamentação de áreas de con- bém construíram seus territórios/espaços e
servação permanente. determinaram suas fronteiras à revelia da-
Para o Estado do Amazonas os estudos quelas impostas pelo Estado (FUNES, 1995;
de Sampaio (1997; 2011; 2012) iluminam a GOMES, 1997).
escravidão negra no século XIX, com desta- As análises dos jornais realizadas por Ca-
que para a cidade de Manaus. Como e por valcante (2011) indicam basicamente dois
que entraram, por onde e como foram dis- centros de fugas nesta parte da Amazônia:
tribuídos. Contudo, ainda são poucos os es- o primeiro de Santarém ou Óbidos e o se-
tudos no Estado do Amazonas que se preo- gundo de Manaus. Do primeiro há relatos
cuparam com os processos pós-abolição e da subida dos fugidos pelo Rio Amazonas
principalmente formação de comunidades e do segundo, ou subiam para o Rio Negro,
quilombolas. Destacamos aqui o trabalho de ou desciam adentrando o Rio Madeira em
Farias Júnior (2013), que tem estudado as certos casos ou seguindo as correntezas do
comunidades no Rio dos Pretos, em Novo Rio Amazonas e adentrando as Vilas de Ega
Airão, quilombo do Tambor. Este autor ana- (atual cidade de Maués), Vila Bela da Impe-
lisou os “processos sociais de reivindicação ratriz (atual cidade de Parintins) e Freguesia
da identidade coletiva enquanto comuni- do Andirá (próximo a atual cidade de Bar-
dades remanescentes de quilombo, frente a reirinha).
uma ‘situação social’ de conflito, ocasionada Nessa luta por reconhecimentos como
pela implantação de uma unidade de con- comunidades de remanescentes de quilom-
servação de proteção integral”. bo, tais comunidades de todo Brasil se arti-
culam para acessar seus direitos, indicados positivo legal” (MATTOS, 2005, p.106).
no âmbito da ressignificação do termo qui- Ao se referir a esses novos grupos étni-
lombo, do artigo 68 do Ato das Disposições cos, que tradicionalmente ocuparam suas
Constitucionais Transitórias (ADTC) da terras, Almeida (1998, p.17), afirma que:
constituição federal de 1988. Tal artigo con- Há situações históricas peculiares em que
fere direitos territoriais aos remanescentes grupos sociais e povos percebem que há con-
de quilombo que estejam ocupando suas dições de possibilidade para encaminhar
terras, sendo-lhes garantida a titulação de- suas reivindicações básicas, para reconhecer
finitiva pelo Estado brasileiro (O’DWEYER, suas identidades coletivas e mobilizar forças
em torno delas e ainda para tornar seus sa-
2005). “Ali se nomeava e se atribuía direitos
beres práticos um vigoroso instrumento ju-
a um heterogêneo conjunto de comunidades rídico-formal.
de predominância negra que, salvo raras ex-
ceções, não se pensavam em qualquer me- Esse contexto reivindicado socialmente
dida como ‘remanescentes das comunida- abriu, portanto, possibilidades para a bus-
des de quilombos’ (BRANDÃO et all,2010, ca dos direitos diferenciados de grupos ét-
p.78)”. Sua aprovação proporcionou uma nicos-raciais que foram criados na forja da
“revisão histórica e mobilização política, história colonial, marginalizados e esqueci-
que conjugava a afirmação de uma identida- dos na construção da nação e ressurgidos no
de negra no Brasil à difusão de uma memó- contexto multiculturalista do final do século
ria da luta dos escravos contra a escravidão” XX. Apresentando-se enorme desafio para
(MATTOS, 2005, p 106). historiadores, antropólogos e cientistas so-
É também nesse contexto que o termo ciais engajados em torno da questão (MON-
“quilombo” deixa suas limitações históricas, TEIRO, 2006).
a partir do modelo de Palmares, forjado no Nesse cenário de possibilidades de busca
contexto da colonização, onde o conselho ul- por acessar direitos e (re) afirmação da Iden-
tramarino definiu quilombo como “toda ha- tidade étnico-racial no Brasil, vale ressaltar
bitação de negros fugidos, que passassem de a atuação dos movimentos sociais, com des-
cinco, em parte despovoada, ainda que não taque para os movimentos negros que:
tenha ranchos levantados e nem se achem Buscam formas concretas de expressões
pilões nele”. Esta definição influenciou toda culturais para interpretá-las dentro de uma
uma pesquisa histórica da temática qui- perspectiva mais ampla. (...). Ao integrar em
lombola até a década de 1970 (SCHIMITT, um todo coerente as peças fragmentadas da
história da África (negra) – candomblé, qui-
2002).
lombos, capoeira- os intelectuais constroem
Dentro desse cenário de possibilidades e uma identidade negra que unifica os atores
dispositivos legais, é que serão encampadas que se encontravam anteriormente separa-
lutas por todo país por reconhecimento das dos. A identidade é neste sentido elemento
terras de remanescentes de quilombo. So- de unificação das partes, assim como funda-
mam-se a isso outras questões, pois, “além mento para uma ação política (...) (ORTIZ,
2006, p. 141).
da referência étnica e da posse coletiva da
terra, também os conflitos fundiários viven- Para Almeida (2012) foi no início da dé-
ciados no tempo presente aproximavam o cada de 1990 que ocorreram às chamadas
conjunto das ‘terras de preto’, habilitando “quebradeiras de coco babaçu”. Em outras
-as a reivindicar enquadrar-se no novo dis- palavras, foi nos primeiros anos de imple-
mentação da “Constituição Cidadã” que os luta por reconhecimento, a luta foi o seguin-
“quilombolas” colocaram as suas pautas de te, começou em 2005, quando teve a pri-
reivindicações, em meio a um ambiente de meira pesquisa aqui dentro da comunidade.
Veio uma professora, uma pesquisadora por
forte efervescência política e mobilização
nome Ana Felícia, ela veio pesquisar aqui
social. porque ela viu no histórico que existia negro
No início da década de 90 foram às chama- no Amazonas, e a onde ela foi indicada, foi
das “quebradeiras de coco babaçu” e os “qui- no Andirá. Ai, ela chegou aqui, conversou
lombolas” que se colocaram na cena política com o pessoal que foram contando que a
constituída, consolidaram seus movimentos gente tinha sangue de negro, porque o nos-
e articularam estratégias de defesa de seus so princípio tinha vindo da África. Ai, foi que
territórios, juntamente com outros povos começou a ter o levantamento da procura
dos negros né. Ai, chegou à conclusão que
e comunidades tradicionais, tais como os
hoje nós somos reconhecido. Essa luta foi
“castanheiros” e os “ribeirinhos” (...). Além
muito grande, tá sendo até hoje muito gran-
destes começaram a se consolidar no últi-
de essa luta.3
mo lustro, as denominadas “comunidades
de fundos de pasto” e dos “faxinais”. Estes Outro aspecto pertinente nos esforços
movimentos, tomados em seu conjunto, rei-
de pesquisa sobre construção da identidade
vindicam o reconhecimento jurídico-formal
de suas formas tradicionais de ocupação e
quilombola no Matupiri a partir do Centro
uso dos recursos naturais (ALMEIDA,1998, de Estudos Superiores de Parintins da Uni-
p.19). versidade do Estado do Amazonas é sobre as
posturas metodológicas com as fontes orais.
As comunidades passam a se articular
Em sua predominância, os estudos ampa-
em torno de elementos que os unisse na bus- ram-se nos procedimentos da História Oral
ca de acessar seus direitos. Para isso acio- (ALBERTI, 2013; ALBERTI, 2004; MEIHY,
nam os mais variados elementos e entidades 2005; MEIHY e YOLANDA, 2011).Este ar-
externas. Essa questão legal se consolidou tigo indica uma reflexão acerca de como as
quando o decreto 4.887, de 20/11/2003, re- narrativas orais vem sendo utilizadas por
gulamentou que a caracterização dos rema- pesquisadores da UEA para compor narra-
nescentes das comunidades dos quilombos tivas históricas acerca dos processos inde-
será atestada mediante auto-identificação nitários quilombolas na região do Matupiri,
da própria comunidade. Barreirinha –AM.
Tais comunidades, por sua vez, passam
a ser compreendidas também como grupos Das memórias no Andirá
étnicos-raciais, segundo critérios de auto
Os colaboradores que concederam as entre-
atribuição, com trajetória histórica própria,
vistas que constituem o corpus documental
dotados de relações territoriais específicas,
sobre a História dos quilombolas do Matupi-
com presunção de ancestralidade negra re-
ri definem-se como descendentes, bisnetos
lacionada com a resistência á opressão his-
ou netos dos pioneiros nascidos na comuni-
tórica sofrida (ALMEIDA, 1998).
dade no século XIX. Suas narrativas recupe-
Nos primeiros anos do século XXI as co-
ram as memórias, compartilhadas entre as
munidades negras rurais do Matupiri, em diá-
famílias, de geração á geração sobre as suas
logo intenso com as experiências das outras
origens e experiências, que remetem a uma
partes do país, especialmente do Oeste Pa-
raense, também iniciaram seus processos de: 3 Maria de Lourdes, agricultora, 53 anos.
Itucuara, fizeram ai e surgiram algumas ca- Uma terceira versão revelada por Dona
sas, mais ainda não era mesmo comunidade, Eduarda e Dona Benedita, sobre as origens
ai depois que ingressou mais algumas famí- das comunidades quilombolas do Matupiri,
lias, ai começaram a se organizar disseram
as remete a uma experiência ligada ao cati-
que iam fazer um barracão pra fazer uma
igreja, ai chamaram o padre, o padre veio e veiro, mas, sobretudo, à Cabanagem.
achou que deveria formar uma comunidade, Segundo Eduarda Trindade,
ai formaram essa comunidade, ai tinha essa
O finado meu avô chegou pra cá inicio de
minha avó que o nome dela era Maria Tere-
...assim de ... de turma né... aí ele veio embora
za, ai depois apareceu mais um outro que era
pra cá... que vieram né... aí não teve uma cor-
o irmão dela que era o seu Teodoro, depois
rida que... que ... pois é... essa cabanagem...
o seu Manoel Benedito Rodrigues, então fo-
nesse tempo... é desse tempo que eu nasci, aí
ram esses ai que foram os primeiras pessoas
chegou pra cá... aí se agradou da finada mi-
a formar essa comunidade.9
nha avó já e ficou por aí... Na turma né... que
Também Lorença da Silva ao ser indaga- turma que eles vieram não contaram não...
só ele contou que era...do... da África. (...) 11
da sobre as origens da comunidade quilom-
bola do Lago do Matupiri, se remete a uma Segundo Dona Benedita,
memória do cativeiro, para construir a sua
[...] pra não querem morrer né fugiram...
narrativa. tempo da cabanagem que eles fugiram de
eles fugiram e eram escravos, fugiram de noi- lá de ...vieram embora pra cá, ficaram por
te. A dona Tereza veio na barca com a família aqui... eles atravessam na baiacu dentro do
dela, já no Rio Andirá o vento ficou tão forte barranco disque... só sei que passaram pra
que alagou a canoa. Ai ficou só ela a mãe dela cá, não sei como né, nunca andei por ai não
e o pai dela e outro irmão dela, passaram um pode dizer assim que era historia lá...só sei
dia no Rio Andirá com a canoa de boca pra que acertaram pra cá e vieram embora den-
baixo[...] até chegar na praia do Açu. Quan- tro do barranco... Eram quatro a modo esses
do eles chegaram vinha um pessoal que “ma- que vieram fugido é ... Quatro homem e duas
tava”. Ai, pegaram o pai dela que não podia mulher ... Passaram. 12
mais andar, já estava todo entravado, pega-
Esta hipótese sobre o surgimento das
ram e mataram ele penduraram uma banda
no galho a cabeça colocaram no sol e outra comunidades a partir da construção de um
banda no outro lugar [...]. Após isso ela veio espaço para abrigar homens e mulheres em
remando e chegou seis horas da tarde aqui, fuga, em decorrência dos combates esta-
não tinha ninguém.10 belecidos a partir da Cabanagem, sugere a
As narrativas das senhoras Cilda de Cas- possibilidade do surgimento dessas comuni-
tro, Rosa e Lorença Enedina revelam uma dades, ligarem-se a processo de mobilização
descrição detalhada sobre a origem do sur- e luta mais amplo. Um processo sacudiu o
gimento da comunidade. Nela a família Cas- Império Brasileiro e cujos desdobramentos,
tro é descrita como pertencente ao núcleo em certa medida, atingiram o Baixo Amazo-
familiar fundador da comunidade. nas. Por outro lado o processo de luta e mo-
bilização, estabelecido nessas comunidades,
9 Entrevista com o Sra. Rosa Lolita 46 anos agri- nas primeiras décadas do século XX, dialoga
cultora realizada pelo acadêmico da universida-
de do estado do Amazonas Carlos Alberto Trin- 11 Entrevista com a Sra. Eduarda Trindade, 71
dade para o projeto de Iniciação Cientifica/PAIC anos, aposentada, Abril de 2010. Apud (SILVA,
2015. 2010).
10 Entrevista com a Sra. Lorença da Silva 90 anos 12 Entrevista com a Sra. Benedita Ribeiro, 56 anos,
Apud (MOURÃO 2010). agricultora, Abril de 2010. Apud (SILVA, 2010.)
intentamos destacar os papeis dessas lide- ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terra de
ranças femininas, que estiveram à frente da quilombo, terras indígenas, “babaçuais
livre”, “castanhais do povo”, faixinais e
federação quilombola do município de Bar- fundos de pasto: terras tradicionalmente
reirinha e aparecem como figuras centrais ocupadas. – 2.ª ed, Manaus: PGSCA–UFAM,
nas narrativas quilombolas do Matupiri. 2008.
É a partir desse universo de entrelaça- ALMEIDA, Wagner Berno de. Cartografia
mentos de memórias, locais e regionais, social dos povos e comunidade tradicio-
construídas sobre a sua ancestralidade, das nais da Amazônia. Plano de curso ministrado
práticas cotidianas e das manifestações so- no Centro de Estudos Superiores de Parintins-
CESP/UEA, Julho a Dezembro de 2012.
cioculturais que os sujeitos do Matupiri in-
dicam os elementos que devem compor a BARTH, Friedrik. Etnicidade e o conceito de
cultura. Antropolítica, n. 19. Niterói: UFF, p.
sua nova identificação étnica no Rio Andirá.
15 – 30, 2005.
Este novo contexto de emergências étnicas
permite e exige para sua validação que as BATISTA, Djalma. O complexo da Amazô-
nia: análise do processo de desenvolvi-
vozes da Amazônia possam construir suas mento. Manaus: Valer-EDUA-INPA, 2007.
próprias narrativas históricas que comporão 2ª ed.
o novo pensamento social da e sobre região,
BEZERRA NETO, José Maia. Por todos os
que aliás, vive em constante (re) construção. meios legítimos e legais: as lutas contra a
Em outras palavras, compreender como escravidão e os limites da abolição (Brasil,
a comunidade do Matupiri se diz, se auto Grão-Pará, 1850-1888). Tese de Doutoramento.
PUC/SP, 2009.
identifica quilombola, passa antes de tudo
por reconhecer e entender os inúmeros pro- CAMPOS, Sabrina Coelho, Memória e luta:
cessos e formas de conhecimentos por eles narrativas dos remanescentes de qui-
lombos de Santa Teresa do Matupiri, São
acionados e utilizados. Essa é uma atividade Pedro e Trindade. Monografia em História.
não localizada no Andirá, mas que se liga a UEA. Parintins. 2010.
um contexto maior pelo qual novas identi-
CAVALCANTE, Ygor O. R. “Fugindo, ainda que
ficações étnicas ganham força e constroem sem motivos”: escravidão, liberdade e fugas es-
possibilidades de emergências e busca por cravas no Amazonas Imperial. In: SAMPAIO,
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sença negra na Amazônia. Belém: Açaí/
nais por toda a Amazônia.
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SAMPAIO, Patrícia M.(0rg.). O fim do silên- 2013. UFAC, Rio Branco, Acre.
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