
Portugal é um alfobre de excelentes e bons jogadores. Somos um país pequeno, já não temos as ex-colónias onde fomos buscar as nossas maiores glórias, temos um número insignificante de atletas federados, quando comparados com a Espanha, por exemplo. Tudo isto é verdade, mas uma coisa ninguém nos tira, o talento para jogar à bola. Tivéssemos uma organização de excelência, um dirigismo com homens de bem e não "ratazanas", e Portugal já teria sido Campeão do Mundo e Campeão Europeu. Por isso, deixem lá estar o Pepe. Preocupem-se em ir buscar dirigentes estrangeiros, ao nível de um Platini, para substituir a nossa "galeria de monstros".
Já o mesmo não se passa no caso dos treinadores. Portugal, infelizemnte, ainda tem uma pecha muito grande na formação de técnicos, qualquer que seja a modalidade (com a excepção do hóquei patins).
No futebol com Scolari, no voleibol com o também brasileiro Jorge Schmitd, no basquetebol com o ucraniano Valentyn Melnychuk, no andebol com o sueco Mats Olsson, Portugal recorre aos serviços de estrangeiros para liderar as suas equipas nacionais. Acho que faz bem. Tanto mais que tem escolhido gente do "top" mundial.
Já há muitos anos em Portugal, Alecsander Donner é um desses técnicos que trouxeram muito da sua experiência e do seu saber para o desporto português. E ficamos todos a ganhar. Em Braga, Donner levou uma pequena equipa de província, o ABC, ao topo da Europa do andebol, uma modalidade em que não tinhamos grande prestígio.
Donner é um caso de sucesso. No ABC tornou-se quase uma lenda. À sua reconhecida classe, juntava o feitio irascível que fazia com que os jogadores o temessem. Ganhou tudo o que havia para ganhar.
No ano passado trocou Braga por Lisboa, o ABC pelo Sport Lisboa e Benfica. Foi para um clube onde o andebol tinha sido extinto ia para três anos e a equipa tinha andado a lutar na 3ª Divisão Nacional.
Era um desafio aliciante para um homem do carácter e da têmpera de Donner. Ele estava no Benfica, podia agora usufruir da visibilidade mediática que o seu currículo merecia, mas o andebol era, provavelmente, a modalidade mais mal-amada no maior clube português. Há mais de uma década que não se conheciam títulos. Mas a equipa, depois de uma travessia no deserto, estava novamente entre os grandes.
Há cerca de um mês, o Benfica chegava à final da Taça da Liga de andebol. Pelo caminho tinha derrotado FC do Porto e Sporting. No final, depois da vitória, a primeira em muitos e muitos anos, a Sport TV foi entrevistar Donner.
Fiquei boquiaberto. O irascível, o homem de rosto fechado, sempre zangado com tudo e com todos, o mal-amado, surgiu em frente à câmera de televisão de lágrimas nos olhos. Ainda pensei, por momentos, que era a emoção da vitória. Mas, c´om os diabos, Donner já tinha ganho tudo na vida, não era uma mera Taça da Liga que fazia ir às lágriams aquele duro.
A explicação não demorou. Donner contou que, no dia anterior, tinha ido com toda a equipa visitar uma instituição para crianças deficientes. A alegria delas foi tanta por verem ali o Benfica que Donner prometeu-lhes a vitória. Ao intervalo, no balneário, lembrou isso mesmo aos jogadores. "Não podíamos desiludir aquelas crianças" disse aquele homem, que muito cedo percebeu o que é o Benfica.