Os últimos tempos têm sido amargos e doces. Amargos porque em poucas semanas, talvez os dois maiores símbolos do Benfica - Eusébio e Coluna - se juntaram no Olimpo, onde só os deuses podem conviver entre si. Doces porque a equipa de futebol profissional ( e muitas modalidades) tem dado provas de que está preparada para nos dar grandes alegrias no final da época.
É, por isso, com um sentimento misto de alegria e tristeza que escrevo este texto. Tinha-o preparado na minha cabeça para falar sobre a nossa liderança confortável na liga de futebol e para falar sobre a nossa muito provável passagem aos oitavos de final da Liga Europa.
E, pelo meio, não ia esquecer as brilhantes prestações que as nossas equipas das modalidades têm apresentado nesta época, do voleibol ao basquetebol, mesmo o andebol e o hóquei (não fora aquela vergonhosa arbitragem em Valongo e éramos líderes).
Acresce que, na formação, as nossas selecções nacionais têm contado com fornadas cada vez mais alargadas de jovens jogadores benfiquistas formados no Centro de Estágio do Seixal. Tinha pensado tudo isto e, de repente, ficamos sem o nosso Monstro Sagrado, o nosso Mário Coluna.
Ficamos sem ele fisicamente, por ele nunca se apagará da nossa memória. E é mesmo disso que quero agora falar: da nossa memória. Hoje é fácil falar da nossa memória gloriosa, dos nossos maiores, daqueles que foram e são imortais.
Mas, eu lembro-me bem, há 20 e mais anos Eusébio estava por favor no Benfica, Coluna nem se sabia bem por onde andava, José Augusto parecia ter desaparecido, Simões andava pelos Estados Unidos e fora da nossa órbita, Jaime Graça, já poucos sabiam o nome, etc., etc., etc.
Esta é que é a verdade pura e dura. Dói? Dói muito dizer e escrever isto, mas a realidade era esta. E, como em tudo na vida, o exemplo vem de cima. Tivemos grandes presidentes e grandes dirigentes, mas nem todos souberam honrar a nossa História, aquilo que nos fez grandes e que nos continua a fazer grandes.
Luís Filipe Vieira recuperou financeiramente o Benfica, credibilizou o Benfica, fez uma obra notável ao nível das infraestruturas e na recuperação da nossa pujança desportiva e eclética, mas, para mim, uma das suas mais brilhantes e estratégicas decisões foi o de apoiar, ajudar e dar o devido reconhecimento público às antigas glórias do Benfica.
Talvez nem mesmo ele, o Presidente do Benfica, tenha a noção da vital e estrutural importância dessa sua decisão. Com Vieira, Eusébio e Coluna passaram a ter o lugar único que sempre mereceram ocupar. Com Vieira, Simões e José Augusto são figuras visíveis na vida actual do Benfica e na sua representação externa. Com Vieira, Jaime Graça passou os seus últimos anos de vida com grande dignidade. E podia ir por aí fora.
Hoje, é com muita emoção que quando a televisão foca a tribunal presidencial do Estádio da Luz, ali se podem ver muitas antigas glórias do Benfica. Preservar a memória daqueles que nos fizeram grandes é um sinal de carácter. Cuidar e proteger a dignidade de muitas antigas glórias felizmente vivas, é um acto de nobreza. Luís Filipe Vieira tem esse perfil.