Estudos para A Paz
Estudos para A Paz
Estudos para A Paz
ARACAJU, 2010
Editorao Eletrnica:
Adilma Menezes
Revisores:
MSc. Maria Roseneide Santana dos Santos
MSc. Mary Jane Dias
APRESENTAO
mento considerado em sua relao com as instituies localizadas em contextos multiculturais da sociedade moderna.
No todo, a oportunidade desta obra, com ttulo to singelo:
Estudos para a Paz, organizada pela Profa. Dra. Vahideh R.
Rabbani Jalali, inquestionvel. Reflexes como a relao entre
religio e paz, focalizando as possibilidades de dilogo entre as
religies do planeta, a crise da memria de que sofre a cultura
contempornea, face desarticulao entre comunicao e conhecimento, que deu lugar relao violenta entre comunicao
e persuaso (impacto), s para explicitar (e incitar leitura das
demais reflexes que esta publicao ostenta), esses exemplos
elevam seus articulistas categoria de intelectuais comprometidos com as mais urgentes problemticas sociais vividas ao nvel
mundial. Trata-se de uma produo acadmica multidisciplinar.
So vrios olhares dirigidos de diversos ngulos, mas guiados por
um nico fio condutor que outro no seno a busca de justia
social.
Por outro lado, a relao terica que toma como material de
reflexo o bem-estar, os conflitos sociais, o desenvolvimento de
um pas, as injustias sociais, o trabalho e o trabalhador social,
enfim, a paz, acontece de maneira to objetiva, to concisa, to
clara, to procedente, que facilita a compreenso e a apreenso
dos diversos contedos abordados ao longo do volume em questo, o que se torna, tambm, um recurso facilitador para que as
pesquisas e estudos sobre e para a paz assumam um lugar de
relevo no mbito das relaes internacionais. Com reflexes como
as que, no momento, apresentamos, aos poucos, a nossa Universidade ingressa nesse contexto privilegiado de luta pela presena
da justia social em todos os nveis de desenvolvimento humano.
Boa leitura.
Prof. Dr. Josu Modesto dos Passos Subrinho
Reitor da UFS
SUMRIO
- Apresentao .......................................................................... 5
PROF. DR. JOSU MODESTO DOS PASSOS SUBRINHO
- Introduo .............................................................................. 9
PROFA. DRA. VAHIDEH R. RABBANI JALALI
INTRODUO
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importante espao de atuao. Na escola, valores universais podem ser ensinados e os prprios mtodos de ensino, enquanto
dialgicos e participativos, podem ser um meio para a aprendizagem de atitudes democrticas e pacficas.
Essa coletnea tambm contm dois textos desenvolvidos por
profissionais da rea da sade que estabelecem paralelos entre
os campos da sade e da investigao para paz, a partir da definio da violncia, pela Organizao Mundial da Sade, como um
problema de sade pblica. No texto Sade e Paz: Interfaces e
Sinergias no Enfrentamento s Violncias, o autor reflete sobre o
papel da sade na reduo da violncia, mostrando os principais
motivos que o leva a defender a promoo da cultura de paz
como uma abordagem mais abrangente e efetiva que a preveno da violncia.
Nessa mesma linha de pensamento, o texto Educao em
Sade Bucal introduz os princpios de educao em sade voltados promoo da sade bucal que nos permitiriam entender a
necessidade de uma transdisciplinaridade para superar as patologias individuais e coletivas e alcanar resultados revertidos para
o bem-estar humano.
O livro, com sua vocao mulitidisciplinar, segue com trs
artigos que discutem o papel de trabalhadores e trabalhos sociais
na edificao da paz. O fio condutor destes trabalhos a justica
social. A autora que enfoca no trabalhador social, alm de um
estudo de campo, procura estabelecer uma relao terica entre
o bem-estar, os conflitos, o desenvolvimento, a justia social, a
paz e o trabalhador social.
Enquanto o papel do trabalho social nos programas de desenvolvimento, a habitao trata-se de uma concepo mais ampla do
desenvolvimento que remete idia de dignidade e, com ela, ao conceito de direito. O segundo texto est voltado para a agricultura familiar. O autor, a partir da perspectiva de uma cultura de paz, investiga os problemas do dia a dia dos agricultores e suas possveis
causas, visualizado no trabalho do Ministrio da Integrao Nacional. Apresenta os princpios e diretrizes que os atores sociais pertinentes a agricultura familiar,devem incorporar em seus discursos.
A violncia, um processo complexo, grave e de expresses to
diversificadas, tambm foi tratada nesse livro a partir de algumas
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de suas manifestaes mais especficas. No texto da violncia contra mulher, a autora procura os mecanismos e motivos dessa violncia. Um atentado contra a prpria sociedade e a democracia,
essa violncia exige uma rede de aes governamentais, institucionais, e individuais, de cunho educativo e cultural, para
empoderar a mulher a ocupar seu espao de forma igualitria na
construo de um sociedade mais justa.
Um grupo de professores, preocupados com a violncia na e
da escola, aborda o problema especfico do Bullying, um distrbio
que se caracteriza por agresses diversificadas e repetitivas, tanto fsicas como morais e que pode ser enfretado a partir dos princpios e mtodos dos Estudos para a Paz.
A violncia verbal no ambiente de trabalho refere-se a uma
violncia que fere a moral e a dignidade humana. Quando a violncia causa a ruptura da configurao solidria das relaes humanas, o custo e o impacto da violncia no trabalho so graves.
No texto Violncia Cultural e os Conhecimentos
Paleontolgicos em Sergipe, a autora, partindo das imposies
culturais que o Brasil sofreu durante o processo de colonizao,
estuda a no valorizao da cultura como expresso de violncia
cultural. Nesse cenrio, ela argumenta por uma poltica de sistematizao dos conhecimentos paleontolgicos e pela preservao
do patrimnio paleontolgico de Sergipe.
Direitos Humanos e a gua como fonte de Vida uma reflexo sobre a violncia ambiental, ou seja, sobre os processos humanos de interveno que esto transformando o meio ambiente
e que poderiam ser evitados ou at mesmo revertidos. A autora
sugere iniciativas educacionais, a partir da vontade poltica e da
vontade da sociedade, para a transformao de paradigmas e
possveis solues.
O ltimo texto aborda o Jeitinho Brasileiro. A autora discorre sobre o assunto questionando se o jeitinho um vilo ou uma
ferramenta para a paz e conclui que atravs da escolaridade e
programas educativos no marco de transdisciplinaridade pode-se
direcionar o jeitinho brasileiro para a sua vertente mais positiva,
que sua vocao pacfica.
O livro encerra com a apresentao da mensagem da Casa
Universal de Justia A Promessa da Paz Mundial, um documen-
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to de viso abrangente e inovadora, publicado no ano Internacional da Paz, entregue aos lderes e governantes do mundo, que
foi, e segue sendo, uma fonte de motivao para milhares de
pessoas em seu envolvimento e trabalho pela paz. A organizadora
desse livro seleciona e ordena os trechos e passagens que contribuem com uma viso integradora dos temas e questes tratados no curso de Especializao em Estudos para a Paz. Fica portanto, ao leitor o convite para um estudo mais aprofundado desta mensagem.
Como uma rea do conhecimento ainda pouco explorada e
estudada no Brasil e, ao mesmo tempo, de grande relevncia para
a compreenso e reduo dos nveis de violncia nas sociedades
modernas, os Estudos para a Paz deveriam fazer parte do currculo e da pesquisa de toda educao comprometida com a crtica
social e formas de convivncia mais justas. Nesse sentido, esperamos que a multiplicidade das temas aqui abordados, que traz a
marca da interdisciplinidade da rea de Estudos para a Paz, sejam uma contribuio aos leitores brasileiros que desejem dialogar (com), dar continuidade (a), explorar, e aplicar os conceitos
desenvolvidos nessa rea.
Aracaju,vero de 2010
Profa. Dra. Vahideh R. Rabbani Jalali
INTRODUO
este trabalho, apresentarei de forma resumida uma aproximao Investigao para a Paz realizada na Ctedra
UNESCO de Filosofia para a Paz1. Como o prprio nome indica, a
minha perspectiva parte dos instrumentos de reflexo filosfica
em que me formei. Abordar a Investigao para a Paz sob esta
vertente supe, desde logo, o reconhecimento de uma forma de
entender a prpria investigao. Pensamos que as investigaes
e os estudos para a paz requerem aproximaes multidisciplina-
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res e multiculturais. Deste modo, dadas as prprias caractersticas dos objectivos destas investigaes e a sua relativa novidade,
sero tambm interdisciplinares e interculturais.
Creio que o que est em jogo a tomada de conscincia do
sofrimento que os seres humanos podem gerar uns aos outros e
prpria natureza, e a busca de formas pacficas de transformao
das relaes humanas que sejam alternativas s guerras, marginalizao e excluso que so expresses desse sofrimento. Para
estes dois objectivos mnimos da investigao para a paz, tomada
de conscincia do sofrimento e indagao de formas pacficas de
transformao, no h nem uma disciplina nem uma cultura que
tenha a patente da soluo. So objectivos to importantes para
a configurao pacfica das relaes humanas que temos de estar criticamente atentos a que uma cultura ou campo de estudo
se converta em paradigma dominante das solues porque, pela
prpria natureza dos problemas a tratar, se uns saberes e culturas se apresentam como dominantes, convertem-se em
dominadores e, por conseguinte, convertem outros saberes e culturas em dominados, submetidos e excludos. Dominao, submisso e excluso so precisamente algumas das causas do sofrimento a que nos referamos e, portanto, no podem ser considerados meios pacficos da sua transformao.
A proposta que vou analisar, e na qual trabalhamos h mais
de dez anos, a de que, enquanto seres humanos, temos competncias ou capacidades para organizar as nossas relaes, fazendo uso das guerras e de qualquer outro tipo de violncia estrutural, cultural ou simblica que suponha, como j mencionei, a
marginalizao, excluso e at a morte de alguns seres humanos
por outros e a depredao do meio ambiente. No entanto, tambm
certo que temos competncias ou capacidades para organizar
as nossas relaes de forma pacfica, desde a expresso da ternura ou do carinho nas relaes interpessoais, at a criao de instituies de governao locais, estatais ou globais que promovam
relaes humanas baseadas na justia, bem como relaes com a
natureza baseadas na sustentabilidade.
Isto significar desde logo que estamos empenhados em trabalhar com propostas realistas. Longe daqueles que, considerando-se a si mesmos realistas, qualificaram os estudos para a paz
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para a paz. Finalmente, situarei essa possvel antropologia filosfica e essa nova maneira de entender o estatuto epistemolgico
das investigaes e estudos para a paz numa nova forma de entender a poltica, ligada s culturas para fazer as pazes e que
resumirei com a expresso localismo cosmopolita.
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Deste modo, a nossa concepo dos seres humanos para fazer as pazes potencializa as suas caractersticas de natureza
terrena, humildade e fragilidade, para fazer frente violncia,
que tambm faz parte das relaes humanas; no de maneira
ingnua, mas sim com um forte compromisso poltico em vista da
subordinao dos meios aos fins que se querem alcanar; com
polticas que faam frente fragilidade humana que, certamente,
nos torna propensos violncia, justia como vingana e guerra como soluo final das consequncias das nossas aces, mas
tambm capacidade de concertao e justia que implicam
maneiras de fazer as pazes e boas formas de governao.
Este poder comunicativo (HABERMAS, 1984; 1998) como caracterstica peculiar dos seres humanos que se expressa na capacidade de concertao como forma no violenta de exercer poltica, exprimo-o tambm com base nos meus estudos da teoria dos
actos de fala. Desta teoria aprendemos que dizer fazer coisas e
compreender-nos captar a fora com que performamos ou fazemos, o que nos fazemos, dizemos e calamos (AUSTIN, 1971;
MARTNEZ GUZMN, 1999). Em qualquer caso, sempre podemos
pedir-nos contas pelo que nos fazemos, dizemos e calamos. Com
base nesta teoria dos actos de fala, podemos afirmar que o que
nos caracteriza enquanto seres humanos precisamente essa
performatividade ou capacidade de nos fazermos, dizermos e calarmos e pedir-nos contas por isso (Apel, 1986).
Aplicada filosofia para fazer as pazes, esta caracterstica humana da performatividade significaria que os seres humanos tm
capacidades ou competncias para se exclurem, marginalizarem e
matarem, mas tambm para viver a nossa plural diversidade e igualdade, e criar instituies de concertao, governabilidade e justia. Esta a tese principal em que temos trabalhado, como j referi
na introduo (MARTNEZ GUZMN, 2005). Somos competentes
para tudo o que impliquem as culturas das guerras e somos competentes para tudo o que impliquem as culturas para fazer as pazes.
A noo de competncias para exercer qualquer tipo de violncia ou para fazer as pazes uma ampliao da mesma noo
usada por Chomsky (competncia lingustica) e por Habermas
(competncia comunicativa). Assim, da mesma forma que a lingustica geral seria a reconstruo normativa das competncias
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lingusticas do falante, e a pragmtica comunicativa a reconstruo normativa das competncias para comunicar de forma bem
sucedida, a filosofia para fazer as pazes, inclusivamente a nossa
perspectiva filosfica da investigao para a paz, seria a reconstruo normativa das nossas competncias para fazer as pazes.
Certamente podero existir reconstrues das nossas competncias para exercer a violncia. Neste caso, nos nossos trabalhos, seriam antes clarificaes que permitam reconstru-las e desaprendlas. Evidentemente, o nosso compromisso com a paz compromete
nos com a reconstruo das competncias ou capacidades para
fazer as pazes. Infelizmente, pode haver tambm quem reconstrua as competncias para exercer os diferentes tipos de violncia, para promover ainda mais as prprias violncias.
Em sntese, a nossa concepo dos seres humanos para fazer
as pazes reconhece que a constituio da prpria identidade pessoal e colectiva faz-se sempre a partir da interao com outras
identidades e grupos humanos. No somos, cada ser humano ou
cada povo, uma entidade absoluta e fechada em ns mesmos. O
medo que pode produzir essa interdependncia para constituir a
nossa prpria identidade pode levar-nos a condutas violentas que
fazem parte da condio humana. No entanto, pode tambm levar-nos a organizarmo-nos pessoal e politicamente a partir da
assuno da nossa humildade, natureza terrena e fragilidade com
base na qual enfrentaremos por meios pacficos a transformao
dos conflitos que a interdependncia possa gerar.
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tudos sobre a paz so a explorao cientfica das condies pacficas para reduzir a violncia que tm os seres humanos em sociedade como o seu objecto central. Neste sentido, os estudos sobre
a paz constituem uma cincia social aplicada, clara e explicitamente orientada por valores. Boulding (1994) cr nas possibilidades da cincia para organizarmos um futuro melhor a partir da
teoria dos sistemas. Neste sentido, prope que se d uma evoluo noogentica, uma progresso nos sistemas de conhecimento
(nos) com os quais os seres humanos se organizam e que nos
levaria organizao das relaes humanas baseadas na ameaa a outras baseadas no intercmbio e na integrao (BOULDING,
1992). Rapoport (1992) parte, assim, de uma combinao da teoria da evoluo e da de sistemas no contexto da evoluo da
noosfera ou esfera do conhecimento. Na organizao sistmica
das nossas relaes, crimos o sistema de guerra, mas tivemos
latente a possibilidade de criar o sistema de paz.
evidente o interesse filosfico do estatuto epistemolgico
da investigao e dos estudos para a paz. Inicialmente, pela
reaco acadmica de encontrar um stio na universidade para
este tipo de estudos. Neste sentido, o esforo primeiro era demonstrar, de alguma maneira, que tambm estas investigaes
e estes estudos eram cientficos e tinham lugar na vida universitria. No entanto, na medida em que fomos indo mais fundo e
continuamos a faz-lo (MARTNEZ GUZMN, 2001: 2005), o problema j no se eles so ou no cientficos. A questo que se
coloca se, em nome da cincia tal como se desenvolveu desde
a modernidade ocidental, iluminista e da parte rica do mundo
continuamos a dominar, excluindo e marginalizando outros
saberes, culturas e formas de entender a cincia. Recordemos
que o que consideramos como problema filosfico fundamental
da investigao e dos estudos para a paz no o nvel de reconhecimento acadmico que possamos alcanar, mas sim a possibilidade de transformar por meios pacficos o sofrimento que
os seres humanos geram uns aos outros e prpria natureza.
Evidentemente, no nosso caso, como acadmicos, temos a responsabilidade de usar com rigor todos os instrumentos que a
universidade coloca nossa disposio, mas no fazemos mera
esttica academicista.
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indagam teoricamente e na prtica das relaes humanas as competncias, capacidades, habilitaes e conhecimentos relativos
transformao pacfica dos conflitos, s relaes internacionais,
ajuda humanitria e aos estudos do ps-desenvolvimento.
De facto, procurando (MARTNEZ GUZMN, 2004c) a origem
grega da expresso trabalhadores pela paz que herdamos do
Sermo da Montanha no evangelho de Mateus (5,9), a palavra
grega utilizada pelo evangelista eirenopoioi. Eireno quer dizer
paz, e na mitologia grega era irm da justia e do bom governo ou
da boa lei. Por conseguinte, quem trabalha pela paz trabalha tambm pela justia e pelo bom governo. A segunda parte da palavra
est relacionada com a poesis. uma palavra utilizada por
Aristteles para se referir a um tipo de cincias ou epistamai que
esto entre as tericas e as prcticas ou morais. Portanto, quem
trabalha pela paz dedica-se a um tipo de actividade produtiva
que estabelece uma ponte entre a teoria que estuda aquilo que
no pode ser de outra maneira (por exemplo que dois mais dois
sejam quatro, no pode ser de outra maneira), e as aces morais que podemos fazer de muitas maneiras diferentes, por isso
podem ser boas ou ms consoante o que faamos uns e umas a
outros e outras. Para alm disso, estas cincias poiticas ou produtivas, de onde vem, por exemplo, poesia, fazem-se com a liberdade criativa que temos enquanto seres humanos para fazermos
as coisas de muitas maneiras diferentes. Para isso, podemos usar
a inteligncia, a tcnica e a potncia ou capacidades de quem
realiza a ao.
Deste modo, quem trabalha pela paz realiza um tipo de atividade entre a teoria e a prtica, com inteligncia, tcnica e capacidade, usando a sua liberdade e sempre sujeito e sujeita a que se
lhe pea contas pelo que faz. Por exemplo, nos conflitos
interpessoais podemos excluir-nos e marginalizar-nos, ou podemos transform-los por meios pacficos, procurando a justia, o
acordo e a expresso do carinho e da ternura. Nos conflitos blicos, podemos bombardear o Iraque ou podemos utilizar os meios
pacficos de frear a proliferao de armamento, transformar as
Naes Unidas, promover o Tribunal Penal Internacional e criar
instituies globais e locais que afrontem o problema da pobreza
e da misria humana.
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Sigo aqui a linha de raciocnio de Hegel e Mead, que, mais recentemente, foi
retomada por Charles Taylor (1993; 1995) y Axel Honneth (1992; 1997a;
1997b; 2003).
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belecer uma unidade contingente e causal entre essas duas instncias de ao e validez. a unidade momentnea entre o egosmo e a moralidade para o bem de uma ordem social que se justifica, em ltima instncia, em termos da satisfao dos interesses
egostas do individuo ou da integrao social. O resultado do exerccio da cidadania no se traduziu, assim, em uma sociedade mais
justa, mas na simples perpetuao da ordem estabelecida, seja
ela moderna ou tradicional.
Enquanto acreditarmos que nosso anseio simultneo de satisfazer as vontades individuais e a vontade de pertencer e acomodar-nos s normas sociais, so princpios de ao que devem
ceder em relao ao outro, a cidadania, por mais plena que seja,
no ter valor transformador. Redirecionar o exerccio da cidadania para a promoo de uma sociedade mais justa pode se iniciar
com a reviso dessa tenso, definida como o desejo de afirmar
nossas capacidades, de conhecer-nos capazes e, contudo, necessitar, para essa autorrealizao, que nossas capacidades sejam
reconhecidas pelos demais3.
Nem todo reconhecimento est de acordo com as nossas expectativas. Queremos ser o que ns mesmos acreditamos que
podemos ser, mas, simultaneamente, necessitamos validar essa
busca com o outro. O conflito ou a tenso que experimentamos
no poder expressar livremente o que queremos ou acreditamos
ser, isso , independentemente do reconhecimento do outro. Essa
tenso se faz sempre presente porque na prtica das relaes
humanas nunca estamos de todo satisfeitos com o modo como
somos reconhecidos. Da que denominamos a tenso em que vive
o ser humano, de luta pelo reconhecimento. A luta inicialmente uma busca pelo reconhecimento do outro, mas que, em sua
materializao, se expressa como luta por um determinado reconhecimento.
O fato de que a afirmao de minhas capacidades s ocorre
mediante a confirmao do outro, nos torna interdependentes.
Isso significa que a tenso que tentamos polarizar para nos liber-
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O DESAFIO DA CIDADANIA
Atualmente nos encontramos num mundo que experienciou
os dois lados da tenso e que enfrenta o desafio de estabelecer
um equilbrio entre eles. O desafio de todos, e especialmente o
desafio dos que advogam pelo direito cidadania nas sociedades
modernas, o de compreender e atuar de acordo com as necessidades da interdependncia humana. Uma interdependncia que
no recente, fruto da globalizao, mas que o ser humano sempre enfrentou e tentou compreender e cujas tentativas lhe conduziram gradualmente a uma conscincia coletiva de que todos
os seres humanos possuem capacidades e tm o direito de
express-las. Como a sociedade moderna se justifica em termos
da garantia desse direito fundamental, ela tem o dever de validar
e responder s demandas por condies que sejam de fato cada
vez mais igualitrias.
A afirmao da igualdade e de liberdade de todos uma proteo contra os abusos do autoritarismo e uma defesa da individu-
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A forma que a modernidade e a sociedade liberal encontraram para solucionar a tenso entre o interesse prprio e o interesse alheio, no foi validar a luta pelo reconhecimento e gerar
condies e meios para a sua normatizao e expresso. O que
ela fez foi criar espaos artificiais para tentar garantir o reconhecimento incondicional da capacidade de autorrealizao e eventual auto determinao. Essa sociedade confinou o valor do indivduo ao mbito do privado, e somente ao privado, e criou um
espao pblico que, supostamente, se reduz ao espao da regulamentao das relaes entre as soberanas vidas privadas6.
Ao contrrio do que promete, a diviso entre o pblico e o privado no soluciona a tenso da vida em sociedade, nem satisfaz a
busca humana. No nos protege uns dos outros, nem favorece a
autorrealizao. No nos conhecemos mais capazes porque podemos supostamente perseguir nossos prprios objetivos sem a interferncia alheia. Seguimos necessitando do reconhecimento do outro
para pertencer e compreender, valorizar e dar sentido s nossas
realizaes. O espao da vida privada, por essa razo, se torna muito
mais uma camisa de fora, limitando nossas vontades e necessidades, que um espao de liberdade. A tenso ou a busca da autorrealizao atravs do reconhecimento no encontra um meio vlido de
expresso e no pode ser, assim, publicamente enfrentado.
O respeito vida privada nos obriga a estarmos satisfeitos,
quase felizes, com a possibilidade de no ter que enfrentar a vontade e o julgamento do outro. Os princpios da no-interferncia e
da auto determinao nos asseguram que tal enfrentamento no
necessrio, que no nos faz falta, ou melhor que no cabe ao
outro conhecer e julgar as virtudes ou os vcios de nossas opes
e vice-versa, protegida como est o valor dessas escolhas na fortaleza da vida privada.
Nesse contexto, a luta pelo reconhecimento que caracteriza a
agenda poltica de muitos movimentos sociais modernos, por exemplo, no satisfaz a busca por autorrealizao de nenhum dos envolvidos. Essa luta termina por reproduzir os interesses sociais j
estabelecidos, sem que tais interesses expressem a diversidade
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de capacidades daqueles que os reproduzem e sem que os mesmos, por tanto, tenham conhecimento e possam valorizar suas
prprias capacidades.
Nas sociedades modernas, como em sociedades mais tradicionais, a necessidade de reconhecimento torna as pessoas dependentes dos interesses sociais pre-estabelecidos. Em uma sociedade que no est estruturada para a validao coletiva das capacidades individuais, impe-se a lei do mais forte ou aqueles interesses que conseguiram se impor sobre os demais. Esses interesses, expressos na forma de smbolos sociais, ganham o apoio popular como o meio mais evidente e seguro de garantir o reconhecimento social. A busca pelo reconhecimento, um processo incerto e sem garantias, substituda pela luta pelo acmulo de smbolos e a interdependncia humana redirecionada dependncia a estes smbolos.
Os smbolos sociais so, por definio, o resultado da expresso
da diversidade e riqueza das capacidades humanas em sua luta por
autorrealizao nos distintos contextos sociais. O smbolo, em si, tem
um valor social positivo. Na medida em que os smbolos se consolidam
como critrio absoluto de reconhecimento, isto , deixam de expressar
a diversidade da capacidade humana e passam a determinar a medida dessa capacidade, sua funo social se torna questionvel. Essa
inverso de valores ocorre quando, enquanto sociedade, esquecemonos da condio de possibilidade da nossa autoarrealizao. Quando
ocorre esse esquecimento, o smbolo torna-se independente do seu
criador, ou melhor, do contexto de sua criao. O que deve ser problematizado, para o propsito da autorrealizao, portanto, a justia
dos critrios a partir dos quais determinados smbolos ganham predominncia e legitimidade social em detrimento de outros.
A rebeldia juvenil, o consumismo inconsequente, a explorao da
maioria por parte de uma minoria, os conflitos internacionais, em nome
da segurana ou do interesse nacional, so todos expresses da inteno de apropriar-se de smbolos excluindo-se o outro, como se essa
apropriao pudesse afirmar e realizar a capacidade humana. Essas
prticas so expresso da incapacidade coletiva de se lidar com o
conflito entre a procura por autorrealizao e a necessidade de reconhecimento. Desde uma crtica social mais tradicional, se diria que
todas essas situaes representam um conflito de interesses. Um con-
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flito que, para o bem de todos, deveria ser acordado em termos mnimos para salvaguardar o mximo interesse das partes.
Essas aes, entretanto, poderiam ser descritas, por si mesmas, como a expresso de nossa interdependncia. Expresso de
uma busca, no s por exercer nossas potencialidades, mas por
exerc-las com o outro. Isso ocorre porque ao desprezar um grupo
estamos tambm buscando a aprovao do outro, porque o que
procuramos com as guerras e exploraes, nunca um valor absoluto, mas sim um smbolo. E esse smbolo somente tem valor no
contexto de uma determinada sociedade, que a reconhece como
expresso das capacidades de seus membros.
O problema com essa luta pelo reconhecimento, que caracteriza tambm as relaes nas sociedades mais modernas e liberais, que, ao invs do reconhecimento ser buscado incluindo o
outro, apegamo-nos a um smbolo como se este tivesse um valor
inquestionvel e excluimos, assim, qualquer possvel crtica. Defendemos nosso estilo despojado, nossa cultura popular e nossa
soberania nacional da ameaa do outro. Acreditamos e desta
forma os governos justificam suas guerras e a violncia dos que
matam estarmos defendendo, e com justia, nossos interesses.
De fato, se o conflito entre os seres humanos no representa nada
mais que uma luta egosta pela preservao dos prprios interesses, por que deveriamos respeitar a soberania do interesse alheio?
O conflito entre os seres humanos, entretanto, no surge do conflito de interesses particulares e irreconciliveis. Aqueles que declaram a guerra se esquecem de nos dizer que o interesse supremo,
mascarado de tantas formas, provar ao outro, a algum outro, a
capacidade prpria. No estamos somente lutando para preservar
interesses individuais ou coletivos que, por m sorte da maioria das
pessoas, parece ser sempre incompatvel com os interesses alheios.
Estamos tentando nos convencer, convencendo ao outro, de que somos capazes de realizar algo. E aqui, no o algo em si que tem
valor e sim a capacidade de realiz-lo. Mesmo no caso extremo da
luta pela sobrevivncia, sabemos que atividades como comer e procriar tm sentidos e valores distintos, dependendo do contexto social
em que se praticam. E que a pessoa, se afastada arbitrariamente do
contexto que d sentido e valor a essa atividade, pode sacrificar a
vida para no ter que sacrificar o sentido e o valor, dessa existncia.
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indiscutvel que nos relacionamos por razes distintas, desenvolvendo uma ou outra capacidade, nas diferentes comunidades de reconhecimento que participamos. Porm, sustentando
essas razes, e as tornando possveis, est o desejo primordial de
autorrealizao. E deve estar, portanto, o reconhecimento do outro universal. De um outro que, antes de ser o meu amigo particular, e para poder s-lo, como bem observa Derrid7 (1988), meu
amigo universal. Para que as relaes de reconhecimento sejam
significativas - ou seja, possam justificar as opes pessoais, de
modo que representem o conhecimento das capacidades, sua expresso e o sentimento de satisfao pessoal que advm desse processo - elas devem aceitar ao outro incondicionalmente. A
incondicionalidade se refere capacidade fundamental do outro
de dar e receber reconhecimento, e no unicamente a sua afiliao
a uma determinada comunidade.
Essa incluso no significa dar e receber um reconhecimento
incondicional, sem razes, mas incluir o outro incondicionalmente na busca pelo reconhecimento. Sem essa incluso do outro universal em nossas relaes, seguimos escravos dos smbolos sociais e comprometemos nossa autorrealizao. A partir dessa incluso, relacionamo-nos com nosso vizinho de tal modo que no
poderamos, por considerao ao valor fundamental do prprio
vizinho, excluir, a princpio, qualquer outra pessoa dessa relao. Em outras palavras, porque valorizamos o que de mais importante os membros de nossa prpria comunidade tem para nos
oferecer, que no podemos excluir de nosso reconhecimento nenhuma outra pessoa. Se essa excluso ocorre, porque no conseguimos reconhecer e valorizar nosso amigo, o membro de nossa
comunidade ou concidados pelo que eles em si significam para
nossa autorrealizao.
A excluso do estranho ocorre porque a incluso do amigo se
deu apenas em funo dos smbolos compartilhados, seja porque
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em que as partes afetadas podem, sem coeres, pedir e dar razes para as suas aes, validando o que esto fazendo como a
opo mais aceitvel em determinado momento, essa interao
permite uma reviso justa das opes de cada um. Assim, se uma
nao intenciona tomar uma medida, deve justificar essa ao
com razes que convenam a todos os afetados, internamente e
externamente. Se outra nao, ou membros de outra nao, tem
razes para questionar essa medida, seu questionamento deveria, a princpio, ter o mesmo peso e receber a mesma considerao que a dos prprios membros.
O critrio da incluso do outro universal como regulador das
relaes de reconhecimento direcionadas ao consenso, vlido tanto
para as relaes pessoais quanto para as internacionais, implica
que qualquer pessoa ou coletividade seria bem-vinda a participar
na validao das decises e no questionamento de smbolos alheios.
Sem dvida, tal incluso rompe a maneira como tradicionalmente
conduzimos a tomada de deciso em nossa vida pessoal ou coletiva.
Esse princpio no s questiona o sentido e o valor da diviso entre a
vida pblica e a privada no que se refere liberdade pessoal que
essa diviso tenta proteger como tambm questiona a validade do
conceito de soberania e auto-determinao dos povos e naes - no
que se refere aos interesses nacionais ou s tradies e identidade
cultural que esse direito soberania tenta preservar.
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no participamos de um processo de incluso irrestrito para validar o que fazemos, reduzimos nossa ao a um sentido e valor
muito restritos. Em outras palavras, garantindo a seus membros
o benefcio incondicional do reconhecimento de todo e qualquer
modo de ser e de atuar, a sociedade deslegitimiza a participao
ativa dos seus membros no processo coletivo de validao da vontade individual. O resultado a vontade dbil de acumular smbolos.
A ttulo ilustrativo interessante observar o paradxico crescimento de e manifestaes pblicas nas sociedades modernas
por todo tipo de direito privado. Como, de fato, no nos satisfaz
afirmar nossa vontade entre quatro paredes, samos a pblico
para demostrar e convencer ao outro que valiosa nossa forma
de ser e de pensar. Mas determinar arbitrariamente que temos o
direito de sermos reconhecidos publicamente, da forma como queremos, pode at nos render uma vitria poltica, mas no satisfaz
nossa busca por autorrealizao. s quando nos propomos a
provar e convencer o outro, respondendo necessidade mtua de
justificao e validao, que podemos dar um sentido e valor nico s nossas escolhas.
No mbito coletivo, por sua vez, o perigo desse reconhecimento
incondicional a manuteno de uma ordem social inaltervel.
Como cada um tem que dar sentido a sua vida por si mesmo,
sem ter os meios legtimos para faz-lo coletivamente, a maioria
opta por seguir os smbolos sociais sem question-los garantindo, assim, pelo menos o reconhecimento social, ainda que para
isso tenham que sacrificar sua realizao pessoal. O resultado
uma sociedade que d a iluso de promover a liberdade, a participao e a prosperidade, tornando a busca pelo reconhecimento social desnecessria, e consolidando a predominncia de determinados smbolos em detrimento de outros. Logra sua manuteno com o apoio da maioria de seus membros, que procuram
autorrealizao atravs dos poucos meios legtimos sua disposio, como o consumismo ou a posio social. Tal sociedade
evoca, com perfeio, a lei fsica do atrito: onde no h resistncia, no h mudana de direo.
Nesse sentido as sociedades tradicionais so semelhantes
s modernas, apenas no tem a necessidade de nenhum sub-
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Ver Young (1999) e Fenelon (2008), por exemplo, para uma anlise da
democracia em sociedades indgenas.
Para o propsito dessa discusso ver Quijano (2000) e Berman (2006).
Esses autores fazem uma anlise da auto-relao inferiorizada das populaes
da Amrica Latina e frica, determinada por una imagen idealizada do outro
(homens, ricos e anglo-saxes).
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Ver Senneth y Cobb (1972) para uma slida anlise da relao entre a
pobreza e a necessidade de reconhecimento.
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cer a autorrealizao de determinados grupos, eles teriam o direito de no atender ao questionamento de outras sociedades. Na
medida em que h espao para a formao da cidadania baseada
nas virtudes do dilogo, esses cidados demandam justificativa
para as aes e decises questionveis de qualquer povo e
governante da terra. Mais especificamente, esses cidados demandam o compromisso de todas as sociedades, no que se refere
legitimizao de sua autoridade, com o dilogo e com a educao nas virtudes do dilogo. O exerccio da cidadania para uma
sociedade mais justa, implica, assim, o esforo em ampliar para
todos a possibilidade de participar em um dilogo sincero, comprometido com a busca da verdade, cuidadoso com os sentimentos alheios e desprendido de verdades absolutas.
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**
Este artigo foi traduzido ao portugus por Mrcio Santana Sobrinho. Qualquer
correspondncia para os autores deste artigo pode ser enviada para: Professor
Michael L. Penn. Department of Psychology, Franklin & Marshall College.
P.O. Box 3003. Lancaster, PA 17604-3003. [email protected]
professor adjunto de Psicologia e Psicloga Clnica licenciada em Franklin &
Marshall College. Seus interesses de pesquisa e publicaes incluem obras na
patognese da esperana e da desesperana, a psicopatologia do adolescente, a
relao entre cultura e psicopatologia, e epidemiologia da violncia baseada no
genero. Professor Penn viveu, viajou e fez palestras em mais de trinta pases, e
foi convidado para atuar como consultor e palestrante em conferncias das
Naes Unidas relacionadas com a Europa, Amrica do Norte e Caribe. Professor
convidado do curso de Estudos para a Paz e Resoluo de Conflitos/UFS.
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necessidades so satisfeitas, as capacidades do homem tornamse habilidades. Assim, a necessidade pode ser entendida como
uma forma de assistncia necessria para o desenvolvimento de
uma capacidade. Se a necessidade no satisfeita, a capacidade
nunca ser desenvolvida.
Consideremos um exemplo. Se plantarmos uma bolota semente do carvalho e desejarmos v-la se desenvolver, teremos
de satisfazer as necessidades da semente. Isso inclui uma determinada quantidade de solo sobre, abaixo e ao redor dele. Se a
semente for enterrada muito profundamente, nunca vai brotar;
se no receber gua ou luz solar suficientes, no vai florescer; e
se a brisa no refresc-la durante sua vida como um broto, no
vai adquirir a fora necessria para resistir s chuvas e tempestades na idade madura. As evidncias de seu desenvolvimento
saudvel so suas possibilidades de se tornar uma rvore gigantesca. Se ele no desenvolver seu tronco, folhas e galhos, e se no
produzir seiva ou sementes para o desenvolvimento de outros carvalhos, ento sabemos que houve uma falha de desenvolvimento.
Alm disso, nunca iremos plantar uma bolota e esperar produzir
laranjas, uvas ou bananas. A capacidade de uma entidade determina tanto aquilo no que ela pode como no que ela no pode se
tornar. Quando as necessidades legtimas de um ser vivo so satisfeitas, ele cresce de acordo com sua natureza. Assim tambm
com o ser humano.
De maneira similar, a capacidade humana de conhecer,
amar e vontade criam necessidades. A capacidade humana de
conhecer, por exemplo, implica a necessidade de educao. Enquanto essa necessidade no for satisfeita, a capacidade de conhecer no ser desenvolvida propriamente; a capacidade de
amar cria a necessidade de pertencer. Sem a satisfao dessas
necessidades, a capacidade de amar permanece latente ou
distorcida; a capacidade de volio cria a necessidade de certa
medida de liberdade. Sem o exerccio adequado da liberdade, a
capacidade interna para a autonomia no pode acontecer. Satisfazendo nossas necessidades legtimas, protegemos o esprito
humano. por essa razo que as necessidades humanas constituem a base lgica e pragmtica de todas as reivindicaes de
direitos humanos.
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A necessidade de educao
A funo primria dessa capacidade de conhecer a necessidade do esprito humano de investigar a realidade. Educao consiste na criao e manuteno das condies sociais, morais e
materiais, necessrias para este processo contnuo de descoberta deliberada e sistemtica. Quando a educao do esprito humano eficaz, vemos no s a expanso do conhecimento, mas
tambm uma fome por aprofundar o conhecimento.
Conhecimento o alimento do esprito humano e serve tanto
a funes pragmticas como transcendentes. O valor prtico do
conhecimento o que nos torna melhores no mundo. H coisas
que podem ser alcanadas com o conhecimento que no so possveis sem ele. O valor utilitrio do conhecimento , assim, algo
que confere poder. Uma das formas do poder se manter nos jogos
de subordinao que os subordinados no tm acesso educao compatvel com suas capacidades. O programa de ao articulada, pouco mais de uma dcada atrs, na Conferncia Internacional sobre Populao e Desenvolvimento (realizada em Cairo,
Egito, em setembro de 1994), identificou a educao como um dos
meios mais importantes para transmitir os recursos internos que
as pessoas precisam para viver de forma saudvel e participar
plenamente no processo civilizatrio.
A responsabilidade dos governos em garantir o acesso educao tambm afirmada no artigo 26 da Declarao Universal:
todo homem tem direito educao. O prembulo da Declarao Mundial sobre Educao relembra que a educao um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades e o Artigo 1 diz que cada pessoa criana, jovem ou adulto deve estar em condies de aproveitar as oportunidades
educativas voltadas para satisfazer suas necessidades bsicas
(GALEY, 1999: 439). O papel da educao o pleno desenvolvimento da personalidade, bem como o reforo do respeito pelos
direitos humanos e liberdades fundamentais; gerando entendimento, tolerncia e amizade entre todas as naes e grupos raciais ou religiosos; incentivando as atividades das Naes Unidas
para a manuteno da paz; e promovendo o respeito pelos pais.
(GALEY, 1999: 408)
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Alm de cultivar as cincias e tecnologias, uma educao eficaz deve incluir o crescimento da conscincia moral, o cultivo das
virtudes humanas, o refinamento das sensibilidades estticas e o
despertar da atrao do corao por aquilo que nobre, belo e
verdadeiro. A preocupao com os aspectos ticos do desenvolvimento humano , essencialmente, uma preocupao com a preservao dos valores que transbordam as fronteiras pessoais,
culturais ou histricas, contribuindo para o pleno desenvolvimento do potencial humano.
O desenvolvimento de uma vida interior e do carter pessoal
tem sido entendido como fundamental para o processo civilizatrio.
Em tica a Nicmaco, Aristteles afirma: a finalidade da cincia
poltica o supremo bem; e a cincia poltica se preocupa com
nada menos do que a produo de certo carter nos cidados ou,
em outras palavras, torn-los bons e capazes de executar aes
nobres (ARISTTELES, 1987: 30). Estas noes no esto limitadas tradio liberal ocidental. Na sia, o Buda promoveu um
sistema de educao moral baseada no caminho ctuplo. Seus
ensinamentos afirmam que sem o conhecimento correto, a aspirao correta, a fala correta, o comportamento correto, o modo de
vida correto, o esforo correto, a ateno correta e a correta absoro, caractersticas da vida interior e exterior, nem a pessoa,
nem a sociedade podem estar bem-ordenadas.
Do mesmo modo, o cristianismo, cuja filosofia moral e espiritual abarca o mundo, ensina que nem s de po viver o homem, e que o aperfeioamento do carter humano indispensvel vida e sade de uma comunidade. Encontramos afirmaes
semelhantes em tradies espirituais africanas, bem como no
zoroastrismo, hindusmo, islamismo e judasmo. H claramente
uma base transcultural dando conta das dimenses morais do
desenvolvimento humano.
A necessidade de pertencer
A capacidade de amar implica a necessidade humana de pertencer. Se estamos cultivando e refinando a capacidade humana
inata de amar, a necessidade de estarmos ligados de uma maneira significativa a outros, nossa necessidade de se alegrar em um
relacionamento com a natureza e nossa necessidade de ligao
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com aquilo que belo e bom deve ser satisfeita. Quando o poder
de atrao que o amor almeja o conhecimento, desenvolvemos
nossa capacidade de descobrir novas verdades sobre ns mesmos e sobre o mundo; quando este poder de atrao toma como
causa a beleza, a capacidade para as artes se desdobra. E quando somos atrados para o que bom, as capacidades internas
humanas para a reflexo moral e a ao nobre se concretizam.
Uma vez que a capacidade de amar uma caracterstica inerente
e inseparvel da conscincia humana, os seres humanos esto,
por necessidade, propcios a amar algo. O desafio refinar as sensibilidades humanas, para que o poder do amor recaia sobre aquilo
que possa reforar o desenvolvimento conjunto, o bem-estar e a
felicidade.
A necessidade de liberdade
A capacidade de volio ir sugerir a necessidade de certa
medida de liberdade. Sem uma dose de liberdade o ser humano
nunca pode se desenvolver como agente moral pois o desenvolvimento das faculdades morais requer o exerccio da capacidade de escolha. Devemos buscar maximizar a liberdade humana, a fim de aperfeioar o desenvolvimento da autonomia interna.2 Enquanto a liberdade possa ser conceituada como liberdade de restries arbitrrias externas, a autonomia a liberdade
daquela ignorncia interior que nos impede de fazer escolhas
sbias.
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plo, nos conta uma histria de um homem que vive num pas
isolado dos benefcios da tecnologia moderna. Esse homem descobre, logo aps ter eletricidade e um rdio, que ele ganhou um
refrigerador de uma das estaes de rdio nas proximidades.
Quando a geladeira entregue em sua porta, o novo proprietrio
pede que a coloquem no alpendre para que ele possa guardar
nela seu chapu, macaco e sapatos. Enquanto uma geladeira
certamente pode ser usada para armazenar essas coisas, utilizla desta forma denuncia uma falta de compreenso da plena
identidade e natureza de um refrigerador. No cerne do problema
da identidade est a questo inevitvel da capacidade de uma
entidade. Como observou Aristteles (1988), se voc vir uma bolota e no souber que ela tem em si o potencial de se tornar um
carvalho, voc no conhece a identidade de uma bolota. De um
modo semelhante, a identidade humana deve ser entendida em
termos de capacidades para o desenvolvimento que distinguem
a vida humana de todas as outras formas de existncia. Como o
mais complexo fenmeno conhecido no universo, o crebro e o
corpo humano tornam possveis a manifestao dos poderes do
esprito humano de maneira muito semelhante a de um espelho
que proporciona um meio para a manifestao das qualidades
da luz. O esprito humano se manifesta no fenmeno do eu,
que a dimenso transcendente da existncia humana, conferindo humanidade um grau de liberdade e responsabilidade
no encontradas em nenhum outro lugar na natureza. O esprito humano, eu, ou a conscincia, desenvolve-se gradualmente
ao longo da vida do indivduo. Nas fases iniciais do desenvolvimento humano, os poderes do esprito humano que incluem o
poder de conhecer, amar e querer manifestam-se de um modo
indistinguvel das qualidades da mente que caracterizam outras espcies.
Na infncia, por exemplo, o poder de conhecer tende a ser
limitado conscincia instintiva. Alm disso, o condicionamento clssico em que o organismo reage de maneira inconsciente
e reflexiva a estmulos ambientais tende a ser a principal modalidade de aprendizagem. A fora de vontade, nesta fase inicial,
caracterizada pelo automatismo, e o amor manifesto na forma
instintiva de apego. Conforme a infncia vai passando, uma
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atingirem o grau mximo de expanso, e chegarem ao estgio de perfeio, ento ela vai estar interessada no engrandecimento da humanidade. Visar, ento, o bem-estar
e a prosperidade de todos os povos. Isto indicativo de
perfeio.
Conforme os indivduos avanam em cada estgio de desenvolvimento, as qualidades e capacidades adquiridas nas fases
anteriores no so perdidas, e no podem ser encaradas como
algo absolutamente essencial no processo de desenvolvimento.
Uma pessoa madura e saudvel no a que aprende a condenar
ou reprimir suas necessidades fsicas ou psicolgicas, mas a que
aprende a satisfaz-las de uma forma compatvel com um conjunto de princpios ticos que levam em considerao a dignidade
humana e a interdependncia.
A questo da identidade to crtica porque a confuso sobre
a natureza da identidade humana tem estado na origem de algumas das ideologias mais destrutivas do mundo o racismo, sexismo e o nacionalismo. Essa confuso tem alimentado muitas
violaes dos direitos humanos ao longo do sculo XX.
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na-se cada vez mais prejudicado. Como resultado, todo o organismo comea a morrer. Alm disso, um sistema vivo sobrevive
no porque cada parte que o compem tem as mesmas caractersticas mas, porque cada parte diferente.
Essa metfora tambm pode ser aplicada esfera social. Por
exemplo, em um nvel social, as naes do mundo, que so constitudas por grupos tnicos, raciais, religiosos e culturais, constituem as diversas partes que devem trabalhar juntas, de forma
harmoniosa, numa humanidade totalmente prspera e evoluda.
Uma sociedade cujos membros esto em constante competio e
conflito no ser capaz de cultivar ou usar seus limitados recursos
da melhor forma. Os conflitos que dividem os negros dos brancos,
as mulheres dos homens, os muulmanos dos judeus, os conservadores dos liberais, a classe mdia e os ricos dos pobres, todos
representam ameaas graves para a viabilidade futura do mundo. Mudanas em curso na composio demogrfica da Amrica
s para citar um exemplo apenas agravariam estes conflitos
se uma profunda compreenso do valor e usos da diversidade,
para a felicidade e prosperidade humanas, no forem cultivadas.
No sculo XXI, por exemplo, grupos raciais e tnicos nos Estados Unidos iro superar os brancos. A populao hispnica aumentar em cerca de 21%, os asiticos vo crescer quase 22%, os
negros 12% e os brancos em menos de 3%. Dentro de vinte e cinco
anos, o nmero de americanos hispnicos ou no-brancos ir
duplicar para cerca de 115 milhes, enquanto a populao branca quase no ter aumentado. Em cerca de sessenta anos, o americano tpico deixar de traar a sua ascendncia para a Europa,
e ter de apontar para a sia, frica, Amrica do Sul ou Central,
Ilhas do Pacfico, Oriente Mdio ou Extremo Oriente. Como o escritor da Revista Time William Henry III (1990) observou, a maioria
das geraes mais antigas ir aprender, como uma parte normal
da vida diria, o significado do lema latino E PLURIBUS UNUM,
de muitos, um4.
Nota do Tradutor: O autor se refere ao fato de que esse j ser um dos lemas
nacionais dos Estados Unidos desde 1776, quando as treze colnias
independentes se uniram em federao sob uma s bandeira.
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Para muitos estudantes do pas, o escurecimento da Amrica uma realidade visvel. Cerca de 40% das crianas em escolas elementares e secundrias de Nova York so de minorias tnicas. Hispnicos, asiticos e negros superam os estudantes brancos na Califrnia. Um grande nmero de vietnamitas chamam a
San Jos de lar e milhares e milhares de refugiados hmong agora
vivem em Saint Paul, no Minnesota.
Todos os anos, cerca de cem milhes de pessoas vo deixar o
lugar onde nasceram em busca de maior liberdade econmica,
poltica ou religiosa. O destino escolhido por muitas pessoas no
mundo continua sendo a Amrica. Mas milhes esto tambm
migrando para pases relativamente homogneos da Europa. Se
as naes do mundo esto usufruindo do enorme capital humano
que os imigrantes trazem, vamos ter de fazer mais para promover
a dignidade, bem-estar e os direitos de todos os povos tornando,
ao mesmo tempo, a diversidade humana uma fonte de capital social para a nao.
Enquanto as cincias naturais tm iluminado os processos
que facilitam a unidade na diversidade mineral, vegetal e animal,
estamos s recentemente comeando a entender como unificar
foras que harmonizem as diferentes necessidades e interesses
dos seres humanos. A mais potente dessas foras o amor. Amor
no a satisfao reservada aos jovens romnticos, mas o vnculo que une as famlias, comunidades e naes.
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tantes. Jovens que tm eus temveis (eu na priso) sem correspondentes desejados (eu como doutor) no sero dissuadidos de
praticar um crime por ameaas de priso. O temor influencia no
comportamento de um indivduo somente se o ameaa com a perda
de um valioso eu possvel. Assim, se um indivduo no puder enxergar nenhuma opo real para iniciar aquilo que sonha se tornar, no aumentando a gravidade das ameaas que se vai impedi-lo de cometer crimes. Esta uma razo por que nossa abordagem criminalidade presente em tantas cidades do interior do
mundo to ineficaz. Em situaes de injustia, os eus desejados
no se realizam. Como resultado, os eus que as pessoas temiam
j no servem como meios de dissuaso. Eles acabam por
desconsiderar os princpios relacionados justia que governam a
vida em comunidade porque no tm esperana de usufruir dos
benefcios que esto associados com o respeito ao direito dos outros. De forma correspondente, no faz sentido a ameaa de perda
de liberdade, na falta de opes viveis para o exerccio dela. A
consequncia a ilegalidade e um colapso das sociedades civis.
DA INFNCIA MATURIDADE
Das vrias fases do desenvolvimento humano, nenhuma
com exceo dos poucos primeiros meses de vida caracterizada por tanto tumulto, confuso e transformao como a adolescncia. Para aqueles que esto familiarizados com os processos
de crescimento, as convulses que ocorrem na fase adolescente
de desenvolvimento so entendidas como precursoras necessrias para o jovem que esperou ansiosamente por aquele momento.
Durante o ltimo sculo e meio, a humanidade tem experimentado mudanas rpidas e revolucionrias em quase todos os aspectos da vida. A diversidade e globalidade das mudanas tornam a
seguinte metfora do desenvolvimento mais do que til. Nas palavras de Lori Nagouchi, Holly Hanson, e Paul Lample (1992):
No governo ou na lei, na cincia ou na indstria, ou nos
relacionamentos entre indivduos e naes, reavaliao e
inovao se tornaram a regra. Novos conhecimentos e novos entendimentos esto extirpando prticas arcaicas em
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Se queremos vencer os desafios do momento presente, as atitudes, pensamentos e hbitos da juventude no sero suficientes.
Coletivamente, somos chamados a entrar na maturidade desenvolvendo as qualidades da mente, corao e comportamento que
nos permitam responder de forma apropriada s exigncias prementes de uma nova era. no contexto da passagem da humanidade para a maturidade, bem como para o desenvolvimento de uma
civilizao que consagra o princpio da unidade na diversidade,
que um novo processo, abarcando todos os processos de transformao individual e institucional deve ter lugar.
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senta aos seres humanos razes morais para a ao. Em contraste com uma perspectiva que afirma que todos os valores so
imposies da vontade humana, Brinkmann sustenta que o topos da vida humana isto , o centro das preocupaes, o espao dentro do qual os humanos gastam seus dias saturado de
razes morais para a ao e que a comunidade humana no atingir sua excelncia em potencial (seu arte) a menos que adquira
a capacidade de responder apropriadamente aos imperativos morais da existncia. Por exemplo, Brinkmann alegou que alguns
atos humanos so brutais e devemos reconhecer a brutalidade
quando ela est diante de ns. Perceber a brutalidade requer o
cultivo da capacidade humana de compaixo e cuidado. Sem o
desenvolvimento de uma espcie de olho interior, os atos de brutalidade no suscitam em ns a resposta adequada.
A afirmao de que todos os valores so construes culturais ameaa a base racional e pragmtica dos direitos humanos e
civis na medida em que uma perspectiva que torna possvel
legitimar atos de explorao e brutalidade, conquanto lgicas culturalmente coerentes possam ser apresentadas em sua defesa.
melhor avaliar o que de valor, perguntando o que promoveria
melhor o desenvolvimento humano saudvel, o que iria reforar o
esprito de solidariedade entre os povos e maximizar a proteo do
mundo natural? A lente atravs da qual tais questes devem ser
examinadas a lente da justia.
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tar o crescimento fsico e a sobrevivncia; necessidades de associao relativas sede por amizades, famlia, comunidade e amor;
necessidades de estima, que esto ligadas ao desejo de fazer diferena, deixar uma marca, e levar uma vida que importe; e necessidades do transcendente expressas na tendncia humana de
ir alm dos limites do eu em direo essncia incognoscvel
que alguns tm chamado de Deus.
O desafio da vulnerabilidade humana fome, sofrimento, desumanizao, isolamento e falta de sentido pode ser adequadamente tratado dentro de um paradigma que reconhea a unicidade
e integridade de toda a raa humana. Em uma carta dirigida
rainha Vitria, o fundador do movimento Bahi comparou o mundo em que vivemos ao corpo humano. Comentando essa comparao, a Casa Universal de Justia fez uma observao que merece ser citada na ntegra:
Na verdade, no mundo dos fenmenos no existe outro
modelo aceitvel ao qual possamos olhar. A sociedade humana no composta de uma massa de simples clulas
diferenciadas e sim de associaes de indivduos, cada um
dos quais dotado de inteligncia e vontade; no entanto, os
modos de funcionamento que caracterizam a natureza biolgica do homem ilustram os princpios fundamentais da
vida. O principal deles o da unidade na diversidade. Paradoxalmente, precisamente a totalidade e complexidade
da ordem que constitui o corpo humano e a perfeita
integrao das clulas do corpo a essa ordem que permite a plena realizao das capacidades distintivas inerentes
a cada um desses elementos componentes. Nenhuma clula vive separada do corpo, seja contribuindo para o seu
funcionamento, seja derivando sua parte do bem-estar do
todo. O bem-estar fsico assim alcanado encontra seu propsito quando torna possvel a expresso da conscincia
humana; ou seja, o propsito do desenvolvimento biolgico transcende a mera existncia do corpo e de suas partes.
O que verdadeiro para a vida do indivduo encontra paralelos na sociedade humana. A espcie humana um todo
orgnico, o coroamento do processo evolucionrio. O fato
72
de a conscincia humana necessariamente funcionar atravs de uma infinita diversidade de ideias e motivaes individuais no nega, de modo algum, sua unidade essencial.
Com efeito, precisamente essa diversidade inerente que
faz a distino entre a unidade e a homogeneidade ou uniformidade. O que os povos do mundo esto experimentando
(...) a sua entrada coletiva na maioridade, e atravs dessa
emergente maturidade da raa humana que o princpio da
unidade na diversidade ir encontrar sua plena expresso.
(COMUNIDADE INTERNACIONAL BAHI, 2000: 4)
Sofrimento e injustia
Em um tpico experimento de desamparo, a concepo tridica
empregada. Essa concepo permite aos investigadores expor
um grupo de indivduos a eventos desagradveis que eles podem
controlar, um segundo grupo exposto a eventos desagradveis
sob os quais no tm controle, e um terceiro grupo a eventos que
no so nem controlveis nem incontrolveis. O que esclarece-
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dem. Uma vez que muitas formas de explorao e abuso so perpetradas sob o manto do sigilo e corrupo, uma abordagem totalmente legalista para proteger os direitos humanos continuar a
ser inadequada. Por esta razo, afirmamos que uma discusso
das dimenses psicolgicas, morais e espirituais da sociedade deve
desempenhar um papel crescente no desenvolvimento de modelos de direitos humanos.
Sem a preocupao legtima de preservar a liberdade de conscincia, um nmero de pensadores contemporneos tem argumentado contra os esforos para introduzir consideraes de ordem moral ou espiritual em desenvolvimento ou iniciativas de direitos humanos. Outras baseiam seus argumentos no fato de que
essas so questes particulares e no devem ser impostas por
agentes que atuam em nome do Estado. To importante quanto
possam ser essas preocupaes, nos esforcemos para delinear
uma estratgia de desenvolvimento moral que se fundamenta nos
valores humanos universais j aprovados, de forma explcita ou
implcita, pela comunidade global. Entre estes valores est o respeito pela dignidade e valor das pessoas, sem distino de raa,
sexo, religio e cultura, bem como o direito fundamental das pessoas a viver livre de qualquer dor e sofrimento desnecessrio e
atingir seu potencial inerente de seres humanos. Estes valores
universalmente reconhecidos fornecem a liga social e os arranjos institucionais que tornam as famlias, comunidades e sociedades viveis por longos perodos de tempo. Sempre que a apreciao destes valores negligenciada, ou os instrumentos necessrios para a sua divulgao no existem, cria-se um meio para
produo de vrias maneiras de sofrimento intil e debilitante.
A teoria da evoluo, a cincia da psicologia, e as tradies de
sabedoria do mundo afirmam que o desenvolvimento humano no
parece ser possvel sem a exposio ao sofrimento. Do mais bsico sofrimento experimentado surge sempre uma conscincia de
disparidade entre o estado atual de um organismo e um estado
futuro desejado. A conscincia da distncia entre onde estamos e
onde queremos chegar um motivador importante para a promoo do desenvolvimento. medida que lutamos com os problemas
apresentados a ns pela nossa existncia, trazemos luz novos
conhecimentos, novas percepes, novas tecnologias e novas es-
76
tratgias de enfrentamento. A soma o prprio avano da civilizao. Assim, o sofrimento no algo lamentvel. Pelo contrrio, o
sofrimento sem sentido e desnecessrio, que nasce da injustia e
de desumanidade que objeto de preocupao para aqueles
que procuram promover os direitos humanos.
EXPECTATIVA
As iniciativas de paz e polticas de direitos humanos do sculo 21 devem continuar oferecendo proteo contra as muitas formas de violncia estrutural, explorao cultural e o terrorismo
patrocinado pelo Estado que manchou a face do sculo XX. Mas,
como temos nos esforado para discutir aqui, as iniciativas de
direitos humanos tendem a ser mais eficazes em despertar o compromisso dos povos do mundo quando eles so animados por uma
viso que promove a prosperidade da humanidade no sentido mais
amplo do termo. Este profundo ajustamento das aspiraes coletivas da humanidade no est fora de alcance. possvel que ele
tenha sido bem abordado pela Comunidade Internacional Bah,
dirigindo-se Cpula Mundial das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Social:
A tarefa de criar uma estratgia de desenvolvimento global
que acelere a entrada da raa humana na maioridade constitui-se no desafio de se reformular, fundamentalmente,
todas as instituies da sociedade. Os protagonistas a quem
esse desafio se apresenta so todos os habitantes do planeta: a humanidade em geral, os membros das instituies
governantes em todos os nveis, aqueles que trabalham em
rgos de coordenao internacional, os cientistas e pensadores sociais, todas as pessoas dotadas de talentos artsticos ou com acesso aos meios de comunicao, e os
lderes das organizaes no-governamentais. A resposta
requerida deve basear-se no reconhecimento incondicional
da unidade da humanidade, no compromisso de se estabelecer a justia como o princpio organizador da sociedade
(...). Este empreendimento requer uma reconsiderao radical sobre a maioria dos conceitos e premissas que hoje
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REFERNCIAS
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diversidade cultural uma dimenso inescapvel da esmagadora maioria dos pases do mundo, com as estimativas a apontarem para a existncia de mais de 5000 grupos tnicos e mais de 500 grupos lingusticos efetivos no mundo inteiro
(Kymlicka 1996:1).
Nesse sentido, o desafio da democracia na atualidade tambm o desafio de lidar com a dimenso multicultural das sociedades modernas. O que este texto explora o impacto das instituies
polticas em contextos multiculturais. Como se ir demonstrar, estas
podem contribuir substancialmente para a ausncia de violncia
e at mesmo para a estabilidade poltica em tais contextos. Ao
mesmo tempo, existem limites ao papel das instituies polticas,
mas no seja porque o seu funcionamento requer um mnimo de
harmonia social. De igual modo, os desafios do multiculturalismo
apresentam especificidades contextuais que precisam ser tomadas em conta. No h solues institucionais nicas e one-size-fitsall para as democracias em contextos de diversidade cultural, mesmo
se as instituies polticas contam, pelo menos em parte, para a
sua estabilidade, durabilidade e at mesmo qualidade.
Este texto comea por abordar o impacto que a diversidade
pode ter na criao de conflitos polticos. Como ser indicado, o
multiculturalismo pode gerar linhas de clivagem poltica substan-
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CARLOS JALALI
OS DESAFIOS DA DIVERSIDADE
Para exemplificar as dificuldades de governar a Frana, de
Gaulle teria um dia afirmado: Como pode algum governar um
pas com 246 tipos diferentes de queijo? Mas se governar um
pas com mais de 200 tipos de queijo difcil, o processo de
governao num pas com mais de 200 grupos tnicos como o
caso, por exemplo, da Nigria1 ser-lo- seguramente mais.
Como Kymlicka (1996) salienta, a diversidade em contextos
multiculturais gera uma srie de temas polticos relevantes, na
medida em que minorias e maiorias entram em conflito sobre
assuntos como os direitos lingusticos, a autonomia regional, a
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1950
1955
1960
Conflitos inter-estados
1965
1970
1975
1980
1985
Conflitos Revolucionrios
1990
1995
2000
2005
Conflitos tnicos
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CARLOS JALALI
Ao mesmo tempo, como salienta Kymlicka (1996: 10), o conceito de multiculturalismo abrange diferentes formas de
pluralismo cultural, com igualmente diversificadas fontes.
Kymlicka distingue assim entre estados multinacionais e estados
politnicos. Os primeiros ocorrem quando dentro de um mesmo
estado coexistem diferentes comunidades (naes), com uma ligao histrica ao territrio desse estado, que muitas vezes precedem a criao deste ltimo. Os estados politnicos, por sua vez,
derivam da imigrao. Como refere Kymlicka (1996: 14), um pas
apresentar pluralismo cultural se aceitar nmeros elevados de
indivduos e de famlias de outras culturas como imigrantes, e
lhes permitir manterem alguma da sua particularidade tnica.
Estes diferentes tipos de multiculturalismo do origem a desafios substancialmente distintos. Os pases da Pennsula Ibrica constituem um bom exemplo da diferena entre estados multinacionais e
politnicos. A Espanha um estado multicultural do primeiro tipo,
com a coexistncia (nem sempre pacfica) de diferentes nacionalismos no seu interior, como o catalo ou o basco. Portugal, por sua vez,
constitui um caso interessante de um estado politnico recente.
A homogeneidade cultural, poltica, tnica, lingustica e religiosa de Portugal levou Hermnio Martins a caracterizar, em 1971, a
sociedade portuguesa como sendo uma sociedade no-plural
(MARTINS 1971:60). Mais de trinta anos mais tarde, a diversidade
uma realidade saliente (ainda que recente) em Portugal. A populao estrangeira residente em Portugal at 1974 foi inferior a 30.000
pessoas, e apenas atingiu um por cento da populao total a partir
de 1989 (BARRETO e PRETO 1996: 73). Contudo, o acelerado crescimento da imigrao nos anos noventa levou a que, no novo milnio,
a populao estrangeira em Portugal estivesse, em termos de proporo, prxima de pases como a Holanda ou o Reino Unido, e fosse
superior a congneres da Europa do sul como a Itlia ou a Espanha.2
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ma mais eficaz de assegurar que o corpo de representantes constitui um microcosmo da generalidade dos representados. De igual
modo, vale a pena perguntar o que significa este tipo de representao num contexto de identidades mltiplas que se cruzam, e se
todos os membros de um determinado grupo cultural tm necessariamente as mesmas opinies e preferncias sendo portanto
melhor representados por algum proveniente do mesmo grupo.
Efetivamente, improvvel que os membros de um grupo prefiram ser representados por algum sociologicamente semelhante,
mas que no compartilha das suas opinies e expectativas polticas (e que portanto no as representa), que por algum que compartilha e representa as suas opinies polticas, ainda que sociologicamente no seja semelhante (Pasquino 2002: 201). Alis, como
o estudo de Bratton (2002) sobre as legislaturas em seis estados
dos EUA revela, um aumento na proporo dos representantes
afro-americanos ou mulheres pode no garantir uma maior representao dos interesses destes grupos.
nesse sentido que o princpio da representao poltica como
escolha tem prevalecido em democracia, com os representantes
a serem legitimados pelo processo da sua escolha, e no pelas
suas caractersticas pessoais. Assim, a representao democrtico-eleitoral resultado das preferncias dos cidados, atravs
do voto livre e regular. Estes elegem livre e periodicamente um
corpo de representantes, que responsvel perante os cidados
(PASQUINO 2002: 199). A igualdade poltica assim assegurada
em democracia pela igual capacidade de participao poltica dos
seus diferentes cidados, que podem assim expressar as suas
preferncias.
Dito isto, as questes de representatividade levantadas pela
teoria do espelho no so inteiramente irrelevantes na prtica
poltica em democracia. Por um lado, como refere Pasquino (2002:
202), provvel que existam vozes e interesses que nunca sero
tomados em considerao se numa assembleia faltarem representantes dessas vozes e desses interesses. Os proponentes da
representatividade como escolha sugerem que em democracia todos os grupos desprovidos de voz podem procurar representao
para compensar a sua ausncia de voz. Se teoricamente tal verdade, na prtica est longe de o ser, na medida em que parecem
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existir substanciais barreiras representao de grupos no-representados ou sub-representados como as mulheres ou as minorias, mesmo nas democracias mais avanadas (Zimmerman 1994).
Como referem alguns autores, se um grupo sistematicamente excludo, ento parece haver um problema com a democracia. A proporo de representantes polticos que provm de grupos minoritrios tende a ser limitada e substancialmente inferior
ao peso destes grupos na sociedade em democracias avanadas
como os EUA ou o Reino Unido (KITTILSON e TATE 2004). No caso
do ltimo, os dados do Censos de 2001 indicavam cerca de dez
por cento da sua populao como sendo no-branca; a proporo de deputados no-brancos na Cmara dos Deputados, contudo, era inferior a dois por cento (KITTILSON e TATE 2004: 4).
Reportando-se ao caso dos EUA em meados da dcada de noventa, os dados de Kymlicka (1996: 132) tambm indiciam uma subrepresentao substancial de grupos minoritrios: os afro-americanos representavam mais de 12 por cento da populao, mas
menos de dois por cento dos cargos eleitos, e os hispnicos representavam oito por cento da populao, mas ocupavam menos de
um por cento dos cargos eleitos. O mesmo acontece em Portugal.
A populao afro-descendente no nosso pas constitui uma minoria substancial, representando trs a quatro por cento da populao.5 Contudo, no total das dez primeiras legislaturas em democracia, o nmero de afro-descendentes eleitos para a Assembleia da
Repblica tende a ser nulo. O mesmo tipo de no-representao
acontece com a comunidade cigana em Portugal. Tais padres de
sub-representao tendem a estar associados com uma maior incidncia de sentimentos de desconfiana nas instituies polticas
por parte dos membros destas minorias (KITTILSON e TATE 2004),
inevitavelmente afetando a sua forma de participao poltica.
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podem ajudar a lidar com os desafios gerados pelo multiculturalismo: o modelo de democracia consociativa6; o sistema eleitoral
na Nigria desde a Segunda Repblica; e a representao
minoritria na Nova Zelndia.
A DEMOCRACIA CONSOCIATIVA
A criao de estruturas federais, que permitam uma dimenso de auto-governo para grupos minoritrios, tem sido uma das
formas institucionais mais frequentes em pases multinacionais.
A democracia consociativa constitui uma variao interessante
no panorama do federalismo, representando uma forma de federalismo funcional em contextos de heterogeneidade tnica e cultural territorialmente entrecruzada. Como salienta Dahl (1989),
a estabilidade poltica difcil de atingir em sociedades altamente
fragmentadas, onde a identidade solidamente baseada em subculturas distintas. Em tais contextos, os conflitos entre grupos
tendem a acentuar-se, no limite pondo em causa a legitimidade e
sobrevivncia do regime.
O modelo consociativo tem sido proposto por vrios autores
com particular destaque, Lijphart como sendo uma estrutura
institucional capaz de gerar a estabilidade em sociedades heterogneas e fragmentadas. Pases como a Holanda, ustria, Suia,
Lbano, Malsia, Colmbia, Burundi so apresentados como tendo tido, durante pelo menos parte do sculo XX, estruturas consociativas que contriburam para a estabilidade nas suas sociedades segmentadas (para os primeiros seis casos, ver a resenha
em ANDEWEG 2000: 514; em relao ao Burundi, ver
LEMARCHAND 2006). De igual modo, o consociativismo frequentemente avanado como uma possvel soluo para contextos frag-
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Se em termos de deciso poltica o sistema consociativo encoraja a cooperao entre os vrios grupos sociais, esta colaborao a nvel das elites acompanhada de uma separao efetiva a
nvel das massas. Esta autonomia segmental implica assim que
os vrios grupos sociais vivem juntos mas separados, podendo
cada um prosseguir a sua concepo do bem em reas sensveis
como a educao, a lngua, os meios de comunicao social, inter
alia. Em contextos onde os diferentes grupos ocupam reas geogrficas mais ou menos demarcadas, esta autonomia pode ser
obtida atravs do federalismo; onde se cruzam territorialmente,
Lijphart aponta para a existncia de conselhos autnomos para
cada subcultura (LIJPHART 1989: 40).
Um exemplo clssico desta autonomia funcional a Holanda
durante a era da pilarizao (Verzuiling). Esta foi particularmente relevante nas duas dcadas que seguiram o final da Segunda Guerra Mundial (MICHELS 2004: 4), embora tenha as suas
origens no perodo de 1913-1917, enfraquecendo depois de 1965,
num processo descrito como Ontzuiling, ou despilarizao
(ANDEWEG e IRWIN 1993: 35-36, 44-48).
A existncia de mltiplas subculturas territorialmente sobrepostas levou Robert Dahl a caracterizar a Holanda como o pas
que teoricamente no deveria existir (DAALDER 1989: 26, citado em Andeweg e Irwin 1993: 33). Para proponentes do consociativismo como Lijphart, foi a pilarizao que permitiu a estabilidade na Holanda. Assim, as subculturas dominantes no pas deram
origem a pelo menos trs pilares7 o pilar catlico, o pilar protestante, e o pilar secular (conhecido como algemene zuil, ou pilar geral MICHELS 2004: 4). Como salientam Andeweg e Irwin
(1993: 27), estes pilares estruturavam no apenas a poltica, mas
praticamente todos os aspectos da vida social na Holanda, todos
os servios pblicos e semi-pblicos eram organizados pelo pilar.
Assim, a vida de um indivduo era estruturada pela sua pertena
a um destes pilares dando origem a uma forma de federalismo
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adaptao institucional ao longo do tempo, com vista estabilidade poltica. nesse prisma que pode ser interpretada a criao de novas regies no pas (MUNDT e ABORISADE 2004: 717),
ou o abandono do parlamentarismo na constituio da Segunda
Repblica de 1979.
O sistema eleitoral presidencial adotado na Segunda Repblica constitui um bom exemplo da inovao institucional em
contextos multiculturais. Assim, nas eleies presidenciais de
1979, o vencedor necessitava no s de ter mais votos que os
demais candidatos, mas tambm obter um-quarto do voto em
pelo menos dois-teros das regies do pas (se o nmero de candidatos fosse superior a dois); ou obter a maioria do voto em mais
de metade das regies do pas se o nmero de candidatos fosse
igual a dois (BENDEL 1999: 701). Este sistema eleitoral tem sofrido modificaes pontuais posteriormente, mas a sua lgica permanece intacta 10. O objectivo do sistema eleitoral encorajar
candidaturas presidenciais abrangentes, que possam no s ter
mais votos que as demais, mas tambm consigam congregar diferentes grupos tnicos e religiosos. Adaptando os conceitos de
capital social de vnculo e de ponte (bonding e bridging social
capital PUTNAM 2000), podemos dizer que o sistema eleitoral
presidencial procura gerar candidaturas de ponte entre grupos, uma reaco natureza dos partidos da Primeira Repblica, em larga medida alicerados em grupos tnicos especficos
(MUNDT e ABORISADE 2004: 723-725).
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CONCLUSO
Este estudo visou avaliar o papel que as instituies polticas
podem desempenhar em contextos multiculturais. Como os casos da
Holanda, Nigria e Nova Zelndia permitem constatar, as regras do
jogo podem ter um impacto considervel na resoluo dos conflitos
associados a contextos multiculturais. Ao mesmo tempo, vale a pena
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salientar que no h solues institucionais nicas, fceis e onesize-fits-all para os desafios que o multiculturalismo gera. Os
multiculturalismos no so todos iguais, e cada pas apresenta dimenses contextuais que devem ser consideradas. Nesse sentido, o
processo de adaptao institucional tender a ser tambm um processo de aprendizagem e adaptao gradual. Dito isto, a escolha de
instituies polticas pode ser um contributo importante no s para
a estabilidade da democracia em contextos de pluralidade cultural,
como tambm para a prpria qualidade dos regimes democrticos.
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100
CARLOS JALALI
101
SUHEIL BUSHRUI**
1. INTRODUO
**
Este artigo uma colaborao gentil do Professor Bushrui, que foi enviado
na resposta de solicitao da organizadora desta Coletnea. Traduzida ao
portugus por Mrcio Santtana Sobrinho.
Professor Suheil Bushrui um importante autor, poeta, tradutor. Trabalhos
publicados do Professor Bushrui extensiva, em Ingls e rabe; bem conhecido
nos Estados Unidos, Oriente Mdio, ndia, frica e do mundo rabe. Seu
trabalho sobre Kahlil Gibran, em particular, tem sido traduzido para o francs,
italiano, espanhol e chins. Bushrui lecionou em muitas universidades do mundo
incluindo Oxford (Reino Unido); York (Canad). Ele foi intrprete oficial, do
Presidente da Repblica do Lbano. Professor Bushrui um participante ativo
em muitas organizaes internacionais dedicadas promulgao da paz e
resoluo de conflitos. Ele membro fundador do Dilogo Internacional sobre
a transio para uma sociedade global.
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SUHEIL BUSHRUI
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de verdades divergentes 1. Isso estabelece uma base para discutir diferentes compreenses do transcendente. Judeus, cristos, muulmanos, e alguns hindus preferem chamar essa realidade ltima de Deus. Outros, tais como os budistas hinayana, no. Em suma, esta linguagem permite uma abordagem fenomenolgica, que rene as diversas tradies espirituais da humanidade debaixo de uma estrutura unificada2.
Naturalmente, tal conceituao pode ser criticada por vrios
motivos. Ela concentra-se em apresentar informaes sobre as
vrias religies e evita interpretar ou confrontar as crenas e as
prticas que descreve. Na verdade, o termo religio comparada
em si foi contestado como uma comparao superficial e frequentemente equivocada de aspectos de diferentes religies (PYE, 1972:
28). No entanto, o trabalho que tem sido feito em seu nome tem
avanado a compreenso dos vrios credos em um contexto mais
global. Todavia, a escola da religio comparada no conseguiu
estabelecer nem se poderia realisticamente esperar dela um
quadro que pudesse unir os seguidores de diferentes religies em
um conhecimento efetivo da unidade da religio em si. Fundamental para essa dificuldade a prpria linguagem usada em
religio comparada para discutir as reivindicaes de verdade dos
diferentes credos. Termos como pluralismo religioso e relativismo podem ser aceitveis a estudiosos tentando encontrar um
vocabulrio comum para comparar alegaes de verdade opostas, mas eles podem ter um efeito contrrio sobre os adeptos dessas religies, que muitas vezes rejeitam sem exame a linguagem
do relativismo e pluralismo religioso.
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107
toricamente, a extrema semelhana de lugares comuns partilhados por essas duas correntes tem trabalhado em direo a um
antagonismo mtuo. Acima de tudo, eles divergem sobre a questo do status de Jesus como o Messias. No passado, quando os
cristos tinham hegemonia sobre os judeus, sempre existia o perigo de que suas diferenas fundamentais em relao s verdades que defendiam pudessem explodir em forma de perseguio.
No entanto, nos tempos modernos, nenhum dilogo inter-religioso tem sido mais produtivo do que aquele que ocorre entre judeus
e cristos. O debate est aberto sobre em que medida a culpa
crist pelo holocausto tornou isto possvel, mas o reconhecimento
pela cristandade de sua histria de antisemitismo tem sido claramente salutar. Importante tambm tem sido o ressurgimento da
comunidade judaica, como uma fora a ser considerada na cultura ocidental. Considerando apenas a filosofia da religio, a obra
do judeu Martin Buber tem influenciado profundamente um nmero significativo de telogos cristos. Em suma, nos tempos modernos, os cristos deixaram de enxergar o judasmo como uma
religio de obstinao e atraso cultural. Alm disso, esse resultado foi alcanado sublinhando precisamente as reas de convergncia que, historicamente, tem sido a fonte principal de discordncia. Judeus e cristos podem agora se alegrar por partilhar
uma herana comum, a Bblia. Se eles diferem ou sustentam vises alternativas sobre algo que tem sido fonte de extensa contenda a natureza e prerrogativas de Jesus de Nazar , isso
no impede o entendimento e respeito mtuo. A habilidade de
cristos e judeus de relevar aspectos de diviso das verdades que
sustentam ilustra o valor, no dilogo religioso, de no se enfatizar
as diferenas.
Infelizmente, o manto do atraso cultural, outrora empunhado
pelos judeus, pelo menos aos olhos dos cristos, j foi efetivamente transferido para o Isl. Porm, o Isl j foi a mais avanada
civilizao, em termos tecnolgicos e culturais, do Mediterrneo
ao Oriente Prximo, na qual judeus e cristos tiveram participao. A histria do encontro entre cristos e muulmanos , naturalmente, o contrrio daquele entre cristos e judeus na medida
em que tem sido largamente um encontro entre pares. A expanso do Isl significou o recuo do cristianismo na sia e no norte
108
SUHEIL BUSHRUI
da frica para ilhas em um enorme mar muulmano. No entanto, essa situao no produziu dilogo ou entendimento. Em vez
disso, teve o efeito de opor duas culturas religiosas. Nessa disputa, a superioridade muulmana esteve clara dos sculos VIII
ao XI, quando o ocidente cristo se sentiu forte o suficiente para
lanar a Primeira Cruzada. Uma igualdade inquietante se manteve at o sculo XVII, quando os primrdios da revoluo cientfica da civilizao ocidental se tornaram evidentes. O surgimento
de uma tecnologia avanada secularizou o Ocidente nos sculos
XVII e XIX com a colonizao de parte do mundo islmico na dcada de 1890.
Ao longo destes sculos, surpreendentemente, houve pouca
interao a nvel religioso entre cristos e muulmanos. O eminente orientalista Hamilton A. R. Gibb observou os elementos em
comum entre cristos e muulmanos. O cristianismo medieval e o
islamismo possuam uma herana comum e (...) problemas comuns e estavam ligados por laos de afinidade espiritual e intelectual (GIBB, 1962: 324). Mas estes aspectos comuns no foram
suficientes para gerar tentativas significativas de compreenso
mtua. Cada comunidade permaneceu ignorante das crenas
essenciais da outra. A pequena minoria do clero cristo que estudou o Isl fez isto apenas para refutar suas alegaes. Eles se
esforaram, principalmente, e mais na teoria do que na prtica,
para enquadrar os argumentos que poderiam converter os muulmanos verdade de Cristo.4 No sculo XV, o Papa Pio II escreveu ao sulto otomano Maom II:
Sobre os muitos pontos de concordncia entre cristos e
muulmanos: um s Deus, criador do mundo; uma crena
na necessidade da f; uma vida futura de recompensas ou
punio; a imortalidade da alma; o uso comum do Antigo
109
e Novo Testamentos; toda esta base em comum. Ns apenas diferimos quanto natureza de Deus (SOUTHERN,
1962: 101).
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SUHEIL BUSHRUI
E QUANTO AO FUTURO?
Quais as chances de que as religies se tornem mutuamente
conscientes da sua unidade e utilizem esse conhecimento para a
causa da promoo da paz? Alguns estudiosos acreditam que as
diferenas religiosas vo sofrer uma grande diminuio. Uma coisa, argumenta John Hick, observar a inevitabilidade histrica
da pluralidade de religies no passado isto , reconhecer o fato
histrico de que crenas diferentes floresceram em diferentes pontos geogrficos do globo em pocas diferentes. No entanto, outra
completamente distinta postular isto como algo inevitvel no futuro. Hick prev um futuro em que as religies atualmente existentes iro constituir a histria passada de diferentes nfases e
variaes, que ser algo mais parecido, por exemplo, com as diferentes denominaes crists na Amrica do Norte ou Europa hoje,
do que com peas radicalmente exclusivas (HICK: 1990: 114-15).
muito cedo para saber se a convergncia prevista por Hick, de
fato, ocorrer entre as principais tradies religiosas. Outros veem
uma tendncia inexorvel para a recrudescncia do exclusivismo
e do fundamentalismo entre os grupos em todas as grandes religi-
111
REFERNCIAS
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112
SUHEIL BUSHRUI
proposta de uma comunicao para dinamizar uma cidadania cosmopolita, entra em choque com a retrica
mais difundida nos meios de comunicao em massa e nos discursos pblicos contemporneos1. Estes cenrios, principalmente a televiso, se converteram num espao de entretenimento e de
fuga da realidade (RIVIRE, 2003). Embora, ao mesmo tempo, a
televiso e a multimdia estejam influenciando a sociedade nas
suas formas de pensar e de aprender. (POSTMAN, 1986; PREZ
TORNERO, 2000; GARCA MATILLA, 2003). O modo massificador
da comunicao do sculo XXI se baseia em ritmos vibrantes, em
constantes impactos, formatos visuais e multimdia. Como denuncia Gonzlez Requena (1988), o discurso televisivo dominante, baseado na fragmentao discursiva e no espetculo, projeta uma
crise da narrativa. Isso se d, devido ao processo de desconstruo do smbolo, que implica a ausncia de um relato continuado,
**
Este artigo foi traduzido para o portugues por Maria da Conceio Rodrigues
Palanca (Conchita Palanca)
Professora da Universidade Jaume I de Castelln.doutora em Comunicao.
Professora convidada para Curso de Especializao em Estudos Para Paz e
Resoluo de Conflito/UFS. Autora do livro Lenguaje Publicitario y Discursos
Solidarios (Editorial Icaria, 2007), em que se baseia este artigo.
Marcado pelo capitalismo cultural (Benet, 2003, p. 24). Aqui Benet
desenvolve o modo como a sociedade de mercado est articulada. Neste
momento, no pela produo de bens, mas pela produo cultural, e
especificamente, de experincias (Rifkin, 2000), e os contedos e formatos
atuais da mdia so seu veculo fundamental.
114
com sua contemporizao e demora que permita a necessria relao simblica entre os pblicos e os discursos. Neste sentido,
nos encontramos perante o desafio de uma re-educao das competncias comunicativas dos pblicos, dessa pretendida sociedade civil.
Estes cenrios esto marcados pelo que se define como racionalidade publicitria, caracterizada por um discurso sedutor e
consensual (ZUNZUNEGUI, 1994; 1999). As formas de falar e fazer pensar a publicidade (que se estenderam configurao retrica de outros espaos e relaes comunicativas) se definem por
um enfoque persuasivo que apresenta qualquer ideia como avaliada e verdica. De modo que o pblico no a ponha em dvida,
assumindo-a imediatamente como a nica opo da realidade.
Ao contrrio, um discurso com carter educativo, necessita expressar os temas atravs de um processo de conflito e resoluo, com
envolvimento intelectual e pessoal do receptor, que o levem tomada de posies conscientes, frente s idias e propostas planejadas. Em outras palavras, um processo de implicao muito diferente da nfase promocional, de que se serve a racionalidade publicitria (ZUNZUNEGUI, 1994; CAMILO, 2006: 152).
O desafio da comunicao educativa mostrar as realidades
que lhe preocupam, manifestar suas causas, transmitir os motivos por que considera que devem ser abordadas e fazer chegar
suas propostas de mudana. E sempre adotando a emoo necessria, atravs das possibilidades do discurso, para que os pblicos lhe prestem ateno e as incorporem no seu pensamento e na
sua atitude. Tudo isso, visando aos interesses coletivos, marcados pelas necessidades pblicas e globais. Ou seja, que por fim,
utilizar discursos que no sero neutros, mas que nascero de
compromissos que promovam outros compromissos.
Portanto, esta comunicao se encontra diante da responsabilidade de interpretar, para os demais, as problemticas em que trabalha. Para isso, a imaginao ser uma ferramenta mediadora,
segundo o sentido transmitido por Aristteles (1978: 431-433) de
racional e deliberativa, que pe freio na interpretao dos interlocutores e lhes permite tomar suas decises mais conscientemente
(MARTNEZ GUZMN, 2006). Uma imaginao moral (LEDERACH,
2005) que, constatando a realidade pela realidade, desperta novas
115
atitudes e propostas, inova, toma outros caminhos, desde o conhecimento dos caminhos j percorridos2. O enfoque discursivo para a
mudana social se inclina fantasia da humildade e da sinceridade, Lederach (2005) o relaciona com o haik, tanto na sua elaborao quanto em sua percepo. Alm disso, a imaginao se aplicar
s grandes transformaes estratgicas e tambm aos pequenos
detalhes. No atual contexto dos meios de comunicao, observamos
que inexiste este tipo de imaginao (GONZLEZ REQUENA, 1988).
Todo emissor necessita interpretar os dados, definir o seu discurso e organiz-lo de forma compreensvel e, alm disso, torn-lo
eficaz para a conscientizao social. Para isso, o emissor de uma
campanha educativa dever levar em conta a competncia comunicativa e as crenas e valores dos pblicos para, desse modo,
assegurar uma simetria na comunicao. Para isso, este tipo de
campanha tem a responsabilidade de equilibrar os contextos de
partida (os conhecimentos dos contextos de produo) e de chegada (de recepo) para que a discusso seja justa.
Como disse Todorov (1993): Os acontecimentos por si mesmos
no revelam, jamais, seu sentido, os fatos no so transparentes;
para que nos mostrem algo, necessitam ser interpretados3(p. 36).
Como consequncia, no suficiente contar as coisas tal como
so, ou foram, mas como a responsabilidade e experincia do emissor lhe permita utilizar o discurso para mostrar aos demais os aspectos da realidade que lhe preocupam. Trata-se de comunicar para
conceituar as experincias, comprometendo-se com o coletivo. Neste
sentido, a comunicao solidria educativa consiste num processo
de interpretao de nossa sociedade e de nossas responsabilidades, partindo dos interesses coletivos e solidrios.
116
LIMITES E POSSIBILIDADES DA
COMUNICAO PARA A DINAMIZAO CIDAD
Os cenrios da comunicao solidria se caracterizam pelo
cruzamento entre as numerosas possibilidades criativas e certas
limitaes estratgicas e ticas vinculadas aos seus objetivos solidrios4. Por isso, a comunicao para a sensibilizao se aproxima da liberdade discursiva da Literatura, da Arte e do Cinema,
por colocarem todas as suas potencialidades criativas a servio
da expressividade. Entretanto, especificamente, relaciona-se com
aquelas tradies que, ao mesmo tempo, articulam suas narrativas buscando uma retrica que respeite seus contedos e que
construa uma memria sobre tais fatos. Portanto, a comunicao
pedaggica est delimitada por suas responsabilidades ticas e
socioculturais, de forma paralela a outros gneros discursivos.
Em comum, esses outros gneros e a comunicao pedaggica
apresentam a caracterstica de optarem em utilizar uma linguagem que atenda tica dos contedos tratados e o compromisso
com as circunstncias que motivam sua comunicao. Os temas
sociais marcados pela vulnerabilidade de certos grupos, no podem ser tratados superficialmente, nem atravs de qualquer recurso potico, e sim sendo consideradas suas prprias particularidades, que impem uma srie de limitaes sua criatividade.
Em outras palavras, trata-se do debate entre a tica e a esttica que afeta a numerosas manifestaes comunicativas e tem
sido objeto de diferentes tradies tericas e interpretativas. Por
este motivo, para explorar a especificidade do discurso sensibilizador, acredito que se deva recuperar o potencial metodolgico e
conceitual daquelas tradies anteriores. As mesmas que enfrentaram o desafio de estudar as teorias discursivas centradas na
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Entretanto, outras testemunhas destas experincias, os autnticos autorizados para cont-las ou cal-las, comeam a experimentar formas de manter essa conteno, relacionando sem
incompatibilidade as experincias s capacidades da imaginao
e da criatividade. Rechaam os adornos artsticos por pura exibio (como todas as propostas anteriores), mas defendem a possibilidade de depurar a experincia na fico. De aproveitar determinadas possibilidades expressivas do texto artstico, ou dos discursos audiovisuais, por exemplo. E com isso, aproximar a experincia queles que no a conhecem, que no acreditam nela, que
no a compreendem... que a sentem distante, porque no a viveram. Trata-se de superar a cara assptica e distanciada do discurso histrico-cientfico para personaliz-la atravs da humanizao do relato.
O realismo ou o estilo documentrio, por mais contraditrio
que parea, nem sempre podem transmitir a autntica realidade.
Necessita-se, frequentemente, utilizar os inumerveis recursos
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Termo muito expressivo, utilizado por Hegoa para definir sua linha de trabalho
em Comunicao para a Educao para o Desenvolvimento de uma Cidadania
Global, e que entendo, alm disso, na linha das propostas de Sampedro
(2000; 2005) das capacidades da comunicao para a articulao de uma
democracia deliberativa.
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inclusive, a comunicao. J que os discursos pblicos e as campanhas de comunicao planejadas so as engrenagens que podem ajudar a dar sentido s polticas sociais.
Da a importncia em abordar o desafio de articular uma cidadania global atravs de redes de atitudes e de comunicao que,
partindo de uma racionalidade comunicativa, ativem e fortaleam
um sentido comum intercultural e internacional, atravs da informao e da interao, com discursos e ritmos que favoream compreender e recordar. E, deste modo, a sociedade civil se envolva
nas propostas e configure uma conscincia social coletiva.
125
A indignao e a memria, unidas a uma informao comunicativa (ALFARO, 2005: 71)13 e a condutas responsveis e solidrias, so aspectos centrais num projeto de cidadania global e
intercultural. Entretanto, a cultura de hoje sofre uma profunda
crise de memria: cada vez mais, as mensagens so regidas pelo
impacto e no pela construo do conhecimento. As notcias no
se sedimentam em nossa conscincia, mas cada uma se sobrepe
a anterior; os discursos atuais, homogneos e lineares, relacionam umas informaes a outras, no mbito da mdia no poltica,
independente de sua relevncia. Por estes motivos, a chamada
sociedade da comunicao est desinformada (ALFARO, 2005:
63-74), e ao mesmo tempo, o entretenimento transmite valores
individualistas, consumistas, e comumente blicos, que influenciam no comportamento social. Os discursos da mdia se assemelham, cada vez mais, a sentenas que legitimam as ideias
hegemnicas do imaginrio do Norte. A lgica que articula os meios
responde a uma retrica essencialmente publicitria, que no
apresenta processos de argumentao abertos, mas que, frequentemente, transmite concluses fechadas. Este fato preocupa, desde
o ponto de vista do desenvolvimento de um estilo de comunicao
expressivo, porque define um formato sinttico e impactante, que
no deixa espao para a reflexo, para a compreenso, ou para a
pluralidade das formas culturais.
Vidal-Beneyto parafraseia Descartes dizendo: comunico, logo
existo (RIVIRE, 2003: 10). O jogo da substituio de palavras,
em que se apia esta afirmao, reflete a problemtica central da
realidade comunicativa atual: o comunicar acima do pensar; melhor dizendo: inundar-se da comunicao, mais do que se enredar num processo de reflexo. Esse o desafio que abordei neste
artigo: pensar a comunicao publicitria, para poder fazer pensar atravs dela. A chave se encontra, como tenho apontado, na
interpretao que consigamos dar atravs do discurso e de suas
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126
possibilidades expressivas, tanto realidade que se deseja difundir, quanto s nossas propostas. Interpretao que reside na traduo discursiva destes compromissos, atravs da capacidade da
imaginao, objetivando vincular razo aos sentimentos.
REFERNCIAS
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PREZ TORNERO, J. M., Comunicacin y educacin en la sociedad de la
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127
mundo parece indisposto ou incapaz de se unir e descobrir qual a forma de evitar conflitos e criar um mundo
pacfico; entretanto, a maioria das pessoas concorda que necessrio parar a violncia e as guerras. Ento, por que no podemos
parar a violncia, as guerras e o terrorismo? O que dizer sobre a
natureza do homem, autor de atos violentos?
Quando falamos sobre a necessidade de buscar a paz, os pases do mundo devem se unir e discutir os elementos necessrios
para que haja o dilogo. Portanto, devem sentar mesa com a
verdade, moralidade e inteno de buscar a paz.
Muitos lderes s viro mesa aps a luta ter comeado e a
discusso girar em torno de como cessar o conflito. Atender a essas necessidades seria importante, mas, em muitos casos, ser
apenas uma soluo temporria para o conflito. E muitas vezes
os problemas comearo de novo mais tarde.
O que precisa acontecer no mundo para reunir as pessoas
a unidade de pensamento. Muitos diriam, imediatamente, que todos neste planeta pensam de forma distinta, portanto, no podemos ter este tipo de unidade. Contudo, podemos dizer que h uma
chance para a unidade de pensamento nas mentes da maioria
*
**
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131
Capra (1999) acrescenta um segundo critrio do novo paradigma de pensamento na cincia, o qual importante resgatar
aqui, enquanto tentamos definir e compreender a consulta e o
seu papel na resoluo pacfica de conflitos:
O segundo critrio do novo paradigma de pensamento nas
cincias diz respeito a no pensar mais em termos de estrutura, mas, sim, de processo. No antigo paradigma, pensava-se que havia estruturas fundamentais e, assim, foras e mecanismos atravs dos quais estas interagiam, o
que deu origem ao processo. No novo paradigma, pensamos que o processo vem primeiro, que cada estrutura que
podemos ver manifestao de um processo subjacente.
(p.330)
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3 etapa
etapa: Esta etapa exige que todos os participantes partilhem
os princpios e valores que sustentam as posies sobre as quais consideram algo como um problema. Honestidade e integridade so muito importantes aqui.
Nessa terceira etapa voc ainda est pesquisando,
atraindo e adquirindo conhecimentos atravs do intercmbio de informaes sobre os princpios do outro
participante, leis e prticas relativas compreenso
que o outro participante tem do problema. Eles sero
capazes de ver por que esto sendo atrados para a
sua definio da questo.
4 etapa
etapa: Traga unidade, pesquisa, inteno, atrao e unio,
aprendendo a lei ou princpio, combinando e separando. Aqui voc tem um acordo sobre o problema e sugere solues.
5 etapa
etapa: Contentamento. Nesta etapa, estamos contentes, compartilhando e ensinando a outros a soluo e crescendo. Deste modo, voc compartilha o conhecimento
obtido na 3 etapa.
6 etapa
etapa: Controle inteligente traz consigo pesquisa, inteno,
atrao, unio, aprendendo as leis ou princpios, combinando, separando, reproduzindo, crescendo e aguando os sentidos.
7 etapa
etapa: Aniquilamento/Desaparecimento traz consigo a pesquisa, inteno, atrao, unio, aprendendo os valores e princpios, combinando, separando, crescendo,
reproduzindo, sensibilizando-se e transformando ou
desaparecendo. Nesta fase, o problema deve ser totalmente eliminado.
CONSIDERAES FINAIS
claro que este artigo no suficiente para cobrir todos os elementos necessrios para uma discusso completamente abrangente e franca sobre a consulta como processo. Contudo, penso que a
parte mais importante dessa discusso o fato de que o mundo tem
mudado de tal forma que muitos de ns no entendemos o que est
acontecendo com as pessoas e com o prprio planeta.
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Alm disso, em The Prosperity of Humankind, v-se claramente o relacionamento e a necessidade de utilizao da consulta:
...um processo de consulta no qual os participantes se
empenham por transcender seus pontos de vista, a fim de
funcionarem como membros de um corpo com interesses e
objetivos prprios. Em tal atmosfera, caracterizada pela sinceridade e cortesia, as ideias no pertencem ao indivduo a
quem ocorrem durante a conversa, mas ao grupo como um
todo, que pode adot-la, descart-la, ou rev-la, como parecer melhor servir ao objetivo pretendido. A consulta bemsucedida na medida em que todos os participantes apoiam
as decises acordadas, independentemente das opinies individuais que tinham ao entrarem no debate. Sob tais circunstncias, uma deciso anterior pode ser reconsiderada
prontamente se a experincia expe as deficincias (...). A
consulta a expresso ativa da justia nos assuntos humanos. Ela de tal modo vital para o sucesso do esforo
coletivo que deve tornar-se uma caracterstica fundamental de uma estratgia vivel de desenvolvimento econmico
e social. De fato, a participao das pessoas, de cujo compromisso e empenho depende o sucesso dessa estratgia,
s se torna eficaz quando a consulta posta como princpio organizador de cada projeto(p. 11).
137
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**
***
140
141
sos redistribudos de modo a evitar a marginalizao, a excluso e a misria, criando instituies pacficas e polticas em
busca da paz. A justificao das razes do que fazemos uns
com os outros e com a natureza um compromisso de racionalidade, mas tambm com os sentimentos e as emoes. , portanto, uma racionalidade sentimental e uma sensibilidade
racional. Essa prtica acontece atravs da educao no contexto da violncia, porm que seja uma educao para no violncia. A educao para a paz uma educao na violncia,
certamente, no para a violncia, mas para fazer as pazes.
(MARTINEZ, 2005:86).
Martinez (2005) considera de que a afirmao de que nesse
processo de educao preciso ser esclarecido se somos violentos por natureza; se a guerra est em nossos instintos; em nosso
cdigo gentico, tm levado a investigao para a paz a se ocupar muito mais da paz negativa daquilo que no paz que
das diferentes maneiras em que os seres humanos somos capazes de trabalhar para fazer as pazes paz positiva. De acordo
com a declarao de Sevilha (2007), adaptada pela UNESCO em
2007: A guerra e a violncia no representam uma fatalidade
biolgica, no existe uma pr-determinao natural para a violncia.
O Manifesto uma mensagem de esperana. Diz que a paz
possvel e que se pode por fim a guerra. Ns, autores deste
Manifesto somos cientficos originrios de muitos pases,
do Norte e do Sul, do Leste e do Oeste... Temos estudado o
problema da guerra e da violncia com mtodos cientficos
atuais... Alguns defendiam que a violncia e a guerra no
cessariam nunca, porque esto inscritas em nossa natureza biolgica. Ns dizemos que no verdade. Assim mesmo, em outros tempos se defendia que a escravido e a
dominao baseadas na raa ou no sexo estavam inscritos
na biologia humana. Quantos, inclusive pretenderam poder prov-lo. Atualmente sabemos que se equivocaram. A
escravido foi abolida, e hoje em dia se pem em prtica
todos os meios para acabar com a dominao baseada em
raa e no sexo...).
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Ramonet (2001), outro reconhecido estudioso da paz, apresenta como violncia inaceitvel o fato de em nosso planeta, a
quinta parte da populao possuir 80% dos recursos, enquanto a
populao mais pobre s dispe de menos de 0,5% desses recursos e ainda os mais de cinco mil milhes de pessoas que vivem na
penria, enquanto uns poucos privilegiados vivem na opulncia:
as 225 maiores fortunas do mundo representam o equivalente
ao ingresso anual dos 47% da populao mundial mais pobre; o
patrimnio das 15 pessoas mais afortunadas ultrapassa o PIB
total de toda a frica subsahariana (pp.94, 96, 99).
As Naes Unidas afirmam:
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Para que toda a populao do globo tenha acesso s necessidades bsicas (alimentao, gua potvel, educao,
sade) bastariam menos de 4% da riqueza que acumulam
as 255 maiores fortunas. A satisfao universal das necessidades sanitrias e nutricionais essenciais s custaria 13
mil milhes de dlares, ou seja, apenas o que os habitantes dos Estados Unidos e da Unio Europia gastam ao
ano em perfumes (RAMONET: 87)
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O bem-estar da humanidade, sua paz e segurana so inatingveis a no ser que, primeiro, sua unidade seja firmemente estabelecida. Toda a humanidade est gemendo e
ansiando por ser conduzida unificao, e assim terminar
o seu martrio secular. A unificao da humanidade inteira
a etapa distintiva da qual a sociedade humana atualmente se aproxima. A unidade da famlia, da tribo, da cidade-estado e da nao foram sucessivamente tentadas e completamente estabelecidas. A unidade do mundo agora a
meta em direo qual a humanidade aflita se encaminha.
O processo de formar naes j chegou ao fim. A anarquia
inerente soberania estatal aproxima-se de um clmax.
Um mundo em amadurecimento deve abandonar esse fetiche, reconhecer a unidade e a universalidade das relaes
humanas e estabelecer de uma vez por todas o mecanismo
que melhor possa concretizar este princpio fundamental
da vida (p. 22).
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cio final poder ser alcanado por qualquer das suas partes componentes se os interesses gerais do todo forem negligenciados.
(...) A aceitao universal deste princpio espiritual (unidade) a essncia do xito de qualquer intento de estabelecer
a paz mundial. Ele deveria, portanto, ser universalmente
proclamado, ensinado nas escolas e constantemente reafirmado em todas as naes, como preparao para a transformao orgnica da estrutura da sociedade... (CASA UNIVERSAL DE JUSTIA, 1985:16).
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efeitos de tudo que se pratica e h um empenho para que os efeitos desejados sejam alcanados. A justia a igualdade que se
manifesta em todas as dimenses do amor, a base da ordem, a
operao de causa e efeito, a fonte da unidade da vida, e a vida
no contexto da justia e unidade gera amor.
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mento, desprendimento, transparncia, tica, fidedignidade, honestidade, veracidade, compaixo, lealdade, bondade, solidariedade, generosidade, pureza, dignidade, etc. Educar para a paz
educar em valores que conduzam ao reconhecimento da unidade
- investigao imparcial da verdade, eliminao de todo tipo de
preconceito, exerccio da liberdade e a prtica da justia. A educao para a paz universal requer, finalmente, a transformao
da mente e do corao do ser humano no mundo inteiro.
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Considerai o homem como uma mina rica em jias de inestimvel valor. A educao, to somente, pode faz-la revelar seus tesouros e habilitar a humanidade a tirar dela algum benefcio.
Bahllh
154
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Leonardo Boff confirma, que h muito que filsofos da estatura de Martin Heidegger, veem no cuidado a essncia do ser humano. Sem cuidado ele no vive nem sobrevive. Cuidado representa
uma relao amorosa para com a realidade. Como analisou
Sigmundo Freud, onde vige cuidado de uns para os outros, desaparece o medo, origem secreta de toda a violncia (MAGALHES,
2006: 26).
Bechenck e Schneider (2004), especialistas em Psicopedagogia,
ressaltam que expressar apoio afetivo de uma importncia ex-
156
Em sua obra, Bowlby (2006) relata o resultado de duas pesquisas sobre os fatores que tornam um casamento feliz e concluiu que
a vida afetiva de um adulto determinada por suas relaes afetivas
2
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Para Winnicott (2005), o beb nasce com tendncias herdadas que o impulsionam impetuosamente para um processo de
crescimento. Mas esse processo de crescimento s ocorrer se
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quenas, especificamente sobre a importncia da presena de experincias vinculares saudveis na primeira infncia, contribuem para que esses educadores no proporcionem s crianas condies de desenvolverem-se plenamente. Ante estes fatos, cr-se
que o desenvolvimento de um projeto, com o objetivo de informar e
sensibilizar pais e professores quanto importncia dos vnculos
afetivos seguros e saudveis, na famlia e na escola, na fase de
zero a seis, pode contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de paz.
Deve-se salientar, a necessidade de polticas pblicas que
priorizem aes concretas que assegurem os direitos das crianas pequenas, especificamente, o direito ao aconchego de uma
famlia e de uma escola de qualidade, que desenvolvam aes conjuntas e complementares. Isto porque, quando esses cuidados so
negligenciados, elas crescem e reproduzem a prpria privao,
como j foi citado anteriormente.
Cabe tambm, a homens e mulheres que exercem cargos pblicos reconhecerem a importncia de criar aes preventivas,
atravs de reformas corajosas e de longo alcance que proteja as
crianas de experincias danosas sua sade mental.
A famlia e a escola, cada uma com seu espao e responsabilidade, so instituies destacadas nesse trabalho, como primordiais para incutir nas crianas pequenas valores propcios para
a desejada mudanas de paradigmas baseados na violncia, que
permeiam a sociedade moderna, em paradigmas baseados em
princpios pacficos. Para isso, um dos caminhos aqui apontado,
a presena de pais, professores e outros educadores conscientes e preparados que possam contribuir no desenvolvimento integral e harmonioso do ser humano.
Os vnculos afetivos saudveis na primeira infncia foram
destacados como processos que impulsionam o desenvolvimento
das dimenses da natureza humana (fsica, cognitiva, social,
emocional e espiritual).
Pode-se concluir dizendo que os danos para as pessoas e a
sociedade, advindos da falta de vnculos afetivos saudveis, so
por demais desastrosos, enquanto sua presena age como preveno da violncia e estabelece condies para o desenvolvimento de
pessoas saudveis propensas a desenvolverem uma cultura de paz.
166
O tema abordado um assunto complexo e muito vasto, temos a conscincia da presena de lacunas, mas o conhecimento
da verdade sempre parcial e esperar pela certeza gerar acomodao. Entretanto, de uma coisa pode-se ter certeza, muitos subsdios tericos foram adquiridos para fundamentar um projeto que
pretende informar e sensibilizar pais, professores e outros educadores sobre a importncia dos vnculos afetivos saudveis e sua
influncia no desenvolvimento de uma cultura da paz, como uma
contribuio crescente rede de projetos sociais que esto sendo
desenvolvidos no mundo em prol da paz. Acredita-se que esse
um caminho eficaz para minimizar os tantos episdios de violncia que permeiam a sociedade moderna.
Deve-se reconhecer o poder de aes do cotidiano como contribuies essenciais para a grande mudana da conscincia coletiva da humanidade que, por fora do que nos mostra o cenrio
desolador, tornou-se uma questo de sobrevivncia da espcie.
Como disse Leonardo Boff (In: MALDONADO, 2003:168), se dermos livre curso competio sem a cooperao podemos nos devorar e colocar em risco o sistema de vida. Acredita-se que a
comear, de modo constante e consistente, pelos pequenos momentos da vida diria, pelos pequenos gestos de gentileza, considerao, respeito, cooperao, os vnculos afetivos saudveis entre as pessoas so fortalecidos, construindo assim o clima harmnico e pacfico com os que esto nossa volta e favorecendo o
desenvolvimento de uma cultura de paz contnua e duradoura.
REFERNCIAS
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A IMPORTNCIA DOS VNCULOS AFETIVOS NA PRIMEIRA INFNCIA PARA UMA CULTURA DE PAZ 1 6 7
168
INTRODUO
170
vas para enfrent-los, e consequentemente desenvolverem a capacidade de solucion-los de maneira no violenta, construtiva e
justa. Para alcanar o referido objetivo tornou-se necessrio entender os conflitos enquanto elemento constitutivo dos processos
humanos, valorizando sua presena em sala de aula como uma
oportunidade para aprendizagem do educando atravs de sua
resoluo. Nesse sentido, possvel construir elementos para uma
cultura de paz, a partir da compreenso de que a resoluo de
conflitos permite o desenvolvimento de atitudes de tolerncia como
de respeito e apreciao s diferenas.
171
Compreende-se que o homem capaz de construir a paz, desde que mude sua forma de entender o outro, passando de uma
relao de poder para uma relao de cooperao, onde atravs
das capacidades comunicativas, entende-se que todos e todas so
capazes de criar meios de resolver e transformar os conflitos. Ento, por que no eliminar os conflitos, j que os mesmos so a
causa inicial de muitos processos de violncia? Belmar (apud
VYNIAMATA, 2005) responde tal questionamento:
o conflito um processo natural da sociedade e um fenmeno necessrio para a vida humana, podendo ser um fator positivo para a mudana e o crescimento pessoal e
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Atravs da educao temos a grande oportunidade de construir uma cultura de paz, mas preciso analisar que tipo de educao capaz de promover no educando uma viso integrada e
interdependente do universo. Certamente que aquela comprometida com a formao integral do educando, que no se preocupa
apenas com contedos conceituais, mas proporciona situaes
de aprendizagem no aspecto emocional, social e atitudinal, despertando no aluno o compromisso com a comunidade em que est
inserido, como disse Weil (2000) Educar uma ao que no se
limita ao intelecto do educando, mas visa ao seu corpo, s suas
emoes, sua mente e ao seu esprito (p. 32).
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No o professor ou a professora quem deve encontrar solues para os conflitos, mas os prprios alunos... o papel
dos professores ser o de condutor do processo de aprendizagem. Sua misso ser a de regular a anlise da situao
conflitiva, velando para que se estabeleam claramente os
termos do problema (p.72).
O foco dessa estratgia no deve estar em resolver um problema especfico, mas em ensinar aos educandos que existem vrias
solues possveis, cabendo ao grupo definir aquela que melhor
atende as partes envolvidas. Dessa maneira, a preocupao do
educador deve estar em desencadear meios para aprender a resolver situaes conflitivas.
Abrir espaos na educao formal para a resoluo de conflitos nada mais que proporcionar ao educando a oportunidade da
construo de sua autonomia, uma vez que pode expor suas ideias
e escolher o melhor caminho a seguir. Fica evidente que na busca
de compreender-se melhor, nasce a importncia de ouvir um ao
outro e entender que ambos podem crescer, se juntos se dispuserem a quebrar preconceitos e entender que na diferena entre
pessoas consiste a beleza da vida. Valorizar os conflitos que acontecem em sala uma oportunidade mpar de aprender os valores
fundamentais para a vida em sociedade, segundo Vyniamata
(2005), solucionar conflitos trata-se de aprender a viver. Recuperar a serenidade, planejar uma vida satisfatria de maneira integral, vencer dificuldades, superar crises, conviver (p. 22). Certamente o educador que concebe a educao como uma via concreta de construo da paz, percebe na resoluo de conflitos a possibilidade de tornar a paz um sonho possvel.
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respeito mtuo entre posies tolerantes com ideias e valores diferentes; - respeito aos direitos universais inalienveis
da pessoa humana; reconhecimento da diversidade cultural, contrapondo-se hegemonia de uma cultura que domina e marginaliza as outras; - resistncia a tudo aquilo
que provoca opresses e desigualdades sociais; -a ao solidria na superao das desigualdades sociais; - valorizao da diversidade cultural a partir da conscincia clara do
valor da prpria identidade e de seu limites; - capacidade
de cooperao para alcanar objetivos comuns; - atitude de
solidariedade entre indivduos, grupos, povos , naes e,
tambm, dos seres humanos para com a natureza em geral
(p. 7).
Percebe-se com essa definio, que a tolerncia desejada pelos trabalhadores pela paz, no a que classifica as pessoas em
superiores e inferiores, mas a que reconhece a capacidade de cada
indivduo, respeitando seus direitos e sua cultura, promovendo
um dilogo, a fim de que acontea verdadeiramente a cooperao
para alcanar objetivos comuns.
Aproveitar as situaes conflitantes em sala de aula para
ensinar os alunos a resolv-las de forma pacfica, como tambm
propiciar momentos de reflexo sobre os pontos que geram discordncia, mostrar que um problema pode ter mais de uma soluo uma oportunidade mpar de construir a paz nas relaes e
cultivar virtudes como o respeito e a tolerncia, o que nos faz
concordar com Quera (apud VYNIAMATA, 2005: 134): viver valores na educao a essncia do fenmeno da recomposio do
mundo e de ns mesmos.
CONSIDERAES FINAIS
O conflito um elemento natural presente nas relaes humanas. Nessas relaes entre pessoas, grupos acontecem o processo de desenvolvimento das capacidades humanas, portanto
consider-lo como fator positivo, superando as tradicionais concepes permite que, a partir dessa nova tica, se construa uma
cultura de paz. Isto possvel a partir do momento que as partes
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envolvidas percebam que existem maneiras pacficas de se resolver os conflitos. A busca por solues pacficas permite a descoberta de potencialidades, o reconhecimento do outro e principalmente o respeito diversidade humana.
Entende-se que a educao uma via para a aprendizagem
de maneiras pacficas de resolver conflitos, em especial o espao
da sala de aula, quando se desenvolve uma educao integral
que valoriza os pilares apresentados pela UNESCO: aprender a
conhecer, a fazer, a ser e a conviver juntos. interessante ressaltar que se trata de um documento elaborado por educadores de
todo o mundo e que retrata a importncia de uma educao que
permita ao ser humano viver melhor diante dos desafios que a
ps-modernidade nos apresenta.
O espao da sala de aula propcio para que o aluno aprenda
desde cedo a resolver os conflitos e com isso desenvolver competncias e habilidades para que, em meio a diferentes opinies sobre um mesmo assunto, atue pacificamente e encontre solues
nas quais todos os envolvidos sintam-se valorizados e principalmente que os objetivos coletivos sejam alcanados.
Essa mudana de postura diante dos conflitos fator fundamental para a construo de uma cultura de paz, pois permite
que valores primordiais sejam apreendidos, em especial o respeito e a tolerncia ao outro.
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181
ducar para a paz significa, antes de tudo, preparar indivduos, segundo uma concepo de construo. Significa
estimular uma nova mentalidade direcionada para o desenvolvimento de valores como a solidariedade e a cooperao, por meio
do dilogo nas diferentes esferas do relacionamento humano, tendo
em vista o fato de que apenas atravs dessa postura a sobrevivncia do planeta ser possvel.
A paz pode ser concebida como um valor e um direito que,
longe de supor a inexistncia de conflitos nas relaes humanas,
admite-os como elementos constitutivos da socializao e fundamentos de uma convivncia no-violenta. Do conjunto de formulaes sobre a educao para a paz, pode-se afirmar ser ela um
ideal e um processo educativo para o qual convergem os vrios
projetos de educao moral, educao em direitos humanos, educao em no-violncia, educao em cidadania e em democracia. Tratar da educao para a paz consiste em pensar na
interligao de valores que se exigem para que a paz seja o principio governante de todos relaes humanas e sociais.
De acordo com Serrano (2002), a histria da educao para a
paz tem no sculo XX, seus momentos marcantes: (a) o surgimento
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ALDACI MENEZES
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ALDACI MENEZES
paz entre os pases, alcanando preocupaes como o desenvolvimento econmico e poltico dos pases mais pobres e a reduo das
desigualdades entre naes mais ricas e aquelas mais empobrecidas.
Conforme assevera Rayo (2003), a relevncia que hoje se comea a dar paz, decorrente das prticas individuais e das mudanas estruturais da sociedade, tambm passou por uma evoluo semelhante quela que caracteriza o conceito de educao
para a paz. Inicialmente associada liberdade, a democracia foi
gradualmente concebida como instrumento de justia para, ento, ser associada paz como consequncia da justia social.
Desse modo, a paz tornou-se um valor agregado bandeira
democrtica. Tanto que os vrios projetos articulveis educao para a paz: educao moral, educao em direitos humanos,
educao em no-violncia, educao em cidadania e em democracia so interrelacionados, devendo inspirar todo o currculo
escolar. Entre eles, h elementos e objetivos comuns, que atribuem educao uma tripla tarefa: informar sobre os problemas
humanos e as possveis solues por eles experimentadas; formar novos valores que orientem novas atitudes e habilidades; e
contribuir para a transformao da realidade social.
Mesmo que no se restrinja escola, nela encontra um importante campo de atuao, a saber: a escola um espao em que se
pode tomar conscincia dos prprios valores; em que valores universais podem ser ensinados; em que os prprios mtodos de ensino
podem servir de meio para a aprendizagem de valores pacficos, se
forem dialogais e participativos; em que os enfoques multidirecionais
e multidisciplinares encontram espao na relao com o currculo:
Trabalhar a educao para a paz e o desenvolvimento da tica dos
temas transversais supe considerar esse tipo de educao como
uma das senhas de identidade da escola (SERRANO, 2002).
Da poder aferir-se o importante papel assumido pelo(a) educador (a) nesse processo educativo: ele(a) precisa ter desenvolvido a sensibilidade necessria transformao dos mtodos tradicionais de ensino e o senso crtico indispensvel formao de
valores atravs do currculo: O professor desempenha um papel
fundamental em todo o processo educacional, pois no em vo
qualificou-se como elemento essencial, a chave e o eixo sobre o
qual opera qualquer inovao e reforma educacional.
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CONSIDERAES FINAIS
Muito embora soe como lugar-comum, o fato que a sociedade vem sofrendo transformaes significativas, especialmente, nas
ltimas quatro dcadas. A famlia, ncleo primordial de educao, tem, dissimuladamente, atribudo esse papel escola, uma
vez que no ambiente escolar que as crianas passam a maior
parte do seu tempo.
Alm disso h ainda uma grande quantidade de atividades que
cada vez mais tomam o tempo das crianas. Todavia, nenhuma outra instituio poder jamais substituir as condies educativas da
famlia, nem parece ser razovel que seja unicamente a escola a
ensinar valores to necessrios para o normal desenvolvimento da
criana, como a democracia, as regras para uma convivncia harmoniosa, o respeito pelo outro, a solidariedade, a tolerncia, o esforo pessoal, entre tantas outras qualidades e aspiraes.
No se pode pedir escola que, alm de ensinar os contedos
programticos exigidos pelo Ministrio da Educao, assuma tambm a funo educativa que compete aos pais. Em meio a tudo
isso, a verdade que a violncia continua a existir e a registrarse cada vez mais no meio da populao jovem. A escola no pode
ignorar que os conflitos e problemas sociais existem, e por isso
tem se adaptado como pode. precisamente na escola que as
crianas reproduzem os comportamentos que observam no seu
cotidiano. Lugares onde, muitas vezes, proliferam os maus tratos
fsicos e psicolgicos, onde as privaes, a promiscuidade, a baixa
escolarizao e a pobreza andam de mos dadas.
Neste campo, urge uma interveno conjunta realmente eficaz, fornecendo populao em risco, modelos de conduta adequados ao desenvolvimento afetivo, intelectual e moral de todos
os implicados. De modo geral deve-se: valorizar o dilogo em suas
diferentes manifestaes e dimenses como a principal estratgia
189
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2007.
INTRODUO
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193
4. Famlia alvo de controvrsia, principalmente pelas caractersticas sociais das famlias violentas;
5. Ambiente Externo comunidades em decadncia ou com
sinais de abandono esto mais vulnerveis violncia.
6. Insatisfao/frustrao com instituies e a gesto pblica baixa qualidade de ensino, falta de recursos humanos, didticos e de equipamentos;
7. Excluso social restries a incorporao de parte da
populao comunidade poltica e social;
8. Exerccio de poder discriminaes e desestmulo que contribuem para desrespeitar os direitos humanos dos alunos.
Dessa forma, percebe-se que a escola no imune violncia, apesar de ainda ser considerada como um dos poucos espaos promotores de mudana e de mobilidade social. No entanto a
ideia de que a escola um espao fsico que oferece proteo e
que deve ser protegida pela sociedade fica cada vez mais distante
da realidade atual.
A verdade que, hoje em dia, o fenmeno bullying j tomou
conta dos noticirios nacionais e internacionais. So milhares de
casos expostos na mdia retratando maus tratos, humilhaes,
agresses fsicas e verbais dirigidas a uma pessoa que, geralmente, no tem como se defender.
Em recente pesquisa de carter mundial desenvolvida pela
ONG PLAN, constatou-se que tanto o bullying quanto o
cyberbullying estavam presentes em 63% das seiscentas escolas
pesquisadas. Tal cultura da crueldade fsica e psicolgica, tambm est muito presente no Brasil.
O mais recente e bombstico caso apresentado, na internet
e nos telejornais, foi o da jovem brasileira universitria de Turismo de uma universidade do ABC paulista. A estudante sofreu
agresses principalmente verbais de uma centena de colegas
universitrios que a oprimiram e a perseguiram, fazendo-a sair
da universidade sob escolta da polcia, por estar com um vestido
curto. Por fim, aps tal escndalo, foi a universitria agredida
que acabou sendo expulsa pela direo da instituio de Ensino
Superior, sob a alegao de que ela atentou contra a moral e a
tica da instituio. No entanto, aps a repercusso nacional e
194
internacional do caso, alm da presso da opinio pblica brasileira (inclusive do MEC), a Universidade voltou atrs em sua
deciso.
Seria este caso emblemtico um exemplo mpar para que pudssemos perceber como o fenmeno bullying (que no to novo
assim) vem se perpetuando, naturalizando-se e ganhando espao dentro das instituies de ensino brasileiras? Quais seriam
as razes para o aumento desta tendncia agressiva entre crianas, jovens estudantes e at universitrios?
Acredita-se que so inmeras as causas geradoras do bullying.
Neste artigo, com base nas pesquisas j realizadas sobre o tema,
destacam-se as possveis causas para a existncia e a ampliao
desse fenmeno nas ltimas dcadas, tornando o Brasil um dos
campees desta mal fadada prtica institucional, por fim, buscase contribuir com reflexes e sugestes sobre como se pode trabalhar dentro das escolas atravs dos estudos da paz.
O QUE O BULLYING?
A palavra bullying, em ingls, utilizada com o sentido de
tiranizar, gozar, humilhar, apelidar, ameaar, intimidar, perseguir, bater, ofender, ferir e isolar a vtima. A gravidade est no
fato de que este padro de comportamento est longe de ser inocente, ou coisa de criana. Trata-se na realidade de um distrbio que se caracteriza por agresses diversificadas e repetitivas,
tanto fsicas como morais, que acabam levando a vtima ao isolamento, fuga da escola, queda de rendimento escolar, alteraes
emocionais e por fim depresso (FERMOSO, 1998).
Segundo pesquisa desenvolvida pelo IBOPE (2002), encomendada pela ONG ABRAPIA (Associao Brasileira Multiprofissional
de Proteo infncia e Adolescncia), de 5.482 alunos, do 5
ao 8 ano de 11 escolas pblicas e particulares do Rio de Janeiro,
participantes da pesquisa, mais de 40% admitiram j ter praticado ou ter sido vtimas de bullying. Cabe escola, promover um
trabalho em conjunto com as famlias, para proteger tanto os agredidos como os agressores, pois ambos apresentam problemas psicolgicos que, caso no sejam tratados, podem gerar desdobramentos comportamentais gravssimos.
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Conforme aponta Ana Toms Almeida (2006), da Universidade do Minho, em Portugal, e membro da Conferncia Europeia de
Combate ao Bullying, o fenmeno, antes mal conhecido e muitas
vezes desvalorizado pelos adultos, no se limita a conflitos ocasionais entre alunos. O bullying, segundo a estudiosa, so as situaes reiteradas que geram mal-estar psicolgico e afetam a segurana, o rendimento e a frequncia escolar. A partir de dados
fornecidos por uma pesquisa desenvolvida em Portugal, com sete
mil estudantes, a autora indica que aproximadamente um em cada
cinco alunos (22%), na faixa etria de 6 a 16 anos, j foi vtima de
violncia moral na escola. A pesquisa mostra ainda que o local
mais comum da ocorrncia de maus-tratos so os ptios de recreio, seguido dos corredores das instituies de ensino.
Nos perfis mais comuns das vtimas, alvos do bullying, esto
os das crianas e jovens mais tmidos ou que tenham alguma dificuldade em se relacionar, ou ainda os que tm boas notas, ou que
sejam fracos fisicamente; tambm os que estejam acima do peso,
ou qualquer outra caracterstica que esteja fora dos padres do
grupo de alunos agressores (ALMEIDA, 2006; SILVA, 2009).
TIPOS DE BULLYING
Podemos apontar de forma genrica quatro tipos mais frequentes de bullying:
1. Bullying fsico:: Quando o agressor usa a fora fsica para
atingir o agredido, roubar pertences da vtima ou extorquir dinheiro de modo a magoar o outro.
2. Bullying verbal: Quando o agressor usa palavras para agredir a vtima, como por exemplo insultos, palavres, gozaes e apelidos.
3. Bullying relacional: Quando o agressor exclui o indivduo
do grupo, deixando inclusive de falar com ele.
4. Bullying sexual: Quanto o agressor faz comentrios sexuais indesejados, usando nomes sexuais ofensivos ou at
tocar em partes ntimas da vtima.
Evidentemente que tais modalidades podem estar associadas, criando um verdadeiro inferno na vida de uma criana ou
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Quando se analisam escolas onde a violncia grande, encontra-se uma situao de forte tenso; inversamente, quando se analisam aquelas em que a violncia diminui, encontra-se uma equipe de direo e de professores que soube
reduzir o nvel de tenso.
O essencial promover a orientao, a conscientizao, a discusso e a observao criteriosa a respeito do assunto, pois sabemos que as brincadeiras so prprias do processo de amadurecimento do ser humano, e so tambm um indicador importante da
sade mental da criana. Afinal, nem toda brincadeira bullying,
assim, no apropriado atribuir toda e qualquer brincadeira ao
bullying. A diferena entre um comportamento aceito e um abusivo,
s vezes, tnue e cada caso deve ser analisado segundo sua
constncia e gravidade.
Este fenmeno visto como um problema epidmico, especfico e destrutivo. Trata-se de uma dinmica psicossocial expansiva
que envolve um nmero cada vez maior de crianas e adolescentes, tanto meninos como meninas. O fenmeno se caracteriza pelas atitudes discriminatrias, segregacionistas, humilhantes e por
perseguies sistemticas do agressor em relao a sua vtima.
As consequncias so dificilmente mensuradas ou percebidas
como brincadeiras e, em sua maioria, migram do ambiente familiar para as relaes escolares. Para os especialistas a famlia o
locus que abarca a maior responsabilidade pelos conflitos, muitos
dos quais se caracterizam como situaes de extrema violncia.
Segundo Vinyamata (2005):
Os indicadores de conflitos devem ser buscados na frmula
que resume seu surgimento, sua causa, sua evoluo e seu
desenvolvimento, isto as necessidades e os desejos que
geram angstia e medo e que, por sua vez, contribuem para
o desenvolvimento da ao encaminhada para encontrar
sua satisfao.
Pensar em solues e maneiras de intervir que no contradigam os objetivos finais de devolver s pessoas as capacidades de
resolver, por elas mesmas, suas prprias dificuldades. Pacificar
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200
A definio que mais se aproxima do objeto de estudo do presente artigo, a que est presente na Enciclopdia Brasileira de
Moral e Civismo, editada pelo Ministrio da Educao (in:
BRANDO, 2005):
Educao. Do latim educare, que significa extrair, tirar.
Consiste essencialmente, na formao do homem de carter (...). atividade criadora que visa levar o ser humano a
realizar as suas potencialidades fsicas, morais, espirituais
e intelectuais. No se reduz a preparao para fins exclusivamente utilitrios como uma profisso, (...), mas abrange
o homem integral, em todos os aspectos de seu corpo e de
sua alma, ou seja, em toda a extenso de sua vida sensvel,
espiritual, intelectual, moral, individual, domstica e social, para elev-la, regul-la e aperfeio-la, um processo
contnuo, que comea nas origens do ser humano e se estende at a morte (p. 64).
Dessa forma, quando conceituamos Educao, estamos elevando o ser humano a uma formao no s intelectual, mas tambm espiritual, moral, voltada para o aperfeioamento integral do
ser humano, inclusive para a educao para a paz.
O conceito tradicional de Paz o conceito mais utilizado, que
segundo Jares, parafraseando Galtung, um conceito herdado
de pax romana. Galtung entende esse conceito como pobre e insuficiente, uma vez que se refere unicamente a ausncia de conflitos, cujo conceito Galtung d o nome de Paz Negativa, e para
ele, este conceito no o nico.
Ainda segundo Jares, Galtung define outro conceito, o de Paz
Positiva, que entende a violncia no unicamente como aquela
que se materializa atravs da agresso fsica direta ou por meio
201
202
CONCLUSES
Devemos comear a conhecer e a respeitar o outro. A descobrir que temos semelhanas e divergncias. Desenvolver atos de
solidariedade, permitir um conhecimento mais profundo dos interesses e valores alheios, refletir sobre nossos atos e pensar jun-
203
tos em possveis solues a serem compartilhadas, em uma maneira de intervir sem violncia e sem imposio alguma. aprender a viver, recuperar a serenidade, planejar uma vida satisfatria
de maneira integral, vencer dificuldades, superar crises, conviver. Significa educarmos a criana e o jovem para a vida, para
que se torne um adulto tolerante, que respeita o espao do outro
e que, quando incomodado por alguma situao, resolve-a sem
violncia ou cerceamento da liberdade da outra pessoa. Devemos
tentar desenvolver em ns processos de reconciliao, aprendermos a ouvir as pessoas, e at pedirmos desculpas pelos nossos
erros humanos e inevitveis.
Para Ricota (2002) ... A famlia promove alteraes na sociedade, na medida em que troca com o ambiente externo (a sociedade) suas impresses, valores e idias. Complementamos essa linha de pensamento com a afirmao de Costa (2007), que afirma:
Quanto mais autonomia tem o jovem, mais a parceria entre famlia
e escola deve se fortalecer. Nessa fase, os jovens vo construir a
sua identidade e seu projeto de vida, tarefas nada fceis. Por isso,
quanto mais esses dois pilares (famlia e escola) estiverem em
sintonia, mais fcil fica para eles planejarem o seu futuro.
Outro marco a mobilizao, a capacitao e a coeso da equipe gestora das instituies de ensino, funcionrios, professores, alunos, pais e as parcerias interinstitucionais. A escola deve ter uma
abordagem interdisciplinar reconhecendo o outro como sujeito, instaurar o dilogo entre culturas, superar barreiras, etnias e preconceitos, construir com a comunidade escolar normas e procedimentos firmes, justos e consistentes, assim como o trabalho de equipe,
a negociao dos procedimentos, a ateno diversidade com tarefas criadas dentro de um grupo (geralmente heterogneo) para formulao de objetivos compartilhados, para a resoluo de problemas e para a soluo de conflitos, tanto no campo pedaggico como
no campo humano, desenvolvendo em ambos a cultura para a paz.
A partir dos momentos de discusso, troca de idias e experincias entre os representantes dos segmentos da comunidade
escolar, nasce a possibilidade de promoo de mudanas da prtica pedaggica, da mentalidade e das aes dos atores. Esse repensar, lento por natureza, pois edificado de forma dialgica,
atravs de negociaes e do amadurecimento das pessoas, repre-
204
senta uma situao propcia e significativa que favorece a analise crtica e em conjunto, da prtica escolar, estimulando a participao mtua, a co-responsabilidade, o compartilhamento, a
autonomia de uma escola mais democrtica. No devemos reprimir as vontades dos jovens, devemos educar as suas vontades e
apontar possibilidades diversas de crescimento. Para tanto, apontamos algumas sugestes:
1. apontar aes para sua reduo, tanto em nvel pedaggico
quanto no de articulao com a comunidade mais ampla;
2. de forma preventiva e at interventiva, inibir comportamentos que no presente ou futuro, possam comprometer a
paz social que to desejada por todos;
3. salientar sobre a importncia do autocontrole e da tolerncia para com os outros;
4. valorizar a constituio do modo de ser e existir (pensar,
sentir e agir) do aluno, considerar os seus processos
cognitivos, suas fantasias, seus valores, expectativas sobre ele mesmo, sobre o outro e sobre o mundo;
5. incentivar a formao continuada dos professores e coordenadores escolares, no s para o entendimento do fenmeno bullying, como para saber entender e atuar eficazmente
em outras situaes de conflito dentro e fora da escola.
Devemos cuidar multidimensionalmente de nossos jovens,
apresentar elementos e contribuies para a busca de alternativas que um processo democrtico exige. Compreender as relaes
sociais, econmicas presentes nos atos de violncia ocorridos no meio
escolar e at a gravidade das dificuldades comuns e inerentes aos
processos de aprendizagem. Alm disso, devemos nos capacitar para
melhor acolher tanto quem pratica o bullying como sua vtima, ambos necessitados de apoio psicopedaggico para aprender a lidar
com as suas dificuldades e a enfrentar as possveis crises.
205
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206
o senso comum, sade e paz aparecem juntas e se interligam nos votos das festividades de ano novo. De certo
modo, esse fato sinaliza o reconhecimento de que tanto sade
quanto paz so anseios comuns a todos os povos, bem como necessidades humanas essenciais, das quais depende a realizao
de outros desejos ou metas.
No mbito das cincias, possvel se estabelecer interessantes paralelos entre os campos da Sade Pblica e da Investigao para a Paz (Peace Research). Autores de ambas as reas
fazem tais comparaes. Garcia (1989), por exemplo, destaca semelhanas entre a arte da guerra e a evoluo histrica dos
enfoques de Sade Pblica: eliminao do inimigo e erradicao
de doenas; guerra de posio e controle de agravos; guerra
fria e vigilncia.
Galtung (2002), por sua vez, assume que a relao entre
paz e violncia semelhante existente entre sade e doena.
Ele se apropria do conceito de Histria Natural das Doenas e
delineia uma histria natural padro cuja evoluo resulta em
violncia e guerra. Ele identifica dois estgios que precedem a
violncia o conflito no-resolvido e a polarizao, isto , a redu-
208
209
VIOLNCIAS E SADE
As relaes entre sade e paz, entretanto, no se situam apenas no campo conceitual ou filosfico. As crescentes taxas de
morbidade e mortalidade por causas violentas em muitos pases
levaram a Organizao Mundial da Sade a identificar a violncia como um dos principais problemas mundiais de sade pblica (OMS, 2002: 2). Suas consequncias englobam sequelas biopsicossociais e morais nos planos pessoal, familiar e coletivo, bem
como impactos econmicos (KLIKSBERG, 2001).
No Brasil, a apropriao do tema violncia pelo setor da
sade, como objeto de pesquisa, interveno e formulao de polticas pblicas, tem avanado paulatinamente. Ao revisar a produo cientfica brasileira sobre o tema, ao longo das oito dcadas iniciais do sculo XX, Minayo (1990) identifica um crescimento considervel em nmero, abrangncia, incluso de disciplinas e complexidade nas abordagens (p.11). A autora conclui que
esse aumento se deveu tanto ao incremento dos aspectos visveis e fatais da violncia quanto a uma maior conscincia social
sobre o problema no s nos meios acadmicos, mas sobretudo
na sociedade civil (idem: 25). Note-se, entretanto, que nesse perodo, a produo das disciplinas de sade sobre violncia era
escassa a ponto de motivar a incluso de outras reas do conhecimento na citada reviso (SOUZA et al., 2003).
210
A anlise das publicaes sobre violncia e acidentes oriundas do setor sade, na dcada de 1990, em nosso pas, revela um
indiscutvel avano do conhecimento sobre o tema, alm de uma
maior abrangncia e distribuio das pesquisas por locais de realizao, por reas do conhecimento abrangidas e por assuntos estudados (SOUZA et al., 2003: 76). Um percentual da ordem de 70%
dos 543 textos analisados foi publicado na segunda metade da dcada, indicando uma clara tendncia de crescimento. Quase a
metade dos trabalhos tinha como proposta contribuir para a formulao de intervenes ou para a melhoria dos servios e formao dos profissionais de sade. Das 12 categorias temticas nas
quais as publicaes foram classificadas, a de preveno alcanou o terceiro lugar, com a quantidade de 47 trabalhos. As autoras
ressaltam que na dcada anterior, (...) a idia de preveno estava
(...) muito pouco legitimada no setor da sade (idem: 73).
Em termos de agenda pblica, a preocupao com a paz, no
Brasil, muito recente. A mobilizao social acompanhou a reao
ao aumento da criminalidade urbana. A paz tornou-se necessidade bsica para a populao e meta para os governantes do pas.
Essa emergncia no plano das prioridades positiva, mas h ressalvas a serem feitas. Primeiro, que a paz, tal como surge na maioria dos discursos, ainda entendida de forma reducionista, fundamentalmente vinculada reduo da criminalidade e das mortes
violentas. Segundo, no senso comum, a paz assume o carter abstrato e idlico de um ideal que todos desejam, mas pouqussimos se
dispem a construir. Terceiro, muitas iniciativas tm sido tomadas
em nome da paz sem que mostrem qualquer vinculao efetiva
com a promoo da paz, a exemplo dos festivais musicais promovidos por empresas privadas com vistas ao lucro; sem que apresentem a mnima consistncia conceitual e metodolgica, ou ainda
sem continuidade ao longo do tempo. Se esses fatores no forem
superados, o discurso da paz corre o risco de se tornar uma mera
expresso de boas intenes, ingnua em seu carter e reduzida,
em sua abrangncia, ao da pessoa nas suas relaes
interpessoais.
Entretanto, quando se mira a perspectiva histrica da humanidade, os movimentos em prol da paz e as imagens de sociedades alternativas, com abordagens alternativas ao conflito no so
211
um fenmeno novo na cena histrica. Eles datam da Antiguidade (BOULDING, 2000: 25) (grifo nosso).
dade
Os movimentos em prol da paz tambm tm existido entre os
profissionais de sade. Dentre as associaes constitudas em torno dessa temtica destacam-se a Medical Association for Prevention
of War, fundada na Inglaterra, em 1951; a Physicians for Social
Responsibility, estabelecida em 1961, nos Estados Unidos; a
Medecins San Frontiers, organizada em 1971, na Frana, e laureada em 1999 com o Prmio Nobel da Paz, contando atualmente com
28.000 profissionais em 60 pases; e a International Physicians for
Prevention of Nuclear War (IPPNW), ganhadora do Nobel da Paz de
1985, fundada na Austrlia quatro anos antes, e que consiste em
uma federao global de organizaes mdicas de 58 pases, com
200.000 associados. No Brasil, fundou-se a Sociedade Brasileira
de Mdicos pela Paz, a qual promoveu o I Encontro Nacional de
Mdicos pela Paz, em 1988. Em 2004, o Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS) estabeleceu a Rede
Gandhi pela Paz e No-Violncia, engajando-se tambm na campanha em prol do desarmamento.
Tais iniciativas, contudo, ainda so minoritrias, pois de maneira geral, a resposta do setor da sade violncia extremamente reativa e teraputica (OMS, 2002: 3). Embora o enfrentamento das violncias no seja atribuio ou domnio exclusivos
da Sade, este setor tem uma responsabilidade direta e inescapvel, por sua misso de contribuir para o bem-estar e a qualidade de vida da populao. crescente o reconhecimento de que o
setor sade precisa adotar, urgentemente, um papel mais ativo
em distintas esferas no enfrentamento s violncias (YUNES E
RAJS, 1994) e que, para cumprir esse papel, faz-se mister reconhecer, dialogar e mobilizar o maior nmero possvel de atores e
segmentos sociais (MINAYO, 1994).
Essa perspectiva encontra consonncia no modelo da promoo da sade, preconizado pela Carta de Ottawa, elaborada em
conferncia promovida pela Organizao Mundial de Sade, em
1986. Promoo da sade pode ser entendida como o processo de
capacitao da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de sua vida e sade, incluindo maior controle desse processo
(apud MINAYO E SOUZA, 1999: 12). Nesse modelo, a paz e a se-
212
gurana pessoal e poltica figuram entre os pr-requisitos bsicos para a sade (PAIM et al., 2000: 6).
213
214
215
216
217
objetivo comum. Defendemos a abordagem da promoo da cultura de paz como a mais apropriada e efetiva para o enfrentamento s violncias. Os cinco tpicos a seguir resumem os principais motivos que nos levaram a fazer essa proposio:
1. O enfrentamento das violncias requer amplo dilogo e
mobilizao social, os quais dependem da adoo de um discurso
capaz de mobilizar amplos setores da sociedade civil, para que se
possa chegar a um consenso socialmente construdo em torno
da violncia e da paz (MNDEZ, 1998: 127). O conceito de preveno da violncia no tem a mesma capacidade aglutinadora, uma
vez que aparenta ser uma tarefa de responsabilidade de setores
como a polcia, o governo, os especialistas e, no mximo, a sade.
O discurso da cultura de paz, por sua vez:
a) evidencia a existncia de um elo que interliga as demandas da vasta maioria da humanidade: justia social, igualdade entre os sexos, eliminao do racismo, tolerncia religiosa, educao universal, sade, equilbrio ecolgico, liberdade poltica e participao cidad;
b) atende a uma das condies para o xito das iniciativas
intersetoriais: um propsito claramente enunciado, baseado em valores e interesses compartilhados (LAMARCHE
et al, 2000: 6);
c) institui um canal de interlocuo entre a academia e a sociedade civil, viabilizando o objetivo almejado por Minayo
(1990): articular a reflexo cientfica com a dos grupos e
movimentos sociais que caminham na mesma direo de
mudana (p. 24);
d) propicia, aos diversos movimentos sociais, uma bandeira
coletiva, ao definir um propsito comum s mudanas por
eles almejadas, ao mesmo tempo em que fortalece cada
mobilizao em si.
2. Alm de seu potencial aglutinador, o discurso da cultura
de paz agrega mais um ator fundamental ao processo de transformao social: a pessoa. Este um passo primordial na superao
da dicotomia entre as dimenses micro e macro. O discurso
centrado na violncia e sua preveno no abre espao para a
ao individual, pois a maioria das mudanas requeridas por esse
218
modelo situam-se em esferas de ao governamental ou institucional. Por outro lado, toda pessoa, independente de sua classe social, idade, nvel de escolaridade ou qualquer outra caracterstica, pode fazer algo em prol da paz, em seu lar, bairro, local de
estudo ou trabalho. Na perspectiva tradicional da Sade Pblica
so reconhecidos apenas trs papis que o indivduo pode assumir em relao s violncias perpetrador, vtima ou testemunha. As abordagens centradas na preveno da violncia buscam evitar ou reduzir os riscos de que o indivduo venha a assumir um desses papis. Mas elas no deixam claro que outro papel o cidado pode desempenhar, pois tentam evitar a violncia,
mas no afirmam algo positivo, propositivo. Por corresponder a
um anseio universal e a uma necessidade humana, a paz tem um
grande potencial mobilizador. Alm disso, quando se fala em promover uma cultura de paz, est implcita a exigncia de uma postura proativa, da mesma forma que a promoo da sade preconiza o autocuidado.
Em nossa pesquisa de doutoramento6, colhemos e analisamos os discursos de adolescentes, educadores, tcnicos de sade e dirigentes institucionais envolvidos em programas de preveno da violncia e/ou promoo da cultura de paz direcionados a adolescentes. A anlise do conjunto desses discursos permitiu-nos reconhecer e propor um quarto papel para o indivduo frente ao fenmeno das violncias, o de agente da paz. Os
informantes da pesquisa, co-autores das experincias investigadas, ao refletirem a respeito de suas vivncias individuais e coletivas, descortinaram a percepo de que, quando o adolescente
tem a oportunidade de desenvolver as suas potencialidades individuais e habilidades sociais, torna-se capaz de desempenhar
um papel protagnico na promoo de uma cultura de paz.
Realizada sob a orientao da Profa. Dra. Ana Ceclia Sousa Bastos (ISC / UFBA),
a pesquisa consistiu em um estudo de casos em uma escola pblica da periferia
de uma metrpole, uma escola privada internacional e um projeto de educao
em sade resultante da parceria entre uma Secretaria de Sade e uma ONG, em
uma favela dominada pelo narcotrfico. As trs organizaes situam-se no Brasil,
em diferentes Unidades da Federao. Os dados foram coletados atravs de
entrevistas, grupos focais e um questionrio sobre a organizao.
219
220
a cincia reconhea a existncia de outros discursos que so igualmente dignos e precisam ser ouvidos, como por exemplo, a filosofia, o saber comunal, a religio, a narrativa do doente etc. O dilogo transsapiencial fundamental em se tratando de um desafio
como a paz (ou as violncias). H que se recordar que a filosofia e
a religio lidam com essa temtica sculos antes do surgimento
da cincia moderna; suas contribuies no podem ser descartadas. Alm disso, se a violncia definida e entendida em funo
de valores que constituem o sagrado do grupo de referncia
(MICHAUD, 1989: 13) (grifo nosso), a dimenso dos valores e da
tica precisa ser incorporada aos esforos para a sua compreenso. Essa dimenso se situa fora da abrangncia e alm das atribuies da cincia:
(...) a cincia no se prope de modo algum resolver as questes que envolvem escolhas de valor. (...) ela prpria levanta problemas ticos; sem dvida, ela deve contribuir para
nos informar e nos esclarecer a respeito desses problemas,
mas absolutamente no seria capaz de resolv-los. O erro
mais grave sobre esse ponto consistiria em transformar
conhecimentos positivos cientificamente estabelecidos em
preceitos de escolha e ao (GRANGER, 1994: 114).
221
Por esse motivo, o que se almeja no pode ser apenas a negao do indesejado. Isso implica, naturalmente, a desafiadora tarefa de se construir um conceito de cultura de paz que atenda aos
critrios de cientificidade e que, ao mesmo tempo, sirva como uma
viso compartilhada de futuro, capaz de mobilizar pessoas, grupos, movimentos e organizaes, um conceito que equilibre especificidade e abrangncia, consistncia e flexibilidade, sensibilidade e aplicabilidade aos inmeros contextos. As palavras de Almeida
Filho a respeito do objeto sade/doena/cuidado so igualmente
pertinentes cultura de paz: um desses objetos heursticos
complexos, plurais e sensveis aos contextos, que s se define em
sua configurao total, j que a apreenso de cada um de seus
elementos e dimenses no nos d acesso integralidade desse
objeto (2000: 234).
CONSIDERAES FINAIS
H um crescente reconhecimento, por parte de acadmicos e
autoridades governamentais, de que as violncias precisam ser
enfrentadas como um problema de Sade Pblica. Este setor tem
desempenhado um papel cada vez mais importante na definio
de polticas pblicas e programas governamentais direcionados a
diversas modalidades de violncia.
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INTRODUO
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NADANOVSKY, 2000). A Declarao de Alma-Ata1 (WHO, 1978),
ressalta:
a sade - estado de completo bem - estar fsico, mental e
social, e no simplesmente a ausncia de doena ou enfermidade - um direito humano fundamental, e que a consecuo do mais alto nvel possvel de sade a mais importante meta social mundial, cuja realizao requer a ao
de muitos outros setores sociais e econmicos, alm do
setor sade.
Considera-se que nas aes de promoo de sade, como sujeitos do processo, as pessoas so capazes de controlar os fatores
determinantes da sade. Define-se, assim, a promoo de sade
como um processo em que a populao busca os meios para favorecer seu bem estar e o da comunidade, ou manter o controle dos
que a podem pr em risco, tornando-a vulnervel enfermidade e
prejudicando a qualidade de vida (WHO, 2007).
227
faz-se necessria uma ao intersetorial na esfera social, econmica, alm do setor da sade (WHO, 1978).
A VIII Conferncia Nacional de Sade, agosto de 1985, apontou para a Reforma Sanitria e fez refletir sobre a formao de
recursos humanos dirigida ao setor de sade. Apresentou, ao
mesmo tempo, as causas das mais profundas dificuldades enfrentadas pela rea da sade no Brasil. Em 1986, na concluso
do relatrio final daquela conferncia, ficou estabelecido que a
sade conquistada pela ao conjunta da sociedade e da estrutura macro governamental, assim como as limitaes e obstculos ao desenvolvimento e direito sade so de natureza estrutural (MS, 1986)2.
Em 1988, com a Constituio Federal, a sade passa a ser
um direito de todos os cidados e, posteriormente, a Lei 8.080/90,
conhecida como a Lei Orgnica da Sade, passa a considerar o
termo de modo mais abrangente e o conceito de sade, portanto,
vai alm da rea de medicina. Esta nova concepo de sade passa a se relacionar como um parmetro da qualidade de vida sedimentado no estilo de vida (BRASIL, 1988; MS, 1999).
A sade tem como fatores determinantes e condicionantes,
entre outros, a alimentao, a moradia, o saneamento bsico, o meio ambiente, o trabalho, a sade, a educao, o
transporte, o lazer, o acesso a bens e servios essenciais;
os nveis de sade da populao expressam a organizao
social e econmica do pas (MS, 1999).
228
229
O mesmo autor ainda afirma que se forem encontrados aspectos de uma cultura que legitimem a violncia direta e estrutural, a violncia estrutural se legitima, porque mais sutil que as
demais citadas anteriormente e se apresenta mascarada pelos
discursos ideolgicos.
Por violncia cultural nos referimos queles aspectos da
cultura, da esfera simblica de nossa existncia
exemplificada por religio, e ideologias, linguagem e arte,
cincia emprica e cincia formal (lgica, matemtica) que
podem ser utilizadas para justificar ou legitimar a violncia direta ou estrutural (p. 196).
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do auto cuidado, particularmente favorvel ao controle das enfermidades crnicas que esto relacionadas ao estilo de vida, como
o caso da crie e das enfermidades periodontais, especialmente,
onde o envolvimento do setor pblico para esse tipo de tratamento baixo (ZANETI et al, 2003).
Apesar do reconhecimento da importncia da educao, os
recursos ainda so escassos, devido falta de pesquisas que forneam dados sobre os conhecimentos, as atitudes e prticas relativas sade bucal dos diferentes segmentos da populao brasileira. Alm disso, programas de educao em sade bucal vm
sendo desenvolvidos, mas com abordagens e metodologias inadequadas e distantes da realidade da populao a ser beneficiada
(FREIRE et al, 2002).
Logo, essa escassez de conhecimento, associada s prticas
obsoletas e desarticuladas da Educao e da Sade bucal, dificulta ainda mais a mudana de hbitos. Para que essa mudana
acontea, se faz necessria a utilizao de estratgias de linguagem especficas para cada segmento social, alm da seleo de
mtodos adequados. E ainda, sem uma motivao continuada, os
esforos anteriores se perdero com o tempo (SANTOS et al 2003).
Dessa forma, a promoo de uma educao voltada para o
autocuidado compreende esforos que levem os indivduos a mudanas de comportamento, pois a adoo de hbitos que favorecem a preveno e o controle de enfermidades to importante
quanto a descontinuidade de hbitos que aumentam o risco dessas enfermidades. Nesse processo, o paciente se educa para cumprir com a responsabilidade de promover sua prpria sade bucal atravs, por exemplo, da escovao para controle da placa.
Neste caso, o dentista desenvolve o papel de educador em sade
(BUISCHI et al, 2000).
233
234
CONSIDERAES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi estabelecer uma possvel relao
entre as variveis, sade, educao e paz, partindo de uma anlise da Cultura de Paz. Essa relao se estabeleceu principalmente
atravs da utilizao de estudos da Organizao Mundial de Sade; de Relatrios da UNESCO; das definies de paz e violncia
desenvolvidas por Johan Galtung; e de modelos de desenvolvimento social alternativo, como os de Manfred Max-Neef.
Foram acrescentados princpios de educao em sade voltados
promoo de sade bucal, que nos permite entender a necessidade
de uma transdisciplinaridade para superar as patologias individuais
e coletivas, definidas como necessidades humanas no satisfeitas.
A quase inexistncia da interao entre dentistas e professores dificulta a prtica de promoo de sade bucal de uma maneira sistmica, interdisciplinar e intersetorial entre educao e
sade. Alm da especificidade do tema, a falta de contedo de
sade bucal na grade curricular na formao dos professores e a
predominncia do enfoque curativo na formao do dentista fragmentam a viso holstica da relao entre educao e sade, de
maneira que os conceitos de sade so apresentados superficialmente no processo educacional.
Uma abordagem mais profunda a respeito da dieta e higiene
oral, inserida na higiene geral, contribuiria para a preveno de
cries e de enfermidades periodontais. A partir da pesquisa realizada anteriormente, pde-se observar que os professores das
Escolas Municipais de Aracaju, mesmo apresentando certo domnio de conhecimentos bsicos de Sade Bucal e mesmo considerando de grande importncia o Ensino de Sade Bucal, no aplicam esses conhecimentos, exceto por alguns casos isolados, mas
que somente abordam o tema de forma superficial.
A interao entre dentistas, pais e escola gera uma educao
libertadora, que inclui o exerccio de uma opo conjunta de estilos de vida e modos de comportamento. O professor, quando realiza
235
esse modelo interativo, desenvolve o papel de facilitador desse exerccio, dando-lhe visibilidade e legitimidade. Essa interao e educao contribuem para o resgate da autoestima e contribui com a
construo de uma Cultura de Paz por meio da Sade Bucal.
Ao longo deste estudo, buscamos refletir sobre como investir
em outras racionalidades, como realizar um giro epistemolgico
em relao sade. A sade bucal, como parte da sade geral,
deve estar relacionada a outras cincias para alcanar resultados revertidos para o bem-estar humano. Introduzimos as variveis Educao e Paz para desenvolver o tema escolhido.
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236
237
240
241
Pretende-se assim aprofundar as prticas destes profissionais e demonstrar a importncia dos mesmos no processo de
Empoderamento de seus usurios, na transformao pacfica de
conflitos, na satisfao das necessidades humanas e na promoo da igualdade, solidariedade e justia social.
Se pretende tambm contribuir para o Empoderamento dos
Trabalhadores Sociais no sentido de faz-los refletir sobre sua
importncia na construo da Paz.
Com relao metodologia, foi feita uma seleo bibliogrfica
sobre o bem estar, os conflitos, o desenvolvimento humano, a paz
e o trabalho social, estabelecendo entre eles uma relao por meio
de uma matriz integradora.
Foi realizado um estudo de campo com Trabalhadores Sociais, para atingir de maneira mais satisfatria os objetivos propostos. O cenrio do estudo foi a cidade de Granada, localizada na
Comunidade Autnoma de Andalucia, que pertence ao estado
Espanhol.
O universo foi composto por instituies onde so realizadas
prticas de estudantes da Escola Universitria de Trabalho Social da Universidade de Granada e algumas Organizaes no Governamentais. A amostra constou de cinqenta Trabalhadores
Sociais, que representava aproximadamente (40%) do total de
profissionais que atuavam nestas Instituies. O nmero atendeu aos objetivos da investigao, j que a mesma teve um carter mais descritivo que quantitativo.
Com relao aos critrios de seleo, as entrevistas foram
realizadas com profissionais que exercem suas atividades na administrao pblica (servios sociais gerais e especficos) assim
como aqueles que atuam em Organizaes no Governamentais,
associaes e organizaes de carter civil, visto que estas tem
desempenhado um papel fundamental na construo da Paz, superando e inclusive se antecipando ao prprio estado em sua funo de promover o bem estar social.
O instrumento de coleta de dados foi a entrevista com questionrio, com perguntas abertas e fechadas, que tratam sobre o
contedo terico e a realidade vivida por cada um destes profissionais. As entrevistas foram feitas no prprio local de trabalho a
fim de conhecer melhor a dinmica do mesmo.
242
Como categoria de anlise foi utilizada a matriz de necessidades e satisfactores de Max-Neef (1998 e 2003), por esta ser
um instrumento bastante eficaz na avaliao do grau de desenvolvimento humano e tambm porque a satisfao das necessidades humanas um dos principais mritos dos Trabalhadores Sociais.
Para uma melhor compreenso do tema foram selecionados
alguns conceitos chave, utilizados com mais freqncia neste estudo, so eles: Conflito, Desenvolvimento Humano, Empoderamento, Paz Imperfeita e Trabalho Social.
Por Conflito entendemos:
Aquelas situaes de disputa ou divergncia onde h uma
contraposio de interesses, necessidades, sentimentos, objetivos, condutas, percepes, valores, e /ou afetos entre
indivduos ou grupos que definem suas metas como mutuamente incompatveis (ENCICLOPDIA DE LA PAZ Y LOS
CONFLICTOS, 2004: 149)
243
Processo no qual se ampliam as oportunidades do ser humano, que se traduz em trs aspectos bsicos que so: desfrutar de uma vida prolongada e saudvel, adquirir conhecimentos e ter acesso aos recursos necessrios para conseguir um nvel de vida digno. (INFORME DO PNUD, 1990:34)
Este conceito nos parece relevante porque em algumas conjunturas, se difunde nas pessoas a idia de que as mesmas no
so responsveis por seu Bem Estar no sentido de que pouco
podem fazer para gerir seus recursos e realizar necessidades e
aspiraes comuns . Esta Ideologia da Dominao, geralmente
relacionada com as elites econmicas, tem sido responsveis pelo
mau desenvolvimento de muitos povos e naes.
As aes que fomentam o Empoderamento se contrapem a
estas posies, ao defender uma liberdade, sobretudo em nvel de
conscincia. Elas esto presentes nas prticas de investigadores,
ONGs e Movimentos Sociais, e de algumas disciplinas, como a
Educao para a Cidadania e o Trabalho Social.
No nvel da Educao para a Cidadania, o Empoderamento
uma conseqncia dos processos de ensino baseados no dialogo,
244
Optamos por este conceito por considera - lo mais amplio desde o ponto de vista da percepo da Paz enquanto se refere a uma
realidade humana e a uma construo social e tambm porque a
Paz Imperfeita esta diretamente refletida no cotidiano dos Trabalhadores Sociais, por meio de suas prticas e da interao com
seus usurios.
O Trabalho Social, eleito como conceito por ser o tema central
desta investigao, a:
245
Este conceito representa um avano na profisso, porque reafirma sua responsabilidade com a Justia Social e os Direitos
Humanos, valores pertencentes a esfera da Paz. Entendemos como
um avano, porque desde suas origens, no final do sculo XIX, o
Trabalho Social tem tido vrias denominaes, resultantes da
combinao de vrios fatores, entre os quais:
- As correntes ideolgicas predominantes em cada contexto
histrico.
- A contribuio de disciplinas que deram suporte terico e
metodolgico a esta profisso como, por exemplo: a Antropologia, a Psicologia e a Sociologia.
- Os valores atribudos ao ser humano nas diversas conjunturas econmicas, polticas e sociais.
- A estruturao das polticas de assistncia no mbito do
Estado de Bem Estar.
Assim, podemos dizer que o conceito atual reflete um compromisso ideolgico e, sobretudo tico com o ser humano, no sentido
de uma unio com o conjunto da sociedade civil, os movimentos
sociais e os movimentos operrios, para solucionar problemas
como: a pobreza estrutural, o desemprego, as desigualdades de
gnero e a explorao de crianas, que atingem tanto os pases
ricos como os menos desenvolvidos, j que vivemos em um mundo
cada vez mais interdependente pela globalizao da economia e o
intercambio de informaes, entre outros fatores.
A seguir iremos apresentar os resultados do nosso trabalho ,
assim como algumas concluses que reforam o importante papel
dos Trabalhadores Sociais, na construo da Paz.
246
RESULTADOS
Com relao ao perfil profissional, do total de entrevistados
(as) 68% atuam no setor pblico, 22% em ONGs e 10% no setor
privado.
A grande maioria dos (as) entrevistados (as): 46% possua mais
de 10 anos de atuao profissional, seguido pelos que tinham entre
5 e 10 anos de atuao, 36%; e os que tinham menos de 5 anos de
atividade profissional 18%.
Com relao rea de trabalho: 20% dos (as) profissionais atuam
em Servios Sociais Comunitrios, 18% na rea de Sade, 18%
com portadores de necessidades especiais, 7% com idosos, 12 %
com crianas e adolescentes, 12% com dependentes qumicos, 6%
na rea da justia, 4% com polticas de trabalho e 22% atuam em
outras horas , como por exemplo : grupos vulnerveis e imigrantes.
Em relao metodologia de trabalho, 98% utilizam a ateno direta, 40% a preveno e 26% dos (as) Trabalhadores (as)
Sociais utilizam o Desenvolvimento Comunitrio.
Com relao participao em movimentos pacifistas, apenas
26 % das entrevistadas est engajado, o que refora a necessidade
de uma maior insero dos temas da Paz na formao acadmica.
Quando perguntas se os conflitos podem ser positivos ou
criativos, 44% responderam s vezes, seguidos por a maioria das
vezes 32%; sempre, 14% quase nunca, 6% e nunca 4%. Sobre os
mtodos que utilizam para regular conflitos: 80% citou o Dilogo,
66% a Negociao; 62% a Mediao e 34% a Conciliao.
Em relao aos tipos de conflitos com os quais trabalham cotidianamente, 62% dos Trabalhadores Sociais citaram o acesso a
servios e direitos, 48% os fatores econmicos 38% os conflitos de
idias e 36% a divergncia por interesses.
Quando perguntadas se sua prtica profissional ajuda a na construo de atitudes e relaes mais pacficas, 24% afirmaram que sempre, 44% na maioria das vezes, 15% s vezes, e 2% quase nunca.
Com base na matriz de necessidades e satisfactores de MaxNeef, elaboramos uma tabela contendo alguma capacidades que
os Trabalhadores Sociais contribuem para desenvolver com sua
prtica. Com relao s mesmas, obtemos os seguintes resultados:
247
248
CONCLUSO
A realizao deste trabalho foi muito enriquecedora pela oportunidade de aprofundar os temas relacionados com o Trabalho
Social e a Paz, alm de poder conhecer mais de perto a experincia de colegas que desde seus mbitos de atuao tem contribudo para a construo de um mundo mais pacfico. Tambm possibilitou o conhecimento da profisso no contexto de um pas da
Unio Europia, que possui peculiaridades prprias dos pases
com um maior grau de desenvolvimento.
Entre as concluses s quais chegamos atravs de nossa investigao, citaremos as que consideramos mais relevantes, so elas:
- Que a Paz, alm de um estado de equilbrio interior, tambm uma construo humana que deve ser edificada atravs da igualdade, cooperao e justia social.
- Os conflitos, quando bem geridos, podem tornar-se um fator de harmonia e coeso social, alm de transformar situaes de desajuste estrutural.
- A satisfao das necessidades humanas uma condio prvia
para o desenvolvimento e para isso deve contribuir todo o sistema econmico, poltico e social e todos os processos de desenvolvimento devem estar centrados nos seres humanos e obtidos
atravs de garantias como a liberdade em todas as suas expresses, oportunidades sociais e relaes de transparncia.
- O cdigo de tica profissional dos Trabalhadores Sociais contm os mesmos princpios defendidos pela doutrina da No
Violncia, o que confere s aes destes profissionais um
carter poltico e uma conotao pacifista.
- Os Trabalhadores Sociais possibilitam atravs de suas aes
o desenvolvimento das capacidades humanas, contribuindo assim para o Empoderamento das classes mais excludas e a conquista da Paz.
249
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250
INTRODUO
252
nhece a indivisibilidade e interdependncia dos direitos humanos, afirmando ser essencial que o Estado estimule a gesto democrtica das cidades por meio da participao da populao tanto na formulao, execuo e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, quanto nas decises
adotadas em relao s suas comunidades, promoo dos direitos humanos e aos esforos para combater a pobreza extrema.
Assim, num contexto marcado pela pobreza e desigualdade
social, que se coloca a importncia do debate sobre a habitao
como poltica pblica. A perspectiva de empreender uma anlise
sobre o Trabalho Social nas intervenes vinculadas aos Programas de Desenvolvimento Urbano advm da potencial viabilidade
de este instrumento, por seu carter eminentemente socioeducativo,
contribuir para uma cultura de paz e direitos humanos no mbito
desta poltica. Os programas de Desenvolvimento Urbano incidem
sobre o espao, imprimindo sua marca na configurao territorial
e social. Os programas aqui referidos so operacionalizados pela
Caixa Econmica Federal, maior banco da Amrica Latina e principal agente de polticas pblicas do governo federal.
A anlise e a investigao da realidade social um dos aspectos fundamentais: um olhar para as condies concretas de vida
da populao pode contribuir com os avanos da investigao e
ao para a paz. Neste sentido, esperamos apresentar uma nova
leitura e um novo modo de compreender o Trabalho Social, como
ao inserida em uma poltica pblica, construda na prtica social, que pode contribuir intersubjetivamente com novos projetos
nos quais os seres humanos sejam capazes de reconhecer a si
prprios como seres dignos de valor e, enquanto cidados, sejam
tambm capazes de informar-se, de conhecer os seus direitos e de
lutar por aqueles que ainda no foram institudos.
Numa democracia efetiva, no podemos considerar natural o
fato de seres humanos continuarem presos s teias da pobreza
absoluta, vivendo nas ruas, nos morros, embaixo de pontes, na
lama, aos moldes de ninhos de animais, privados dos seus direitos mais elementares. Os direitos fundamentais so, em verdade,
concretizaes do princpio fundamental da dignidade da pessoa
humana, comeo, meio e fim de uma cultura de paz e de direitos
humanos.
253
254
Essa topografia social da realidade brasileira leva a populao a uma luta constante contra verdadeiros enclaves de discriminaes, preconceitos, excluses e exige novas formas de gesto
das cidades.
255
Tais abordagens evidenciam a ocupao desordenada das cidades, a fragmentao do tecido urbano e os impactos scio-ambientais a que nossas cidades esto submetidas bem como a dimenso da desigualdade e da excluso social que se engendram e
se reproduzem a partir das prprias condies de vida da populao associadas aos lugares onde vivem. Isto nos mostra que tais
situaes so resultantes, dentre outros fatores, da ausncia de
uma viso estratgica aliada falta de um planejamento articulado entre as polticas pblicas. neste contexto de necessidades
mais prementes, que o modelo de cidade brasileiro torna-se insustentvel e seguir sendo antissocial e desumano.
256
terra urbana, moradia, ao saneamento ambiental, infra-estrutura, ao transporte e aos servios pblicos, ao trabalho e ao
lazer, para as presentes e futuras geraes (ESTATUTO DA CIDADE art. 2o, incisos I e II do Captulo I), passa a ter vigncia
como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e se constitui como a meta fundamental da Repblica Brasileira para o
desenvolvimento urbano: tornar as cidades brasileiras mais justas, humanas, democrticas e sustentveis.
A partir da anlise desses processos e baseado nas normas de
ordem pblica e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar
dos cidados, bem como do equilbrio ambiental e mediante diretrizes gerais, dentre as quais est explicitada a gesto democrtica
por meio da participao da populao e de associaes representativas tanto na formulao quanto na execuo e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, possvel afirmar que o Estatuto da Cidade formula uma nova
concepo de poltica de habitao, reafirmando a interdependncia e indivisibilidade dos direitos humanos reconhecidos na Declarao Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1948, estabelecendo, assim, no pas uma nova matriz para as cidades agregada de valores impregnados de justia, de democracia e de solidaridade. Inicia-se, assim, um novo processo de construo coletiva
para uma nova tica urbana com a perspectiva de reduzir as
desigualdes sociais, promover a justia social, a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento social e econmico.
No que se refere aos novos paradigmas da gesto pblica da
cidade, por exemplo Koga (2003), salienta que os objetos da gesto pblica esto intrinsecamente vinculados melhoria da qualidade de vida e promoo da incluso social mediante a resoluo dos problemas concretos que incidem sobre uma populao
em determinado territrio. Nesse sentido
Medidas territoriais no mbito das polticas pblicas so
importantes no para definir reas prioritrias para execuo de programas e projetos predefinidos, mas tambm para
redefinir as prprias diretrizes e aes das reas de interveno. O conhecimento do territrio nas suas medidas
257
intra-urbanas possibilita levantar, alm das carncias, tambm as potencialidades do lugar, para o fomento da estratgia especfica de ao pblica. Isto implica a participao
dos sujeitos que constroem estas potencialidades locais.
(p. 33-34)
258
259
os afetem. neste contexto que o Trabalho Tcnico Social da Caixa Econmica Federal se insere e que est coerente com o conceito de desenvolvimento e paz. Educar para paz e desenvolvimento
pressupe a educao a partir de e para determinados valores, como a justia, a cooperao, a solidariedade, a autonomia
pessoal e coletiva, o respeito diferena, o compromisso com a
democracia e com a defesa dos direitos humanos.
Com a promulgao da Constituio de 1988, e em conseqncia da descentralizao poltico-administrativa e da ampliao
dos canais democrticos de participao, novos desafios so colocados tanto para a sociedade civil quanto para o poder pblico
local. A criao de instrumentos de gesto democrtica legitima
os sujeitos sociais como principais propositores das polticas pblicas territoriais. Contudo, tal iniciativa, por si s, no garante a
participao como processo existencial concreto que implica a
conscientizao, organizao e a capacitao permanente. Compreende-se que aqui que o Trabalho Social pode contribuir.
O Trabalho Social como espao de dilogo e de negociao
entre governo e sociedade, amplia o conceito de participao. O
Trabalho Social abre espao participao dos excludos no processo de gesto da cidade.
No Relatrio do PNUD fica claro que o desafio primordial de
todos os governos promover o desenvolvimento, entendido em
sua acepo mais ampla, que conduza a uma nova civilizao
humana, e essa construo passa pelas pessoas, conforme explicitado na afirmao a seguir:
A dimenso humana do desenvolvimento no um detalhe
a mais no dilogo sobre desenvolvimento. uma perspectiva completamente nova, uma maneira revolucionria de
redefinir nossa abordagem convencional ao desenvolvimento. Com essa transio do pensamento, a civilizao humana e a democracia devero alcanar ainda outro degrau.
Mais que resduos do desenvolvimento, os seres humanos
finalmente podero converter-se em seu principal objetivo
e sujeito, no uma relegada abstrao econmica, mas uma
realidade viva, no vtimas indefesas ou escravas dos mesmos processos de desenvolvimento, cujo controle no este-
260
ve nem em suas mos, mas sim nas de seus amos que elas
no controlaram apenas eles, seus amos. Depois de muitas dcadas de desenvolvimento, estabelecer a supremacia
das pessoas no desenvolvimento econmico um
apaixonante desafio. Implica caminhar em direo a um
novo paradigma de desenvolvimento humano (PNUD apud
JARES, 2007: 42).
261
Nessa tica, o Trabalho Tcnico Social presente nos Programas de Desenvolvimento Urbano ocupa um lugar de destaque na
mobilizao social pelo envolvimento na orientao da populao
beneficiria. Isso pressupe que o Trabalho Tcnico Social da Caixa
pode ser um facilitador no mbito de cada municpio do direito
moradia e do direito s cidades sustentveis.
No entendimento de Marx (LUIZ, 2008) os direitos s podem
ser exercidos em comunidade com outros homens, seu contedo
a participao na comunidade, e, consequentemente, na comunidade poltica, no Estado (p. 118). Isto significa uma atuao
profissional voltada para ampliao e consolidao da democracia na vida social, afirmando o compromisso com a cidadania.
Neste sentido, o Tcnico Social desempenha o papel de educador
da ao coletiva, impulsionando novas formas de sociabilidade,
assentados na relao entre o Estado e a Sociedade Civil, aproximando a Cidade dos Cidados.
O desafio consiste em realizar um trabalho de mobilizao,
organizao e participao comunitria, fomentando espaos democrticos que estimulem a criao de alternativas para solues dos problemas enfrentados pelas famlias envolvidas, incorporando em sua dinmica, o conhecimento, a reflexo e a ao,
ou seja, alimentar um fazer profissional criativo a partir de um
pensar e agir no qual a ao educativa seja uma constante.
262
263
que a troca de saberes ajuda a desenvolver a conscincia da populao e do profissional. na ao que a conscincia mais desenvolve sua capacidade de julgamento, criticidade e
discernimento da realidade.
A perspectiva dialtica de compreenso da realidade amplia
a percepo sobre a realidade social, levando a populao a um
novo pensar e agir sobre esta realidade. Pensar de maneira criativa implica ser consciente das possibilidades de transformar a
realidade, ter conscincia de que as coisas podem ser feitas de
outras maneiras, compreender que novos modelos de sociedade
podem ser criados. Fazer as coisas de maneira criativa um sentimento de pertencimento humanidade.
O sentido e o valor de qualquer realidade funo do questionamento, do dar e demandar razes para a construo do seu
porqu. Educar para paz e para a conscincia dos direitos humanos um desafio que interroga, que pe em questo a capacidade
da permanente construo coletiva do porqu dessa sociedade.
CONSIDERAES FINAIS
Como tentamos argumentar, os programas de Desenvolvimento
Urbano indicam o potencial do Trabalho Social em se constituir,
na esfera pblica, como um novo espao portador de uma dimenso fundamental de expresso social, podendo se tornar uma das
alternativas valiosas e uma proposta positiva para os avanos
dos estudos e investigao para a paz. Para tanto, torna-se necessrio desenvolver pesquisas de situaes concretas sobre a
dinmica das aes coletivas e as suas formas de organizao e
mobilizao, abrangendo as peculiaridades de cada realidade na
conformao das subjetividades e das sociabilidades da vida cotidiana e das representaes dos indivduos e sujeitos sociais.
O grande desafio est ligado produo de alternativas para
as manifestaes da pobreza e da desigulade social que persistem no cenrio urbano brasileiro.
264
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INTRODUO
**
266
naturais. No cabe dvida, o conjunto desses problemas tem instaurado uma situao conflituosa que, no Curso de Especializao em Estudos da Paz e Resoluo de Conflitos da
UFS
UFS, mereceu nossa ateno com o fim de levar a cabo a realizao da investigao.
A agricultura uma das formas de maior impacto da ao do
homem na natureza. So os modelos de interveno no sustentveis que produzem alto impacto negativo como a implantao
de lavouras, ao lado da retirada da cobertura florestal para comrcio de madeira. Nesse sentido, a recomendao do estudo referido anteriormente sbia, pois prope a implantao do desenvolvimento com base em novo paradigma que tem como princpio o modo endgeno, o estilo de construo coletiva e a restaurao dos recursos locais com alta criatividade. Assim, os princpios que regem os jardins florestais tm uma total aderncia e
sero de extraordinria importncia no contexto da superao
das dificuldades.
A agricultura moderna segue um iderio produtivo proposto e
implementado nos pases centrais aps o trmino da II Guerra
Mundial. Sua meta era o aumento da produo e da produtividade das atividades agropecurias, estabelecida na monocultura,
no uso intensivo de insumos qumicos, de variedades geneticamente melhoradas de alto rendimento e pertinentes a esses princpios, na expanso dos sistemas de irrigao e, tambm, na intensa mecanizao das aes produtivas.
Estas formas de interveno tm sido responsveis pela gerao de grandes impactos ambientais negativos, pois, ao transformar ecossistemas naturais em agroecossistemas privilegia uma,
ou apenas algumas poucas espcies no processo produtivo de
obteno de alimentos, iniciando assim, uma biosimplificao, ou
seja, a reduo da diversidade biolgica, aliada ao uso intensivo
de insumos qumicos, mecanizao e irrigao (BOLFE et al,
2004).
Com a consolidao de uma nova conscincia ambiental e
epistemolgica, esto sendo demandados processos de interveno com menos, ou sem impactos negativos, que sejam baseados
em uma viso sistmica e construdos com a participao dos atores envolvidos no processo. nessa perspectiva que se articula
267
268
de base ecolgica, como determinante do conflito gerado na prtica da agricultura familiar no Brasil.
CONTEXTO EPISTEMOLGICO
O marco epistemolgico prevalente na poca atual o representacionismo que forneceu as bases para toda a cultura patriarcal predadora dos recursos naturais e ofensiva alteridade
nos moldes em que discute Levinas (1997), por conta da crena
de que vivemos num mundo-coisa, de onde podemos aurir todos
os recursos por serem recursos naturais (MARIOTTI, 2005).
Essa concepo tem como base um fundamento filosfico de
que o mbito da humanidade algo separado da natureza, pois, a
base cientfica segmentada com seus modelos e matrizes que lhe
deram origem, nesta concepo, a objetividade privilegiada e a
subjetividade descartada como algo que poderia comprometer a
exatido cientfica, com base na concepo de Bacon (1997), universalmente popularizada pela frase: conhecer poder, ou via
Descartes para quem indubitvel: Penso, logo existo, implicando, por consequncia, a separao do pensar das outras conexes pertinentes e, por extenso, s posso ter certeza naquilo
que meo, peso ou classifico. Como resultado a qualidade foi abandonada na concepo cientfica e, como seu corolrio, a cincia
transformou-se numa cincia da matria mais morta do que viva.
Ficamos impossibilitados de detectar as conexes existentes em
todos os processos vivos, pois a vida uma rede de relaes, como
bem tem sido demonstrado pela fsica quntica e compreendida e
explicitada pela epistemologia.
Como consequncia desta viso segmentada e mecanicista,
gerou-se conhecimentos e tecnologias que causaram profundos
impactos negativos ao ambiente natural, hoje constatados no
mbito da opinio pblica mundial, explicitados pelo aquecimento global, que o resultado da excessiva liberao de gs carbnico
na atmosfera, pelos processos tecnolgicos em todas as cadeias
produtivas e de consumo de todos os setores produtivos.
No obstante, a nova maneira de compreender a gerao do
conhecimento e de suas relaes com a natureza com base na
teoria da autopoesis (MATURANA & VARELA, 2001), contrapondo
269
ao representacionismo clssico, aporta elementos para compreender o processo de contradio existente entre os princpios
empregados na prtica da agricultura familiar.
A proposta central do representacionismo a de que o conhecimento um fenmeno baseado em representaes mentais que fazemos do mundo. A mente seria ento um espelho da natureza
(BACON, 1997). O mundo conteria informaes e nossa tarefa seria extra-las dele por meio da cognio. Essa concepo terica produziu consequncias prticas e ticas. Veio, por exemplo, reforar a
crena de que o mundo um objeto a ser explorado pelo homem em
busca de benefcios. Essa convico constitui a base da mentalidade extrativista e com muita frequncia predatria dominante
entre ns. A ideia de extrair recursos de um mundo-coisa, descartando em massa os subprodutos do processo, estendeu-se s pessoas, que assim passaram a ser utilizadas e, quando se revelaram
inteis, foram tambm descartadas (MARIOTTI, 2001).
Ao nos convencer de que cada um de ns separado do mundo
(e, em consequncia, das outras pessoas), a viso representacionista em muitos casos terminou desencadeando graves distores
de comportamento, tanto em relao ao ambiente quanto no que
diz respeito alteridade. No obstante, deve-se ter em conta que o
representacionismo um dos fundamentos da cultura patriarcal
moderna, sob a qual vive hoje boa parte do mundo, inclusive as
Amricas. A fragmentao traduz a separao sujeito-objeto, principal caracterstica da concepo representacionista. Hoje, mais
do que nunca, o representacionismo pretende que continuemos
convencidos de que somos separados do mundo e que ele existe
independentemente de nossa experincia (MARIOTTI, 201).
No mbito das relaes interpessoais, a cultura patriarcal
discrimina minorias e gnero, provocando tenses pelo desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, a
Cultura da Paz
Paz, nos termos colocados por Rabbani (2003), traz
elementos de extrema importncia na formulao de diretrizes
impregnadas de uma cultura de profundo respeito pessoa humana, quando afirma:
A compreenso do conflito humano, no contexto da luta
por reconhecimento, permite a contnua superao do con-
270
No caso dessa dificuldade da aceitao do novo, argumentamos que, se mudarmos a terminologia ou a linguagem, teremos
mais chances de atrair ateno para os novos princpios que
estamos trazendo (MATURANA, 2001). No caso dos sistemas
agroflorestais sucessionais poderemos denomin-los de jardins
florestais, nos termos propostos por Henrique de Abreu Cerqueira
Souza, agricultor, agrnomo e consultor do Instituto de
Permacultura da Bahia e um dos discpulos diletos de Ernst Gtsh,
sistematizador da lgica dos sistemas agroflorestais sucessionais.
Deste modo, evitar-se-o as foras restritivas, manifestas na
introduo de novos conhecimentos, tecnologias, produtos e servios no mbito de um mesmo paradigma j ultrapassado. Seria,
ainda, o caso de se admitir uma nova abordagem a ser recomendada para situaes diferenciadas, no concorrente com os modelos agrcolas vigentes.
Neste contexto de mudanas paradigmticas adequada a
abordagem de que as concepes de natureza, outrora correntes,
no eram nem menos cientficas nem menos o produto da
idiossincrasia (maneira prpria do ser) do que as que esto em
voga. Se essas crenas obsoletas devem ser chamadas de mitos,
271
ento os mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de mtodos e mantidos pelas mesmas razes que hoje conduzem ao conhecimento cientfico. Mas, se elas devem ser chamadas de cincia, ento a cincia inclui conjuntos de crenas totalmente incompatveis com as que hoje mantemos. Teorias obsoletas no
so, em princpio, acientficas simplesmente porque foram descartadas, contudo esta concluso torna difcil conceber o desenvolvimento cientifico como um processo de acrscimo. A mesma
pesquisa histrica, que mostra as dificuldades para isolar invenes e descobertas individuais, d margem a profundas dvidas
a respeito do processo cumulativo que se empregou para pensar
como teriam se formado estas contribuies individuais cincia. O resultado de todas estas dvidas e dificuldades foi uma
revoluo historiogrfica no estudo da cincia. Os historiadores
da cincia, gradualmente e muitas vezes sem se aperceberem completamente do que estavam fazendo, comearam a se colocar novas espcies de questes e a traar linhas diferentes, frequentemente no-cumulativas, de desenvolvimento para a cincia. Em
vez de procurar as contribuies permanentes de uma cincia
mais antiga para a nossa perspectiva privilegiada, eles procuraram apresentar a integridade histrica daquela cincia, a partir
de sua prpria poca (KHUN, 2006).
Para Khun os primeiros estgios da maioria das cincias tm
se caracterizado pela contnua competio entre diversas concepes de natureza distinta. Cada uma delas parcialmente derivada e todas apenas aproximadamente compatveis com os ditames da observao e do mtodo cientfico. O que diferenciou essas vrias escolas no foi um ou outro insucesso do mtodo
todas elas eram cientficas mas aquilo que chamaremos a
incomensurabilidade de suas maneiras de ver o mundo e nele
praticar a cincia.
Quando os membros da profisso no podem mais esquivarse das anomalias que subvertem a tradio existente da prtica
cientfica - ento comeam as investigaes extraordinrias que
finalmente conduzem a profisso a um novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a prtica da cincia. Os episdios
extraordinrios nos quais ocorre essa alterao de compromissos
profissionais so denominados neste ensaio de Revolues Cien-
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Com efeito, esses enunciados aportam elementos de entendimento para um novo olhar em relao ao discurso de posicionamento, relativo prtica de uma agricultura familiar que seja
emancipadora, libertadora e integradora da pessoa na produo
ecolgica e humanamente correta na gerao de alimento, fibra
ou energia.
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Por outro lado, os Sistemas Agroflorestais Sucessionais constituem uma prtica ecolgica que valoriza a interface agricultura/floresta e reconhece o princpio de que se deve enriquecer o
local ao invs de explor-lo, otimizando o uso dos recursos gerados durante a sucesso natural. Portanto, so esses sistemas uma
forma de produo que se inspira na estrutura e na dinmica da
floresta, considerando as variaes de diversidade e densidade
de espcies que caracterizam todo o processo sucessional, bem
como a sincronia de crescimento entre as espcies dos consrcios, a manuteno da cobertura do solo e a garantia da circulao
de nutrientes.
No obstante, cabe considerar que inexistem receitas para a
estruturao desses sistemas, diferentemente dos pacotes tecnolgicos fruto da revoluo verde. O que h, de fato, so princpios, prticas e procedimentos que devero ser desenvolvidos e apropriados coletivamente e especficos de cada local, guardadas as
singularidades de cada regio (BOLFE et al, 2004).
Dentre as vrias experincias que vm sendo realizadas no
Brasil e no mundo, destaca-se a do agrnomo suo, radicado no
Brasil h mais de 20 anos, chamado Ernst Gtsh, que aplica uma
teoria singular para o desenvolvimento de sistemas agroflorestais,
embasada nas suas experincias como agrnomo, agricultor e
consultor (TRINDADE NETO, 2002).
Uma definio adequada de Sistemas Agroflorestais
Sucessionais nos mostra que estes podem ser entendidos como
arranjos sequenciais de espcies ou de consrcios de espcies herbceas, arbustivas e arbreas, atravs dos quais se busca, ao longo do tempo, reproduzir uma dinmica sucessional natural, visando atender demandas humanas de modo sustentvel (VIVAN, 2000).
CONSIDERAES FINAIS
Para que o discurso dos atores sociais evidenciem que existem princpios ecologicamente corretos para a prtica de uma
agricultura familiar sustentvel e, que sua implementao poder ser efetivada na medida em que os tcnicos interagirem com os
agricultores como parceiros em igualdade de condies e com saberes equivalentes nos termos da teoria de Paulo Freire.
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A soluo para viabilizar a adoo de princpios de base ecolgica na prtica da agricultura familiar no Brasil, queremos crer,
passa pela compreenso da influncia da forma de pensar do representacionismo. Nesta dimenso, conclui-se que, no discurso
da agricultura familiar, a teoria que se contrape ao representacionismo deve ser o novo marco epistemolgico: o mundo ser construdo no espao gerado pelo acoplamento estrutural entre as
pessoas que se respeitam e se comunicam como iguais.
No cabem dvidas que uma grande dificuldade colocada no
aperfeioamento de um discurso pertinente a concepo de nossas atividades em espcies de crculos, como se fossem separados e
desconectados uns dos outros. No caso do rural: temos um crculo
para a agricultura, outro para reas de preservao e, um terceiro,
para os jardins. Isto no funciona harmoniosamente. Como tem expressado De Masi(2005), a criatividade humana s acontece, ou
acontece com mais intensidade, naqueles espaos comuns dos trs
crculos: neste caso, teremos uma agricultura que, ao mesmo tempo, aporta elementos de proteo e, tambm, pode funcionar como
jardins. Podemos ter reas de preservao com produo agrcola,
simultaneamente e adicionalmente servindo de jardins.
Assim, segundo juzo nosso, entendemos que o discurso tambm dever incorporar os princpios da cultura da paz, nos termos colocados por Martinez (2001); Rabbani (2003), na constatao
essencial de que o conflito inerente natureza humana, mas a
violncia no. Ento, a forma de se resolver o conflito faz toda a
diferena. Devemos olh-lo como uma oportunidade de crescimento
para as partes envolvidas.
Dessa forma, reconhecendo todas as pessoas como atores vlidos na busca do estabelecimento da condio dialgica fundamental, e mais reconhecendo, ainda, que todas as pessoas tm o direito
de nos pedir contas de nossas aes, e isso faz com que se criem as
condies de construo do dilogo de reconhecimento indispensvel autorrealizao humana, via mudana do status quo e do
surgimento da inovao saudvel nos processos humanos.
O maniquesmo no deve ter lugar neste contexto, pois no
existem culpados nem inocentes, somos todos seres humanos vivendo numa Unidade, muito embora na maioria das vezes no
nos demos conta dela.
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281
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INTRODUO
**
284
rico patrimnio paleontolgico, com exemplares de fsseis importantes e estratgicos no entendimento da histria geolgica, da
origem e evoluo do Oceano Atlntico, conhecidos desde o sculo
XIX, no existe reconhecimento ou uma poltica pblica de gesto
desses conhecimentos, nem a preservao desse valioso acervo.
Neste sentido, podemos entender a no valorizao da cultura paleontolgica em Sergipe como uma forma de violncia cultural, pois esses conhecimentos e informaes no foram incorporados aos currculos escolares, portanto, no so veiculados no
processo de sua transformao cultural.
Considerando a conjuntura de necessidade de aes que visem a preservar informaes importantes relacionadas ao enriquecimento e resgate cultural, este trabalho teve como objetivo
principal contribuir para uma poltica de sistematizao dos conhecimentos paleontolgicos em espaos culturais e a preservao das reas de ocorrncia dos fsseis de Sergipe.
285
286
mem foi influenciada por fatores ambientais, genticos, pelos valores culturais e fundamentalmente pela sua criatividade (DE
MASI, 2005).
Com efeito, muito provavelmente, a distino fundamental
entre o homem e os outros animais seja sua forma de ver o mundo. A educao e a conscientizao so processos exclusivamente
humanos (FREIRE, 2002); somente homens e mulheres so capazes de realizar a complexa operao de transformar o mundo atravs de suas aes, e ao mesmo tempo, perceber a realidade e
express-la por meio da linguagem.
importante considerar ainda, que os seres humanos precisam deixar no mundo as marcas do seu trabalho. Dito de outra
forma, necessitam transformar o mundo ao mesmo tempo em que
se transformam tambm (FREIRE, 1979 e 2002).
Portanto, podemos afirmar que os seres humanos tm uma
relao histrica com o mundo e na medida em que fazem sua
histria, eles tambm contam suas histrias, como seres autobiogrficos, elaborando a construo de sua cultura coletivamente,
conforme postula Fedele (apud DE MASI, 2005).
287
288
Por outro lado, podemos imaginar que seria ideal que todas
as escolas do mundo fossem como a famosa Escola da Ponte,
chamada por Rubem Alves de Escola dos Sonhos, uma escola
que existe h mais de 25 anos em Portugal, onde os alunos no
recebem as informaes prontas, segundo moldes de uma linha
de montagem. Contrariamente sabido que toda escola tem um
programa a seguir; e este exatamente o maior problema. Como
primeiro efeito devastador ignorada a experincia do aluno ou
aluna. Dessa forma, os programas so abstratos, prontos, fixos e
com ordem j definida. No obstante, deve-se ter claro que o conhecimento uma rvore que cresce da vida. Na Escola da Ponte, por exemplo, o conhecimento cresce a partir das experincias
vividas pelas crianas (ALVES, 2001).
Para que isto ocorra necessrio um grande investimento no
domnio das relaes afetivo-emocionais. necessrio, enfim, que
se tome conscincia de que no passa de um grande equvoco a
ideia de que se poder construir uma sociedade de indivduos
personalizados, participantes e democrticos, enquanto a escolaridade for concebida como um mero adestramento cognitivo com o
contedo j previamente definido.
Concluindo, julgamos que a educao para uma cultura de
paz deva ser transmitida respeitando os conhecimentos das crianas e professores, e que o trabalho educativo no seja centrado
apenas em transmitir um conhecimento ou vrios conhecimentos, atravs de manuais predefinidos. Mais ainda, que tambm
sejam reconhecidas as diferentes culturas, experincias e contextos que chegam atravs das crianas, tendo em conta suas
diferentes procedncias.
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A costa leste da Amrica do Sul foi originada durante a separao de uma placa continental chamada Gondwana3, que sofreu
uma grande fratura que teve seu incio h 200 milhes de anos
mais ou menos, no incio da Era Mesozica, originando a Amrica
do Sul, frica, Madagascar, ndia, Austrlia, Antrtica e algumas
ilhas como Nova Zelndia e Nova Calednia. A fratura desta placa foi um processo longo e se pode dizer que continua at os dias
atuais.
Este processo deu possibilidade da entrada de guas marinhas na costa leste da Amrica do Sul e consequentemente na
costa oeste africana, formando o Oceano Atlntico. A livre circulao das guas do Oceano Atlntico, entretanto, s se deu h
mais ou menos 110 milhes de anos. Por sua vez, a entrada do
Oceano Atlntico nesta grande fratura permitiu que fossem preservados muitos organismos ao longo da costa brasileira. Neste
caso o Estado de Sergipe foi o mais privilegiado.
Foram preservados em Sergipe vrios pacotes de rochas
calcrias ricas em fsseis marinhos, principalmente as conchas
dos animais marinhos como os moluscos, carapaas de ourios
do mar, restos de vrtebras e dentes de peixes, vrtebras de rpteis e fragmentos de madeira. importante lembrar que todo fssil o registro de um organismo que existiu em determinado intervalo de tempo da histria da Terra. Ele representa um estgio
da evoluo dos seres vivos. Considerando que a evoluo ocorreu numa ordem bem definida, de maneira irreversvel, os fsseis
constituem uma importante ferramenta para separar as rochas
mais antigas daquelas relativamente mais jovens (ROHN, 2004).
Neste contexto digna de nota a observao segundo a qual
os fsseis que esto depositados em Sergipe so muito importantes para o entendimento da histria da origem do Oceano Atlntico. Na verdade eles so as relquias mais valiosas que, associados com as rochas e baseados na teoria da Tectnica de Placas,
Segundo a Teoria da deriva Continental o Supercontinente Pangea dividiuse entre 250-200 milhes de anos, tendo posteriormente se fragmentado
at constituir os continentes atuais (USGSws, W. Jacquelyne Kious and
Robert I. Tilling).
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A primeira referncia s rochas fossilferas de Sergipe constava no livro de James Henderson (1821) A History of the Brazil, no
captulo Province of Sergipe Del Rey. Mas a primeira descrio geolgica de Sergipe s foi feita em 1870, pelo canadense Charles
Frederick Hartt, em uma publicao por ns considerada clssica:
Geology and Physical Geography of Brazil. Alguns fsseis da cidade
de Maruim foram descritos por Hyatt (1870). Branner, (1890) descreveu os fsseis encontrados na localidade de Bom Jesus, no municpio de Laranjeiras. Por sua vez, a primeira monografia sobre os
fsseis do Cretceo de Sergipe foi escrita por Charles A. White, 1887,
que descreveu a coleo feita pela Comisso Geolgica do Imprio.
Como consequncia desses primeiros estudos, os fsseis
coletados em Sergipe, pela Comisso do Imprio do Brasil, foram
tambm depositados no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e mais
tarde serviram de base para a monografia de Carlota Joaquina
Maury, que publicou, em 1936, O Cretceo de Sergipe. Charles A.
White e Carlota Joaquina Maury nunca estiveram no Brasil, eles
receberam os fsseis em suas instituies nos Estados Unidos da
Amrica e os descreveram. Carlota Joaquina Maury era bisneta de
uma brasileira casada com um ingls que veio ao Brasil para trabalhar em Minas Gerais, portanto neta de um brasileiro nascido em
Ouro Preto. Com a criao, em 1938, do Conselho Nacional do Petrleo, inicia-se um processo de consolidao das pesquisas realizadas
por pesquisadores nacionais. Em 1939, foi descoberto leo no
Recncavo, na Bahia, e em 1940 a prospeco do petrleo foi estendida para Sergipe, o que provocou um aumento nas pesquisas locais.
Por sua parte, a Universidade Federal de Sergipe somente
iniciou uma coleta sistemtica de fsseis marinhos do Cretceo,
a partir de 1978, e possui hoje um acervo com mais de 5.000 peas catalogadas de conchas de Moluscos das Classes: Bivalves,
Gastrpodes e Cefalpodes; carapaas de Equinodermas; tubos
de vermes, dentes, vrtebras e restos de peixes; fragmentos de
madeira e uma grande quantidade de moldes de conchas.
Vale ressaltar que Sergipe apresenta, ainda, uma rica fauna
de mamferos gigantes que viveram no final do Perodo
Quaternrio, de idade Pleistocnica. J foram encontrados restos
de ossos de preguia gigante, uma preguia no gigante, hipoptamo, mastodonte, um cavalo pr-histrico, restos de uma lhama
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296
CONSIDERAES FINAIS
Com as atuais necessidades didticas, principalmente as de
carter ambiental, em todos os nveis escolares, evidenciam-se
necessidades de novas estratgias educacionais que permitam
aos estudantes o desenvolvimento de conhecimentos tericos e
prticos integrados e atualizados. Os fsseis permitem ao estudante o contato com objeto real e que, ao mesmo tempo, oferece
um imenso campo de abstraes que favorecem o desenvolvimen-
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Finalmente, julgamos que, com a implementao de uma poltica pblica que siga essas diretrizes, ser possvel gerar resultados e desdobramentos que contribuiro para dotar os cidados
de competncias, atitudes e valores necessrios a uma cidadania
de paz plena e responsvel.
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299
VIOLNCIA VVERBAL
ERBAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
INTRODUO
conceito de violncia usado nos mais diferentes contextos, consequentemente, com os mais diferentes significados, inclusive em funo das diferentes linhas ideolgicas e
tericas de pensamentos. A duplicidade de aspectos, intensidade
e lesividade encontram-se explcita na conceituao oferecida por
Amoretti 1992: violncia pode ser definida como o ato de violentar, determinar, como fsico, moral ou psicolgico atravs de fora
ou da coeso, expresso ou tirania contra a vontade e a liberdade
do outro (p.44). Conforme lembra o autor, o fato encerra em si um
sujeito ou sujeitos violentadores, uma pessoa ou pessoas que sofrem a ao violenta e um ato ou ao violentadora.
Pode-se ainda analisar no fenmeno violento a intensidade, as
caractersticas da ao violenta, bem como suas causas e efeitos.
Michaud (1989) prope o seguinte conceito: H violncia quando
numa situao de interao, um ou vrios atores agem de maneira
**
302
LEA FLAVIA
direta, macia ou esparsa, causando danos a uma ou vrias pessoas em graus variveis, seja em sua intensidade fsica, moral, em
suas posses, ou em suas participaes simblicas, culturais. Com
efeito, a ao ser mais violenta ou menos violenta, em funo da
intensidade da sua fora, bem como da natureza dos danos por ele
causados. Os danos por sua vez, so das mais diferentes ordens e
referem-se a todos os domnios, tais como o material, fsico (corporal), psquico, moral, cultural, religioso, dentre outros.
Segundo Maldonado (1997): A violncia o uso de palavras
ou aes que machucam as pessoas. violncia tambm o uso
abusivo ou injusto do poder, assim como o uso da fora que resulta em ferimentos, sofrimentos, tortura e morte (p. 9).
A violncia fsica , por sua vez, o uso da fora ou atos de
omisso praticados pelos pais ou responsveis, com o objetivo
claro ou no de ferir, deixando ou no marcas evidentes. So
comuns murros e tapas, agresses com diversos objetos e queimaduras causados por objetos ou lquidos quentes, enquanto
que a violncia psicolgica seguida de rejeio, descriminao,
de respeito e punies exageradas. A violncia Verbal seguida
de palavras que ferem o moral, a dignidade humana; j a violncia cultural a busca de bases cientficas para legitimar prticas preconceituosas.
possvel distinguir alguns dos tipos de violncia: a estrutural e sistmica, fsica, psicolgica, negligncia, verbal, cultural. A
violncia estrutural caracteriza-se pelo destaque na atuao das
classes, grupos ou naes econmicas ou politicamente dominantes, que se utilizam de leis e instituies para manter sua situao privilegiada como se isso fosse um direito natural; refere-se
s condies adversas e injustas da sociedade para com a parcela mais desfavorecida de sua populao. Ela se expressa pelo quadro de misria, m distribuio de renda (salrio mnimo que no
cobre as necessidades bsicas), explorao dos trabalhadores,
crianas nas ruas (mendigando, roubando, trabalhando indevidamente, prostituindo-se), falta de condies mnimas para a vida
digna (moradia, alimento, saneamento bsico, etc), falta de assistncia em sade e educao.
Um aspecto importante da contribuio de Arendt (2000) para
a reflexo sobre a violncia a sua delimitao conceitual num
303
campo geralmente sujeito a muitas implicaes e confuses. Desse modo, ela constata: Penso ser um triste reflexo do atual estado
da cincia poltica que nossa terminologia sobre violncia no distinga entre palavras-chave tais como poder, vigor, fora, autoridade, e por fim, violncia, as quais se referem a fenmenos distintos e diferentes (p.36).
Segundo Maldonado:
A agressividade necessria para lutar pelos prprios direitos, indignar-se com as injustias e ter persistncia para
batalhar por metas de vida. No entanto, o impulso agressivo, quando no canalisado facilmente se transforma em dio
e violncia e torna-se, portanto destrutivo (1997, p. 5).
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O labor, tal como menciona Arendt (2000), pode ser identificado como toda a atividade exercida pelo indivduo com a finalidade de suprir necessidades corporais prprias, garantindo desta forma a sua prpria manuteno, ou seja:
O labor a atividade que corresponde ao processo biolgico
do corpo humano, cujo crescimento espontneo, metabolismo e eventual declnio tm a ver com as necessidades
vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da
vida. A condio humana do labor a prpria vida. (p.15).
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modelaria a realidade pela sua imaginao produtora, transformando a realidade em obra de arte.
Trabalhar no significa apenas buscar condies materiais
de vida, mas independncia e realizao pessoal. O homem
um ser que se produz a si mesmo no seio do trabalho social
(Sve, 1979).
A motivao sempre foi e continuar sendo um sintoma do
estado psquico que se move em busca de algo e isto inerente ao
ser humano. Embora as pessoas se submetam ao trabalho para
ganhar o seu sustento, a verdadeira capacidade humana no se
manifesta a no ser que, alm do ganho financeiro, surjam outros fatores que ativem a motivao. Segundo Daliri (2006),
O trabalho deve proporcionar desenvolvimento do intelecto, para que as pessoas possam cognitivamente progredir.
Esta idia conduz abordagem das necessidades humanas
no ambiente de trabalho para um novo exame. Isto , o
emprego ou trabalho, alm de rendimento financeiro, deve
satisfazer as exigncias cognitivas e os anseios espirituais
dos indivduos, por meio de realizaes profissionais.
Para poderem aceitar a autoridade de um superior os subordinados devem ser capazes de entender a mensagem comunicada,
que deve estar de acordo com os princpios ticos e morais tanto
da organizao quanto dos subordinados, e estes devem ter habilidades para realizar as orientaes impostas pelo superior.
Em nosso ambiente de trabalho, o dilogo fundamental para
solues pacficas de conflitos, acompanhado da expresso corporal. Sua ausncia, no entanto, causadora de grandes conflitos. preciso ter um olhar sensvel em nosso ambiente de trabalho, o aprimoramento de nossas virtudes que esto ocultas, devem ser colocadas em prtica e para isso preciso uma educao
espiritual seguindo de uma boa estrutura familiar.
O dilogo tem grande poder de transformao, atravs deste
que est sendo propagado e reconhecido a importncia da educao para a paz que contribui para a construo de valores ticos
e morais, reconstruo normativas das regras e da linguagem para
a construo de paz.
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A observao da conduta moral da humanidade, ou civilidade, ao longo do tempo revela um processo de progressiva
interiorizao, existe uma clara evoluo, que vai da aprovao
ou reprovao de aes externas e suas consequncias aprovao ou reprovao das intenes que servem de base para essas
aes, portanto, os fundamentos da moralidade no se deduzem
de um princpio metafsico, mas daquilo que mais peculiar ao
homem, o desrespeito e a violncia vo contra todos os princpios
ticos, seja esta moral, verbal ou fsica, e, parafraseando Isaac
Asimov em sua obra de fico cientfica Fundao: a violncia o
ltimo recurso do incompetente.
A educao a chave para qualquer transformao do ser
humano, que tem uma cultura responsvel pelo que somos, fazemos e dizemos.
Uma educao para a paz no se limita ao conhecimento de
determinados contedos, mas, sobretudo, ao desenvolvimento de
habilidades, de cooperao ativa e crtica, poder de argumentao, de escuta, de doar-se aos outros, amor justia. Educar para
a no violncia promover condies para que sejam desenvolvidas capacidades para romper estruturas e formas de organizao
que conduzem passividade, ao individualismo e submisso.
As pessoas precisam ter uma educao espiritual e assim
consequentemente esses indivduos jamais iro magoar, ferir a
dignidade, o sentimento do outro. Assim como o corpo (matria),
precisa de alimento para se sustentar, o esprito precisa se purificar, precisa tambm de alimento, atravs de boas aes e belas
palavras. Pessoas que tm uma certa pureza de esprito, tem o
poder da compreenso, de um dilogo coerente e feliz, com o poder
de transformar conflitos atravs de meios pacficos, e colaboradores assim no ambiente de trabalho faz uma grande diferena, porque conseguem estabilizar a harmonia.
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sa reunio foi a Declarao de Sevilha. De acordo com essa declarao, no somos violentos por natureza, e a cultura que nos
confere a capacidade de modelar e transformar nossa natureza
de uma gerao a outra. Assim sendo, a guerra e a violncia no
representam uma fatalidade biolgica (DECLARAO DE SEVILHA, 2007).
Segundo Montangu (1999), as medidas que buscam solues
dependem da posio que adotamos frente questo da violncia,
seja a mesma de origem gentica ou cultural. As diferenas vo
aparecer em atitudes e prticas que ocorrem no dia-a-dia das pessoas, na forma como so tratadas na escola, na vida familiar, nos
tribunais, nas prises, nos servios sociais de todos os tipos, nos
esforos para equilibrar populaes e recursos.
Galtung2 (1999) define trs tipos de violncia e prope suas
respectivas alternativas: a violncia direta, violncia estrutural e
cultural.
A violncia direta seria a que se d nas guerras. A alternativa
violncia direta seria a paz negativa, entendida como mera ausncia de guerra.
A violncia estrutural, mesmo que no atinja diretamente a
vida humana, o faz em longo prazo. A violncia estrutural seria a
marginalizao, a fome, a desnutrio, etc. A alternativa seria a
paz positiva. No entendida como mera ausncia de guerra, seno tambm, como justia e desenvolvimento. Galtung entende o
desenvolvimento como a satisfao das necessidades bsicas, que
seriam: segurana, bem estar, identidade e liberdade.
A violncia cultural, que a mais sutil e difcil de observar,
consegue tornar frgil o sentimento de responsabilidade moral
dos sujeitos. Entretanto importante desvelar sua natureza j
que serve de legitimao da violncia direta e da violncia estrutural. Como alternativa se prope a construo de uma cultura
de paz.
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O empoderamento da mulher passa, portanto, por uma transformao no conceito que ela tem dela mesma, em sua auto-estima.
A auto-estima o valor que damos a ns, o respeito por nosso ser, o
sentimento de que podemos ser amados, e de que somos dignos do
amor do outro e de ns por ns mesmos. Autoestima define quem
somos perante ns mesmos e como participaremos do mundo que
nos rodeia. Se uma mulher tem baixa auto-estima, espera pouco de
si e dos outros. Ela pensa que primeiro deve servir ao outro, e se
coloca por ltimo na busca de satisfao de suas necessidades. Ela
pode escolher um parceiro que no a respeita, por pressupor que
no precisa ser respeitada. Ela no tem conscincia disto, o que o
pior dos fatores que a oprimem. A pior opresso a que vem de
dentro do ser humano. aquela que a prpria pessoa se impe,
aps ter sido oprimida pelo outro durante seu processo educacional.
a opresso que a pessoa coloca para dentro e depois atua policiando a si mesma, desconhecendo que interiorizou a represso.
Empoderamento significa a mulher apropriar-se de seu direito de existir na sociedade.
Para empoderar-se a mulher precisa reconhecer-se neste direito. Sua autoestima a base de tudo. Luta por seus direitos
quem os reconhece, mas acima de tudo quem se reconhece como
digno deles.
No plano familiar, o empoderamento passa pela justa diviso
de responsabilidades (financeira e domstica) com o cnjuge; pela
educao igualitria de meninos e meninas, permitindo que ambos
sejam responsveis pelas tarefas domsticas e pela preocupao
com a famlia, tanto quanto com a subsistncia e a profissionalizao.
No plano conjugal/relacional, o empoderamento da mulher
passa pela responsabilizao conjunta pela anticoncepo (tanto
o homem quanto a mulher precisam assumir esta responsabilidade, e no s a mulher), pelo respeito integridade e dignidade
da mulher enquanto ser humano, impedindo assim a violncia.
No plano individual, o empoderamento passa pela reformulao profunda da identidade da mulher, que precisa rever a si prpria como merecedora de reconhecimento e valorizao. Essa a
proposta revolucionria da cultura de paz, tal como foi apresentada pela UNESCO, como um convite a todos para criar tecnologias
de convivncia, criar pontes que nos aproximem e, fundamental-
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INTRODUO
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QUEM O BRASILEIRO?
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A Casa e a Rua2. Em ambos o antroplogo interpreta as relaes
sociais no Brasil: um pas hierrquico, no qual a posio e a origem social so fundamentais para se definir o que se pode e o que
no se pode fazer; para saber se o indivduo precisa ou no cum-
www.unesco.org.br/areas/dsocial/areastematicas/culturadepaz/ Acesso
em 09 de abril de 2007.
http://pt.wikpedia.org;wiki/Roberto_DaMatta Acesso em: 10 de outubro
de 2007
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Tabela 1
1: O perfil de escolaridade da populao
Analfabeto
At a 4 srie
Da 5 a 8 srie
Ensino Mdio
Ensino Superior ou mais
Total
Frequncia
Percentual
208
599
536
735
286
2.363
9
25
23
31
12
100
330
331
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Grfico 1
1: Utilizao do jeitinho:
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pessoas. A estrutura da sociedade colonial era rural, era um grupo fechado que dominava, onde os senhores mandavam e as leis
no entravam, as relaes baseavam-se na troca de favores e camaradagem. Isso dificultou a transio para o trabalho industrial
no Brasil, pois persistiam os valores da grande famlia patriarcal e rural. Tal comportamento pode ser observado nos dias atuais entre os indivduos que possuem posies pblicas e no conseguem separ-las de sua vida privada. a partir dessa dificuldade desvincular dos laos familiares de um ser que se tornou
cidado que surge a denominao Homem Cordial. O Homem
Cordial (do latim cordis: corao) uma pessoa gentil, generosa,
que para confiar precisa primeiro conhecer. movido pela emoo e no pela razo, detesta formalidade, esquecendo da tica e
civilidade.
O rigor totalmente afrouxado, onde no h distino entre o
pblico e o privado: todos so amigos em todos os lugares. O Brasil
uma sociedade onde o Estado apropriado pela famlia, os homens
pblicos so formados no crculo domstico, onde laos sentimentais e familiares so transportados para o ambiente do Estado, o
homem que tem o corao como intermdio de suas relaes, ao
mesmo tempo em que tem muito medo de ficar sozinho (SANTOS,
2000).
Srgio Buarque de Holanda (MARTINS, 2007) comenta tambm que os primeiros homens que vinham cidade eram os que
tinham importncia no campo, no desenvolviam nenhum trabalho braal, logo os colonos/cidados continuaram achando que o
trabalho fsico no dignificava o homem e sim o intelectual (o bacharelado representava prestgio) criando assim uma averso ao
trabalho braal. Ainda hoje, a sociedade brasileira vive apegada a
essa ideia; busca-se dinheiro e prestgio sem esforo, no h uma
verdadeira preocupao com a intelectualidade. comum encontrar indivduos ocupando altos cargos, com excelentes currculos,
mas que de fato no possuem competncia para desempenhar tais
funes. Mais uma vez entra em cena o jeitinho brasileiro.
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O Jeitinho um vilo?
O que dizer do famoso jeitinho brasileiro? O prprio resultado
da pesquisa mostra o quanto difcil chegar a um consenso, j
que metade da populao reconhece e aceita esse mtodo e a outra metade o condena.
Pessoas como o professor Rega (2000), em sua obra - Dando
um jeito no jeitinho: como ser tico sem deixar de ser brasileiro encontra um lado positivo no jeitinho de cada dia, demonstrando
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isso atravs de trs caractersticas: inventabilidade/criatividade, funo solidria e o lado conciliador do jeitinho.
No se pode negar que o brasileiro possui enorme disposio,
habilidade e imensa criatividade para superar crises e dificuldades. Tudo isso em decorrncia da instabilidade poltica e econmica do pas, que proporcionou uma maior flexibilidade para lidar com diversas situaes e a vontade de buscar novas oportunidades. No toa que os brasileiros so considerados um dos
povos mais empreendedores do mundo.
O homem popular brasileiro tem de se virar. Pode ser operrio em dado momentos, ser arteso no seguinte, mais adiante trabalhar por conta prpria ou ser microempresriode-se-prprio. Pode trabalhar no lcito ou no ilcito. Para
sobreviver, se vira e nessa virao ele cria sem parar, a
partir de qualquer possibilidade. Sobreviveu aos bandeirantes paulistas, aos senhores escravistas, Primeira Repblica, aos economistas e tambm sobreviver a fernandcada
(LESSA apud BARBOSA e ANDRADE, 2007).
DaMatta7 v o jeitinho como a marca de uma cultura de superao e criatividade, acredita que um dia ser possvel conciliar
as leis formais com as informais. Barbosa (1992) mais generosa,
pois afirma que o jeitinho no necessariamente pior do que a
lei, diz que a soluo alternativa substituiria com vantagens a
norma legal. Almeida (2007) diz que o jeitinho funciona como estratgia de navegao social.
Diante de um estado muito burocratizado, que com frequncia opera segundo leis contraditrias e rgidas, num modelo
Kafkiano, o jeitinho permite que se tenha acesso a direitos que de
outra forma jamais se alcanariam. um recurso ao alcance dos
que tm as habilidades e o conhecimento necessrio para dar
um jeitinho (ALMEIDA, 2007).
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www.bbc.co.wk/portuguese/noticias030522-lucasmendes.shtml Acesso em
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www.unesco.org.br/areas/dsocial/areastematicas/culturadepaz/ Acesso
em 09 de abril de 2007
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foi dito aqui, o grande obstculo para a modificao da humanidade a ausncia de escolaridade e a falta de informao.
Pensando nisso essa organizao criou o que hoje conhecido como Programa Cultura de Paz11 que constitui um conjunto de
valores, atitudes, tradies, modos de comportamento e estilos de
vida e vem sendo trabalhado no marco da transdisciplinaridade,
dos direitos humanos e da educao (Fonte UNESCO).
Essa tomada de conscincia acontece atravs de um trabalho direto e construtivo sobre os grupos e as sociedades, deste
modo a paz vista como um estado de harmonia e fraternidade
entre os homens e as naes. Seus principais valores so:
o respeito a todos os direitos individuais e humanos; a promoo e vivncia do respeito vida e dignidade de cada
pessoa sem discriminao ou preconceito; a rejeio a qualquer forma de violncia; o respeito liberdade de expresso
e diversidade cultural por meio do dilogo e da compreenso e do exerccio do pluralismo; a prtica do consumo
responsvel respeitando-se todas as formas de vida do planeta; a tolerncia e a solidariedade; e o empenho na preveno de conflitos.
11
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Espiritual, visando transformao e evoluo da relao da conscincia com vrios nveis de realidade. Pierre Weil (1993) afirma
que o maior atrativo da metodologia a descoberta, pelo aprendiz,
de uma nova maneira de viver a vida, mais plena, intensa, amorosa e verdadeira, junto com o despertar da sabedoria interior..
Em seu livro Martnez (2007) diz que a transformao do ser
humano acontecer a partir da reconstruo da maneira em que
ele percebe o mundo. Isso comea com a mudana de conceitos,
segundo ele a paz, por exemplo, no algo absoluto, perfeito e
acabado, na verdade no se precisa saber o que no paz e sim
saber como faz-la.
Dentro dessa nova viso aprende-se a cobrar do outro atitudes performativas que consiste em reconstruir as atitudes humanas, assumindo a responsabilidade pelo que faz a si, ao outro e a
natureza, percebendo-se no como um ser passivo e sim como
agente transformador (Martnez, 2007). Os indivduos se reconhecem como seres capazes de reconstruir as prprias aes.
As competncias ou capacidades humanas podem ser interpretadas como poderes. Atravs dessa reconstruo normativa,
cobram-se, do outro, atitudes virtuosas, recupera-se a noo de
capacidade e dada a oportunidade para os seres humanos marginalizados recuperarem seu poder (competncia). Dessa forma o
indivduo se reconhece capaz de reconstruir coletivamente suas
realidades e como consequncia o mundo. Trabalhos como esse
so de extrema importncia, pois grande parte da populao brasileira no tem conscincia do seu poder, nem se percebe na condio de cobrar atitudes virtuosas dos outros. Outro dado que
refora esta situao que da populao brasileira afirmam
no considerar que o que pblico merece ser cuidado por todos.
Isso quer dizer que tais indivduos consideram os recursos originados dos impostos pertencentes ao governo e no da populao,
mais uma vez o poder passado para os governantes (ALMEIDA,
2007). Tal pensamento contraria completamente ao tipo de governo estabelecido que o republicano (o pblico de todos).
Por isso que a educao para a paz oferece um novo mtodo
educacional, considera a cincia, as grandes tradies culturais
e tambm os sentimentos envolvidos nas relaes humanas. Tais
sentimentos so trabalhados com o objetivo de potencializar as
343
CONSIDERAES FINAIS
Devido a sua colonizao o Brasil possui uma das sociedades
mais multirraciais do mundo, sendo formada por descendentes
de europeus, indgenas, africanos e asiticos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) classifica o brasileiro em
cinco grupos: branco, preto, pardo, amarelo e indgena.
Para alguns estudiosos essa caracterstica reflete-se de maneira negativa, j que a diversidade trouxe para o pas uma excessiva
tolerncia e o jeitinho brasileiro seria fruto deste caldeiro cultural.
Talvez essa seja uma viso bastante limitada; pensar dessa maneira estar fundamentado ainda nos antigos padres cartesianos onde
a rigidez dificulta todo e qualquer tipo de relao mais humana.
Como podemos observar neste trabalho, grandes instituies
internacionais como a UNESCO buscam desenvolver programas onde
a tolerncia pea chave para o seu sucesso. Ser tolerante ser
indulgente com as pessoas, aceitar o outro como de fato se apresenta. Partindo desse princpio percebemos que o jeitinho brasileiro
uma grande ferramenta para a paz. At porque ficou claro que
esta tcnica no sinnimo de corrupo e sim de flexibilidade.
Percebe-se que o jeitinho brasileiro, como as leis, apresentase de uma forma vazia que ganha contedo somente no momento
de sua aplicao, como bem explica Correa12:
Assim o direito apresenta duas facetas: a mesma lei que
age como garantidora da satisfao ilimitada das necessidades funciona como instrumento de fora cujo contedo
se mantm inacessvel ao sujeito. As duas faces esto relacionadas, pois a ausncia de contedo que permite lei
flexibilizar-se no sentido de garantir o gozo, ao mesmo tempo
12
calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/6990/4968
Acesso em: 11 de dezembro de 2007
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em que essa caracterstica permite sua adequao vontade da autoridade que detm o uso da fora.
Tendo em mente tal ideia cabe ento pensar na melhor maneira de preencher este vazio e neste caso seria a escolarizao.
Os dados da PESB mostram um grande abismo educacional. A escolaridade mdia da populao baixa e isso muito
ruim, pois nesta pesquisa foi comprovado que quanto mais baixo
for o nvel educacional maior o patrimonialismo, a lei do Talio,
a hierarquizao entre outros, ou seja, a mentalidade democrtica ainda est muito distante da grande massa da populao.
Outra grande questo que tambm envolve a educao a no
percepo dos prprios comportamentos. O homem segue comparando-se como os demais (imitando). Ocorre a perda das referencias
que caracterizam sua condio de sujeito, e a consequncia disso
a perda da capacidade crtica diante da realidade.
Por essas e outras razes que a educao representa a sada para esta roda viva em que se encontra o Brasil. O mtodo
desenvolvido por Martnez um grande exemplo, pois devolve ao
indivduo a ideia de ser ativo; de ser capaz de reconstruir coletivamente suas realidades e como consequncia o mundo.
Os brasileiros, como qualquer outro povo, apresentam caractersticas positivas e negativas, dentre as listadas anteriormente
percebemos que as positivas esto mais presentes, talvez isso
mostre que ns, de fato, somos mais virtuosos do que se imagina,
o problema, como j citamos est na baixa escolarizao. No h
como apagar a histria, e a nossa herana, mas o nvel de escolarizao traz alteraes e consequncias profundas para qualquer
sociedade.
Cabe a todo povo brasileiro no s exigir dos governantes escolas equipadas, com grande variedade de recursos a nosso alcance, mas tambm a cada um de ns buscar vias de progresso
para o crescimento humano e isso pode ser feito tanto na escola
como fora dela. A juno da formao humana com a acadmica
conduz o ser humano para o seu funcionamento total e completo.
nesse estado de plena realizao que o homem se expressa em
todo seu potencial, ou seja, em sua plenitude.
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WIKIPDIA, a enciclopdia livre. Disponvel em: http://pt.wikpedia.org;wiki/
Roberto_DaMatta Acesso em: 10 de outubro de 2007
www.unesco.org.br/areas/dsocial/areastematicas/culturadepaz/ Acesso em
09 de abril de 2007.
INTRODUO
ste trabalho resultado de uma reflexo a partir de observaes intensivas sobre o processo de transformao
do meio ambiente, pelo qual o mundo vem atravessando. Seu objetivo propor uma reflexo coletiva a respeito das responsabilidades que cabem a todos ns em relao educao e aos direitos humanos nesse processo.
A crescente complexidade das sociedades modernas representa um desafio fundamental para os supostos bsicos da tradio democrtica ocidental e exige uma redefinio de algumas de
suas questes-chaves, a exemplo da educao e dos direitos humanos. O mundo contemporneo, caracterizado por uma civilizao nica, antagnica e global, cada vez mais enfrenta uma situao de crise profunda e repleta de conflitos protagonizados.
A atual tendncia globalizadora, ambgua e enganosa, tem se
manifestado atravs de vrios processos, que por sua vez influenciam nos traos essenciais dos trs espaos significativos nas
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Os direitos humanos, portanto, devem ser devidamente reconhecidos para que as pessoas indistintamente possam usufrulos, levando-se tambm em considerao os valores ticos cujos
resultados sero a elevao da carga axiolgica, com destaque ao
valor da dignidade humana, cristalizando a ideia de que os indivduos devem ter direitos protegidos, porque sua condio a de
sujeitos de direito, sem desigualdades.
Com as desigualdades oriundas da falta de respeito ao direito
humano gua, o agravamento de enfermidades se faz presente.
Segundo Informe de Desenvolvimento Humano (PNUD de 200):
Mais alm da Escassez: Poder, Pobreza e crise Mundial da gua,
registra que a falta de gua potvel no mundo provoca a perda de
443 milhes de dias escolares, contando como um milho de
mulheres e crianas que dedicam diariamente horas para a busca do precioso lquido em locais muito distantes, provocando assim, a perda dessas horas que poderiam ser aproveitadas em outros
afazeres, inclusive com a presena escolar dessas crianas. Em face
disso, e muitas vezes retornando sem a gua, o cansao e a fadiga
do percurso causam a essas pessoas enfermidades, como a insolao e a desnutrio, chegando a causar, por vezes, o bito.
Cabe elucidar que a crise de gua no mundo, que j comeamos a enfrentar, no o resultado da escassez natural desse
recurso, mas da falta de vontade poltica, e, principalmente, da
crise de governabilidade. Quando tratamos desse termo aqui de
forma bem generalizante, ou seja, a governabilidade abrange o
Estado em todos seus nveis institucionais, a sociedade civil e
suas organizaes e as relaes entre eles. Se no houver um
srio compromisso para a implementao de polticas sociais voltadas para este setor, continuaremos a ver e ouvir a retrica poltica e promessas vazias, em lugar de aes, atitudes e decises
persistentes.
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potencialidades e inteligncias a servio do bem comum, com vistas s melhorias ambientais para o planeta. Queremos e desejamos o compromisso srio dos envolvidos.
Apesar de vivermos num mundo onde em termos de economia
global todos vivemos em um mesmo mundo, em termos de condio humana existe uma linha divisria social separatista muito
profunda. Principalmente se traarmos o perfil de uma Amrica
Latina, com seus labirintos e fronteiras onde existem as mais
acentuadas divisrias para se compreender suas necessidades
e obter seus direitos.
Alis, desde os primrdios da civilizao romana, as marcas
da relao Eu-Outro so angustiantes para a construo do conceito civitas. A linearidade se perde face ao jogo constante entre o
que era ser centro ou ser periferia, ser romano ou ser brbaro. A
mentalidade latina foi se construindo nesse entre-ser, nessa formao labirntica, que diz respeito possibilidade de existncia
do nosso prprio mundo sob formas numerosas e mutuamente
contraditrias. No entanto, mesmo para falar de um universo sem
limites necessrio fixar um universo de discurso, e, portanto,
construir fronteiras, mesmo que estas sejam tramadas na mistura do efmero e do perene nas relaes interculturais.
Mesmo com as formas separatistas e distintas culturas,
certo que a evoluo social e cultural se desenvolve extraordinariamente rpido em comparao evoluo biolgica. Segundo
Toffler (1996), h uma diferena de 10.000.000 (dez milhes) anos
versus 3.500.000 (trs milhes e quinhentos mil) anos. Algumas
sociedades se transformam tecnologicamente mais rpido que
outras, e dentro de alguns setores de determinada sociedade. Alguns grupos humanos se mostram mais avanados que outros,
enquanto outros se mostram por vezes muito atrasados.
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superior a um milho de habitantes; em 1900 havia pelo menos 19, e em 1960 as que ultrapassavam um milho de habitantes eram 141.
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Os homens do passado e do presente vivem situaes de transitoriedade baixa, isto , suas relaes com o mundo externo tendem a ser duradouras. Os homens do futuro, no entanto, vivero
situaes de transitoriedade alta onde as mudanas se faro
demasiadamente rpidas. Isto influir no modo de enfrentar essas situaes e de se adaptar rapidamente a essas mudanas.
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mos agora e a extrapolao do nosso passado e presente. Podemos generalizar que indivduos e instituies que manejam conceitos novos para desenvolver sua viso e elaborar suas estratgias, logram vantagens notveis dentro da sociedade. O marco
conceitual do pensamento orienta o desenvolvimento e confirma
as tendncias para o futuro.
Em uma poca de surgimento acelerado de conhecimentos e
ideias, o domnio de conceitos adequados resulta decisivo para a
tomada de decises. A aquisio de um conceito novo nas mentes preparadas se traduz quase de imediato, em uma reorganizao dos conhecimentos: a que poderia levar a mudanas profundas permitindo descobrir novas formas de resolver um mesmo problema. Um conceito novo cria uma nova capacidade de
resolver a problemtica sequer imaginada antes. Para que possamos impulsionar nossa imaginao para nos transformarmos
necessrio, antes de tudo, que nos capacitemos para nos educarmos:
1) Capacidade de adaptabilidade e atualizao de conhecimentos: atualmente muitas sociedades, particularmente
as da Amrica Latina no esto no mesmo nvel de outras
sociedades mais avanadas, apesar da cultura tender para
uma globalizao a curto tempo. Um dos desafios para nossas sociedades adaptarmos o ritmo que atualmente as
sociedades avanadas se encontram, mediante a absoro e atualizao de conhecimentos. Isto um processo
que depender da estratgia que as organizaes venham
a tomar para cumprir tal fim;
2) Capacidade para gerar conhecimentos: uma vez que nos encontremos no mesmo ritmo comparado ao de sociedades avanadas, mediante a aplicao da tecnologia existente e explorao dos recursos, poderamos estar na capacidade de gerar
nossos prprios conhecimentos adaptados a nossa realidade;
3) Comunicao e intercmbio de conhecimentos: quando tivermos uma sociedade competitiva do ponto de vista do
ingresso na era da informtica ativa, onde o intercmbio
de conhecimentos com outras sociedades fizer parte do
mesmo progresso, somente assim nossa sociedade experimentar uma transformao.
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CONCLUSO
A Terra o nico planeta do sistema solar com gua superficial em estado lquido, 71% da superfcie terrestre coberta de
gua, enquanto 97,5% do total de gua existente no planeta se
encontra nos mares como gua salgada. Somente 2,5% de toda a
gua do mundo doce, e dessa quantidade, 0,3% se encontra nos
lagos, reservatrios e rios, 31% gua subterrnea, umidade do
solo e a atmosfera e 68,7% de glaciares permafrost e neves permanentes. (Direito Humano gua Oficina das Naes Unidas de
apoio ao Decnio Internacional para a Ao, UNESCO ETXEA,
2008).
A gua um recurso abundante da natureza, porm, devido
a sua desigual distribuio tanto no tempo como no espao, transforma-se em um recurso escasso, podendo at desaparecer em
grande parte da face da terra.
O processo de desmoronamento e escassez da gua no mundo j se iniciou e segue seu curso afora. O Primeiro Informe das
Naes Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hdricos
no mundo, elaborado pelo Programa Mundial de Avaliao dos
Recursos Hdricos das Naes Unidas, indica que nos prximos
vinte anos a quantidade de gua disponvel para todos, decrescer em 30% e que, atualmente, 40% dos habitantes do mundo no
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REFERNCIAS
Amnistia Internacional, Derechos Humanos para la dignidad humana. Una
introduccin a los Derechos Econmicos y Sociales. Londres, Publicaciones
Amnistia Internacional, 2005.
AON, Roig, M.J. Necesidades y Derechos. Un ensayo de fundamentacin,
Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1994.
ARROJO, Pedro La gestin de aguas. Crisis e alternativas en Economia Exterior, Nm. 41, Madrid, 2007.
BRANDO, Carlos Rodrigues. O que Educao. So Paulo: Brasiliense, 2005.
(Coleo Primeiros Passos).
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Publicada pela editora Bahi do Brasil, 7o edio, 2002, p37, Mogi Mirim- SP
Estabelecida em mais de 118.000 localidades em 214 pases independentes
e principais territrios ao redor do mundo. Sua literatura traduzida em mais
de 880 lnguas e seus membros apresentam mais de 2100 diferentes grupos
tnicos. A comunidade Internacional Bah, uma organizao no
governamental, est credenciada com status consultivo no Conselho
Econmico e Social das Naes Unidas.
Professora associada da UFS. Doutora em Cincias de Alimento. Especialista
em Estudos para a Paz e Resoluo de Conflitos, Universidade Federal de
Sergipe/universidade jaume I-.Espanha. Coordenadora do curso de
especializao em estudos para a Paz e Resoluo de Conflitos.
[email protected]
rgo supremo da F Bahi. Eleita qinqenalmente numa conveno
internacional e coordena as atividades da comunidade Internacional bah.
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bm uma fora social para o estabelecimento da ordem no mundo. A violncia e a destruio associadas s religies ocorrem pela
falncia espiritual da religio. Essa falncia um dos motivos que
leva um nmero crescente de pessoas a considerarem a religio e
as instituies religiosas como irrelevantes em relao s principais preocupaes do mundo moderno. Sendo assim pessoas buscam a manuteno da ordem social na satisfao material ou na
devoo a ideologias fabricadas pelos homens. Como so trgicos os resultados da f substituta que os Sbios da nossa era
criaram. Os frutos que essas doutrinas produziram, aps dcadas de exerccio, so as enfermidades sociais, econmicas e espirituais, desvirtuando a percepo da natureza humana. Na glorificao de conquistas materiais, origem e caracterstica dessas
ideologias, que se encontram as razes da falsa crena de que os
seres humanos so necessariamente egostas e agressivos. esse
nvel de percepo que deve ser questionado para que um mundo
digno dos seres humanos possa ser construdo. Aqui descrevemos alguns trechos da primeira parte dessa obra inspiradora:
Os dons naturais que distinguem o gnero humano de todas as outras formas de vida encontram-se resumidos naquilo a que se chama esprito humano; o intelecto a sua
qualidade essencial. Esses dons permitiram humanidade
construir civilizaes e prosperar materialmente. Mas tais
realizaes, por si s, nunca saciaram o esprito humano,
cuja natureza misteriosa o predispe para a transcendncia, para estender-se em direo a um domnio invisvel,
realidade suprema, quela essncia das essncias
incognoscvel chamada Deus. As religies, trazidas humanidade por um srie de luminares espirituais, tm sido
os principais elos de ligao entre a humanidade e essa
realidade suprema, e tm galvanizado e refinado a capacidade da humanidade para alcanar o sucesso espiritual
juntamente com o progresso social.
Nenhuma tentativa sria de endireitar os afazeres humanos e de alcanar a paz mundial pode ignorar a religio. A
sua percepo e prtica pelo homem so assuntos amplamente cobertos pela Histria. Um eminente historiador
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descreveu a religio como uma faculdade da natureza humana. Que a perverso desta faculdade tenha contribudo
em grande parte confuso que atualmente reina no mundo, e os conflitos existentes entre os indivduos e no seu
ntimo, dificilmente pode ser negado...
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instabilidade, virtualmente a beira da guerra. Poucas sociedades tm retratado eficazmente desta questo. A sua soluo requer a aplicao combinada de meios espirituais,
morais e tticos. necessria uma nova abordagem do problema, abrangendo a consulta de especialistas de uma ampla
gama de disciplinas, num ambiente isento de polmicas
econmicas e ideolgicas, e envolvendo pessoas diretamente afetadas pelas decises que urgentemente tero de ser
tomadas. Trata-se de uma questo que est intimamente
ligada no apenas necessidade de eliminar os extremos
de riqueza e de pobreza, mas tambm quelas verdades espirituais cuja compreenso pode engendrar uma nova atitude universal. A promoo de tal atitude , em si mesma,
uma parte importante da soluo.
O nacionalismo desenfreado, distinto de um patriotismo
so e legtimo, deve ceder o lugar de uma lealdade mais
ampla - ao amor humanidade como um todo. A esse respeito, Bahullh afirmou que a terra um s pas, e os
seres humanos seus cidados. O conceito da cidadania
mundial uma conseqncia direta da contrao do mundo atravs dos avanos tecnolgicos e da incontestvel interdependncia das naes. O amor a todos os povos do
no exclui o amor de cada pessoa ao seu pas. E as vantagens das partes, numa sociedade mundial, so melhor servidas pela promoo das vantagens do todo. As atividades
internacionais atuais, em vrios campos que nutrem a afeio mtua e um sentido de solidariedade entre os povos,
precisam ser substancialmente incrementadas
Ao longo da Histria, as lutas religiosas tm sido a causa
de inmeras guerras e conflitos, uma praga para o progresso, e so hoje cada vez mais repugnantes - tanto s pessoas de diferentes fs como quelas que no professam nenhum credo. Os adeptos de todas as religies devem se dispor a encarar as questes bsicas suscitadas por tais disputas, a chegar a concluses claras. Como devero ser resolvidas as diferenas entre elas, tanto em teoria como na
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A terceira parte analisa o princpio bsico que deveria fundamentar a transformao da presente ordem social em uma ordem
mundial administrada como um s pas (p.20). Esse princpio
identificado como a conscincia da unidade da humanidade. A
implicao do reconhecimento desse princpio um mundo
desmilitarizado e unificado em todos os seus aspectos essenciais:
poltico, econmico, e legal. Essa unificao dos povos da terra
no significa a sua uniformizao, nem uma centralizao excessiva. Sua representao se d atravs da unidade na diversidade
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de povos e culturas. A unificao dos povos da terra se daria atravs da evoluo de um Estado Mundial que incluiria uma Executiva Internacional, um Parlamento Mundial e um Supremo Tribunal. O primeiro passo para a implementao do princpio da unidade da humanidade seria a convocao de uma assembleia
mundial, constituda pelos representantes dos povos da terra e
de seus governantes, que se reuniriam para fazer da causa da
paz um objeto de consultas gerais. Em relao a despertar a vontade necessria para agir e as qualidades espirituais, tais como a
coragem, a determinao, a pureza de intenes e o amor desinteressado de um povo por outro, necessrio para a efetuao desse passo importante em direo paz, preciso proceder a um
exame srio da realidade do homem, isto , de seu pensar. Esta
realidade potente tambm apreciada para ponderar as necessidades da sociedade atravs de consultas francas, serenas e cordiais. O documento cita as seguintes palavras de Bahullah ...
Para tudo existe e continuar a existir um estgio de perfeio e
maturidade. A maturidade do dom do entendimento manifestado atravs da consulta. Alcanar a paz mediante a ao consultiva proposta pode produzir um esprito to salutar entre os povos
da terra, que nenhum poder se oporia a um resultado final triunfante. Aqui seguem mais alguns trechos referentes aos assuntos
tratados na parte III:
A ordem mundial s pode ser fundada sobre uma conscincia inabalvel da unidade da humanidade, uma verdade
espiritual que todas as cincias humanas confirmam. A
Antropologia, a Fisiologia e a Psicologia reconhecem uma
s espcie humana, ainda que infinitamente variada no
que se refere aos aspectos secundrios da vida. O reconhecimento desta verdade requer o abandono dos preconceitos
- de todos os tipos de preconceitos - relacionados com a
raa, a classe social, a cor da pele, a crena religiosa, a
nacionalidade, o sexo e o grau de civilizao material. Em
suma, de tudo aquilo que faz com que as pessoas se considerem superiores umas s outras.
A aceitao da unidade da humanidade o pr-requisito
fundamental para a reorganizao e a administrao do
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sidade, a compaixo, a bondade e o amor para com todos os povos, os levam a concluir que a unidade e paz so a meta alcanvel em direo a qual a humanidade se esfora. A mensagem se
solidariza com todos os que anseiam pelo fim dos conflitos e das
discrdias, todos aqueles cuja devoo a princpios de paz e de
ordem mundial promove os fins enobrecedores para os quais a
humanidade foi chamada existncia por um Criador que todo
amor. O documento finaliza citando a promessa de Bahaullah:
Essas guerras infrutferas, essas lutas ruinosas ho de passar e
a Paz Mxima h de chegar. Seguem alguns trechos da ltima
parte da mensagem:
A falta de unidade um risco que as naes e os povos da
Terra j no podem mais suportar; as conseqncias so
demasiado terrveis para poderem ser contempladas, demasiado bvias para requererem qualquer demonstrao. O
bem-estar da humanidade, escreveu Bahullh h mais
de um sculo, a sua paz e segurana, so inatingveis a
no ser que, e at que, a sua unidade seja firmemente
estabelecida. Ao observar que toda a humanidade est
gemendo e ansiando por ser conduzida unificao, e assim terminar o seu martrio secular, Shoghi Effendi acrescentou ainda que a unificao da humanidade inteira a
etapa distintiva da qual a sociedade humana atualmente
se aproxima. A unidade da famlia, da tribo, da cidade estado e da nao foram sucessivamente tentadas e completamente estabelecidas. A unidade do mundo agora a meta
em direo qual a humanidade aflita se encaminha. O
processo de formar naes j chegou ao fim. A anarquia
inerente soberania estatal aproxima-se de um clmax.
Um mundo em amadurecimento deve abandonar esse fetiche, reconhecer a unidade e a universalidade das relaes
humanas, e estabelecer de uma vez por todas o mecanismo
que melhor possa concretizar este princpio fundamental
da sua vida.
Todas as foras de transformao contempornea confirmam este ponto de vista. As provas podem ser discernidas
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Ncleo de Estudos da Mente e da Espiritualidade Humana (NEMEH) foi criado no ano 1996 por iniciativa do
Prof. Dr. Luiz Hermnio de Aguiar Oliveira, o ento Reitor da Universidade Federal de Sergipe. Essa iniciativa foi acolhida com grande entusiasmo por um pblico representativo de diversas linhas
de pensamento.
Para compor o mesmo foi inicialmente convidado um grupo
multidisciplinar de profissionais, professores e tcnicos administrativos da UFS. Os membros convidados foram Prof. Jos Paulino
da Silva (ento Vice-Reitor), Prof Vahideh R. Rabbani Jalali, Prof.
Gonalo Ferreira Melo, Prof. Paulo Barbosa de Arajo, Prof Jane
Alves Nascimento Moreira de Oliveira e a Arquiteta Maria Conceio Prado Machado.
A partir de ento o NEMEH tem recebido o apoio e o encorajamento dos reitores, Prof. Dr. Jos Fernandes de Lima e Prof. Dr.
Josu Modesto dos Passos Subrinho, atual Reitor, e de outras
autoridades da UFS como o Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli,
atual Vice-Reitor, e dos Pr-Reitores, em especial o Prof. Ruy Belm
de Arajo, atual Pr-Reitor de Extenso e Assuntos Comunitrios, ao qual o NEMEH vinculado. Gostaramos de registrar que
foi este apoio que tornou possivel ao Ncleo seu contnuo e renovado servio comunidade universitria e sociedade no decorrer desses ltimos quatorze anos.
O Ncleo foi fundado com base na premissa de que a cincia
e a religio, como sistemas bsicos de conhecimento, contribuiram,
de forma decisiva, tanto para a elevao da conscincia humana,
quanto para a organizao da sociedade, constituindo-se verdadeiros pilares das civilizaes. Como para maioria da populao
mundial, a natureza humana tem uma dimenso espiritual, conforme atestam os mais antigos registros da civilizao, e que tem
sido cultivada h milenios por todas as grandes tradies religiosas, parece, por tanto, evidente que todos os tipos de esforos
para promover o progresso humano devem tentar acessar essa
dimenso to universal e criativa. Assim, medida que emergem
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discusses sobre questes decisivas para o futuro da humanidade, a nossa Universidade, como impulsionadora do saber, no poderia ficar alheia a esse tipo de preocupao.
O NEMEH vem executando seus objetivos atravs de pesquisa, cursos de extenso, seminrios, encontros, discusses, conferncias e um curso de especializao Lato Sensu. Entre os vrios
programas e temas tratados, se destacaram o curso de Aprimoramento Pessoal e Gerencial Plenitude Humana; Reflexes sobre o
Propsito da Vida; O Fenmeno da Religo: Provas Cientificas sobre a Existncia de Deus; o seminrio Uma tica Global como
Paradigma Educacional para a Paz; o Frum on line do Programa
de Paz nas Escolas; e o programa de Ps-Graduao Lato Sensu
Especializao em Estudos para a Paz e Resoluo de Conflitos.
Para a realizao dos dois cursos de Especializao em Estudos
para a Paz, a Universidade Federal de Sergipe, atravs do NEMEH,
firmou em 1999 convnios internacionais com as Universidades de
Nur- Bolvia, Academia de Landegg- Sua e Jaume I de CastellnEspanha. Esse ltimo convnio proporcionou, atravs da Ctedra da
UNESCO de Filosofia para a Paz, sete bolsas para alunos do programa
de especializao, que concluiram seu mestrado em Estudos para a
Paz, Desenvolvimento e Resoluo de Conflitos na Universidade Jaume
I na Espanha. Durante as distintas etapas desse processo, o Ncleo
teve o apoio constante do professor Dr. Vicente Martnez Guzmn, diretor da Ctedra UNESCO de Filosofia para a Paz na Universidad Jaume
I, e a consultoria voluntria da professora Dra. Martha Jalali Rabbani,
doutora em Humnidade pela Universidade Jaime I e professora de
Estudos sobre Paz e Conflitos da Universidade de Kansas/KU.
Atualmente o NEMEH est implantando na Universidade Federal de Sergipe, a Ctedra UNESCO-Sergipe de Estudos Internacionais de Interculturalismo, Desenvolvimento e Paz, em convnio com a Ctedra UNESCO de Paris, e desenvolvendo, em parceria com cinco instituies de Ensino Superior Latino- americanas
e Europias, o Programa Ibero-Americano de Cincia e Tecnologia
para o Desenvolvimento-CYTED, formando assim, uma agenda de
importantes eventos, com o fim de consolidar os objetivos propostos desde a criao do NEMEH.
Aracaju-Sergipe, Maro de 2010