[Um militante do PSD e um militante do PCP lideram uma manifestação]
Educação,
sindicatos e manifestação
1.
Os protagonistas principais da educação no nosso país têm deixado, ao
longo deste novo século, confinar esta problemática, em larga medida, às
questões sindicais que envolvem a profissão docente. Este caminho está longe de
conduzir a um pleno florescimento do processo educativo e de suscitar uma
verdadeira dignificação da profissão docente e a realização profissional e
humana dos professores.
A sociedade
tem vindo a tornar-se cada vez mais complexa, na esteira de uma vertiginosa
evolução tecnológica, de uma crescente diversificação cultural, de uma
desordenada aceleração da velocidade de circulação da informação e de uma
imensa facilidade comunicacional. A multiplicidade de veículos de difusão do
conhecimento e da informação convive com uma enorme escassez de instrumentos
críticos que permitam o seu pleno e real aproveitamento em benefício de todos.
Pior, a democracia continua tolhida e a sociedade injusta. A resposta dada
pelas políticas educativas a esta complexidade tem sido insuficiente. Talvez
demasiado presa a um conservadorismo estrutural que ficciona movimento em
detalhes e em aspetos secundários, mas que não consegue quebrar as amarras
estruturais que o tolhem. Os oásis de criatividade que felizmente enriquecem o
panorama educativo português não são suficientes para apagarem a sensação de
secura que predomina no plano da inovação educativa.
2.
Se olharmos, à luz destas dificuldades,
para a agenda que tem dominado os debates em torno da problemática educativa no
nosso país, veremos como temos ficado longe do desejável. Não significa isso que
se deva menosprezar o tipo de questões que têm ocupado a ribalta pela mão dos
sindicatos dos professores. Significa que quanto mais tudo se conserve fechado dentro
delas, mais difícil será chegar-se a uma
verdadeira solução que, caminhando para uma maior justiça, rasgue em simultâneo
novos horizontes.
3.
A esta luz, não pode deixar de se pôr em dúvida o acerto da marcação da
anunciada manifestação para o próximo
dia 5 de outubro, dia de reflexão por ser
véspera das eleições legislativas.
Há meses atrás, no auge do seu confronto com o
governo, os sindicatos dos professores anunciaram um vasto programa de lutas
que incluía a referida manifestação. Ficou por isso bem sublinhado o carácter
antigovernamental da manifestação.
Ora, se no dia de
reflexão é proibida a propaganda a favor de qualquer partido, não deixa também
de o ser, a propaganda contra. E essa proibição tem um sentido substancial e não
formal; não está apenas em causa a explícita crítica ou o explícito apoio, está
em causa o sentido das ações, dos cartazes e das palavras de ordem e não apenas
a sua letra. Se esta manifestação, como já foi assumido pelos promotores,
contende diretamente com decisões políticas do governo, não deixará de se
traduzir em apoiá-lo ou criticá-lo, ainda que implicitamente. E se assim é,
nesse dia é ilegal. Haver uma razão verosímil para que ela seja feita nesse
dia, não parece suficiente para tornar lícito o que a lei por razões de
transparência eleitoral, proíbe.
4.
Sendo por isso pelo menos discutível a legalidade da manifestação em causa, não
se compreende a razão por que se insiste nela. Sendo antes de umas eleições
após as quais haverá um novo governo, não parece haver outra razão para a fazer
nesse dia do que a tentativa de prejudicar
o PS, partido que suporta o atual governo. E isso é precisamente o que a lei eleitoral
proíbe.
Para além disso, se
olharmos com atenção para o que ocorreu nos últimos meses, em torno do conflito
entre o governo e os sindicatos dos professores, podemos ver que está longe de
poder ser dado como certo que uma manifestação contra o PS promovida pelos
sindicatos dos professores prejudique realmente o PS. A fazer fé no que tem
sido dito por partidos, jornalistas e opinadores de referência, essa
sofreguidão anti-PS pode acabar por beneficiá-lo. E isso seria uma saborosa ironia
objetiva que deixaria a nu a tacanhez tática e estratégica das figuras
liderantes dos sindicatos dos professores.