Adolescencia Uma Perspectiva Critica

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Expediente

Diretoria CFP

Presidente
Odair Furtado
Vice-Presidente
Ana Luíza de Sousa Castro

Secretário
Miguel Angel Cal González

Tesoureiro
Francisco José Machado Viana

Ministério da Saúde - SAS

Coordenação do Projeto
Maria de Lourdes Jeffery Contini

Organizadoras
Maria de Lourdes Jeffery Contini
Sílvia Helena Koller
Monalisa Nascimento dos Santos Barros

Colaboradores
Alexandra Ayach Anache
Ana Luíza de Souza Castro
Ana Regina Noto
Bronia Liebesny
Clarissa De Antoni
Dulce Maria Fausto de Castro
Eroy Aparecida da Silva
Lucas Neiva-Silva
Maria de Lourdes Jeffery Contini
Marisa Lopes da Rocha
Monalisa Nascimento dos Santos Barros
Rosalina Martins Teixeira
Sergio Ozella
Sílvia Helena Koller
Suyanna Linhales Barker
Ministério da Saúde

Ministro da Saúde
José Serra

Secretário de Políticas de Saúde


Claúdio Duarte da Fonseca

Diretoria do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas


Ana Luiza Queiroz Vilasbôas

Coordenação da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem


José Domingues dos Santos Júnior

Ilustrações de:
Ivan Lima

Projeto gráfico:
Stilo Comunicação

Distribuição Gratuita
Cópias autorizadas desde que citada a fonte.

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores.

Direitos para esta edição:


Conselho Federal de Psicologia
SRTVN Q. 702 - Conjunto 4024 - A
Edifício Brasília Rádio Center
CEP 70719 - 900 - Brasília - DF
Fone: ( 0xx61) 429 -0100
Fax (0xx61) 328 - 1728
Home page: www.pol.org.br

Tiragem: 40.000 exemplares


Maria de Lourdes Jeffery Contini
Sílvia Helena Koller
Monalisa Nascimento dos Santos Barros

Adolescência
e
Psicologia
Concepções, práticas e
reflexões críticas

Brasília
Conselho Federal de Psicologia
Ano 2002
A239 Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas /
Coordenação Maria de Lourdes Jeffery Contini; organização Sílvia
Helena Koller. - Rio de Janeiro.
Conselho Federal de Psicologia, 2002.
144 p.; 23 cm

ISBN: 85-89208-01-X

1. Adolescentes - Psicologia. I. Contini, Maria de Lourdes Jeffery.


II. Koller, Sílvia Helena.
CDD: 649.125
Sumário

Apresentação – Conselho Federal de Psicologia........................................................................... 09

Apresentação – ASAJ – Ministério da Saúde................................................................................... 10

Prefácio – Psicologia, saúde e adolescência: um desafio para a atuação do psicólogo


Maria de Lourdes Jeffery Contini, Coordenadora do projeto ........................................................ 11

Parte I - A psicologia e a adolescência

Capítulo 1 - Adolescência: uma perspectiva crítica


Sergio Ozella ............................................................................................................................. 16

Capítulo 2 - Contexto do adolescente


Marisa Lopes da Rocha .............................................................................................................. 25

Capítulo 3 - O psicólogo e a ação com o adolescente


Monalisa Nascimento dos Santos Barros........................................................................................ 33

Parte II – O momento da adolescência: práticas em campo

Capítulo 4 - Saúde sexual e reprodutiva


Monalisa Nascimento dos Santos Barros........................................................................................ 46

Capítulo 5 - A questão da adolescência numa perspectiva “antimanicomial”


Rosalina Martins Teixeira............................................................................................................... 55

Capítulo 6 - Projeto de vida na promoção de saúde


Bronia Liebesny e Sergio Ozella .................................................................................................. 62

7
Parte III – Situações de vulnerabilidade

Capítulo 7 - O psicólogo e a promoção de saúde do adolescente que apresenta deficiência


Alexandra Ayach Anache............................................................................................................. 70

Capítulo 8 - Gravidez na adolescência: dando sentido ao acontecimento


Suyanna Linhales Barker e Dulce Maria Fausto de Castro............................................................... 78

Capítulo 9 - Violência doméstica e comunitária


Clarissa De Antoni e Sílvia Helena Koller ........................................................................................ 85

Capítulo 10 - Dependência química, adolescência e família


Ana Regina Noto e Eroy Aparecida da Silva.................................................................................. 92

Capítulo 11 - Adolescência e Aids


Monalisa Nascimento dos Santos Barros ...................................................................................... 99

Capítulo 12 - Adolescentes em situação de rua


Lucas Neiva-Silva e Sílvia Helena Koller...........................................................................................112

Capítulo 13 - Os adolescentes em conflito com a lei


Ana Luiza Souza Castro................................................................................................................122

Carta dos adolescentes............................................................................................................... 130

Centros de assistência, ensino e pesquisa..................................................................................... 137

Sobre os autores..........................................................................................................................140

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Capítulo I

Adolescência:
Uma perspectiva crítica

Sergio Ozella

A concepção vigente na a ser compartilhada pela psicologia, incorporada pela cultura


psicologia sobre adolescência está ocidental e assimilada pela homem comum, muitas vezes através
fortemente ligada a estereótipos e dos meios de comunicação de massa.
estigmas, desde que Stanley Hall a Debesse (1946) é um dos autores que mais claramente
identificou como uma etapa marcada marca essa posição naturalista e universal ao propor uma es-
por tormentos e conturbações sência adolescente. Para o autor, a adolescência não é uma
vinculadas à emergência da simples transição entre a infância e a idade adulta; ela possui
sexualidade. Essa concepção foi uma mentalidade própria com um psiquismo característico des-
reforçada por algumas abordagens sa fase. Chega a afirmar que é
psicanalistas que a caracterizaram como uma etapa de “erro pensar que a juventude muda conforme as épo-
confusões, estresse e luto também causados pelos impulsos cas ... acreditar que ela se identifica com sucessivos ves-
sexuais que emergem nessa fase do desenvolvimento. Erikson tuários de empréstimo e que cada geração tem sua ju-
(1976) foi o grande responsável pela institucionalização da ventude é uma ilusão de moralista amador e apressado
adolescência como uma fase especial no processo de ... por detrás do aspecto da juventude existe a juventude
desenvolvimento ao introduzir o conceito de moratória, eterna, notavelmente idêntica a si própria no decurso dos
identificando essa fase com confusão de papéis e dificuldades séculos ...” (pp.15-16).
de estabelecer uma identidade própria, e como um período que Na América Latina e, particularmente, no Brasil,
passou a “ser quase um modo de vida entre a infância e a idade Aberastury (1980) e Aberastury e Knobel (1981) são um mar-
adulta” (p. 128). A partir dessas fontes, instalou-se uma co histórico no estudo da adolescência na perspectiva psicana-
concepção naturalista e universal sobre o adolescente que passou lítica. Sem dúvida, influenciaram muito e são fontes de referên-

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cia para todos os que se preocupam com esse tema. Aberastury de maneira universalizante, naturalizante e crítica.
considera a adolescência como “um momento crucial na vida Santos (1996), em um estudo que mapeou historica-
do homem e constitui a etapa decisiva de um processo de des- mente as concepções de infância e adolescência incluindo a
prendimento” (1980, p. 15). Além disso, destaca esse período Teologia, a Filosofia, a Psicologia e as Ciências Sociais, identi-
como de “contradições, confuso, doloroso” (p. 16). Ainda mais, fica em Rousseau a invenção da adolescência como um pe-
afirma que a “adolescência é o momento mais difícil da vida do ríodo típico do desenvolvimento, marcado pela turbulência, no
homem...” (p. 29). Knobel, ao introduzir a “síndrome normal da qual o jovem não é nem criança nem adulto. Também aqui es-
adolescência”, traz uma grande contribuição dentro dessa pers- tariam as raízes de uma visão naturalista, na medida em que a
pectiva, mas que merece algumas considerações. infância e a adolescência são vistas como um estado, e não
Apesar de enfatizarem que “toda a adolescência leva, como uma condição social. O autor destaca, também, o fato de
além do selo individual, o selo de meio cultural e histórico” haver uma tendência à formulação de grandes teorias que cons-
(Aberastury, 1981, p. 28), ambos acabam incorrendo no artifí- truiriam conceitos amplos que podem ser questionados em sua
cio de condicionar a realidade biopsicossocial a circunstânci- relevância social. Dentro dessa perspec-
as interiores ao afirmarem uma “crise essencial da adolescên- tiva, Santos cita como exemplos Freud e
cia” (p.10). Além disso, Knobel parte de pressupostos de que Piaget que, segundo ele, apresentam
“o adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades extre- deficiências pelo fato de desprezarem o
mas” (p. 9) e que o “adolescente apresenta uma vulnerabilidade contexto social e cultural, tendendo a
especial para assimilar os impactos projetivos de pais, irmãos, identificar bases universais em suas pro-
amigos e de toda a sociedade” (p. 11). Esses desequilíbrios e posições. Apesar de mencionarem uma
instabilidades extremas e essa vulnerabilidade especial é o que inter-relação entre o biológico e o cultu-
colocamos em dúvida. Essas características, colocadas como ral, enfatizam as estruturas internas
inerentes ao jovem, é que nos incomodam. Elas pressupõem como propulsionadoras do desenvolvimento. As crianças (e ado-
uma crise preexistente no adolescente. Essa tradição que con- lescentes) parecem nascer e viver em um vacuum sociocultural.
sidera a adolescência como uma fase crítica é que colocamos Em estudo em fase de conclusão, que investiga as con-
em questão e que deveria ser mais bem discutida. Estaremos cepções dos profissionais de psicologia que trabalham com ado-
aqui refletindo sobre a concepção de adolescência da qual a lescentes sobre esta categoria, Ozella (1999) encontrou uma
psicologia tradicional se apropriou e que marca esse período ênfase naturalizante caracterizada por uma visão da adoles-

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cência mais como uma fase inerente ao desenvolvimento do adolescência no discurso da Saúde Pública, identifica também
homem do que como um processo que se constrói historica- a noção de universalidade do fenômeno, bem como a noção da
mente. adolescência como um período crítico no desenvolvimento
Apesar de estudos antropológicos que, desde Margareth humano. Da mesma forma, Bock (1997), considera que a
Mead (1945), têm questionado a universalidade dos conflitos universalidade “traz implícita a idéia de uma evolução natural
adolescentes, a psicologia convencional insiste em negligenciar do ser humano, linear, independente das condições concretas
a inserção histórica do jovem e suas condições objetivas de de sua existência” (p. 64). Por outro lado, Peres ressalta que a
vida. Ao supor uma igualdade de oportunidades entre todos os idéia da adolescência como um período de crise se sustenta
adolescentes, a psicologia que se encontra presente nos manuais pela concepção da ciência positiva que permeia a psicologia,
de Psicologia do Desenvolvimento, dissimula, oculta e legitima que exclui a contradição, no sentido de que:
as desigualdades presentes nas relações sociais, situa a “a noção de crise permite dar a idéia de um desarranjo,
responsabilidade de suas ações no próprio jovem: se ideologiza pois a “harmonia” é pressuposta como sendo de direito
(Bock, 1997; Climaco, 1991). ... A “crise” serve, assim, para opor uma ordem ideal a
Osório (1992), ao colocar a questão de a adolescência uma desordem real, na qual a norma ou a lei é contrariada
ter um caráter universal, responde afirmativamente, apesar de pelo acontecimento ... Na concepção de adolescência,
fazer algumas ressalvas, considerando que, ao se referir à cri- essa leitura faz sentido, na medida em que, dentro da
se de identidade do adolescente, localiza-a naqueles jovens de evolução referida, a crise é apresentada como um desvio
classes sociais mais privilegiadas que não têm a preocupação ou perigo do curso natural do desenvolvimento, que deve
com a luta pela sobrevivência. Entretanto, a seguir faz conside- ser cuidado para a retomada da ordem natural (social)”
rações que indicam alguma contradição. Afirma ele: (p.72).
“Mesmo em condições de vida extremamente adver- Estudiosos na Espanha levantaram a questão da
sas, desde que assegurada a satisfação das necessida- insistência em considerar a adolescência como um momento de
des básicas de alimentação e agasalho, podemos encon- crise. Herrán (1997) considera que haja alguma concordância
trar a seqüência dos eventos psicodinâmicos que confi- entre autores e linhas teóricas sobre o fato de a adolescência ser
guram o processo adolescente e a crise de identidade um período de transição marcado por mudanças físicas e
que o caracteriza” (p. 21). cognitivas. O mesmo ocorre no que diz respeito à construção de
Peres (1998), ao investigar a concepção de adolescente/ uma identidade nova (o que acontece durante toda a vida, pois

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a identidade está em constante transformação). O mesmo se dá 2. Um presentismo caracterizado pela utilização de conceitos
quando se referem à adolescência como um prolongamento do ou concepções do passado nas proposições atuais.
período de aprendizagem que permitirá sua inserção no mundo 3. Generalizações inconsistentes a partir de estudos sem
adulto. Observa entretanto que esse período tem sido marcado rigor metodológico ou de concepções vigentes em todas as
por estereótipos que caracterizariam uma suposta síndrome culturas ou com base em atitudes e comportamentos
normal da adolescência, na qual se enfatizam: a rebeldia, a identificados nas relações pais-filhos;
instabilidade afetiva, a tendência grupal, as crises religiosas, as 4. Ligada ao aspecto anterior, a presença de uma relativização
contradições, as crises de identidade (Knobel, 1981), para citar extremada no sentido de que os estudos sobre adolescência
apenas algumas marcas da adolescência. Uma das marcas mais são fundamentados em um único tipo de jovem, isto é:
fortes nessa concepção de homem-branco-burguês-racional-ocidental, oriundo, em
adolescência – a rebeldia – é geral, da Europa Centro-Ocidental ou dos Estados Unidos
enfatizada por Osório (1992) com a da América, nunca do Terceiro Mundo. Isto é, o adolescente
afirmação de que...“Sem rebeldia e estudado pertence à classe média/alta urbana e nunca a
sem contestação não há outras classes sociais, etnias, ou a outros contextos, como
adolescência normal... O o rural, por exemplo;
adolescente submisso é que é a 5. As concepções são marcadas pelo adultocentrismo, isto
exceção à normalidade” (p. 47). é, o parâmetro é sempre o adulto.
Santos (1996) faz algumas Alves (1997), em sua tese de doutoramento, levantou
reflexões interessantes sobre as alguns aspectos de profissionais variados que têm contato com
implicações contemporâneas das os jovens e aqui destacamos pontos que marcam a sua visão
concepções modernas de infância sobre o mundo adolescente. Para eles, os jovens reproduzem
e adolescência que podem ser assim resumidas: os papéis sociais dos adultos, apesar de considerarem o mundo
1. Haveria uma desconexão e dessintonia entre os adulto muito distante deles e não os utilizarem como modelo;
compromissos teóricos e os fatos, que têm como são pouco politizados e estão alienados das questões sociais;
conseqüência uma dicotomização (inato x adquirido, valorizam o estudo como forma de ascensão, mas não gostam
universal x particular, racional x emocional, etc.) e uma de estudar; encaram o trabalho como outra forma de ascensão
tendência à ideologização; (particularmente os jovens de classe menos favorecida) e se-

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guem uma ideologia do esforço pessoal, não tendo uma consci- drogados, rebeldes), mas, ao mesmo tempo, se definem como
ência muito crítica da sua condição social; são extremamente adolescente-padrão e este aspecto é bem marcado na classe
consumistas ou desejam consumir, mesmo quando não têm con- trabalhadora.
dições para isso e apresentam problemas, principalmente nas As concepções presentes nas vertentes teóricas da
áreas e relações amorosas ou de outros vínculos, apresentando psicologia, apesar de considerarem a adolescência como um
sinais de solidão. Apesar de algumas referências às condições fenômeno biopsicossocial, ora enfatizam os aspectos biológicos,
socioeconômicas e de classe, os profissionais não enfatizam ora os aspectos ambientais e sociais, não conseguindo superar
essas características ao falar sobre o mundo adolescente. visões dicotomizantes ou fragmentadas. Dessa forma, os fatores
Em contrapartida, ao trabalhar com a visão dos própri- sociais são encarados de forma abstrata e genérica, e a influência
os adolescentes a condição de classe trabalhadora parece in- do meio torna-se difusa e descaracterizada contextualmente,
terferir de alguma forma. A maneira como encaram a escola é agindo apenas como um pano de fundo no processo de
sintomática: os jovens trabalhadores fazem associação entre desenvolvimento já previsto no adolescente. Essa situação é
escola e trabalho como forma de adquirir autonomia, enquanto identificada por Bock dentro de uma concepção liberal, na qual
os jovens de classe mais elevada a consideram como útil, mas o homem é concebido a partir da idéia de natureza humana: um
ligada a aspectos sociais e até de lazer. Quando são questiona- homem apriorístico que tem seu desenvolvimento previsto pela
dos sobre o seu projeto de futuro, os jovens de classe mais sua própria condição de homem, livre e dotado de potencialidades
privilegiada apresentam menor preocupação, apesar de alguns (Bock, 1997).
já terem esboçado um objetivo a atingir. Por outro lado, os jo- Temos buscado uma saída teórica que supere a visão
vens trabalhadores encaram o futuro como um desafio que de- naturalizante e patologizante da adolescência presente na
pende muito de seu esforço pessoal e de seu sucesso nos estu- Psicologia. Uma saída que supere a visão de homem, baseada
dos. Em relação ao sentimento de solidão, ele aparece mais na ideologia liberal, que vê o homem como autônomo, livre e
forte nos jovens de classe mais elevada (Alves, 1997). capaz de se autodeterminar. Que, resumidamente, vê a
No mesmo estudo, surge um aspecto interessante no adolescência como uma fase natural do desenvolvimento,
que se refere à concepção (mais geral) sobre os outros adoles- apontando nela características naturais como rebeldia,
centes e à própria auto-imagem. Grande parte dos jovens, inde- desequilíbrios e instabilidades, lutos e crises de identidade,
pendentemente da condição socioeconômica, tem uma visão instabilidade de afetos, busca de si mesmo, tendência grupal,
estereotipada e negativa dos outros adolescentes (vândalos, necessidade de fantasiar, crises religiosas, flutuações de humor

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e contradições sucessivas. Enfim, um conjunto de características Reconhecemos, no entanto, que há um corpo se desen-
que têm sido tomadas como uma síndrome normal da volvendo e que tem suas características próprias, mas, nenhum
adolescência (Aberastury & Knobel, 1981). elemento biológico ou fisiológico tem expressão direta na sub-
Dessa forma, consideramos que a adolescência é criada jetividade. As características fisiológicas aparecem e recebem
historicamente pelo homem, enquanto representação e enquanto significados dos adultos e da sociedade. A menina que tem os
fato social e psicológico. É constituída como significado na seios se desenvolvendo não os vê, sente e lhes atribui o signifido
cultura, na linguagem que permeia as relações sociais. Fatos de possibilidade de amamentar seus
sociais surgem nas relações e os homens atribuem significados filhos no futuro. Com certeza, em al-
a esses fatos. Definem, criam conceitos que representam esses gum tempo ou cultura isso já foi as-
fatos. São marcas corporais, são necessidades que surgem, são sim. Hoje, entre nós, os seios tornam
novas formas de vida decorrentes de condições econômicas, as meninas sedutoras e sensuais.
são condições fisiológicas, são descobertas científicas, são Esse é o significado atribuído em nos-
instrumentos que trazem novas habilidades e capacidades para so tempo. A força muscular dos me-
o homem. Quando definimos a adolescência como isto ou aquilo, ninos já teve o significado de possibi-
estamos constituindo significações (interpretando a realidade), lidade de trabalhar, guerrear e caçar.
a partir de realidades sociais e de marcas que serão referências Hoje é beleza, sensualidade e mascu-
para a constituição dos sujeitos. linidade.
A adolescência não é um período natural do desenvol- Da mesma forma, o jovem não é algo por natureza.
vimento. É um momento significado e interpretado pelo homem. São características que surgem nas relações sociais, em um
Há marcas que a sociedade destaca e significa. Mudanças no processo no qual o jovem se coloca inteiro, com suas caracte-
corpo e desenvolvimento cognitivo são marcas que a socieda- rísticas pessoais e seu corpo. Como parceiro social, está ali,
de destacou. Muitas outras coisas podem estar acontecendo com suas características que são interpretadas nessas relações,
nessa época da vida no indivíduo e nós não as destacamos, tendo um modelo para sua construção pessoal. É importante
assim como essas mesmas coisas podem estar acontecendo frisar que o subjetivo não é igual ao social. Há um trabalho de
em outros períodos da vida e nós também não as marcamos, construção realizado pelo indivíduo e há um mundo psíquico de
como por exemplo, as mudanças que vão acontecendo em nos- origem social, mas que possui uma dinâmica e uma estrutura
so corpo com o envelhecimento. própria. Esse mundo psíquico está constituído por configura-

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ções pessoais, nas quais significações e afetos se mesclam para criança mais tempo sob a tutela dos pais, sem ingressar no
dar um sentido às experiências do indivíduo. Os elementos des- mercado de trabalho. Mantê-las na escola foi a solução. A ex-
se mundo psíquico vêm do mundo social (atividades do homem tensão do período escolar, o distanciamento dos pais e da famí-
e linguagem), mas não são idênticos a ele. lia, e a aproximação de um grupo de iguais foram as conseqü-
Dentro de uma perspectiva sócio-histórica (Bock, 1997), ências dessas exigências sociais. A sociedade assiste, então, à
só é possível compreender qualquer fato a partir de sua inser- criação de um novo grupo social com padrão coletivo de com-
ção na totalidade, na qual este fato foi produzido. Totalidade portamento – a juventude/a adolescência. Outro fator impor-
esta que o constitui e lhe dá sentido. Assim, a adolescência tante é que a adolescência pode ser entendida também como
deve ser compreendida nessa inserção. É importante perceber forma de justificativa da burguesia para manter seus filhos lon-
que a totalidade social é constitutiva da adolescência, ou seja, ge do trabalho.
sem as condições sociais, a adolescência não existiria ou não A adolescência refere-se, assim, a esse período de
seria essa da qual falamos. Não estamos nos referindo, portan- latência social constituída a partir da sociedade capitalista, ge-
to, às condições sociais que facilitam, contribuem ou dificultam rada por questões de ingresso no mercado de trabalho e exten-
o desenvolvimento de determinadas características do jovem. são do período escolar, da necessidade do preparo técnico e da
Estamos falando de condições sociais que constróem uma de- necessidade de justificar o distanciamento do trabalho de um
terminada adolescência. determinado grupo social.
E como foi construída historicamente a adolescência? Essas questões sociais e históricas vão constituindo uma
Clímaco (1991), considera que, na sociedade moderna, o traba- fase de afastamento do trabalho e de preparo para a vida adul-
lho, com sua sofisticação tecnológica, passou a exigir um tem- ta. As marcas do corpo e as possibilidades na relação com os
po prolongado de formação, adquirida na escola. Além disso, o adultos vão sendo pinçadas para a construção das significa-
desemprego crônico/estrutural da sociedade capitalista trouxe ções, para a qual é básica a contradição, que se configura nesta
a exigência de retardar o ingresso dos jovens no mercado e vivência entre as necessidades dos jovens, as condições pesso-
aumentar os requisitos para esse ingresso. A ciência, por outro ais e as possibilidades sociais de satisfação delas. É dessa rela-
lado, resolveu muitos problemas do homem e ele teve a sua ção e de sua vivência, enquanto contradição, que se retirará
vida prolongada, o que trouxe desafios para a sociedade, em grande parte das significações que compõem a adolescência: a
termos de mercado de trabalho e formas de sobrevivência. rebeldia, a moratória, a instabilidade, a busca da identidade e os
Estavam dadas as condições para que se mantivesse a conflitos. Essas características, tão bem anotadas pela Psicolo-

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gia, ao contrário da naturalidade que se lhes atribui, são históri- Apesar de não haver um consenso na literatura a res-
cas, isto é, foram geradas como características dessa adoles- peito do papel social dos meios de comunicação, há uma ten-
cência que aí está. Entende-se, assim, a adolescência como dência geral de reconhecer que eles devem ser considerados.
constituída socialmente a partir de necessidades sociais e eco- Intencionalmente ou não, as informações veiculadas afetam em
nômicas e de características que vão se constituindo no pro- algum grau a visão de mundo, e de si mesmo, que o jovem
cesso. constrói.
Gostaríamos de destacar
Os meios de comunicação de massa que o fato de a mídia influenciar
e a concepção de adolescente a audiência ou seus consumidores
não significa que o adolescente
A partir dessa concepção de adolescência, entendida esteja passivo diante dessa
como uma construção histórica e não como uma fase natural situação, apenas absorvendo o
do desenvolvimento, e considerando os meios de comunicação conteúdo transmitido. Entretanto,
de massa como um determinante importante na construção de não podemos negar que a
vários significados sociais, não podemos ignorar a participação possibilidade de uma leitura crítica
da mídia nessa construção da concepção de adolescência nos e de uma transformação do
próprios jovens imersos nesse caldo de informações transmiti- conteúdo recebido não são muito
dos pela mídia. Isto é, um modelo de adolescente está sendo facilitadas, considerando a
passado pelos meios de comunicação que permite ao adoles- massificação de informações transmitidas por ela.
cente a constituição de uma identidade própria, bem como O que gostaríamos de destacar é que os estudos sobre
contribui para um posicionamento dos pais na mesma direção. os efeitos dos meios de comunicação, particularmente, a
Se não veiculam uma definição única, fornecem ao menos uma televisão, dão pouca ênfase aos conteúdos transmitidos. Eles
contribuição para a manutenção de algumas noções do que seja ficam mais no nível da freqüência em que as crianças (mais do
o adolescente. Os meios de comunicação, portanto, desempe- que adolescentes) ficam expostas à televisão, características
nham um papel importante na veiculação dessas concepções, dos programas, ideologia das mensagens, etc. Sem dúvida, esses
já que há um compartilhar pelos adolescentes dessas informa- são pontos interessantes e importantes, mas não avançam na
ções. questão específica da relação: conteúdo, adolescente, linguagem.

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Referências

Aberastury, A. (1980). Adolescência. Porto Alegre. Artes Médicas.


Aberastury, A. & Knobel, M. (1981). Adolescência normal. Porto Alegre. Artes Médicas.
Alves, C. P. (1997). Eu nunca vou parar de buscar nada: emancipação frente à colonização e políticas de identidade na
adolescência. Tese de Doutorado não publicada. Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. São Paulo - SP.
Bock, A. M. B. (1997). As aventuras do Barão de Münchhausen na Psicologia: Um estudo sobre o significado do fenômeno
psicológico na categoria dos psicólogos. Tese de Doutorado não publicada. Curso de Pós-Graduação em Psicologia
Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo - SP.
Clímaco, A. A. de S. (1991). Repensando as concepções de adolescência. Dissertação de Mestrado não publicada. Curso de
Pós-Graduação em Psicologia da Educação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo - SP.
Debesse, M. (1946). A adolescência. São Paulo. Europa-América.
Erikson, E. (1976). Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro. Zahar.
Herrán, J. Ig. M. (1997, Maio). Quando hablamos de adolescencia, hablamos todos de lo mismo? Anais do VII Congresso
INFAD (pp. 125-132). Oviedo - Espanha.
Mead, M. (1945). Adolescencia y cultura en Samoa. Buenos Aires. Editorial Abril.
Osório, L. C. (1992). Adolescente hoje. Porto Alegre. Artes Médicas.
Ozella, S. (1999). Concepções de adolescente/adolescência: Os teóricos e os profissionais. Relatório apresentado para con-
curso de promoção na carreira docente não publicado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo - SP.
Peres, F. & Rosenburg, C. P. (1998). Desvelando a concepção de adolescência/adolescente presente no discurso da saúde pública.
Saúde e Sociedade, 7(1),53-86.
Santos, B. R. dos (1996). A emergência da concepção moderna de infância e adolescência. Mapeamento, documentação e
reflexão sobre as principais teorias. Dissertação de Mestrado não publicada. Curso de Pós-Graduação em Ciências
Sociais (Antropologia). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo - SP.

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