quarta-feira, 7 de novembro de 2018
minhas primeiras vezes
comecei bem depois das primeiras vezes, pelo J. guardei por décadas o tabu da nudez associado às promessas de futuro. J. perfurou minhas idealizações: eu dizia que não, que antes do corpo, vinha o amor, ele insistiu com as palavras, acelerou o carro, e me conduziu a um caminho (sem volta). o lençol esticado era laranja, e a cama se denunciou a espera de alguém. por acaso parecia que J. tinha o mapa da minha pele, e ele sabia exatamente os cumes e os vales de minha geografia humana. seu orgasmo se prolongava em um gemido contínuo, que se repetia até J. descansar os membros. ao acordar, J. misturava seu hálito no meu, e assim amanhecíamos o corpo. depois dos encontros, meu corpo não adormecia, eu então prorrogava J. eu e ele duramos quase 30 noites, e algumas manhãs. ele carecia de um mundo, e tentava entrar nos meus trilhos sem bagagem. queria viver a vida que eu tinha, em tempo integral. eu precisava de intervalos. ele seguiu, eu fiquei.
conheci R. conheci mais de mim. R. é minha versão masculina com maior nível de dramaticidade, em um tempero pra lá de mexicano. ele contava sua história sem edição, sem cortes, sem pausa. eu nem piscava. ele era o melhor filme da minha vida. com R. eu não tentei evitar, pois como eu disse, J. me guiou pra um caminho (sem volta). encontrei R. horinhas antes do rock, com um tempo programado entre ponteiros. R. entendeu o correr do relógio, e fez pausa em sua narrativa oral. estávamos no sofá improvisado no corredor, coberto por uma colcha de retalhos apaixonante, de um lado um vaso preenchido de plantas, de outro uma rede intensamente amarela. começamos pelo sofá. depois a cama, seguida do amanhecer. perdíamos a hora, a bússola, a fome, e o sono. uma noite R. não fez introdução: arremessou todos os objetos da mesa maciça de madeira ao chão, e me esparramou no lugar deles. penetrou sem preliminares. bruto. este foi nosso encontro mais breve. na passagem do dia pra noite, R. me pediu pra dançar. eu custei a escolher a música. fechei os olhos, e tremi cada centímetro do meu corpo. quando olhei, R. estava encostado na parede, vestido apenas de seu violão bem no contorno de suas curvas. eu nunca esqueci essa imagem, tenho-a fotografada em meu baú de lembranças. foi com R. que duvidei da dor. ele tinha os dentes caninos afiados, e gostava de deixar marcas em minha cintura. ele perguntava se era para parar, eu dizia que nunca. os roxos eram a melhor forma de ter R. em mim pelos dias seguintes. porém, não seguimos. R. seguiu sendo minha alma gêmea, mas sem mim.
foi quase impossível continuar sem R. tive abstinência. eles não sabem, mas todos depois de R, foram os "homens depois de R." eis o máximo de mim.
veio o E. sistemático, comia os mesmos sabores todos os dias, reprisava a vida diariamente, não alavancava. penetrou em um única posição. desabafou seu incômodo pela velocidade da nossa primeira vez. eu não quis confortá-lo. eu disse: era um caminho (sem volta). logo, não voltei, e deixei-o seguir.
na mesma época, A. domador de cavalos e intérprete de cinema. o que antes eu pensava ser cena somente vista em telões, eu vivi entre várias paredes. A. sustentava meu corpo no seu, e me devolvia em todos os cantos do mundo. a cada tentativa minha de mudar o episódio, A. imobilizava minha mão, e assumia o controle novamente. uma noite A. vendou meus olhos, e percorreu meu corpo sem roteiro. ele gostava dos corredores, esses espaços inabitados. me colocava com o rosto de frente para a parede, segurava minhas mãos, e explorava meu território. um ogro. A. não sabia falar de amor, minha necessidade vital. por isso, também o deixei. nem eu, nem ele, olhamos pra trás.
por último, e mais importante, veio o T. com sonho velejante e ritmo de rock. depois de todos, mesmo depois de R., eu o escolhi (mesmo sem saber a recíproca). T. chegou de mansinho, falando baixo, pausadamente. desaceleramos. ele não era daqui, nem de Belo Horizonte, nem deste planeta. deixou-me guiá-lo pelas minhas esquinas preferidas desta cidade. descobri com T. o que é ser um homem canceriano. T. me beijava inteira, por horas, sem perder nenhuma quina (a não ser o óculos e o computador). descia um pouco, mas sempre retornava aos olhos, me beijava a face, e delicadamente a testa. enquanto isso, também me abraçava, ia colando meu corpo no dele, fundindo minha pele na dele. por vezes, desacreditei de seu desmedido carinho. duvidava ser pra mim, achava que era dele mesmo, assim, sem dedicatória. T. foi o único que eu escolhi, mas isso de nada garantiu que do outro lado ele também fizesse o mesmo.
terça-feira, 6 de novembro de 2018
tragédia entre molduras
quando há qualquer fresta de dor, aumento logo o volume, fecho as cortinas, anoiteço, fixo as retinas em memórias, naufrago em um desejo que nunca chega lá. se for pra morrer, que seja de amor, ou de dor. a dor é um tipo de amor?
hoje reencontrei uma amiga que fiz no palco. a gente sonhou em ser atriz, e acabou sendo, mas na vida real. interpretamos muitas de nós mesmas, porém, sem máscaras. ela tem meu nome, e muito mais do que isso. ficou por horas ouvindo meus romances encerrados dramaticamente em lágrimas. achou bonita a tragédia de se sofrer por alguém, porque um grande amor pede um grande fim. no mínimo Romeu e Julieta.
sábado, 3 de novembro de 2018
quanto tempo o tempo tem?
o tempo do nascimento e da despedida do sol se revela nos relógios. o tempo das estações marcam o 365 dias em folhas de calendários. um tempo de ponteiros, outro de papel. daqui, eu posso afirmar que há um terceiro tempo, e que por vezes, há noites que não passam ainda que a lua venha dizer o contrário.
quinta-feira, 1 de novembro de 2018
tempos nublados
nuvens são presságios. toda vez que alguém se revela nublado, é urgente chover. tem gota que se deixa acumular, e explode tempestuosamente. talvez o melhor seja garoar de tempos em tempos.
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