Que
Haruki Murakami era o meu escritor preferido, isso eu já sabia com certeza desde Outubro. Que ele sabia escrever romances a desafiar o sentido da lógica e do que é racional, disso eu também já tinha conhecimento e experiência própria. Agora que a sua vida era desta forma, isso admito que não fazia a mínima ideia - e que com esta obra deixaria de gostar apenas do autor, e passaria a gostar essencialmente
da pessoa por trás dos livros. Não estão bem a perceber: «
Auto-Retrato do Escritor enquanto corredor de fundo» volta a surpreender-me, mesmo depois de tantas surpresas que Murakami já me deu este ano.
Em Fevereiro li «Sputnik, Meu Amor». Pensei: "Olha, este autor até me surpreendeu pela positiva. Tenho de ver de mais livros dele!". Em Março li «A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol», e pensei: "Bem, estou a ver que o outro livro não foi excepcção. O japonês é mesmo bom nisto!". Em Outubro, depois de ter acabado «Crónica do Pássaro de Corda», cheguei à conclusão que provavelmente aquele era o meu livro preferido de sempre. E não é que ele volta a superar todas as minhas expectativas com este ensaio autobiográfico??
É de malucos pensar que é possível! Neste livro, Haruki Murakami parte, no início de cada capítulo, do tema «corrida». É que, desde os trinta anos, ele tem uma rotina diária de corredor de fundo (de longas distâncias). Corre uma hora por dia em média. Participa em uma maratona por ano - e já tem 60 de idade (embora, muito sinceramente, não pareça). Mas vai divagando... passa pela sua vida, pela forma como escreve os romances, pela sua relação consigo mesmo, pelos seus sentimentos e a sua maneira de ser... abre a sua alma aos leitores. Chega a ser em certos momentos demasiado directo. Diz aquilo que pensa sem rodeios. E retrata-se de uma forma maravilhosa de se ler.
É que ao longo das quase 190 páginas não há um único momento considerado chato! Ele vai divagando, pega num assunto, depois noutro, mas nem por um momento sentimos vontade de pôr o livro de lado! O que sente enquanto corre. O que sente enquanto escritor. O que sente enquanto pessoa. Queria também realçar, embora nunca tenha dito isso, que a tradução dos livros de Murakami para português, feita por Maria João Lourenço, é de louvar - é que uma má tradução pode "matar" uma obra excelente, e tenho a certeza que neste caso é ao contrário; só ajuda ainda mais!
Um livro excelente, que me surpreendeu (a pergunta é: porque é que me continuo a surpreender?) e mudou um pouco a minha forma de ser, provavelmente mais do que qualquer livro que li este ano. Certos ensinamentos, ou conclusões, ecoam-me na cabeça. Indispensável para quem já leu e gostou de um livro dele, este ensaio autobiográfico, este tratado sobre a corrida à la murakami, deixou marcas em mim. E está novamente de parabéns, senhor Murakami!
Páginas: 186
Nota (0/10): 10 - Perfeito!
Tiago