LULA ─ um discurso histórico
O ex-Presidente do Brasil Luiz
Inácio Lula da Silva proferiu no
passado dia 10 de março um discurso inteligente, humano e vibrante, que fará história
e merece ser conhecido pelo portugueses. Fê-lo na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, em São
Bernardo do Campo (SP).
Uma decisão
não definitiva no Supremo Tribunal Federal anulou na véspera as principais condenações da Lava Jato que impendiam sobre
ele. Está prestes a ser tomada uma outra que, se também lhe for favorável, pode
acentuar mais a evolução favorável da situação judicial com que procuraram tolhê-lo.
Tudo se radica
no escândalo inenarrável das revelações feitas
há tempos atrás, desencadeado pela divulgação pública de conversas entre vários
protagonistas do poder judiciário. Elas mostraram que tudo o que os advogados
de Lula haviam dito sobre a parcialidade do juiz Moro e sobre as ilegalidades
cometidas pela Polícia Federal e pelo MP brasileiro contra Lula era justificado
e verdadeiro.
E embora não
existam ainda decisões definitivas, o reconhecimento público de uma perseguição
tão arbitrária, tão grosseiramente motivada politicamente contra Lula torna
impossível elas não lhe serem favoráveis. Se assim não fosse o poder judicial brasileiro já tão desprestigiado
por essa perseguição evidente ficaria mergulhado na lama.
Lula falou em público pela primeira
vez após a decisão do juiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que
anulou as condenações proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, devolvendo-lhe
os direitos políticos.
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Eis os aspetos mais significativos do extenso discurso de Lula:
[Depois de uma breve frase introdutória,
Lula começa por fazer uma pedagogia de cautela sanitária num expressivo
contraponto à lendária irresponsabilidade criminosa do atual presidente do Brasil .]
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“Eu acho que o seguinte: primeiro,
espero que todo mundo esteja de máscara aqui, que todo mundo esteja se
cuidando, espero que brevemente todos vocês tenham tomando vacina. Eu queria
falar com o médico aqui, se eu posso tirar minha máscara pra falar. Eu estou a
dois metros de distância, vocês todos já fizeram o teste. Vocês todos estão livres.
Então, eu gostaria de tirar minha máscara para poder falar com vocês.”
[De imediato, Lula evoca a sua prisão.]
“Bem, faz quase três anos que eu saí da
sede desse sindicato para me entregar à Polícia Federal. Eu fui, obviamente,
contra a minha vontade, porque sabia que estavam prendendo um inocente. Muitos
dos que estavam aqui não queriam que eu fosse me entregar.
Eu tomei a decisão de me entregar porque
não seria correto, um homem na minha idade, um homem com a construção da
história construída junto com vocês, pudesse aparecer na capa dos jornais e na
televisão como fugitivo.
Como eu tinha clareza das inverdades
contadas sobre mim. Eu então tomei a decisão de provar a minha inocência dentro
da sede da Polícia Federal, perto do juiz [Sergio] Moro.
Antes de eu ir, nós tínhamos escrito um
livro. Eu fui a pessoa que dei a palavra final no título do livro, que é A
Verdade Vencerá. Eu tinha tanta confiança e tanta consciência do que estava
acontecendo no Brasil, que eu tinha certeza de que esse dia chegaria. E ele
chegou. “
[De seguida, Lula evoca as suas raízes.]
“Queria dizer para vocês que eu nasci
politicamente nesse sindicato. Em 1969, eu virei delegado de base desse
sindicato, trabalhando na Villares. Em 1972, eu virei primeiro secretário, e
cuidava da previdência social. Na verdade, eu cuidava dos velhinhos aqui. Em
1975, eu virei presidente. Em 1978, nós fizemos as primeiras greves desde as
greves de Osasco e de Contagem, em 1968. E depois vocês já conhecem a história.
Veio a criação de muitos dos movimentos que estão aqui, e eu participei de
quase todos eles.
E o movimento mais importante foi a
minha tomada de consciência de que, através do sindicato, eu não iria conseguir
resolver os problemas do país. Eu poderia, no máximo, conseguir alguma
conquista dentro da fábrica, mas era uma luta muito economicista. É aquela que
você ganha uma hoje, e perde amanhã com a inflação. É aquela que você pensa que
está ganhando, e daqui a pouco a empresa fecha, como fechou a Ford aqui, sem
prestar contas a ninguém. .
Então, resolvi que era necessário entrar
na política e construir uma consciência política no país. Eu digo sempre que eu
sou, na política, um resultado da consciência política da classe trabalhadora
brasileira. Na hora que ela evoluiu, eu evoluí. E eu acho que isso justifica o
convite que eu fiz a vocês para estarem aqui.”
[Depois de algumas frases, evocando a
solidariedade que tantos lhe prestaram, Lula aproxima-se um pouco mais do povo,
evocando o que sofreu, mas para logo sublinhar como é muito maior no dia-a-dia
o sofrimento do povo brasileiro.]
“Quando resolvi marcar esta entrevista,
muita gente ficou preocupada com o meu humor. "Como é que o Lula vai
estar? Ele vai estar bravo? Ele vai estar xingando alguém? Ele vai falar
palavras de esperança?".
E, às vezes, eu me sentia como a
história de um escravo que eu li num livro. O escravo foi condenado a tomar 100
chibatadas. Depois que o cara da chibata deu 98, chegou pra ele e falou:
"eu vou parar de dar chibatada se você agradecer ao seu dono. Se você
agradecer ao seu dono, eu não dou mais as duas que faltam." E o cara
falou: "como é que eu vou agradecer? Eu já estou todo arrebentado. Por que
eu vou parar? Me dê as outras duas."
Então, se tem um cidadão que tem razão
de estar magoado com as chibatadas, sou eu. Não estou. As pessoas pensam que
depois de dar chibatadas, joga um pouco de sal e pimenta e a pessoa vai se
curar ao longo do tempo. Não importa as cicatrizes que ficam nas pessoas.
Eu sei que fui vítima da maior mentira
jurídica contada em 500 anos de história. E que a minha mulher, a Marisa,
morreu por conta da pressão, e o AVC [Acidente Vascular Cerebral] se apressou.
Eu fui proibido até de visitar o meu
irmão dentro de um caixão, porque tomaram uma decisão que queria que eu visse para
São Paulo, que eu fosse para o quartel do 2º Exército, no Ibirapuera, e meu
irmão, dentro do caixão, fosse me visitar. E ainda disseram que não podia ter
nenhuma fotografia.
Então, se tem um brasileiro que tem
razão de ter muitas e profundas mágoas, sou eu. Mas não tenho. Sinceramente, eu
não tenho porque o sofrimento que o povo brasileiro está passando, o sofrimento
que as pessoas pobres estão passando neste país é infinitamente maior do que
qualquer crime que cometeram contra mim. É maior do que cada dor que eu sentia
quando estava preso na Polícia Federal.
Porque não tem dor maior para um homem e
mulher em qualquer país do mundo do que levantar de manhã, e não ter a certeza
de um café e um pãozinho com manteiga pra tomar. Não tem dor maior para um ser
humano do que ele chegar na hora do almoço, e não ter um prato de feijão com
farinha para dar pro seu filho. Não tem nada pior do que o cidadão saber que
ele está desempregado, e que, no final do mês, ele não vai ter o salário para
sustentar a sua família.
É essa dor que a sociedade brasileira
está sentindo agora que me faz dizer pra vocês: a dor que eu sinto não é nada,
diante da dor que sofre milhões e milhões de pessoas.
É muito menor que a dor que sofrem quase
270 mil pessoas que viram seus entes queridos morrerem. Seus pais, seus avós,
sua mãe, sua mulher, seu marido, seu filho, seu neto, e sequer puderam se
despedir dessa gente na hora que nós sempre consideramos sagrada: a última
visita e o último olhar na cara das pessoas que a gente ama.
E muito mais gente está sofrendo. E por
isso eu quero prestar a minha solidariedade nesta entrevista às vítimas do
coronavírus. Aos familiares das vítimas do coronavírus. Ao pessoal da área da
saúde, sobretudo. De toda a saúde, privada e pública.
Mas sobretudo dos heróis e das heroínas
do SUS, que durante tanto tempo foram descredenciados politicamente. Foram
descredenciados no exercício da sua profissão. Porque só mostravam as coisas
ruins que aconteciam no SUS, e quando veio o coronavírus, se não fosse o SUS a
gente teria perdido muito mais gente do que perdeu. Apesar de o governo tirar
tanto dinheiro do SUS e de o governo ser um verdadeiro desgoverno no trato à
saúde. “
[Depois desta referência severa ao atual
poder político brasileiro, Lula acentua o contraponto em face da sua deriva insalubre.]
“Vocês sabem que a questão da vacina não
é uma questão se tem dinheiro ou se não tem dinheiro. É uma questão se eu amo a
vida ou amo a morte. É uma questão de saber qual é o papel de um presidente da
República no cuidado do seu povo. Porque o presidente não é eleito para falar
bobagem e fake news. Ele não é eleito
para incentivar a compra de armas, como se nós tivéssemos necessitando de
armas.
Quem está precisando de armas são as
nossas forças armadas. Quem está precisando de arma é a nossa polícia, que
muitas vezes sai pra rua pra combater a violência com um 38 velho todo
enferrujado. Mas não é a sociedade brasileira.
Não são os fazendeiros que estão
precisando de armas para matar sem terra ou para matar pequenos proprietários.
Não são milicianos que estão precisando de armas para fazer um terrorismo na
periferia deste país. Para matar meninos e meninas, sobretudo, meninos e
meninas negras, que são as maiores vítimas das armas e das balas perdidas neste
país. “
[ Em seguida, Lula agradece os muitos apoios que teve, num quadro de
honra com uma diversidade em si própria eloquente e com um peso cívico,
político e simbólico da maior relevância. ]
“Nós, então, estamos vivendo um momento
delicado. E eu vou querer conversar um pouco com vocês sobre isso. Mas, antes
de conversar, eu queria continuar os meus agradecimentos, Wagner.
Primeiro a você, agradecendo, mais uma
vez, esse sindicato por ceder esse espaço democrático para que a gente possa
fazer essa conversa.
Não poderia deixar de agradecer ao
presidente Alberto Fernandez, da Argentina, que teve a decência de, enquanto
candidato a presidente da república do seu país, contra a extrema direita, ele
teve a coragem de ir à Polícia Federal de Curitiba me visitar. E mais ainda. Eu
até pedi pra ele não dar entrevista pra não ser prejudicado pela direita na
Argentina. Ele me disse: “Lula, não tenho nenhum problema com o que a direita
vai falar. O meu problema é o que eu vim fazer aqui. Eu vim aqui ser solidário
a você, porque acredito que você está sendo vítima da maior mentira política já
havida na América Latina".
Então, ao presidente Alberto Fernandez,
que foi a primeira pessoa a me ligar depois da decisão do Fachin, e ao povo
argentino solidário, os meus agradecimentos.
Meus agradecimentos ao nosso querido
papa Francisco. Não só porque ele mandou uma pessoa me visitar em Curitiba, me
entregar uma carta, que a Polícia Federal não deixou entrar, porque achou que
ele era um "embusteiro", que ele não era representante do papa, e ele
era representante do papa. E depois eu recebi a carta do papa, além dos belos
pronunciamentos do papa, em vários momentos.
E o fato do papa ter a coragem de me
receber no Vaticano, e termos uma longa conversa, não sobre o meu caso, mas
sobre a a luta contra a desigualdade, que é o maior mal que hoje paira no
planeta Terra, um planeta que é redondo, que não é retangular ou não é
quadrado. E o Bolsonaro não sabe disso.
Portanto, é sempre importante reiterar,
quem puder: o planeta é redondo. Ele tem um astronauta no governo. O ministro
Pontes, da Ciência e Tecnologia, sobrevoou num foguete russo quando eu era
presidente. Se ele não dormiu, ele viu que o planeta era redondo.
Então, ele poderia dizer para o
presidente dele: "Ô, presidente, não fala mais essa bobagem, não. Não
acredita no tal do Olavo de Carvalho, sabe? Assume que o mundo é redondo".
Eu, então, sou grato, porque o papa Francisco é, inegavelmente, o religioso
mais importante que temos neste momento.
Quero agradecer às pessoas, companheiro
Aloizio Mercadante, do Grupo de Puebla. Líderes da América Latina inteira, que
foram solidários e confiaram na minha inocência. Quero agradecer ao Foro de São
Paulo, que é uma organização da esquerda latino-americana. E quero agradecer a
muitos líderes políticos. Eu não poderia deixar de citar aqui o companheiro
Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, uma das pessoas mais extraordinárias que
conheci.
Não poderia deixar de reconhecer aqui a
solidariedade do Bernie Sanders, um companheiro senador dos Estados Unidos,
quase candidato a presidente da república, e que se afastou da campanha.
Quero reconhecer com muito carinho o
comportamento da prefeita Anne Hidalgo, prefeita de Paris, que na disputa da
eleição dela, teve a coragem, quando a direita escrevia artigos nos jornais que
ela iria perder as eleições porque tinha me levado lá, falou: "Lula, pra
mim, a solidariedade vale mais do que uma eleição. Eu trouxe você aqui pra dar
um prêmio de cidadão parisiense pra você, e vou ganhar as eleições por conta
desse meu gesto". E ganhou as eleições. Por isso, eu quero agradecer à
nossa querida prefeita de Paris.
Quero agradecer ao companheiro [José
Luis Rodríguez] Zapatero, ao companheiro Evo Morales, à monja Coen, ao nosso
querido Martinho da Vila, o nosso querido Chico Buarque, o nosso querido Noam
Chomsky, um dos maiores intelectuais vivos, hoje, na humanidade.
Quero agradecer ao meu querido,
velhinho... Antes de falar o nome dele, esse companheiro passou quatro anos
querendo dar uma fazenda dele no interior de São Paulo para a USP fazer um
campus lá. E a USP passou quatro anos sem dar respostas. Quando foi um dia, ele
me procurou, através de um assessor dele, que ele tinha uma fazenda pra doar
pra fazer uma universidade.
Em menos de 20 horas, o companheiro
Fernando Haddad, que está aqui, aceitou o terreno, e nós pegamos o terreno. E
esse companheiro, eu tive o prazer de visitar a universidade com ele, já
funcionando. Não sei como ela está hoje, depois da destruição do [Michel] Temer
e do Bolsonaro, mas é o meu querido companheiro Raduan Nassar. Companheiro que
já está com mais de 80 anos.
Quero agradecer o companheiro, o meu
biógrafo, que nunca termina o meu livro, o companheiro Fernando Morais. Quero
agradecer o Martin Schulz, que é ministro na Alemanha e representa a social
democracia. O Roberto Gualtieri, do Podemos espanhol, e o ex-primeiro ministro
italiano [Massimo] D'Alema.
Quero agradecer, de coração, o pessoal
da vigília. Aqui tem muita gente que foi na vigília, aqui tem muita gente que
ficou muito tempo na vigília, mas aquelas pessoas enfrentaram loucuras da
Polícia Federal.
Tinha um delegado, que eu não sei se ele
era saudável ou não, se ele bebia ou não, mas ele provocava a vigília. Chegou a
atirar pra fazer medo à vigília.
Tinha polícia, tinha vizinhos que ofendiam
gente da vigília todo dia. E esse pessoal ficou lá 580 dias. Todo santo dia de
manhã, de domingo a domingo, gritando "presidente Lula", almoçando e
gritavam "presidente Lula", às duas horas da tarde. E às sete horas
da noite, gritavam "presidente Lula". E todo santo dia. Eu acordava,
almoçava e dormia com mulheres e homens do Brasil inteiro gritando o meu
nome.
Então, a cadeia não foi o sofrimento que
eu pensava que fosse, porque eu não sei quantos presos na história da
humanidade tiveram tanta gente.
E aí eu tenho que agradecer ao movimento
sindical. Agradecer, João Paulo, ao Movimento Sem Terra, porque o companheiro
Baggio, lá no Paraná, foi um herói.
Agradecer aos companheiros do MAB
[Movimentos dos Atingidos por Barragens], que trabalharam de forma
extraordinária, e aos companheiros dos partidos de esquerda que estão aqui. Eu
lamentavelmente não tenho o nome de todas as pessoas, mas eu tenho que
agradecer.”
[ Lula denuncia então, com simplicidade e
força, a comunicação social dominante pela sua duplicidade. Pela sua
incapacidade de mesmo agora dar por completo o braço a torcer. ]
“Antes de agradecer aos meus advogados,
e aos outros advogados, que não sendo meus advogados no processo, foram
advogados, participaram de solidariedade, fizeram muita coisa nesse país.
Eu quero agradecer a uma pessoa, que eu
não conheço, mas é uma pessoa chamada Claudio Wagner. Esse é o perito que está
investigando todas as mensagens do hacker pra provar a veracidade da denúncia.
O que é engraçado é que durante longos
cinco anos, amplos setores da imprensa não exigiram nenhuma veracidade do Moro.
Não exigiram nenhuma veracidade dos procuradores, não exigiram nenhuma
veracidade da Polícia Federal para divulgar as mentiras que eles contavam ao
meu respeito.
Mas agora nós estamos com perito,
fazendo investigação nos documentos, que está na Polícia Federal. Portanto, não
é uma coisa do PT, é da Polícia Federal, autorizado pelo ministro da Suprema
Corte. E, mesmo esse perito avalizando, vocês acompanham a imprensa.
E eu acho muito engraçado porque o Moro
fala "não reconheço essa veracidade". Os procuradores falam "não
reconheço", mesmo tendo uma peritagem, e a divulgação sendo autorizada
pela Suprema Corte.
No meu caso, eles nunca pediram
autorização. Era até engraçado porque muitas vezes eu ia fazer o inquérito, e a
maior preocupação do delegado que ia fazer o inquérito não era com a pergunta,
era com o vazamento. E o vazamento era selecionado.
Tinha jornalista específico na Folha;
jornalista específico no Estadão; jornalista específico na Época,
na Veja, na IstoÉ; jornalistas específicos em vários
canais de televisão. E todo mundo se lembra.
Quantas e quantas matérias do principal
jornal da televisão aparece um oleoduto, uma gasoduto saindo dinheiro, para
falar vinte ou trinta minutos das denúncias dos procuradores, sem nenhuma
prova.
[ E indo ao fundo do que verdadeiramente
move o cerco que lhe é feito, a hostilidade raivosa que o rodeia, Lula faz-se
ouvir pelos seus , falando a partir do
sofrimento do povo. De um sofrimento que ele experimentou também pessoalmente, dentro do qual ele próprio nasceu.
Por isso, nele os pobres e os excluídos veem sempre um dos seus. E é essa sua força terrível e magnífica que mais assusta os
seus inimigos. ]
“Mas eles colocavam. Contra o Lula não
precisava provar que o documento tinha seriedade. Era preciso destruir. Afinal
de contas, um torneiro mecânico, sem dedo, já tinha feito demais nesse país.
Era preciso evitar que esse cidadão pensasse em voltar a governar o país.
Porque a América Latina nunca trabalhou
em 500 anos com política de inclusão social. A inclusão social é pra 35% da
sociedade. Quem pode ir a teatro é uma parte pequena da sociedade. Quem vai a
cinema é uma parte pequena. Quem vai a restaurante é uma parte pequena. Quem
vai aos parques bonitos, quem vai às vernissages nesse país, quem vai às
exposições é só uma parte pequena.
À maioria, fique no seu lugar. Afinal de
contas, o papel do trabalhador é trabalhar. E o papel dos pobres é esperar as
políticas de ajuda do governo quando ela vem.
E, por conta disso, eu digo pra vocês,
anteontem foi um dia gratificante. Eu sou agradecido ao ministro Fachin porque
ele cumpriu uma coisa que a gente reivindicava desde de 2016.
A decisão que ele tomou, tardiamente,
cinco anos depois, foi colocada por nós desde 2016. “
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[Mais adiante, Lula fala da comunicação social
com a força da simplicidade e da razão.]
“Eu fiquei muito feliz porque, depois da
divulgação de tanta mentira contra mim, ontem [terça-feira] eu acho que nós
tivemos um Jornal Nacional épico. Ontem, eu acho que quem
assistiu televisão não estava acreditando no que estava vendo. Pela primeira
vez, a verdade prevaleceu.
Dita, não por alguém do PT, dita pelo
presidente da segunda turma do STF no discurso do Gilmar Mendes; dita pelo
Ricardo Lewandowski e dita até pela Carmen Lucia, que nunca tinha visto nada
igual àquilo.
E eu, como acho que tenho um pouco de
experiência, fiquei feliz com a verdade, porque é pra isso que servem os meios
de comunicação. Jornalista não existe pra sair pra rua pra cumprir a ordem do
editor.
Vocês não sabem, mas aqui nesta sala não
tem ninguém que tenha lidado com a imprensa 10% do que eu lidei. Desde 1975 eu
lido com a imprensa, e com muita imprensa. E eu sempre disse que o papel da
imprensa, quando o jornalista sai pra rua, ele sai com o compromisso de dizer a
verdade. A verdade nua e crua.
Não tem importância que ela seja contra
o PT, contra o PCdoB, contra o PSOL, contra o PMDB, contra qualquer um. A
verdade nua e crua, é pra isso que nós precisamos de imprensa livre.
Não é uma imprensa que divulga aquilo
que politicamente ou que ideologicamente ela quer. A ideologia da notícia, do
jornal, da televisão ou da revista deve ser colocada num cantinho, no
editorial, como pensamento da revista. Mas vocês, jornalistas, precisam ser
livres. E o compromisso de vocês é escreverem o que vocês viram. É escreverem o
que as pessoas falaram pra vocês, e não escrever o que o editor quer que vocês
escrevam.
Portanto, eu fiquei feliz porque eu
espero que a verdade, a verdade versada pela Globo ontem, seja o novo padrão de
comportamento da Globo com a verdade.
A Globo não tem que
gostar ou não gostar de presidente. Ela não tem que gostar ou não gostar de
partido. Isso ela decide na hora de votar. Mas na hora de informar, tem que
informar a verdade, e apenas, somente, a verdade.
E ontem eu fiquei feliz porque eu vi a
verdade proferida na íntegra por dois ministros da Suprema Corte. E eu espero
que continue assim. Porque antes o Gilmar [Mendes] também não aparecia. Antes,
o Lewandowski também não aparecia. Apareciam os acusadores durante meia hora,
e, às vezes, o Gilmar e o Lewandowski, que se votassem contra os acusadores,
tinham 30 segundos.
Os meus advogados eu nem falo, porque o
esforço para que meus advogados aparecessem 30 segundos era monumental, e nem
sempre apareciam. Mesmo assim eu continuo dizendo que a liberdade de imprensa é
uma das razões maiores pela manutenção da democracia em qualquer país do mundo,
em qualquer lugar do planeta Terra.”
………………………………………………………………………………..
[ E depois de
agradecer aos seus advogados a quem elogiou e de tecer mais algumas
considerações relacionadas com os processos que enfrenta, continuou.]
“Eu estou muito tranquilo. O processo
vai continuar? Vai. Tudo bem, eu já fui absolvido de todos os processos fora de
Curitiba. Mas nós vamos continuar brigando para que o Moro seja considerado
suspeito. Porque ele não tem o direito de se transformar no maior mentiroso da
história do Brasil, e ser considerado herói por aqueles que queriam me culpar.
Deus de barro não dura muito tempo.
Eu tenho certeza que hoje ele deve estar
sofrendo muito mais do que eu sofri. Eu tenho certeza que o [procurador Deltan]
Dallagnol deve estar sofrendo muito mais do que eu sofri. Porque eles sabem que
eles cometeram erros, e eu sabia que eu não tinha cometido erro.
Então, meus agradecimentos aos meus
advogados. E meus agradecimentos a todos os advogados do Brasil que foram
solidários. Todos. Teve muita gente que foi solidária a mim, muitos documentos
assinados, e eu sou, sinceramente, agradecido a todo mundo.
…………………………………………………………………………….
[E mais adiante, criticando o conluio entre
a gande comunicação social e o aparelho judicial, salientou:]
“A gente não pode ficar divulgando o
nome das pessoas antes de ter prova. A gente não pode tentar criminalizar as
pessoas antes de provar que cometeram um crime. E foi o que aconteceu. A Lava
Jato fez um pacto com o setor da mídia. E que era preciso, porque essa era a
teoria do Moro, num artigo que ele escreveu em 94 em que ele dizia: "só a
imprensa pode ajudar condenar as pessoas." E aí vale qualquer coisa. “
[ E adiante falou de algo extraordinário.]
“Eu ganhei duas amizades
extraordinárias, pessoas que eu não conhecia, dois advogados de Curitiba que me
visitaram durante 580 dias, todo santo dia. Um ia de manhã e o outro à tarde.
Só não ia de sábado e domingo. Mas imagina o que que é duas pessoas irem me
visitar todo santo dia.
Um chegava com almoço, mandado pela
Janja, e outro chegava à tarde pela janta mandada pela Janja. Sabe, às vezes a
comida chegava fria, mas eu comia e não reclamava, porque sabia que o povo
estava passando fome lá fora. Eu esquentava porque eu tinha um negocinho de
esquentar comida. Peão de fábrica sabe como esquentar marmita. Então, eu não
comi comida fria não, era toda quentinha.”
…………………………………………………………………………………..
[ Trazendo à colação a situação dramática
que o Brasil vive , afirmou:]
Eu quero agradecer os governadores Rui
Costa, Wellington Dias, Camilo Santama, Fátima Bezerra e todos os governadores
do Nordeste que estão brigando, sabe, e do país inteiro, para dar vacina.
É uma luta titânica contra um governo
incompetente, contra um ministro da Saúde incompetente e contra as pessoas que
não respeitam a vida. Então aos governadores, a minha solidariedade”.
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[Revelando bem o seu perfil político, generoso e democrático,
dirigiu-se à imprensa, essa imprensa que na sua maioria tanto ajudou a vilipendiá-lo.]
“E quero agradecer a vocês, a imprensa
brasileira, porque depois de tudo que falei aqui, vocês podem ter certeza que
nem o João Roberto Marinho gosta mais da imprensa do que eu. Nem ele quer mais
democracia do que eu na imprensa, e muito menos o presidente da República.
Meus agradecimentos a vocês. Porque eu
sei que vocês vão continuar trabalhando para tentar melhorar o papel da
imprensa na construção da democracia brasileira.”
……………………………………………………………………
[ Lula então falou dele como pessoa,
mas para fazer pedagogia de saúde
pública , demarcando-se frontalmente do cretinismo bolsonarista.]
“Eu tenho 75 anos de idade. Eu falo
brincando que eu tenho energia de 30 e tesão de 20. Eu acho que é por isso que
eu não tomei vacina ainda, porque o pessoal não sabe se é 30, se é 20 ou 75.
Então, agora eu estou dizendo que é 75 e na semana que vem, se Deus quiser, eu
vou tomar a minha vacina. Vou tomar a minha vacina. Não me importa de que país,
não me importa se é duas ou uma só; sabe, eu vou tomar minha vacina e quero
fazer propaganda pro povo brasileiro.
Não siga nenhuma decisão imbecil do
presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina. Tome vacina
porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você do covid.
Mas mesmo tomando vacina, não ache que
você possa tomar vacina e já tirar a camisa, já ir pro boteco e pedir uma
cerveja gelada e ficar conversando, não! Você precisa continuar fazendo o
isolamento, e você precisa continuar utilizando máscara e utilizando álcool em
gel. Pelo amor de Deus.
Esse vírus, essa noite, matou quase 2
mil pessoas. É que as mortes estão sendo naturalizadas, porque a gente ouve de
manhã, de tarde e de noite, a gente liga um canal de televisão, lê um jornal,
liga um rádio, ou seja, é falando da morte, então você vai naturalizando na
cabeça das pessoas, mas eram mortes que, muitas delas, poderiam ser evitadas.
Evitadas se a gente tivesse um governo que tivesse feito o elementar.
Você sabe que a arte de governar não é
fácil; é a arte de saber tomar decisão. Então, o presidente da República que se
respeitasse e que respeitasse o povo brasileiro, a primeira coisa que ele teria
feito em março do ano passado, era criar um comitê de crise.
Envolvendo o seu ministro da Saúde,
envolvendo secretários da Saúde dos estados, envolvendo cientistas da Fiocruz,
cientistas do Butantan e outros cientistas. E toda semana orientar a sociedade
brasileira sobre o que fazer.
Era preciso priorizar o dinheiro e
comprar as vacinas que pudesse comprar em qualquer lugar do planeta Terra. Nós
tivemos momentos que teve vacina que a gente sequer aceitou. A própria Pfizer
tentou oferecer vacina, e a gente não quis, a Organização Mundial da Saúde.
Porque nós tínhamos um presidente que
inventou uma tal de cloroquina. Nós tínhamos um presidente que falava que quem
tem medo do covid é maricas, que o covid era uma gripezinha, que o covid era
coisa de covarde, que ele era ex-atleta, e que portanto ele não ia pegar. Esse
não é o papel, no mundo civilizado, de um presidente da República.
Um presidente da República deveria ter
esse comitê de crise, e toda semana ter uma voz oficial do comitê de crise
orientando a sociedade, visitando os estados, visitando as cidades, vendo as
condições dos hospitais, trabalhando pra fazer hospital de campanha onde não
tivesse hospital. Tentando evitar que faltasse oxigênio como faltou em Manaus.
Esse era o papel do presidente da República.
Agora, ele não sabe o que é ser
presidente da República. Ele a vida inteira não foi nada. Ele não foi nem
capitão. Era tenente e foi promovido porque se aposentou. E se aposentou porque
queria explodir quartel, porque ele virou um dirigente sindical dos soldados,
queria mais aumento de salário.
Depois que ele se aposentou, ele nunca mais
fez nada na vida. Ele foi vereador e deputado durante 32 anos. Exerceu o
mandato e conseguiu passar pra sociedade a ideia de que ele não era político”.
…………………………………………………………………………
[Lula sintetiza o contraponto entre o seu
tempo e o presente bolsonarista.]
“Quando esse país tinha como presidente
da República um metalúrgico em 2008, a indústria automobilística vendia 4
milhões de carros por ano nesse país. Passados 13 anos, esse país vende 2
milhões de carros. Ou seja, hoje a indústria automobilística é metade do que
era em 2008. Porque não há possibilidade de investimento se não houver demanda.
Para ter demanda, tem que ter emprego.
Porque vocês acham que o PT está
brigando por um salário emergencial de R$ 600? Não é porque a gente acha que o Estado
tem que pagar R$ 600 a vida inteira. É porque o Estado só pode deixar de pagar
quando o Estado tiver gerando emprego e as pessoas tiverem obtendo renda, às
custas do seu trabalho, aí não precisa do salário emergencial.
Mas, enquanto o governo não cuida de
emprego, não cuida de salário, não cuida de renda, você tem que ter um salário
emergencial para que as pessoas não morram de fome. Isso não precisa ler Marx
pra entender, não precisa artigo do Delfim Neto pra entender. É a lógica da
casa de vocês.
Se a mulher tiver dinheiro, a mulher de
vocês e a família tiver dinheiro, ela vai no supermercado, vai na feira, vai
comprar um caderno novo, vai comprar um sapato, vai comprar uma camisa e tudo
começa a funcionar. Se não tem, ela fica em casa prostrada, na frente de um
fogão esperando: “quando é que eu vou ter dinheiro pra comprar alguma coisa?”.
……………………………………………………………
“Eu tinha um conselho com 100 pessoas.
Participavam os dirigentes dos sindicatos, os grandes empresários, participava
índio, participava pastor da igreja evangélica, participava padre, participava
bispo, participava negro. Porque eu queria ouvir a sociedade. Nós fizemos, no
meu mandato, 74 conferências nacionais pra ouvir o que a sociedade queria.
O Bolsonaro não junta ninguém. Ele junta
os milicianos. Não mostra a cara nas entrevistas. Na saída do Palácio, para pra
dizer: “Tô liberando armas, tô liberando mais quatro armas, mais dois fuzil,
logo logo vai ter canhão pra todo mundo”.
Esse povo não está precisando de armas,
David. Esse povo está precisando de emprego, de carteira profissional, de
salários, de livros, de educação. O Estado precisa estar presente na periferia
desse país. O Estado tem que estar lá com educação, com cultura, com saúde, com
política de assistência social. É esse o papel de um presidente da República”.
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“Por último, companheiros e
companheiras, eu queria dizer pra vocês, que quando você chega na idade que eu
cheguei e quando você obtém de Deus a generosidade que eu recebi, não há mais espaço
pra guardar ódio, não há mais espaço pra perder tempo remoendo, eu diria, raiva
ou ódio. Eu sou abençoado por Deus por muitas coisas.
Se a gente for olhar do ponto de vista
sociológico ou filosófico - gostou Boulos, de eu falar sociológico? - se a gente
fosse analisar Haddad, por conta disso, a gente não teria feito aqui, ô Nobre,
a revolução da criação do novo sindicalismo em 78, porque era impossível criar
qualquer coisa, e a gente criou.
A gente não teria criado a liberdade de
organização partidária, e eu não teria tido o prazer de criar o partido mais
importante da esquerda latino americana. E muito menos eu ser presidente.
Vocês lembram com quem eu disputei a
primeira eleição, com dr. Ulisses Guimarães, com dr. Leonel de Moura Brizola,
com dr. Paulo Salim Maluf, com dr. Mario Covas, com dr. Afif, com dr.
Aureliano... era só doutor.
O único cara que não era doutor era eu.
E fui pro segundo turno. E não ganhei porque a Globo me roubou. A Globo
fez aquela mutreta do debate, reconhecido pelos diretores da Globo da
época.
Bem, então eu sou abençoado por Deus,
então quero terminar dizendo pra vocês o seguinte: eu tô muito de bem com a
vida. A Lava Jato desapareceu da minha vida. Eu não espero que as pessoas que
me acusam parem de me acusar, não espero.
Eu estou satisfeito que tenha sido
reconhecido aquilo que os meus advogados vêm dizendo há muito tempo: o
presidente é inocente, o presidente não é dono do apartamento.
Nós derrubamos 11 ações ao longo de
cinco anos. Ou seja, nós tivemos 100% de êxito na decisão do Fachin. De
repente, eu tinha quatro processos e eles desapareceram. Por que o Fachin não
fez isso antes? Eu estou dizendo isso há cinco anos.
Eu sei que é constrangedor para muita
gente que me acusou, parar de acusar. É duro, porque quando você envereda no
caminho da mentira, é difícil voltar atrás. Mas olha como eu estou muito mais
sereno do que o William Bonner ontem dando a notícia. Ó como eu estou com o
semblante tranquilo, de que a verdade venceu, de que a verdade vai continuar
vencendo.
Por isso, companheiros e companheiras,
eu quero dizer para vocês: eu quero dedicar o resto de vida que me sobre, e eu
espero que seja muita, muita eu espero. A gente começa a gostar da vida quando
está mais próximo do céu. Eu quero voltar a andar por esse país para conversar
com esse povo.
O povo não tem o direito de permitir que
um cidadão que causa os males que o Bolsonaro causa ao país continue governando
e continue vendendo o país. Eu não sei qual é a atitude, mas alguma atitude nós
vamos ter que tomar, companheiros, para que esse povo possa voltar a sonhar.
Esse país já sonhou, esse país já
realizou. Ô, gente, a gente sonhava em fazer esse país ser grande. Nós
construímos e fortalecemos o Mercosul. Nós construímos a Unasul, porque a gente
queria criar um grande bloco econômico latino americano, um bloco de 400
milhões de habitantes, de um PIB razoavelmente grande, para negociar em
condições de igualdade com a Europa.
Porque a Europa só quer negociar para
eles venderem os produtos industriais deles e a gente vender os produtos
agrícolas. Não. A gente não quer fazer do agronegócio, a gente respeita o
agronegócio, eu acho que o agronegócio tem muita tecnologia, é muito
importante, mas o Brasil quer ser um país industrializado. O Brasil quer ter
novas indústrias, o país quer ter novas tecnologias.
A gente sonhava com isso. Nós criamos os
Brics, nós criamos o banco dos Brics, nós criamos o banco do Sul. O Brasil
tinha um projeto de nação, o Brasil tinha um projeto de soberania. Porque faz
500 anos que nós fomos descobertos.
Quando é que nós vamos tomar conta do
nosso nariz? Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença pra
respirar para o governo americano? Quando é que eu vou levantar de manhã
sabendo que o meu povo está tomando café, que ele vai almoçar e vai jantar, que
as crianças estão na escola, que as crianças estão tendo acesso à saúde e à
cultura? Quando é que nós vamos acordar? Isso é possível. Nós provamos isso.
Então, companheiros e companheiras, é
pela construção desse sonho e ajudar a torná-lo realidade que eu me sinto muito
jovem. Me sinto jovem para brigar muito. Então, eu queria que vocês soubessem:
desistir, jamais; a palavra desistir não existe no meu dicionário.
Eu aprendi com a minha mãe: lute sempre,
acredite sempre, tente sempre, porque se a gente não acreditar na gente,
ninguém vai acreditar. Se você não se respeitar, ninguém vai ter
respeitar.
Às pessoas que me destratam durante
todos esses anos, eu quero dizer pra vocês. Eu quero conversar com a classe
política. Porque, muitas vezes, Haddad, muitas vezes, Boulos, muitas vezes, a
gente se recusa a conversar com determinados políticos; é da nossa natureza.
Mas veja, eu gostaria que no Congresso
Nacional só tivesse gente boa, gente de esquerda, gente progressista, mas não é
assim. O povo não pensou assim. O povo elegeu quem ele quis eleger. Nós temos
que conversar com quem está lá para ver se a gente conserta esse país.
Eu preciso conversar com os empresários.
Eu quero saber aonde é que está a loucura deles de não perceberem que, se eles
quiserem crescer economicamente, se eles quiserem que a bolsa cresça, se eles
quiserem que a economia cresça, é preciso garantir que o povo tenha emprego,
que o povo tenha renda, que o povo possa viver com dignidade, senão não há
crescimento.
Será que é difícil ou será que nós vamos
ficar reféns do “Deus mercado”, que só quer ganhar dinheiro não importa como?
Nós já vimos a experiência da crise de
2008, com o subprime americano e, depois, com a quebra do Lemman Brothers. E
quando eles quebram, quem é que coloca dinheiro para salvá-los? O Estado! O
Estado que eles repudiam, o Estado que eles destroem. Quando eles quebram, quem
põe dinheiro é o Estado pra salvá-los.
Nos Estados Unidos, quando quebrou o
sistema habitacional pela bolha, com o subprime, eles ajudaram primeiro os
bancos, para somente depois pensar nos coitados que perderam as casas. Quando é
que a gente vai pensar nos debaixo primeiro?
Então, não tenham medo de mim. Eu sou
radical. Eu sou radical porque eu quero ir à raiz dos problemas desse país.
Eu sou radical porque eu quero ajudar a
construir um mundo justo. Um mundo mais humano. Um mundo em que trabalhar e
pedir aumento de salário não seja crime. Um mundo em que a mulher não seja
tripudiada por ser mulher. Um mundo em que as pessoas não sejam tripudiadas por
aquilo que querem ser. Um mundo em que a gente venha a abolir definitivamente o
maldito preconceito racial nesse país. Um mundo que não tenha mais bala
perdida. Um mundo em que o jovem possa transitar livremente pelas ruas de
qualquer lugar sem a preocupação de tomar um tiro.
Um mundo em que as pessoas sejam felizes
onde quiserem ser, que as pessoas sejam o que elas decidirem. Um mundo em que a
gente tem que respeitar a religiosidade de cada um, cada um é o que quer, cada
um tem a espiritualidade que quiser. Ninguém é obrigado a ser da minha
religião, seja a que você quiser, a que você acredita. As pessoas podem ser
LGBT, e a gente tem que respeitar o que as pessoas fazem. Esse mundo é
possível, esse mundo é plenamente possível.
[ E Lula conclui com uma ressonância da
conjuntura, fraterna, preocupada, pedagógica, gritando objetivamente a sua
diferença de natureza em face do bolsonarismo reinante. ]
“E é por isso que eu convido vocês para
a gente lutar nesse país para garantir que todo, todo, todo brasileiro,
independentemente da idade, tome vacina.
E, para isso, a gente tem que obrigar o
governo a comprar a vacina, mas, ao mesmo tempo, nós temos que brigar pelo
salário emergencial, e ao mesmo tempo brigar por investimento em geração de
emprego, sobretudo a partir de infraestrutura.
Temos que brigar por uma política de
ajuda aos microempreendedores, ao pequeno empresário brasileiro, que não se
suporta e quebra. Quantos restaurantes estão fechando? Quantas farmácias estão
fechando. Quantas lavanderias estão fechando. Quantos institutos de beleza
estão fechando? Para que que existe governo? É para tentar encontrar solução
para essa gente.
Então, gente, eu agora quero pedir
desculpas a vocês, porque como o Gilmar Mendes falou muito ontem, eu também
falei muito hoje, mas vocês hão de convir que faz cinco anos que eu não falo
com a imprensa.
Você sabe qual foi a última vez que dei
uma entrevista pra televisão? Foi pro Roberto D'avila, na Globonews, há uns 5
ou 6 anos atrás. Uns 4 anos atrás.
Eu virei uma espécie de vírus: não
encosta no Lula, não ouça o Lula. Uma vez eu fui condenado a três anos de
cadeia em Manaus. Sabe qual era a minha arma? O juiz disse que eu tinha a
língua felina. Então, eu quero dizer pra vocês, para defender o povo
brasileiro, para defender as coisas que vão salvar esse país, vou continuar com
minha língua felina.
E quero agradecer porque, se não fossem
vocês, possivelmente eu não teria chegado aqui. Muito obrigado.”