Bem-Estar Subjetivo em Busca Da Qualidade de Vida

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Bem-estar subjetivo: Em busca da qualidade de vida

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Claudia Hofheinz Giacomoni


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia da SBP—2004, Vol. 12, no 1, 43– 50

Bem-estar subjetivo: em busca da qualidade de vida


Claudia Hofheinz Giacomoni
Universidade Federal de Santa Maria

Resumo
O bem-estar subjetivo (BES) é uma área da Psicologia que tem crescido reconhecidamente nos últimos
tempos. Essa área cobre estudos que têm utilizado as mais diversas nomeações, tais como: felicidade, satis-
fação, estado de espírito e afeto positivo, além de também ser considerada a avaliação subjetiva da qualida-
de de vida. Refere-se ao que as pessoas pensam e como elas se sentem sobre suas vidas. Perspectivas atuais
definem o bem-estar subjetivo como uma ampla categoria de fenômenos que inclui as respostas emocionais
das pessoas, domínios de satisfação e os julgamentos globais de satisfação de vida. O presente estudo intro-
duz essa nova área de estudos da psicologia, seus aspectos conceituais e avaliativos, assim como, as suas
principais contribuições para a compreensão do impacto dos eventos de vida na qualidade de vida.
Palavras chave: bem-estar subjetivo, satisfação de vida, afeto positivo.

Subjective well-being: The search for quality of life


Abstract
The subjective well-being is a growing interest in the area of Psychology. This interest is shown in studies
under different titles and key words: happiness, satisfaction, and positive affect, besides the subjective
evaluation of quality of life. Subjective well being is concerned with what people think and feel about their
lives. The distinct perspectives on the matter have defined subjective well-being as a wide category of a
phenomenon that includes emotional responses, satisfaction domains, and the global judgments of life’s
satisfactions. The present study introduces this new area of Psychology, its conceptual and evaluative as-
pects, as well as its main contributions to comprehend the life events impact on quality of life.
Key words: subjective well-being, life satisfaction, positive affect.

Definição e estrutura do bem-estar subjetivo


Diferentes abordagens vêm investigando a qualidade de vida das pessoas ao longo do tempo. A Eco-
nomia avalia a qualidade de vida das sociedades através da quantidade de bens, mercadorias e serviços que
são produzidos pelas comunidades. Já os cientistas sociais adicionam à avaliação objetiva da Economia in-
dicadores sociais importantes como: baixas taxas de crime, expectativa de vida, respeito pelos direitos hu-
manos e distribuição eqüitativa dos recursos. Uma terceira abordagem de definição e avaliação da qualida-
de de vida é o bem-estar subjetivo.
O bem-estar subjetivo é uma área da psicologia que tem crescido muito ultimamente, cobrindo estu-
dos que têm utilizado as mais diversas nomeações, tais como: felicidade, satisfação, estado de espírito e
afeto positivo. De forma ampla, pode-se dizer que o tema foca como as pessoas avaliam suas vidas (Diener,
1996). Mais especificamente, este construto diz respeito a como e por que as pessoas experienciam suas
vidas positivamente. Também é considerada a avaliação subjetiva da qualidade de vida.
_________________________________________________________________________________

Trabalho apresentado na mesa redonda A Psicologia Positiva e o seu Papel na Construção de Novas Tendências e
Possibilidades de Pesquisa, na XXXII Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Florianópolis, SC, 2002.
Trabalho parcialmente financiado pela Capes.
Endereço para correspondência: R. Afonso Taunay n. 180 apt 301 Porto Alegre, RS, 90520-540. E-mail: giaco-
[email protected].
44 Bem-estar subjetivo

Pensadores ocidentais têm procurado a o afeto positivo do negativo e define a felici-


compreender a “Felicidade” (Diener, 1994). dade como o equilíbrio entre os dois. A se-
Através da história, filósofos consideraram a gunda concepção, que vem ganhando atenção
felicidade como o bem maior e a principal mo- entre sociólogos, enfatiza a satisfação de vida
tivação para a ação humana. Porém, até recen- como o principal indicador do bem-estar. A
temente, psicólogos deram pouca atenção para satisfação de vida é vista como o componente
o estudo do bem-estar subjetivo, preferindo cognitivo que complementa a felicidade, di-
investigar a infelicidade e o sofrimento huma- mensão afetiva do funcionamento positivo
no. Atualmente, este construto tem sido muito (Ryff e Keyes, 1995).
utilizado nas áreas de saúde mental, qualidade O bem-estar subjetivo é uma atitude e
de vida e gerontologia social. A partir da déca- como tal possui pelo menos dois componentes
da de setenta, cientistas sociais e do comporta- básicos: afeto e cognição (Ostrom, 1969). O
mento passaram a estudar e trabalhar sobre a componente cognitivo refere-se aos aspectos
teoria. O termo “felicidade” passou a ser inde- racionais e intelectuais, enquanto o compo-
xado no Psychological Abstracts em 1973 e o nente afetivo envolve os componentes emo-
periódico Social Indicators Research, fundado cionais. Além dessa distinção, que auxilia o
em 1974, começou a publicar um grande nú- entendimento e a medida, o componente afeti-
mero de artigos sobre bem-estar subjetivo vo pode ser dividido em afeto positivo e nega-
(Diener, 1984). tivo. Andrews e Withey (1976) estruturaram,
Diener (1984) agrupa as definições de como componentes do bem-estar subjetivo, o
bem-estar subjetivo e felicidade em três cate- julgamento de satisfação de vida e o afeto po-
gorias. A primeira categoria concebe o bem- sitivo e negativo.
estar através de critérios externos, tais como Definir bem-estar é difícil, uma vez que
virtude ou santidade1. Nessas definições nor- pode ser influenciado por variáveis tais como
mativas - porque definem o que é desejável - a idade, gênero, nível sócio-econômico e cultu-
felicidade não é pensada como um estado sub- ra. Muito amplamente, aponta-se que uma
jetivo, mas antes como o possuir alguma quali- pessoa com elevado sentimento de bem-estar
dade desejável. apresenta satisfação com a vida, a presença
A segunda categoria de definição de freqüente de afeto positivo, e a relativa ausên-
bem-estar, formulada por cientistas sociais, cia de afeto negativo. A relativa preponderân-
investiga os questionamentos sobre o que leva cia do afeto positivo sobre o negativo é referi-
as pessoas a avaliar suas vidas em termos posi- da como balança hedônica (Diener, 1996).
tivos. Tem sido chamada de satisfação de vida Diener (1984) sugere que existem três
e utiliza os padrões dos respondentes para de- aspectos do bem-estar subjetivo que são im-
terminar o que é a vida feliz. A terceira catego- portantes de serem destacados: o primeiro é a
ria de definição de bem-estar considera esse subjetividade - o bem-estar reside dentro da
como sendo o estado que denota uma prepon- experiência do individual; o segundo consiste
derância do afeto positivo sobre o negativo no entendimento de que bem-estar não é ape-
(Bradburn, 1969). Enfatiza a experiência emo- nas a ausência de fatores negativos, mas tam-
cional de satisfação ou prazer. Aponta o quanto bém a presença de fatores positivos; o terceiro
a pessoa está experienciando emoções positi- salienta que o bem-estar inclui uma medida
vas ou negativas durante um período específico global ao invés de somente uma medida limi-
da vida, ou o quanto a pessoa está predisposta a tada de um aspecto da vida.
essas emoções. Desde o estudo de Bradburn, em 1960,
Nos últimos trinta anos, o estudo do bem-estar que concluiu que afeto positivo e negativo são
subjetivo tem sido guiado por duas concepções relativamente independentes um do outro, a
de funcionamento positivo. A primeira, inicia- relação entre os dois componentes tem sido
da pelo trabalho de Bradburn (1969), diferenci- controversa. Entretanto, atualmente, há exten-
——————————— sa evidência mostrando que níveis proporcio-
1. Ver Coan (1977) para uma revisão das várias con- nais de afeto negativo e positivo são indepen-
cepções da condição ideal em diferentes culturas e dentes, mesmo quando diferentes instrumen-
épocas.
45 C. H. Giacomoni

tos de medidas são usados (Diener, 1984). costuma diminuir, mas geralmente todas têm
Ryff e Keyes (1995) apresentaram um modelo sobrevivido a tais controles. Argyle (1999) a-
multidimensional de bem-estar composto por ponta as variáveis de maior impacto positivo
seis componentes distintos de funcionamento na felicidade: o casamento, o emprego, o status
psicológico positivo: avaliação positiva de si ocupacional, o lazer e as “competências” de
mesmo e do período anterior de vida (auto- saúde e habilidades sociais. Além disso, os e-
aceitação), um sentido de crescimento contínuo feitos são mais intensos em determinados gru-
e desenvolvimento como uma pessoa pos como a renda para o pobre, a religião para
(crescimento pessoal), acreditar que a vida pos- os velhos, a exemplo do fato do desempregado
sui objetivo (sentido) e significado (sentido de ser mais infeliz, assim como, os divorciados e
vida), possuir relações de qualidade com outros separados.
(relações positivas com outros), capacidade de Devido a esses pequenos efeitos relata-
manejar efetivamente a vida e o mundo ao re- dos acima, os pesquisadores passaram a questi-
dor (domínio do ambiente), e sentido de auto- onar o fato de que o impacto das variáveis de-
determinação (autonomia). mográficas é provavelmente mediado por pro-
As principais teorias e modelos explica- cessos psicológicos como metas e habilidades
tivos do bem-estar subjetivo vêm sendo apre- de coping. Buscou-se, assim, estudar os aspec-
sentados, historicamente, em dois grandes blo- tos intrínsecos na explicação do restante da
cos opostos denominados bottom-up versus variabilidade do bem-estar subjetivo. Quais
top-down. As principais teorias iniciais de estruturas da pessoa determinariam como os
bem-estar subjetivo estavam preocupadas em eventos e as circunstâncias são percebidos? As
identificar como os fatores externos, as situa- tentativas de responder a tais questionamentos
ções e as variáveis sócio-demográficas afeta- estão representadas pelas abordagens Top-
vam a felicidade. Estas abordagens, conhecidas down.
como bottom-up, mantêm como base o pressu- As abordagens top-down do bem-estar
posto de que existe uma série de necessidades subjetivo assumem que as pessoas possuem
humanas universais e básicas, e que a satisfa- uma predisposição para interpretar as situa-
ção, ou não, destas viabiliza a felicidade. Ou- ções, as experiências de vida, de forma tanto
tros fatores associados por essas teorias são as positiva quanto negativa, e essa propensão in-
experiências de eventos prazerosos diários es- fluenciaria a avaliação da vida. Em outras pala-
tando relacionados ao afeto positivo, assim vras, a pessoa aproveitaria os prazeres porque é
como o seu oposto, eventos desprazerosos as- feliz e não vice-versa. Para a perspectiva top-
sociados a afetos negativos. Mais ainda, a sa- down, nossa interpretação subjetiva dos even-
tisfação e a felicidade resultariam do acúmulo tos é que primariamente influencia o bem-estar
desses momentos específicos, dessas experiên- subjetivo, ao invés das próprias circunstâncias
cias felizes (Diener, Sandvik e Pavot, 1991). objetivas sugeridas pela abordagem anterior
Os últimos trinta anos de pesquisa têm (bottom-up). Atualmente, existem algumas teo-
demonstrado que todos os fatores demográfi- rias investigando como ocorre esse processo de
cos tomados juntos não contam muito para a interpretação dos eventos e suas relações com a
variância do bem-estar subjetivo. Campbell, nossa avaliação da vida. Três grandes blocos
Converse e Rodgers (1976), no extenso traba- de teorias compõem a área de estudos: as teori-
lho realizado, encontraram que as variáveis as de personalidade e seus diferentes modelos,
demográficas (por exemplo: sexo, idade, renda, as chamadas teorias de discrepância e as teori-
raça, educação e condição civil) computaram as relativas aos processos de adaptação e co-
menos do que vinte por cento da variância do ping.
bem-estar. A média de variância explicada pe- As pesquisas sobre as relações entre a
las circunstâncias externas encontrada é de a- personalidade e o bem-estar subjetivo, e as
proximadamente dez por cento para Andrews e causas destas relações fornecem informações
Whitey (1976) e de quinze por cento para Die- importantes sobre o bem-estar subjetivo, sua
ner (1984). Quando outras variáveis, usual- estrutura e funcionamento. A literatura aponta
mente demográficas, são controladas, o efeito que os componentes cognitivos e afetivos do
46 Bem-estar subjetivo

bem-estar apresentam-se consistentes nas pes- da, nos grandes levantamentos sociais da épo-
soas ao longo do tempo e das situações, corre- ca, uma questão específica sobre felicidade ou
lacionando-se com específicos traços e cons- satisfação de vida. Entre as medidas de único-
trutos da personalidade. Além disso, os compo- item sobre satisfação de vida mais utilizada
nentes do bem-estar também se relacionam de temos o Index de Bem-Estar de Campbell,
forma distinta com os traços: extroversão cor- Converse e Rodgers (1976), utilizado no gran-
relaciona-se com afeto prazeroso de forma mo- de levantamento sobre a qualidade de vida
derada; neuroticismo correlaciona-se com afeto americana realizado no início da década de
desprazeroso; e as metas pessoais estão mais 1970, com a participação de mais de 2.000
fortemente relacionadas com o componente pessoas. O Index de Bem-estar (Campbell,
cognitivo do bem-estar. Os estudos demonstra- Converse e Rodgers, 1976) é composto pela
ram que a tendência a experienciar emoções soma do escore médio da escala de afeto geral
fortes ou leves é estável ao longo do tempo. As (conjunto de oito indicadores semânticos de
pessoas são consistentes em seus padrões de afeto) e pela medida da escala de único-item
reação. A intensidade do afeto, portanto, não se de satisfação de vida (“O quão satisfeito você
correlaciona com os indicadores do bem-estar. está com a sua vida como um todo?”), com
A intensidade do afeto, para Diener e Lucas resposta em escala de tipo Likert de sete pon-
(1999), reflete a qualidade, ao invés do nível, tos, variando entre completamente não satis-
do bem-estar subjetivo que uma pessoa experi- feito (1) a completamente satisfeito (7).
encia. Algumas escalas, também de único-
Outras abordagens teóricas acreditam item, fizeram uso de artifícios gráficos para
que os indivíduos, ao avaliarem suas vidas, romper a barreira do uso de uma língua em
comparam-se a vários padrões incluindo outras particular, com especial finalidade para estu-
pessoas, condições passadas, aspirações e ní- dos transculturais. Cantril (1967) desenvolveu
veis ideais de satisfação e necessidades ou me- a Escala da Escada, que era composta pela
tas (Michalos, 1985). O julgamento das satisfa- figura de uma escada com 10 degraus
ções está baseado nas discrepâncias entre as (composta de 11 números, de zero a dez) onde
condições atuais reais e esses padrões de com- o indivíduo era questionado a marcar entre o
paração. A discrepância que envolve uma com- melhor e o pior estado que se encontrava. Ou-
paração superior (quando o padrão é mais ele- tro instrumento muito utilizado foi a Escala de
vado) resultará na diminuição da satisfação, Faces, de Andrews e Withey (1976), compos-
enquanto, uma comparação em direção inferior ta por sete faces cujas expressões variam de
ocasionará um aumento da satisfação. muito positivo a muito negativo, apresentadas
Os processos de adaptação ou habitua- em um cartão impresso ao respondente. A
ção em condições contínuas e a forma como seguir, era questionado ao sujeito qual das
lidamos com as situações estressantes (coping) fisionomias era a mais próxima para expressar
são apresentados como componentes centrais como estava se sentindo sobre a sua vida. Ou-
nas modernas teorias de bem-estar subjetivo. O tro instrumento desenvolvido por Andrews e
processo de adaptação pressupõe um ajuste do Withey (1976) foi a Delighted-Terrible Scale,
organismo às situações. composta por uma escala de resposta tipo Li-
Mensuração do bem-estar subjetivo kert de sete pontos, ilustrada por adjetivos
A área de estudo do bem-estar subjetivo desde terrible até delighted.
possui suas bases em estudos empíricos, carac- Apesar de todas as vantagens de brevi-
terizados por medidas de auto-relato (Diener, dade das escalas de único-item, há críticas
1984, Lucas, Diener e Suh, 1996). Inicialmen- quanto à falta de dados de confiabilidade. Ín-
te, o bem-estar subjetivo, por ser de importân- dices de consistência interna não poderiam ser
cia central nos estudos de qualidade de vida obtidos. As únicas medidas de confiabilidade
das décadas de 1960 e 1970, era avaliado atra- possíveis eram extraídas das coletas multitem-
vés de medidas de único-item em grandes pes- porais.
quisas sociais gerais (Andrews e Robinson, Além das escalas de felicidade e de sa-
1991; Diener, 1984). Basicamente, era incluí- tisfação acima descritas, outros tipos de esca-
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las foram desenvolvidas e muito utilizadas. tempo. Por não ser uma entidade única e sim-
Tais instrumentos tentaram ultrapassar o mode- ples, mas, ao contrário, por apresentar múlti-
lo geral de questionamentos sobre felicidade e plas facetas, o bem-estar subjetivo deve ser
satisfação de vida, que negligenciavam outro avaliado, também, através dos julgamentos
componente do bem-estar subjetivo, no caso da globais, dos relatos de humores momentâneos,
felicidade era o componente cognitivo, e no da fisiologia, da memória e das expressões e-
caso da satisfação de vida, o componente afeti- mocionais. Conforme pudemos observar, a for-
vo. ma mais tradicional de mensuração do bem-
Entre os instrumentos mais utilizados e estar subjetivo foram as medidas de auto-relato
encontrados na literatura para uso em amostras que fazem uso de exemplificações de experiên-
de adultos jovens e de meia-idade destacam-se cias de felicidade. Outros métodos existentes
a Affect Balance Scale (Bradburn, 1969), Ge- para avaliar bem-estar subjetivo podem ser
neral Well-being Schedule (Fazio, 1977) e Af- também: os escores de descritores qualitativos
fectometer 2 (Kammann e Flett, 1983). Atual- da vida das pessoas, a medição das reações a
mente, os instrumentos de bem-estar subjetivo estímulos emocionais ambíguos e os registros
mais utilizados em pesquisas com adultos são a de lembranças de eventos bons e ruins das pes-
Escala de Satisfação de Vida, de Diener, Em- soas. Além desses, podemos citar uma varieda-
mons, Larsen e Griffin (1985) e as Escalas PA- de de medidas alternativas às de auto-relato,
NAS (Positive and Negative Affect Schedule) entre elas, freqüência de sorrisos, a habilidade
de Watson, Clark e Tellegen (1988). de lembrar eventos positivos ou negativos de
A Escala de Satisfação de Vida (Diener, suas vidas, assim como, relatos de familiares e/
Emmons, Larsen e Griffin, 1985; Pavot, Die- ou amigos sobre os níveis de satisfação e felici-
ner, Colvin e Sandvik, 1991; Pavot e Diener, dade da pessoa (Diener e Diener, 1998). Por
1993) foi desenvolvida para avaliar satisfação último, não se pode deixar de citar as medidas
de vida global em adultos e jovens, assim co- fisiológicas, tais como os níveis de cortisol
mo, em pessoas de terceira idade. A Escala de salivar, ou medidas eletrofisiológicas, obtidas
Satisfação de Vida de Diener, Emmons, Larsen através de eletroencefalografias, que também
e Griffin (1985) é de uso e de domínio público, podem ser utilizadas para indicar níveis de
podendo ser enco ntrada no site bem-estar e mal-estar (Kahneman, Diener e
www.psych.uiuc.edu/~ediener, bem como suas Schwarz, 1999).
instruções. No Brasil, a escala foi adaptada Bem-estar subjetivo, portanto, tem sido
para seu uso por Giacomoni e Hutz (1997) e avaliado de maneiras diferentes por investiga-
vem apresentando resultados coerentes com os dores de várias áreas2. Entretanto, o método
americanos. mais freqüentemente utilizado nessa área tem
As Escalas PANAS (Positive and Nega- sido as medidas de um único item. Apesar da
tive Affect Schedule) de Watson, Clark e Telle- vantagem da brevidade, elas vêm sendo critica-
gen (1988) foram desenvolvidas na tentativa de das por um grande número de razões: foram
suprir a lacuna de instrumentos psicometrica- desenvolvidas para populações específicas, não
mente bem construídos, econômicos e de fácil permitem obter estimativas de consistência
aplicação, que avaliassem afeto positivo e ne- interna, e não cobrem todos os aspectos do
gativo. Cada escala é composta por dez itens, bem-estar subjetivo. As outras escalas utiliza-
que são termos descritores de estados de hu- das são as escalas de vários itens que medem
mor. Foi desenvolvida por Giacomoni e Hutz diferentes componentes. Muitas dessas escalas
(1997) uma versão da PANAS para o portu- são úteis para medir os componentes separados
guês. Os autores, seguindo os mesmos passos e de freqüência e intensidade do bem-estar subje-
critérios de construção da PANAS original, tivo (Diener, 1984).
construíram uma versão em português, ao in- Vários estudos têm sido desenvolvidos
vés de somente fazer a tradução-adaptação da
mesma. ———————————
Outros métodos para avaliar bem-estar 2. Para revisões sobre mensuração de bem-estar
subjetivo tornaram-se disponíveis há pouco subjetivo, especialmente avaliações psicométricas
de escalas, ver Diener (1984, 1994); Horley e La-
very (1991).
48 Bem-estar subjetivo

com a preocupação de verificar a estabilidade plesmente devido à freqüência com que eles
dos níveis de bem-estar. Essas pesquisas têm experienciam esses eventos.
mostrado que o bem-estar subjetivo apresenta Seidlitz e Diener (1993) propõem outra
alguma estabilidade temporal (Diener, 1994; explicação para as diferenças de lembranças
Horley e Lavery, 1991). O estudo de Andrews entre as pessoas felizes e infelizes. Eles argu-
(1991) sobre a estabilidade e mudança nos ní- mentam que pessoas felizes interpretam os
veis e na estrutura do bem-estar subjetivo nos eventos de forma mais positiva do que pesso-
Estados Unidos, num intervalo de dezesseis as infelizes. Uma vez que diferenças individu-
anos (entre 1972 e 1988), demonstrou que a ais na interpretação de tais eventos correspon-
estrutura das medidas de bem-estar subjetivo dem a diferenças individuais no bem-estar
permaneceram constantes, enquanto somente subjetivo, tais diferenças interpretativas tam-
algumas mudanças nos níveis de medidas fo- bém poderiam explicar as diferenças nas lem-
ram encontradas. branças de pessoas felizes e infelizes. Outra
O impacto dos eventos de vida no bem-estar sub- explicação potencial para as diferenças obser-
jetivo vadas pode ser encontrada na literatura sobre
Pesquisadores têm investigado as conse- memória e humor (ver Blaney, 1986). No en-
qüências psicológicas de eventos de vida e co- tanto, cabe ressaltar a distinção feita entre o
mo indivíduos lidam com os estresses causados humor presente, corrente, e o bem-estar subje-
por choques externos. De forma mais particu- tivo. Seidlitz e Diener (1993) consideraram o
lar, os eventos negativos têm recebido maior humor corrente como o quanto de afeto positi-
atenção devido ao seu ameaçador impacto po- vo e negativo uma pessoa sente em um mo-
tencial no bem-estar. A forma como os eventos mento particular, enquanto o bem-estar subje-
de vida estressantes são vivenciados pelo indi- tivo possui dois componentes, a felicidade a
víduo são mediados pelos estilos de interpreta- longo prazo e a satisfação com a vida.
ção cognitiva, coping patterns e os fatores de Outra teoria examinada, para explicar o
personalidade (Suh, Diener e Fujita, 1996). funcionamento da memória nos eventos de
Estudos recentes têm utilizado medidas vida positivos e negativos, é aquela em que as
de lembranças de eventos de vida para acessar diferenças no lembrar resultariam de diferen-
bem-estar subjetivo de longo prazo (Diener, ças de grupo, na freqüência de pensamentos
Sandik, Pavot, e Gallagher, 1991; Pavot, Die- sobre eventos positivos versus negativos. Sen-
ner, Colvin, e Sandvik, 1991). Nesse tipo de do assim, pessoas felizes devem pensar mais
estudo, os sujeitos são submetidos a testes de freqüentemente sobre eventos de vida positi-
lembranças de eventos de vida positivos e ne- vos do que negativos, uma tendência que ser-
gativos. Geralmente, são usadas medidas de ve para manter sua felicidade a longo prazo. O
auto-relato tradicionais de bem-estar subjetivo contrário é verdadeiro para pessoas infelizes.
a longo prazo, correlacionando-se o número de Considerações finais
eventos de vida positivos menos os eventos de O bem-estar subjetivo, por sua vez, investi-
vida negativos relembrados (Seidlitz e Diener, ga a experiência individual de avaliação da vida e
1993). os processos envolvidos nessa avaliação. Essa
Seidlitz e Diener (1993), ao investiga- perspectiva teórica da Psicologia tem procurado
contribuir para a compreensão e melhoria da quali-
rem a memória para os eventos de vida positi-
dade de vida das pessoas. O estudo dos construtos
vos e negativos, partiram da simples indagação com as mais diversas nomeações tais como felici-
de por que pessoas felizes relembram mais os dade, alegria, afeto positivo, satisfação de vida etc.
positivos ao invés dos negativos que as pessoas apresentou avanços sem precedentes nas últimas
infelizes. Headey, Holmstrom e Wearing três décadas.
(1984) verificaram que eventos de vida favorá- Os últimos trinta anos de pesquisas permiti-
veis predizem modestamente aumentos no ram demonstrar que todas as variáveis demográfi-
bem-estar subjetivo e os adversos predizem cas contam muito pouco para a variância do bem-
diminuições no bem-estar subjetivo. Sendo estar subjetivo. Isto se deve em parte porque os
assim, indivíduos felizes podem relembrar efeitos das variáveis demográficas são provavel-
mente mediados pelos processos psicológicos co-
mais eventos positivos e menos negativos sim-
mo as metas, habilidades de coping entre outros.
49 C. H. Giacomoni

Em contraste aos aspectos demográficos, uma par- New York: Russell Sage Foundation.
cela bem mais significativa da variância do bem- Blaney, P. H. (1986). Affect and memory: a
estar de longo-prazo é atribuída a aspectos genéti- review. Psychological Bulletin, 99, 229-
cos como o temperamento. Muitas linhas de estudos 246.
evidenciam que a influência da personalidade pode
Bradburn, N. M. (1969). The structure of psy-
ser substancial para o bem-estar subjetivo, entre
essas estão os estudos com gêmeos, achados sobre chological well-being. Chicago: Aldine.
temperamento, estudos longitudinais e as correla- Campbell, A.; Converse, P. e Rodgers, W. L.
ções encontradas com as escalas de personalidade, (1976). The quality of American life: per-
todas reforçando as evidências da relação entre per- ceptions, evaluations, and satisfactions.
sonalidade e bem-estar subjetivo. Entretanto, princi- New York: Russell Sage Foundation.
pais autores da área alertam para o fato de que é Cantril, H. (1967). The pattern of human con-
errôneo concluir que o bem-estar subjetivo resulta cerns. New Brunswick, NJ: Rutgers Univ.
completamente do temperamento da pessoa. Tal Press.
conclusão ignora os achados referentes às diferen- Coan, R. W. (1977). Hero, artist, sage, or
ças transculturais, ao impacto dos eventos de vida e
saint? New York: Columbia University.
aos comportamentos.
Apesar de todos os avanços, a área do bem- Diener, E. (1984). Subjective Well-Being. Psy-
estar subjetivo precisa crescer em algumas direções. chological Bulletin, 95, 542-575.
É apontada a necessidade de avaliações mais sofisti- Diener, E. (1994). Assessing subjective well-
cadas como, por exemplo, baseadas na psicofisiolo- being: progress and opportunities. Social
gia e memória, assim como, a inclusão de outras Indicators Research, 31, 103-157.
medidas que não somente as de auto-relato. Outro Diener, E. (1996). Subjective well-being in
aspecto muito referido pelos pesquisadores é a ne- cross-cultural perspective. Em G. Hector
cessidade de uso de designs de pesquisa mais avan- (Ed.), Key issues in cross-cultural psychol-
çados do que as transversais puramente, entre essas ogy: selected papers from the Twelfth Inter-
a longitudinal, de modelo causal e experimental.
national Congress of the International As-
O estudo de bem-estar subjetivo é de subs-
tancial importância aplicada. Quando políticos pro- sociation for Cross-Cultural Psychology.
curam entender como melhorar a qualidade de vida San Diego: Academic Press.
das populações, medidas de bem-estar subjetivo são Diener, E. e Diener, M. B. (1998). Happiness:
necessárias para complementar as medidas objetivas Subjective well-being. Em H. S. Friedman
como os índices econômicos. Quando somente indi- (Ed.), Encyclopedia of Mental Health, (Vol.
cadores sociais objetivos (por exemplo, renda per 2, pp. 311-321). San Diego: Academic
capita e índices de violência) são medidos, indica- Press.
dores de aspectos da vida como relacionamentos Diener, E.; Emmons, R. A.; Larsen, R. e
interpessoais não são captados. Griffin, S. (1985). The satisfaction with
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Enviado em Dezembro / 2002
Aceite final Março / 2005

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