Naufragios - Akira Yoshimura
Naufragios - Akira Yoshimura
Naufragios - Akira Yoshimura
Augustinho
Navios pesam
(Yoshimura, Akira. Naufrgios. So Paulo: Editora Best Seller, 2003)
Naufrgios conta a histria de uma pequena e pobre aldeia localizada na
costa ocidental do Japo, na sua poca feudal. Por estar localizada na encosta de
uma montanha, a aldeia no consegue produzir seus alimentos satisfatoriamente por
conta disso eles vivem, precariamente, sustentados por o que o mar d moluscos,
peixes e algas -, lutando dia aps dia contra a fome.
Alm da pesca, existem duas outras formas de garantir alguma comida, o
contrato de servido (que dura trs, cinco ou at dez anos), que acaba valendo
apenas famlia do servo, ou os rituais do O-fune-sama.
A histria contada de modo simples e direto atravs dos olhos de um
ingnuo garoto de 9 anos, que se v forado a amadurecer mais depressa j que
seu pai, e provedor da famlia, foi vendido em um contrato de trs anos, afim de no
deixar seus filhos morrerem de fome. Cabe a Isaku, o garoto, sustentar sua me e
mais trs irmos.
Por meio de Isaku, experimentamos a rotina dessa aldeia que vive em
absoluta misria.
Vemos as mudanas das estaes e as mudanas que trazem,
experimentamos as prticas da pesca como se estivssemos aprendendo junto com
Isaku, ao mesmo tempo em vamos conhecendo a aldeia, seus habitantes, seus
hbitos e seus rituais.
No princpio da primavera era realizado o ritual de reza, afim de atrair uma
boa pesca para o ano. Durante o ritual uma mulher grvida subia em um barco com
seu marido, lanava uma guirlanda no mar e em seguida girava em torno de si, a
cada volta parava de frente ao mar, levantava o quimono para expor o ventre
protuberante e rezava na esperana de um mar frtil. O final da primavera tambm
era importante, j que significava a partida de quem foi vendido como servo ou a
chegada determinado o perodo do contrato.
O vero era o perodo principal de pesca, j que provia sardinhas e,
principalmente, saury. O saury era o principal alimento da aldeia, por isso devia ser
pescado o suficiente para o ano todo, o que era um desafio j que essa pesca exigia
uma tcnica complicada que dificilmente crianas como o Isaku eram capazes de
executar.
O outono era a poca de pesca de polvos, lulas, mariscos e algas (os dois
ltimos eram catados nas areias da praia por idosos e crianas), e tambm era a
poca em que as poucas sementes que vingavam nas terras rochosas, da encosta,
davam frutos.
Porm a poca mais importante do ano era o inverno. Durante essa estao
eram realizados os rituais do O-fune-sama.
O-fune-sama era nome dado para tanto os dois rituais de atrao, quanto ao
acontecimento, no caso das rezas serem atendidas.
O primeiro ritual consistia em, novamente, uma mulher grvida ir ao mar junto
do marido e lanar uma grinalda na gua, junto com uma segunda parte em que a
mulher, na casa do lder ancio, chutava um pote de arroz, que simbolizava o desejo
de um navio atracar nos recifes. (Na encosta onde a aldeia estava localizada existia
um canal de recifes submerso que os aldees usavam para rasgar cascos de
navios).
O segundo ritual era realizado nas noites de mar bravo, onde se acendiam os
fogos dos caldeires de sal, a fim de atrair barcos presos na tempestade para os
recifes.
Se as rezas fossem atendidas, em uma noite de mar bravo o fogo atrairia um
navio que rasgaria o casco no recife e possibilitaria que os aldees saqueassem o
navio, tomando suas cargas e sua madeira, e matassem sua tripulao.
Era dito que esse acontecimento se repetia por dois anos seguidos a cada
dcada, e quando ele vinha significava que a aldeia iria ficar alguns anos sem a
sombra da fome sobre ela. Aos olhos de Isaku vemos esse evento ocorrer duas
vezes, a primeira como beno e a segunda como uma maldio que traz a morte e
a destruio da vila.
Quando o pai de Isaku parte para a sua servido de trs anos (meio ano
antes do ponto inicial da narrativa) ele diz ao filho as seguintes palavras Vou voltar
daqui a trs anos. No deixe as crianas morrer de fome enquanto eu estiver fora.,
uma tarefa que nosso protagonista, de 9 anos, no foi capaz de cumprir.
Naufrgios um livro de escrita direta e sem floreios, uma escrita que pesa,
que mesmo no momento em que descreve a paisagem intocada e perfeitamente
bela da ilha no se esquece da dor e da misria da aldeia.
uma narrativa simples e fluda que se encaixa perfeitamente com a viso
infantil que Isaku tem do mundo. Que suaviza a dor e a crueldade advindas da
constante luta contra a fome e a misria, ao mesmo tempo em que pesam as
obrigaes e a responsabilidade de sustentar outras vidas em suas costas.
Trata-se de um livro que mostra comportamentos e traos culturais
japoneses, com personagens que falam no com as palavras e sim com suas aes
e seus gestos, onde cada detalhe importa e traz diferena, mesmo na incerteza.
E apesar de ser um romance sobre uma pequena aldeia, no Japo, isolada do
mundo, existe sempre uma universalidade de costumes e problemas que no deixa
o leitor parar de refletir em nenhum momento da leitura.
Naufrgios pesa no comeo, no meio te tira o peso de um navio das costas.
Para no fim colocar outro.