AAVV O Corpo Na Escola

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O CORPO NA ESCOLA:

práticas e reflexões

Organização:
Marco Antonio Santoro Salvador
Marcia Martins de Oliveira
Rogério da Costa Neves
CORPO NA ESCOLA
práticas e reflexões

Organização:
Marco Antonio Santoro
Marcia Martins de Oliveira
Rogério da Costa Neves

Comitê Científico:
Adrianne Ogêda Guedes
Amparo Villa Cupolillo
Marcia Martins de Oliveira
Marco Antonio Santoro Salvador
Rogério da Costa Neves
COLÉGIO PEDRO II

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA

BIBLIOTECA PROFESSORA SILVIA BECHER

CATALOGAÇÃO NA FONTE

C822 Corpo na escola: práticas e reflexões / Marco Antônio Santoro; Marcia


Martins de Oliveira; Rogério da Costa Neves (organização) ; Adrianne
Ogêda Guedes et al. (comitê científico). - Rio de Janeiro: Imperial Editora,
2021.

92 p.

Inclui bibliografia.

ISBN: 978-65-5930-045-7

1. Educação. 2. Corporeidade. 3. Educação pelo movimento. 4.


Aprendizagem ativa. 5. Atividades lúdicas. I. Santoro, Marco Antônio. II.
Oliveira, Marcia Martins de. III. Neves, Rogério da Costa. IV. Costa,
Adrianne Ogêda Guedes.

CDD 370

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Simone Alves. CRB-7: 5692.


SUMÁRIO

PREFÁCIO ............................................................................................................................ 4
Adrianne Ogêda Guedes

O corpo em movimento na aula de música................................................................................. 10


Samuel de Andrade Gomes
Marco Antonio Santoro Salvador

A prática da dança e a promoção da autoestima na escola: um estudo de caso ....... 27


Érica Viviane Biana dos Reis
Marcia Martins de Oliveira

Corpo, metodologias ativas e o lúdico na formação de professores: possibilidades do


corpo e do movimento se matricularem na escola ................................................................... 44
Juliana Marques Paiva
Marco Antonio Santoro Salvador
Rogério da Costa Neves

O Estado de Palhaço e a potencialização das relações interpessoais em sala de aula... 60


Álisson Jardel Pereira Silva
Marco Antonio Santoro Salvador
Marcia Martins de Oliveira

O corpo e o lúdico na escola: experiências e possibilidades na área de humanidades . 77


Camila O. Louro Machado
Carla Verônica Cesar Trigo
Mariana da Costa Paixão
Vania Moura Bizoni
Marco A. Santoro Salvador

AUTORES ........................................................................................................................... 90
4

PREFÁCIO

Por uma escola encantada: experiências potentes na escola básica

Apesar do fato de pensarmos e conhecermos com o corpo, apesar de ser com


o corpo que temos percepção, experiência e memória do mundo, ele é
tendencialmente visto como um mero suporte ou tabula rasa de todas as coisas
valiosas produzidas pelos seres humanos. [...] O corpo de emoções e afetos, do
sabor, do cheiro, do tato, da audição e da visão não está incluído na narrativa
epistemológica [...]. (SANTOS, 2019, p. 137)

É uma unidade estruturada: não um agregado de partes, mas unidade de


conjunto e equilíbrio de ações internas interligadas de órgãos, portanto é um
indivíduo. [...] O corpo é relacional: é constituído por relações internas entre
seus órgãos, por relações externas com outros corpos e por afecções, isto é,
pela capacidade de afetar outros corpos e ser por eles afetado sem se destruir,
regenerando-se com eles e os regenerando. O corpo, sistema complexo de
movimentos internos e externos, pressupõe e põe a intercorporeidade como
originária (CHAUÍ, 2005, p. 51)

O convite para prefaciar uma obra é sempre um desafio. Sobretudo quando, como no
caso desta, o tema em foco tem sido também mobilizador de minhas pesquisas e práticas.
Escolho, assim, iniciar situando as questões que me parecem nutrir as experiências dos cinco
capítulos dessa obra, convidando ao aquecimento de nossa escuta para os temas abordados.
Pensamos e conhecemos com o corpo, nos diz Boaventura de Souza Santos. Nos
constituímos nas relações internas e externas, sublinha Chauí. Afirmações que nos provocam
e convocam a pensar os modos como construímos conhecimento e nos constituímos como
sujeitas/os, e se forem epistemologicamente assumidas, derivam modos de ser e agir outros.
Distintos daqueles que têm sido validados socialmente nas nossas culturas ocidentais, que, mais
das vezes, secundarizam o corpo e suas afecções, considerando-as dimensões de menor
importância para compreender o humano.
Nossa herança cartesiana separa em lados opostos corpo e mente, emoção e razão. Essa
cisão, nos parece, tem nos impedido de compreender a integralidade do humano. Essa dicotomia
se expressa e se faz presente nas práticas educativas, dentre tantas outras e, também, nas
concepções de como aprendemos e de como ensinamos. Espaços que favorecem pouco a
movimentação de crianças e adultas/os, rotinas engessadas cuja organização do tempo segue a
lógica linear, do controle; corpos convocados ao imobilismo e práticas pedagógicas centradas
na disciplinarização.
No campo da educação, atuar na contramão da perspectiva que divide e separa as
múltiplas dimensões humanas é assumir um posicionamento político, epistemológico. Nesse
5

livro, o coletivo de pesquisadoras e pesquisadores que o compõem abraçam esse desafio!


Tensionam a lógica hegemônica que desconsidera a alegria, o afeto, a corporeidade, o
movimento, a cooperatividade como aspectos fundamentais no campo educacional.
Experimentam, criam e propõem ações concretas, materializadas em projetos pedagógicos e
cursos de formação docente interessados em uma docência que acolhe o que tem sido deixado
de lado. Aqui encontramos cinco capítulos que se dedicam a partilhar e dar visibilidade ao
processo de elaboração, reflexão e proposição de um conjunto de ações formativas potentes,
que afirmam o corpo, o movimento, a dança, o jogo e a arte, como elementos centrais em suas
propostas.
Há indagações fundamentais que sustentam os artigos dessa coletânea: que seres
humanos queremos formar? Que sociedade queremos construir? Que sentido tem o
conhecimento que elaboramos? Que partilhamos nas nossas propostas educativas, nos distintos
segmentos em que atuamos? O que partilhamos em nossas aulas/encontros? O que cultivamos?
O que nossas práticas têm despertado nos estudantes, crianças, jovens e adultos? Maturana
(1985a) afirma que o ser humano é constitutivamente social. Não existe o humano fora do
social. Afirma também que para se constituir humano é necessário crescer entre humanos e que
é nas sociedades a que pertencemos que vamos então aprendendo a maneira de sermos
humanos. Ou seja, aquilo que a sociedade a qual pertencemos valida, com a conduta quotidiana
de seus membros, será base do que aprenderemos (MATURANA, 1985a, p. 82). O que temos,
como sociedade, validado nas nossas escolas como conduta? Acolhimento? Respeito à
diferença? Valorização das expressões criativas? Espaços para descobertas? Cooperação entre
pares (ou, de outro modo, concorrência)? Essas perguntas fundamentais atravessam os artigos
desse coletivo de pesquisadoras e pesquisadores e nos permitem passear por distintas
proposições que buscam a construção de novas práticas pedagógicas, abertas à criação, que
valorizam as relações afetivas, de troca mútua entre jovens e crianças, que convidam a expansão
das experiências corporais que promovem a ampliação da descoberta de si e do mundo, que
acolhem as vulnerabilidades e fragilidades tão nossas, tão humanas...
A corporeidade tem foco central nesse livro. De que modo a corporeidade, o lúdico, a
criação, se imbricam na docência que praticamos? Essa é uma questão mobilizadora para esse
coletivo! O termo corporeidade permite compreender que não é possível pensar o corpo de
forma dissociada das relações interpessoais e da relação mais ampla com o seu entorno.
Entendendo assim e assumindo aqui como um princípio articulador, a compreensão de um
corpo que está situado no mundo e é justo nessa relação corpomundo que nos constituímos
6

como sujeitos relacionais. Nos nutrimos das conexões que estabelecemos, das experiencias que
vivenciamos de corpo inteiro, das trocas incessantes corpomundo.
As autoras e autores assumem uma docência que se interessa em compreender
professoras, professores, crianças e jovens em sua integralidade. Propõem experiências em que
crianças e jovens são convidadas/convidados a mobilizarem afetos, potência criativa, cognição,
corpo. Experiências que se posicionam também afetas às possibilidades cooperativas em
detrimento da competitividade, tão presente nas atividades clássicas de Educação Física que se
dão nas instituições educativas (e fora delas). Cooperatividade, descoberta de seu próprio corpo
na relação com os demais e consigo, criatividade e ludicidade em propostas que convidam ao
fazer junto.
No primeiro capítulo, intitulado O corpo em movimento na aula de música, Samuel
Gomes e Marco Santoro constatam que a partir dos anos finais da Educação Infantil as crianças
pareciam encarar a nova etapa como algo sério e distante das brincadeiras que vivenciavam na
etapa anterior. Identificavam o que Gomes (2019, p. 1) nomeia como “sintomas de desgosto e
rejeição pela escola” (p. 10), percebendo que o mesmo parecia se dar nas aulas de música.
Assim, recorrem à Rítmica, método do educador musical suíço Émile Jaques-Dalcroze para
introduzir um modo didático que inclui os movimentos corporais para a vivência dos elementos
musicais. “O cérebro enriquece-se com imagens motrizes proporcionadas pelas sensações
musculares” (FONTERRADA, 2005), afirma uma das referências citadas no artigo. Desse
modo, pensam a escola com um lugar de acolhimento à infância e de alegria, de mobilização
do interesse, da curiosidade e da cumplicidade em cada um dos momentos de aprendizagem.
Em A prática da dança e a promoção da autoestima na escola: um estudo de caso, de
Érica Viviane dos Reis e Marcia Martins de Oliveira, as autoras apresentam uma experiência
vivida com dança no Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, no Campus São
Cristóvão II. O trabalho, voltado para adolescentes que apresentavam realidades contrastantes,
visava contribuir positivamente para a autoestima das/os estudantes e, a partir das percepções
das/os jovens que frequentaram as oficinas de dança, puderam apurar os impactos positivos da
prática no grupo.
Juliana Paiva, Marco Santoro e Rogério Neves, em Corpo, em Metodologias ativas e o
lúdico na formação de professores: possibilidades do corpo e do movimento se matricularem
na escola revelam suas inquietações a respeito da presença (ou ausência) do movimento na
escola. Interessam-se em propor metodologias de ensino ancoradas na ludicidade. Para tanto,
refletem como os paradigmas influenciaram/influenciam o fazer pedagógico ao longo da
história da educação, compreendendo-os como “todos os modelos e padrões compartilhados
7

por grupos sociais que permitem explicações de certos aspectos da realidade” (p. 45). A partir
desse conceito de paradigma, afirmam ser possível entender que as práticas pedagógicas
exercidas no interior das instituições de ensino representam um padrão de comportamento
determinado pelas características principais de um grupo social. Desse modo, é possível
compreender o processo histórico, as transições paradigmáticas e suas relações com as práticas
pedagógicas.
Defendem que o paradigma emergente pode contribuir para pensar um ensino
interdisciplinar, contextualizado que privilegia a prática investigativa, auxiliando a formação
do/da professor-pesquisador/professora-pesquisadora. Desafio que se coloca para professores e
professoras cujas formações se assentam em uma perspectiva reprodutivista e transmissiva.
Debater os paradigmas e construir práticas inovadoras se coloca como perspectiva necessária
na construção de um aprendizado crítico e transformador. Assim, é a partir deste ponto que as
metodologias ativas se revelam como uma prática pedagógica que possibilitaria experiências
potencialmente lúdicas em sala de aula.
O quarto capítulo, intitulado O Estado de Palhaço e a potencialização das relações
interpessoais em sala de aula, de autoria de Álisson Jardel Silva e Marco Santoro convida a
considerar o estado de Palhaço como um meio de potencialização das relações interpessoais em
sala de aula. Os autores indicam ser o Estado de Palhaço como o modo próprio de agir do
palhaço, fundamentado na capacidade de interação e jogo dele com o público e ambiente ao
redor. A palhaçaria é uma prática que tem como foco o aperfeiçoamento da relação e da
interação com o outro e pode ser um recurso de afinamento da dimensão interacional das/os
professoras/es e das relações em sala de aula, afirmam.
Interessa aos autores nesse trabalho destacar a função social que o palhaço exerce ao
revelar a nossa humanidade através de nossas fraquezas, dores, tragédias, ilusões,
infantilidades, vulnerabilidades. Traçam assim, pontos de interseção entre a palhaçaria e o fazer
pedagógico, indicando o estado do Palhaço como um convite a pensar a docência também em
seu papel de abertura às nossas fragilidades, incompletudes e em seu caráter curioso e
novidadeiro, que assim como a criança, olha para o mundo com olhos de primeira vez. Vê
soluções inéditas para os desafios cotidianos, inventa modos de expressão que rompem com os
estereótipos usuais.
Neste olhar do palhaço, “tudo o que não tem importância lhe interessa”, pois “O
mundo, para ele, é um lugar extremamente interessante, sendo o palhaço um ser em
constante deslumbre. Este interesse pelo mundo é partilhado com a audiência, trazendo -a
8

para o mundo particular criado pelo palhaço”, conforme citação de Castro (2005, p. 12)
feita pelos autores.
Em O corpo e o lúdico na escola: experiências e possibilidades na área de
humanidades, Camila Machado, Carla Trigo, Mariana Paixão, Vania Bizoni e Marco Santoro,
propõem um conjunto de experiências que atuam na contramão da lógica que separa corpo e
mente e da disciplinarização dos corpos. Convidam, o que nomeiam de ethos lúdico, a entrar
na escola, buscando reencantar este espaço por meio de práticas sensíveis e criativas, que
consideram a importância da interação no aprendizado, da arte e o jogo como estratégia de
mobilização e envolvimento de crianças e jovens. Apresentam relatos de atividades e
experiências desenvolvidas através da ludicidade durante as aulas de Dança, Educação Física e
Artes Visuais em diferentes escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo central
destes relatos é demonstrar possibilidades de superação de paradigmas educacionais com
características conservadoras que se utilizam do excesso de controle que limitam as capacidades
das crianças e dos jovens a desenvolverem uma construção do conhecimento em que
professoras/es e estudantes possam ser protagonistas.
Em distintos espaços, as autoras e o autor relatam um conjunto de experiências que se
voltaram a promover atividades de dança, arte e jogo, são elas: Possibilidades e Experiências 1
- O objeto lúdico no ensino de Dança para a Educação Infantil: o corpo brinquedo no Centro de
Referência em Educação Infantil do Colégio Pedro II; Possibilidades e Experiências 2 -
Educação física: resgatando a ludicidade através dos jogos e brincadeiras populares, vivenciada
com as/os alunas/os do oitavo ano do Ensino Fundamental, de uma instituição localizada no
Município de São João de Meriti. Este tema teve como objetivos resgatar a Cultura Popular
dentro do âmbito escolar e desenvolver aulas mais lúdicas e Possibilidades e experiências 3 - O
lúdico nas aulas de Artes Visuais: uma experiência com o primeiro segmento escolar, realizada
em uma Escola Municipal da cidade do Rio de Janeiro, proporcionando atividades que através
da experimentação visual e corporal, ampliaram o repertório imagético das crianças por meio
de propostas que envolveram o corpo, a imaginação e a criação artística.
Mergulhar nas experiências que esses cinco capítulos nos apresentam, fartamente
detalhadas, contextualizadas e sustentadas em reflexões potentes a respeito do papel da escola,
da presença do corpo e da arte nas práticas docentes, dentre outros temas do tipo, nos anima
com as possibilidades de práticas que fazem da escola um lugar que convida o corpo a penetrar
os seus muros (p. 88), permitindo que nós, professoras e professores interessadas/os na vida, na
alegria, no encontro, na arte e no movimento de crianças, jovens e adultos, esperancemos!
9

Confio que a leitura dessa obra poderá ser boa companhia no desafio da construção de uma
docência criativa, com escuta aberta à criança e aos jovens, suas corporeidades e expressões!
Adrianne Ogêda Guedes
Pedagoga, Psicóloga e Bailarina (Escola Angel Vianna)
Doutora em Educação - UFF
Líder do Grupo de Pesquisa FRESTAS
Professora Associada - UNIRIO
Dedica-se aos campos de formação docente, da corporeidade e investiga o diálogo
entre arte e educação.
10

O CORPO EM MOVIMENTO NA AULA DE MÚSICA

Samuel de Andrade Gomes1


Marco Antonio Santoro Salvador2

1 Introdução

O texto aqui desenvolvido apresenta o aporte teórico utilizado como base para a
elaboração de uma pesquisa de mestrado, realizada com alunos do terceiro ano do ensino
fundamental do campus São Cristóvão I, do Colégio Pedro II, que aborda o uso do corpo na
escola por meio de atividades lúdicas relacionadas aos conceitos básicos da disciplina Educação
Musical.
Inicialmente, verificamos que, ao completarem o ciclo da educação infantil, um
quantitativo importante de crianças encarava a nova etapa como algo sério e distante das
brincadeiras que vivenciaram na etapa anterior. Também percebemos, a partir de nossas
observações em anos de magistério, que, na maioria das escolas, o aluno do primeiro ano se
depara com uma dicotomia entre a hora de brincar e a hora de aprender. Isso sugere um
estranhamento que pode levar à desmotivação no processo de aprendizagem. Conforme nos diz
Gomes (2009, p.1), “ao entrarem na escola (…) para se escolarizarem, que quer dizer, também,
letrarem-se (…), as crianças deixam no pause a sua ludicidade”. Logo a seguir, a autora
questiona a possibilidade de ser esse o motivo de, logo cedo, elas apresentarem “sintomas de
desgosto e rejeição pela escola” (GOMES, 2009).
Algo semelhante acontecia no ensino de Música na educação básica. Hentschke (1994)
já constatava que muitos alunos não gostavam das aulas de música porque a prioridade dos
professores era o estudo da teoria musical. O educador e musicólogo inglês Keith Swanwick
(2003, p.18) ratifica esse pensamento ao afirmar que “como qualquer outro meio de
pensamento, o discurso musical pode ser socialmente reforçado ou culturalmente provocativo,
aborrecido ou estimulante”.

1
Mestre em Práticas de Educação Básica pelo programa MPPEB/CPII e licenciado em Educação Artística, com
habilitação em Música, pela UNIRIO. Atua como professor efetivo de Educação Musical no Colégio Pedro II.
2
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
11

O método tradicional de ensino de Música, como é realizado nos conservatórios, cumpre


bem o seu papel na formação do músico profissional ou amador. No entanto, nas escolas de
ensino regular, o professor depara-se com turmas bastante heterogêneas – alunos com mais
habilidades, outros com menos, com e sem experiência prévia – e, por isso, ele precisa buscar
uma metodologia que se adeque ao ensino básico. Essa necessidade é ainda mais premente
quando vamos lidar com crianças dos anos iniciais do ensino fundamental.
Essas questões nos levaram a decidir pelo estudo do lúdico como coadjuvante na
educação musical das crianças. Joly (2003) demonstra-nos que, durante o fazer musical 3, a
criança também está brincando. Brito (1998) aponta-nos um caráter lúdico dentre as
características da linguagem musical.
Joly (2003) diz que “durante o processo de musicalização, a criança desenvolve a
capacidade de expressar-se de modo integrado, realizando movimentos corporais enquanto
canta ou ouve uma música” (JOLY, 2003, p.116). Nessa perspectiva, encontramos base para
fazer um recorte epistemológico voltado para atividades lúdicas que privilegiam o uso do corpo
em movimento.
Empiricamente, constatamos que, na prática, no “chão da escola”, o educador se depara
com limitações de espaço físico ou com alguma determinação superior que, no intuito de
garantir a ordem e a disciplina, acaba por manter o aluno sentado em carteiras escolares de
frente para uma lousa. Salvador constata que:

Tradicionalmente a escola mantém o corpo sob controle, pois as suas diversas


estratégias metodológicas regularmente apontam para o imobilismo, para a
construção do conhecimento priorizado no aspecto cognitivo, pouco atento às
expressões corporais e aos movimentos construídos pelos alunos, que
traduzem um conjunto acumulado de conhecimento, cultura, política e história.
(SALVADOR, 2007, p. 246)

Paiva (2000), em sua pesquisa sobre brinquedos cantados, corrobora com o pensamento
acima, quando diz que:

A sociedade tem tendência a manter as crianças ativas intelectualmente e


passivas corporalmente e isso é bastante danoso à formação das mesmas, pois
a necessidade de movimento e jogo nesta fase é importante para a formação de
hábitos saudáveis para sua vida (PAIVA, 2000, p.44).

Muitas vezes, a única chance que os alunos têm de sair dessa passividade apontada pela
autora acima citada é durante as aulas de Educação Física. No entanto, a construção do

3
“Fazer musical” é uma expressão que denota uma ação, seja ela tocar, cantar, compor, improvisar etc.
12

conhecimento em outras áreas de ensino também pode se valer de ações realizadas de forma
criativa, nas quais sejam incluídas atividades corporais, conforme sugestão de Salvador:

Uma proposta metodológica que pode auxiliar no processo de mudanças


consiste em transmitir os conteúdos de qualquer disciplina por intermédio de
atividades que possuam movimento, desafios coletivos, curiosidades,
experiências no cotidiano, jogos, entre outros. (SALVADOR, 2007, p. 251)

Especificamente na Educação Musical, tais pressupostos levaram-nos a um método de


ensino bem mais distante temporalmente. Foi na Rítmica – Rythmique: método do educador
musical Émile Jaques-Dalcroze – que encontramos um caminho teórico inicial, pois o suíço
afirma que “o dom do ritmo musical não é uma questão apenas mental; ele é essencialmente
físico” (DALCROZE, 1967 apud CIAVATTA, 2003, p. 63), ou seja, a vivência dos elementos
musicais, por meio dos movimentos corporais, é essencial para fazer com que o cérebro esteja
pronto para entender os fundamentos elementares da linguagem musical: “O cérebro enriquece-
se com imagens motrizes proporcionadas pelas sensações musculares” (FONTERRADA,
2008).
Segundo essa concepção, Dalcroze (1967) postula que a criança que se utiliza de
marchas, jogos e movimentos corporais, mesmo sem pensar em fundamentos musicais, terá
maior facilidade mais tarde para entender os modelos rítmicos e métricos apresentados na
leitura e execução formal de frases musicais. Ciavatta (2003, p.159) reforça que “a utilização
do movimento corporal de forma sistemática se apresenta, então, como o reconhecimento de
um diálogo inevitável entre corpo e mente durante qualquer formação musical”.

2 O corpo na iniciação musical

Na década de 1980, métodos mais lúdicos e ativos começaram a ser explorados no


Colégio Pedro II, quando a instituição passou a oferecer os anos iniciais do ensino fundamental
em novas unidades do colégio. Várias dessas metodologias passavam pela ideia de iniciação
musical, uma inovação que tomou conta do ensino de Música na primeira metade do século XX
em oposição ao ensino formal e teórico herdado do ensino eurocêntrico, que fugia também do
simples ato de cantar melodias infantis, o que seria uma adaptação do canto orfeônico. Segundo
Rocha (2016), a iniciação musical foi oferecida amplamente nas escolas regulares e teve
importante papel na musicalização de crianças entre as décadas de 1930 e 1940.
Se, nos séculos anteriores, o ensino de Música, mesmo em escolas regulares,
privilegiava as atividades intelectuais baseadas na escrita e na leitura musical, o que se via nessa
13

época eram educadores em busca de um ensino que ousasse sentir e apreciar a música,
experimentar os sons e o fazer musical antes de trabalhar a compreensão de sua linguagem
formal. Rompendo com o paradigma tradicional,

Villa-Lobos seguiu a premissa educacional estabelecida antes dele, que se


fundamentava no “método intuitivo”, o qual propunha uma educação na qual
o aprendizado da criança se dava primeiramente pelo que é conhecido,
movendo-se posteriormente para o que é desconhecido, ou seja, partindo da
prática e das impressões sensoriais para a teoria e as regras relacionadas às
ideias previamente experimentadas (FERRAZ, 2016, p.32).

Ou seja, mesmo Villa-Lobos, que seguia pela linha do canto orfeônico, paralelamente
ao movimento de iniciação musical de Sá Pereira e Liddy Mignone, apostava na
experimentação e na intuição como caminho para que o aluno pudesse elaborar conceitos mais
avançados. Sá Pereira corrobora com o pensamento de Villa-Lobos, quando diz que “a intuição
é, pois, o conhecimento imediato das coisas e dos fenômenos que nos é fornecido pelas
sensações (...) até chegar à elaboração do conceito, da ideia abstrata” (SÁ PEREIRA, 1937 apud
FERNANDES, 2016, p.65).
Fernandes (2016) faz uma triangulação entre a fala de Sá Pereira, os fundamentos da
Escola Nova e as ideias de Jaques-Dalcroze, ao reproduzir um questionamento do pedagogo
suíço, no qual ele faz um paralelo entre o aprendizado musical e o linguístico: “No aprendizado
da língua, deveríamos, antes de aprender a gramática, aprender a falar. Por extensão, por que
aprender noções teóricas e leis de harmonia antes de aprender a tocar e cantar?” (DALCROZE,
1967 apud FERNANDES, 2016, p.65). Swanwick (2003) compartilha da ideia de
experimentação da linguagem musical antes de sua aquisição formal e faz comparação
semelhante, inspirado em Dalcroze:

Se a música é uma forma de discurso, então é análoga também, embora não


idêntica, à linguagem. A aquisição da linguagem parece envolver muitos anos
e, principalmente, vivência auditiva e oral com outros languagers4, temos de
olhar para o equivalente, para o engajamento com outros musicers5, muito
antes de qualquer texto escrito ou outras análises daquilo que já se sabe
intuitivamente (SWANWICK, 2003, p.68, grifo do autor).

Sá Pereira associava o ensino musical à psicologia, o que exigia do professor um


conhecimento sobre o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Além de ter sido muito

4
Languagers: falantes, pessoas que falam [nota das tradutoras do livro].
5
Musicers: pessoas que fazem música ou que a apreciam [nota das tradutoras do livro].
14

influenciado pelo movimento modernista, ele se baseava nas ideias da Escola Nova, que tinha
Anísio Teixeira e Lourenço Filho entre seus principais entusiastas no Brasil.

A Escola Nova tinha como uma de suas bases o pensamento de William James
e John Dewey. Preocupação com a qualidade do ensino, o caráter objetivo, o
controle didático, o uso de conhecimentos novos e a fundamentação biológica
e psicológica do ensino (LOURENÇO FILHO, 1972 apud FERNANDES,
2016, p.64).

Essas influências fizeram com que Sá Pereira fundamentasse seu trabalho com base no
ensino ativo e promovesse jogos e práticas corporais “que tinham como objetivo colocar a
criança como centro do processo de ensino e dinamizar a relação professor-aluno”
(FERNANDES, 2016, p. 64). Sá Pereira era, nas palavras de Fernandes (2016, p. 65), “contra
o ensino expositivo e livresco”.
Contemporânea de Sá Pereira, Liddy Mignone também se inspirou em fundamentações
psicológicas do desenvolvimento infantil para estabelecer seu método de iniciação musical.
Rocha (2016) nos diz que, no entendimento de Mignone, era necessária uma adequação das
atividades musicais às fases do desenvolvimento infantil e que, portanto, não era ideal que a
criança fosse exposta a qualquer tipo de atividade. A autora expõe as ideias de Lourenço Filho,
nas quais ele afirma que

O desenvolvimento humano processa-se com base em um modelo evolutivo,


cujas etapas são caracterizadas por diversas transformações (...) O corpo
participa na totalidade de suas capacidades, sejam elas orgânicas ou psíquicas
(ROCHA, 2016, p.101).

Rocha (2016) nos faz entender que uma das fortes influências do método de iniciação
musical de Mignone foi, sem dúvida, a pedagogia de Dalcroze, que, dentre os aspectos mais
relevantes, apostava nas atividades lúdicas, no movimento e na representação corporal de
elementos musicais. Ainda segundo a autora,

Os exercícios propostos por Dalcroze e o repertório utilizado foram adaptados,


principalmente no que se refere à utilização de canções folclóricas e
brinquedos cantados brasileiros e de músicas compostas para crianças por
compositores modernistas, tais como Lorenzo Fernândez, Heitor Villa-Lobos,
Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, entre outros. (ROCHA, 2016, p.107)

Percebemos a forte presença dos jogos que envolviam o corpo nos métodos de iniciação
musical. No entanto, Mignone usava esses jogos como motivadores da atenção das crianças,
chamando-os de atividades recreativas, preparando-as para uma etapa dita mais mental a seguir:
os jogos com material concreto, como cartões proporcionais de ritmo.
15

Da mesma forma, Sá Pereira, em seu método, trabalhava bastante os exercícios


corporais, a dança e a dramatização. Entretanto, o educador se utilizava amplamente de
materiais concretos, como escadas de mesa e de chão, que continham as notas em sequência
para que as crianças tivessem a noção da relação de intervalos nas escalas; os blocos
proporcionais de madeira, para ensinar o ritmo; e os “cartões-relâmpago”, para a leitura de
notas, os quais eram apresentados em tempos cada vez menores para a automatização da leitura
musical no pentagrama.
Apesar de esses métodos serem inovadores na época, por deixarem de lado o ensino no
modelo conservatorial e pautarem-se na prévia experimentação auditiva e na vivência sensório-
motora de elementos musicais, eles objetivavam a formação musical do indivíduo. No entanto,
ainda que o aluno não fosse seguir carreira musical, ele teria adquirido os princípios básicos de
música ao final do processo.

3 O corpo que se move e aprende

Como vimos anteriormente, movimentos como a Escola Nova influenciaram pedagogos


brasileiros da área de música a pensar e produzir metodologias mais ativas dentro do processo
de aprendizagem musical. Essas novas metodologias se opunham ao ensino conservatorial
(formal e teórico) de tradição centenária, que começava a se desmontar com a mudança de
paradigma pela qual passava a sociedade na entrada do século XX.
Fonterrada (2008) nos esclarece que o surgimento dos chamados métodos ativos em
educação musical foi uma “resposta a uma série de desafios provocados pelas grandes
mudanças ocorridas na sociedade ocidental na virada do século XIX para o XX”
(FONTERRADA, 2008, p.119). Um desses métodos a que ela se refere é o proposto por Émile
Jaques-Dalcroze, a Rítmica – ou Eurritmia, ou Rítmica Dalcroziana –, que parte do princípio
de que ao aprender primeiramente com o corpo, com os movimentos musculares, ativamos o
cérebro e o deixamos em estado de prontidão para uma aprendizagem mais significativa.
A metodologia completa de Dalcroze utilizava-se de três ferramentas básicas: a rítmica,
o solfejo e a improvisação. Ainda que todas elas se completem e contribuam para a consecução
desse estudo, iremos nos deter especialmente na primeira delas. A Rítmica Dalcroziana surgiu
a partir das observações do mestre em suas aulas de música. Ele percebeu que, ainda que alguns
alunos apresentassem dificuldades, eles eram capazes de caminhar ritmicamente, motivando-o
a investigar as relações entre a música, o ritmo, os movimentos e a expressão.
16

Dalcroze iniciou suas experiências com exercícios rítmicos que envolviam todo o corpo
após observar que a música não era sentida apenas pelo ouvido, mas pelo corpo inteiro, e, por
isso, entendeu que a educação musical deveria ser, ao mesmo tempo, uma educação de
movimento livre, natural e harmonioso. Ele buscava “uma experiência de aprendizagem que
garanta que ao final do trabalho o aluno seja capaz de dizer ‘eu sinto’, ao invés de dizer ‘eu
sei’” (SANTOS, 2001, p.18-19). O principal objetivo dos exercícios de Rítmica era “fazer com
que o aluno se familiarizasse com os elementos da linguagem musical através do movimento
corporal” (MARIANI, 2016, p.39).
Como a primeira formação de Jaques-Dalcroze foi relacionada às artes dramáticas, o
seu método naturalmente trazia muitos elementos que ultrapassavam os limites da música, de
maneira que a Rítmica foi – e ainda é – muito usada por alunos de dança, bem como em
experimentações cênicas com movimento. Nas aulas de Música, Dalcroze encontrou muita
resistência às suas propostas. O uso do corpo era visto como algo desnecessário em meio a uma
cultura erudita baseada na aprendizagem mental, por meio de funções cerebrais, e na
racionalidade do paradigma cartesiano, dominante na época. O simples ato de os alunos ficarem
descalços para executar os exercícios já causava estranhamento (DEL PICCHIA; ROCHA;
PEREIRA, 2013).
Formulado inicialmente para jovens e adultos, o método foi ampliado para a educação
de crianças (FONTERRADA, 2008), pois, influenciado pelas teorias psicopedagógicas em alta
na sua época, Dalcroze conseguiu antever um maior ganho na aprendizagem musical se os
exercícios fossem iniciados com crianças de seis anos ou idades inferiores. O educador Sá
Pereira considerava o método Dalcroze ideal para os seus exercícios de vivência, e que a melhor
fase para isso era

(...) entre os cinco e oito anos, período em que a ‘impressionalidade e a


plasticidade do sistema nervoso’ são extremas. Sá Pereira afirma que, segundo
Dalcroze, ‘depois dessa idade já não é possível corrigir o ouvido do aluno (...)
vamos, pois, orientar o nosso ensino no sentido de bem cedo se tentar
desenvolver a criança’ (SÁ PEREIRA, 1937 apud FERNANDES, 2016, p.74).

Dalcroze, em suas investigações, percebeu que a criança se expressa fisicamente com


prazer, respondendo aos estímulos rítmicos. Ele observou também que “os movimentos naturais
das crianças – andar, correr, saltitar e balançar – expressam naturalmente elementos da música”
(MARIANI, 2016, p. 41). Nos ensaios de Dalcroze, encontramos, em suas próprias palavras, a
importância dessa relação entre o ritmo e os movimentos naturais de uma criança, quando ele
afirma que
17

Um andar regular nos fornece um modelo perfeito de medida e divisão do


tempo em porções iguais. Os músculos locomotores são músculos conscientes,
sujeitos ao controle absoluto da vontade. Nós assim encontramos no andar o
ponto de partida natural da criança ao ritmo (DALCROZE, 1967, p.38, grifos
do autor).

Outro ponto importante na metodologia, que ia de encontro ao pensamento cartesiano,


era o fato de não dissociar as ideias de corpo e mente. A rítmica preconizava uma correlação
entre o movimento corporal e a formação de uma consciência mental, a partir da vivência
musical propiciada por uma escuta ativa. Ainda segundo Mariani (2016, p.41), “a rítmica
proporciona a integração das faculdades sensoriais, afetivas e mentais, favorece a memória e a
concentração, ao mesmo tempo em que estimula a criatividade”.
Mais de um século depois das primeiras experiências com o método, o pensamento
dalcroziano ainda se mostra vivo e pertinente. Em sua análise final, no ensaio que dedica ao
método da Rítmica, Fonterrada (2008) vislumbra e valida o que preconizamos com este estudo
quando nos alerta que

O professor de educação musical, hoje, uma vez decidindo aprofundar-se no


conhecimento da proposta dalcroziana, tendo em vista sua aplicação, precisa
tomar consciência das mudanças por que passou o mundo desde então, para
que a reflexão acerca de suas ideias permita sua adaptação à nova realidade,
conduzindo à elaboração de novas estratégias e propostas (FONTERRADA,
2008, p. 136).

Movidos por esses ideais é que passamos então a pensar nas possibilidades de um
trabalho de iniciação musical baseado não exclusivamente na Rítmica Dalcroziana, mas nas
suas bases teóricas e nos princípios educacionais por ela defendidos, para estudar as atividades
lúdicas corporais como potencializadoras da aprendizagem musical.

4 O corpo brinca e aprende

A importância do brincar é uma questão que nos inquieta há muito tempo. Em nosso
trabalho final de pós-graduação lato sensu (especialização), pesquisamos esse tema usando as
brincadeiras de roda e brinquedos cantados como elementos importantes para o
desenvolvimento da criança.
A pesquisa já descrevia a importância de resgatar jogos e brincadeiras de roda, que eram
pouco utilizados. Como possíveis causas desse declínio, apontávamos a diminuição das
brincadeiras de rua, por conta da violência urbana e das clausuras dos condomínios, e o processo
18

de democratização do acesso aos meios digitais, que exercem fascínio nas crianças desde muito
cedo.
No referido trabalho, respondemos à questão central, ao apontar para a escola a
necessidade de promover jogos e brincadeiras de roda com as crianças, não necessariamente
dentro das práticas educativas, mas também nos momentos de recreação, pois o que víamos nos
horários de intervalo eram somente piques, jogos de mesa, como totó e pingue-pongue, jogos
de tabuleiro e um grande número de crianças com jogos eletrônicos. A ideia não é substitui-los,
pois têm igual importância no desenvolvimento infantil, mas adicionar outras novas/antigas
formas de brincar (GOMES, 2008).
Nesta parte do texto, trazemos autores que estudaram as relações da ludicidade com os
processos de aprendizagem, buscando a fundamentação teórica para aplicar o lúdico na
educação musical de crianças dos anos iniciais do ensino fundamental. O bojo do nosso estudo
dentro do campo lúdico é o jogo – ou brincadeira.
Encontramos, nas literaturas pesquisadas, autores como Luckesi (2014 apud MASSA,
2015), que defendem uma distinção entre lúdico e ludicidade. No entanto, Miranda (2004)
defende o lúdico como uma categoria geral, na qual estariam inseridos o jogo, o brinquedo e a
brincadeira; considera que há uma relação intrínseca entre os três termos, porém, faz uma
distinção simplificada entre eles. Calcado em estudos de Piaget, Miranda define o jogo como
uma atividade que pode ser realizada em grupo ou individualmente e que tem duas
características principais: a existência de regras e a proposição de metas a serem alcançadas ao
fim da atividade. Ele ressalta ainda que o brinquedo é um objeto físico e manipulável com que
a criança joga ou brinca (BROUGÈRE, 1997). Para concluir, ele define a brincadeira como o
brinquedo em ação, a atitude de brincar ou de jogar, que pode ser com um objeto concreto ou
não.
No que tange à conceituação de brinquedo, Kishimoto (1996) corrobora com a definição
de Miranda (2004), quando se refere a ele como um objeto manipulável. O brinquedo é o que
leva a criança ao mundo do faz-de-conta e faz com que ela exerça sua imaginação para
representar aquilo que conhece do mundo real. Kishimoto (1996, p.24) diz ainda que o
brinquedo “enquanto objeto é sempre suporte de brincadeira. É o estimulante material para fluir
o imaginário infantil”.
Já o conceito de brincadeira que a referida autora traz é definido como:

A ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao


mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação. Desta forma,
19

brinquedo e brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e não se


confundem com o jogo (KISHIMOTO, 1996, p.24, grifo do autor).

Mais adiante, ao dissertar sobre o jogo, a autora admite existirem regras explícitas ou
implícitas que conduzem a brincadeira, e é nesse momento que os conceitos de jogo e
brincadeira começam a se imbricar, atribuindo a ambos as mesmas características: “todo jogo
acontece em um tempo e espaço, com uma sequência própria da brincadeira” (KISHIMOTO,
1996, p. 26).
Em nossa pesquisa, desenvolvemos as possibilidades do lúdico como facilitador da
aprendizagem, ou seja, observamos a influência da proposição de uma série de jogos e
brincadeiras dentro do contexto das aulas de educação musical na educação básica. Então,
natural seria perguntar por que não adotamos o termo jogos educativos. A resposta vem por
conta da complexidade de conceituação dessa expressão, que geraria uma gama de infindáveis
discussões.
Para tanto, fundamentados em Freire (2005), preferimos não usar o termo jogo
educativo, mas apostar no caráter educativo do jogo e em suas possibilidades no contexto da
aprendizagem. Essa ótica de Freire é reforçada por Kishimoto (1996, p.41): “Quando as
situações lúdicas são intencionalmente criadas pelos adultos com vistas a estimular certos tipos
de aprendizagem, surge a dimensão educativa” (grifo nosso).
Seguindo a mesma linha de pensamento de Miranda (2000), elegemos o jogo como
objeto de investigação. No entanto, em nosso caso, vamos caracterizá-lo como uma atividade
lúdica que prima pela movimentação corporal no tempo e no espaço – fatores que nos remetem
novamente à Rítmica Dalcroziana.
No ensaio sobre a contemporaneidade de Dalcroze, Santos (2001) faz menção à
importância da corporeidade na educação, defendida por Assmann (1999):

Assmann quer ressaltar a corporeidade não como fonte complementar de


critérios para a educação, mas "seu foco irradiante primeiro e principal", uma
"filosofia do corpo, que perpasse tudo na educação", e sem o que não se pode
falar de "qualquer teoria da mente, da inteligência, do ser humano global".'
Completa: "precisamos de linguagens pedagógicas que explicitem a inscrição
corporal dos processos cognitivos” (ASSMANN, 1999 apud SANTOS, 2001,
p. 42).

Em relação à concepção da organização do domínio de corpo e espaço, Piaget situa o


aluno da faixa etária dos anos iniciais do ensino fundamental dentro do período denominado
operatório-concreto (FREIRE; SCAGLIA, 2003). Nessa fase de desenvolvimento, a
organização mental do tempo e do espaço vai sendo ampliada no indivíduo. É o momento em
20

que aumenta também a relação com outras pessoas e objetos, e com isso a criança começa a
estabelecer acordos e a construir regras que a auxiliam na interação com o mundo.
Segundo Miranda (2004), os educadores e a família definem a escola e a educação como
algo penoso. Expressões como “dever de casa” ajudam a internalizar essas ideias. O lúdico é
uma característica inerente ao ser humano: o ser brincante que somos, naturalmente, desde que
nascemos. O autor também explica que os sistemas de ensino pressupõem que, após a educação
infantil, chega o momento em que a escola praticamente não dá mais espaço à brincadeira.
Voltamos à dicotomia temporal entre a hora de brincar e a hora de aprender, que se apoia na
concepção cartesiana de vida. Quando formulou os princípios da Escola Nova, Dewey fez
críticas a essa controvérsia. Santos nos lembra que:

Dewey foi um dos reformadores a apoiar essa nova instituição [Escola Nova],
com um discurso da pedagogia sobre a infância, combatendo a dicotomia entre
atividade livre e dirigida, jogo e trabalho, cognitivo e afetivo, corpo e mente, e
entendendo a experiência estética como mobilizadora de uma unidade
integrada do ser humano (NUNES, 1997 apud SANTOS, 2001, p.16-17).

Piaget também defendia a escola ativa – um dos princípios da Escola Nova –, na qual
cada indivíduo constrói ativamente o conhecimento. Nas séries iniciais, nem sempre os
professores praticam o lúdico pela preocupação com o desenvolvimento cognitivo, mesmo
sabedores de que o jogo é um excelente suporte. Muitas vezes o que motiva o uso de jogos, por
senso comum, são os processos de socialização implícitos nas atividades lúdicas. O que também
é muito importante quando pensamos o jogo e as brincadeiras como atividades isoladas no
processo de aprendizagem (FREIRE, 2005). A socialização, advinda da utilização do lúdico,
surge do fato de não lidarmos somente com o indivíduo, mas com um grupo de pessoas que,
quando está reunido, encontra no brincar uma das melhores atividades a se fazer (MIRANDA,
2004).
Sobre essas questões, Kishimoto defende que:

o brincar é algo a ser aprendido em sociedade, pois cada uma delas tem sua
forma de brincar. Aprender afetividade, saber lidar com a frustração de ganhar
ou perder. Cada grupamento tem seu conjunto de regras, eles definem o que
vale e vão gradativamente ampliando aquilo que a gente chama de cultura
lúdica. Um conhecimento específico de crianças que brincam. Brincando dessa
forma, a criança adquire iniciativa, flexibilidade, capacidade de dialogar com
o outro, com o diferente, espírito de liderança, desenvolve capacidade de
escolha, raciocínio matemático, linguístico e espacial. (KISHIMOTO, 2015)

De volta a Piaget, destacamos que, inserida em um processo de interação social, a


criança revela seu desejo natural para o jogo. Nessa fase, ela apresenta maior facilidade para
21

aprender e apreender o mundo. Com isso, Piaget nos faz concluir que o jogo serve como suporte
para todas as aprendizagens, nas quais se incluem aquelas formais do contexto escolar.
Wallon também pesquisou relações entre o lúdico, o ser brincante e as origens do
pensamento. Ele procurou observar a criança em suas primeiras interações com o mundo,
quando estudou a origem dos processos do pensamento (MIRANDA, 2004). Se fizermos uma
correlação de como a mediação da aprendizagem passa pelo processo do pensamento, podemos
supor que o uso do lúdico propicia uma possibilidade maior de aprendizagem. Para endossar
essas relações, Miranda (2016), citando Vigotsky, nos diz que:

Sobretudo no início da escolarização, as aptidões da criança para a elaboração


de conceitos são potencializadas por meio do lúdico. Portanto, a ludicidade
aparece como valorosa no contexto das estratégias didáticas voltadas às
aprendizagens infantis (VIGOTSKY, 1934 apud MIRANDA, 2016, p.17).

Os pedagogos, criadores das metodologias de Iniciação Musical, fundamentados no


conceito de escola ativa, desejavam motivar a criança a ponto de ela ver no estudo da música
uma necessidade tão vital quanto o ato natural de brincar. Rocha (2016), em seu ensaio sobre
Liddy Mignone, cita o francês Edouard Claparède para abalizar essa ideia:

De acordo com Claparède (1940), o interesse da criança deve estar


fundamentado em uma necessidade, pois é isso que impulsiona o indivíduo a
agir. Daí a importância do movimento, do lúdico, do jogo, pois são essenciais
na vida, principalmente durante a infância (ROCHA, 2016, p. 101).

Com efeito, a música tem uma aproximação muito forte com o brincar. Se pensarmos
em termos linguísticos ou filológicos, observaremos que, na Língua Portuguesa, isso não fica
tão evidente porque dissociamos os verbos brincar e tocar. No entanto, em inglês, o verbo to
play pode ser usado para as duas acepções. De igual modo, em francês, jouer pode denotar
ambas as ações. Ao transportarmos essa ideia para o campo da música, encontramos essa
aproximação referendada por Brito (1998), quando a autora constata que uma das características
da linguagem musical é o fato de ela ter um caráter lúdico. A práxis docente nos faz refletir
sobre uma aula de música na qual as crianças seriam invité à jouer/invited to play6, o que nos
leva a concordar, por empirismo, com a autora.
Para Joly (2003), ao brincar, a criança se relaciona com a música não somente pela
possibilidade de fruir experiências musicais, como também de ampliar a sua visão de mundo.

6
Jogo de palavras, decorrente da ideia contida dentro do mesmo parágrafo, no qual se discorre sobre a dupla
acepção de to play e jouer. Em português, expressaria um convite para tocar e brincar.
22

A criança, por meio da brincadeira, relaciona-se com o mundo que descobre a


cada dia e é dessa forma que faz música: brincando. Sempre receptiva e
curiosa, ela pesquisa materiais sonoros, inventa melodias e ouve com prazer a
música de diferentes povos e lugares (JOLY, 2003, p.116).

Quando falamos do lúdico na escola, observamos uma dissociação entre as atividades


lúdicas (momento de brincar) e a aprendizagem (momento de estudar), o que parecia
caracterizar a escola como algo penoso para a criança. Talvez encontremos algumas pistas para
dirimir essa situação no pensamento de Snyders, citado por Joly (2003), quando ele aponta o
ensino da música, em uma abordagem lúdica, como um meio de trazer de volta a alegria à
escola.

(...) a escola é um mundo feito para acolher a criança e responder à sua


capacidade de alegria. Isso nem sempre é evidente e fácil, argumenta o autor.
No entanto, é importante que professores e alunos mantenham vivo o objetivo
de conservar a alegria, o interesse, a curiosidade e a cumplicidade em cada um
dos momentos da aprendizagem. O autor ainda afirma que o ensino da música
dispõe de condições exemplares para difundir a alegria cultural, pois não visa
ao futuro longínquo e inacessível da vida adulta (SNYDERS, 1992 apud
JOLY, 2003, p.124).

Esse aporte teórico descrito acima foi importante para que pudéssemos dialogar com a
análise de dados e confirmar a nossa hipótese, afirmando que os conceitos musicais trabalhados
de forma lúdica, por meio de jogos, conduzem a uma aprendizagem mais significativa e
prazerosa.

5 Considerações finais

No início deste texto, apontamos uma preocupação com o interesse dos alunos em
relação à disciplina de Educação Musical. É sempre um desafio para o professor fazer com que,
para além do prazer em cantar e escutar uma música, o aluno se sinta motivado a aprender
aspectos fundamentais sobre Música, o que pode, até mesmo, ajudá-lo a fruir de maneira
integral essa expressão artística.
A escola, muitas vezes apegada ao currículo e ao conteúdo, se esquece de que o primeiro
pressuposto para uma aprendizagem significativa é a motivação para aprender. Por isso, torna-
se fundamental a busca de possibilidades pedagógicas que tragam à tona a alegria e o prazer
em conquistar novos conhecimentos.
Se por um lado apresentamos, ao longo do trabalho, metodologias amplamente
utilizadas ao longo dos anos, por outro pudemos constatar que as necessidades que moveram
os pedagogos que as criaram ainda se mostram atuais. Nas últimas décadas, a escola pouco
23

mudou em comparação às mudanças da sociedade. Por muitas vezes, os professores tentam se


equilibrar entre a tradição e a inovação. Por isso, faz-se necessário estarmos atentos às
possibilidades e às demandas que a Educação nos apresenta cotidianamente.
É de suma importância para o trabalho de Educação Musical com crianças conhecer as
bases do movimento dos pedagogos que implementaram no Brasil, no início do século XX, as
ideias de Iniciação Musical, fundamentadas nas transformações da sociedade e nos ideais da
Escola Nova, que estavam em alta naquela época. Vimos que um ensino baseado apenas na
teoria pode ser enfadonho e desanimador. Ao contrário disso, os professores de Música dos
anos iniciais do ensino fundamental do Colégio Pedro II optaram por adotar estratégias que
privilegiavam a vivência e a experimentação da linguagem e do fazer musicais.
No entanto, nosso trabalho precisa ser constantemente atualizado. Para tanto, nos
aprofundamos nos estudos de ludicidade e nos detivemos a observar a influência da
corporeidade nas atividades levadas ao “chão da escola”. Uma aula estática, com corpos sem
movimento, privilegia somente aspectos cognitivos e deixa de lado possibilidades muito
maiores quando empregamos o corpo e o movimento como parceiros no processo de ensino e
aprendizagem.
Nesse momento, o pedagogo musical Émile Jaques-Dalcroze nos lembrou que
trabalhando primeiramente com o corpo e com os movimentos colocamos o cérebro em estado
de prontidão para o aprendizado de conceitos musicais. Suas pesquisas com o método da
Rítmica nos legaram respaldos e embasamento teórico para entender como jogos e brincadeiras
poderiam ser usados ou adaptados para o ensino de Música com as crianças.
Da mesma forma, o estudo do lúdico nos deu base para perceber que brincar pode ser
uma coisa séria. A formulação de regras e objetivos de cada brincadeira são também
oportunidades de aprendizagem, de criação, produção de conhecimento, além de auxiliarem em
um processo de avaliação continuada. A escola não deve ser vista como a parte desagradável e
chata da vida das crianças. É preciso encontrar alegria não só nos momentos de recreação, mas,
de igual modo, nas situações que envolvem a aprendizagem.
Consideramos válido todo o ganho em termos de conhecimentos pedagógicos com o
estudo da literatura de aporte teórico aqui descrita; das reflexões advindas do debate entre a
teoria e a prática de sala de aula; do processo criativo e cuidadoso que envolveu o preparo de
um Produto Educacional – o Caderno de atividades lúdicas: jogos para a educação musical
24

nos anos iniciais do ensino fundamental 7 –, no qual apresentamos uma série de jogos musicais
para uso em sala de aula, no ensino regular. Esse produto foi aplicado em nossa pesquisa,
fazendo com que conseguíssemos alcançar os objetivos para ela definidos.
À medida que fomos aplicando os jogos elaborados para o produto educacional,
percebemos um interesse maior nas crianças em aprender os conteúdos, para que, com isso,
conseguissem brincar, jogar com os colegas. Como é da natureza da criança, a repetição é algo
sempre presente e de grande importância. Portanto, jogar várias vezes o mesmo jogo, em vez
de enfadonho, fez com que as aulas se tornassem prazerosas e muito proveitosas. Durante a
análise dos dados coletados nas entrevistas e nos diários de campo, verificamos muitas falas
dos alunos nesse sentido.
Por fim, constatamos que as experiências pedagógicas advindas desse estudo
promoveram, a partir das ações planejadas na área do ensino de Música e em consonância com
a corporeidade, o desenvolvimento da autonomia individual e de grupo. Além disso, auxiliaram
na percepção e na capacidade de empreender relações democráticas, em que os envolvidos
demonstraram o respeito às diferenças, em um processo de superação de conceitos como o
individualismo e a competitividade exacerbada, naturalizada na sociedade e, em especial, no
espaço escolar.

Referências

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7
O produto educacional é parte integrante e indissociável da dissertação resultante da pesquisa no programa de
Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica da PROPGPEC do Colégio Pedro II, e está disponível em:
https://www.cp2.g12.br/blog/mpcp2/files/2017/02/Produto-Samuel-Gomes-2019.pdf
25

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26

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São Paulo. Moderna, 2003.
27

A PRÁTICA DA DANÇA E A PROMOÇÃO DA AUTOESTIMA NA ESCOLA:


UM ESTUDO DE CASO

Érica Viviane Biana dos Reis 8


Marcia Martins de Oliveira 9

1 Introdução

No ano de 2017, o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, passou a
oferecer a Dança como uma atividade extracurricular no Campus São Cristóvão II. O corpo
discente atendido nas oficinas de Dança era composto por adolescentes que apresentavam
realidades contrastantes, tanto no âmbito social quanto econômico. Todos vivenciavam
conflitos comuns à faixa etária, que influenciavam de forma decisiva no desempenho escolar e
nas relações sociais construídas dentro e fora do Colégio.
Essa ambiência e o início da frequência às aulas do Mestrado em Práticas de Educação
Básica do Colégio Pedro II levaram as autoras à pesquisa que teve como objetivo investigar se
a prática da Dança na escola poderia influenciar positivamente a autoestima dos estudantes,
contribuindo para a qualidade de vida e a mitigação de problemas emocionais na adolescência.
O estudo considerou as percepções pessoais de quinze adolescentes, com idades entre
treze e dezessete anos, que frequentaram as oficinas de Dança nos anos letivos de 2017 e 2018.
Os conceitos de corpo enquanto experiência e de autoestima fundamentaram a pesquisa,
que resultou na publicação do livro “A autoestima na Dança-Educação: uma estratégia com
abordagem somática”. Ressalta-se que o corpo enquanto experiência é o pilar da Educação
Somática, área de conhecimento que trouxe contribuições significativas para o Ensino da
Dança. O material é composto por quinze atividades que, segundo os estudantes, contribuíram
para a elevação de suas autoestimas.

2 A educação somática e o corpo enquanto experiência

8
Mestra em Educação pelo Colégio Pedro II, pertence ao Grupo de Pesquisa: Análise do Uso e Produção de
Recursos Didáticos. Possui Licenciatura Plena em Dança (UniverCidade).
9
Doutora em Ciência da Informação (UFRJ), Mestre em Educação (UCP), Especialista em Informática Aplicada
à Educação (UCP), Especialista em Psicopedagogia Diferencial (PUC-Rio), Licenciada em Matemática
(FAHUPE). Professora titular do Colégio Pedro II, atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII).
28

A Educação Somática é um campo de conhecimento interdisciplinar que reúne


profissionais e pesquisadores da área da Educação, da Saúde e da Dança. Em 1983, Thomas
Hanna (1928-1990), pesquisador norte-americano, empregou o termo Educação Somática pela
primeira vez ao publicar um artigo na revista Somatics. Na ocasião, Hanna escolheu utilizar a
palavra soma, que em grego significa corpo vivo, na tentativa de considerar aspectos
simbólicos, subjetivos e sociais do indivíduo e não apenas aspectos físicos ou estruturais
(VIEIRA, 2015, p.130).
Para os educadores somáticos, o corpo humano é indissociável da consciência, ao
contrário da lógica cartesiana que defende a fragmentação do indivíduo em corpo x mente. Os
educadores somáticos reconhecem a interconexão entre as diferentes dimensões do indivíduo
(sensorial, motora, cognitiva, afetiva e espiritual) e oportunizam ações que encorajam os
estudantes a serem protagonistas de suas experiências em busca de uma reorganização global
(FORTIN, 1999, p. 46).
A Educação Somática tem como base o conceito de corpo enquanto experiência. Seus
eixos são:
a) Vivência: é a reflexão e a observação dos hábitos no cotidiano, dos automatismos
corporais e a consciência quanto aos limites anatômicos;
b) Sensação: é o estado de presença e auto-observação durante as vivências;
c) Percepção: são as novas descobertas que levam à experimentação de novas
possibilidades gestuais, promovendo uma reorganização corporal (BOLSANELLO,
2005, p. 104).
Os princípios dessa corrente são a visão do corpo em unidade corpo-mente, a
autopercepção como caminho para o abandono dos gestos automatizados no cotidiano e a
construção autônoma de um equilíbrio global em suas relações com o ambiente. Apesar da
contribuição para o equilíbrio biopsicossocial e para a sensação de bem-estar e conforto, os
educadores somáticos não consideram suas ações como práticas terapêuticas, simplesmente por
não ser essa a finalidade. O educador somático não estabelece diagnósticos ou tratamentos, nem
se apropriado discurso das patologias. A Educação Somática propõe uma experiência
cinestésica de descoberta gestual singular e possui caráter preventivo (VIEIRA, 2015, p. 26).

3 A autoestima na adolescência

Estudos recentes sobre a saúde mental realizados pela OPAS (2018) revelam a urgência
de ações que estimulem o equilíbrio emocional de adolescentes. Os dados afirmam que a baixa
29

autoestima pode contribuir para o aparecimento de vários distúrbios que podem colocar o
adolescente em situações de vulnerabilidade social, física ou mental.
O adolescente atravessa um momento marcado pela crescente individualização e
independência familiar, o luto causado pela morte da infância e a busca por se identificar
enquanto pessoa (AGUIAR, 2014, p. 14). Todas essas transformações refletem diretamente na
construção da autoestima durante essa fase da vida (SCHULTHEISZ; APRILE, 2013, p. 38).
A autoestima é um traço da personalidade definido como uma autoavaliação que o
indivíduo faz de si mesmo. Ela pode apresentar-se de duas formas: positiva ou negativa. A
autoestima é positiva quando a pessoa apresenta sentimentos como orgulho, valorização de si
mesmo, confiança, sucesso e a percepção equilibrada entre qualidades e defeitos próprios. Isso
significa que o adolescente com autoestima positiva apresenta um olhar positivo sobre a vida,
buscando enfrentar os seus desafios (ASSIS; AVANCI, 2004, p. 163). Por outro lado, a
autoestima é negativa quando a pessoa apresenta sentimentos como insegurança, inferioridade,
medo, vergonha, fracasso e a percepção maior dos defeitos sobre as qualidades
(SCHULTHEISZ; APRILE, 2013, p. 38).
A autoestima relaciona-se diretamente com outros dois construtos da personalidade: o
autoconceito e a autoimagem. O autoconceito é formado pelas autopercepções projetadas pela
pessoa e pela forma com que outros a percepcionam em diferentes aspectos da vida. Já a
autoimagem é construída a partir da descrição de si mesmo e é influenciada pela forma como
outras pessoas o descrevem, apresentando uma porção real e uma ideal. O equilíbrio entre a
imagem real de si e a maneira como deseja-se ser (ideal) configura-se como uma característica
de autoestima elevada (PEIXOTO, 2003, p. 49-53).
A autoimagem é um dos pontos determinantes para o equilíbrio psicossocial dos
adolescentes. Nessa fase da vida, ao mesmo tempo em que passam por diversas mudanças
corporais, eles são influenciados pela mídia, que apresenta um modelo de corpo ideal o qual os
adolescentes, muitas vezes, desejam alcançar para sentirem-se pertencentes a determinados
grupos. Ao não alcançar determinado padrão de corpo, o adolescente desenvolve um sentimento
de frustração e se isola, revelando uma baixa autoestima.
Embora subjetiva, a autoestima pode ser analisada por instrumentos que se apresentam
em forma de questionários. Na pesquisa que deu origem a este artigo, serviram como referência
para elaboração das entrevistas a Escala de Autoestima e Autoconceito (EAA), de Peixoto
(2003) e Peixoto e Almeida (2011), e a Escala de Autoconceito Artístico (EAA), de Pipa e
Peixoto (2011, 2014), instrumentos de medida aplicados a adolescentes portugueses, que mais
se aproximaram da realidade desse estudo.
30

4 A dança na escola e a abordagem somática

Desde a recente obrigatoriedade da Dança na Educação Básica, os professores refletem


sobre o seu papel na escola, suas práticas e novas estratégias de Ensino. Isso é um desafio a ser
superado, diante do fato de o corpo ser, tradicionalmente, negligenciado dentro do espaço
escolar. Este fator revela-se na valorização de certas disciplinas em detrimento de outras nas
quais o corpo é explorado, nas regras comportamentais rígidas impostas aos estudantes e,
também, na disposição dos móveis nas salas de aula, que impossibilita uma aprendizagem que
perpasse o corpo do estudante em sua totalidade.
Para Miller (2014), a integridade entre o corpo e a mente surgem a partir do abandono
das dicotomias enraizadas na nossa cultura, reproduzidas pelo professor como uma herança
gravada no corpo: corpo-mente, teoria-prática, pensar-fazer, belo-feio, certo-errado. Esses
conceitos e preconceitos acompanham a vida do profissional de Dança que atua na área da
Educação (MILLER, 2014, p. 104). Além da visão cartesiana de corpo consolidada no campo
educacional, a Dança apresenta um histórico de dominação estética que, ainda hoje, influencia
educadores a reproduzirem métodos de Ensino pautados na mímesis. Nesse sentido, o professor
ocupa um lugar de modelo e o aluno de mero reprodutor de movimentos (SOUZA, 2012, p.
10).
A Dança na escola deve desenvolver não só as habilidades motoras, mas também a
capacidade criativa dos estudantes (STRAZZACAPPA, 2001, p.71). O professor de Dança deve
buscar o corpo sensível a partir de experiências que agreguem os desejos, as limitações e a
história de cada estudante, em práticas singulares (MILLER, 2014, p. 110).
A prática da Dança permite a imersão em si mesmo e a produção de um novo olhar
crítico e transformador sobre o mundo. Experiências que acionem os sentidos, que ampliem o
sentimento de presença ao gesto realizado, que despertem a noção de volume corporal interno/
externo, que ativem a memória corporal e que ampliem o autoconhecimento são necessárias
para que a aprendizagem se dê de forma significativa.
Nesse contexto, a abordagem somática no ensino da Dança pode contribuir para o
alcance de transformações positivas, por centrar-se no corpo enquanto experiência e no
entendimento do indivíduo em sua globalidade biopsicossocial. Assim, o eu-corporal, ou seja,
o corpo tratado na primeira pessoa, é o diferencial dessa abordagem no Ensino da Dança
(MILLER, 2014, p.105).
31

Sob essa perspectiva, a Dança na escola favorece o desenvolvimento da corporeidade,


ao explorar as capacidades de cada um e ao oportunizar a construção do conhecimento a partir
do indivíduo, sem apoiar-se na reprodução de modelos pré-estabelecidos. Esse é um dos
princípios da Educação Somática adotados no Ensino da Dança: refletir sobre os movimentos
no cotidiano, abandonando as repetições mecânicas que podem levar os estudantes a
reproduzirem automatismos que, por sua vez, diminuem a percepção corporal. Isso porque a
construção do conhecimento em Dança envolve a reflexão, a conscientização e a transformação
gestual e não apenas a repetição de modelos prontos (MORANDI, 2006, p. 74).
A prática da Dança também amplia o estado de presença e contribui para a reeducação
postural, tanto na prevenção de lesões musculares como na melhoria do gesto dançado,
estimulando o aprendiz a empregar o esforço ideal sobre o movimento e evitando desgastes
desnecessários (DOMENICI, 2010, p. 78).
Para Fortin (1999), o professor de Dança não precisa abandonar a orientação técnica
adotada em suas aulas, mas “aprofundar sua compreensão à luz de conhecimentos e práticas
nascidas do campo da educação somática” (FORTIN, 1999, p. 50).
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) propõe que o Ensino da Arte na
escola articule seis dimensões: criação, expressão, estesia, reflexão, crítica e fruição. Apesar de
todas essas dimensões atuarem de forma simultânea sem que haja uma hierarquia, a recente
inclusão da estesia no documento reflete a importância do corpo no processo de aprendizagem.
Nessa dimensão, o corpo é considerado como protagonista de qualquer experiência artística. A
estesia é definida como a experiência sensível do estudante em sua relação com diferentes
elementos, com o espaço, com os sons, com as imagens e com o corpo. Segundo a BNCC, essa
dimensão “articula a sensibilidade e a percepção, tomadas como forma de conhecer a si mesmo,
o outro e o mundo” (BRASIL, 2017, p. 194-195).
Bondía (2002) define experiência como tudo aquilo que ao atravessar a pessoa
transforma-a. Para o autor, somente as experiências que agreguem um valor simbólico e com
sentido possibilitam a aprendizagem significativa e modificam, de fato, o indivíduo. Isso
porque o saber da experiência é pessoal, ou seja, cada pessoa recebe a experiência de forma
singular. Nesse sentido, mesmo que duas pessoas vivenciem um mesmo acontecimento, este
será particular, subjetivo e relativo ao indivíduo que o recebe (BONDÍA, 2002, p.21; 27).
Com o objetivo de direcionar a pesquisa, foram introduzidos estudos realizados por
Angel Vianna (1928-). Vianna criou o Método de Conscientização do Movimento e Jogos
Corporais, em um momento em que não existiam muitos estudos sobre a temática. Por essa
razão, Vianna buscou as respostas em seu próprio corpo e nos corpos de seus estudantes, em
32

vivências realizadas durante sua trajetória como bailarina, professora e pesquisadora (RAMOS,
2007, p. 23).
O trabalho desenvolvido por Vianna inspirou muitas práticas realizadas no Projeto de
Dança desenvolvido no Campus. A presença e a observação dos micromovimentos do volume
e da estrutura corporal, dos acionamentos musculares, do toque, das intencionalidades, das
sensações, dos alinhamentos posturais (nas relações do corpo com o espaço e com o outro) e
das possibilidades de apoio em suas relações gravitacionais eram, constantemente, explorados.
Todos os procedimentos eram abordados sob o viés somático.

5 Experiências realizadas no projeto-piloto

As oficinas de dança exploravam o conceito de corpo enquanto experiência e diferentes


técnicas da Dança Contemporânea. As ações eram compostas por práticas que envolviam
exercícios de relaxamento, de criação, de improvisação e uso de jogos corporais. A investigação
do gesto oriundo de experiências individuais e coletivas foram priorizadas. Desse modo, as
potencialidades de cada estudante foram exploradas de forma autônoma, assim como as
memórias, as características físicas e as identidades, na construção das relações com o outro e
com o ambiente.
Entendendo a importância da compreensão do aluno em sua individualidade e
globalidade, não se objetivou formar bailarinos, tampouco entretê-los, mas estimulá-los a
desenvolverem a corporeidade e a alcançarem seus objetivos próprios. Ressalta-se, também, a
importância de aplicar conteúdos práticos e teóricos pertinentes à área de conhecimento como:
história da dança, anatomia, experimentação de diferentes técnicas, matrizes estéticas e
culturais, em consonância com as habilidades propostas no documento da BNCC (2017).
Para a amostra de estudantes entrevistados, as práticas em que o corpo foi explorado no
campo experiencial foram as mais significativas, destacando-se aquelas que envolveram:
a) Relaxamento: a imersão em si mesmo ampliou os sentidos e as sensações,
desenvolvendo a atenção e a reflexão projetada sobre os gestos, tensões e posturas
habituais;
b) Improvisação em Dança: os exercícios estimularam a autonomia na exploração de
novas possibilidades de agenciamentos corporais, de uso dos apoios e da gravidade,
ampliando as possibilidades de relacionar-se com o outro;
c) Composição coreográfica: as pesquisas corporais eram realizadas de forma coletiva
e os trabalhos autorais eram valorizados;
33

d) Jogos corporais: auxiliaram na melhoria da interação entre os membros do grupo, já


que a resolução dos problemas propostos dava-se de forma coletiva;
e) Apresentações coreográficas: essas experiências oportunizaram a construção de um
produto, que era fruto de um processo de vivências realizadas, em que os estudantes
desenvolveram novas habilidades artísticas assim como superaram suas dificuldades.
Todas essas experiências refletiram positivamente na ampliação do autoconhecimento,
na aceitação do corpo, na melhoria das relações construídas entre os pares e em sentimentos
como orgulho, respeito a si mesmo e aos outros, sucesso e autorrealização. Nenhum dos
estudantes citou uma piora em relação a essas percepções, mas alguns relataram que, ao
ingressarem na oficina, sentiam medo ou vergonha durante a realização dos exercícios,
sentindo-se expostos perante o grupo.
No entanto, eles afirmaram que esse sentimento negativo diminuiu progressivamente,
dando lugar a uma postura mais confiante. Essa mudança observada na fala dos participantes
dá-se ao fato de, gradualmente, eles criarem vínculos dentro do grupo e, também, pelo fato das
ações explorarem as diferenças de cada um, fazendo com que os adolescentes passassem a
valorizar suas singularidades. Essa diversidade encontrada nos grupos era o que os identificava
enquanto seres únicos durante o processo de aquisição da aprendizagem. As experiências
realizadas também auxiliaram os alunos na melhoria da comunicação dentro e fora da escola.
A aparência pessoal era outro item do qual alguns adolescentes apresentavam uma
percepção negativa. Muitos deles confessaram que tinham insatisfações em relação ao corpo
quando começaram a participar das oficinas. Porém, todos revelaram que a prática da Dança
influenciou de forma positiva na aceitação do corpo, dos seus limites e na percepção de
qualidades e defeitos próprios.
Ao pautar as ações do projeto na tríade vivências-sensações-percepções, houve a
descoberta de aptidões até então não desenvolvidas em profundidade dentro do âmbito escolar.
Esses sentimentos apresentados pelos adolescentes são característicos de indivíduos com
autoestima positiva. Caso contrário, perceberiam somente seus defeitos ou apresentariam
sentimentos de insatisfação em relação ao corpo, revelados no desejo por alcançar um
determinado padrão. Consequentemente, demonstrariam dificuldades de relacionar-se com os
outros, sentimentos como vergonha, inferioridade e incapacidade, assim como desequilíbrios
emocionais, colocando-os, possivelmente, em situações de vulnerabilidade social.
Cabe ressaltar a importância da escola no desenvolvimento da autoestima ao oportunizar
aos adolescentes sentimentos de sucesso e fracasso, por estimular relações de interação e por
prepará-los para o enfrentamento de obstáculos futuros (ASSIS; AVANCI, 2004, p. 37).
34

Nessa fase da vida marcada por tantas transformações, é importante repensar estratégias
de Ensino que promovam o equilíbrio psicossocial do adolescente. O corpo explorado no campo
experiencial é um caminho para o alcance de tal objetivo, já que o saber da experiência se dá
na relação entre o conhecimento e a vida humana, em um mundo de estímulos instantâneos,
onde a experiência é rara e em que o indivíduo é atravessado por diversas informações
desprovidas de significado ou valor (BONDÍA, 2002, p. 22; 23; 26).
Toda experiência, ao entrar em contato com a realidade individual, atravessa cada aluno
de forma única, logo não se pode projetar uma forma única de ensinar e aprender, mas
oportunizar ao estudante a descoberta de seu próprio caminho, com total autonomia. O
professor, nesse sentido, não é o detentor do saber, mas o mediador/facilitador do
conhecimento.

6 A aplicação do estudo de caso

Após a realização do projeto, os participantes avaliaram a experiência por meio de


entrevistas, que buscavam identificar as percepções dos participantes em cinco dimensões
analíticas distintas:
a) Dimensão afetiva: percepções relacionadas às emoções, sentimentos e sensações;
b) Dimensão corporal: percepções de qualidade ou defeitos e aceitação ou não da
aparência física;
c) Dimensão social: percepções sobre a construção de relações e vínculos afetivos,
como amizades, companheirismo, pertencimento e respeito ao próximo;
d) Dimensão artística: percepções relacionadas ao desempenho, talento, habilidades e
projeção de carreira futura na área da Dança;
e) Avaliação pessoal do Projeto-Piloto e possíveis transformações: essa dimensão
dividiu-se em a importância da Dança na Escola, transformações pessoais dos
participantes e atividades em Dança que influenciaram na autoestima.

6.1 Contribuições da Dança sobre a dimensão afetiva da autoestima

A dimensão afetiva abrangeu as variáveis motivações em participar da Dança e


percepções pessoais dos participantes relacionadas às emoções, sentimentos e sensações.
Buscava-se investigar possíveis transformações relacionadas ao sentimento de autovalorização,
autorrealização e autoconhecimento. Em “Motivações em participar da Dança” foi verificada a
35

existência ou não de interesse na Dança pelos estudantes, antes mesmo do início das oficinas.
E em “Percepções pessoais dos participantes” foram analisados os sentimentos de autovalor, de
orgulho e de respeito, para investigar se os estudantes se percebiam da mesma forma, pior ou
melhor do que antes de participarem das oficinas.
Para a representante da Direção Pedagógica e do Núcleo de Atendimento às Pessoas
com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE): “Ela (a Dança) dá esse poder e eu
considero isso um poder mesmo, você gostar de si, você poder pensar em um movimento e
poder realizar [...] a consciência corporal que a Dança traz, sem sombra de dúvida, ela
influencia na autoestima de uma maneira definitiva” (BIANNA DOS REIS, 2020).
Sobre a percepção de momentos de sucesso e fracasso na Dança, todos revelaram ter
tido mais momentos de sucesso, como na fala do estudante Marcos 10, a seguir:

Eu só tive sentimentos de sucesso [...] Eu acho que a questão interessante nisso


tudo foi a gente explorar, explorar o como a gente é diferente, igual e como a
gente pode conectar. Então acho que existiu momentos, não que fosse olhar
para o que sabe fazer, mas o momento de olhar para si mesmo [...]. Algumas
coisas eu não vou conseguir chegar e está tudo bem (BIANNA DOS REIS,
2020).

A análise dessa dimensão trouxe dados significativos de que a motivação em participar


das oficinas está associada ao interesse pela atividade para 80% dos estudantes. Os resultados
também refletem que a maior parte dos entrevistados apresentam sentimentos positivos na
dimensão afetiva. Sentimentos como orgulho, valorização de si mesmo, autorrespeito,
autoconhecimento, sucesso e uma percepção equilibrada entre as qualidades e defeitos foram
observados entre os participantes.

6.2 Contribuições da Dança sobre a dimensão corporal da autoestima

A dimensão corporal da autoestima foi analisada a partir das variáveis motivações em


participar da Dança e percepções pessoais dos participantes, referentes aos problemas
relacionados com a aparência e ao processo de autoaceitação do corpo. Em relação às
“Motivações em participar da Dança”, os estudantes foram questionados sobre aspectos
relacionados à aparência física que, eventualmente, tenham influenciado no desejo em
participar das oficinas. Em “Percepções pessoais dos participantes” buscou-se investigar se

10
Para manter o sigilo quanto à identificação dos participantes, nomes fictícios foram adotados.
36

existiam, entre os participantes, estudantes com conflitos relacionados à aparência e se, durante
a permanência no projeto, essa insatisfação com o próprio corpo diminuiu ou não.
Durante a vigência do projeto, destaca-se a busca constante pelo corpo possível e não
idealizado, característica encontrada no Método de Vianna (RESENDE, 2008, p. 572). A fala
da estudante Clarissa evidencia a importância de propor estratégias que desenvolvam nos
estudantes o sentimento de autoaceitação: “Hoje eu me sinto melhor com a minha aparência,
com o formato do rosto e do corpo, com os meus traços físicos [...] ajudou (a Dança) a entender
meu corpo, me fez acreditar que as pessoas podem ser diferentes, que elas não precisam ser
iguais a ninguém” (BIANNA DOS REIS, 2020).
A fala da representante da Seção de Orientação Educacional e Pedagógica evidencia a
necessidade de se trabalhar no espaço escolar as questões que envolvem a autoaceitação,
principalmente na adolescência.

Na adolescência, você tem inúmeras mudanças tanto de personalidade quanto


de corpo, quanto de autoaceitação, problemas em relação à autoestima, à
autovisualização, à necessidade de ser incluído e essa necessidade de ser
incluído passa desde as relações coletivas menores até as relações sociais mais
amplas [...] (BIANNA DOS REIS, 2020).

Apesar dos conflitos relacionados à aparência não terem sido a motivação principal para
o ingresso nas oficinas, algumas falas denotam incômodos com o corpo, que transpareceram
em outros momentos da entrevista. Mais um dado importante é que, para todos os entrevistados,
a prática da Dança foi determinante no processo de autoaceitação do corpo.

6.3 Contribuições da Dança sobre a dimensão social da autoestima

A dimensão social da autoestima divide-se em: motivações em participar da Dança e


percepções pessoais dos participantes, quanto à construção de vínculos afetivos e às possíveis
transformações ocorridas nas relações sociais realizadas entre os pares. Em “Motivações em
participar da Dança” foi verificado se, entre a amostra de estudantes, havia aqueles que sofreram
influência de amigos ou familiares na decisão de participar das oficinas. Em “Percepções
pessoais dos participantes” buscou-se verificar se a prática da Dança influenciou nas relações
socioafetivas construídas no espaço escolar (PEIXOTO, 2003; PEIXOTO; ALMEIDA, 2011).
Um dado importante revelado durante a análise da dimensão social é que nenhum dos
entrevistados identificou uma piora nas relações socioafetivas construídas entre os pares. Para
um melhor entendimento, o Gráfico 1 mostra os resultados dessa análise.
37

Gráfico 1- Relações sociais apresentadas pelos estudantes

Fonte: BIANNA DOS REIS, 2020.


Conclui-se que a dimensão social influenciou decisivamente a vida dos estudantes, ao
ponto de ser a segunda maior motivação para participar. Sete dos quinze estudantes relataram
terem sofrido a influência de amigos nessa decisão. De fato, esse dado observado coaduna com
uma das fases da adolescência, marcada pela crescente busca por pertencimento e identificação
social (AGUIAR, 2014, p. 20).
A dimensão social também foi a única motivação para a desistência de dois dos
entrevistados. Esse fato é constatado na fala da estudante Carmem, que prosseguiu nas oficinas
somente ao ingressar em um grupo com o qual se identificava: “Não consegui me adaptar com
as pessoas, já no segundo ano eu já tinha um certo laço, eu já conhecia desde o Pedrinho 11
[...]” (BIANNA DOS REIS, 2020).
Destaca-se o impacto das oficinas sobre as relações construídas para além da sala de
aula. Alguns estudantes relataram que a participação nas oficinas contribuiu para que eles
fossem reconhecidos e respeitados dentro do Colégio. Para os três gestores entrevistados, o
projeto teve o alcance de toda a comunidade educacional, como observado na fala da
coordenadora a seguir.

Ela (Dança) de qualquer maneira promoveu uma relação, uma interação muito
grande [...] era um projeto totalmente inovador, não era um projeto exclusivo
de cada série, de cada turma, era um projeto totalmente interativo. Então,
inscreviam-se para a Dança, por exemplo, estudantes do 6º ao 9º ano[...]o
resultado foi muito interessante (BIANNA DOS REIS, 2020).

11
"Pedrinho" é um termo popularizado entre a comunidade escolar para designar o Primeiro Segmento do Ensino
Fundamental do Campus São Cristóvão I, localizado no bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro.
38

Após análise dos dados relacionados aos laços de amizade, de respeito ao próximo, de
interação social, entre outros, verificou-se que a dimensão social presente no autoconceito
reflete diretamente na construção da autoestima, melhorando-a consideravelmente a partir das
experiências vivenciadas no projeto-piloto de Dança e essa melhora se estende às vivências
realizadas fora.

6.4 Contribuições da Dança sobre a dimensão artística da autoestima

A dimensão artística da autoestima foi analisada a partir das variáveis motivações em


participar da Dança e percepções pessoais dos participantes relativas ao domínio artístico da
Dança. Em “Motivações em participar da Dança” foi verificado se, entre os estudantes, havia a
ocorrência de experiência anterior na Dança e se eles foram motivados a participar pelo desejo
de adquirir habilidades específicas”. Em “Percepções pessoais dos participantes”, os estudantes
foram questionados sobre aspectos relacionados ao desempenho artístico, à aquisição de
habilidades, à percepção de talento e à projeção de carreira futura (PIPA; PEIXOTO, 2011,
2014).
Entre a amostra de estudantes, cinco apresentaram experiência anterior na Dança, sendo
o desejo de alcançar novas habilidades uma das motivações para ingressar nas oficinas. Durante
outro momento da entrevista, observou-se que a maior parte da amostra reconheceu que o
sentimento de vergonha prevaleceu sobre o prazer do ato de dançar, durante as experiências
realizadas no palco.
Verificou-se que, nessa fase da vida, os estudantes apresentam medo da desaprovação,
já que a autoestima também é formada pela opinião dos outros, como abordado no referencial
teórico. Esse dado é revelado na fala da estudante Maria Luiza: “Na verdade, todo mundo diz,
todo mundo fica falando: ‘Nossa, você dança bem e tal’ [...] todo mundo admira, eu acho que
isso é bom” (BIANNA DOS REIS, 2020).
Sobre os sentimentos de sucesso e de fracasso, todos os entrevistados afirmaram que a
Dança proporcionou mais momentos de sucesso; e que essa percepção relaciona-se diretamente
às experiências realizadas durante apresentações no palco do Teatro Mario Lago, localizado no
mesmo Campus. Doze estudantes entrevistados já pensaram em seguir carreira artística em
algum momento da vida, sendo um total de sete estudantes influenciados pelas oficinas.
Constatou-se certa dificuldade em reconhecer as próprias habilidades na Dança. Entretanto, a
maior parte dos estudantes reconheceu a aquisição de novas habilidades e de um desempenho
melhor na Dança a partir da frequência nas oficinas.
39

6.5 Avaliação pessoal do projeto-piloto e possíveis transformações

A dimensão da avaliação pessoal do projeto-piloto e possíveis transformações foi


analisada segundo as variáveis a importância da Dança na escola, transformações pessoais dos
participantes e atividades em Dança que influenciaram na autoestima, a partir das
transformações advindas da prática da Dança e da percepção da importância atribuída à Dança
no ambiente escolar. Em “A importância da Dança na Escola” buscava-se saber se o fato de a
Dança ser disponibilizada no espaço escolar influenciou ou não os estudantes a ingressarem nas
oficinas. Em “Transformações pessoais dos participantes” buscou-se verificar os possíveis
impactos da Dança sobre a rotina dos adolescentes. E, por fim, em “Atividades em Dança que
influenciaram na autoestima” foram realizadas perguntas sobre experiências positivas e
negativas que possam ter influenciado na autoestima dos estudantes.
Para oito dos estudantes entrevistados, o fato da própria escola oferecer a Dança
contribuiu para o acesso e permanência nas aulas. Muitos deles também mencionaram terem
enfrentado dificuldades financeiras. Esses dados revelam a importância da escola em assumir
um papel inclusivo, dando oportunidades igualitárias a todos os estudantes, principalmente nas
escolas públicas.
Dentro da amostra estudada, todos os estudantes percepcionaram práticas e hábitos
desenvolvidos durante a vigência do projeto, dos quais procuravam manter até os dias atuais.
Para uma melhor compreensão, essas práticas adquiridas foram associadas à dimensão do
autoconceito predominante:
a) Dimensão social: capacidade de expressar-se e de comunicar-se melhor, de escutar
o outro e de sentir satisfação pelas conquistas alheias;
b) Dimensão afetiva: sentimentos como autovalorização, persistência, paciência,
exercícios de autoanálise e sensação de autoconhecimento;
c) Dimensão corporal e artística: hábito de dançar, de alongar, relaxar, espreguiçar, de
criar coreografias e a percepção de melhora postural.
Os estudantes destacaram que o ato de dançar refletiu de forma significativa em outros
aspectos relacionados ao contexto escolar. Esse dado corrobora à fala dos gestores
entrevistados. A representante do Setor de Orientação Educacional e Pedagógica identificou
uma melhoria no desempenho escolar dos participantes do projeto, afirmando que “A gente
tinha meninos repetentes que passaram a ter um desempenho melhor, porque talvez muito desse
40

desempenho tivesse ligado a questões mais profundas que a questão intelectual e eles puderam
alcançar” (BIANNA DOS REIS, 2020).
O estudante André destacou a importância de uma abordagem no ensino da Dança livre
de uma estética pré-estabelecida, ao afirmar que

No Ballet tem uma coisa que considero muito mais robótica, por que os exercícios são
muito padronizados e você tem uma expectativa muito alta de ser exatamente como
professora mandou. Já nas nossas aulas eu me sentia muito melhor, muito mais
confortável [...] muito mais livre [...] eu não estava tentando atingir a perfeição
(BIANNA DOS REIS, 2020).

Todos os gestores entrevistados citaram transformações positivas entre os adolescentes


que frequentaram as oficinas. Para a representante da Direção Pedagógica e do Núcleo de
Atendimento à Pessoa com Necessidades Específicas, a Dança “transformou vidas,
transformou indivíduos, transformou adolescentes que precisavam dessa energia [...]
sobretudo hoje em dia, numa sociedade tão conectada com mente e raciocínio” (BIANNA DOS
REIS, 2020).
Durante a entrevista, todos os estudantes conseguiram relembrar de uma ou mais
vivências que tenham influenciado de forma positiva as suas autoestimas. Evidencia-se a
incidência de todas as dimensões (afetiva, social, corporal e artística) nas atividades
desenvolvidas, sendo, portanto, impossível realizar sua segmentação. As atividades citadas
como positivas para os adolescentes são experiências em que os três eixos – vivência, sensação
e percepção- foram explorados de forma conectada às competências e habilidades da Dança
(BRASIL, 2017).

7 Resultados e considerações

Durante a interpretação dos dados, foram aferidas as opiniões dos estudantes e dos
membros da gestão pedagógica junto ao referencial teórico e conceitual, cuja convergência dos
dados levou à confirmação da hipótese inicial: a prática da Dança influenciou positivamente a
autoestima dos adolescentes. Os participantes apresentaram sentimentos como autovalorização,
autorrealização e autoaceitação.
Verifica-se que investigações mais aprofundadas sobre a relação entre a prática da
Dança e a promoção da autoestima no ambiente escolar precisam ser desenvolvidas. Essas
discussões são determinantes para a construção de um novo paradigma e um novo olhar sobre
o papel da Dança na escola, principalmente na adolescência, momento em que o estudante
atravessa tantas transformações.
41

Sob esse aspecto, a abordagem somática no ensino da Dança pode estimular o


desenvolvimento da corporeidade, ação importante em um ambiente marcado pelo controle
diário da gestualidade. A privação do potencial expressivo e comunicativo do corpo no processo
de aprendizagem reflete-se de forma negativa no desempenho escolar, no convívio social e no
desenvolvimento global do indivíduo.
A Dança precisa ser compreendida como um campo de conhecimento autônomo. Além
disso, as ações realizadas pelos profissionais que atuam na área da Educação devem priorizar
intervenções em que o corpo seja considerado em sua globalidade e individualidade. O
estudante possui um corpo simbólico que pensa, que sente e que possui sensações, um corpo
cujas potencialidades precisam ser acionadas durante a performance. O movimento que surge
de dentro para fora precisa ser valorizado, pois é nele que o gesto singular se revela e, com ele,
a identidade pessoal de cada um. Por isso, ao assumir o desafio de facilitador no processo de
aquisição do conhecimento, o professor deve oportunizar uma aprendizagem significativa,
através do corpo e pelo corpo, que contribua para a manutenção do equilíbrio psicossocial dos
adolescentes.

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44

CORPO, METODOLOGIAS ATIVAS E O LÚDICO NA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES: POSSIBILIDADES DO CORPO E DO MOVIMENTO SE
MATRICULAREM NA ESCOLA

Juliana Marques Paiva12


Marco Antonio Santoro Salvador13
Rogério da Costa Neves14

1 Introdução

Caros e caras leitores, damos início à nossa trajetória apresentando inquietações


constantes na nossa realidade enquanto professores, que versa sobre o fazer pedagógico e que
nos deu a pretensão de desenvolver reflexões e ações neste vasto campo da pesquisa.
Você enxerga cor na escola? Na sua realidade enquanto aluno(a) e/ou professor(a) o
movimento está presente? Suas vivências pedagógicas são envoltas pelo lúdico? De que forma
as experiências potencialmente lúdicas marcaram a sua memória pedagógica?
Pois bem, realizamos uma investigação de mestrado que foi constituída com o intuito
de ampliar a reflexão acerca desses questionamentos, tendo como pressuposto uma prática
contextualizada e pensando em metodologias de ensino que permeassem a ludicidade. É deste
cenário instigante que surge este capítulo.
Pensar em uma proposta educacional que vise atender às demandas da sociedade
globalizada nos exige estudos no que se refere à trajetória histórica da educação, com o
propósito de entender os caminhos percorridos, bem como compreender quais paradigmas
influenciaram/influenciam o fazer pedagógico.
Neste sentido, será apresentado um breve resumo histórico acerca destes paradigmas,
de modo a embasar a proposta pedagógica apresentada no decorrer deste capítulo. Vale salientar
que, de acordo com Moraes (1998, apud BEHRENS; FLACH, 2008, p. 10119), paradigmas

12
Mestra em Práticas Pedagógicas da Educação Básica (MPPEB/CPII). Graduada em Licenciatura em Educação
Física (UFRJ). Especialização em Educação Física Escolar (UGF).
13
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
14
Doutor (PUC-SP) em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, mestre em TESOL pela University of
Pennsylvania (2000), graduação em Letras Inglês e respectivas literaturas (UERJ). Professor Titular do Colégio
Pedro II. Professor do Mestrado Profissional em Educação Básica do Colégio Pedro II
45

consistem em “todos os modelos e padrões compartilhados por grupos sociais que permitem
explicações de certos aspectos da realidade.”.
Tendo como pressuposto este conceito de paradigma, é possível entender que as práticas
pedagógicas exercidas no interior das instituições de ensino representam um padrão de
comportamento determinado pelas principais características de um grupo social, por isso, a
importância de compreender o processo histórico, as transições paradigmáticas e sua relação
com o fazer pedagógico.
A história da humanidade é marcada por transições paradigmáticas, passando pela
crença, durante a Pré-história, da existência de dois mundos – o mundo real e o sobrenatural;
pela Era do Conhecimento Clássico, durante os séculos VIII a VI a.C.; pela Teoria do
Conhecimento na Idade Média; pelo Renascimento nos séculos XIII ao XV até chegarmos na
Idade Moderna, em que, sob a influência de Descartes e o surgimento do Paradigma Cartesiano,
passou-se a compreender a necessidade de se reduzir e fragmentar as partes para o entendimento
do todo (BEHRENS; OLIARI, 2007).
Esta visão de mundo influenciou diretamente a ciência e, consequentemente, a
educação, assim:

O paradigma tradicional ou newtoniano-cartesiano levou a fragmentação do


conhecimento e a supervalorização da visão racional. Nesse sentido, propôs a
primazia da razão sobre a emoção, especialmente, para atender a coerência
lógica nas teorias e a eliminação da imprecisão, da ambiguidade e da
contradição dos discursos científicos. A fragmentação atingiu as Ciências e,
por consequência, a Educação, dividindo o conhecimento em áreas, cursos e
disciplinas. (BEHRENS; OLIARI, 2007, p. 59)

Neste contexto, a prática do professor é marcada pela valorização da memorização e


acumulação estérea do saber, em que o aluno é visto como alguém que adentra as instituições
de ensino com a cabeça vazia prestes a receber toda a informação necessária que será
transmitida pelo professor.
Podemos aqui fazer um paralelo com Foucault (1999), ao falar que o homem moderno
nasce diante de minuciosas ações coercitivas. E a escola, por sua vez, coaduna com essas ações
de adestramento dos corpos, que se concretizam por meio da rotina controladora para que os
alunos sigam seus afazeres calados e estáticos. Temos, portanto, ações pedagógicas sem cor,
sem movimento e sem alegria.
E é diante desta premissa que Foucault (1999) faz uma comparação pertinente entre a
sala de aula e a cela de aula. Sua justificativa para esta comparação se dá ao compreender a
46

escola como um lugar de sequestro, onde parte das subjetividades dos alunos é anulada por
meio das práticas ali realizadas.
Este sequestro das subjetividades resulta, portanto, na homogeneização daqueles que
estão envolvidos com o processo de ensino e aprendizagem no contexto escolar. Os
comportamentos pré-estabelecidos começam a ser reproduzidos de maneira mecanizada, o que
gera uma negação do corpo que, por sua vez, acarreta algumas consequências passíveis de
atenção, isso porque, de acordo com Oliveira:

Ao analisar as práticas corporais na escola, percebemos um constante esforço


de negação do corpo. Negação esta que se manifesta mediante um controle
intenso sobre toda e qualquer ação, seja de professores, alunos e funcionários,
alimentado por uma certa previsibilidade daquilo que ocorre, ou daquilo que
pode ocorrer, em termos corporais, no interior da escola. (OLIVEIRA, 2006,
p. 57)

A rotina escolar mantém, portanto, práticas disciplinares - no sentido de impor uma


ordem - com o objetivo de assegurar uma estrutura pedagógica organizada. Entretanto, o que
se observa é que tais ações inibem a livre expressão das subjetividades e a realização de ações
potencialmente lúdicas. Desta forma, a escola tende a manter-se como um espaço não muito
agradável e um tanto previsível. Fato este, reforça que houve, durante a trajetória histórica da
educação, o desenvolvimento de uma conduta enraizada nas habilidades intelectuais, não
abrindo possibilidade de realizar condutas que dela diferissem.
O viés reducionista e ultra especializado da educação, característico do paradigma
tradicional ter se apresentado com maior influência nos séculos XIX e XX, continuou presente
ao longo do tempo e ainda se mostra presente nas práticas pedagógicas, durante a Pós-
Modernidade (BEHRENS; FLACH, 2008). Tal fato, pela perspectiva de Morin, pode ser
prejudicial, uma vez que “[...] a hiperespecialização impede de ver o global [...]” (2014, p. 13).
Ou seja, as atuais demandas da sociedade podem não ser atendidas por uma prática pedagógica
que promova uma aprendizagem descontextualizada.
Seguindo esta lógica, Cavalcante et al. (2016) apresentam os paradigmas tradicional e
emergente, bem como suas influências no ensino superior, e afirmam que o paradigma
tradicional promove a formação de um docente que, tendo acesso a um saber
descontextualizado por meio da divisão entre ensino e pesquisa, o reproduz com a compreensão
de que o professor é a fonte única e segura do saber. Em contrapartida, o paradigma emergente
apresenta como uma de suas características a promoção de um ensino interdisciplinar,
contextualizado, privilegiando e estimulando uma prática investigativa por meio de pesquisas
(CAVALCANTE et al., 2016), auxiliando, portanto, na formação do professor-pesquisador.
47

Deste modo, as práticas pedagógicas baseadas no paradigma emergente demonstram a


possibilidade de atender às demandas da sociedade hodierna, uma vez que, de acordo com
Behrens e Flach (2008, p. 10119), “uma prática pedagógica que propicie uma aprendizagem
crítica e transformadora deve ser assentada em paradigmas inovadores.”.
Posto isto, torna-se de suma importância debater sobre estratégias de ensino que
atendam às características do paradigma emergente, em especial no decorrer da formação
docente, seja inicial ou continuada, uma vez que “[...] os próprios professores não tiverem uma
formação acadêmica que possibilitasse práticas de ensino pela pesquisa, mas uma formação
reprodutiva e reduzida, na maioria das vezes, à transmissão de conhecimentos (DEMO, 2004,
apud, CAVALCANTE et al., 2016, p.14).
Contudo, o presente capítulo não pretende desmerecer os avanços científicos,
tecnológicos e pedagógicos conquistados pelo viés do paradigma tradicional, tampou co propor
a ruptura paradigmática. O que se objetiva ressaltar é a importância da reflexão acerca das
práticas reproduzidas na educação, de modo a estimular e promover um novo fazer pedagógico
que atenda às demandas da educação do século XXI.
Diante disso, pensar as práticas exercidas no cotidiano escolar faz-se necessário, com
atenção especial a um fazer condizente ao aprender a aprender (MORIN, 2014), de modo a
propiciar experiências que estimulem a capacidade de gerenciar as informações as quais se tem
acesso, organizando-as e, a partir delas, construindo seu saber autônomo.
Partindo dessa premissa, o uso de atividades potencialmente lúdicas e contextualizadas
pode se apresentar como uma alternativa condizente para o atendimento das demandas do
paradigma emergente. Contudo, há de se fazer uma ressalva no que tange tais práticas, o
conceito de lúdico vai além das experiências dos jogos e brincadeiras. Segundo Vial (2015),
atividades artístico-culturais como cinema, teatro, música, fotografia, dentre outras,
constituem-se diferentes modos de expressar a vivência lúdica.
Assim, é a partir deste ponto que as metodologias ativas se revelam como uma prática
pedagógica que possibilitaria experiências potencialmente lúdicas em sala de aula. As
metodologias ativas têm sua origem na concepção da Escola Nova de Dewey e baseiam-se no
processo de ensino e aprendizagem pela ação, tendo como referência o protagonismo do aluno,
a autonomia, a reflexão, o trabalho em equipe, por exemplo (DIESEL; BALDEZ; MARTINS,
2017).
Nesse contexto, o uso das metodologias ativas poderá possibilitar um fazer pedagógico
potencialmente lúdico e capaz de atender às demandas da sociedade, tendo como pressuposto
o paradigma emergente.
48

2 Fundamentação teórica

Tendo como pressuposto as questões apresentadas na seção anterior, torna-se necessário


repensar as práticas exercidas no decorrer da formação docente, inicial e continuada, de modo
a estimular a mudança gradativa dos fazeres pedagógicos no decorrer da Educação Básica, com
vistas a atender as necessidades do mundo globalizado.
Neste sentido, Kilpatrick (2011, p.91) pressupõe que o processo de aprendizagem deve
basear-se na construção prática por meio da interação entre os pares em um ambiente
democrático e cooperativo, uma vez que, para ele, “aprender é adquirir um modo de
comportamento.”.
Nessa premissa, Corrêa (2015, p.36), ao abordar os princípios da escola ativa, corrobora
com os estudos de Dewey e Kilpatrick e ressalta a importância do protagonismo do aluno e da
construção da aprendizagem por meio de processos ativos e interações entre os sujeitos, visto
que “[...] nesse quadro, a escola teria a função de ensinar os indivíduos a pensar e a agir na
sociedade de forma livre e inteligente.”.
Da mesma forma, Bacich e Moran apontam que:

A aprendizagem mais profunda requer espaços de prática frequentes (aprender


fazendo) e de ambientes ricos em oportunidades. Por isso, é importante o
estímulo multissensorial e a valorização dos conhecimentos prévios dos
estudantes para “ancorar” os novos conhecimentos. (BACICH; MORAN,
2018, p. 3)

Essa visão nos leva a refletir sobre o uso das metodologias ativas, uma vez que, de
acordo com Bacich e Moran (2018, p.04), essas se caracterizam por tomarem a forma de “[...]
estratégias de ensino centradas na participação efetiva dos estudantes na construção do processo
de aprendizagem, de forma flexível, interligada e híbrida.”. Tais estratégias encontram-se
enraizadas na autonomia e no protagonismo do aluno, com vistas a uma aprendizagem
colaborativa e interdisciplinar (CAMARGO; DAROS, 2018, p. 16), o que nos permite dizer
que propostas pautadas nas metodologias ativas propiciam uma atuação que difere da
perspectiva do paradigma tradicional, ao promover espaços colaborativos, por meio do estímulo
à pesquisa e à contextualização do saber.
Posto isso, ao correlacionar os aspectos até aqui debatidos, podemos nos basear no que
afirmam Camargo e Daros, ao defenderem que:
49

[...] as metodologias ativas representam uma alternativa pedagógica capaz de


proporcionar ao aluno a capacidade de transitar de maneira autônoma por essa
realidade, sem se deixar enganar por ela, tornando-o também capaz de
enfrentar e resolver problemas e conflitos do campo profissional e produzir um
futuro no qual, a partir da igualdade de fato e de direito, cresçam e se projetem
às diversidades conforme as demandas do século XXI. (CAMARGO; DAROS,
2018, p. 12)

Uma vez que o uso de atividades práticas ou vivências que se utilizem ou estimulem a
imaginação e a criatividade por intermédio de danças, músicas, vídeos, teatralização, poemas e
jogos possam ser consideradas potencialmente lúdicas (VIAL, 2015), elas parecem contribuir
para uma educação condizente com o paradigma emergente. Levando em consideração a
possibilidade de correlacionar as metodologias ativas a práticas potencialmente lúdicas,
pareceu-nos ser pertinente propor um curso de formação continuada que busca aproximar esses
dois conceitos.
Ressaltamos que, no que se refere ao conceito de lúdico, estaremos seguindo os estudos
de Luckesi e de Vial (2015). Nesse sentido, as vivências, para que sejam classificadas como
lúdicas, dependem diretamente das experiências individuais construídas ao longo de sua vida.
Portanto, iremos nos referir a essas atividades ou vivências como potencialmente lúdicas. A
proposta da metodologia ativa segue os princípios de Dewey e, ao correlacioná-la com o
conceito de lúdico aqui mencionado, percebemos a autenticação desses ideais, uma vez que
Dewey faz uma crítica à educação tradicional percebida como voltada para a mera transmissão
dos saberes e aponta como possibilidade pedagógica a construção da aprendizagem por meio
de jogos.
Vale ressaltar que a proposta de atividades potencialmente lúdicas pautadas nas
metodologias ativas exige, por parte dos professores, preparo, estudo prévio e um planejamento
minucioso, objetivando familiarizar tal metodologia junto aos estudantes. Esta preparação e
planejamento tornam-se relevantes devido à falsa sensação existente de que, ao ministrar aulas
pelo viés lúdico, o real sentido da educação se perde no desenvolvimento de atividades
aleatórias, sem vínculo com os conteúdos escolares - fato este que não confere com os estudos
dos diversos autores aqui apresentados.
Passamos agora a apresentar os procedimentos metodológicos utilizados ao longo da
pesquisa.

3 Procedimentos metodológicos
50

Diante das demandas educacionais atuais, mostrou-se relevante uma proposta que
atendesse aos professores do segundo segmento do Ensino Fundamental, das redes pública e
privada, na modalidade curso de extensão, tendo como pressuposto a importância da formação
continuada.
Isso porque, de acordo com Nhanisse (2014, p.37), a formação consiste na “[...]
aquisição de conhecimento, habilidades ou acréscimo de algo (des)conhecido num determinado
tempo e espaço.”. Contudo, ainda sob a perspectiva da autora supracitada, vale ressaltar que
nosso ideal consiste em propor um curso de formação continuada sob o viés da prática do
professor reflexivo, que, por sua vez, encontra suas bases teóricas calcadas nos estudos de
Donald Schön e John Dewey.
A proposta do curso de extensão surgiu do anseio de se buscar novos modelos
educacionais que seguissem um caminho de superação do ensino tradicional, exigindo um novo
perfil de professor, já que a formação com viés mais técnico não auxiliava na resolução dos
problemas cotidianos de sala de aula, pois formava profissionais dependentes de receitas a
serem seguidas no fazer pedagógico.
A construção de um fazer pedagógico rumo à inovação não exige que se descarte o
conhecimento técnico científico. Ao contrário disso, Camargo e Daros afirmam que:

[...] para que se garanta o processo de inovação, deve-se contar com novos
recursos tecnológicos, nova estrutura que possibilite a interação, um novo
modelo de formação docente e, principalmente, a incorporação de novos
saberes, sem desconsiderar o conhecimento científico clássico. (CAMARGO;
DAROS, 2018, p. 7)

Dessa forma, objetivamos propor um ambiente de reflexão sobre a prática do professor,


considerando que o cotidiano escolar possui potencial de construção do conhecimento por meio
da reflexão sobre a ação.
Portanto, foi proposto um curso de extensão de 40 horas na modalidade semipresencial,
sendo 12 horas presenciais e 28 horas em EaD. O curso foi realizado no Colégio Pedro II, com
encontros presenciais aos sábados, na parte da manhã, e teve como público alvo professores
atuantes nas diversas disciplinas do segundo segmento do Ensino Fundamental das redes
pública e privada.
O curso justifica-se por sua relevância em levar professores de diferentes níveis de
ensino e de diferentes áreas de atuação a refletir acerca do fazer pedagógico, contribuindo com
a prática reflexiva do professor. Consideramos que, além de ampliar o debate sobre esta
51

temática, o curso proposto apresenta-se como um possível estímulo para práticas inovadoras
em sala de aula.
Isto posto, apresenta-se como objetivo geral do curso: verificar a relação entre o lúdico
e as metodologias ativas, no contexto de sala de aula, por meio de debates e troca de
experiências, tendo como pressupostos os textos abordados durante a realização do evento.
Sendo o lúdico e as metodologias ativas o eixo central dos debates, não seria coerente
propor vivências desconexas dessa premissa. Sendo assim, as vivências foram planejadas e
ministradas com base nos princípios dos temas supracitados, para que os cursistas pudessem:

[...] experienciar, como aluno, durante todo o processo de formação, as


atitudes, modelos didáticos, capacidades e modos de organização que se
pretende que venham a ser desempenhados nas suas práticas pedagógicas.
(BRASIL, 2000, p.38, apud, BACICH; MORAN, 2018, p.78)

Por conta disso, o curso foi ministrado na modalidade semipresencial, de modo a


estimular o uso de tecnologias digitais, pois, de acordo com Bacich e Moran (2018, p.11), “as
tecnologias facilitam a aprendizagem colaborativa, entre colegas próximos e distantes”, além
de estar de acordo com a proposta de ensino híbrido presente nas metodologias ativas.
De forma a viabilizar a realização das atividades na modalidade à distância, utilizamos
a plataforma Moodle, bem como as ferramentas virtuais de produção colaborativa
disponibilizadas gratuitamente, dentre outras que por ventura fossem sugeridas pelos cursistas.
Tal conduta encontra-se pautada no ensino ativo, proposto por autores como John
Dewey e William Kilpatrick, no qual sugerem o aprender fazendo, que vai ao encontro do que
fala Fazenda (2002, p.37) a respeito da coerência, que, segundo a autora, consiste na fusão entre
“[...] o pensar, o fazer e o sentir”. Assim, do que adiantaria propormos um debate acerca da
aprendizagem lúdica por meio de metodologias ativas se durante a promoção destes debates
fossem reproduzidas condutas do ensino tradicional?
Ademais, ao assumirmos este tipo de prática durante o curso daríamos condições do
professor reproduzir em sala de aula práticas pedagógicas nas quais ele tenha mais confiança,
devido a vivências anteriores como aluno ou mesmo construídas por meio do fazer pedagógico.
Nesse sentido,

A aprendizagem significativa de conteúdos e conhecimento ‘universais’ deve


partir de questões, problemas e desafios pertinentes ao contexto daquele que
aprende. [...] Nossa maior contribuição, nesse sentido, será com a formação do
professor como autor de experiências contextualizadas com o conhecimento e
mediador da aprendizagem significativa dos estudantes (BACICH; MORAN,
2018, p.181).
52

4 Apresentação e discussão dos resultados

O presente curso foi ofertado para um quantitativo de sessenta professores. As vagas


foram preenchidas de imediato e, como consequência, houve a necessidade de criação de uma
lista de espera com, aproximadamente, duzentas pessoas, demonstrando, desta forma, o
interesse existente por parte dos professores em debater sobre as novas possibilidades de
práticas pedagógicas.
Ainda assim, apesar da grande procura pelo tema em questão e pelo interesse dos
professores acerca desta temática, foi necessário adequar o planejamento das atividades no
decorrer das vivências. Uma vez que, ao participarem unicamente de estratégias comuns às
metodologias ativas, os professores sentiram falta de um momento no qual fossem abordadas
estratégias mais tradicionais e comuns às suas formações anteriores.
Conforme os professores cursistas se familiarizavam com as estratégias inovadoras, a
necessidade de utilizar estratégias tradicionais de ensino foi diminuindo, de tal forma que, ao
final do curso, somente as práticas voltadas para as metodologias ativas e o lúdico eram
vivenciadas.
Nesse sentido, foram propostas algumas estratégias, tais como “brainstorm”, “rotação
por estações”, “debate inteligente”, todas atividades pertinentes às metodologias ativas, além
de momentos expositivos com a utilização de Datashow para a apresentação de alguns
conceitos.
Com base no resultado produzido pelos cursistas, como, por exemplo, na estratégia de
brainstorm, foi possível observar a interpenetração dos conceitos de lúdico e das metodologias
ativas, uma vez que, em vários momentos, os cursistas utilizavam as mesmas palavras para
caracterizar esses conceitos. Esta interpenetração, por sua vez, parece estimular a promoção de
um fazer pedagógico dinâmico, enfatizando o protagonismo dos alunos com vista a sua
autonomia.
Além disso, percebemos que é viável propor práticas inovadoras como as baseadas nas
metodologias ativas, porém, esta demanda não depende só do professor, uma vez que a estrutura
do sistema de ensino precisa se adequar, tendo como exemplo as estruturas da maioria das
escolas públicas brasileiras, que, possivelmente, não permitem a exploração de recursos digitais
com facilidade.
Como exemplo da relação supracitada, podemos citar a realização da estratégia de
ensino denominada “rotação por estações”, no curso de extensão. A proposta consistia em cinco
53

estações a serem exploradas pelos grupos. Contudo, as limitações físicas e estruturais nos
fizeram adaptar as atividades propostas, realizando algumas modificações. O espaço destinado
ao curso foi o auditório no qual as carteiras são organizadas como em uma arena, ou seja, com
degraus. A presença desses degraus dificultou a movimentação necessária para que a atividade
proposta fosse implementada. A acústica do ambiente também foi algo que demandou algum
ajuste, já que não era possível ouvir com clareza o vídeo de uma das estações.
Figura 1 – Auditório

Fonte: Os autores, 2019.

Estas limitações exigiram adaptações de todos os envolvidos, professores e cursistas.


Aproveitamos esta situação para trabalhar a solução de problemas de maneira coletiva. Desta
forma, todas as decisões foram tomadas levando em consideração as sugestões de todos os
envolvidos. Para viabilizar a realização das atividades reduzimos para quatro o número de
grupos, redistribuímos os componentes e disponibilizamos o vídeo pelo Moodle e por e-mail,
assegurando que todos teriam acesso às informações nele contidas.
Apesar das dificuldades, as atividades transcorreram de maneira adequada e observamos
que a necessidade de reajustar as ações exigiu do grupo uma interação maior. Na figura a seguir
mostramos a visão geral do auditório durante a atividade em questão.
54

Figura 2 – Visão geral do auditório durante a rotação por estações.

Fonte: Os autores, 2019.

Em uma das estações, havia a solicitação para que os cursistas elaborassem um material
atrativo abordando o que sentem/pensam a respeito das metodologias ativas. Foi comum entre
os cursistas a associação das metodologias ativas com estradas e voos, ou seja, com percursos
pedagógicos, dialogando com as bases teóricas da pesquisa.
Figura 3 – Metodologias ativas como caminhos pedagógicos

Fonte: Os autores, 2019.


55

Perceber e analisar a concepção dos professores acerca das metodologias ativas


apresenta-se de suma importância, pois entender suas perspectivas ajuda a compreender suas
ações pedagógicas e as estratégias por eles escolhidas. Nos parece que um professor que se sinta
inseguro tenderá a resistir mais às práticas pautadas em metodologias inovadoras. E, neste caso,
a formação continuada poderá contribuir para a expansão das suas potencialidades pedagógicas
ao abrir um leque de novas possibilidades.
Um fator bastante comum nas produções dos professores cursistas foi a relação das
metodologias ativas com instrumentos comuns às vivências potencialmente lúdicas, em
especial aquelas expostas por Vial (2015), tais como: livros, música, jogos, dentre outros.
Reforça-se, assim, a interseção entre os conceitos de lúdico e de metodologias ativas.
Figura 4 – Desenho elaborado por um cursista para representar as metodologias ativas

Fonte: Os autores, 2019.


Durante as vivências do curso, algumas questões acerca da realização de atividades
pedagógicas pautadas nas metodologias ativas foram levantadas e refletidas pelo grupo. Um
dos pontos levantados relaciona-se aos conteúdos pedagógicos, uma vez que, como expresso
anteriormente no corpo deste capítulo, há uma exigência quanto à memorização, acrescida pelo
anseio de preparar os alunos para as avaliações externas e padronizadas.
Com relação a isto, consideramos ser mais coerente a promoção de uma transição
gradativa, mesclando práticas tradicionais e contemporâneas. Combinar as práticas de ensino e
aprendizagem poderá contribuir para o processo de implementação de uma nova forma de agir,
a educação, até que todos os envolvidos estejam adaptados ao novo contexto pedagógico.
56

De maneira resumida, foram salientados alguns limites para a implementação de uma


proposta mais ativa, dentre eles: a falta de continuidade das políticas públicas educacionais, a
precariedade das estruturas escolares, a supervalorização dos conteúdos sob uma perspectiva
tradicional e descontextualizada, a organização espaço-temporal das aulas e, por fim, a falta de
apoio da equipe técnico pedagógica.
Contudo, os cursistas expressaram que as dificuldades apresentadas na implementação
das metodologias ativas não desmerecem o esforço na promoção de práticas potencialmente
lúdicas pautadas em estratégias que coadunam com as necessidades da sociedade hodierna. E
concluíram que é possível iniciar um processo de transição das práticas pedagógicas
tradicionais às emergentes, o que possibilitará, na visão desses cursistas, um ambiente escolar
com mais cor, movimento, som e vida!

5 Algumas conclusões sobre a trajetória do experimento e da pesquisa

A aplicação do presente curso sobre as parcerias entre corpo, metodologias ativas e a


ludicidade nos proporcionou vivenciar, demonstrar e afirmar a importância da promoção de
espaços formativos que seguem estratégias inovadoras de ensino, uma vez que, de acordo com
Libâneo (1994), os professores tendem a reproduzir experiências vividas enquanto alunos,
especialmente quando faltam espaços de formação continuada.
Nesse sentido, pesquisas que promovam diálogo sobre essa temática apresentam-se de
significativa importância, em especial, aquelas que correlacionam os saberes científicos
acumulados com os saberes produzidos no “chão da escola”.
Desta forma, os cursos de formação continuada apresentam-se como uma das
possibilidades de promover esta troca constante e renovadora dos paradigmas escolares, por
vezes obsoletos e sem sentido, para as realidades discentes. Estes dados encontram reforço na
observação de que, no decorrer das vivências do curso de extensão, os professores se sentiram
mais à vontade e, consequentemente, mais criativos e corajosos para promover atividades
pautadas nas metodologias ativas.
Pensando por esta lógica, apresenta-se, com certa urgência, a necessidade de se rever o
complexo campo acadêmico/pedagógico da formação inicial, de modo a promover novas
possibilidades de formação docente que dialoguem com as necessidades e realidades atuais; e
que se compreenda que o complexo processo da construção dos saberes, tanto eruditos quanto
populares, deve ser configurado como um processo espiralado, que sempre se desenvolve em
57

ciclos, mas estes sempre retornando ao mesmo ponto, entretanto, um degrau acima do que
passou da vez anterior.
De acordo com a análise dos resultados da pesquisa, percebemos que as metodologias
ativas e o lúdico parecem favorecer a promoção de espaços nos quais a aprendizagem ativa e
colaborativa se fazem presentes, estimulando, por exemplo, a criatividade, a autonomia e a
construção de estratégias. Atuando de forma a minimizar a promoção de ações coercitivas,
comuns aos ambientes escolares, cria-se a possibilidade de desenvolvimento do aprender para
a vida, de forma que os estudantes se tornem protagonistas de mudanças e não somente
espectadores que obedecem ao curso da vida sem questionamentos e intervenções.
Ainda assim, apesar de diversos limites e dificuldades explicitados nas práticas e nos
discursos experimentados pelos professores cursistas no decorrer das vivências, tais como a
falta de infraestrutura, o conteudismo, o tempo reduzido de aula, dentre outros, foi possível
perceber que as práticas pedagógicas pautadas nas metodologias ativas se apresentam como
alternativas lúdico/corporais pedagógicas com vistas à transição da superação do paradigma de
um fazer com bases no ensino tradicional para possibilidades em busca do ensino mais atual e
crítico denominado de emergente.
Nesse sentido, as nossas pretensões iniciais de construção de conhecimentos dentro do
espaço escolar por intermédio do corpo, das metodologias ativas e da ludicidade encontraram
um campo fértil em relação aos professores que experimentaram uma formação com ousada
proposta de se construir uma experiência nova, com base no acumulado necessário de
importantes experiências anteriores, tomadas como base de lançamento para as nossas
propostas.
A pesquisa que se propunha inicialmente em desenvolver este processo
acadêmico/pedagógico não somente com os professores, mas também com os estudantes, ficou
limitada pelo fenômeno da pandemia da Covid e da inércia do (des)governo perante à sua
administração, longe de ser organizada, planejada e, consequentemente, competente.
Desta forma, tais fenômenos nos limitaram a experiências em apenas uma das áreas
planejadas inicialmente por nós: os docentes. Entretanto, pelo acúmulo do que foi coletado,
produzido e analisado pelos professores, e por eles estarem todos envolvidos no cotidiano do
magistério escolar, esta experiência nos proporcionou condições favoráveis de afirmação de
que tais experimentações da formação continuada provavelmente nos “darão bons frutos” junto
aos estudantes, por meio de aulas mais críticas, dinâmicas, prazerosas, coloridas e com
movimento corporal, com vistas ao protagonismo estudantil autônomo, no processo de
construção do conhecimento escolar.
58

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60

O ESTADO DE PALHAÇO E A POTENCIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES


INTERPESSOAIS EM SALA DE AULA

Álisson Jardel Pereira Silva15


Marco Antonio Santoro Salvador16
Marcia Martins de Oliveira 17

1 Introdução

O palhaço é uma figura mundialmente conhecida, seja com o nariz vermelho, roupas
coloridas, com ou sem maquiagem, no circo, na rua ou no palco. Ao nos depararmos com esta
figura e seu modo próprio de agir, nos preparamos para rir, sermos enganados ou fugir com
medo. Não nos mantemos impassíveis diante um palhaço.
Além dos lugares comuns onde esperamos encontrar os palhaços, eles também atuam
em enfermarias, campos de refugiados, lugares longínquos dos grandes centros, expondo a si
mesmos no objetivo de levar mais graça a quem precisa. Essa polivalência do palhaço incita o
questionamento sobre onde mais e de quais outras formas o palhaço e seu ofício podem
beneficiar a sociedade.
É a partir do meu lugar de professor, pesquisador da Educação e palhaço, observando a
minha própria prática profissional e as transformações que a minha vivência enquanto palhaço
provocou em minha atuação docente, principalmente no campo das relações com os meus
alunos, que surge o problema que norteou esse trabalho: como o Estado de Palhaço pode ser
um meio de potencialização das relações interpessoais em sala de aula?
O Estado de Palhaço é caracterizado como o modo próprio de agir do palhaço,
fundamentado na capacidade de interação e jogo dele com o público e ambiente ao redor. Sendo
a palhaçaria uma prática que tem o seu foco no aperfeiçoamento da relação e da interação com

15
Licenciado em Educação Física e em Teatro (ator e palhaço). Mestrando no MPPEB/CPII. Integrante do grupo
de pesquisa em Práticas Emergentes na Educação Básica (PEEB).
16
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
17
Doutora em Ciência da Informação (UFRJ), Mestre em Educação (UCP), Especialista em Informática Aplicada
à Educação (UCP), Especialista em Psicopedagogia Diferencial (PUC-Rio), Licenciada em Matemática
(FAHUPE). Professora titular do Colégio Pedro II, atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII).
61

o outro, ela também pode se tornar um potencial recurso de aperfeiçoamento da dimensão


interacional dos professores.
Esse artigo é derivado de uma pesquisa que tem como objetivo geral analisar o Estado
de Palhaço enquanto um potencializador das relações interpessoais em sala de aula. Para a
consecução desse objetivo geral espera-se identificar princípios da Palhaçaria pertinentes ao
fazer pedagógico e demonstrar possibilidades pedagógicas a partir do Estado de Palhaço.
A pesquisa que deu origem a esse artigo se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica
com uma abordagem qualitativa. O processo metodológico adotado respaldou-se na análise de
produções acadêmicas e obras publicadas sobre os percursos formativos da palhaçaria e sobre
o aspecto relacional do fazer pedagógico.

2 Conceito de palhaçaria e de palhaço

Os nomes e as indumentárias mudam, mas o arquétipo permanece o mesmo ao longo


dos tempos. Toda cultura, em qualquer momento da história humana, tem figuras que se
dedicam a fazer rir, seja quebrando as regras sociais, seja parodiando os ritos ou apontando as
incongruências do que é humano.
Ao longo de suas inúmeras manifestações, essa figura ganhou diversos nomes: grotesco,
truão, bobo da corte, excêntrico, tony, augusto, jogral, bufão, clown, clóvis e palhaço, dentre
outros. Essa multiplicidade de designações e conceitos que se apresentam em uma longa
temporalidade gera confusão até hoje. Portanto, neste trabalho, o termo utilizado para se referir
a essa figura será palhaço 18.
A partir da obra de Castro (2005) e de Thebas (2005), podemos traçar um histórico da
presença da figura do palhaço nas diversas sociedades ao redor do mundo.
Embora o ofício de cômico remonte aos primórdios da humanidade, como uma figura
que alivia a tensão dos ritos sagrados, e tenha se feito presente da Antiguidade à era
Contemporânea, o palhaço como hoje conhecemos surge junto com os circos no século XVIII.
Utilizando-se de paródias, habilidades acrobáticas e um pensamento ágil e ácido, os palhaços
entretinham o público e faziam rir, aliviando as tensões que um espetáculo de proezas físicas
proporcionava aos presentes.
No século XIX, o palhaço chega aos palcos dos cabarés europeus, mesclando números
técnicos (acrobacias, malabarismos, contorcionismos) com cenas teatrais. No início do século

18
Nos estudos sobre palhaçaria, há divergências sobre o uso dos termos “palhaço” e “clown”. Neste texto, tratamos
os termos como sinônimos, utilizando preferencialmente “palhaço”, por se tratar de vocábulo da língua portuguesa.
62

XX, com o advento e popularização do cinema, conhecemos um dos palhaços mais famosos de
todos os tempos: Carlitos, através do ator Charles Chaplin.
O treinamento e formação dos palhaços, até então, se davam por meio da tradição,
através de famílias de palhaços e da vivência do circo. Porém, na segunda metade do século
XX, o pesquisador e professor teatral francês Jacques Lecoq torna-se conhecido ao codificar
uma metodologia de formação de palhaços, especificamente para atuação em palcos, sem
ligação com o circo. Esta é a pedagogia que embasa a formação dos palhaços contemporâneos.
Estes “palhaços de palco”, herdeiros da linhagem de Lecoq, formados a partir de técnicas
teatrais, são os tipos cômicos de que trata a pesquisa que deu origem a este artigo.
Mais que a nomenclatura ou a roupagem, o que interessa a este trabalho é a função social
que o palhaço exerce: revelar a nossa humanidade através de nossas fraquezas, dores, tragédias,
ilusões, infantilidades, vulnerabilidades. Nas palavras de Reis (2013, p. 80), o palhaço é o
“artista que celebra suas próprias falhas, defeitos, fragilidades e fracassos”. O
descomprometimento do palhaço, sua ingenuidade e marginalidade lhe dão o poder de zombar
de tudo e de todos impunemente, brincando com as instituições e valores oficiais estabelecidos.
O prazer surge na plateia, na forma de riso, a partir da identificação com as incoerências,
incoesões e imprevisibilidades do palhaço. O palhaço age sem medo dos julgamentos e das
consequências que suas ações podem trazer. Ele utiliza-se de diversas técnicas e situações para
gerar o engajamento de seu público e, consequentemente, o riso.
Este “fazer” próprio do palhaço é chamado de palhaçaria, conceituada como a
experiência cênica de um atuante que engaja a audiência em um estado de atenção, de forma
consciente, usando, principalmente, a exposição de si como objeto do riso do outro (REIS,
2013). Assim, palhaço é o “atuante que mantém uma plateia conectada a sua apresentação por
meio da exposição de suas ações como objeto principal do riso” (REIS, 2013, p. 34). Estes são
os conceitos de palhaço e palhaçaria que norteiam este texto.
A formação do palhaço dá-se a partir da observação e exploração da natureza cômica de
si próprio. A partir de vivências teatrais, o aspirante a palhaço é levado a confrontar e aceitar
seus erros, desajustes e fracassos e a utilizá-los como forma de conexão com a plateia. Um
palhaço não é uma personagem inventada, mas uma projeção pessoal de algo que costumamos
esconder das pessoas em geral e é revelado a partir das vivências do cômico. Um palhaço não
é um ator atuando, mas sim uma pessoa vista por outra lente (SOARES, 2007; BURNIER,
2009; PUCCETTI, 2017). Este modo outro de operar no mundo e de se relacionar com as
pessoas é chamado de Estado de Palhaço.
63

3 Estado de Palhaço e seus princípios

Para Burnier (2009), o palhaço opera a partir da ampliação e da dilatação dos aspectos
humanos, portanto “estúpidos”, do próprio atuante. O treinamento da palhaçaria, com suas
diversas vivências e jogos, objetiva que o atuante desenvolva a capacidade de criar um
repertório de meios de se conectar com a audiência, a partir de suas próprias características e
tendências. Diferente de uma personagem, o palhaço não atua, ele é. A este modo característico
de agir do palhaço dá-se o nome de Estado de Palhaço.
Puccetti (2017, p. 23) caracteriza o Estado de Palhaço como “o ‘jogo’ entre palhaço e
público, a capacidade do palhaço interagir com ‘cada indivíduo’ da plateia, usando seu
repertório de ações, de gags e de ideias”. Para o autor, o Estado de Palhaço obedece a três
parâmetros principais: a lógica própria do palhaço, caracterizada como a sua forma de
compreender e lidar com as situações do mundo e expressa a partir de suas ações e reações; o
diálogo com cada espectador e as conexões que são construídas; e o jogo propriamente dito,
caracterizado como uma série de relações, ideias e situações que o palhaço estabelece com o
público a partir de seu repertório.
O autor esclarece que o Estado de Palhaço

seria o “despir-se” de seus próprios estereótipos, buscando uma


vulnerabilidade que revela a pessoa livre de suas armaduras. É a redescoberta
do prazer de brincar, o se permitir e simplesmente ser. É um estado de
afetividade, no sentido de ser tocado, vulnerável ao momento e às diferentes
situações. É se deixar surpreender, enquanto ator e palhaço, sem se apegar ao
que é premeditado, mesmo quando segue uma partitura codificada.
(PUCCETTI, 2017, p. 79)

O corpo é o instrumento que o palhaço utiliza para estabelecer o Estado de Palhaço,


estabelecer sua lógica, apresentar seu repertório e suas técnicas e conectar-se com a audiência.
Assim, o trabalho corpóreo é fundamental para o estabelecimento do Estado de Palhaço.
Tal estado só é possível porque existe um “outro” que observa, age e reage às atuações
do palhaço. Esse encontro acaba por afetar a atuação do palhaço, ao mesmo tempo em que o
palhaço revela o seu mundo particular ao público, convidando-o a adentrá-lo, participar do jogo
e ser, também, afetado.
A conexão com o outro é o território da ação do palhaço. Puccetti afirma que:

o palhaço atua a partir de um estado de presença pleno de disponibilidade para


o outro e para o jogo. O intenso contato com os potenciais internos do palhaço
e o encontro/diálogo com o público geram um estado de brincadeira e
64

comunhão capaz de elevar os dois lados a um nível de conexão e entrega bem


superior ao do cotidiano. (PUCCETTI, 2017, p. 38)

O desenvolvimento do Estado de Palhaço dá-se a partir da vivência do atuante em


diversos momentos de prática e formação. A vivência inicial, no qual o aspirante busca
encontrar ou confirmar o seu palhaço é chamada de iniciação do palhaço. Esta experiência é
uma vivência condensada na qual o atuante vai, a partir de jogos e exercícios, se expondo ao
ridículo a partir de suas ingenuidades, construindo um olhar próprio sobre o mundo pela
perspectiva da curiosidade. O atuante é levado a encarar, confrontar e aceitar os seus próprios
erros, desajustes e fracassos (BURNIER, 2009; ACHCAR, 2016).
A iniciação do palhaço é uma racionalização das vivências que ocorriam nos picadeiros
dos circos, onde os palhaços se formavam a partir de linhagens, sendo literalmente atirados ao
picadeiro e tendo que lidar de forma improvisada com os percalços que ocorriam. Essa ideia de
picadeiro permanece na estruturação das formações de palhaço de hoje em dia. Puccetti declara
que:

os “picadeiros” são jogos e situações que colocam os aprendizes em situações


de desconforto revelando fragilidades e detalhes de corporeidades que serão
usados na elaboração do comportamento físico do palhaço, bem como de sua
lógica de utilização do corpo. (PUCCETTI, 2017, p. 108)

Esta ideia de exposição ao ridículo também norteia o trabalho de Jacques Lecoq. Ao


falar sobre as experiências de construção de sua pedagogia, o autor expõe a necessidade de
desvelamento do mundo interior daquele que deseja tornar-se palhaço.

Solicitei um dia aos alunos para que se pusessem em círculo (...) e nos fizessem
rir. Um após o outro, eles tentaram umas palhaçadas, umas cambalhotas, uns
jogos de palavras fantasiosos, tudo em vão! O resultado foi catastrófico.
Sentíamos algo preso na garganta, uma angústia no peito, tudo se tornava
trágico. Quando se deram conta desse fracasso, pararam com a improvisação e
foram sentar-se desapontados, confusos, perturbados. Foi então, vendo-se
naquele estado de fraqueza, que todos se puseram a rir, não do personagem que
pretendiam apresentar, mas da própria pessoa, assim, despida. Encontramos!
O clown não existe fora do ator que o interpreta. Somos todos clowns.
(LECOQ, 2010, p. 213)

Aceitando seus fracassos, o atuante é capaz de se conectar com a audiência,


transformando uma fraqueza pessoal em uma força de atuação, sem esconder-se ou defender-
se. Somente a partir do desvelamento de si de forma franca e confortável, o palhaço pode atuar.
Os percursos formativos que embasam esse texto (SOARES, 2007; BURNIER, 2009;
ACHCAR, 2016; PUCCETTI, 2017) apontam para um conjunto em comum de instrumentos e
65

práticas de formação de palhaços, que podem ser agrupados em sete categorias, definidas a
partir da análise conceitual das práticas envolvidas. São elas:
a) Exploração sensível – estas são as vivências em que o atuante é levado a
descobrir variações dinâmicas a partir da exploração de diversos estímulos, tanto
externos quanto internos;
b) Improvisação – a partir dos jogos de improvisação e da criação de situações
diversas, o atuante é levado a aguçar o seu olhar e seu raciocínio, buscando
maneiras diversas de responder aos acontecimentos;
c) Máscara e autodescoberta – sendo o palhaço um fluxo projetado de si mesmo, o
atuante precisa entrar em contato com o seu universo interno, a partir da auto-
observação, descobrindo suas próprias peculiaridades e aprendendo a utilizá-las
de uma forma consciente e efetiva. Neste conjunto, estão os jogos de exposição;
d) Fisicalidade – o treinamento corporal e energético e a descoberta das
possibilidades do corpo são essenciais para o trabalho do palhaço, já que “ o
‘corpo que brinca’ é o instrumento com o qual o palhaço estabelece sua conversa
com o público (PUCCETTI, 2017, p. 23)”. Neste conjunto, também se encontra
o treinamento de ações físicas19, aspecto fundamental da palhaçaria
contemporânea;
e) Mecanismos de comicidade – este conjunto de práticas engloba estudos e
vivências sobre os aspectos técnicos da comicidade (exagero, repetição,
contraste, surpresa) e sua aplicação em gags (números cômicos) e cenas com o
objetivo específico de fazer rir;
f) Relação com o espaço e objetos – estas práticas são o que Ashcar (2016) define
como “Espacialização da Experiência”, ou seja, a capacidade do palhaço em agir
nos e sobre os diferentes espaços, utilizando suas especificidades a seu favor.
Também engloba as vivências com objetos, em que o palhaço descobre formas
inusitadas de lidar com estes;
g) Relação com o outro – o palhaço só existe por existir um público que joga com
ele. Assim, o desenvolvimento da capacidade de se relacionar diretamente com
a audiência é de suma importância para o trabalho do palhaço. Este conjunto de
vivências englobam os trabalhos primeiro em duplas e depois em saídas de rua,
onde ocorre a relação direta com o público.

19
Ação física é um conceito complexo da linguagem dramática, que pode ser superficialmente definida como uma
ação executada pelo ator carregada de intencionalidade (BURNIER, 2009).
66

O percurso de formação do palhaço institui-se a partir de suas vivências de iniciação,


fundamentadas nos conjuntos de práticas listadas acima, e segue através de todas as suas
experiências práticas, em um movimento contínuo. Assim como o ser humano que o baseia, o
palhaço está em constante transformação e construção. Este constante refazer-se e descobrir-se
aperfeiçoa, ao longo do tempo, o Estado de Palhaço do atuante. No meio da palhaçaria, os
palhaços mais velhos são vistos com muito respeito e reverência, com status de mestres,
principalmente por terem consolidado o seu Estado de Palhaço.
Mas como, objetivamente, o atuante opera a partir do Estado de Palhaço? Quais são os
efeitos práticos que este estado produz? Qual é a lógica que sustenta esse estado?
Para responder estas questões e elucidar o funcionamento do Estado de Palhaço
adotaremos Reis (2013) e Puccetti (2017). Na obra de Reis (2013), intitulada Caçadores de
Riso, encontramos o esmiuçar dos fundamentos da dramaturgia própria do palhaço e o seu
histórico. Em Puccetti (2017) são apresentadas as possiblidades pedagógicas da formação do
palhaço. A partir da análise destas obras, é possível identificar os princípios a partir dos quais
o palhaço age.
Dentre todos os princípios presentes nas obras, destaco aqueles que podem ser mais
pertinentes ao fazer pedagógico:
a) Princípio da Vulnerabilidade;
b) Princípio da Lógica da Contradição;
c) Princípio da Ingenuidade;
d) Princípio da Interação;
e) Princípio do Jogo.
Nos tópicos seguintes, estes princípios serão elucidados e relacionados ao fazer
pedagógico a partir do enfoque da dimensão relacional deste fazer.

4 Dimensão relacional do fazer pedagógico

Para conseguir conectar as possibilidades da palhaçaria junto ao fazer pedagógico, se


faz necessário definir qual conceito de Educação é usado como referência.
Ahlert define a Educação como:

um “que-fazer” humano, que não possui um fim em si mesmo, é um


instrumento que está a serviço, tanto da manutenção quanto da transformação
social (...), educação é a forma que os diferentes povos encontraram para
67

significar o seu mundo, entendê-lo e adaptar-se a ele ou, então, transformá-lo.


(AHLERT, 2011, p. 3)

Assim, Educação é uma atividade humana de interação com os meios natural e social,
caracterizada pela socialização de saberes, em um constante processo de construção e
reconstrução de si e da realidade.
Seria natural deduzir que a Educação enquanto “práxis teórica, política, pedagógica,
afetiva e tecnológica” (AHLERT, 2011, p. 4) abarcasse a totalidade do ser humano. Porém, o
que encontramos hoje enquanto prática institucionalizada, apesar do discurso pós-moderno
(GAYA, 2006), é uma Educação que se serve de uma pedagogia predominantemente
intelectualista, uma pedagogia em que se ouvem ecos cartesianos da dualidade mente e corpo,
estando este a serviço daquela.
Uma Educação concebida sobre uma racionalização extrema, que desconsidera o
Humano em suas múltiplas dimensões, tende ao fracasso. Ela anestesia os educandos, inibe o
seu poder criador (AHLERT, 2011). Ela é míope e não pode agir sobre a realidade plenamente
(GAYA, 2006).
Torna-se necessário nos desvincularmos desse fazer pedagógico meramente cognitivo,
baseado em uma disjunção entre matéria/corpo e espírito/mente, e trazermos o Ser Humano
integral, como diz Morin (2000) o Homo Complexus, para o centro da Educação.
A concepção de ser humano que norteia esse trabalho fundamenta-se em uma visão de
pessoa constituída a partir de sua corporeidade, que é definida como “a maneira como o ser
humano se diz de si mesmo e se relaciona com o mundo com seu corpo enquanto objetividade
(matéria) e subjetividade (espírito, alma) num contexto de inseparabilidade” (AHLERT, 2011,
p. 4).
Toda a experiência humana, suas ações e reflexões no mundo, relações, medos, desejos,
loucuras, estão ancoradas no corpo. Sobre este ancoramento, Gaya (2006, p. 252) diz que “não
há mente, não há razão e não há espírito que não estejam encarnados. Sou corpo. Corpo vivido.
Sou sentimentos, emoções e razões num corpo humano”. Somente somos humanos por sermos-
termos-estarmos um corpo.
Desse modo, a ideia de um corpo indissociável das outras dimensões humanas torna -se
um primeiro elo entre Educação e Palhaçaria, já que “o ‘corpo que brinca’ é o instrumento com
o qual o palhaço estabelece sua conversa com o público, utilizando sua lógica, seu repertório,
seus procedimentos técnicos e o jogo” (PUCCETTI, 2017, p. 23).
O corpo é o meio e o próprio fim do fazer do palhaço e do professor. Torna-se, então,
necessário reconectar-se com suas multiplicidades: corpo-matéria, corpo-mente, corpo-social,
68

corpo-cultura. Todas estas dimensões são intrínsecas ao Ser Humano e são material e local do
trabalho da palhaçaria.
A multiplicidade dimensional tanto do ser humano quanto, por consequência, da
Educação se apresenta de forma intrínseca, simultânea, interdependente, articulada de tal forma
que sua decomposição somente é possível para fins de compreensão e estudo.
A partir do pensamento complexo, João define o ser humano como “ser físico/corporal
e complexo, estando todas as qualidades e dimensões pertencentes ao humano enraizados em
seu corpo” (apud JOÃO, 2019, p. 8). Só podemos identificar o ser humano, perceber sua
subjetividade e diferenciá-lo através de sua corporeidade. João segue explicando as dimensões
da corporeidade humana:

físico-motora (infraestrutura orgânica-biofísica-motora organizadora de todas


as dimensões da individualidade), afetiva-relacional (instinto-pulsão-afeto),
mental-cognitiva (atenção, memória, raciocínio, resolução de problemas,
consciência reflexiva) e a sócio-histórico-cultural (valores, hábitos, costumes,
sentidos, significados, simbolismos). (JOÃO, 2019, p. 8)

Para alcançar os objetivos deste trabalho, é necessário destacar a dimensão afetiva -


relacional do ser humano. A afetividade emerge de nossa infraestrutura orgânica, de nossos
instintos de aproximação do que é “bom” e afastamento do que é “ruim”, e vai se tornando, ao
longo de nosso desenvolvimento, em uma manifestação de relação com o outro cada vez mais
social (FERREIRA; ACIOLY-RÉGNIER, 2010).
A partir de meu corpo reconheço a subjetividade do outro e com ele me relaciono, ao
mesmo tempo em que o outro transforma o ser que eu sou. Merleau-Ponty (1989, apud
VIVIANI, 2007) fala em uma intercorporeidade, um “encontro de carnes” que afeta os sujeitos
envolvidos. O ser humano apenas se torna humano no encontro de seus semelhantes, a partir
do jogo de afetar e ser afetado. Nós somos sujeitos em interação que se afetam, se interferem e
se desenvolvem a partir deste atrito.
Tendo em vista que a afetividade é inerente ao que é humano e a Educação uma práxis
humana, o afeto é elemento central nos processos de aprendizagem. Wallon aponta que “as
funções psicológicas superiores se desenvolvem a partir da dimensão motora e afetiva”
(FERREIRA; ACIOLY-RÉGNIER, 2010). Para ele, o ser humano é predominantemente social
e seu desenvolvimento ocorre na integração do orgânico com o meio.
Sousa e Placco (2016), ao apresentarem seus estudos sobre a multidimensionalidade do
fazer pedagógico, apontam uma dimensão humano-interacional, que tem foco na relação com
os outros e
69

envolve também considerar o corpo e o movimento – bem como a


comunicação -, que são dimensões da mutualidade da informação, da
compreensão e afetos entre os sujeitos, da identidade e da alteridade, em
processo de troca contínua” (SOUSA; PLACCO, 2016, p. 29).

A dimensão humano-interacional é fundamental no fazer pedagógico, pois somente a


partir das relações as transformações propostas pela educação podem ocorrer nos sujeitos.
Sousa e Placco (2016, p. 29) enfatizam esse fato ao afirmar que “o professor, na comunicação
e na relação de diálogo que estabelece com suas palavras, seus gestos, seu corpo, seu espírito,
dá sentido às informações que quer fazer chegar aos alunos”. Ainda assim, é um aspecto
relegado a um plano secundário nas formações de professores, em relação às dimensões técnicas
do ensino (PLACCO, 2004).
A corporeidade em seu aspecto relacional-afetivo é um ponto central da vida humana e
da prática pedagógica. Mas como “ensinar” professores a lidar de uma forma mais potente com
esta dimensão? Será que somente uma análise racional sobre afetos e relações é capaz de
potencializar estes aspectos? A concepção cartesiana que distingue corpo e mente ainda
organiza a cultura escolar até hoje, de forma a ser privilegiado o verbal, o escrito, o oral, as
atividades intelectuais, o raciocínio abstrato em detrimento de todas as outras formas de
expressão e experimentação.
Esta concepção perpassa os processos de formação dos professores e, por fim, temos a
imagem do corpo e suas possibilidades como um intruso na escola. Neste ponto, a palhaçaria,
enquanto vivência integral, pode se tornar uma ferramenta no desenvolvimento da dimensão
interacional dos professores, já que o fazer da palhaçaria trata de exercitar a escuta e a relação
com o outro. É no território da conexão que o palhaço atua.
A totalidade que forma o ser humano deve estar presente tanto no fazer quanto na
formação pedagógica.

É preciso aceitar que o corpo-mente de cada adulto carrega uma engrenagem


psicoafetiva distinta. Resultado da particularidade de sua história. Essa
resultante de sua história pode ser vista como uma topografia de traumas,
censuras, opressões, fantasias, desejos e inibições inscritas em seu corpo e
decorrente da sua experiência de vida social e afetiva. O riso pode ser um
dispositivo para tocar todas essas regiões, às vezes dolorosas, inscritas no
corpo de cada um. (REIS, 2013, p. 88)

A partir de uma realidade em que a dimensão relacional do fazer pedagógico, assim


como do próprio ser humano, é difícil de ser tocada em um trabalho formativo, a palhaçaria,
em seus percursos lúdicos, pode ser um facilitador do desenvolvimento e aperfeiçoamento do
aspecto interacional interpessoal.
70

5 Princípios palhacescos aplicados ao fazer pedagógico

Com base nas concepções de um ser humano integral, ancorado na realidade a partir de
sua corporeidade; nas relações interpessoais, constituídas a partir do afeto, como um dos pilares
constituintes do fazer pedagógico; e no ideário sobre o fazer do palhaço apresentado neste
trabalho, é possível traçar pontos de interseção entre a palhaçaria e o fazer pedagógico.
Partindo do princípio de que o palhaço não é uma personagem, mas uma ampliação do
próprio atuante, é notável que, mesmo que não esteja em performance, o atuante é permeado
pelo Estado de Palhaço em sua vida cotidiana, o que pode permiti-lo agir sobre o mundo de
formas diferenciadas. Assim, um docente que vivencie os percursos formativos da palhaçaria
pode ser capaz de operar em sala de aula a partir dos princípios que guiam a atuação do palhaço,
tornando o aspecto relacional de sua prática mais potente.
Além disso, a dimensão humano-interacional do fazer pedagógico abarca os aspectos
ligados às interrelações, ao corpo e movimento dos docentes e sua desinibição com estes, à
compreensão do outro, ao afeto e à espontaneidade (SOUSA; PLACCO, 2016); e a experiência
da palhaçaria pode impactar de forma positiva estes aspectos.
Nesse sentido, abordamos as possibilidades relacionais do fazer pedagógico, ao se
operar a partir dos Princípios do Estado de Palhaço.

5.1 Princípio da Vulnerabilidade

O palhaço expõe seus fracassos e falhas sem medo de críticas ou consequências. Neste
estado, a audiência cria laços empáticos de identificação, já que o erro é um traço comum a
todos os seres humanos. Dunker e Thebas (2019) apresentam este princípio como o mais
importante dentro do fazer do palhaço.
As roupas descombinadas, os acessórios de cores berrantes e os sapatos grandes que o
palhaço usa, assim o são por um motivo muito simples: não são coisas dele. Dunker e Thebas
(2019, p. 79) enfatizam esse fato sobre o palhaço ao afirmarem que ele “simboliza nossa
natureza humana, essencialmente despossuída, errante e perdedora”.
Ao longo de nossas biografias, construímos nossos papéis e identidades e, por vezes,
em situações de fracasso, somos levados a sustentar estes papéis diante do olhar crítico da
sociedade. Durante este processo de cristalização dos papéis sociais que desempenhamos,
71

somos levados a ignorar a nossa condição de errantes, esquecendo de nossa provisoriedade e


precariedade no mundo.
Durante nossa jornada humana no planeta Terra, vamos abandonando nossos sonhos,
nossos projetos, nossos conhecimentos, nossas capacidades, nossa jovialidade. Somos
perdedores, só temos o momento presente de fato. Compreendendo e aceitando este fato, o
educador-palhaço20 conseguirá baixar as suas guardas, tirar as máscaras cotidianas e exercitar
a sua escuta do outro e do mundo. Ao se perceber perdedor, descobre-se que não há nada a
defender.
Assim, o educador-palhaço passa a lidar com seus erros e fracassos de uma forma menos
grave, conseguindo não ser tão afetado pelas aleatoriedades da existência e estendendo esse
olhar empático para os desajustes de sua audiência 21. Ao se perceber enquanto um ser falho e
incompleto, é possível humanizar as relações com o outro, construindo uma relação mais
consciente e compassiva.

5.2 Princípio da Lógica da Contradição

O palhaço apresenta uma lógica própria ao enxergar e lidar com o mundo ao seu redor,
sempre fugindo do que é obvio ou comum. Sendo um ser complexo, ele exerce a não-unicidade
de si, pautando suas ações a partir da incompatibilidade de sua lógica pessoal com a lógica da
realidade. Assim, ele resolve problemas simples de maneiras complexas e problemas
complexos de maneiras simples: um palhaço tem diversas maneiras de pegar o seu chapéu do
chão e usar as mãos é a última possibilidade.
Transpondo esse princípio para o cotidiano do educador-palhaço, temos duas
possibilidades de sua operação. Em primeiro, ao fugir das rotas óbvias de compreensão e
resolução, o educador-palhaço precisa se relacionar com sua audiência de uma forma mais
atenta, se permitindo observar e tentando acompanhar a lógica própria que acompanha tanto o
pensamento infantil quanto o pensamento individual de cada pessoa.
As incongruências apresentadas não são censuradas, mas analisadas na tentativa de
entender o que move estas formas de pensar e de quais formas estas dissonâncias podem
enriquecer o fazer pedagógico. Assim, não só o educador-palhaço faz parte do mundo próprio
do educando, mas, simultaneamente, o traz para o mundo proposto pelo educador-palhaço.

20
Educador-palhaço seria o educador “iniciado” na palhaçaria e que opera em sala de aula a partir dos Princípios
do Estado de Jogo.
21
Neste caso, definimos audiência como o grupo de alunos em relação com o educador.
72

Em segundo, o educador-palhaço, ao exercitar lógicas de pensamento não usuais, pode


trazer à sua audiência conteúdos, atividades e vivências de forma mais criativa e lúdica,
utilizando-se de abordagens mais flexíveis e diferenciadas. Ademais, é possível criar na
audiência, a partir da não obviedade, um senso de expectativa sobre o que pode acontecer,
criando um engajamento e oportunizando uma participação mais ativa por parte da audiência.

5.3 Princípio da Ingenuidade

O palhaço tem um olhar inaugural e despido de preconceitos ou julgamentos sobre o


mundo e suas possibilidades, ao modo do olhar infantil: tudo lhe é novo, tudo é fantástico. Não
há impossibilidades em seu mundo, os aborrecimentos são momentâneos e ele aceita o fluxo
dos acontecimentos como coisa natural.
Ele se atenta às situações e peculiaridades como se fosse a primeira vez que as encontra.
Castro (2005, p. 12) diz, sobre este olhar do palhaço, que “tudo o que não tem importância lhe
interessa”. O mundo, para ele, é um lugar extremamente interessante, sendo o palhaço um ser
em constante deslumbre. Este interesse pelo mundo é partilhado com a audiência, trazendo-a
para o mundo particular criado pelo palhaço.
Este constante descobrir do palhaço lhe traz um senso de urgência: tudo ocorre no agora.
Assim, o palhaço não se preocupa com as consequências dos acontecimentos ou de suas
próprias ações. Quando algo ocorre fora do previsto, ele aceita a nova situação e lida com ela.
Transposta para o fazer pedagógico, essa perspectiva possibilita ao educador-palhaço a
capacidade de se interessar verdadeiramente por aquilo que ele apresenta à sua audiência,
fazendo com que ela participe deste interesse; assim como lhe permite demonstrar interesse
pelas narrativas e possibilidades que a audiência lhe traz, criando elos empáticos.
Ademais, este princípio traz ao educador-palhaço um estado de atenção consciente,
tornando-o presente no tempo do agora, o que, provavelmente, o conecta de forma mais potente
à sua audiência.

5.4 Princípio da Interação

O palhaço está atento às pessoas e ao mundo ao redor. Ele está consciente sobre os
acontecimentos que ocorrem no espaço que ele ocupa. É necessário perceber as reações das
pessoas e convidá-las a adentrar no universo que o palhaço cria. Ele conduz “‘pela mão’ uma a
73

uma, as pessoas do público, induzindo-as a serem coparticipantes no jogo estabelecido.”


(PUCCETTI, 2017, p. 115).
O fazer da palhaçaria somente existe por existir um público. É a partir do diálogo com
o público que o palhaço se constitui e a ação ocorre. Para Puccetti (2017, p. 16) “este é um dos
princípios fundamentais do palhaço: o estar sempre em diálogo”. Ou seja,

O "diálogo" do palhaço com as pessoas do público, em suas mais diversas


possibilidades, é fundamental para a ação cênica acontecer em sua plenitude
(sendo um espetáculo ou um pequeno número). Quando o palhaço atua, o
público deixa de ser apenas aquele que vê; ele participa e é parte integrante do
que acontece em cena, é um observador ativo. (PUCCETTI, 2017, p. 115)

O autor supracitado segue dizendo que:

Quando o palhaço entra em cena, e a “entrada” é um dos procedimentos mais


importantes do palhaço, é como se jogasse uma isca que vai fisgar alguém da
plateia e, através desse primeiro contato, amplia sua relação, estendendo-a para
as demais pessoas como se as envolvesse numa rede. No fundo, o palhaço é
um “pescador” de olhares. (PUCCETTI, 2017, p. 115)

Ao “pescar” o público, o palhaço se conecta com os seus desejos, fantasias e


expectativas, percebendo nuances, peculiaridades e mudanças e utilizando estes elementos
como meio de fortalecer a relação com a audiência. Este diálogo, enquanto relação mútua de
afetar e ser afetado, não ocorre somente com o público, mas com o ambiente e objetos ao redor
com os quais o palhaço interage.
Através do treinamento, o palhaço exercita um olhar mais acurado e presente sobre o
que ocorre ao seu redor. No linguajar próprio da palhaçaria, o palhaço está sempre à procura
dos “anjos”, situações das quais podem surgir potenciais momentos de integração com o
público.
Ao atuar em sala de aula a partir deste princípio, o educador-palhaço pode ser capaz de
observar atentamente cada um dos presentes em sua audiência, percebendo reações, motivações
e sentimentos, utilizando estes elementos tanto para potencializar o seu fazer pedagógico quanto
para aprofundar as conexões com a própria audiência, ao promover identificações e
alinhamentos.
Ao exercitar este olhar mais atento, o educador-palhaço deixa de ignorar fatos, mas os
engloba em suas ações, fazendo com que a audiência seja coparticipante de sua atuação,
construindo e estreitando os laços simpáticos e empáticos que unem a audiência ao educador-
palhaço.
74

5.5 Princípio do Jogo

O palhaço recria o mundo de forma lúdica, abarcando a audiência dentro deste processo,
colocando-a como cúmplice. Porém, tudo o que ele faz é muito sério e verdadeiro, por mais
ridícula e absurda que seja a situação vivida.
Assim como as crianças, ele opera a partir de uma lógica lúdica, recriando a realidade
segundo suas regras particulares e convidando a audiência para fazer parte deste novo mundo.
O jogo é um aspecto essencial do Estado do Palhaço, definido por Puccetti (2017, p. 23) como
sendo “as pequenas ideias, micro-situações e relações criadas entre palhaço e público pela
interação de seu repertório com as reações do público”.
Ao analisarmos o jogo do palhaço sob a ótica da teoria dos jogos de Caillois (1990),
percebemos que este estado tem as características do que o autor classifica por paidia: é uma
manifestação espontânea, improvisada, por vezes agitada e excessiva em energia. Também tem
como característica ser uma manifestação desordenada e desregrada, não respondendo a
qualquer tipo de convenção. A paidia, segundo o autor, é observável com maior ênfase em
crianças e animais e se contrapõe aos jogos regrados e organizados.
Com a utilização deste princípio em seu fazer pedagógico, o educador-palhaço pode
conseguir um maior engajamento de sua audiência, a partir de uma relação mais lúdica e
flexibilizada. Ademais, ele pode ser capaz de utilizar-se de mais ludicidade em suas práticas
pedagógicas, a despeito de existirem materiais adequados ou não, já que esta ludicidade se
manifesta a partir de suas próprias ações e conexões com o mundo, em um movimento de
exteriorizar-se.

6 Considerações finais

Os percursos formativos da palhaçaria visam despertar em cada participante a


espontaneidade, a escuta, a prontidão, a rapidez de ação e raciocínio para a solução de
problemas. Estes percursos propõem reflexões e práticas que possibilitam uma melhor
compreensão e conhecimento de si e do próprio corpo, utilizando-se da observação e da relação
com o outro como meios de manifestar as potencialidades expressivas.
Assim, partindo do pressuposto de que a Palhaçaria é uma experiência que provoca no
participante a possibilidade de relacionar-se com as outras pessoas e com o ambiente de uma
forma mais atenta e lúdica, é possível afirmar que a palhaçaria pode ser uma ferramenta no
aperfeiçoamento das relações interpessoais dos professores.
75

O Estado de Palhaço é um estado que pode ser manifestado independentemente da


performance do palhaço. Um educador-palhaço que vivencia e opera a partir dos Princípios do
Estado de Palhaço pode ressignificar as suas relações interpessoais em sala de aula, a partir do
desenvolvimento de um olhar mais empático sobre si e sobre os outros; do engajamento de sua
audiência a partir de um estado de expectativa e do uso de lógicas não-usuais; da manifestação
de interesse e do contágio desse interesse por parte da audiência; do desenvolvimento de um
estado de atenção consciente; do desenvolvimento da conexão e coparticipação da audiência
em suas ações; e da abordagem a partir de uma lógica lúdica.
Cabe ressaltar que este artigo não tem como foco a formação de “professores da alegria”,
ao modo que existem palhaços que atuam em ambientes hospitalares, mas sim apontar a
palhaçaria como um recurso lúdico, integral e possível de aperfeiçoamento da dimensão
relacional do fazer pedagógico, tornando as relações interpessoais em sala de aula mais
espontâneas, descontraídas, lúdicas e humanizadas.

Referências

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Unicamp, 2009.
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76

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da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. v. 9, 2007.
77

O CORPO E O LÚDICO NA ESCOLA:


EXPERIÊNCIAS E POSSIBILIDADES NA ÁREA DE HUMANIDADES

Camila O. Louro Machado 22


Carla Verônica Cesar Trigo 23
Mariana da Costa Paixão 24
Vania Moura Bizoni 25
Marco A. Santoro Salvador26

1 Introdução

As brincadeiras e os jogos oferecem às crianças amplas possibilidades para expressarem


seus sentimentos e suas formas de pensar e de agir. Suas expressões variam de acordo com suas
culturas locais e experiências acumuladas de seus ancestrais, além da influência de culturas
diversificadas em razão do fenômeno da Globalização 27.
Entretanto, observamos, em algumas práticas escolares, alunos sendo privados de
brincar e de se movimentar. O brincar, em diversos momentos, é substituído por atividades
dirigidas com o objetivo de que não se “perca” tempo, já que se entende comumente que a
brincadeira e a aprendizagem são processos desconectados um do outro.
Segundo Gomes, “ao entrarem na escola, segunda agência formadora, para se
escolarizarem, que quer dizer, também, letrarem-se, formarem-se, instruírem-se, aprender,
entre outros predicados, as crianças deixam no pause a sua ludicidade.” (2009, p.115). O que
observamos como resultado deste cerceamento do lúdico é um corpo tolhido em suas
possibilidades de manifestação. De acordo com Oliveira:

22
Mestre em Educação Básica (MPPEB/CPII). Especialista em Ensino da Arte (UVA) e graduada em Educação
Artística – Hab. Artes Plásticas (UFRJ).
23
Mestre em Práticas da Educação Básica (MPPEB/CPII). Especialista em Educação Física Escolar (UERJ),
licenciada em Dança e Educação Física (UFRJ).
24
Licenciada em Artes Visuais (UNIGRANRIO). Especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil (PUC-
RJ) e em Ensino da Arte (UERJ). Mestra em Práticas de Educação Básica (MPPEB/CPII).
25
Formada em Educação Física pela UFRJ. Licencianda em dança (UFRJ). Especialista em Pedagogia crítica da
Educação Física (UFRJ) e pelo programa de residência docente (PRD/CPII)
26
Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UNIRIO) e
Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor Titular do Colégio Pedro II,
atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professor Associado (UERJ-IFHT).
27
Processo que ocasiona uma integração, ou ligação estreita, entre economias e mercados, em diferentes países,
resultando na quebra das fronteiras entre eles. In.: Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020.
Disponível em: https://www.dicio.com.br/globalizacao/#:~:text=Significado%20de%20Globaliza%C3%A7%
C3%A3o,quebra%20das%20fronteiras%20entre%20eles. Acessado em: 22 de setembro de 2020.
78

Ao analisar as práticas corporais na escola, percebemos um grande esforço de


negação do corpo [...], todavia, esse esforço de negação do corpo na escola não
é algo descolado do contexto amplo, pois contém os traços de uma sociedade
marcada pela história da dominação. (OLIVEIRA, 2006, p.57).

Sendo assim, a virtude reside no poder de controlar os impulsos e necessidades do


próprio corpo em nome de uma disciplina para aprender, como se possível fosse aprender
amplamente de forma dicotômica, ou seja, separando-se corpo e mente. Desse modo, a escola
torna-se uma espécie de fábrica de corpos disciplinados, um lugar previsível, sem
encantamento, onde a liberdade para as atividades lúdicas tem hora marcada, pois, segundo
Gomes (2009), as crianças, “quando entram no ‘terreno sagrado da escola’, [...] sofrem uma
espécie de apartheid de seu ethos lúdico”.
De acordo com Piaget, a aprendizagem é parte do desenvolvimento, que, por sua vez,
pressupõe a interação com o outro (FREITAS; DIAS apud GRANDO, 2009). Sendo assim, o
desenvolvimento depende da relação com o outro, no qual só é possível pela troca de
experiências. Ao planejar atividades que envolvam a ludicidade, o professor oportuniza os
alunos a construírem o seu conhecimento através da percepção do seu corpo, da cooperação e
da criatividade. A questão da experiência pelo corpo torna-se, então, cada vez mais necessária
quando se pensa em uma Educação crítica e reflexiva.
Segundo Huizinga:

O latim cobre todo o terreno do jogo com uma única palavra: ludus, de ludere
[...]. Sua etimologia não parece residir na esfera do movimento rápido, e sim
da não-seriedade, e particularmente na da “ilusão” e da “simulação”. Ludus
abrange os jogos infantis, a recreação, as competições, as representações
litúrgicas e teatrais e os jogos de azar. (HUIZINGA, 1980, p. 41).

De acordo com a definição de Huizinga (1980), podemos entender que a ludicidade não
está restrita apenas ao universo infantil, porém, a brincadeira e o jogo são comumente vistos
pelos adolescentes como práticas exclusivas das crianças pequenas. Chateau (1987 apud
BARBOSA; GOMES, 2010), também compartilha da definição de Huizinga (1980) quando
define “conduta lúdica” como aquela situação em que se escapa, independentemente da idade,
de tudo que nos engessa, nos permitindo ingressar em um ambiente de fantasia, destacando a
questão da seriedade do jogo, como característica da verdadeira conduta lúdica, tanto para a
criança quanto para o adulto.
A partir da colocação de Chateau (1987 apud BARBOSA; GOMES, 2010), percebe-se
a importância do resgate da ludicidade não só das crianças, mas também do adolescente,
gradativamente silenciada ao longo do processo de escolarização.
79

Nesse sentido, a partir do desenvolvimento da pesquisa proposta, apresentamos relatos


de atividades e experiências desenvolvidas através da ludicidade durante as aulas de Dança,
Educação Física e Artes Visuais em diferentes escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro.
O objetivo central destes relatos é demonstrar possibilidades de superação de
paradigmas educacionais com características conservadoras, que se utilizam do excesso de
controle, limitador das capacidades das crianças e dos jovens a desenvolverem uma construção
do conhecimento em que professores e estudantes possam ser protagonistas.
De acordo com Salvador:

É importante que os professores redimensionem suas ações e possam incluir


neste processo não só a condição de desenvolver a habilidade cognitiva dos
alunos, mas também a social, a motora e a emocional, criando oportunidades
para que os alunos vivenciem atividades que favoreçam a solidariedade, a
cooperação e o respeito, para poder lidar com a frustração, com os seus limites
e com o limite da coletividade. (SALVADOR, 2007, p. 250)

Nesse sentido, o estudo coletivo em questão apresenta experiências escolares, em


diferentes áreas de ensino e aprendizagem, em que buscamos demonstrar existir possibilidades
de desenvolver métodos nos quais os estudantes construam e internalizem os seus
conhecimentos por intermédio de experiências lúdicas e corporais. Assim, por meio da vivência
dessas experiências, as aprendizagens dos estudantes se tornam mais significativas em relação
às suas diferentes realidades e expectativas.

2 Possibilidades e experiências que convidam o corpo a entrar na escola

As experiências que serão relatadas neste trabalho são exemplos de práticas pedagógicas
nas quais o corpo é abordado de forma lúdica em diferentes linguagens, como Artes Visuais,
Dança e Educação Física, e em diferentes segmentos da Educação Básica.
Nossa proposta consiste em apresentar experiências vivenciadas no campo escolar por
docentes que atuam em diferentes áreas de conhecimento das Humanidades, nas quais se
privilegiou a questão do fazer lúdico e corporal do educando, a fim de apontar possibilidades
para o diálogo entre teoria e práxis.
Através desses relatos pretendemos refletir a respeito do corpo lúdico e da sua
importância no processo de aprendizagem em diversos segmentos da Educação Básica e
convidar o leitor a refletirmos juntos sobre as possibilidades e modificações que podemos
implementar nas escolas.
80

2.1 Possibilidades e experiências 1 - O objeto lúdico no ensino de Dança para a Educação


Infantil: o corpo brinquedo

A seguinte experiência foi vivida com os alunos do “Projeto Dança Criança!”,


desenvolvido desde 2017 no Centro de Referência em Educação Infantil do Colégio Pedro II.
Este projeto de ensino atende a crianças dos grupamentos IV e V (faixa etária de 4 a 6 anos),
em encontros uma vez por semana, com duração de 45 minutos.
Almeida (2011) determina a noção corporal como um princípio da Dança para a
Educação Infantil. Citando Fonseca (1995; 2008), a autora explica que a noção corporal une
dois conceitos: o esquema e a imagem corporal.
Ambos os conceitos influenciam e somam-se um ao outro, já que o esquema corporal
envolve o conhecimento e a consciência do próprio corpo e de suas partes em relação ao meio
envolvente e que a imagem corporal, por sua vez, é a percepção que o sujeito possui do seu
corpo em relação ao espaço, como ele se vê.
As vivências do esquema corporal através da estimulação e do conhecimento da
estrutura e da consciência do corpo proporcionam a apropriação e a atualização da imagem
corporal pela abstração e representação mental do corpo (ALMEIDA, 2011). A atividade
“corpo brinquedo” teve como objetivos estimular, de forma lúdica, a conscientização do
esquema corporal e da relação parte/todo e a apropriação da imagem corporal da criança.
Chateau (1987) ressalta a importância da atividade lúdica no comportamento e na
natureza infantil, e seu papel no estímulo às condutas superiores da criança através da
autoafirmação e da construção da personalidade (BARBOSA; GOMES, 2010 apud TRIGO,
2020, p. 366). De forma quase poética, explica a relação da criança com o objeto lúdico, dizendo
que “apenas o que está em primeiro plano na cena aparece nitidamente na consciência; o fundo
se esfumaça a ponto de, às vezes, desaparecer completamente [...]” (CHATEAU,1987 apud
BARBOSA; GOMES, 2010, p. 21). Assim, o jogo constitui-se em um mundo à parte, um outro
universo, diferente da realidade.
A partir dos objetivos definidos, surgiu a proposta de utilizar um boneco articulado
como objeto lúdico. Para construir os bonecos, utilizaram-se caixas de papelão recicladas, das
quais foram recortados pedaços que representavam a cabeça, o pescoço, o tronco, os membros,
as mãos e os pés.
As partes de papelão foram cobertas com fita durex colorida. Utilizou-se barbante para
que as articulações pudessem ser amarradas e atrás de cada parte foi colado um papel com o
seu respectivo nome.
81

De acordo com Chateau (1987, apud BARBOSA; GOMES, 2010), o jogo para a criança
é coisa séria. Ele se aproxima do trabalho pela realidade, e do sonho pela delimitação do espaço
cognitivo. Sendo assim, represa toda a sua atenção e mobiliza todas as suas forças. Quando
brinca, “tudo se passa como se o jogo operasse um corte no mundo, destacando do ambiente o
objeto lúdico para apagar todo o resto” (CHATEAU, 1987 apud BARBOSA; GOMES, 2010,
p. 21).
Feitas as partes, apresentou-se o material às turmas com a proposta inicial de montar um
quebra-cabeças. Coletivamente, as crianças tinham que montar o corpo do boneco observando
os tamanhos das partes e as suas proporções em relação ao todo.
Após montar o quebra-cabeças, as crianças puderam virar as partes e ler, com a ajuda
da professora, o que estava escrito nelas, confirmando o nome da parte e se aquele era o lugar
correto.
Na aula seguinte, o boneco retornou já com suas partes amarradas e foi apresentado à
turma. Um aluno era convidado a dizer as palavras mágicas para dar vida ao boneco, que, a
partir de então, começava a se movimentar. Nesse momento, o boneco tornava-se o “mestre” e
todos deveriam imitar seus movimentos...
Em outra aula, foram inseridos palitos de picolé amarrados com barbante na cabeça, nos
pés e nas mãos do boneco, para que as crianças pudessem manipulá-lo fazendo-o dançar por
detrás de uma cortina. A atividade foi realizada em grupos de três alunos manipuladores
enquanto os outros assistiam.
Em um momento seguinte, questionados sobre o que faltava nos bonecos, os alunos, em
geral, responderam que lhe faltava um nome, as partes do seu rosto e a roupa. Foi proposto,
então, que eles dissessem qual deveria ser o sexo do boneco e, depois, que eles sugerissem um
nome para ele, eleito através de votação. Depois disso, formamos pequenos grupos de trabalho
para completar as partes do rosto e confeccionar a roupa.
Com o desenvolvimento desse projeto, as crianças “[...] puderam compreender,
coletivamente, que o conjunto das partes forma o corpo como um todo e ainda como tais partes
se articulam” (TRIGO, 2020, p.377). Foi possível, também, experimentar e descobrir as
possibilidades de movimento de cada parte de forma isolada e depois da parte com o todo,
explorando a sua relação com o espaço, abordando noções fundamentais como a localização da
parte (em cima, em baixo, na frente, atrás, ao lado), os níveis de execução do movimento no
espaço pessoal, as direções e sentidos do movimento do corpo no espaço global.
82

Descobrir o que estava escrito atrás de cada parte do corpo desafiou as crianças a
repensarem o lugar daquelas que ainda não estavam se encaixando no todo. Além disso, para
descobrir os nomes foi necessário o esforço de identificar letras e sílabas das palavras.
Uma estratégia para o desenvolvimento da imagem corporal foi propor às crianças que
comparassem o seu tamanho com o tamanho do boneco, percebendo-se maior, menor ou do
mesmo tamanho que ele.
Para manipular o boneco e fazê-lo dançar, as crianças precisaram interagir e também
perceber o movimento no seu próprio corpo, descobrir diferentes possibilidades e executá -lo
dentro de um ritmo determinado. Os que assistiam a apresentação do boneco também podiam
fazer estas descobertas pela observação.
A partir dessa experiência, compreendemos que o objeto pode vir a tornar-se uma
estratégia lúdica no processo de construção do conhecimento na Educação Infantil, na medida
em que o professor busque explorar o interesse e a atenção mobilizada pela criança a fim de
estimular suas descobertas e potencialidades.

2.2 Possibilidades e experiências 2 - Educação Física: resgatando a ludicidade através de


jogos e brincadeiras populares

O que observamos, atualmente, na Educação Física escolar, em especial para o Ensino


Médio, é o reforço, através de suas práticas e conteúdos da Cultura Corporal28 difundida de
forma comercializada e espetacularizada pelos meios de comunicação de massa. Podemos citar
a presença “obrigatória” do Futebol nas aulas como um exemplo. Além disso, devido a uma
esportivização precoce no Ensino Fundamental, os alunos no Ensino Médio demonstram certa
resistência às práticas corporais que não contemplem os esportes. Contudo, é fundamental
salientar que não estamos afirmando aqui que o futebol ou o esporte negam a questão da
ludicidade, mas que, ao contrário, a ludicidade deve estar presente em toda e qualquer
manifestação corporal abordada na escola.

28
“Foi a partir das críticas realizadas por Dieckert (1985) à visão de esporte de alto nível que esse conceito se fez
presente. O autor buscava uma Educação Física mais humana dentro da concepção do ‘Esporte para Todos’, onde
fosse discutida e criada uma ‘nova antropologia’ que colocasse como centro da questão ‘uma cultura corporal
própria do povo brasileiro” (SOUZA JUNIOR et al. 2011, p. 395 apud NEIRA.M.G e GRAMORELLI.L.C.
Embates em torno do conceito de cultura corporal: gênese e transformações, 2015, p.4. Disponível
em:<http://www2.fe.usp.br/~gpef/teses/neira_gramorelli.pdf> Acessado em 22 de set. de 2020.
O Coletivo de Autores (SOARES et al., 1992, p. 62) abordou o conceito a partir da lógica Materialista-Histórico-
Dialética, afirmando que “os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido/significado onde
se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade”.
CASTELLANI FILHO, L. et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 2009.
83

Em vista dessa realidade, consideramos necessário refletir acerca do resgate do lúdico


no ensino da Educação Física. Sendo assim, iremos relatar aqui o tema Jogos e Brincadeiras
Populares, que foi vivenciado com os alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental, no
Município de São João de Meriti. Este tema teve como objetivos resgatar a Cultura Popular
dentro do âmbito escolar e desenvolver aulas mais lúdicas, visto que os estudantes sinalizaram
ao professor, após uma avaliação diagnóstica, que os conteúdos desenvolvidos no ano anterior
contemplavam pouco a ludicidade e estavam mais direcionados à proficiência motora, ao ensino
de regras, técnicas e táticas de esportes de quadra, de forma mecânica e repetitiva, tornando-se
desinteressante e sem relevância social para grande parte do grupo.
De acordo com Oliveira e Daólio (2011), os estudantes ativos são os que sempre fazem
todas as atividades propostas com empenho e dedicação, os que só participam quando o tema é
do seu interesse são os chamados flutuantes e os que nunca se interessam pelas aulas e estão
sempre fazendo outras coisas são considerados os não praticantes. Com base nessa visão do
autor, podemos entender que a diversificação dos conteúdos é de suma importância para a maior
inclusão de todos nas aulas, e a ludicidade ocupa lugar de destaque para atrair o interesse desses
alunos “não praticantes” ou “flutuantes”.
Dentro da avaliação diagnóstica, constatou-se que os alunos deste grupo, mesmo sem
habilidade motora desenvolvida, buscavam conteúdos em que somente os mais habilidosos se
destacavam e a participação dos demais estudantes ficava em segundo plano, pois os jogos
desportivos eram sempre os temas das aulas. Estes eram desenvolvidos com base nas regras
oficiais, o que dificultava muito a adesão de todos os alunos, pois existe um número de
participantes pré-determinado para cada modalidade, tempo específico, habilidades motoras
etc.
Segundo Gonçalves (1994), o desporto escolar acaba acentuando as diferenças, pois
marginaliza um grupo e exalta o outro. Além disso, o exercício de criação fica restrito, pois o
professor é quem comanda os “treinos-aula”, o que dificulta o processo de inclusão e reforça a
competitividade.
De acordo com Neira:

[...] Agir propositalmente a favor dos grupos em desvantagem nas relações de


poder é algo absolutamente fora dos planos dos currículos tecnicistas,
historicamente voltados para a validação dos níveis elevados de
desenvolvimento e dos padrões de excelência nos domínios do comportamento
humano, o que contribui para o afastamento e a exclusão dos diferentes.”
(NEIRA, 2011, p.86)
84

A Educação Física pode contemplar, portanto, os conteúdos que contribuam para a


formação do sujeito, de forma que todos possam usufruir desses conhecimentos dentro e fora
da escola, conforme a sua livre escolha, tornando, desta forma, a sua prática mais democrática.
A primeira etapa da experiência vivida com os alunos foi realizar uma pesquisa na qual
os alunos deveriam entrevistar os seus pais e responsáveis, a fim de saber quais eram as
brincadeiras e jogos populares de sua infância.
Em um segundo momento, cada aluno trouxe o resultado da sua pesquisa e, com isso,
iniciou-se um debate (alunos-professor); a partir daí, definiu-se, de forma dialógica e
democrática, através de votação, quais os jogos e brincadeiras seriam mais significativos para
as práticas em aula.
Analisando os dados, observamos que, em alguns casos, as mesmas brincadeiras tinham
nomes diferentes e formas diferentes, de acordo com a região de origem de cada um, tornando
evidente a sua diversidade cultural.
Partindo para a fase prática, as aulas foram divididas em seis encontros de uma hora e
vinte minutos. As experiências aconteceram da seguinte forma:
a) Aula 1: piques diversos;
b) Aula 2: pular corda, elástico, carniça e amarelinha;
c) Aula 3: bafo-bafo, adedonha, jogo da velha, verdade ou desafio;
d) Aula 4: passa anel, pega varetas, bola de gude e fôrca;
e) Aula 5: diferentes tipos de queimada, taco e estátua;
f) Aula 6: piques diversos, pião e pipa.
Em todas as aulas, os alunos trouxeram a explicação de como os seus pais jogavam ou
brincavam de determinado jogo/ brincadeira e depois jogávamos do jeito que os alunos
conheciam. Em algumas brincadeiras/jogos, as regras se mantinham as mesmas com relação
aos pais/alunos, mas em outras percebeu-se que os alunos nem conheciam o jogo/brincadeira
apresentado.
Durante esse processo de pesquisa, percebemos que a adesão nas propostas apresentadas
foi grande, devido à existência de um significado para os alunos, pois eles estavam trazendo a
cultura da sua família para o âmbito escolar e podendo se expressar criativamente e ludicamente
nas aulas. Em diversos momentos, quando as regras das brincadeiras/jogos dos pais eram as
mesmas dos alunos, eles tinham que pensar, em grupos, de que maneira poderíamos estar
jogando/brincando com novas regras. Houve nitidamente um processo de ressignificação em
relação ao que foi apresentado ao longo dessas seis aulas, visto que as diferentes formas do
brincar tiveram que ser reelaboradas pelo grupo.
85

A partir dessa experiência, percebeu-se que, através do resgate do lúdico nas aulas de
Educação Física, é possível estimular uma maior adesão dos alunos em relação à sua
participação nas aulas, através da qual podem abandonar o papel de meros reprodutores de
gestos sem reflexões de suas práticas e assumir o papel de protagonistas no processo de
construção do conhecimento que possua significado com as suas realidades e identidades.

2.3 Possibilidades e experiências 3- O lúdico nas aulas de Artes Visuais: uma experiência
com o primeiro segmento escolar

O movimento corporal e a ludicidade sempre estiveram presentes nas manifestações


artísticas. Desde o seu nascimento, a criança utiliza o corpo para se expressar. Segundo Martins
(1998), “a criança olha, cheira, toca, ouve, se move, experimenta, sente, pensa… Desenha com
o corpo, canta com o corpo, sorri com todo o corpo. Chora com todo o corpo. O corpo é
ação/pensamento”. É através de seus movimentos corporais que ela percebe e se comunica com
o mundo.
As aulas de Artes Visuais proporcionam, através da experimentação visual e corporal,
a ampliação do repertório imagético das crianças através de atividades que envolvam o corpo,
a imaginação e a sua criação artística. O lúdico está sempre presente.
A atividade relatada a seguir foi realizada em uma Escola Municipal da cidade do Rio
de Janeiro. Ao longo de uma gincana proposta pela escola, foi sugerida uma atividade
relacionada à disciplina de Artes Visuais. Nessa atividade, os alunos participantes foram
selecionados por suas professoras regentes e pertenciam às turmas do 1º, 2º e 5º ano do Ensino
Fundamental.
De acordo com as Orientações Curriculares de Artes Visuais do município do Rio de
Janeiro, umas das habilidades que os professores devem desenvolver em seus alunos é
"Dramatizar e improvisar, a partir de imagens, utilizando-se de seu imaginário e recursos
expressivos na exploração do universo imagético." (RIO DE JANEIRO. Orientações
Curriculares: Artes Visuais, 2010). Para alcançar o desenvolvimento dessa habilidade foi
apresentada uma atividade aos alunos cujo objetivo era a ampliação das suas movimentações
corporais, da sua autonomia e da sua imaginação criadora. Inicialmente, foi proposta a divisão
dos alunos participantes em três grupos. Cada grupo foi composto por quatro alunos do 5º ano,
dois alunos do 2º ano e um estudante do 1º ano. Todos os grupos receberam um kit contendo
cinco tesouras sem ponta, três colas brancas, um rolo de durex largo e transparente, um rolo de
86

fita crepe fina e diversas sobras de papéis coloridos, barbantes, cartolinas, jornais, revistas e
fitas coloridas.
O objetivo do jogo era a criação de um figurino no corpo do estudante escolhido do 1º
ano. Os demais alunos do grupo eram responsáveis pela confecção coletiva desse figurino,
utilizando somente os materiais disponíveis no kit. O figurino deveria ser diferente e criativo.
O tempo destinado à elaboração da vestimenta coletiva foi de dez minutos.
Com o intuito de desenvolver uma melhor relação inter e intrapessoal entre todos os
alunos da escola, os estudantes participantes eram motivados positivamente pelos demais
alunos que observaram a atividade. Assim, a atividade transformou-se em um momento de
integração agradável e divertido não só para os grupos participantes, mas para todos da escola.
Em nenhum momento da gincana foi incentivada a competição. Além de estimular a
imaginação criadora, explorar o lúdico e a consciência corporal dos alunos, a atividade também
tinha como finalidade valorizar o conhecimento estético que as crianças já possuíam. Segundo
as pesquisadoras Ferraz e Fusari:

Ao brincar e jogar, a criança explora e desenvolve a sua percepção, fantasias e


sentimentos. A brincadeira favorece a apreensão de signos sociais e culturais
e nas aulas de arte pode ser uma maneira prazerosa de a criança experienciar o
mundo cultural e estético. (FERRAZ; FUSARI, 2009, p.123)

Durante a atividade, foram observadas as atitudes de cada participante para que


houvesse conversa e troca de ideias sobre o que era vivenciado. Os estudantes sabiam que só
pelo fato de realizarem as atividades receberiam a mesma pontuação. Logo, foram criativos e
brincaram muito com as possíveis formas estéticas que poderiam criar no momento da
confecção dos figurinos.
Percebeu-se, ao longo da atividade, a interação entre os estudantes, que experimentaram
diversas possibilidades de cores, formas e materiais para o figurino. Com o incentivo dos
professores que passavam entre os grupos para dar sugestões, os estudantes demonstraram
confiança e respeito com os demais. Ao final da atividade, realizamos um desfile para exibir os
figurinos dos estudantes, que foram fotografados, filmados e aplaudidos. Também foi
observado que os alunos-modelos das turmas do 1° ano se sentiram acolhidos e importantes
para a realização da proposta coletiva.
Com o intuito de dinamizar as aulas de Artes nas turmas do ensino fundamental I,
buscamos investir em uma proposta que estimula a criança a interagir, respeitar, criar e aprender
através da brincadeira. No artigo “O lúdico como recurso metodológico para o ensino de Arte”,
os pesquisadores Petrausk e Diaz mencionam que:
87

Segundo FERRAZ e FUSARI (1993), considera-se importante a inclusão do


brinquedo e da brincadeira como parte integrante dos métodos e
procedimentos, incorporadas às aulas de Arte, pois as experiências com
brincadeiras, quando estruturadas adequadamente, podem motivar processos
construtivos e expressivos dentro dos conteúdos da disciplina. (PETRAUSKI,
M.P; DIAZ, M. (s/d, p.17)

A participação em atividades que envolvam jogos e brincadeiras é muito importante


para o desenvolvimento das crianças. O jogo estimula a criatividade e a imaginação dos alunos,
além de proporcionar momentos de cooperação e afetividade entre eles. A imaginação, a
sensibilidade e a criatividade são habilidades que estão sempre presentes nas aulas de Artes
Visuais e utilizar jogos ou brincadeiras para desenvolver essas habilidades é uma forma de
estimular a expressividade artística das crianças e sua imaginação criadora. As autoras Ferraz e
Fusari (2009, p.129) orientam que “todas as vivências com jogos e brincadeiras, quando
estruturadas adequadamente, podem originar processos de apreciação estética e construções
expressivas nas várias linguagens artísticas, assim como outros saberes”.
A atividade desenvolvida na gincana proporcionou aos alunos essa vivência de
construção expressiva citada pelas autoras. Os alunos, ao serem provocados a construir
coletivamente um figurino, puderam explorar diferentes conceitos estéticos e ampliar a sua
autonomia e suas movimentações corporais através de uma experiência significativa para eles.

3 Considerações sobre as possibilidades, experiências e reflexões acerca do corpo na escola

Ao buscarmos experimentar e desenvolver aprendizagens de forma integral com a


criança, em que os aspectos como a percepção pessoal, a valorização e a utilização de todos os
sentidos, a integração coletiva de forma solidária, o respeito às diversidades e a valorização da
cultura de suas localidades são contempladas, é notório o resgate do uso da ludicidade no
cotidiano escolar.
O diálogo entre a fundamentação teórica e as experiências educacionais aqui
apresentadas demonstra a importância da utilização da expressão corporal nas práticas
pedagógicas quando buscamos possibilidades para uma experiência de aprendizagem
significativa para o aluno.
Mesmo na Educação Infantil, quando a ludicidade é vista e aceita como natural e,
portanto, participante do processo de construção do conhecimento, muitas vezes é exigido da
criança uma disciplina corporal socialmente adequada aos parâmetros e conceitos da escola que
88

nem sempre elas estão condicionadas. Assim, percebemos que, aos poucos, este corpo começa
a criar couraças e limitações, perdendo parte de suas características lúdicas.
No decorrer do processo de escolarização, o que observamos no cotidiano escolar é um
corpo significativamente aprisionado de suas criatividades e possibilidades. Entretanto, não é
objetivo desta experiência escolar execrar o controle coletivo no ambiente escolar, pois
sabemos que é necessário haver limites e regras coletivas para que possamos desenvolver e
formar as gerações que administrarão a sociedade no futuro. O que buscamos ofertar aqui neste
ensaio é a possibilidade de que controles e administrações coletivas não necessitem tolher as
capacidades e possibilidades dos que estão em formação. Nesse sentido, o corpo pode estar
presente na construção do conhecimento e na formação das individualidades.
Observamos que, não raro, os corpos, gestos, movimentos autônomos são represados
em excesso no ambiente escolar em que este quase não atua nas atividades cotidianas, sendo
relegada a secundarização ao conhecimento estático, previsível e obediente.
Ressaltamos a necessidade de se refletir até que ponto o excessivo controle do corpo
pela instituição escolar contribui para o interesse e a motivação, para que se viva experiências
de aprendizagem mais profundas e significativas.
A partir das experiências e reflexões aqui desenvolvidas, podemos concluir que o corpo
e a atividade lúdica não são questões exclusivas de uma determinada área de conhecimento e
nem mesmo das práticas pedagógicas realizadas na Educação Infantil e no primeiro segmento
do Ensino Fundamental.
A escola pode convidar o corpo a penetrar os seus muros e não ter medo de que este
venha a movimentar a hierarquia que talvez esteja excessivamente podando as capacidades dos
jovens.
Assim, ao final deste ensaio acadêmico/pedagógico, podemos compreender que corpo
e ludicidade são aspectos que não devem ser negligenciados no processo de aprendizagem. Pelo
contrário, são aspectos que precisam ser resgatados e valorizados pela instituição escolar em
todos os segmentos da Educação Básica, de modo a proporcionar aos educandos experiências
que contribuam para uma melhor e mais profunda compreensão do mundo em que vivem.

Referências

ALMEIDA, F. de S. A Dança e a criança de Educação Infantil: um caminho de aproximação.


São Paulo, 2011. Não paginado.
89

FERRAZ, M. H. C. de T.; FUSARI, M. F. de R. Metodologia do ensino da arte. 2. ed. São


Paulo: Cortez, 2009.

FREITAS, O., C., de; Dias, T., L. Desenvolvimento humano e aprendizagem: por uma
compreensão “Desses Percursos”. In: GRANDO, B., S. (org.). Corpo, educação e cultura:
práticas sociais e maneiras de ser. Ijuí: Editora Unijuí, 2009.

GOMES, C. F. Brinco, logo existo: o papel da ludicidade na educação escolar. In GRANDO,


B., S. (org.). Corpo, educação e cultura: práticas sociais e maneiras de ser. Ijuí: Editora Unijuí,
2009.

GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir: corporeidade e educação. Campinas: Papirus,


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HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo, Perspectiva, 1980.

KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Ed. Cortez,


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MARTINS, M. C. F. D.; PICOSQUE, G.; GUERRA, M. T. T. Didática do ensino da arte: a


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NEIRA, M. G. Educação Física. Col. A reflexão e a prática no ensino – Educação Física.


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OLIVEIRA, R. C. de; DAÓLIO, J. Na “periferia” da quadra: ducação Física, cultura e


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RIO DE JANEIRO, Secretaria Municipal de Educação. Orientações curriculares: Artes


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SALVADOR, M. A. S. Corpo e controle no cotidiano escolar: desafios na construção do


conhecimento. In: ENFEFE, 11., Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UFF, 2007, p. 246-
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do conhecimento. Revista Interinstitucional Artes de Educar. Educação: Corpo em
movimento II. Rio de Janeiro, v. 6, n.1, p. 360-381 (jan/abril, 2020).
90

AUTORES

Álisson Jardel Pereira Silva

Licenciado em Educação Física e em Teatro (ator e palhaço). Mestrando no MPPEB/CPII.


Integrante do grupo de pesquisa em Práticas Emergentes na Educação Básica (PEEB). Docente
atuante no 1º segmento da rede pública de ensino do Rio de Janeiro desde 2006. Pesquisa as
relações entre a palhaçaria e o fazer docente.

Camila Oliveira Louro Machado

Professora de Artes Visuais da Rede Municipal do Rio de Janeiro. Mestre em Educação Básica
(MPPEB/CPII). Especialista em Ensino da Arte (UVA) e graduada em Educação Artística –
Hab. Artes Plásticas (UFRJ). Foi professora de Educação Artística na Rede Estadual de Ensino
do Rio de Janeiro e professora I da Fundação Municipal de Educação do município de Niterói.

Carla Verônica Cesar Trigo

Professora de Educação Física e coordenadora do Projeto "Dança Criança!" no Centro de


Referência em Educação Infantil do Colégio Pedro II. Integrante do grupo de pesquisa em
Práticas Emergentes na Educação Básica (PEEB). Mestre em Práticas da Educação Básica
(MPPEB/CPII). Especialista em Educação Física Escolar (UERJ), licenciada em Dança e
Educação Física (UFRJ).

Érica Viviane Bianna dos Reis

Mestra em Educação pelo Colégio Pedro II, pertence ao Grupo de Pesquisa: Análise do Uso e
Produção de Recursos Didáticos. Possui Licenciatura Plena em Dança pelo Centro
Universitário da Cidade (UniverCidade). Atua como diretora artística da PerFormar Studio de
Dança e como professora de Arte vinculada à Secretaria Municipal de Educação, Cultura e
Turismo de Porto Real e à Secretaria Municipal de Educação de Barra Mansa.

Juliana Marques Paiva de Souza

Mestra em Práticas Pedagógicas da Educação Básica (MPPEB/CPII). Professora de Educação


Física dos municípios do Rio de Janeiro e de Cabo Frio na Educação Básica. Graduada em
91

Licenciatura em Educação Física (UFRJ). Especialização em Educação Física Escolar (UGF).


Integrante do grupo de pesquisa em Práticas Emergentes na Educação Básica (PEEB/CPII).

Marcia Martins de Oliveira

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre
em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Especialista em Informática
Aplicada à Educação (UCP), Especialista em Psicopedagogia Diferencial (PUC-Rio), Licenciada
em Matemática (FAHUPE). Professora titular do Colégio Pedro II, atua no Programa de
Mestrado Profissional (MPPEB/CPII). Professora do Grupo de Pesquisa Análise do Uso e
Produção de Recursos Didáticos Multidisciplinares.

Marco Antonio Santoro Salvador

Doutor em Educação Física e Cultura (UGF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior


(UNIRIO) e Educação Física Escolar (UFF). Graduado em Educação Física (UFRRJ). Professor
Titular do Colégio Pedro II, atua no Programa de Mestrado Profissional (MPPEB/CPII).
Professor do Grupo de Pesquisas Práticas Emergentes na Educação Básica (PEEB/CPII) e na
educação básica. Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-
IFHT).

Mariana da Costa Paixão.

Licenciada em Artes Visuais (UNIGRANRIO). Especialista em História da Arte e Arquitetura


no Brasil (PUC-RJ) e em Ensino da Arte (UERJ). Mestra em Práticas de Educação Básica
(MPPEB/CPII). Professora docente de Artes Visuais na Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro
e na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro.

Rogério da Costa Neves

Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem, mestre em TESOL pela University of Pennsylvania (2000) , graduação
em Letras Inglês e respectivas literaturas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
(1989). Professor Titular efetivo do Colégio Pedro II. Professor do Mestrado Profissional em
Educação Básica do Colégio Pedro II (PROPGPEC). Membro do Grupo de Pesquisas Práticas
Emergentes na Educação Básica (PEEB/CPII). Tem experiência na área de Letras, com ênfase
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em Línguas Estrangeiras Modernas, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de


leitura, ensino de leitura em língua estrangeira (inglês), leitura e metacognição, formação de
professores e estudos da complexidade.

Samuel de Andrade Gomes

Mestre em Práticas de Educação Básica pelo programa MPPEB/CPII e licenciado em Educação


Artística, com habilitação em Música, pela UNIRIO. Atua como professor efetivo de Educação
Musical no Colégio Pedro II desde 2007. Integra os grupos de pesquisa PEEB/CPII (Práticas
Emergentes em Educação Básica) e GEAPEM/CPII (Grupo de Estudos e Ações de Professores
de Educação Musical).

Vania Moura Bizoni

Bacharel e licenciada em Educação Física pela UFRJ. Licencianda em dança e pesquisadora em


educação, dança e infância (UFRJ). Especialista em Pedagogia crítica da Educação Física pela
UFRJ e pelo programa de residência docente (PRD/CPII) . Professora regente de Educação Física
da rede estadual do Rio de Janeiro, da prefeitura do Rio de Janeiro. Leciona também com o
paradesporto.

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