Romance de 1930 - Graciliano Ramos

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O Romance de 1930:

O Regionalismo

•Justificar por que a ficção produzida no

período é considerada neorrealista.


•Analisar de que modo o impacto do meio

sobre o indivíduo ganha dimensão universal

nos romances de Graciliano Ramos.


•Compreender por que memórias pessoais

se transformam em matéria literária nos

romances de José Lins do Rego.


•Compreender a relação entre a estrutura

socioeconômica do Nordeste e a obra de

Rachel de Queiroz e Jorge Amado.


Vidas secas, Graciliano Ramos
Capítulo I- Mudança
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o
dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado
bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra.
A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha
na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a
espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. [...]
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas.
O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
- Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar
alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o.
Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar,
não sabia onde.
Seca: uma tragédia que nasceu com o Brasil
O jesuíta Fernão Cardim, viajando pelo
Brasil no século XVI, foi o primeiro escritor
a registrar o impacto da seca nordestina:
“As fazendas de canaviais e mandioca
muitas se secaram, por onde houve grande
fome, principalmente no sertão de
Pernambuco”. A seca, como se vê, já era
um problema durante o período colonial.
De lá para cá, o problema permanece e a
solução encontrada por milhares de
nordestinos tem sido a migração para o
Sul, principalmente após a inauguração da
Paisagem do Sertão. Esta foto de Evandro Teixeira integra o livro Vidas secas:
edição especial 70 anos. São Paulo: Record, 2008 estrada Rio-Bahia, em 1949.
Asa branca, Luiz Gonzaga
Aquarela nordestina, (Rosil Cavalcanti)
Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
No Nordeste imenso, quando o sol calcina a terra, Eu perguntei a Deus do céu, ai
Não se vê uma folha verde na baixa ou na serra. Por que tamanha judiação
Juriti não suspira, inhambu seu canto encerra.
Não se vê uma folha verde na baixa ou na serra. Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de plantação
Acauã, bem no alto do pau-ferro, canta forte, Por falta d'água perdi meu gado
Como que reclamando sua falta de sorte. Morreu de sede meu alazão
Asa-branca, sedenta, vai chegando na bebida.
Não tem água a lagoa, já está ressequida. Até mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse, adeus Rosinha
E o sol vai queimando o brejo, o sertão, Cariri e Agreste. Guarda contigo meu coração
Ai, ai, meu Deus, tenha pena do Nordeste.
Hoje longe, muitas léguas
Numa triste solidão
Ai, ai, ai, ai meu Deus.
Espero a chuva cair de novo
Ai, ai, ai, ai meu Deus Pra mim voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus olhos


Seca no nordeste: Contextualização Se espalhar na plantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Capítulo XXII - O mundo coberto de penas
O mulungu do bebedouro cobria-se de arribações. Mau sinal, provavelmente o sertão ia pegar fogo.
Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio, descansavam, bebiam e, como em redor não
havia comida, seguiam viagem para o sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol chupava os poços, e
aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado.
Sinhá Vitória falou assim, mas Fabiano resmungou, franziu a testa, achando a frase extravagante. Aves
matarem bois e cabras, que lembrança! Olhou a mulher, desconfiado, julgou que ela estivesse tresvariando.
[...] Um bicho de penas matar gado! Provavelmente sinhá Vitória não estava regulando.
[...] Fabiano estirou o beiço e enrugou mais a testa suada: impossível compreender a intenção da mulher.
Não atinava. Um bicho tão pequeno! Achou a coisa obscura e desistiu de aprofundá-la. Como era que sinhá
Vitória tinha dito? A frase dela tornou ao espírito de Fabiano e logo a significação apareceu. As arribações
bebiam água. Bem. O gado curtia sede e morria. Muito bem. As arribações matavam o gado. Estava certo.
Matutando, a gente via que era assim, mas sinhá Vitória largava tiradas embaraçosas. Agora Fabiano percebia
o que ela queria dizer. Esqueceu a infelicidade próxima, riu-se encantado com a esperteza de sinhá Vitória.
Uma pessoa como aquela valia ouro. Tinha ideias, sim senhor, tinha muita coisa no miolo. Nas situações
difíceis encontrava saída. Então! Descobrir que as arribações matavam o gado! E matavam. Aquela hora o
mulungu do bebedouro, sem folhas e sem flores, uma garrancharia pelada, enfeitava-se de penas.
O Romance de 1930: Literatura Regionasta e Neorrealismo
• A qualidade das obras e o surgimento de autores importantes
tornam os anos de 1930 a 1945 conhecidos como “a era do
romance brasileiro”.
• Para tratar das questões sociais regionais, os romances escritos a
partir de 1930 retomam dois momentos anteriores da prosa de
ficção: o regionalismo romântico e o Realismo do século XIX.
• Do regionalismo romântico, vem o interesse pela relação entre os
seres humanos e os espaços que eles habitam, apresentado
Juazeiro, Rio Grande do Norte, 2008. agora de uma perspectiva mais determinista. Do Realismo, é
No neorrealismo, os escritores pretendiam recuperado o interesse em estudar as relações sociais.
caracterizar a vida sacrificada e desumana • São considerados regionalistas os romances que abordam a
do sertanejo e compreender a estrutura realidade específica de uma região, caracterizada por
socioeconômica que alimentava a política particularidades geográficas e por tipos humanos específicos, que
do coronelismo nordestino. Para eles,
apontar tais problemas significava ajudar a usam a linguagem de um modo próprio e têm práticas sociais e
transformar essa realidade injusta. culturais semelhantes.
O Romance de 1930: Literatura Regionasta e Neorrealismo
• O eixo da ficção brasileira na década de 1930 se
deslocou do Rio de Janeiro e de São Paulo para
Maceió, capital de Alagoas. Era lá que moravam os
escritores José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e
Graciliano Ramos.
• Mais do que publicar autores de diferentes
tendências ideológicas, a “Casa” José Olympio
permitiu que o debate entre esses escritores
acontecesse de modo democrático, ajudando assim
Da esquerda para a direita: Ciro dos Anjos, Guimarães Rosa,
José Olympio, Luis Jardim, Thiago de Mello e Mário Palmério. a fortalecer a produção literária do período.

“[...] A nossa casa, na rua da Caridade, vivia fins de semana movimentados. Lá o grupo se reunia, muita
gente à hora do almoço. Sem dúvida meu pai gostava desses encontros dominicais, pois se
prolongaram no Rio, iriam durar toda a sua vida”.
RAMOS, Ricardo. Graciliano: retrato fragmentado.
São Paulo: Siciliano, 1992. p. 41. (Fragmento).
Graciliano Ramos: mestre das palavras secas
O cuidado com as palavras é um dos traços mais importantes da prosa
de Graciliano Ramos. A economia no uso de adjetivos e advérbios, a
escolha cuidadosa dos substantivos, todos os aspectos da construção de
seus romances colaboram para a criação do “realismo bruto” que define
o olhar neorrealista do autor. Observe, por exemplo, como o narrador de
São Bernardo, Paulo Honório, fala sobre os funcionários que lhe serviam.

[...] Bichos. As criaturas que me serviram durante anos eram


bichos. Havia bichos domésticos, como o Padilha, bichos do
mato, como Casimiro Lopes, e muitos bichos para o serviço
do campo, bois mansos. Os currais que se escoram uns aos
outros, lá embaixo, tinham lâmpadas elétricas. E os
bezerrinhos mais taludos soletravam a cartilha e aprendiam
de cor os mandamentos da lei de Deus. [...]
A metáforaRAMOS, Graciliano. São
escolhida para resumirBernardo. 81. ed.
sua condição Rio ade
ajuda Janeiro: José
compreender
como as questões sociais aparecem nos romances de Graciliano Olympio.
Ramos:
são bois mansos. Por meio da linguagem, Graciliano constrói seus
protagonistas: homens atormentados, cheios de conflito, solitários,
destruídos pela vida, como Paulo Honório.
São Bernardo: retrato da destruição individual
Os conflitos entre Paulo Honório e Madalena refletem a grande questão desenvolvida por Graciliano
Ramos em São Bernardo. As diferenças entre Paulo Honório e Madalena são evidentes: ele é um homem
rude, que só pensa em acumular dinheiro, bens, propriedades. Ela é uma mulher educada, que se preocupa
com o bem-estar dos trabalhadores, defendendo-os junto ao marido.
...] Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei
bastante. [...] Considerando, porém, que os enfeites do meu
espírito se reduzem a farrapos de conhecimentos apanhados sem
escolha e mal cosidos, devo confessar que a superioridade que me
envaidece é bem mesquinha.
Além disso estou certo de que a escrituração mercantil, os
manuais de agricultura e pecuária, que forneceram a essência da
minha instrução, não me tornaram melhor que o que eu era
quando arrastava a peroba. Pelo menos naquele tempo não
sonhava ser o explorador feroz em que me transformei.
[...] Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no
cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um
nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes. [...]
Angústia: O drama de um homem atormentado por sua consciência
Narrado em 1a pessoa por Luís da Silva, Angústia é um romance claramente
confessional. Em um fluxo perturbador, sem a tradicional divisão em
capítulos, Silva constrói sua autobiografia e revela o desespero em que vive
após assassinar o rival Julião Tavares, que lhe roubara a noiva Marina, às
vésperas do casamento.
Julião Tavares era uma sombra que se arredondava, tomava a forma
de um balãozinho de borracha. Este objeto colorido flutuava, seguro
por um cordel. O vento arrastava-o para um lado e para outro, mas
o cordão curto não o deixava arredar-se muito do café. Marina era
outra sombra que se balançava devagar na rede. O rumor dos
armadores era interrompido pelo tilintar do telefone. A rede ia e
vinha, Marina se deslocava para a direita, um metro para a
esquerda, e não podia ir mais longe.
RAMOS, Graciliano. Angústia. 60. ed. Rio de Janeiro: Record.
Emocionalmente abalado, perturbado pelo delírio e pela fragmentação de suas ideias, Luís da Silva conta
uma história de ciúme, de dor e de humilhação pela traição sofrida. O processo de desintegração por que
passa o protagonista é muito semelhante ao de Paulo Honório, em São Bernardo. Passado e presente se
misturam nesses romances, cuja visão pessimista da vida e dos seres humanos revela a clara influência da
obra de Dostoiévski na ficção de Graciliano Ramos.
Vidas secas: a desumanização provocada pelo meio
• Vidas secas é, no conjunto da obra de Graciliano Ramos,
um livro singular em diferentes aspectos: é o único
romance desse autor com foco narrativo em 3a pessoa;
não foi planejado como romance (nasceu de um conto,
“Baleia”); seus capítulos foram escritos fora da ordem
que receberam na edição final; não apresenta um
aprofundamento da análise psicológica das personagens,
como acontece em São Bernardo e Angústia.
• O livro faz um retrato da dura existência no sertão
nordestino.
• A aridez do cenário se expande e atinge também o
comportamento das personagens, caracterizado por
falas monossilábicas e gestos voltados para a
sobrevivência imediata. A animalização das personagens
se manifesta de diversas formas nesse romance: as
crianças não chegam a ser nomeadas (são referidas
como “menino mais novo” e “menino mais velho”); como
acontece com os animais, seu comportamento é
PORTINARI, C. Retirantes. 1955. Desenho a lápis de cor sobre papel
determinado pela necessidade de sobreviver a um
Vidas secas: a desumanização provocada pelo meio
A CACHORRA Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as
costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de
moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no
pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas
estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas
murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa nas base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda
de cascavel.
Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o
saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.
Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça
e não se cansavam de repetir a mesma pergunta:
- Vão bulir com a Baleia?
Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita
de que Baleia corria perigo.
Vidas secas: a desumanização provocada pelo meio
[...] Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados,
a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O
estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil no barreiro
ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.
[...] A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do
outro peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto
do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio
comida pela doença.
Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria,
certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E
lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se
espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro
enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 71. ed.


Rio de Janeiro: Record, 1996. (Fragmento).
Capítulo II - Fabiano
[...] Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família
morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara
conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam
ratos — e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou
do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-
se a fumar regalado.
— Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar
só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos
outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em
terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e
julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase
imprudente. Corrigiu-a, murmurando: RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 71. ed.
— Você é um bicho, Fabiano. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 18. (Fragmento).

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