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quinta-feira, 9 de maio de 2013

COMEÇAR A SAIR DO CAPITALISMO, JÁ !


O fundamentalismo radical deste Governo, transformou-o numa cobaia, usada num exercício experimental por instâncias de poder mais amplas, que querem talvez saber até onde podem desafiar a paciência dos cidadãos. Mas, alterou também os termos em que a política pode ser uma resposta eficaz aos problemas que o nosso povo enfrenta.

É agora insuficiente discutir e preparar alternativas apenas institucionais de poder, visando desfazer os dislates mais gritantes e regressivos deste Governo, contrariar as pressões mais intoleráveis dos poderes de facto, nacionais, europeus e mundiais, e abrir um fresta de esperança nas janelas do futuro. Chegados aonde chegámos, é agora indispensável olhar para mais longe e compreender que só uma metamorfose social, que nos conduza a uma sociedade outra e nos faça regressar aos terrenos de uma civilização melhorável, pode com realismo restituir-nos um futuro que seja susceptível de se inscrever naquilo que sonhamos.

Na verdade, se o capitalismo não consegue, dada a sua própria natureza, deixar de agravar as atuais desigualdades sociais, de  reproduzir a miséria, a exclusão, a fome e a infelicidade, por que razão nos temos que conformar com ele, continuando a deixar-nos guiar docilmente pelos seus ditames, subordinados aos interesses egoísticos da pequena camada social a quem ele convém?

Ainda por cima, essa lógica predatória que esmaga as pessoas, é também uma agressão, cada vez mais alarmante, ao equilíbrio ecológico, que ameaça, já hoje, a própria sobrevivência de vida na Terra.

A nossa necessária atenção ao processo de regressão civilizacional em curso, para o travarmos e combatermos, para não permitirmos que se consume por completo o confisco do futuro , e a destruição da própria sociedade, não pode desviar-nos do objectivo estratégico de última instância: começar a sair do capitalismo organizadamente, já. Organizarmo-nos, para pilotar uma saída, tão pouco dramática quanto possível, rumo a um pós-capitalismo, que se anuncia cada vez mais como hipótese de sobrevivência da humanidade, prenunciando-se através de um vasto arquipélago de iniciativas, que já  resistem no seio do capitalismo, afirmando uma lógica própria, humana, civilizada e alternativa.

Não se trata já de tricotar alianças eleitorais e pequenas soluções, para pequenos governos com pequenas ambições. Trata-se de suscitar uma aliança político-social robusta na sua determinação de abandonar o barco furado do capitalismo, antes que nos afundemos com ele. Trata-se de assumir um reformismo emancipatório e transformador, que possa acelerar a metamorfose da sociedade em que vivemos, rumo a um pós-capitalismo que consubstancie e potencie todos os valores das lutas libertadoras, que impulsionaram a humanização das sociedades ao longo da História. Trata-se de fundir numa grande corrente todos os processos sociais e institucionais, de os congregar num conjunto flexível e plural, internamente solidário e externamente decidido, que possa modificar a atual correlação de forças, de modo a  abrirmos de novo a janela da esperança.

quarta-feira, 30 de março de 2011

O ESTADO DE TRANSFORMAÇÂO SOCIAL


O PS, como único partido reformista no espectro político português, pode aperfeiçoar as suas políticas públicas de raiz institucional que apontam para um verdadeiro desenvolvimento social, melhorando administrativamente o modo de as pôr em prática, abrindo espaço a uma efectiva inovação social centrada nesse aperfeiçoamento e conjugando-as mais estreitamente entre si. Não é pequeno o mérito de quem empreenda com êxito esse caminho. Nem sempre da melhor maneira, é esse, no entanto, o caminho que tem procurado seguir.


Mas dificilmente conseguirá êxitos assinaláveis irreversíveis se não tiver em conta duas problemáticas entre si convergentes, também relacionadas com o desenvolvimento social.


Em primeiro lugar, será necessário compreender que as políticas sociais terão sempre um tecto baixo de eficácia, se o tipo de sociedade que imaginarmos para o futuro for uma reprodução do nosso presente. Pelo contrário, se assumirmos uma dinâmica de saída do tipo de sociedade presente, antecipando o futuro em que apostamos, através do reforço de tudo o que funciona no seio da nossa sociedade impregnado por uma lógica pós-capitalista, é mais provável que atinjamos patamares mais ambiciosos na qualidade dos resultados das políticas sociais praticadas, quanto mais não seja , pelo alargamento dos espaços pós-capitalistas.


Em segundo lugar, com este tonos de transformação, com este sinal estratégico de procura de uma sociedade outra, a aposta na dinamização dos movimentos sociais, das organizações económicas e sociais que não sendo públicas não são instrumentos dominados pela procura do lucro como rentabilização do capital, será uma aposta decisiva para abrir toda uma nova geração de sinergias entre as políticas públicas de desenvolvimento social e uma economia social em expansão, forte pela sua diversidade, pela sua coesão e por um dinamismo desse modo acrescido.


Neste sentido, podemos dizer que a melhor maneira de defender o Estado Social, no que ele representa de solidariedade e justiça, para além naturalmente de procurar ir sempre mais longe na sua sustentabilidade, na sua racionalidade, na sua eficácia e na sua amplitude, é encará-lo globalmente como um Estado de Transformação Social . Um estado que, pilotando a saída do actual tipo de sociedade, vá antecipando nos seus resultados uma parte dos seus objectivos últimos.


Por isso, não tem sentido imaginar um modelo de Estado Social petrificado, quanto ao qual nos coubesse depois apenas desenhá-lo com perfeição, para lhe podermos dar a necessária vida, ao fazê-lo funcionar plenamente. O Estado Social, em que devemos pensar, há-de ser uma teia de estruturas publicas animadas pela transformação necessária a uma permanente adequação às situações sucessivamente criadas pelo próprio êxito das medidas que vão sendo tomadas no seu quadro. Ou seja, o Estado de Transformação Social, para verdadeiramente o poder ser, tem que ter inscrito no seu código genético uma dinâmica de auto-transformação permanente. Dinâmica essa, onde se há-de inscrever como aspecto decisivo, uma sinergia continuada com os movimentos sociais futurantes e com as organizações animadas por lógicas cooperativas e solidárias.


É claro, que um Estado desse tipo não se reduz a esta vertente, não podendo dispensar-se de ser ágil e forte em todos o espectro das suas funções clássicas e modernas, mas é a sua vocação transformadora que verdadeiramente o deve caracterizar.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sem os braços caídos


1. O exacerbar dos ritmos das pequenas mudanças, da evolução dos detalhes, é cada vez mais necessário para ocultar o facto de que nada se move no que diz respeito ao tipo de sociedade: a injustiça estrutural e a desigualdade permanecem.

Anda-se com uma velocidade cada vez maior num espaço apertado de que não se quer sair.

Pode haver receitas de acção imediata que garantam uma sobrevivência um pouco maior, trajectos um pouco menos penosos, mas se não sairmos do compartimento fechado, de onde nos querem fazer crer que é impossível sair, encontraremos mais à frente, quiçá com um rosto mais carregado, os problemas que agora julgamos resolver.

2. Esquecer a dimensão económica dos problemas que a sociedade atravessa é sintoma de irrealismo. Reduzi-los a essa dimensão é pura cegueira.

3. Passado o furacão, que se receava ter sido mais devastador do que aquilo que realmente foi, mas ainda dentro da tempestade em que ele se transformou, é estranho que tão rapidamente tenham voltado à luz do dia as ideias, os modos de pensar, as propostas, as previsões, as doutas alegações que reinavam antes do furacão. Que reinavam e tão cegamente o chamaram, tanto contribuíram para o desencadear, tão pouco foram capazes de o prever.

Se os adoradores do mercado fossem tão rigorosos para com essas ideias, como os investidores parecem ser para com os necessitados dos seus capitais, seguramente, que todas essas ideias e alegações, se pudessem ser cotadas em bolsa, não valeriam um único cêntimo.

4. Milhões de trabalhadores europeus têm saído à rua transbordantes de revolta e angústia, insurgindo-se contra o garrote que cada vez mais os aperta. Os dias de muitos são cada vez mais cinzentos. A injustiça que os cerca é cada vez mais insuportável.

Por que parece fraca a sua força ? Talvez por não terem ainda sido capazes de dizer em uníssono: se nos excluem desta sociedade como se ela não fosse nossa, vamos ter que lutar por uma que o seja.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O regresso dos leopardos

No imaginário cultural que sustenta a recusa de uma visão apologética das sociedades actuais, aflora recorrentemente a memória do célebre filme de Visconti, “O Leopardo”, que, aliás, se baseia no não menos importante romance com o mesmo título,de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957).

Para além da fusão magnífica da história e das circunstâncias individuais, da poeira do tempo que corrói as cores que se vão perdendo, é a frase de Tancredi, dita por um exuberante Alain Delon, e mais tarde retomada, no essencial, pelo Príncipe de Salinas, materializado pelo talento sólido de Burt Lancaster, que mais vezes regressa á nossa memória: "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude."

Estávamos então nos relembrados anos sessenta do século XX. E hoje ?

Também não estão com Tancredi os “garibaldinos” que já não existem, mas estão os arautos de um pseudo-reformismo tonitruante, praticado como uma forte maquilhagem das estruturas capitalistas, de modo a dar a entender que rejuvenesce o que de facto apenas dura, à custa da infelicidade de milhões de seres humanos.

De facto, uma das maiores mistificações ideológicas do conservadorismo neoliberal, defesa estratégica do sistema capitalista como decretada eternidade histórica, é a girândola de reformas sofregamente proclamadas como se fossem a essência da novidade,quando afinal apenas reflectem o apego paroxístico a uma lógica lucrativista, que tritura sem piedade tudo o que realmente identifica a própria humanidade.

De facto, hão-de reparar que quase tudo aquilo que se mascara de reforma, dentro da ideologia dominante, tem como núcleo duro uma regressão social ou a concessão de novas rendas de situação aos detentores do capital, apontando afinal para um objectivo central, o de obstarem à única verdadeira reforma que pode fazer o mundo subir mais um patamar na qualidade de vida dos seres humanos globalmente considerados: a saída do capitalismo. Por isso, se assiste ao paradoxo de se apresentarem perante nós como os mais radicais reformadores aqueles que afinal são o extremo do mais intransigente conservadorismo.

Também eles não esquecem que : "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude."

É pois tempo de vigilância crítica, de atenção permanente às rotinas mediáticas ideologicamente dirigidas que nos inculcam a ilusão da mudança, para ocultarem o sopro violento do conservadorismo mais retrógrado. Hoje como ontem, os conservadores mais subtis são os que sabem usar a voragem das pequenas mudanças, triviais e estruturalmente secundárias, para nos afastarem do apego à verdadeira mudança, a mudança central, a mudança do tipo de sociedade.

domingo, 11 de maio de 2008

Equívoco e dificuldade


O grande equívoco do tipo dominante das sociedades actuais é julgar-se que elas se podem aperfeiçoar, levando até ao paroxismo a lógica que está na raiz dos seus problemas.


A grande dificuldade, para superar esse equívoco, está no facto de que os que aprenderam a paciência necessária, para participar com eficácia nas grandes transformações, tenderem a deixar esvair-se a vontade, a energia e a persistência, que seriam necessárias para as alcançar; mas os que conservam e reforçam essa vontade, essa energia e essa persistência tenderem a vivê-las com tal urgência que as impedem de amadurecer o suficiente para serem possíveis.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Contra a retórica do reformismo


O reformismo transformou-se numa retórica que assombra a vida política portuguesa, tendendo a ser, cada vez mais, uma estratégia de ocultação do verdadeiro sentido das decisões políticas que mais dificilmente possam ser justificáveis em si próprias, por não serem compatíveis com o interesse público, nem coincidentes com os interesses legítimos da maioria dos cidadãos. E isso ocorre, não porque o reformismo seja um método de transformação social que a História tenha desqualificado, mas porque essa palavra passou a ser impropriamente usada, como invólucro virtuoso de qualquer medida política e como qualificativo elogioso de qualquer político e de qualquer política, independente do conteúdo dessas medidas e dessas políticas. De qualquer político e de qualquer política, especialmente, quando nada têm de verdadeiramente reformista, não passando de factores e elementos de uma estratégia de conservação do tipo de sociedade em que vivemos, não passando, portanto, de acções que visam a defesa e a perpetuação do tipo de organização económico-social dominante. Ou seja, não passando de peças de uma estratégia globalmente conservadora que, nessa medida, mais apropriadamente se deveriam designar por contra-reforma.

Na verdade, o reformismo surgiu historicamente, enquanto dinâmica socialmente consistente, na medida em que era protagonizada por actores sociais relevantes, como método de transformação da sociedade, distinto do método revolucionário. Distinto, ainda que podendo ser encarado como essencialmente alternativo à revolução, apenas como circunstancialmente preferível, ou até como complementar.

Ou seja, o reformismo surgiu como expressão da ideia de que era possível e desejável superar o capitalismo e alcançar o socialismo, através de uma sucessão articulada de reformas levadas a cabo num quadro democrático, por governos socialistas. Portanto, o verdadeiro reformismo há-de projectar-se necessariamente num horizonte pós-capitalista. Há-de guiar-se, em última instância, pela qualidade de vida dos cidadãos e pela justiça na distribuição das riquezas e dos ócios entre todos eles, e não apenas por números que simultaneamente exprimem e ocultam a simples reprodução alargada dos privilégios estruturais que estão no cerne do capitalismo.

Durante um primeiro período, o reformismo viu a sua força diminuída pela falta de resultados decisivos, embora tivesse tido os resultados suficientes, quanto ao bem-estar dos trabalhadores, para garantir uma base social sólida e um peso eleitoral significativo e duradouro, apesar de naturalmente variável. Por outro lado, ele competia com o modelo soviético que, identificando-se como anti-capitalista, representava uma alternativa revolucionária ao capitalismo, inscrevendo no seu código genético uma desconsideração radical da democracia política como condição necessária a um pós-capitalismo socialista. Falhando como construtor de uma democracia, gerara, no entanto, uma autonomia estratégica, em face dos centros de poder dominantes do capitalismo mundial, que o tornava popular entre os que sofriam e rejeitavam esse sistema. Por outro lado, generalizara o acesso aos bens de primeira necessidade, chegando a níveis que poucos países no mundo haviam já alcançado. Por último, o reformismo era , tal como o revolucionarismo soviético acabara por ser, a expressão de um protagonismo político quase exclusivamente estatal. Ou seja, uma via trilhada apenas por actores públicos, isto é, pelo aparelho de Estado.

Numa conjuntura mundial bipolarizada, o reformismo, predominantemente adoptado por países do primeiro mundo, colocou-se ao lado das várias expressões políticas do capitalismo hegemonizadas pelos USA. Aí, tinha como uma das mais relevantes funções a fixação do apoio dos trabalhadores, contribuindo assim decisivamente para evitar que reforçassem muito as organizações que se identificavam com o modelo soviético. A sua força convinha , por isso, também de algum modo a todos os outros parceiros desse mesmo bloco e, portanto, de algum modo aos próprios interesses estratégico do sistema no seu todo.

Com o desmoronamento do modelo soviético, os socialistas reformistas adquiriram a vantagem de ficar objectivamente evidenciado o equívoco do atalho que fora utilizado para afirmar esse modelo, ficando, além do mais, claro que uma solução revolucionária não é necessariamente irreversível. Tudo isso, potenciado por se ter tratado de uma implosão e não da consequência de uma derrota militar.

Mas, ficaram perante uma nova dificuldade: deixara de haver objectivamente lugar para que continuassem a ser aliados dos sectores hegemónicos do capitalismo mundial. Pelo contrário, independentemente da sua vontade, haviam passado a ser, no longo prazo, o mais poderoso foco potencial de alternatividade estratégica ao capitalismo. Por outro lado, os sectores mais conservadores dos partidos nucleares do sistema, hegemónicos nos centros decisivos do poder mundial, consideraram que era agora possível reverter as concessões que tinham sido obrigados (ou que tinham achado conveniente) fazer aos trabalhadores e aos cidadãos subalternos, no decurso da guerra fria. É este o sinal estratégico do "reaganismo", que hoje é designado pelo vocábulo ambíguo de neoliberalismo, que ao contrário da verdadeira tradição liberal, ancorada no liberalismo histórico, é culturalmente conservador, politicamente desconsiderante da necessidade de aperfeiçoar permanentemente a democracia, economicamente desregulador, socialmente indiferente e internacionalmente imperial.

E, assim, foi-se construindo uma mistura política aglutinadora de medidas normais de ajustamento às inovações tecnológicas e organizacionais, com medidas de regressão social, destinadas a transferir uma parte dos rendimentos do trabalho, para rendimentos do capital, o que se traduziu, no quotidiano dos trabalhadores, numa perda concreta de direitos sociais e económicos e, desses modo, num agravamento das suas condições de vida. Tudo isso, umbilicalmente ligado ao correspondente acréscimo dos lucros atribuídos ao capital.

Para justificar essa mistura de medidas, era ostentada como motivação central a modernização tecnológica e organizativa, designada apenas como modernização, sendo cuidadosamente escondida a vertente de contra-reforma, que é a verdadeiramente dominante. Este caldo de cultura ideológico, blindou-se com um discurso tecnocrático de cariz económico e ambição economicista, para se fazer passar por pura ciência, neutra e, portanto, imune a qualquer inquinamento político ou ideológico. Procurou caminhar-se, com o firme apoio e envolvimento das grandes organizações económicas internacionais, para uma situação em que as medidas políticas de que depende o reforço ou reversão dos privilégios, saber quem vive bem e quem vive mal, quem vive arrastando-se e quem vive sorrindo, fossem resultados automáticos de conclusões dessa ciência económica que os políticos se deviam limitar lucidamente a cumprir.

A essa contra-reforma chamaram reformas estruturais; e qualquer medida notoriamente anti-social e geradora de transferências de rendimentos do factor trabalho para o factor capital, foi zelosamente protegida com o epíteto pomposo de reforma.

Por isso, hoje há que distinguir bem os meros cabazes de medidas avulsas das verdadeiras reformas. E, ao falar-se destas, há que aprender a perceber, quando se está perante simples medidas de regressão social integradas na grande ofensiva neoliberal e quando se está perante medidas modernizadoras do tecido social, conducentes a uma maior justiça social rumo a um horizonte pós-capitalista. Reformismo é uma palavra que apenas pode ser aplicada com propriedade a estas últimas. Aplicá-la a qualquer outro tipo de medida é pura mistificação ideológica ou simples propaganda política.

Aliás, se um Governo de esquerda quiser assumir de facto uma estratégia global reformista, para além de ter que estar bem ciente da problemática atrás esboçada, não se pode limitar a usar as alavancas do aparelho de Estado. Tem que conseguir envolver nas suas políticas sociais, os movimentos sociais e todas dinâmicas organizativas que nem sejam estatais, nem de natureza privada lucrativa. Deve seguir uma política sistemática de estímulo às organizações da economia social, tornando-as seus parceiros estratégicos na via reformista que assuma. Em suma, sem ignorar a centralidade do protagonismo estatal na construção do novo percurso terá de o conjugar com o protagonismo de toda uma constelação de organizações sociais, materializando assim parcelarmente uma renovação civilizacional ambientalmente sustentável.

Se assim não fizer, qualquer governo resultante de um ou vários partidos de esquerda, por melhores que sejam as intenções dos seus protagonistas, poderá não conseguir ser mais do que um honesto gestor da conjuntura, distante de qualquer interferência no jogo de forças que real e estruturalmente molda o devir da sociedade. E por mais generoso que seja o seu activismo, por mais enérgico que seja seu empenhamento, pouco poderão fazer na ausência de uma consistência estratégica apontada para o longo o prazo e consistentemente alternativa ao que de essencialmente injusto assinala geneticamente as sociedades em que vivemos.

Voltando ao princípio: há uma retórica do reformismo que assombra a vida política. Não porque o reformismo seja algo de negativo, mas porque uma boa parte dos seus arautos são afinal anti-reformistas que se desconhecem, e uma outra, são, simplesmente, agentes dissimulados da contra-reforma. Quanto a verdadeiros reformistas se os procurarmos pacientemente, à lupa, talvez encontremos alguns.