AAVV O Corpo Na Escola
AAVV O Corpo Na Escola
AAVV O Corpo Na Escola
práticas e reflexões
Organização:
Marco Antonio Santoro Salvador
Marcia Martins de Oliveira
Rogério da Costa Neves
CORPO NA ESCOLA
práticas e reflexões
Organização:
Marco Antonio Santoro
Marcia Martins de Oliveira
Rogério da Costa Neves
Comitê Científico:
Adrianne Ogêda Guedes
Amparo Villa Cupolillo
Marcia Martins de Oliveira
Marco Antonio Santoro Salvador
Rogério da Costa Neves
COLÉGIO PEDRO II
CATALOGAÇÃO NA FONTE
92 p.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5930-045-7
CDD 370
PREFÁCIO ............................................................................................................................ 4
Adrianne Ogêda Guedes
AUTORES ........................................................................................................................... 90
4
PREFÁCIO
O convite para prefaciar uma obra é sempre um desafio. Sobretudo quando, como no
caso desta, o tema em foco tem sido também mobilizador de minhas pesquisas e práticas.
Escolho, assim, iniciar situando as questões que me parecem nutrir as experiências dos cinco
capítulos dessa obra, convidando ao aquecimento de nossa escuta para os temas abordados.
Pensamos e conhecemos com o corpo, nos diz Boaventura de Souza Santos. Nos
constituímos nas relações internas e externas, sublinha Chauí. Afirmações que nos provocam
e convocam a pensar os modos como construímos conhecimento e nos constituímos como
sujeitas/os, e se forem epistemologicamente assumidas, derivam modos de ser e agir outros.
Distintos daqueles que têm sido validados socialmente nas nossas culturas ocidentais, que, mais
das vezes, secundarizam o corpo e suas afecções, considerando-as dimensões de menor
importância para compreender o humano.
Nossa herança cartesiana separa em lados opostos corpo e mente, emoção e razão. Essa
cisão, nos parece, tem nos impedido de compreender a integralidade do humano. Essa dicotomia
se expressa e se faz presente nas práticas educativas, dentre tantas outras e, também, nas
concepções de como aprendemos e de como ensinamos. Espaços que favorecem pouco a
movimentação de crianças e adultas/os, rotinas engessadas cuja organização do tempo segue a
lógica linear, do controle; corpos convocados ao imobilismo e práticas pedagógicas centradas
na disciplinarização.
No campo da educação, atuar na contramão da perspectiva que divide e separa as
múltiplas dimensões humanas é assumir um posicionamento político, epistemológico. Nesse
5
como sujeitos relacionais. Nos nutrimos das conexões que estabelecemos, das experiencias que
vivenciamos de corpo inteiro, das trocas incessantes corpomundo.
As autoras e autores assumem uma docência que se interessa em compreender
professoras, professores, crianças e jovens em sua integralidade. Propõem experiências em que
crianças e jovens são convidadas/convidados a mobilizarem afetos, potência criativa, cognição,
corpo. Experiências que se posicionam também afetas às possibilidades cooperativas em
detrimento da competitividade, tão presente nas atividades clássicas de Educação Física que se
dão nas instituições educativas (e fora delas). Cooperatividade, descoberta de seu próprio corpo
na relação com os demais e consigo, criatividade e ludicidade em propostas que convidam ao
fazer junto.
No primeiro capítulo, intitulado O corpo em movimento na aula de música, Samuel
Gomes e Marco Santoro constatam que a partir dos anos finais da Educação Infantil as crianças
pareciam encarar a nova etapa como algo sério e distante das brincadeiras que vivenciavam na
etapa anterior. Identificavam o que Gomes (2019, p. 1) nomeia como “sintomas de desgosto e
rejeição pela escola” (p. 10), percebendo que o mesmo parecia se dar nas aulas de música.
Assim, recorrem à Rítmica, método do educador musical suíço Émile Jaques-Dalcroze para
introduzir um modo didático que inclui os movimentos corporais para a vivência dos elementos
musicais. “O cérebro enriquece-se com imagens motrizes proporcionadas pelas sensações
musculares” (FONTERRADA, 2005), afirma uma das referências citadas no artigo. Desse
modo, pensam a escola com um lugar de acolhimento à infância e de alegria, de mobilização
do interesse, da curiosidade e da cumplicidade em cada um dos momentos de aprendizagem.
Em A prática da dança e a promoção da autoestima na escola: um estudo de caso, de
Érica Viviane dos Reis e Marcia Martins de Oliveira, as autoras apresentam uma experiência
vivida com dança no Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, no Campus São
Cristóvão II. O trabalho, voltado para adolescentes que apresentavam realidades contrastantes,
visava contribuir positivamente para a autoestima das/os estudantes e, a partir das percepções
das/os jovens que frequentaram as oficinas de dança, puderam apurar os impactos positivos da
prática no grupo.
Juliana Paiva, Marco Santoro e Rogério Neves, em Corpo, em Metodologias ativas e o
lúdico na formação de professores: possibilidades do corpo e do movimento se matricularem
na escola revelam suas inquietações a respeito da presença (ou ausência) do movimento na
escola. Interessam-se em propor metodologias de ensino ancoradas na ludicidade. Para tanto,
refletem como os paradigmas influenciaram/influenciam o fazer pedagógico ao longo da
história da educação, compreendendo-os como “todos os modelos e padrões compartilhados
7
por grupos sociais que permitem explicações de certos aspectos da realidade” (p. 45). A partir
desse conceito de paradigma, afirmam ser possível entender que as práticas pedagógicas
exercidas no interior das instituições de ensino representam um padrão de comportamento
determinado pelas características principais de um grupo social. Desse modo, é possível
compreender o processo histórico, as transições paradigmáticas e suas relações com as práticas
pedagógicas.
Defendem que o paradigma emergente pode contribuir para pensar um ensino
interdisciplinar, contextualizado que privilegia a prática investigativa, auxiliando a formação
do/da professor-pesquisador/professora-pesquisadora. Desafio que se coloca para professores e
professoras cujas formações se assentam em uma perspectiva reprodutivista e transmissiva.
Debater os paradigmas e construir práticas inovadoras se coloca como perspectiva necessária
na construção de um aprendizado crítico e transformador. Assim, é a partir deste ponto que as
metodologias ativas se revelam como uma prática pedagógica que possibilitaria experiências
potencialmente lúdicas em sala de aula.
O quarto capítulo, intitulado O Estado de Palhaço e a potencialização das relações
interpessoais em sala de aula, de autoria de Álisson Jardel Silva e Marco Santoro convida a
considerar o estado de Palhaço como um meio de potencialização das relações interpessoais em
sala de aula. Os autores indicam ser o Estado de Palhaço como o modo próprio de agir do
palhaço, fundamentado na capacidade de interação e jogo dele com o público e ambiente ao
redor. A palhaçaria é uma prática que tem como foco o aperfeiçoamento da relação e da
interação com o outro e pode ser um recurso de afinamento da dimensão interacional das/os
professoras/es e das relações em sala de aula, afirmam.
Interessa aos autores nesse trabalho destacar a função social que o palhaço exerce ao
revelar a nossa humanidade através de nossas fraquezas, dores, tragédias, ilusões,
infantilidades, vulnerabilidades. Traçam assim, pontos de interseção entre a palhaçaria e o fazer
pedagógico, indicando o estado do Palhaço como um convite a pensar a docência também em
seu papel de abertura às nossas fragilidades, incompletudes e em seu caráter curioso e
novidadeiro, que assim como a criança, olha para o mundo com olhos de primeira vez. Vê
soluções inéditas para os desafios cotidianos, inventa modos de expressão que rompem com os
estereótipos usuais.
Neste olhar do palhaço, “tudo o que não tem importância lhe interessa”, pois “O
mundo, para ele, é um lugar extremamente interessante, sendo o palhaço um ser em
constante deslumbre. Este interesse pelo mundo é partilhado com a audiência, trazendo -a
8
para o mundo particular criado pelo palhaço”, conforme citação de Castro (2005, p. 12)
feita pelos autores.
Em O corpo e o lúdico na escola: experiências e possibilidades na área de
humanidades, Camila Machado, Carla Trigo, Mariana Paixão, Vania Bizoni e Marco Santoro,
propõem um conjunto de experiências que atuam na contramão da lógica que separa corpo e
mente e da disciplinarização dos corpos. Convidam, o que nomeiam de ethos lúdico, a entrar
na escola, buscando reencantar este espaço por meio de práticas sensíveis e criativas, que
consideram a importância da interação no aprendizado, da arte e o jogo como estratégia de
mobilização e envolvimento de crianças e jovens. Apresentam relatos de atividades e
experiências desenvolvidas através da ludicidade durante as aulas de Dança, Educação Física e
Artes Visuais em diferentes escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo central
destes relatos é demonstrar possibilidades de superação de paradigmas educacionais com
características conservadoras que se utilizam do excesso de controle que limitam as capacidades
das crianças e dos jovens a desenvolverem uma construção do conhecimento em que
professoras/es e estudantes possam ser protagonistas.
Em distintos espaços, as autoras e o autor relatam um conjunto de experiências que se
voltaram a promover atividades de dança, arte e jogo, são elas: Possibilidades e Experiências 1
- O objeto lúdico no ensino de Dança para a Educação Infantil: o corpo brinquedo no Centro de
Referência em Educação Infantil do Colégio Pedro II; Possibilidades e Experiências 2 -
Educação física: resgatando a ludicidade através dos jogos e brincadeiras populares, vivenciada
com as/os alunas/os do oitavo ano do Ensino Fundamental, de uma instituição localizada no
Município de São João de Meriti. Este tema teve como objetivos resgatar a Cultura Popular
dentro do âmbito escolar e desenvolver aulas mais lúdicas e Possibilidades e experiências 3 - O
lúdico nas aulas de Artes Visuais: uma experiência com o primeiro segmento escolar, realizada
em uma Escola Municipal da cidade do Rio de Janeiro, proporcionando atividades que através
da experimentação visual e corporal, ampliaram o repertório imagético das crianças por meio
de propostas que envolveram o corpo, a imaginação e a criação artística.
Mergulhar nas experiências que esses cinco capítulos nos apresentam, fartamente
detalhadas, contextualizadas e sustentadas em reflexões potentes a respeito do papel da escola,
da presença do corpo e da arte nas práticas docentes, dentre outros temas do tipo, nos anima
com as possibilidades de práticas que fazem da escola um lugar que convida o corpo a penetrar
os seus muros (p. 88), permitindo que nós, professoras e professores interessadas/os na vida, na
alegria, no encontro, na arte e no movimento de crianças, jovens e adultos, esperancemos!
9
Confio que a leitura dessa obra poderá ser boa companhia no desafio da construção de uma
docência criativa, com escuta aberta à criança e aos jovens, suas corporeidades e expressões!
Adrianne Ogêda Guedes
Pedagoga, Psicóloga e Bailarina (Escola Angel Vianna)
Doutora em Educação - UFF
Líder do Grupo de Pesquisa FRESTAS
Professora Associada - UNIRIO
Dedica-se aos campos de formação docente, da corporeidade e investiga o diálogo
entre arte e educação.
10
1 Introdução
O texto aqui desenvolvido apresenta o aporte teórico utilizado como base para a
elaboração de uma pesquisa de mestrado, realizada com alunos do terceiro ano do ensino
fundamental do campus São Cristóvão I, do Colégio Pedro II, que aborda o uso do corpo na
escola por meio de atividades lúdicas relacionadas aos conceitos básicos da disciplina Educação
Musical.
Inicialmente, verificamos que, ao completarem o ciclo da educação infantil, um
quantitativo importante de crianças encarava a nova etapa como algo sério e distante das
brincadeiras que vivenciaram na etapa anterior. Também percebemos, a partir de nossas
observações em anos de magistério, que, na maioria das escolas, o aluno do primeiro ano se
depara com uma dicotomia entre a hora de brincar e a hora de aprender. Isso sugere um
estranhamento que pode levar à desmotivação no processo de aprendizagem. Conforme nos diz
Gomes (2009, p.1), “ao entrarem na escola (…) para se escolarizarem, que quer dizer, também,
letrarem-se (…), as crianças deixam no pause a sua ludicidade”. Logo a seguir, a autora
questiona a possibilidade de ser esse o motivo de, logo cedo, elas apresentarem “sintomas de
desgosto e rejeição pela escola” (GOMES, 2009).
Algo semelhante acontecia no ensino de Música na educação básica. Hentschke (1994)
já constatava que muitos alunos não gostavam das aulas de música porque a prioridade dos
professores era o estudo da teoria musical. O educador e musicólogo inglês Keith Swanwick
(2003, p.18) ratifica esse pensamento ao afirmar que “como qualquer outro meio de
pensamento, o discurso musical pode ser socialmente reforçado ou culturalmente provocativo,
aborrecido ou estimulante”.
1
Mestre em Práticas de Educação Básica pelo programa MPPEB/CPII e licenciado em Educação Artística, com
habilitação em Música, pela UNIRIO. Atua como professor efetivo de Educação Musical no Colégio Pedro II.
2
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
11
Paiva (2000), em sua pesquisa sobre brinquedos cantados, corrobora com o pensamento
acima, quando diz que:
Muitas vezes, a única chance que os alunos têm de sair dessa passividade apontada pela
autora acima citada é durante as aulas de Educação Física. No entanto, a construção do
3
“Fazer musical” é uma expressão que denota uma ação, seja ela tocar, cantar, compor, improvisar etc.
12
conhecimento em outras áreas de ensino também pode se valer de ações realizadas de forma
criativa, nas quais sejam incluídas atividades corporais, conforme sugestão de Salvador:
época eram educadores em busca de um ensino que ousasse sentir e apreciar a música,
experimentar os sons e o fazer musical antes de trabalhar a compreensão de sua linguagem
formal. Rompendo com o paradigma tradicional,
Ou seja, mesmo Villa-Lobos, que seguia pela linha do canto orfeônico, paralelamente
ao movimento de iniciação musical de Sá Pereira e Liddy Mignone, apostava na
experimentação e na intuição como caminho para que o aluno pudesse elaborar conceitos mais
avançados. Sá Pereira corrobora com o pensamento de Villa-Lobos, quando diz que “a intuição
é, pois, o conhecimento imediato das coisas e dos fenômenos que nos é fornecido pelas
sensações (...) até chegar à elaboração do conceito, da ideia abstrata” (SÁ PEREIRA, 1937 apud
FERNANDES, 2016, p.65).
Fernandes (2016) faz uma triangulação entre a fala de Sá Pereira, os fundamentos da
Escola Nova e as ideias de Jaques-Dalcroze, ao reproduzir um questionamento do pedagogo
suíço, no qual ele faz um paralelo entre o aprendizado musical e o linguístico: “No aprendizado
da língua, deveríamos, antes de aprender a gramática, aprender a falar. Por extensão, por que
aprender noções teóricas e leis de harmonia antes de aprender a tocar e cantar?” (DALCROZE,
1967 apud FERNANDES, 2016, p.65). Swanwick (2003) compartilha da ideia de
experimentação da linguagem musical antes de sua aquisição formal e faz comparação
semelhante, inspirado em Dalcroze:
4
Languagers: falantes, pessoas que falam [nota das tradutoras do livro].
5
Musicers: pessoas que fazem música ou que a apreciam [nota das tradutoras do livro].
14
influenciado pelo movimento modernista, ele se baseava nas ideias da Escola Nova, que tinha
Anísio Teixeira e Lourenço Filho entre seus principais entusiastas no Brasil.
A Escola Nova tinha como uma de suas bases o pensamento de William James
e John Dewey. Preocupação com a qualidade do ensino, o caráter objetivo, o
controle didático, o uso de conhecimentos novos e a fundamentação biológica
e psicológica do ensino (LOURENÇO FILHO, 1972 apud FERNANDES,
2016, p.64).
Essas influências fizeram com que Sá Pereira fundamentasse seu trabalho com base no
ensino ativo e promovesse jogos e práticas corporais “que tinham como objetivo colocar a
criança como centro do processo de ensino e dinamizar a relação professor-aluno”
(FERNANDES, 2016, p. 64). Sá Pereira era, nas palavras de Fernandes (2016, p. 65), “contra
o ensino expositivo e livresco”.
Contemporânea de Sá Pereira, Liddy Mignone também se inspirou em fundamentações
psicológicas do desenvolvimento infantil para estabelecer seu método de iniciação musical.
Rocha (2016) nos diz que, no entendimento de Mignone, era necessária uma adequação das
atividades musicais às fases do desenvolvimento infantil e que, portanto, não era ideal que a
criança fosse exposta a qualquer tipo de atividade. A autora expõe as ideias de Lourenço Filho,
nas quais ele afirma que
Rocha (2016) nos faz entender que uma das fortes influências do método de iniciação
musical de Mignone foi, sem dúvida, a pedagogia de Dalcroze, que, dentre os aspectos mais
relevantes, apostava nas atividades lúdicas, no movimento e na representação corporal de
elementos musicais. Ainda segundo a autora,
Percebemos a forte presença dos jogos que envolviam o corpo nos métodos de iniciação
musical. No entanto, Mignone usava esses jogos como motivadores da atenção das crianças,
chamando-os de atividades recreativas, preparando-as para uma etapa dita mais mental a seguir:
os jogos com material concreto, como cartões proporcionais de ritmo.
15
Dalcroze iniciou suas experiências com exercícios rítmicos que envolviam todo o corpo
após observar que a música não era sentida apenas pelo ouvido, mas pelo corpo inteiro, e, por
isso, entendeu que a educação musical deveria ser, ao mesmo tempo, uma educação de
movimento livre, natural e harmonioso. Ele buscava “uma experiência de aprendizagem que
garanta que ao final do trabalho o aluno seja capaz de dizer ‘eu sinto’, ao invés de dizer ‘eu
sei’” (SANTOS, 2001, p.18-19). O principal objetivo dos exercícios de Rítmica era “fazer com
que o aluno se familiarizasse com os elementos da linguagem musical através do movimento
corporal” (MARIANI, 2016, p.39).
Como a primeira formação de Jaques-Dalcroze foi relacionada às artes dramáticas, o
seu método naturalmente trazia muitos elementos que ultrapassavam os limites da música, de
maneira que a Rítmica foi – e ainda é – muito usada por alunos de dança, bem como em
experimentações cênicas com movimento. Nas aulas de Música, Dalcroze encontrou muita
resistência às suas propostas. O uso do corpo era visto como algo desnecessário em meio a uma
cultura erudita baseada na aprendizagem mental, por meio de funções cerebrais, e na
racionalidade do paradigma cartesiano, dominante na época. O simples ato de os alunos ficarem
descalços para executar os exercícios já causava estranhamento (DEL PICCHIA; ROCHA;
PEREIRA, 2013).
Formulado inicialmente para jovens e adultos, o método foi ampliado para a educação
de crianças (FONTERRADA, 2008), pois, influenciado pelas teorias psicopedagógicas em alta
na sua época, Dalcroze conseguiu antever um maior ganho na aprendizagem musical se os
exercícios fossem iniciados com crianças de seis anos ou idades inferiores. O educador Sá
Pereira considerava o método Dalcroze ideal para os seus exercícios de vivência, e que a melhor
fase para isso era
Movidos por esses ideais é que passamos então a pensar nas possibilidades de um
trabalho de iniciação musical baseado não exclusivamente na Rítmica Dalcroziana, mas nas
suas bases teóricas e nos princípios educacionais por ela defendidos, para estudar as atividades
lúdicas corporais como potencializadoras da aprendizagem musical.
A importância do brincar é uma questão que nos inquieta há muito tempo. Em nosso
trabalho final de pós-graduação lato sensu (especialização), pesquisamos esse tema usando as
brincadeiras de roda e brinquedos cantados como elementos importantes para o
desenvolvimento da criança.
A pesquisa já descrevia a importância de resgatar jogos e brincadeiras de roda, que eram
pouco utilizados. Como possíveis causas desse declínio, apontávamos a diminuição das
brincadeiras de rua, por conta da violência urbana e das clausuras dos condomínios, e o processo
18
de democratização do acesso aos meios digitais, que exercem fascínio nas crianças desde muito
cedo.
No referido trabalho, respondemos à questão central, ao apontar para a escola a
necessidade de promover jogos e brincadeiras de roda com as crianças, não necessariamente
dentro das práticas educativas, mas também nos momentos de recreação, pois o que víamos nos
horários de intervalo eram somente piques, jogos de mesa, como totó e pingue-pongue, jogos
de tabuleiro e um grande número de crianças com jogos eletrônicos. A ideia não é substitui-los,
pois têm igual importância no desenvolvimento infantil, mas adicionar outras novas/antigas
formas de brincar (GOMES, 2008).
Nesta parte do texto, trazemos autores que estudaram as relações da ludicidade com os
processos de aprendizagem, buscando a fundamentação teórica para aplicar o lúdico na
educação musical de crianças dos anos iniciais do ensino fundamental. O bojo do nosso estudo
dentro do campo lúdico é o jogo – ou brincadeira.
Encontramos, nas literaturas pesquisadas, autores como Luckesi (2014 apud MASSA,
2015), que defendem uma distinção entre lúdico e ludicidade. No entanto, Miranda (2004)
defende o lúdico como uma categoria geral, na qual estariam inseridos o jogo, o brinquedo e a
brincadeira; considera que há uma relação intrínseca entre os três termos, porém, faz uma
distinção simplificada entre eles. Calcado em estudos de Piaget, Miranda define o jogo como
uma atividade que pode ser realizada em grupo ou individualmente e que tem duas
características principais: a existência de regras e a proposição de metas a serem alcançadas ao
fim da atividade. Ele ressalta ainda que o brinquedo é um objeto físico e manipulável com que
a criança joga ou brinca (BROUGÈRE, 1997). Para concluir, ele define a brincadeira como o
brinquedo em ação, a atitude de brincar ou de jogar, que pode ser com um objeto concreto ou
não.
No que tange à conceituação de brinquedo, Kishimoto (1996) corrobora com a definição
de Miranda (2004), quando se refere a ele como um objeto manipulável. O brinquedo é o que
leva a criança ao mundo do faz-de-conta e faz com que ela exerça sua imaginação para
representar aquilo que conhece do mundo real. Kishimoto (1996, p.24) diz ainda que o
brinquedo “enquanto objeto é sempre suporte de brincadeira. É o estimulante material para fluir
o imaginário infantil”.
Já o conceito de brincadeira que a referida autora traz é definido como:
Mais adiante, ao dissertar sobre o jogo, a autora admite existirem regras explícitas ou
implícitas que conduzem a brincadeira, e é nesse momento que os conceitos de jogo e
brincadeira começam a se imbricar, atribuindo a ambos as mesmas características: “todo jogo
acontece em um tempo e espaço, com uma sequência própria da brincadeira” (KISHIMOTO,
1996, p. 26).
Em nossa pesquisa, desenvolvemos as possibilidades do lúdico como facilitador da
aprendizagem, ou seja, observamos a influência da proposição de uma série de jogos e
brincadeiras dentro do contexto das aulas de educação musical na educação básica. Então,
natural seria perguntar por que não adotamos o termo jogos educativos. A resposta vem por
conta da complexidade de conceituação dessa expressão, que geraria uma gama de infindáveis
discussões.
Para tanto, fundamentados em Freire (2005), preferimos não usar o termo jogo
educativo, mas apostar no caráter educativo do jogo e em suas possibilidades no contexto da
aprendizagem. Essa ótica de Freire é reforçada por Kishimoto (1996, p.41): “Quando as
situações lúdicas são intencionalmente criadas pelos adultos com vistas a estimular certos tipos
de aprendizagem, surge a dimensão educativa” (grifo nosso).
Seguindo a mesma linha de pensamento de Miranda (2000), elegemos o jogo como
objeto de investigação. No entanto, em nosso caso, vamos caracterizá-lo como uma atividade
lúdica que prima pela movimentação corporal no tempo e no espaço – fatores que nos remetem
novamente à Rítmica Dalcroziana.
No ensaio sobre a contemporaneidade de Dalcroze, Santos (2001) faz menção à
importância da corporeidade na educação, defendida por Assmann (1999):
que aumenta também a relação com outras pessoas e objetos, e com isso a criança começa a
estabelecer acordos e a construir regras que a auxiliam na interação com o mundo.
Segundo Miranda (2004), os educadores e a família definem a escola e a educação como
algo penoso. Expressões como “dever de casa” ajudam a internalizar essas ideias. O lúdico é
uma característica inerente ao ser humano: o ser brincante que somos, naturalmente, desde que
nascemos. O autor também explica que os sistemas de ensino pressupõem que, após a educação
infantil, chega o momento em que a escola praticamente não dá mais espaço à brincadeira.
Voltamos à dicotomia temporal entre a hora de brincar e a hora de aprender, que se apoia na
concepção cartesiana de vida. Quando formulou os princípios da Escola Nova, Dewey fez
críticas a essa controvérsia. Santos nos lembra que:
Dewey foi um dos reformadores a apoiar essa nova instituição [Escola Nova],
com um discurso da pedagogia sobre a infância, combatendo a dicotomia entre
atividade livre e dirigida, jogo e trabalho, cognitivo e afetivo, corpo e mente, e
entendendo a experiência estética como mobilizadora de uma unidade
integrada do ser humano (NUNES, 1997 apud SANTOS, 2001, p.16-17).
Piaget também defendia a escola ativa – um dos princípios da Escola Nova –, na qual
cada indivíduo constrói ativamente o conhecimento. Nas séries iniciais, nem sempre os
professores praticam o lúdico pela preocupação com o desenvolvimento cognitivo, mesmo
sabedores de que o jogo é um excelente suporte. Muitas vezes o que motiva o uso de jogos, por
senso comum, são os processos de socialização implícitos nas atividades lúdicas. O que também
é muito importante quando pensamos o jogo e as brincadeiras como atividades isoladas no
processo de aprendizagem (FREIRE, 2005). A socialização, advinda da utilização do lúdico,
surge do fato de não lidarmos somente com o indivíduo, mas com um grupo de pessoas que,
quando está reunido, encontra no brincar uma das melhores atividades a se fazer (MIRANDA,
2004).
Sobre essas questões, Kishimoto defende que:
o brincar é algo a ser aprendido em sociedade, pois cada uma delas tem sua
forma de brincar. Aprender afetividade, saber lidar com a frustração de ganhar
ou perder. Cada grupamento tem seu conjunto de regras, eles definem o que
vale e vão gradativamente ampliando aquilo que a gente chama de cultura
lúdica. Um conhecimento específico de crianças que brincam. Brincando dessa
forma, a criança adquire iniciativa, flexibilidade, capacidade de dialogar com
o outro, com o diferente, espírito de liderança, desenvolve capacidade de
escolha, raciocínio matemático, linguístico e espacial. (KISHIMOTO, 2015)
aprender e apreender o mundo. Com isso, Piaget nos faz concluir que o jogo serve como suporte
para todas as aprendizagens, nas quais se incluem aquelas formais do contexto escolar.
Wallon também pesquisou relações entre o lúdico, o ser brincante e as origens do
pensamento. Ele procurou observar a criança em suas primeiras interações com o mundo,
quando estudou a origem dos processos do pensamento (MIRANDA, 2004). Se fizermos uma
correlação de como a mediação da aprendizagem passa pelo processo do pensamento, podemos
supor que o uso do lúdico propicia uma possibilidade maior de aprendizagem. Para endossar
essas relações, Miranda (2016), citando Vigotsky, nos diz que:
Com efeito, a música tem uma aproximação muito forte com o brincar. Se pensarmos
em termos linguísticos ou filológicos, observaremos que, na Língua Portuguesa, isso não fica
tão evidente porque dissociamos os verbos brincar e tocar. No entanto, em inglês, o verbo to
play pode ser usado para as duas acepções. De igual modo, em francês, jouer pode denotar
ambas as ações. Ao transportarmos essa ideia para o campo da música, encontramos essa
aproximação referendada por Brito (1998), quando a autora constata que uma das características
da linguagem musical é o fato de ela ter um caráter lúdico. A práxis docente nos faz refletir
sobre uma aula de música na qual as crianças seriam invité à jouer/invited to play6, o que nos
leva a concordar, por empirismo, com a autora.
Para Joly (2003), ao brincar, a criança se relaciona com a música não somente pela
possibilidade de fruir experiências musicais, como também de ampliar a sua visão de mundo.
6
Jogo de palavras, decorrente da ideia contida dentro do mesmo parágrafo, no qual se discorre sobre a dupla
acepção de to play e jouer. Em português, expressaria um convite para tocar e brincar.
22
Esse aporte teórico descrito acima foi importante para que pudéssemos dialogar com a
análise de dados e confirmar a nossa hipótese, afirmando que os conceitos musicais trabalhados
de forma lúdica, por meio de jogos, conduzem a uma aprendizagem mais significativa e
prazerosa.
5 Considerações finais
No início deste texto, apontamos uma preocupação com o interesse dos alunos em
relação à disciplina de Educação Musical. É sempre um desafio para o professor fazer com que,
para além do prazer em cantar e escutar uma música, o aluno se sinta motivado a aprender
aspectos fundamentais sobre Música, o que pode, até mesmo, ajudá-lo a fruir de maneira
integral essa expressão artística.
A escola, muitas vezes apegada ao currículo e ao conteúdo, se esquece de que o primeiro
pressuposto para uma aprendizagem significativa é a motivação para aprender. Por isso, torna-
se fundamental a busca de possibilidades pedagógicas que tragam à tona a alegria e o prazer
em conquistar novos conhecimentos.
Se por um lado apresentamos, ao longo do trabalho, metodologias amplamente
utilizadas ao longo dos anos, por outro pudemos constatar que as necessidades que moveram
os pedagogos que as criaram ainda se mostram atuais. Nas últimas décadas, a escola pouco
23
nos anos iniciais do ensino fundamental 7 –, no qual apresentamos uma série de jogos musicais
para uso em sala de aula, no ensino regular. Esse produto foi aplicado em nossa pesquisa,
fazendo com que conseguíssemos alcançar os objetivos para ela definidos.
À medida que fomos aplicando os jogos elaborados para o produto educacional,
percebemos um interesse maior nas crianças em aprender os conteúdos, para que, com isso,
conseguissem brincar, jogar com os colegas. Como é da natureza da criança, a repetição é algo
sempre presente e de grande importância. Portanto, jogar várias vezes o mesmo jogo, em vez
de enfadonho, fez com que as aulas se tornassem prazerosas e muito proveitosas. Durante a
análise dos dados coletados nas entrevistas e nos diários de campo, verificamos muitas falas
dos alunos nesse sentido.
Por fim, constatamos que as experiências pedagógicas advindas desse estudo
promoveram, a partir das ações planejadas na área do ensino de Música e em consonância com
a corporeidade, o desenvolvimento da autonomia individual e de grupo. Além disso, auxiliaram
na percepção e na capacidade de empreender relações democráticas, em que os envolvidos
demonstraram o respeito às diferenças, em um processo de superação de conceitos como o
individualismo e a competitividade exacerbada, naturalizada na sociedade e, em especial, no
espaço escolar.
Referências
DALCROZE, É. J.. Rhythm, music and education. London: The Dalcroze Society, 1967.
7
O produto educacional é parte integrante e indissociável da dissertação resultante da pesquisa no programa de
Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica da PROPGPEC do Colégio Pedro II, e está disponível em:
https://www.cp2.g12.br/blog/mpcp2/files/2017/02/Produto-Samuel-Gomes-2019.pdf
25
FREIRE, J. B.; SCAGLIA, A. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003.
GOMES, C. F. Brinco, logo existo: o papel da ludicidade na educação escolar. In: GRANDO,
B. S. (Org.). Corpo, educação e cultura: práticas sociais e maneiras de ser. Ijuí: Unijuí, 2009,
v. 1, p. 111-118.
HENTSCHKE. L. Um tom acima dos preconceitos. Presença pedagógica, Belo Horizonte, ano
1, n. 3, p. 28-35, maio/jun. 1994.
MIRANDA, S. de. Prática pedagógica das séries iniciais: do fascínio do jogo à alegria do
aprender. 187 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
de Brasília, Distrito Federal. 2000.
MIRANDA, S. de. O Lúdico na Educação – Simão de Miranda – Canal E. In: Em dia com
a educação. Brasília, 2004. Disponível em: https://youtu.be/xlXT8CLUYrI. Acesso em 3 mar.
2019.
26
1 Introdução
No ano de 2017, o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, passou a
oferecer a Dança como uma atividade extracurricular no Campus São Cristóvão II. O corpo
discente atendido nas oficinas de Dança era composto por adolescentes que apresentavam
realidades contrastantes, tanto no âmbito social quanto econômico. Todos vivenciavam
conflitos comuns à faixa etária, que influenciavam de forma decisiva no desempenho escolar e
nas relações sociais construídas dentro e fora do Colégio.
Essa ambiência e o início da frequência às aulas do Mestrado em Práticas de Educação
Básica do Colégio Pedro II levaram as autoras à pesquisa que teve como objetivo investigar se
a prática da Dança na escola poderia influenciar positivamente a autoestima dos estudantes,
contribuindo para a qualidade de vida e a mitigação de problemas emocionais na adolescência.
O estudo considerou as percepções pessoais de quinze adolescentes, com idades entre
treze e dezessete anos, que frequentaram as oficinas de Dança nos anos letivos de 2017 e 2018.
Os conceitos de corpo enquanto experiência e de autoestima fundamentaram a pesquisa,
que resultou na publicação do livro “A autoestima na Dança-Educação: uma estratégia com
abordagem somática”. Ressalta-se que o corpo enquanto experiência é o pilar da Educação
Somática, área de conhecimento que trouxe contribuições significativas para o Ensino da
Dança. O material é composto por quinze atividades que, segundo os estudantes, contribuíram
para a elevação de suas autoestimas.
8
Mestra em Educação pelo Colégio Pedro II, pertence ao Grupo de Pesquisa: Análise do Uso e Produção de
Recursos Didáticos. Possui Licenciatura Plena em Dança (UniverCidade).
9
Doutora em Ciência da Informação (UFRJ), Mestre em Educação (UCP), Especialista em Informática Aplicada
à Educação (UCP), Especialista em Psicopedagogia Diferencial (PUC-Rio), Licenciada em Matemática
(FAHUPE). Professora titular do Colégio Pedro II, atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII).
28
3 A autoestima na adolescência
Estudos recentes sobre a saúde mental realizados pela OPAS (2018) revelam a urgência
de ações que estimulem o equilíbrio emocional de adolescentes. Os dados afirmam que a baixa
29
autoestima pode contribuir para o aparecimento de vários distúrbios que podem colocar o
adolescente em situações de vulnerabilidade social, física ou mental.
O adolescente atravessa um momento marcado pela crescente individualização e
independência familiar, o luto causado pela morte da infância e a busca por se identificar
enquanto pessoa (AGUIAR, 2014, p. 14). Todas essas transformações refletem diretamente na
construção da autoestima durante essa fase da vida (SCHULTHEISZ; APRILE, 2013, p. 38).
A autoestima é um traço da personalidade definido como uma autoavaliação que o
indivíduo faz de si mesmo. Ela pode apresentar-se de duas formas: positiva ou negativa. A
autoestima é positiva quando a pessoa apresenta sentimentos como orgulho, valorização de si
mesmo, confiança, sucesso e a percepção equilibrada entre qualidades e defeitos próprios. Isso
significa que o adolescente com autoestima positiva apresenta um olhar positivo sobre a vida,
buscando enfrentar os seus desafios (ASSIS; AVANCI, 2004, p. 163). Por outro lado, a
autoestima é negativa quando a pessoa apresenta sentimentos como insegurança, inferioridade,
medo, vergonha, fracasso e a percepção maior dos defeitos sobre as qualidades
(SCHULTHEISZ; APRILE, 2013, p. 38).
A autoestima relaciona-se diretamente com outros dois construtos da personalidade: o
autoconceito e a autoimagem. O autoconceito é formado pelas autopercepções projetadas pela
pessoa e pela forma com que outros a percepcionam em diferentes aspectos da vida. Já a
autoimagem é construída a partir da descrição de si mesmo e é influenciada pela forma como
outras pessoas o descrevem, apresentando uma porção real e uma ideal. O equilíbrio entre a
imagem real de si e a maneira como deseja-se ser (ideal) configura-se como uma característica
de autoestima elevada (PEIXOTO, 2003, p. 49-53).
A autoimagem é um dos pontos determinantes para o equilíbrio psicossocial dos
adolescentes. Nessa fase da vida, ao mesmo tempo em que passam por diversas mudanças
corporais, eles são influenciados pela mídia, que apresenta um modelo de corpo ideal o qual os
adolescentes, muitas vezes, desejam alcançar para sentirem-se pertencentes a determinados
grupos. Ao não alcançar determinado padrão de corpo, o adolescente desenvolve um sentimento
de frustração e se isola, revelando uma baixa autoestima.
Embora subjetiva, a autoestima pode ser analisada por instrumentos que se apresentam
em forma de questionários. Na pesquisa que deu origem a este artigo, serviram como referência
para elaboração das entrevistas a Escala de Autoestima e Autoconceito (EAA), de Peixoto
(2003) e Peixoto e Almeida (2011), e a Escala de Autoconceito Artístico (EAA), de Pipa e
Peixoto (2011, 2014), instrumentos de medida aplicados a adolescentes portugueses, que mais
se aproximaram da realidade desse estudo.
30
vivências realizadas durante sua trajetória como bailarina, professora e pesquisadora (RAMOS,
2007, p. 23).
O trabalho desenvolvido por Vianna inspirou muitas práticas realizadas no Projeto de
Dança desenvolvido no Campus. A presença e a observação dos micromovimentos do volume
e da estrutura corporal, dos acionamentos musculares, do toque, das intencionalidades, das
sensações, dos alinhamentos posturais (nas relações do corpo com o espaço e com o outro) e
das possibilidades de apoio em suas relações gravitacionais eram, constantemente, explorados.
Todos os procedimentos eram abordados sob o viés somático.
Nessa fase da vida marcada por tantas transformações, é importante repensar estratégias
de Ensino que promovam o equilíbrio psicossocial do adolescente. O corpo explorado no campo
experiencial é um caminho para o alcance de tal objetivo, já que o saber da experiência se dá
na relação entre o conhecimento e a vida humana, em um mundo de estímulos instantâneos,
onde a experiência é rara e em que o indivíduo é atravessado por diversas informações
desprovidas de significado ou valor (BONDÍA, 2002, p. 22; 23; 26).
Toda experiência, ao entrar em contato com a realidade individual, atravessa cada aluno
de forma única, logo não se pode projetar uma forma única de ensinar e aprender, mas
oportunizar ao estudante a descoberta de seu próprio caminho, com total autonomia. O
professor, nesse sentido, não é o detentor do saber, mas o mediador/facilitador do
conhecimento.
existência ou não de interesse na Dança pelos estudantes, antes mesmo do início das oficinas.
E em “Percepções pessoais dos participantes” foram analisados os sentimentos de autovalor, de
orgulho e de respeito, para investigar se os estudantes se percebiam da mesma forma, pior ou
melhor do que antes de participarem das oficinas.
Para a representante da Direção Pedagógica e do Núcleo de Atendimento às Pessoas
com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE): “Ela (a Dança) dá esse poder e eu
considero isso um poder mesmo, você gostar de si, você poder pensar em um movimento e
poder realizar [...] a consciência corporal que a Dança traz, sem sombra de dúvida, ela
influencia na autoestima de uma maneira definitiva” (BIANNA DOS REIS, 2020).
Sobre a percepção de momentos de sucesso e fracasso na Dança, todos revelaram ter
tido mais momentos de sucesso, como na fala do estudante Marcos 10, a seguir:
10
Para manter o sigilo quanto à identificação dos participantes, nomes fictícios foram adotados.
36
existiam, entre os participantes, estudantes com conflitos relacionados à aparência e se, durante
a permanência no projeto, essa insatisfação com o próprio corpo diminuiu ou não.
Durante a vigência do projeto, destaca-se a busca constante pelo corpo possível e não
idealizado, característica encontrada no Método de Vianna (RESENDE, 2008, p. 572). A fala
da estudante Clarissa evidencia a importância de propor estratégias que desenvolvam nos
estudantes o sentimento de autoaceitação: “Hoje eu me sinto melhor com a minha aparência,
com o formato do rosto e do corpo, com os meus traços físicos [...] ajudou (a Dança) a entender
meu corpo, me fez acreditar que as pessoas podem ser diferentes, que elas não precisam ser
iguais a ninguém” (BIANNA DOS REIS, 2020).
A fala da representante da Seção de Orientação Educacional e Pedagógica evidencia a
necessidade de se trabalhar no espaço escolar as questões que envolvem a autoaceitação,
principalmente na adolescência.
Apesar dos conflitos relacionados à aparência não terem sido a motivação principal para
o ingresso nas oficinas, algumas falas denotam incômodos com o corpo, que transpareceram
em outros momentos da entrevista. Mais um dado importante é que, para todos os entrevistados,
a prática da Dança foi determinante no processo de autoaceitação do corpo.
Ela (Dança) de qualquer maneira promoveu uma relação, uma interação muito
grande [...] era um projeto totalmente inovador, não era um projeto exclusivo
de cada série, de cada turma, era um projeto totalmente interativo. Então,
inscreviam-se para a Dança, por exemplo, estudantes do 6º ao 9º ano[...]o
resultado foi muito interessante (BIANNA DOS REIS, 2020).
11
"Pedrinho" é um termo popularizado entre a comunidade escolar para designar o Primeiro Segmento do Ensino
Fundamental do Campus São Cristóvão I, localizado no bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro.
38
Após análise dos dados relacionados aos laços de amizade, de respeito ao próximo, de
interação social, entre outros, verificou-se que a dimensão social presente no autoconceito
reflete diretamente na construção da autoestima, melhorando-a consideravelmente a partir das
experiências vivenciadas no projeto-piloto de Dança e essa melhora se estende às vivências
realizadas fora.
desempenho tivesse ligado a questões mais profundas que a questão intelectual e eles puderam
alcançar” (BIANNA DOS REIS, 2020).
O estudante André destacou a importância de uma abordagem no ensino da Dança livre
de uma estética pré-estabelecida, ao afirmar que
No Ballet tem uma coisa que considero muito mais robótica, por que os exercícios são
muito padronizados e você tem uma expectativa muito alta de ser exatamente como
professora mandou. Já nas nossas aulas eu me sentia muito melhor, muito mais
confortável [...] muito mais livre [...] eu não estava tentando atingir a perfeição
(BIANNA DOS REIS, 2020).
7 Resultados e considerações
Durante a interpretação dos dados, foram aferidas as opiniões dos estudantes e dos
membros da gestão pedagógica junto ao referencial teórico e conceitual, cuja convergência dos
dados levou à confirmação da hipótese inicial: a prática da Dança influenciou positivamente a
autoestima dos adolescentes. Os participantes apresentaram sentimentos como autovalorização,
autorrealização e autoaceitação.
Verifica-se que investigações mais aprofundadas sobre a relação entre a prática da
Dança e a promoção da autoestima no ambiente escolar precisam ser desenvolvidas. Essas
discussões são determinantes para a construção de um novo paradigma e um novo olhar sobre
o papel da Dança na escola, principalmente na adolescência, momento em que o estudante
atravessa tantas transformações.
41
Referências
OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde. Folha informativa sobre aSaúde Mental dos
Adolescentes, Brasília, set., 2018. Disponível em
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5779:folha-
informativa-saude-mental-dos-adolescentes&Itemid=839. Acesso em: 4 jun. 2021.
RAMOS, E. Angel Vianna: a pedagoga o corpo. São Paulo: Summus Editorial, 2007. E-Book
Scribd.
43
1 Introdução
12
Mestra em Práticas Pedagógicas da Educação Básica (MPPEB/CPII). Graduada em Licenciatura em Educação
Física (UFRJ). Especialização em Educação Física Escolar (UGF).
13
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
14
Doutor (PUC-SP) em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, mestre em TESOL pela University of
Pennsylvania (2000), graduação em Letras Inglês e respectivas literaturas (UERJ). Professor Titular do Colégio
Pedro II. Professor do Mestrado Profissional em Educação Básica do Colégio Pedro II
45
consistem em “todos os modelos e padrões compartilhados por grupos sociais que permitem
explicações de certos aspectos da realidade.”.
Tendo como pressuposto este conceito de paradigma, é possível entender que as práticas
pedagógicas exercidas no interior das instituições de ensino representam um padrão de
comportamento determinado pelas principais características de um grupo social, por isso, a
importância de compreender o processo histórico, as transições paradigmáticas e sua relação
com o fazer pedagógico.
A história da humanidade é marcada por transições paradigmáticas, passando pela
crença, durante a Pré-história, da existência de dois mundos – o mundo real e o sobrenatural;
pela Era do Conhecimento Clássico, durante os séculos VIII a VI a.C.; pela Teoria do
Conhecimento na Idade Média; pelo Renascimento nos séculos XIII ao XV até chegarmos na
Idade Moderna, em que, sob a influência de Descartes e o surgimento do Paradigma Cartesiano,
passou-se a compreender a necessidade de se reduzir e fragmentar as partes para o entendimento
do todo (BEHRENS; OLIARI, 2007).
Esta visão de mundo influenciou diretamente a ciência e, consequentemente, a
educação, assim:
escola como um lugar de sequestro, onde parte das subjetividades dos alunos é anulada por
meio das práticas ali realizadas.
Este sequestro das subjetividades resulta, portanto, na homogeneização daqueles que
estão envolvidos com o processo de ensino e aprendizagem no contexto escolar. Os
comportamentos pré-estabelecidos começam a ser reproduzidos de maneira mecanizada, o que
gera uma negação do corpo que, por sua vez, acarreta algumas consequências passíveis de
atenção, isso porque, de acordo com Oliveira:
2 Fundamentação teórica
Essa visão nos leva a refletir sobre o uso das metodologias ativas, uma vez que, de
acordo com Bacich e Moran (2018, p.04), essas se caracterizam por tomarem a forma de “[...]
estratégias de ensino centradas na participação efetiva dos estudantes na construção do processo
de aprendizagem, de forma flexível, interligada e híbrida.”. Tais estratégias encontram-se
enraizadas na autonomia e no protagonismo do aluno, com vistas a uma aprendizagem
colaborativa e interdisciplinar (CAMARGO; DAROS, 2018, p. 16), o que nos permite dizer
que propostas pautadas nas metodologias ativas propiciam uma atuação que difere da
perspectiva do paradigma tradicional, ao promover espaços colaborativos, por meio do estímulo
à pesquisa e à contextualização do saber.
Posto isso, ao correlacionar os aspectos até aqui debatidos, podemos nos basear no que
afirmam Camargo e Daros, ao defenderem que:
49
Uma vez que o uso de atividades práticas ou vivências que se utilizem ou estimulem a
imaginação e a criatividade por intermédio de danças, músicas, vídeos, teatralização, poemas e
jogos possam ser consideradas potencialmente lúdicas (VIAL, 2015), elas parecem contribuir
para uma educação condizente com o paradigma emergente. Levando em consideração a
possibilidade de correlacionar as metodologias ativas a práticas potencialmente lúdicas,
pareceu-nos ser pertinente propor um curso de formação continuada que busca aproximar esses
dois conceitos.
Ressaltamos que, no que se refere ao conceito de lúdico, estaremos seguindo os estudos
de Luckesi e de Vial (2015). Nesse sentido, as vivências, para que sejam classificadas como
lúdicas, dependem diretamente das experiências individuais construídas ao longo de sua vida.
Portanto, iremos nos referir a essas atividades ou vivências como potencialmente lúdicas. A
proposta da metodologia ativa segue os princípios de Dewey e, ao correlacioná-la com o
conceito de lúdico aqui mencionado, percebemos a autenticação desses ideais, uma vez que
Dewey faz uma crítica à educação tradicional percebida como voltada para a mera transmissão
dos saberes e aponta como possibilidade pedagógica a construção da aprendizagem por meio
de jogos.
Vale ressaltar que a proposta de atividades potencialmente lúdicas pautadas nas
metodologias ativas exige, por parte dos professores, preparo, estudo prévio e um planejamento
minucioso, objetivando familiarizar tal metodologia junto aos estudantes. Esta preparação e
planejamento tornam-se relevantes devido à falsa sensação existente de que, ao ministrar aulas
pelo viés lúdico, o real sentido da educação se perde no desenvolvimento de atividades
aleatórias, sem vínculo com os conteúdos escolares - fato este que não confere com os estudos
dos diversos autores aqui apresentados.
Passamos agora a apresentar os procedimentos metodológicos utilizados ao longo da
pesquisa.
3 Procedimentos metodológicos
50
Diante das demandas educacionais atuais, mostrou-se relevante uma proposta que
atendesse aos professores do segundo segmento do Ensino Fundamental, das redes pública e
privada, na modalidade curso de extensão, tendo como pressuposto a importância da formação
continuada.
Isso porque, de acordo com Nhanisse (2014, p.37), a formação consiste na “[...]
aquisição de conhecimento, habilidades ou acréscimo de algo (des)conhecido num determinado
tempo e espaço.”. Contudo, ainda sob a perspectiva da autora supracitada, vale ressaltar que
nosso ideal consiste em propor um curso de formação continuada sob o viés da prática do
professor reflexivo, que, por sua vez, encontra suas bases teóricas calcadas nos estudos de
Donald Schön e John Dewey.
A proposta do curso de extensão surgiu do anseio de se buscar novos modelos
educacionais que seguissem um caminho de superação do ensino tradicional, exigindo um novo
perfil de professor, já que a formação com viés mais técnico não auxiliava na resolução dos
problemas cotidianos de sala de aula, pois formava profissionais dependentes de receitas a
serem seguidas no fazer pedagógico.
A construção de um fazer pedagógico rumo à inovação não exige que se descarte o
conhecimento técnico científico. Ao contrário disso, Camargo e Daros afirmam que:
[...] para que se garanta o processo de inovação, deve-se contar com novos
recursos tecnológicos, nova estrutura que possibilite a interação, um novo
modelo de formação docente e, principalmente, a incorporação de novos
saberes, sem desconsiderar o conhecimento científico clássico. (CAMARGO;
DAROS, 2018, p. 7)
temática, o curso proposto apresenta-se como um possível estímulo para práticas inovadoras
em sala de aula.
Isto posto, apresenta-se como objetivo geral do curso: verificar a relação entre o lúdico
e as metodologias ativas, no contexto de sala de aula, por meio de debates e troca de
experiências, tendo como pressupostos os textos abordados durante a realização do evento.
Sendo o lúdico e as metodologias ativas o eixo central dos debates, não seria coerente
propor vivências desconexas dessa premissa. Sendo assim, as vivências foram planejadas e
ministradas com base nos princípios dos temas supracitados, para que os cursistas pudessem:
estações a serem exploradas pelos grupos. Contudo, as limitações físicas e estruturais nos
fizeram adaptar as atividades propostas, realizando algumas modificações. O espaço destinado
ao curso foi o auditório no qual as carteiras são organizadas como em uma arena, ou seja, com
degraus. A presença desses degraus dificultou a movimentação necessária para que a atividade
proposta fosse implementada. A acústica do ambiente também foi algo que demandou algum
ajuste, já que não era possível ouvir com clareza o vídeo de uma das estações.
Figura 1 – Auditório
Em uma das estações, havia a solicitação para que os cursistas elaborassem um material
atrativo abordando o que sentem/pensam a respeito das metodologias ativas. Foi comum entre
os cursistas a associação das metodologias ativas com estradas e voos, ou seja, com percursos
pedagógicos, dialogando com as bases teóricas da pesquisa.
Figura 3 – Metodologias ativas como caminhos pedagógicos
ciclos, mas estes sempre retornando ao mesmo ponto, entretanto, um degrau acima do que
passou da vez anterior.
De acordo com a análise dos resultados da pesquisa, percebemos que as metodologias
ativas e o lúdico parecem favorecer a promoção de espaços nos quais a aprendizagem ativa e
colaborativa se fazem presentes, estimulando, por exemplo, a criatividade, a autonomia e a
construção de estratégias. Atuando de forma a minimizar a promoção de ações coercitivas,
comuns aos ambientes escolares, cria-se a possibilidade de desenvolvimento do aprender para
a vida, de forma que os estudantes se tornem protagonistas de mudanças e não somente
espectadores que obedecem ao curso da vida sem questionamentos e intervenções.
Ainda assim, apesar de diversos limites e dificuldades explicitados nas práticas e nos
discursos experimentados pelos professores cursistas no decorrer das vivências, tais como a
falta de infraestrutura, o conteudismo, o tempo reduzido de aula, dentre outros, foi possível
perceber que as práticas pedagógicas pautadas nas metodologias ativas se apresentam como
alternativas lúdico/corporais pedagógicas com vistas à transição da superação do paradigma de
um fazer com bases no ensino tradicional para possibilidades em busca do ensino mais atual e
crítico denominado de emergente.
Nesse sentido, as nossas pretensões iniciais de construção de conhecimentos dentro do
espaço escolar por intermédio do corpo, das metodologias ativas e da ludicidade encontraram
um campo fértil em relação aos professores que experimentaram uma formação com ousada
proposta de se construir uma experiência nova, com base no acumulado necessário de
importantes experiências anteriores, tomadas como base de lançamento para as nossas
propostas.
A pesquisa que se propunha inicialmente em desenvolver este processo
acadêmico/pedagógico não somente com os professores, mas também com os estudantes, ficou
limitada pelo fenômeno da pandemia da Covid e da inércia do (des)governo perante à sua
administração, longe de ser organizada, planejada e, consequentemente, competente.
Desta forma, tais fenômenos nos limitaram a experiências em apenas uma das áreas
planejadas inicialmente por nós: os docentes. Entretanto, pelo acúmulo do que foi coletado,
produzido e analisado pelos professores, e por eles estarem todos envolvidos no cotidiano do
magistério escolar, esta experiência nos proporcionou condições favoráveis de afirmação de
que tais experimentações da formação continuada provavelmente nos “darão bons frutos” junto
aos estudantes, por meio de aulas mais críticas, dinâmicas, prazerosas, coloridas e com
movimento corporal, com vistas ao protagonismo estudantil autônomo, no processo de
construção do conhecimento escolar.
58
Referências
BACICH, L.; MORAN, J. (Orgs.) Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma
abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
DIESEL, A.; BALDEZ, A.; MARTINS, S. Os princípios das metodologias ativas de ensino:
uma abordagem teórica. Thema, Pelotas, v.14, n.1, p.268-288, 2017. Disponível
em: http://dx.doi.org/10.15536/thema.14.2017.268-288.404. Acesso em: 03 de abril de 2018.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 21. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
1 Introdução
O palhaço é uma figura mundialmente conhecida, seja com o nariz vermelho, roupas
coloridas, com ou sem maquiagem, no circo, na rua ou no palco. Ao nos depararmos com esta
figura e seu modo próprio de agir, nos preparamos para rir, sermos enganados ou fugir com
medo. Não nos mantemos impassíveis diante um palhaço.
Além dos lugares comuns onde esperamos encontrar os palhaços, eles também atuam
em enfermarias, campos de refugiados, lugares longínquos dos grandes centros, expondo a si
mesmos no objetivo de levar mais graça a quem precisa. Essa polivalência do palhaço incita o
questionamento sobre onde mais e de quais outras formas o palhaço e seu ofício podem
beneficiar a sociedade.
É a partir do meu lugar de professor, pesquisador da Educação e palhaço, observando a
minha própria prática profissional e as transformações que a minha vivência enquanto palhaço
provocou em minha atuação docente, principalmente no campo das relações com os meus
alunos, que surge o problema que norteou esse trabalho: como o Estado de Palhaço pode ser
um meio de potencialização das relações interpessoais em sala de aula?
O Estado de Palhaço é caracterizado como o modo próprio de agir do palhaço,
fundamentado na capacidade de interação e jogo dele com o público e ambiente ao redor. Sendo
a palhaçaria uma prática que tem o seu foco no aperfeiçoamento da relação e da interação com
15
Licenciado em Educação Física e em Teatro (ator e palhaço). Mestrando no MPPEB/CPII. Integrante do grupo
de pesquisa em Práticas Emergentes na Educação Básica (PEEB).
16
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
17
Doutora em Ciência da Informação (UFRJ), Mestre em Educação (UCP), Especialista em Informática Aplicada
à Educação (UCP), Especialista em Psicopedagogia Diferencial (PUC-Rio), Licenciada em Matemática
(FAHUPE). Professora titular do Colégio Pedro II, atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII).
61
18
Nos estudos sobre palhaçaria, há divergências sobre o uso dos termos “palhaço” e “clown”. Neste texto, tratamos
os termos como sinônimos, utilizando preferencialmente “palhaço”, por se tratar de vocábulo da língua portuguesa.
62
XX, com o advento e popularização do cinema, conhecemos um dos palhaços mais famosos de
todos os tempos: Carlitos, através do ator Charles Chaplin.
O treinamento e formação dos palhaços, até então, se davam por meio da tradição,
através de famílias de palhaços e da vivência do circo. Porém, na segunda metade do século
XX, o pesquisador e professor teatral francês Jacques Lecoq torna-se conhecido ao codificar
uma metodologia de formação de palhaços, especificamente para atuação em palcos, sem
ligação com o circo. Esta é a pedagogia que embasa a formação dos palhaços contemporâneos.
Estes “palhaços de palco”, herdeiros da linhagem de Lecoq, formados a partir de técnicas
teatrais, são os tipos cômicos de que trata a pesquisa que deu origem a este artigo.
Mais que a nomenclatura ou a roupagem, o que interessa a este trabalho é a função social
que o palhaço exerce: revelar a nossa humanidade através de nossas fraquezas, dores, tragédias,
ilusões, infantilidades, vulnerabilidades. Nas palavras de Reis (2013, p. 80), o palhaço é o
“artista que celebra suas próprias falhas, defeitos, fragilidades e fracassos”. O
descomprometimento do palhaço, sua ingenuidade e marginalidade lhe dão o poder de zombar
de tudo e de todos impunemente, brincando com as instituições e valores oficiais estabelecidos.
O prazer surge na plateia, na forma de riso, a partir da identificação com as incoerências,
incoesões e imprevisibilidades do palhaço. O palhaço age sem medo dos julgamentos e das
consequências que suas ações podem trazer. Ele utiliza-se de diversas técnicas e situações para
gerar o engajamento de seu público e, consequentemente, o riso.
Este “fazer” próprio do palhaço é chamado de palhaçaria, conceituada como a
experiência cênica de um atuante que engaja a audiência em um estado de atenção, de forma
consciente, usando, principalmente, a exposição de si como objeto do riso do outro (REIS,
2013). Assim, palhaço é o “atuante que mantém uma plateia conectada a sua apresentação por
meio da exposição de suas ações como objeto principal do riso” (REIS, 2013, p. 34). Estes são
os conceitos de palhaço e palhaçaria que norteiam este texto.
A formação do palhaço dá-se a partir da observação e exploração da natureza cômica de
si próprio. A partir de vivências teatrais, o aspirante a palhaço é levado a confrontar e aceitar
seus erros, desajustes e fracassos e a utilizá-los como forma de conexão com a plateia. Um
palhaço não é uma personagem inventada, mas uma projeção pessoal de algo que costumamos
esconder das pessoas em geral e é revelado a partir das vivências do cômico. Um palhaço não
é um ator atuando, mas sim uma pessoa vista por outra lente (SOARES, 2007; BURNIER,
2009; PUCCETTI, 2017). Este modo outro de operar no mundo e de se relacionar com as
pessoas é chamado de Estado de Palhaço.
63
Para Burnier (2009), o palhaço opera a partir da ampliação e da dilatação dos aspectos
humanos, portanto “estúpidos”, do próprio atuante. O treinamento da palhaçaria, com suas
diversas vivências e jogos, objetiva que o atuante desenvolva a capacidade de criar um
repertório de meios de se conectar com a audiência, a partir de suas próprias características e
tendências. Diferente de uma personagem, o palhaço não atua, ele é. A este modo característico
de agir do palhaço dá-se o nome de Estado de Palhaço.
Puccetti (2017, p. 23) caracteriza o Estado de Palhaço como “o ‘jogo’ entre palhaço e
público, a capacidade do palhaço interagir com ‘cada indivíduo’ da plateia, usando seu
repertório de ações, de gags e de ideias”. Para o autor, o Estado de Palhaço obedece a três
parâmetros principais: a lógica própria do palhaço, caracterizada como a sua forma de
compreender e lidar com as situações do mundo e expressa a partir de suas ações e reações; o
diálogo com cada espectador e as conexões que são construídas; e o jogo propriamente dito,
caracterizado como uma série de relações, ideias e situações que o palhaço estabelece com o
público a partir de seu repertório.
O autor esclarece que o Estado de Palhaço
Solicitei um dia aos alunos para que se pusessem em círculo (...) e nos fizessem
rir. Um após o outro, eles tentaram umas palhaçadas, umas cambalhotas, uns
jogos de palavras fantasiosos, tudo em vão! O resultado foi catastrófico.
Sentíamos algo preso na garganta, uma angústia no peito, tudo se tornava
trágico. Quando se deram conta desse fracasso, pararam com a improvisação e
foram sentar-se desapontados, confusos, perturbados. Foi então, vendo-se
naquele estado de fraqueza, que todos se puseram a rir, não do personagem que
pretendiam apresentar, mas da própria pessoa, assim, despida. Encontramos!
O clown não existe fora do ator que o interpreta. Somos todos clowns.
(LECOQ, 2010, p. 213)
práticas de formação de palhaços, que podem ser agrupados em sete categorias, definidas a
partir da análise conceitual das práticas envolvidas. São elas:
a) Exploração sensível – estas são as vivências em que o atuante é levado a
descobrir variações dinâmicas a partir da exploração de diversos estímulos, tanto
externos quanto internos;
b) Improvisação – a partir dos jogos de improvisação e da criação de situações
diversas, o atuante é levado a aguçar o seu olhar e seu raciocínio, buscando
maneiras diversas de responder aos acontecimentos;
c) Máscara e autodescoberta – sendo o palhaço um fluxo projetado de si mesmo, o
atuante precisa entrar em contato com o seu universo interno, a partir da auto-
observação, descobrindo suas próprias peculiaridades e aprendendo a utilizá-las
de uma forma consciente e efetiva. Neste conjunto, estão os jogos de exposição;
d) Fisicalidade – o treinamento corporal e energético e a descoberta das
possibilidades do corpo são essenciais para o trabalho do palhaço, já que “ o
‘corpo que brinca’ é o instrumento com o qual o palhaço estabelece sua conversa
com o público (PUCCETTI, 2017, p. 23)”. Neste conjunto, também se encontra
o treinamento de ações físicas19, aspecto fundamental da palhaçaria
contemporânea;
e) Mecanismos de comicidade – este conjunto de práticas engloba estudos e
vivências sobre os aspectos técnicos da comicidade (exagero, repetição,
contraste, surpresa) e sua aplicação em gags (números cômicos) e cenas com o
objetivo específico de fazer rir;
f) Relação com o espaço e objetos – estas práticas são o que Ashcar (2016) define
como “Espacialização da Experiência”, ou seja, a capacidade do palhaço em agir
nos e sobre os diferentes espaços, utilizando suas especificidades a seu favor.
Também engloba as vivências com objetos, em que o palhaço descobre formas
inusitadas de lidar com estes;
g) Relação com o outro – o palhaço só existe por existir um público que joga com
ele. Assim, o desenvolvimento da capacidade de se relacionar diretamente com
a audiência é de suma importância para o trabalho do palhaço. Este conjunto de
vivências englobam os trabalhos primeiro em duplas e depois em saídas de rua,
onde ocorre a relação direta com o público.
19
Ação física é um conceito complexo da linguagem dramática, que pode ser superficialmente definida como uma
ação executada pelo ator carregada de intencionalidade (BURNIER, 2009).
66
Assim, Educação é uma atividade humana de interação com os meios natural e social,
caracterizada pela socialização de saberes, em um constante processo de construção e
reconstrução de si e da realidade.
Seria natural deduzir que a Educação enquanto “práxis teórica, política, pedagógica,
afetiva e tecnológica” (AHLERT, 2011, p. 4) abarcasse a totalidade do ser humano. Porém, o
que encontramos hoje enquanto prática institucionalizada, apesar do discurso pós-moderno
(GAYA, 2006), é uma Educação que se serve de uma pedagogia predominantemente
intelectualista, uma pedagogia em que se ouvem ecos cartesianos da dualidade mente e corpo,
estando este a serviço daquela.
Uma Educação concebida sobre uma racionalização extrema, que desconsidera o
Humano em suas múltiplas dimensões, tende ao fracasso. Ela anestesia os educandos, inibe o
seu poder criador (AHLERT, 2011). Ela é míope e não pode agir sobre a realidade plenamente
(GAYA, 2006).
Torna-se necessário nos desvincularmos desse fazer pedagógico meramente cognitivo,
baseado em uma disjunção entre matéria/corpo e espírito/mente, e trazermos o Ser Humano
integral, como diz Morin (2000) o Homo Complexus, para o centro da Educação.
A concepção de ser humano que norteia esse trabalho fundamenta-se em uma visão de
pessoa constituída a partir de sua corporeidade, que é definida como “a maneira como o ser
humano se diz de si mesmo e se relaciona com o mundo com seu corpo enquanto objetividade
(matéria) e subjetividade (espírito, alma) num contexto de inseparabilidade” (AHLERT, 2011,
p. 4).
Toda a experiência humana, suas ações e reflexões no mundo, relações, medos, desejos,
loucuras, estão ancoradas no corpo. Sobre este ancoramento, Gaya (2006, p. 252) diz que “não
há mente, não há razão e não há espírito que não estejam encarnados. Sou corpo. Corpo vivido.
Sou sentimentos, emoções e razões num corpo humano”. Somente somos humanos por sermos-
termos-estarmos um corpo.
Desse modo, a ideia de um corpo indissociável das outras dimensões humanas torna -se
um primeiro elo entre Educação e Palhaçaria, já que “o ‘corpo que brinca’ é o instrumento com
o qual o palhaço estabelece sua conversa com o público, utilizando sua lógica, seu repertório,
seus procedimentos técnicos e o jogo” (PUCCETTI, 2017, p. 23).
O corpo é o meio e o próprio fim do fazer do palhaço e do professor. Torna-se, então,
necessário reconectar-se com suas multiplicidades: corpo-matéria, corpo-mente, corpo-social,
68
corpo-cultura. Todas estas dimensões são intrínsecas ao Ser Humano e são material e local do
trabalho da palhaçaria.
A multiplicidade dimensional tanto do ser humano quanto, por consequência, da
Educação se apresenta de forma intrínseca, simultânea, interdependente, articulada de tal forma
que sua decomposição somente é possível para fins de compreensão e estudo.
A partir do pensamento complexo, João define o ser humano como “ser físico/corporal
e complexo, estando todas as qualidades e dimensões pertencentes ao humano enraizados em
seu corpo” (apud JOÃO, 2019, p. 8). Só podemos identificar o ser humano, perceber sua
subjetividade e diferenciá-lo através de sua corporeidade. João segue explicando as dimensões
da corporeidade humana:
Com base nas concepções de um ser humano integral, ancorado na realidade a partir de
sua corporeidade; nas relações interpessoais, constituídas a partir do afeto, como um dos pilares
constituintes do fazer pedagógico; e no ideário sobre o fazer do palhaço apresentado neste
trabalho, é possível traçar pontos de interseção entre a palhaçaria e o fazer pedagógico.
Partindo do princípio de que o palhaço não é uma personagem, mas uma ampliação do
próprio atuante, é notável que, mesmo que não esteja em performance, o atuante é permeado
pelo Estado de Palhaço em sua vida cotidiana, o que pode permiti-lo agir sobre o mundo de
formas diferenciadas. Assim, um docente que vivencie os percursos formativos da palhaçaria
pode ser capaz de operar em sala de aula a partir dos princípios que guiam a atuação do palhaço,
tornando o aspecto relacional de sua prática mais potente.
Além disso, a dimensão humano-interacional do fazer pedagógico abarca os aspectos
ligados às interrelações, ao corpo e movimento dos docentes e sua desinibição com estes, à
compreensão do outro, ao afeto e à espontaneidade (SOUSA; PLACCO, 2016); e a experiência
da palhaçaria pode impactar de forma positiva estes aspectos.
Nesse sentido, abordamos as possibilidades relacionais do fazer pedagógico, ao se
operar a partir dos Princípios do Estado de Palhaço.
O palhaço expõe seus fracassos e falhas sem medo de críticas ou consequências. Neste
estado, a audiência cria laços empáticos de identificação, já que o erro é um traço comum a
todos os seres humanos. Dunker e Thebas (2019) apresentam este princípio como o mais
importante dentro do fazer do palhaço.
As roupas descombinadas, os acessórios de cores berrantes e os sapatos grandes que o
palhaço usa, assim o são por um motivo muito simples: não são coisas dele. Dunker e Thebas
(2019, p. 79) enfatizam esse fato sobre o palhaço ao afirmarem que ele “simboliza nossa
natureza humana, essencialmente despossuída, errante e perdedora”.
Ao longo de nossas biografias, construímos nossos papéis e identidades e, por vezes,
em situações de fracasso, somos levados a sustentar estes papéis diante do olhar crítico da
sociedade. Durante este processo de cristalização dos papéis sociais que desempenhamos,
71
O palhaço apresenta uma lógica própria ao enxergar e lidar com o mundo ao seu redor,
sempre fugindo do que é obvio ou comum. Sendo um ser complexo, ele exerce a não-unicidade
de si, pautando suas ações a partir da incompatibilidade de sua lógica pessoal com a lógica da
realidade. Assim, ele resolve problemas simples de maneiras complexas e problemas
complexos de maneiras simples: um palhaço tem diversas maneiras de pegar o seu chapéu do
chão e usar as mãos é a última possibilidade.
Transpondo esse princípio para o cotidiano do educador-palhaço, temos duas
possibilidades de sua operação. Em primeiro, ao fugir das rotas óbvias de compreensão e
resolução, o educador-palhaço precisa se relacionar com sua audiência de uma forma mais
atenta, se permitindo observar e tentando acompanhar a lógica própria que acompanha tanto o
pensamento infantil quanto o pensamento individual de cada pessoa.
As incongruências apresentadas não são censuradas, mas analisadas na tentativa de
entender o que move estas formas de pensar e de quais formas estas dissonâncias podem
enriquecer o fazer pedagógico. Assim, não só o educador-palhaço faz parte do mundo próprio
do educando, mas, simultaneamente, o traz para o mundo proposto pelo educador-palhaço.
20
Educador-palhaço seria o educador “iniciado” na palhaçaria e que opera em sala de aula a partir dos Princípios
do Estado de Jogo.
21
Neste caso, definimos audiência como o grupo de alunos em relação com o educador.
72
O palhaço está atento às pessoas e ao mundo ao redor. Ele está consciente sobre os
acontecimentos que ocorrem no espaço que ele ocupa. É necessário perceber as reações das
pessoas e convidá-las a adentrar no universo que o palhaço cria. Ele conduz “‘pela mão’ uma a
73
O palhaço recria o mundo de forma lúdica, abarcando a audiência dentro deste processo,
colocando-a como cúmplice. Porém, tudo o que ele faz é muito sério e verdadeiro, por mais
ridícula e absurda que seja a situação vivida.
Assim como as crianças, ele opera a partir de uma lógica lúdica, recriando a realidade
segundo suas regras particulares e convidando a audiência para fazer parte deste novo mundo.
O jogo é um aspecto essencial do Estado do Palhaço, definido por Puccetti (2017, p. 23) como
sendo “as pequenas ideias, micro-situações e relações criadas entre palhaço e público pela
interação de seu repertório com as reações do público”.
Ao analisarmos o jogo do palhaço sob a ótica da teoria dos jogos de Caillois (1990),
percebemos que este estado tem as características do que o autor classifica por paidia: é uma
manifestação espontânea, improvisada, por vezes agitada e excessiva em energia. Também tem
como característica ser uma manifestação desordenada e desregrada, não respondendo a
qualquer tipo de convenção. A paidia, segundo o autor, é observável com maior ênfase em
crianças e animais e se contrapõe aos jogos regrados e organizados.
Com a utilização deste princípio em seu fazer pedagógico, o educador-palhaço pode
conseguir um maior engajamento de sua audiência, a partir de uma relação mais lúdica e
flexibilizada. Ademais, ele pode ser capaz de utilizar-se de mais ludicidade em suas práticas
pedagógicas, a despeito de existirem materiais adequados ou não, já que esta ludicidade se
manifesta a partir de suas próprias ações e conexões com o mundo, em um movimento de
exteriorizar-se.
6 Considerações finais
Referências
1 Introdução
22
Mestre em Educação Básica (MPPEB/CPII). Especialista em Ensino da Arte (UVA) e graduada em Educação
Artística – Hab. Artes Plásticas (UFRJ).
23
Mestre em Práticas da Educação Básica (MPPEB/CPII). Especialista em Educação Física Escolar (UERJ),
licenciada em Dança e Educação Física (UFRJ).
24
Licenciada em Artes Visuais (UNIGRANRIO). Especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil (PUC-
RJ) e em Ensino da Arte (UERJ). Mestra em Práticas de Educação Básica (MPPEB/CPII).
25
Formada em Educação Física pela UFRJ. Licencianda em dança (UFRJ). Especialista em Pedagogia crítica da
Educação Física (UFRJ) e pelo programa de residência docente (PRD/CPII)
26
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
27
Processo que ocasiona uma integração, ou ligação estreita, entre economias e mercados, em diferentes países,
resultando na quebra das fronteiras entre eles. In.: Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020.
Disponível em: https://www.dicio.com.br/globalizacao/#:~:text=Significado%20de%20Globaliza%C3%A7%
C3%A3o,quebra%20das%20fronteiras%20entre%20eles. Acessado em: 22 de setembro de 2020.
78
O latim cobre todo o terreno do jogo com uma única palavra: ludus, de ludere
[...]. Sua etimologia não parece residir na esfera do movimento rápido, e sim
da não-seriedade, e particularmente na da “ilusão” e da “simulação”. Ludus
abrange os jogos infantis, a recreação, as competições, as representações
litúrgicas e teatrais e os jogos de azar. (HUIZINGA, 1980, p. 41).
De acordo com a definição de Huizinga (1980), podemos entender que a ludicidade não
está restrita apenas ao universo infantil, porém, a brincadeira e o jogo são comumente vistos
pelos adolescentes como práticas exclusivas das crianças pequenas. Chateau (1987 apud
BARBOSA; GOMES, 2010), também compartilha da definição de Huizinga (1980) quando
define “conduta lúdica” como aquela situação em que se escapa, independentemente da idade,
de tudo que nos engessa, nos permitindo ingressar em um ambiente de fantasia, destacando a
questão da seriedade do jogo, como característica da verdadeira conduta lúdica, tanto para a
criança quanto para o adulto.
A partir da colocação de Chateau (1987 apud BARBOSA; GOMES, 2010), percebe-se
a importância do resgate da ludicidade não só das crianças, mas também do adolescente,
gradativamente silenciada ao longo do processo de escolarização.
79
As experiências que serão relatadas neste trabalho são exemplos de práticas pedagógicas
nas quais o corpo é abordado de forma lúdica em diferentes linguagens, como Artes Visuais,
Dança e Educação Física, e em diferentes segmentos da Educação Básica.
Nossa proposta consiste em apresentar experiências vivenciadas no campo escolar por
docentes que atuam em diferentes áreas de conhecimento das Humanidades, nas quais se
privilegiou a questão do fazer lúdico e corporal do educando, a fim de apontar possibilidades
para o diálogo entre teoria e práxis.
Através desses relatos pretendemos refletir a respeito do corpo lúdico e da sua
importância no processo de aprendizagem em diversos segmentos da Educação Básica e
convidar o leitor a refletirmos juntos sobre as possibilidades e modificações que podemos
implementar nas escolas.
80
De acordo com Chateau (1987, apud BARBOSA; GOMES, 2010), o jogo para a criança
é coisa séria. Ele se aproxima do trabalho pela realidade, e do sonho pela delimitação do espaço
cognitivo. Sendo assim, represa toda a sua atenção e mobiliza todas as suas forças. Quando
brinca, “tudo se passa como se o jogo operasse um corte no mundo, destacando do ambiente o
objeto lúdico para apagar todo o resto” (CHATEAU, 1987 apud BARBOSA; GOMES, 2010,
p. 21).
Feitas as partes, apresentou-se o material às turmas com a proposta inicial de montar um
quebra-cabeças. Coletivamente, as crianças tinham que montar o corpo do boneco observando
os tamanhos das partes e as suas proporções em relação ao todo.
Após montar o quebra-cabeças, as crianças puderam virar as partes e ler, com a ajuda
da professora, o que estava escrito nelas, confirmando o nome da parte e se aquele era o lugar
correto.
Na aula seguinte, o boneco retornou já com suas partes amarradas e foi apresentado à
turma. Um aluno era convidado a dizer as palavras mágicas para dar vida ao boneco, que, a
partir de então, começava a se movimentar. Nesse momento, o boneco tornava-se o “mestre” e
todos deveriam imitar seus movimentos...
Em outra aula, foram inseridos palitos de picolé amarrados com barbante na cabeça, nos
pés e nas mãos do boneco, para que as crianças pudessem manipulá-lo fazendo-o dançar por
detrás de uma cortina. A atividade foi realizada em grupos de três alunos manipuladores
enquanto os outros assistiam.
Em um momento seguinte, questionados sobre o que faltava nos bonecos, os alunos, em
geral, responderam que lhe faltava um nome, as partes do seu rosto e a roupa. Foi proposto,
então, que eles dissessem qual deveria ser o sexo do boneco e, depois, que eles sugerissem um
nome para ele, eleito através de votação. Depois disso, formamos pequenos grupos de trabalho
para completar as partes do rosto e confeccionar a roupa.
Com o desenvolvimento desse projeto, as crianças “[...] puderam compreender,
coletivamente, que o conjunto das partes forma o corpo como um todo e ainda como tais partes
se articulam” (TRIGO, 2020, p.377). Foi possível, também, experimentar e descobrir as
possibilidades de movimento de cada parte de forma isolada e depois da parte com o todo,
explorando a sua relação com o espaço, abordando noções fundamentais como a localização da
parte (em cima, em baixo, na frente, atrás, ao lado), os níveis de execução do movimento no
espaço pessoal, as direções e sentidos do movimento do corpo no espaço global.
82
Descobrir o que estava escrito atrás de cada parte do corpo desafiou as crianças a
repensarem o lugar daquelas que ainda não estavam se encaixando no todo. Além disso, para
descobrir os nomes foi necessário o esforço de identificar letras e sílabas das palavras.
Uma estratégia para o desenvolvimento da imagem corporal foi propor às crianças que
comparassem o seu tamanho com o tamanho do boneco, percebendo-se maior, menor ou do
mesmo tamanho que ele.
Para manipular o boneco e fazê-lo dançar, as crianças precisaram interagir e também
perceber o movimento no seu próprio corpo, descobrir diferentes possibilidades e executá -lo
dentro de um ritmo determinado. Os que assistiam a apresentação do boneco também podiam
fazer estas descobertas pela observação.
A partir dessa experiência, compreendemos que o objeto pode vir a tornar-se uma
estratégia lúdica no processo de construção do conhecimento na Educação Infantil, na medida
em que o professor busque explorar o interesse e a atenção mobilizada pela criança a fim de
estimular suas descobertas e potencialidades.
28
“Foi a partir das críticas realizadas por Dieckert (1985) à visão de esporte de alto nível que esse conceito se fez
presente. O autor buscava uma Educação Física mais humana dentro da concepção do ‘Esporte para Todos’, onde
fosse discutida e criada uma ‘nova antropologia’ que colocasse como centro da questão ‘uma cultura corporal
própria do povo brasileiro” (SOUZA JUNIOR et al. 2011, p. 395 apud NEIRA.M.G e GRAMORELLI.L.C.
Embates em torno do conceito de cultura corporal: gênese e transformações, 2015, p.4. Disponível
em:<http://www2.fe.usp.br/~gpef/teses/neira_gramorelli.pdf> Acessado em 22 de set. de 2020.
O Coletivo de Autores (SOARES et al., 1992, p. 62) abordou o conceito a partir da lógica Materialista-Histórico-
Dialética, afirmando que “os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido/significado onde
se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade”.
CASTELLANI FILHO, L. et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 2009.
83
A partir dessa experiência, percebeu-se que, através do resgate do lúdico nas aulas de
Educação Física, é possível estimular uma maior adesão dos alunos em relação à sua
participação nas aulas, através da qual podem abandonar o papel de meros reprodutores de
gestos sem reflexões de suas práticas e assumir o papel de protagonistas no processo de
construção do conhecimento que possua significado com as suas realidades e identidades.
2.3 Possibilidades e experiências 3- O lúdico nas aulas de Artes Visuais: uma experiência
com o primeiro segmento escolar
fita crepe fina e diversas sobras de papéis coloridos, barbantes, cartolinas, jornais, revistas e
fitas coloridas.
O objetivo do jogo era a criação de um figurino no corpo do estudante escolhido do 1º
ano. Os demais alunos do grupo eram responsáveis pela confecção coletiva desse figurino,
utilizando somente os materiais disponíveis no kit. O figurino deveria ser diferente e criativo.
O tempo destinado à elaboração da vestimenta coletiva foi de dez minutos.
Com o intuito de desenvolver uma melhor relação inter e intrapessoal entre todos os
alunos da escola, os estudantes participantes eram motivados positivamente pelos demais
alunos que observaram a atividade. Assim, a atividade transformou-se em um momento de
integração agradável e divertido não só para os grupos participantes, mas para todos da escola.
Em nenhum momento da gincana foi incentivada a competição. Além de estimular a
imaginação criadora, explorar o lúdico e a consciência corporal dos alunos, a atividade também
tinha como finalidade valorizar o conhecimento estético que as crianças já possuíam. Segundo
as pesquisadoras Ferraz e Fusari:
nem sempre elas estão condicionadas. Assim, percebemos que, aos poucos, este corpo começa
a criar couraças e limitações, perdendo parte de suas características lúdicas.
No decorrer do processo de escolarização, o que observamos no cotidiano escolar é um
corpo significativamente aprisionado de suas criatividades e possibilidades. Entretanto, não é
objetivo desta experiência escolar execrar o controle coletivo no ambiente escolar, pois
sabemos que é necessário haver limites e regras coletivas para que possamos desenvolver e
formar as gerações que administrarão a sociedade no futuro. O que buscamos ofertar aqui neste
ensaio é a possibilidade de que controles e administrações coletivas não necessitem tolher as
capacidades e possibilidades dos que estão em formação. Nesse sentido, o corpo pode estar
presente na construção do conhecimento e na formação das individualidades.
Observamos que, não raro, os corpos, gestos, movimentos autônomos são represados
em excesso no ambiente escolar em que este quase não atua nas atividades cotidianas, sendo
relegada a secundarização ao conhecimento estático, previsível e obediente.
Ressaltamos a necessidade de se refletir até que ponto o excessivo controle do corpo
pela instituição escolar contribui para o interesse e a motivação, para que se viva experiências
de aprendizagem mais profundas e significativas.
A partir das experiências e reflexões aqui desenvolvidas, podemos concluir que o corpo
e a atividade lúdica não são questões exclusivas de uma determinada área de conhecimento e
nem mesmo das práticas pedagógicas realizadas na Educação Infantil e no primeiro segmento
do Ensino Fundamental.
A escola pode convidar o corpo a penetrar os seus muros e não ter medo de que este
venha a movimentar a hierarquia que talvez esteja excessivamente podando as capacidades dos
jovens.
Assim, ao final deste ensaio acadêmico/pedagógico, podemos compreender que corpo
e ludicidade são aspectos que não devem ser negligenciados no processo de aprendizagem. Pelo
contrário, são aspectos que precisam ser resgatados e valorizados pela instituição escolar em
todos os segmentos da Educação Básica, de modo a proporcionar aos educandos experiências
que contribuam para uma melhor e mais profunda compreensão do mundo em que vivem.
Referências
FREITAS, O., C., de; Dias, T., L. Desenvolvimento humano e aprendizagem: por uma
compreensão “Desses Percursos”. In: GRANDO, B., S. (org.). Corpo, educação e cultura:
práticas sociais e maneiras de ser. Ijuí: Editora Unijuí, 2009.
HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo, Perspectiva, 1980.
AUTORES
Professora de Artes Visuais da Rede Municipal do Rio de Janeiro. Mestre em Educação Básica
(MPPEB/CPII). Especialista em Ensino da Arte (UVA) e graduada em Educação Artística –
Hab. Artes Plásticas (UFRJ). Foi professora de Educação Artística na Rede Estadual de Ensino
do Rio de Janeiro e professora I da Fundação Municipal de Educação do município de Niterói.
Mestra em Educação pelo Colégio Pedro II, pertence ao Grupo de Pesquisa: Análise do Uso e
Produção de Recursos Didáticos. Possui Licenciatura Plena em Dança pelo Centro
Universitário da Cidade (UniverCidade). Atua como diretora artística da PerFormar Studio de
Dança e como professora de Arte vinculada à Secretaria Municipal de Educação, Cultura e
Turismo de Porto Real e à Secretaria Municipal de Educação de Barra Mansa.
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre
em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Especialista em Informática
Aplicada à Educação (UCP), Especialista em Psicopedagogia Diferencial (PUC-Rio), Licenciada
em Matemática (FAHUPE). Professora titular do Colégio Pedro II, atua no Programa de
Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professora do Grupo de Pesquisa Análise do Uso e
Produção de Recursos Didáticos Multidisciplinares.
Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem, mestre em TESOL pela University of Pennsylvania (2000) , graduação
em Letras Inglês e respectivas literaturas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
(1989). Professor Titular efetivo do Colégio Pedro II. Professor do Mestrado Profissional em
Educação Básica do Colégio Pedro II (PROPGPEC). Membro do Grupo de Pesquisas Práticas
Emergentes na Educação Básica (PEEB/CPII). Tem experiência na área de Letras, com ênfase
92