terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
de filha pra mãe
desde criança, quando nem tinha horário marcado pra acordar, mamãe dizia que trabalho era pra sobreviver, e que não cabia sonhos nessa função. eu acho que mamãe nunca sonhou, nem com trabalho, nem com outras coisitas más. eu tenho dúvidas se a vida lhe foi dura, ou se ela endureceu ao longo da vida. no que me cabe, tento amolecer seu corpo com abraços mais longos que os minutos por ela programados. fico naquele abraço até sentir as mãos me soltarem, quando então eu digo: mamãe, fica mais um pouco por aqui. e ela fica, cheia de amor, feliz porque eu peço pra morar por ali. mamãe sempre teve despertador, até nos domingos de manhã. depois de muitos anos, ela decidiu trabalhar menos, eu achei que então ela teria mais tempo. mas não. mamãe ocupou cada intervalo entre os ponteiros com compromissos sempre atrasados antes de sua chegada. a corrida não estava portanto na falta das horas, descobri que mamãe corre é nas veias.
o meu descontrole
não sei você, mas eu não entendo bem como isso funciona. a gente cresce, pensa que amadurece, acredita que com o tempo o pensamento se organize e crê que não mais teremos quedas. consideramos que os anos nos aproximam do chão, desmascaram as asas, e desfazem os abismos imaginários. a gente então espera menos de qualquer coisa, até da gente mesmo. inclusive, por vezes deixamos de esperar pra deixar o rio correr em seu curso. a isso chamo de paz. mas veja bem. depois de chegar aí, exatamente nesse ponto, vem alguém e me tira o chão. o chão. esse chão que eu jurava morar. eu poderia assegurar que estava em solo firme, em um lugar seguro. eu construí isso. tijolo por tijolo. eu não sei você, mas eu não entendo bem como isso funciona. sei somente que em plenos 30 e poucos anos me vi no descontrole do meu corpo. perdi minha autoridade sobre minha respiração. eu queria paz, e meu pulmão acelerava. eu implorava por sono, e meus olhos ardiam em claridade. eu suplicava pelo esquecimento, e minha memória vibrava. o verbos estão no passado, mas meu descontrole segue no presente. e eu não sei você, mas isso não quer passar dentro de mim. e olha que eu já cansei de cavar as minhas margens pra dar passagem pra você. todas as portas estão abertas. desde então não mais se quer fechei as janelas. e olha lá você. intacto! você não se moveu nem um centímetro. grudou, colou, atou um nó. e não, eu não desculpo o incômodo.
sábado, 3 de fevereiro de 2018
minha hora chegou
eu que já fui golfinho, descobri que todo tanto de água não é capaz de me afogar. lembrei que na adolescência eu tinha vontade de mudar o mundo, e que agora, aos 30 e poucos anos, meu desejo se ampliou: quero mudar o meu mundo. pode parecer que o mundo inteiro é maior que o mundo da gente. mas não. o meu mundo já é por demais infinito. nesse tempo de agora também me fiz sem escolha: preciso escolher. eu que nasci envolvida num mosaico, nasci despedaçada, com trechos de várias das minhas histórias sem costura. eu que me deixei ser escolhida pelos homens da minha vida pra tentar me colar no enredo de outro alguém, pra ver se assim eu criava uma unidade, pra ver se assim eu seguia uma linha reta. deu certo. eu entrei na história deles. fui personagem da história deles. deu certo. mas não era minha essa história. o que era meu, era a vontade de fazer ser minha alguma história. acho então que a minha hora chegou. depois de tornar evidente minha fragmentação, depois de conseguir trazer pro plano da consciência a minha fenda, acho que minha hora chegou. veremos!
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