101 - o Conceito de Conforto
101 - o Conceito de Conforto
101 - o Conceito de Conforto
INTRODUO
O conforto um tema importante para as sociedades contemporneas, tanto que,
cotidianamente, as pessoas so expostas a estmulos comerciais que vinculam
produtos idia de conforto. A despeito disso, no simples definir o conforto, no
havendo uma definio universalmente aceita na literatura (Pineau, 1982; Lueder,
1983; Slater, 1985; Zhang, 1992; Sanders e McCormick, 1993; Quehl, 2001).
A origem da palavra conforto est ligada ao conceito de consolo ou apoio, a partir da
palavra latina cumfortare, derivada de cum-fortis, significando aliviar dor ou fadiga.
Originalmente, esse foi o significado do francs confort, que no sculo XIII deu
origem ao ingls comfort (Maldonado, 1991; Quehl, 2001) e, na lngua portuguesa,
palavra conforto (Instituto Antnio Houaiss, 2001). A evoluo dos seus significados
corresponde evoluo da cultura ocidental, e espelha a mudana dos valores
espirituais desde o incio do cristianismo para a atual busca de bem-estar material. A
Revoluo Industrial levou viso do conforto como uma necessidade lcita e
comprometida com a modernizao (Maldonado, 1991).
Desde a dcada de 1950, a definio de conforto tem estado presente na
apresentao de estudos ergonmicos, particularmente relacionados a assentos. A
primeira definio operacional para conforto foi proposta por Hertzberg, que definiu
conforto como a ausncia de desconforto (Lueder, 1983). Apesar de muitos
autores ainda utilizarem o desconforto como uma medida do conforto, outros
consideram que existem poucas evidncias de que o conforto seja a ausncia de
desconforto (Goonetilleke, 1998; Stracker, 1999). Atualmente, o conforto tambm
apresentado como um construto associado ao prazer (Jordan, 2000; Coelho e
Dahlman, 2002) a um estado prazeroso de harmonia fisiolgica, fsica e psicolgica
entre o ser humano e o ambiente (Slater, 1985) sendo que Zhang (1992) diferencia
entre o sentimento de relaxamento e bem estar auferido pelo conforto, enquanto o
desconforto estaria relacionado a questes biomecnicas e fisiolgicas. O que os
vrios conceitos e definies tm em comum a subjetividade e dependncia da
opinio do sujeito em um dado momento: a convenincia experimentada pelo
usurio final durante ou logo aps o uso do produto que se manifesta de trs
formas: desconforto, conforto (ou confortvel) e no desconforto (Vink, 2002).
A polissemia da palavra conforto, decorrente dos usos feitos pelas diversas
disciplinas do conhecimento e pelo uso popular, leva a dificuldades quando se faz
necessria a preciso com relao sua inteligibilidade, como ocorre em ambientes
experimentais destinados avaliao de produtos. Assim, a questo do significado
do conforto e quais as suas dimenses um tema que propicia polmica nos meios
acadmicos da Ergonomia e do Design.
Este artigo apresenta resultados referentes a uma das questes abordadas em um
estudo realizado com o objetivo de compreender a viso de especialistas com
relao a conforto em calados. A investigao foi realizada com o uso do Mtodo
Delphi (Dalkey e Helmer, 1963), contemplando a participao de pesquisadores com
grau de doutor, oriundos de diferentes reas de conhecimento afins ao tema. Foram
utilizados trs questionrios que exploraram seis questes relacionadas ao tema da
pesquisa. O foco deste artigo a questo referente definio de conforto.
PROCEDIMENTO METODOLGICO
Este estudo foi realizado com o uso de uma variante do Mtodo Delphi (Dalkey e
Helmer, 1963) que baseia-se em repetidas consultas a especialistas, com uso de
entrevistas ou questionrios, sem que haja confrontao direta entre eles.
Atualmente, existem inmeras variaes do Mtodo Delphi com enfoques
quantitativos e qualitativos. O procedimento adotado tem como referncia Baxter
(1998) e consistiu em: i) definio do problema; ii) seleo dos especialistas; iii)
convite aos especialistas; iv) primeiro questionrio, para obter a sua opinio inicial;
v) segundo questionrio, para identificar concordncias e discordncias; e vi)
terceiro questionrio, para estabelecer a melhor soluo.
A seleo de especialistas foi feita por meio da Plataforma Lattes do CNPQ (sistema
de currculos de pesquisadores, disponvel em http://lattes.cnpq.br). A partir dessa
seleo, foi enviado um convite a 37 pesquisadores, explicando os objetivos e o
mtodo da pesquisa. Dispuseram-se a participar 16 pesquisadores em atuao nas
reas de Ergonomia (n=5), Biomecnica (n=5), Design Industrial (n=3) e Moda (n=3).
Foram realizadas trs rodadas de questionrios, enviados por meio de correio
eletrnico aos pesquisadores. O primeiro questionrio consistiu de seis perguntas
relacionadas ao conforto de sapatos. O segundo questionrio apresentou a anlise
das respostas e solicitou aos respondentes a sua opinio quanto aos resultados,
permitindo a complementao das informaes. O terceiro questionrio focalizou as
mesmas questes, reformuladas de maneira a permitir que cada especialista
pudesse registrar a sua concordncia ou discordncia.
RESULTADOS E DISCUSSO
A anlise das respostas para a questo Como voc define o conforto?,
apresentada no primeiro questionrio, permitiu formular trs diferentes definies,
cada uma contemplando uma abordagem: conforto como estado subjetivo, fsico e
psicolgico; conforto como subjetivo, mas apenas fsico; e conforto como objetivo
(independente do sujeito). Essas definies so apresentadas no Quadro 1.
conforto como estado subjetivo, fsico e psicolgico
Conforto uma sensao prazerosa de bem estar fsico e mental, que implica na ausncia de sensaes desagradveis de dor e
estresse, estabelecida no relacionamento com o meio, no cumprimento das mais diversas atividades, situaes e sentimentos,
proporcionada por postos de trabalho, objetos ou produtos artsticos, considerada a partir de parmetros sociais, culturais e
histricos.
conforto como subjetivo, mas apenas fsico
Conforto uma sensao fsica de ausncia de desconforto, dor, mal-estar ou sensaes de incmodo, definida a partir de uma
situao anterior de desconforto e que elimina as restries comportamentais, otimizando a performance.
conforto como objetivo (independente do sujeito).
Conforto uma condio em que o sujeito executa suas tarefas, de forma harmoniosa com o ambiente, sem estar exposto a
sobrecargas que causem dor ou incmodo ou ainda dispndio desnecessrio de energia.
Quadro 1 Definies de conforto a partir da anlise do primeiro questionrio
O questionrio foi respondido por 15 especialistas (um foi descartado por no ter
respondido ao segundo questionrio). Foi utilizada uma escala verbal, que foi
posteriormente convertida em escala numrica (discordo fortemente = -2; discordo =
-1; nem concordo nem discordo = 0; concordo = 1; concordo fortemente = 2).
Para anlise do conjunto de afirmativas referentes definio de conforto, utilizou-se
a Anlise de Componentes Principais, extraindo-se trs componentes, que explicam
61,9% da varincia das respostas. Na Figura 1, so apresentadas as afirmativas
com relao aos trs componentes, formando dois agrupamentos, que levam a duas
definies complementares: O conforto uma sensao prazerosa de bem-estar
fsico e psicolgico e O conforto uma condio de bem-estar com ausncia de
estresse, dor e desconforto, definida a partir de uma situao de desconforto.
CONCLUSES
Esta investigao, realizada com pesquisadores de diversas reas relacionadas com
a ergonomia, permitiu mapear componentes do discurso acadmico com relao ao
conforto. As respostas, embora tenham sido fornecidas, de um modo geral, a partir
da opinio pessoal do respondente, trazem consigo valores e convices
construdas por meio da prtica profissional e da reflexo.
A inteno de construir uma resposta de consenso, em investigaes como esta,
sempre esbarra na variabilidade individual e na complexidade do tema. As trs
definies cunhadas com base na anlise do primeiro questionrio demonstram isso.
Assim, ao invs de uma definio fechada para o conforto, que poderia ser proposta,
cabe propor um entendimento mais amplo do conceito de conforto. Os resultados
desta investigao apresentam o conforto como um construto fortemente afetado por
variveis de contexto, de forma coincidente com Slater (1983).
As implicaes deste estudo para a avaliao de conforto em produtos, que so
mais evidentes para o enfoque macroergonmico (Hendrik e Kleiner, 2001), levam a
que sejam consideradas dimenses subjetivas ainda hoje tidas como de menor valor
para a ergonomizao de ambientes de trabalho. necessrio, portanto, a utilizao
conjunta de instrumentos de avaliao objetivos e subjetivos.
REFERNCIAS
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