quarta-feira, 7 de novembro de 2018
minhas primeiras vezes
comecei bem depois das primeiras vezes, pelo J. guardei por décadas o tabu da nudez associado às promessas de futuro. J. perfurou minhas idealizações: eu dizia que não, que antes do corpo, vinha o amor, ele insistiu com as palavras, acelerou o carro, e me conduziu a um caminho (sem volta). o lençol esticado era laranja, e a cama se denunciou a espera de alguém. por acaso parecia que J. tinha o mapa da minha pele, e ele sabia exatamente os cumes e os vales de minha geografia humana. seu orgasmo se prolongava em um gemido contínuo, que se repetia até J. descansar os membros. ao acordar, J. misturava seu hálito no meu, e assim amanhecíamos o corpo. depois dos encontros, meu corpo não adormecia, eu então prorrogava J. eu e ele duramos quase 30 noites, e algumas manhãs. ele carecia de um mundo, e tentava entrar nos meus trilhos sem bagagem. queria viver a vida que eu tinha, em tempo integral. eu precisava de intervalos. ele seguiu, eu fiquei.
conheci R. conheci mais de mim. R. é minha versão masculina com maior nível de dramaticidade, em um tempero pra lá de mexicano. ele contava sua história sem edição, sem cortes, sem pausa. eu nem piscava. ele era o melhor filme da minha vida. com R. eu não tentei evitar, pois como eu disse, J. me guiou pra um caminho (sem volta). encontrei R. horinhas antes do rock, com um tempo programado entre ponteiros. R. entendeu o correr do relógio, e fez pausa em sua narrativa oral. estávamos no sofá improvisado no corredor, coberto por uma colcha de retalhos apaixonante, de um lado um vaso preenchido de plantas, de outro uma rede intensamente amarela. começamos pelo sofá. depois a cama, seguida do amanhecer. perdíamos a hora, a bússola, a fome, e o sono. uma noite R. não fez introdução: arremessou todos os objetos da mesa maciça de madeira ao chão, e me esparramou no lugar deles. penetrou sem preliminares. bruto. este foi nosso encontro mais breve. na passagem do dia pra noite, R. me pediu pra dançar. eu custei a escolher a música. fechei os olhos, e tremi cada centímetro do meu corpo. quando olhei, R. estava encostado na parede, vestido apenas de seu violão bem no contorno de suas curvas. eu nunca esqueci essa imagem, tenho-a fotografada em meu baú de lembranças. foi com R. que duvidei da dor. ele tinha os dentes caninos afiados, e gostava de deixar marcas em minha cintura. ele perguntava se era para parar, eu dizia que nunca. os roxos eram a melhor forma de ter R. em mim pelos dias seguintes. porém, não seguimos. R. seguiu sendo minha alma gêmea, mas sem mim.
foi quase impossível continuar sem R. tive abstinência. eles não sabem, mas todos depois de R, foram os "homens depois de R." eis o máximo de mim.
veio o E. sistemático, comia os mesmos sabores todos os dias, reprisava a vida diariamente, não alavancava. penetrou em um única posição. desabafou seu incômodo pela velocidade da nossa primeira vez. eu não quis confortá-lo. eu disse: era um caminho (sem volta). logo, não voltei, e deixei-o seguir.
na mesma época, A. domador de cavalos e intérprete de cinema. o que antes eu pensava ser cena somente vista em telões, eu vivi entre várias paredes. A. sustentava meu corpo no seu, e me devolvia em todos os cantos do mundo. a cada tentativa minha de mudar o episódio, A. imobilizava minha mão, e assumia o controle novamente. uma noite A. vendou meus olhos, e percorreu meu corpo sem roteiro. ele gostava dos corredores, esses espaços inabitados. me colocava com o rosto de frente para a parede, segurava minhas mãos, e explorava meu território. um ogro. A. não sabia falar de amor, minha necessidade vital. por isso, também o deixei. nem eu, nem ele, olhamos pra trás.
por último, e mais importante, veio o T. com sonho velejante e ritmo de rock. depois de todos, mesmo depois de R., eu o escolhi (mesmo sem saber a recíproca). T. chegou de mansinho, falando baixo, pausadamente. desaceleramos. ele não era daqui, nem de Belo Horizonte, nem deste planeta. deixou-me guiá-lo pelas minhas esquinas preferidas desta cidade. descobri com T. o que é ser um homem canceriano. T. me beijava inteira, por horas, sem perder nenhuma quina (a não ser o óculos e o computador). descia um pouco, mas sempre retornava aos olhos, me beijava a face, e delicadamente a testa. enquanto isso, também me abraçava, ia colando meu corpo no dele, fundindo minha pele na dele. por vezes, desacreditei de seu desmedido carinho. duvidava ser pra mim, achava que era dele mesmo, assim, sem dedicatória. T. foi o único que eu escolhi, mas isso de nada garantiu que do outro lado ele também fizesse o mesmo.
terça-feira, 6 de novembro de 2018
tragédia entre molduras
quando há qualquer fresta de dor, aumento logo o volume, fecho as cortinas, anoiteço, fixo as retinas em memórias, naufrago em um desejo que nunca chega lá. se for pra morrer, que seja de amor, ou de dor. a dor é um tipo de amor?
hoje reencontrei uma amiga que fiz no palco. a gente sonhou em ser atriz, e acabou sendo, mas na vida real. interpretamos muitas de nós mesmas, porém, sem máscaras. ela tem meu nome, e muito mais do que isso. ficou por horas ouvindo meus romances encerrados dramaticamente em lágrimas. achou bonita a tragédia de se sofrer por alguém, porque um grande amor pede um grande fim. no mínimo Romeu e Julieta.
sábado, 3 de novembro de 2018
quanto tempo o tempo tem?
o tempo do nascimento e da despedida do sol se revela nos relógios. o tempo das estações marcam o 365 dias em folhas de calendários. um tempo de ponteiros, outro de papel. daqui, eu posso afirmar que há um terceiro tempo, e que por vezes, há noites que não passam ainda que a lua venha dizer o contrário.
quinta-feira, 1 de novembro de 2018
tempos nublados
nuvens são presságios. toda vez que alguém se revela nublado, é urgente chover. tem gota que se deixa acumular, e explode tempestuosamente. talvez o melhor seja garoar de tempos em tempos.
domingo, 28 de outubro de 2018
{par} de asas
um pássaro voa sem obstáculo, o céu lhe surge livre, com nuvens que se desmancham em sua passagem. com toda essa liberdade, um pássaro sempre encontra outro pássaro. no mundo das asas, voa-se em bandos.
quinta-feira, 25 de outubro de 2018
falar salva!, porém...
falar recupera o fôlego depois do mergulho, te faz explodir a bolha da imaginação, atravessar a ponte e chegar do lado de lá. falar te faz sair da sala de embarque e desembarque, te faz reparar as asas quebradas com o silêncio, e abrir as janelas outra vez. falar traduz nosso coração em linguagem (quase) universal, falar comunica, permite o fluxo de um mundo pro outro. falar requer valentia pra assumir as consequências das palavras, da sina de ser o que se é, e sentir o que se sente. falar te faz pular de cima do muro e se posicionar em quinas das suas verdades. falar desabrocha, convida a pétala pra dançar, faz vontade da semente virar flor. falar com letras gentilmente costuradas é um tipo de abraço, falar cuida, protege o outro de navegar em interpretações sem bússola. falar te dá um endereço, te localiza em uma esquina, e amplia as fronteiras de um corpo aparentemente reduzido à física. falar é um abandono do egoísmo de seguir só pra alto mar, falar constrói portos. porém, e mais importante que tudo, falar de amor, não é amar.
sexta-feira, 19 de outubro de 2018
sem ar
do sul, fui pro norte de Minas. agradeci pela distância [geográfica], e pela impossibilidade de esbarrar em você. na vinda, te procurei entre os carros da estrada, sonhando com aquelas coincidências de cinema. escolhi trilhas sonoras pras 12 horas de viagem, e todas, invariavelmente, lembravam você. faltou fôlego, eu inspirei ar, e me sufoquei de você. agradeci pelo engarrafamento, por cada caminhão que esticava as horas, e atrasava meu retorno pra esse canto de memórias nossas. cheguei em casa, e não tinha carta sua, não tinha nada seu: só o silêncio que você insiste em prolongar, sem ar.
terça-feira, 9 de outubro de 2018
carta pra você
sempre acreditei no poder das palavras, logo, no poder das cartas. acho bonito letras grafadas no papel, e mais bonito ainda a ideia um tanto quanto romântica de que penso em você enquanto escrevo. acabei de ver o filme "Enrolados" e uma cena lembrou você. foi quando ele disse a ela que o sonho dele tinha se transformado nela. confesso que chorei, e que costumo me inundar com declarações de amor. mas ao mesmo tempo me veio você, na minha varanda, desabafando seu medo de guardar os remos ao tropeçar em um romance. eu sei que te prometi com palavras ditas e escritas na parede, porém, as cravadas em cartas têm maior valor, e por isso, refaço aqui nosso pacto velejante. moço bonito, te conheci já dentro de um sonho, e desde aquela noite às margens do Maleta eu pisei no barco seu. quero te dizer que sonho é coisa séria, sagrada, coisa imensa, e que eu não costumo roubar os amanhãs. pelo contrário: invisto na costura do futuro. sei também que palavras (ditas, escritas ou pensadas) não valem mais que os fatos, e pensando nisso te convido a me deixar tecer o sonho seu enquanto ainda estivermos em solo firme. te convido a construirmos uma despedida consciente, que pode, quem sabe, ser apenas física, ou nem isso. te convido a sonhar o sonho seu comigo, na certeza da concretização. te peço: venha sem medo, eu não sou feita de âncoras.
te espero, sem rascunho e com saudade.
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
para Catarina
Catarina, não reparava tanto em bebês, até você nascer. depois de você, observei que os pequenos trazem um infinito interior antes do mundo surgir com uma fórmula não tão mágica. em seus 10 meses, você sorri pra qualquer par de olhos que te atravesse, apesar do meu confesso egoísmo em te querer como melhor amiga. te vendo assim, meu peito enche de esperança, ao notar sua habilidade em estar em tantas es(quinas) de pensamentos, sempre com muito coração. guiada pelos olhos curiosos de quem vê e sente pela primeira vez, você tudo escuta, se faz radar. seus pés fazem força pra voar toda vez que um pássaro contorna o nosso céu. agora que sabe apontar, começo a conhecer seus caminhos, e eu prometo, te deixar ser sua própria guia. você vibra com tudo o que respira, e tem sido o maior dos privilégios te acompanhar em suas descobertas. e são tantas, que você não quer perder tempo dormindo, né? antes de você, a saudade não doía tanto, pode isso? será que temos gavetas pelo corpo guardando amor pelos anos afora? amor que eu nem imaginava existir, e quando te vi, já era
um tempo pra chamar de meu
corre, que lá vem o trem. o ônibus acabou de passar, seu amor também. a água já ferveu. o despertador ainda toca. está na hora do próximo evento. pressa, menina. o prazo do relatório se esgotou. o sinal já vai abrir, e você perdeu os olhos nas folhas se despedindo das árvores. amanhã é dia de prova. por ali, já anoitece. o desejo é pra agora. parece que vai chover. tá na hora de dormir-acordar-passear-comer. corre. não se atrase pra viver.
{não. eu não vou correr. por aqui, pausa. há anos que meu relógio parou}
eis a diferença entre um e todos os outros
tem sonho que é de asa, e tem sonho que é de remo. tem gente que é de porto, e tem gente que o mundo é pequeno. tem corpo que encontra abrigo entre paredes, e tem corpo que mora no fundo do mar. tem gente que segue em frente, e tem gente que se deixa guiar. tem desejos de casa própria, e tem desejos de velejar. ✨✨
ele no mundo
descobridor de sete mares,
desbravador de oceanos atlânticos,
encantador de tartarugas,
aspirante à peixe espada,
escalador de céus sem nuvens,
decifrador de códigos fonte,
realizador de sonhos,
morador sem endereço,
domador de contra baixos,
compositor de uma história velejante,
mestre em dar nós em fios de cabelo,
admirador da lua,
semeador de paixões,
catador de esperanças,
amante de gatos,
proprietário dos melhores abraços,
engavetador do meu coração,
e exterminador do (nosso) futuro.
quando eu te deixei ir, e você ficou
teus olhos, ancorados no barco de amanhã, não me perguntam nada. já os meus pares de retina, filosoficamente, persistem numa interrogação que não ouso formular. tu não terias as respostas. estão todas cuidadosamente guardadas no silêncio do meu corpo, nas tantas possibilidades de céus de um dia após o outro, e no vapor que se respira quente do café que é das manhãs. e assim teu sossego encontrou o meu, num desencontro físico, na calada das inquietações. respirar salva!
- por mim e para mim
segunda-feira, 17 de setembro de 2018
domingo, 9 de setembro de 2018
um bom lugar pra ser perder
escrevo pra me salvar da próxima curva, quando um perde o outro de vista, quando um segue, e o outro fica. (é importante, apesar do estado de nuvens, eu deixar os pés no chão sobre nossa despedida. eu olho pra você e sinto que ao mundo pertences, e que, talvez, um cep não caiba teu corpo de mar). escrevo pra te guardar na minha gaveta, e poder re(ler) você sempre que a maresia acontecer. escrevo pra prolongar essas horas que duram dias, pra ver se acerto o relógio de amanhã. é que desde ontem vendo você trajado de sua pele rosê fiquei com o coração exposto pro mundo, e agora, pra mim. o ritmo seu, que é também ritmo meu. um encontro temporal, o nosso. com tempo de olhar tanto seus olhos até descobrir todas as cores de suas retinas, de abraçar todos os seus endereços, de acordar e respirar seu cheiro. dos seus esquecimentos, espero o dia que esquecerás você por aqui, nesse nosso universo paralelo. que te percas por aqui, em mim, sem nunca mais encontrar o caminho de volta. acho que é seguro se perder assim. também preciso negritar que quando criança, era comum brincarmos de sonhos e de futuro. depois disso, não mais ouvi falar de quem tivesse sonhos do tamanho da infância, com exceção de você, que quer o oceano, o infinito, uma vida a beira-mar. que tipo de homem pode haver por trás de um sonho velejante? (...)
quarta-feira, 1 de agosto de 2018
eu te peço: fica um pouco mais.
ontem eu esqueci que sempre sinto medo nas ruas enluaradas e desertas de movimentos. fechei os olhos e me encolhi entre seus braços e abraços. desviei qualquer sinal de ponteiros. me desprotegi do mundo e me apoiei em teu querer. respirei seu cheiro espalhado pela pele e misturado nas margens de sua roupa. enchi e esvaziei o peito algumas vezes, eu sabia exatamente o que se passava. pela segunda vez, desde então. não encontrei as palavras certas pra traduzir meu corpo trêmulo. eu também quis evitar declarar meu universo pra você assim tão de repente. achei que você poderia desaparecer logo no próximo amanhecer. guardei as palavras, mas bem sei que meus olhos exalavam letras garrafais. eu me fiz prova de mim mesma. me denunciei. me condenei a quem sabe aos amanhãs dos passos seus. quem sabe... eu não sei. seus lábios tocaram os meus por questão de segundos que se esticaram em horas, em tantas horas, que ainda não me desfiz de você. eu disse que não tinha segredos, mas me despedi de você com um deles, a beira de suas conchas. se há pra nós um filme de nome medianeiras, se há tempos que não acho outro alguém, você há de ser meu "wally" do mundo real. me queira também, e bem.
quarta-feira, 23 de maio de 2018
vim de lá, e vou pra lá
vim de lá, de um mundo bem particular. debruçava-me em olhos, e desmanchava-me em versos. enxergava poesia no sertão, e só percebia a seca depois de atravessar a estação. todo ano era a mesma cena, e nada de eu aprender a abandonar a vontade do mar. a miragem me tirava do conforto, e os passos nunca que me levavam até um porto. duvidei então da existência de um aconchego, e acreditei que a falta de ar era impulso pro lado de lá.
um balanço de idas e vindas
fio a fio foram se encaracolando no vento que se inventava a cada ida e vinda do balançar da menina. os cabelos envolvidos na trança se atreviam a sair do contorno e espiar o sopro; e quando voltavam, não mais retornavam. os braços da menina seguravam as cordas nas laterais do balanço e suas pernas guiavam a corrente de ar que ali se descobria. os pés se protegiam do chão, e o corpo ganhava impulso a cada vez que se aproximava do céu. interessante era notar que os picos se revelavam nos caminhos de ida e de volta, e que a chegada era o desfrute da partida. tudo dependia então da forma como se iniciava o impulso, do tanto que fôlego que se depositava na largada.
tu que não sei porque deixo ficar
tu que vens sem acessórios, sem polidez, sem lapidação. vem sem censura, sem jeito, sem costura. tu que chegastes sem abraço, sem carinho, sem aconchego. tu que vais sem despedida, sem amanhecer, sem café da manhã. tu que ainda assim fica, sem futuro, sem pedido, sem as chaves. tu que segues nos amanhãs sem me reservar um endereço. tu que não sei porque deixo voltar. a tua distância se revela abismo e eu me pus a construir pontes que me levem até o canto onde você se esconde. sim, há um esconderijo. as vezes te descubro nos olhos, outras nas interrogações. te capturo nos descuidos, nas intenções, nas minhas tantas interpretações. te leio o dia inteiro, e assim meus mil devaneios. uso lupas de fazer enxergar teu coração. te amplio, te exagero, te faço oceano. tu que me travastes na dúvida, na incerteza, na insegurança. tu que me faz engolir seco cada pergunta que ressoa a cada segundo. então parei. parei pra deixar você passar, mas principalmente pra te fazer tropeçar (em mim). estou me colocando em seu caminho, me incluindo em seus dias, to me desenhando em sua paisagem. estou aos poucos ficando.
quarta-feira, 18 de abril de 2018
sobre uma adolescente que ainda consegue sonhar...
o pai e a mãe foram assassinados na sua frente aos 5 anos, a tia a acolheu e a colocou na rua depois de um mês, os irmãos foram adotados, disse que quem tem boca vai a Roma, e que foi com essa frase que aprendeu a viver, aos 10 foi para um abrigo, onde não suportou estar por realçar o abandono, aos 12 voltou às ruas, aos 16 começou a fazer programas para se sustentar, o crime nunca foi uma opção, ela sabia que os pais a olhavam lá de cima, fez oficina de pintura, quando desenhava mesas longas com um banquete em família, tem o sonho de ser chefe de cozinha, e inventar novos pratos, pois afirma ser ótima na culinária, de tudo diz ter virado as costas para os problemas, e ter compreendido que os pais não voltariam. sentiu vontade de chorar, segurou, disse que a maioria dos seres humanos demonstram fraqueza com lágrimas, eu falei que ela podia chorar, e que por isso eras muito forte, ela então se ergueu em lágrimas.
terça-feira, 17 de abril de 2018
importa
importa a fase da lua: admito, prefiro quando és cheia. importa se a flor desabrocha e a pétala sai pra dançar. importa se você vai pra "esquerda" ou pra "direita". importa se alguém me recebe com um abraço feito pra durar. importa se ele me inclui no amanhecer. a trilha sonora? muito me importa. conseguir ver o por do sol importa. amar Catarina, muito mais. importa se o texto consegue sair do papel, e se a leitura e a escrita alcançam a vida prática. importa se os sonhos têm força de realidade, e se a gente tem coragem de sonhar. importa saber se você encara a curva. importa ver meu pai misturado nas plantas, e ver como ele compõe a paisagem. importa se meu trabalho se faz fonte de vida ou somente de renda. importa se há amor nas relações. importa desacelerar e respirar profundamente. importa ouvir minha mãe reclamar, eu aprendi, esse é jeito dela amar.
sábado, 17 de março de 2018
quarta-feira, 14 de março de 2018
anne com e: uma série pra chamar de minha
naquele instante entre o claro e o escuro, quando o sol encontra brechas entre as nuvens, colore as superfícies, e ás aguas se fazem cintilantes. nesse intervalo a menina ruiva seguia com sombras desenhadas em suas sardas por debaixo do chapéu. ela tinha o poder do encantamento, de tornar suas as paisagens, e não deixar nenhum canto de oceano se desfazer sem antes congela-lo em sua mente. ela dizia que nenhuma imaginação poderia alcançar a maravilha de ter a sua frente a beleza da natureza. gostava de certas palavras, de pronunciar fio a fio, letra por letra, achava bonita a palavra gloriosa, tão pouco dita e com tanto a dizer. essa menina desejava tão profundamente que suas vontades escapavam-lhe do corpo e rapidamente chegavam em outros. seus olhos diziam verdades, e da verdade, quem escaparia? ela apreciava as flores, e queria plantar jardins a cada passo seu. do único vestido que tivera, ficara incontrolavelmente feliz com a possibilidade de uma nova costura lhe abraçar a pele, e quem sabe com babados e rendas. tinha essa sina de ser poesia a cada sílaba. quando magoada disparava a correr, ia deixando a raiva nas gotas de suor, até chegar a beira do abismo, obrigando-a a respirar. retornava a passos lentos, com a sabedoria de quem deixa pra trás sentimentos que inspiram corridas ofegantes, mas sem recuar de suas verdades. por ora, ainda tropeçava nas palavras engasgadas, e perdia o ar nas respostas vindas diretamente da emoção. aos poucos aprendia a deixar os ouvidos reservados para aquilo que lhe fazia sentido, e incluía um rastro de ponderação em suas narrativas. o tom ruivo lhe margeava em tranças paralelas, cujos fios brilhavam mais sempre que as tranças se desfaziam. suas curvas eram próximas aos ossos, e seu corpo se apresentava forte para qual fosse a tempestade. antes de chegar, entregava o peito, destemida, segura de sua rima interior.
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
de filha pra mãe
desde criança, quando nem tinha horário marcado pra acordar, mamãe dizia que trabalho era pra sobreviver, e que não cabia sonhos nessa função. eu acho que mamãe nunca sonhou, nem com trabalho, nem com outras coisitas más. eu tenho dúvidas se a vida lhe foi dura, ou se ela endureceu ao longo da vida. no que me cabe, tento amolecer seu corpo com abraços mais longos que os minutos por ela programados. fico naquele abraço até sentir as mãos me soltarem, quando então eu digo: mamãe, fica mais um pouco por aqui. e ela fica, cheia de amor, feliz porque eu peço pra morar por ali. mamãe sempre teve despertador, até nos domingos de manhã. depois de muitos anos, ela decidiu trabalhar menos, eu achei que então ela teria mais tempo. mas não. mamãe ocupou cada intervalo entre os ponteiros com compromissos sempre atrasados antes de sua chegada. a corrida não estava portanto na falta das horas, descobri que mamãe corre é nas veias.
o meu descontrole
não sei você, mas eu não entendo bem como isso funciona. a gente cresce, pensa que amadurece, acredita que com o tempo o pensamento se organize e crê que não mais teremos quedas. consideramos que os anos nos aproximam do chão, desmascaram as asas, e desfazem os abismos imaginários. a gente então espera menos de qualquer coisa, até da gente mesmo. inclusive, por vezes deixamos de esperar pra deixar o rio correr em seu curso. a isso chamo de paz. mas veja bem. depois de chegar aí, exatamente nesse ponto, vem alguém e me tira o chão. o chão. esse chão que eu jurava morar. eu poderia assegurar que estava em solo firme, em um lugar seguro. eu construí isso. tijolo por tijolo. eu não sei você, mas eu não entendo bem como isso funciona. sei somente que em plenos 30 e poucos anos me vi no descontrole do meu corpo. perdi minha autoridade sobre minha respiração. eu queria paz, e meu pulmão acelerava. eu implorava por sono, e meus olhos ardiam em claridade. eu suplicava pelo esquecimento, e minha memória vibrava. o verbos estão no passado, mas meu descontrole segue no presente. e eu não sei você, mas isso não quer passar dentro de mim. e olha que eu já cansei de cavar as minhas margens pra dar passagem pra você. todas as portas estão abertas. desde então não mais se quer fechei as janelas. e olha lá você. intacto! você não se moveu nem um centímetro. grudou, colou, atou um nó. e não, eu não desculpo o incômodo.
sábado, 3 de fevereiro de 2018
minha hora chegou
eu que já fui golfinho, descobri que todo tanto de água não é capaz de me afogar. lembrei que na adolescência eu tinha vontade de mudar o mundo, e que agora, aos 30 e poucos anos, meu desejo se ampliou: quero mudar o meu mundo. pode parecer que o mundo inteiro é maior que o mundo da gente. mas não. o meu mundo já é por demais infinito. nesse tempo de agora também me fiz sem escolha: preciso escolher. eu que nasci envolvida num mosaico, nasci despedaçada, com trechos de várias das minhas histórias sem costura. eu que me deixei ser escolhida pelos homens da minha vida pra tentar me colar no enredo de outro alguém, pra ver se assim eu criava uma unidade, pra ver se assim eu seguia uma linha reta. deu certo. eu entrei na história deles. fui personagem da história deles. deu certo. mas não era minha essa história. o que era meu, era a vontade de fazer ser minha alguma história. acho então que a minha hora chegou. depois de tornar evidente minha fragmentação, depois de conseguir trazer pro plano da consciência a minha fenda, acho que minha hora chegou. veremos!
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
ainda tem você aqui
enquanto você falava eu me perdia em encantamento. tem histórias suas já contadas por mais de uma vez sem registro em mim, a não ser a memória de suas expressões: sua mão dizendo rimas, seus olhos marejados de amor, seus dedos desfiando os caracóis, sua respiração denunciando o corpo, seu tom de voz compondo melodias. suas histórias não lineares desorganizaram o fio da minha. acho que amarrei a ponta da minha linha na sua e embolei o meu enredo no seu. dancei no seu palco, chorei a sua dor, escrevi nosso futuro. eu soube desde o primeiro encontro do aperto bem no centro do peito, eu até te disse isso, e você falou que era coisa minha. eu senti sufocar desde a primeira despedida, já me dizendo que não era pra durar. vi você, oceano, e desabafei sobre a dor da infinitude, de se ver a imensidão e perder o barco de vista. não consegui entrar nesse mar só com as minhas margens. então, encarei a falta, segui com você no descontrole, esqueci dos amanhãs, e apesar das reticências no caminho, o ponto final rasgou minhas defesas. na maior parte do tempo eu agradeço por respirar sem você, e conseguir me desatar dessa trama sem desfecho, e principalmente, sem mim. mas você ainda me ronda, ainda está parado na esquina da padaria fumando o primeiro cigarro da manhã, ainda está sentado na quina da minha cama com as costas costuradas em pele, ainda guardo a moldura da sua pose na parede vestido de cifras, você ainda observa a vida acontecendo da varanda de frente pro mundo, ainda aceita meu convite pra se molhar na chuva de cada dia, você ainda espera o café sem açúcar logo que acorda, ainda dá voltas pelo bairro descobrindo as plantas e as ruas logo ao lado, ainda coloca em palavras seu coração enquanto eu vejo o seu drama rodar por horas e horas, ainda me abraça logo que abre os olhos, ainda tem seu cheiro no travesseiro, ainda te vejo nas madrugadas brindando os últimos copos de embriaguez, ainda tentas me chamar pra ver filmes com sua boca colada na minha, ainda tem seu corpo no meu, ainda... até quando?
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