ter os pés calçados dentro de uma bailarina é de uma delicadeza sem fim...
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
um pouco torto
foi por muito tempo. uma vida é muito tempo? foi por tempo suficiente pra se descobrir que não era assim. e podia ter o tempo que fosse que não seria de forma nenhuma. era sem canto, sem medida, sem centro, sem saída. era uma coisa. dessas que a gente não consegue definir o que se é ou se deixa de ser. mas era. e o importante era que respirava. talvez não fosse ar puro, aliás é muito provavél que não fosse. respirava nuvem e era daquelas macias, aveludadas em tom degradê. e era assim. desse jeito, totalmente sem jeito...
óculos de uma paixão
depois da cegueira a gente enxerga como se fosse a primeira vez. perceber que você se faz pequeno para os outros te fazerem grande me fez manter você no tamanho inicial. agora você não cresce mais. não há raíz que te suporte.
ninguém saberá se eu não quiser contar
é isso! vamos fingir que nem eu nem você sabemos que os cacos estão quebrados. enquanto eu e você fingirmos o mundo fingirá junto com a gente, porque as aparências enganam sim, meu bem. então vamos mostrar somente o som, a presença, a curiosidade. a nossa morte diária vamos esconder. até mesmo porque é morte, passado, coisa de antigamente. o nosso agora, instante, segundo, é pra ser bonito, pra estar na vitrine, com os preços mais altos. não vamos contar que a costura arrebenta depois de usada, vamos mentir dizendo que é assim pra sempre. eles acreditam! pode? deixe os nossos cacos no chão. eles nem olham pra baixo...
comece outra vez
desce menina, há muita coisa que você deixou de ver enquanto subia com tamanha velocidade a montanha mais alta que há. desce porque é de baixo que se pode ver lá em cima. comece outra vez a plantar as sementes, a cuidar da raíz. enquanto você estiver fixada nas folhas a terra vai continuar seca.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
o nosso nó
basta que meus fios encontrem os seus pra que haja um nó. não há dedos que o desfaça, não há pente que deslize, não há vento que atravesse. resta apenas o nó numa tentativa frustrada de um encontro. depois de dias a espera dos olhos seus você chega cheio de realidade, como se não fosse meramente invenção minha. chega e atrapalha os planos que fiz sozinha pra nós dois. chega e escancara a porta fechada, com as chaves do lado de dentro. chega e fica mudo como se não houvesse eu e você do mesmo lado de dentro.
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
uma professora encaracolada
há um tempo atrás eu era criança. e já fui bem pequenina. cabia no colo da mamãe. nem andar eu sabia. mas amar eu já aprendia. quando já era um pouco maior, com passos meus e palavras minhas, eu tive uma professora de dança. ela tinha os cabelos enrolados e quando eles ficavam livres preenchiam toda a moldura do rosto. eu não faltava a uma aula se quer. eu gostava do ritmo encaracolado que a professora ensinava. um dia eu fui a uma festa e ganhei um sapatinho de cristal. guardei por algum tempo o brilho dele na minha estante, até que um dia resolvi dá-lo de presente à minha professora. passei dias imaginando como fazer isso, em como eu podia fazê-la entender o quanto eram especiais os seus cachos. fiz isso com o coração querendo rasgar a roupa colada no peito. eu nunca esqueci desse detalhe. essas coisas que a gente faz quando ainda tem esperança. hoje encontrei a minha professora no elevador. ela ainda tem os mesmos cachos e eu ainda fico sem saber o que fazer com as minhas mãos quando ela está por perto. acho que ela também lembra do cristal que tinha naquele sapato. não ficou lá atrás este detalhe. ficou nos olhos nossos, naquele elevador.
para papai noel
papai noel, pena eu já ser velhinha o suficiente pra saber que você é de papel. eu já não tenho nem idade pra acreditar que os pedidos de uma carta possam se tornar realidade. é que meus desejos, papai noel, já não são de criança, apesar de que há em mim muita esperança. eu queria só um detalhe: que gente pudesse acreditar em gente. que eu pudesse usar as mesmas vendas da minha infância sem receio de arranhar a pele de repente. que eu não precisasse usar tabuleiros de jogos no chão que piso. que eu pudesse seguir sem aviso. que qualquer ação nas esquinas do mundo fossem contornadas de amor. que não fosse apenas um favor. queria que fosse assim. pra que eu pudesse deixar pra sempre abertas as minhas janelas de cetim.
perdi a conta
diz a tal menina, que nem menina é mais, que ela tem medo da verdade. pensa que a maquiagem pode prolongar a respiração da pele. ela não percebe que é quando se encontra a nascente é que se respira melhor... pisando em terras lotadas de cacos de vidros pontudos com os olhos bem abertos a dor pode ser despejada na correnteza. é só escolher onde pisar. não é nem um pouco necessário manchar os pés descalços de sangue. há tantas curvas que ela poderia se perder em passos de nuvem. mas ela não sabe, e pior do que não saber, ela não quer saber. pensa que verdade machuca. e não é só ela... como ela há muitos por aí, tantos que já não cabem nos dedos da minha mão. eu nem queria perder esta conta...
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
vestido azul
vestida de azul ela se confundia com ondas misturadas de céu. quando o vento chegava fazia borrar os tons. corria entre o amarelo das pétalas, se desabrochava sobre o verde do colchão de terra, se misturava com a distância do cinza do asfalto... o vestido dançava enquanto o vento encostava na pele da menina. ela aumentava a velocidade e girava até que ela pudesse manter o corpo imóvel e a saia girando. segurava as pontas da roda que se formava e brincava com os movimentos de roda gigante. eram segundos de uma vida inteira.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
um dia de chuva
a cidade chora e não há lenço que limpe as lágrimas. tem gente que sente a dor e se inunda também. se deixa molhar de água que cai do céu. tão limpa e tão doce, bem diferente das que saem dos olhos meus.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
o quê é que fica?
havia nos dois uma necessidade de alguém. ele não a desejava, ela sim. ela sabia que desejo era coisa que passava. mas o quê é que ficava mesmo? ela só via tudo indo, como se o passado fosse intocável, como se o ontem fosse só ontem. o agora era algo solto demais, quase um nascimento envolvido em tantos abortos. o amanhã quando começava, matava logo o que se foi. ela tinha era medo disso. não aceitava que uma noite pudesse ter fim só porque o céu mudava de cor. ela queria colocar a vida num arquivo e escolher os sorrisos que gostaria de repetir. mas teria que ser o mesmo sorriso. ela que mal podia morar dentro daquela que a cabia. a lua não era tão perto assim como uma vez ela imaginara. quando voltou pra casa acreditava que bastaria seguir em frente pra chegar lá no infinito. fazendo isso viu-se imóvel, com os pés enterrados na terra. e assim tudo ia, tudo passava, tudo tinha ponto final. era só dentro dela que as coisas não morriam. lá dentro tudo era vivo demais, tão vivo que não era raro ela viver um dia pensando ser outro. é que ela já sentira coisas demais e as poucas doses de sentimentos que os outros mediam nas pequenas xícaras não despertavam nela o efeito de roda gigante. então ela girava sozinha, nas esquinas, nos cantos, nos corredores, nos lugares onde ela pudesse fingir que o agora era qualquer coisa de ontem.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
roubo de alma
- você fica tentando arrancar as coisas da gente.
- eu tento arrancar a alma. acho alma a coisa mais linda que há.
- e já arrancou muitas almas? tem muitas guardadas? o que faz com elas?
- leio, porque a gente nao lê apenas palavras.
- então você faz tipo uma biblioteca?
- não consigo chegar no nível de uma biblioteca, porque minha memória não me permite. mas as almas que já li estão em mim. eu as roubo. roubo aquilo que fica no ar.
- então você é uma procurada internacional? por hábitos felinos que atravessaram os mares?
- não. não há ninguém me procurando. eu estou sempre à vista.
- isso que você saiba
- eu tento arrancar a alma. acho alma a coisa mais linda que há.
- e já arrancou muitas almas? tem muitas guardadas? o que faz com elas?
- leio, porque a gente nao lê apenas palavras.
- então você faz tipo uma biblioteca?
- não consigo chegar no nível de uma biblioteca, porque minha memória não me permite. mas as almas que já li estão em mim. eu as roubo. roubo aquilo que fica no ar.
- então você é uma procurada internacional? por hábitos felinos que atravessaram os mares?
- não. não há ninguém me procurando. eu estou sempre à vista.
- isso que você saiba
ela não tem noção
desde que eu a vi nascer diante dos meus olhos ela nunca mais morreu. a vida a contém. o ar respira dentro dela. o oceano mergulha nas paredes da alma dessa menina. Uliana, você precisa saber que você tem nome, que você é você.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
as parades do meu quarto
um quarto de pensamentos vivos nas paredes. descendo e subindo as escadas molhadas de desejos. paredes pintadas com mãos de necessidades coloridas. nada muito liso, nada muito comercial, nada muito perfeito. paredes pra serem pedaços de papel um pouco mais sólidos. nas paredes do meu quarto eu quero pintar tantas coisas que eu irei precisar do teto, do chão e de mim. escrevendo no teto a frase irá continuar pelos meus fios, passando pelas montanhas do meu rosto, descendo o pescoço, deslizando na barriga, morrendo no calcanhar. os pensamentos precisam ser destacados, grifados, sublinhados. eu penso tantas coisas e aquelas coisas que eu não digo é como se não existissem. é urgente retirar de mim e colocar no mundo todas as minhas vibrações. pra que sejam suas e assim nossas.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
tempos
com Ana os fatos nunca se tornavam passado. ela tinha a capacidade de vivê-los em qualquer tempo verbal. juntava a sua frente pedaços de papel com palavras desenhadas, imagens congeladas em fotos, músicas com letras de ontem... espalhava as memórias e vivia um presente familiar. Ana era o ali, o agora. mas sabia trazer de volta pedaços do que tinha sido e que nem por isso não se era mais...
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
depende do ângulo
não é uma questão de plantar. há árvores que não crescem mesmo. a questão se volta sempre para os olhos. não é preciso olhar apenas para cima. uma semente que não germina é tão gigante quanto aquela que gera petálas de primavera.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
apaga a luz e aumenta o som
me chamou pra dançar e me contou toda a sua história debaixo do som. nenhuma palavra foi dita. eu o conheci pelo ritmo que ele contornava a música. quando me girava ele me descrevia em detalhes as coisas que pensava. a gente tem que parar de achar que as respostas vem depois das perguntas. eu sabia de tudo sem nenhuma interrogação. tudo ali, claramente escrito nos passos da dança. por minutos fomos companheiros de uma vida inteira. a música tem disso. é muito intima. nos deixa entrar no outro sem pudores, sem passado nem futuro. é um exagero de presente.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
até hoje é ele
nós dois nos bastavamos. lembro dos dias de frio com pedaços de sol deitados na grama. em uma noite de estrelas na altura dos olhos eu e ele fomos para a varanda e de lá falamos de coisas que a gente jamais poderia ver. na cozinha a gente misturava as mãos com os sabores. colocavamos os dedos nas massas e lambiamos tudo com o nosso desejo permanente. ele não gostava de músicas e eu precisava da altura máxima do som. eu e ele erámos coisa única. se me viam sozinha me perguntavam por ele. ele estava em mim assim como eu estava nele. eram longas as nossas gargalhadas, mais longas que os trilhos de um trem. por isso eu digo com toda a certeza do mundo que os nossos dias tinham bem mais que 24h dentro deles.
sob medida
Sexo é um beijo suado.
Com gotas escorrendo pelos esconderijos das curvas.
Até secarem a saliva, o oceano do corpo, em um enxuto orgasmo.
Com gotas escorrendo pelos esconderijos das curvas.
Até secarem a saliva, o oceano do corpo, em um enxuto orgasmo.
vestido de alegria
Gosto de pessoas que quando querem ficar bonitas se maquiam com sorrisos.
Sem espelhos a gente pode ser o que quiser...
Ah, quanta liberdade!
Sem espelhos a gente pode ser o que quiser...
Ah, quanta liberdade!
lágrima com cor
As cores enfeitam demais.
O menino chorava atrás do mundo que ele não queria que o visse.
Encolhido ele se fechava em um abraço cheio de pele.
Chorava sem medir, até soluçava.
Em voz alta dizia os sentimentos que as lágrimas não podiam.
Sussurrava a dor em pedaços de vento.
Mas acontece que ele vestia uma camisa amarela.
Naquele tom que eu disse que teria pudores em usar.
Um amarelo cor de todas as cores.
Eu olhava e parecia que as lágrimas secavam
com o sol que refletia da malha viva.
Tudo se confundia com felicidade.
Eu não conseguia achar triste
um menino de cabelo enrolado chorando lágrimas douradas.
O menino chorava atrás do mundo que ele não queria que o visse.
Encolhido ele se fechava em um abraço cheio de pele.
Chorava sem medir, até soluçava.
Em voz alta dizia os sentimentos que as lágrimas não podiam.
Sussurrava a dor em pedaços de vento.
Mas acontece que ele vestia uma camisa amarela.
Naquele tom que eu disse que teria pudores em usar.
Um amarelo cor de todas as cores.
Eu olhava e parecia que as lágrimas secavam
com o sol que refletia da malha viva.
Tudo se confundia com felicidade.
Eu não conseguia achar triste
um menino de cabelo enrolado chorando lágrimas douradas.
jardim
Você precisa se machucar mais.
Não com cicatrizes, mas com pétalas bem macias.
Daquelas que fazem chorar, tal é a beleza delas...
Deixe-as cortarem você.
Não com cicatrizes, mas com pétalas bem macias.
Daquelas que fazem chorar, tal é a beleza delas...
Deixe-as cortarem você.
Não sei se ele existe
Um homem grande, de altura inferior a minha. Capaz de achar fantástico os pés descalços pisando na areia. Um homem sem compromissos com o banco. Ocupado com os outros, com a falta dos outros. Que queira viajar bem profundamente nas almas humanas. O destino será escolhido pela direção do vento no momento do pôr-do-sol. Ele não usará relógio, nem irá ao salão de beleza. Este homem vai notar quando as folhas das árvores mudarem de cor. Vai saber de cada estação. Notará o caminho das rugas que surgirão no meu rosto e achará um encanto toda a transformação. Ele vai me achar grande também e não irá me diminuir por isso. Irá me ajudar a colocar mais pedrinhas na escada. Vai me dar as mãos e me levará a lugares comuns, mas nossos. Vamos fazer coisas cotidianas parecerem novas. Juntos vamos mergulhar na transparência. Ele vai ser eu e eu serei ele. Vamos dar sentidos reais às palavras cumplicidade e intimidade. Nós vamos colocar flores debaixo das pegadas. Viajaremos muito, mesmo deitados na mesma cama por dias a fio. Ele vai me amar pra sempre. Vai me fazer voltar a acreditar que sou uma só e por isso única. Vou querer ser eu mesma em excesso, porque sei que ele vai gostar. Dormiremos com as peles grudadas, nem que seja pela ponta do pé. Nós não teremos futuro, nem móveis. Seremos alma e corpo. Livres de qualquer materialidade. Ele terá sonhos. Eu terei sonhos. E no meio dos sonhos eu e ele. Vou beijá-lo antes dele escovar os dentes. Sentir o gosto misturado no tempo. Vou desaparecer dentro dele após todo o suor de um verão. Irei saber o cheiro, sem frascos cheios de mentira. Eu vou pintá-lo em várias molduras. Uma arte em tamanho real. Bem grande.
Da delícia de ser uma Amélia
Ela só queria ter um nome que chamasse algo além de gente. Não queria ter um nome que quisesse dizer algo. Queria ter um nome que dissesse algo. Que quando ela ouvisse tivesse desejos de ser aquilo e sendo assim a fizesse atender o chamado por um espontâneo reconhecimento. Mas pra isso ela só não sabia qual nome escolher. Existia ali um problema: não cabia tudo dentro de um nome. Por isso se contentava em responder quando alguém a chamava por Amélia.
Ela tinha medo de ser esquecida. E quando acordou já era segunda-feira, bem clara. Atrasada para o trabalho! Era comum o relógio correr mais do que ela, pois Amélia detestava exercícios. As coisas tinham esse péssimo hábito: de chegarem atrasadas até Amélia. As coisas não conseguiam se adaptar a menina, era a menina que precisava se adaptar às coisas. Por isso as meias trocadas e a saia amassada, bem no ponto que ela deveria girar o mundo. Ela mesma não notava e achava normal a sua incoerência com as teorias lá de fora. Mesmo se acordasse cedo, fato que não aconteceria, Amélia usaria as mesmas roupas e teria o mesmo cabelo despenteado. Ela não tinha espelhos, nem os procurava. E sem espelhos ela podia ser o que quisesse... Ah! Quanta liberdade... Os outros tentavam consertá-la, porque pensavam que era Amélia a pessoa fora do padrão. A menina aceitava as críticas só pra ver todos saírem mais rápido e ela ter mais tempo para escrever cartas para ele. Todos os dias escrevia uma. Não recebia resposta. Se quer as enviava para ele. Ela mesma lia em voz alta as declarações. Ele não existia. Então ela lia pra qualquer moço que decidisse ser ele no momento. Eles não tinham muita paciência e geralmente interrompiam a leitura antes do final. Amélia deixou de se preocupar com isso. Ela gostava mesmo era de ler as cartas sozinha no quarto. As partes que eles não queriam ouvir ela guardava no fundo mais fundo da bolsa. Chegava em casa e lia os finais inéditos para o homem da vida dela. Ele só existia de fato no quarto dela, e por isso, no mundo inteiro. Amélia inventava quartos por todo canto que viajava. Os beijos deles eram de vento e aconteciam quando uma letra acompanhava outra fazendo criar sentidos. Eram beijos de olhos caídos, por não suportarem o peso do sentimento que ela jurava enxergar. Eram beijos que por não tocarem os lábios eram inventados poeticamente. Ela tinha era pavor do momento em que as pessoas ultrapassavam o imaginário e começavam a ser realidade perturbadora.
O pavor tinha uma razão. Toda vez que ela acabava de construir o seu castelo alguém destruía pelo menos uma das janelas. Então Amélia começava a morar em outros espaços, em quartos mais iluminados. Enquanto era dia ela saía na varanda e pegava a luz. Guardava cada pedacinho na sua caixinha de escutar música. Quando era noite... ela fechava as portas e as cortinas. Deixava tudo bem escuro. Enganava as estrelas e a lua. E lá dentro, escondida dela mesma, ela brincava de dias e noites sem horas marcadas.
Ela tinha medo de ser esquecida. E quando acordou já era segunda-feira, bem clara. Atrasada para o trabalho! Era comum o relógio correr mais do que ela, pois Amélia detestava exercícios. As coisas tinham esse péssimo hábito: de chegarem atrasadas até Amélia. As coisas não conseguiam se adaptar a menina, era a menina que precisava se adaptar às coisas. Por isso as meias trocadas e a saia amassada, bem no ponto que ela deveria girar o mundo. Ela mesma não notava e achava normal a sua incoerência com as teorias lá de fora. Mesmo se acordasse cedo, fato que não aconteceria, Amélia usaria as mesmas roupas e teria o mesmo cabelo despenteado. Ela não tinha espelhos, nem os procurava. E sem espelhos ela podia ser o que quisesse... Ah! Quanta liberdade... Os outros tentavam consertá-la, porque pensavam que era Amélia a pessoa fora do padrão. A menina aceitava as críticas só pra ver todos saírem mais rápido e ela ter mais tempo para escrever cartas para ele. Todos os dias escrevia uma. Não recebia resposta. Se quer as enviava para ele. Ela mesma lia em voz alta as declarações. Ele não existia. Então ela lia pra qualquer moço que decidisse ser ele no momento. Eles não tinham muita paciência e geralmente interrompiam a leitura antes do final. Amélia deixou de se preocupar com isso. Ela gostava mesmo era de ler as cartas sozinha no quarto. As partes que eles não queriam ouvir ela guardava no fundo mais fundo da bolsa. Chegava em casa e lia os finais inéditos para o homem da vida dela. Ele só existia de fato no quarto dela, e por isso, no mundo inteiro. Amélia inventava quartos por todo canto que viajava. Os beijos deles eram de vento e aconteciam quando uma letra acompanhava outra fazendo criar sentidos. Eram beijos de olhos caídos, por não suportarem o peso do sentimento que ela jurava enxergar. Eram beijos que por não tocarem os lábios eram inventados poeticamente. Ela tinha era pavor do momento em que as pessoas ultrapassavam o imaginário e começavam a ser realidade perturbadora.
O pavor tinha uma razão. Toda vez que ela acabava de construir o seu castelo alguém destruía pelo menos uma das janelas. Então Amélia começava a morar em outros espaços, em quartos mais iluminados. Enquanto era dia ela saía na varanda e pegava a luz. Guardava cada pedacinho na sua caixinha de escutar música. Quando era noite... ela fechava as portas e as cortinas. Deixava tudo bem escuro. Enganava as estrelas e a lua. E lá dentro, escondida dela mesma, ela brincava de dias e noites sem horas marcadas.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
a sua espera
é que enquanto você não chega eu não consigo ir embora. o problema é que depois que você chega eu realmente não vou embora. e o desastre é que quando você vai embora eu fico esperando você voltar...
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
poluição
- respiro fundo.
- e você encontra ar?
- as vezes acho que ele não vem... acho que tem alguém respirando por mim.
- você nunca tenta prender até faltar oxigênio?
- nao... li na revista que não faz bem.... pior que eu acreditei nela..
- e você encontra ar?
- as vezes acho que ele não vem... acho que tem alguém respirando por mim.
- você nunca tenta prender até faltar oxigênio?
- nao... li na revista que não faz bem.... pior que eu acreditei nela..
domingo, 29 de novembro de 2009
e você ainda fica sem graça
ontem quis ser vontade sua em forma de sabor. sem um porquê, sem uma frase de impacto, sem qualquer abre aspas e fecha aspas. foi apenas um querer. fiz isso como quem coloca pedacinhos de oceano dentro de si e começa a navegar mesmo remando em terreno sólido. encontrei a parte do mundo que você comprou e era bem na frente do espaço que eu ocupei por longos sete anos. no começo achei tão improvável que fui até o fim da rua pra ter certeza de que o seu quarto não dava de frente pro meu. ao invés de sentir raiva achei bonito ele ter me mandado você. ele sempre soube de você. via-o pela pequena janela lateral do quarto dele e pensava: um dia ela vai ser dele. mal sabia ele que pensamento é realidade. assim que vi o seu número corri pra deixar a sua espera uma cestinha com coisinhas de lembrar. sensação boa essa de não pedir conselhos. podar-se é tão desnecessário. pode ter certeza de que dentro daquela sacola de supermercado tinha muito mais de mim do que nas outras tantas bolsas que você já possa ter visto.
sábado, 28 de novembro de 2009
tarde de chuva
lá fora tem muitas janelas, mas não tem ninguém que me veja a partir delas. hoje choveu muito. eu fui pra sala, onde tem a maior janela do meu apartamento. hoje achei estranho o simples fato do sofá da sala estar de costas pra janela. virei-o e deitei nos contornos das coisas lá de fora. fiquei assistindo a água caindo do céu e me mantendo seca debaixo de tanto cimento. eu quis descer e molhar as minhas curvas, mas a falta de companhia tem me roubado muitos impulsos. como se eu tivesse descoberto que sozinha não faz tanto sentido. fiquei horas congelando as gotas dentro de mim. o céu quando chora é de felicidade. é uma forma de limpeza, de equilíbrio da temperatura. depois que chove fica tudo mais bonito. eu gosto das coisas molhadas. tem uma parte do mundo que não se molha tanto pelas águas do céu. mas mesmo em lugares assim o homem vai lá e rega todas as coisas. o homem cumpre o papel do céu e só chora quando é de felicidade.
eu quero chegar lá
eu quero chegar lá no fim da trilha, quando os caminhos se dão entre as rugas. quero chegar lá com os cabelos brancos, com os movimentos desacelerados e com a vista desfocada. quero chegar lá e continuar colocando pedacinhos de memória no meu baú. quero chegar lá e ter sonhos ainda não concluídos. quero chegar lá com uma sala cheia de fotos reveladas pra eu poder viver setenta vezes a mesma história. quero chegar lá pra eu poder ver um pedaço de um filho meu dando os primeiros passos e me chamando pela primeira vez de vovó. eu quero chegar lá pra voltar a ter o domingo em família. eu quero chegar lá pra eu poder saber os gostos de muita gente e poder colocar tudo na mesa. eu quero chegar lá pra poder dizer que ainda não tenho certeza das coisas.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
perigos de uma noite
há quem seja leviano com a noite. com certeza não sabe dos contrastes entre o preto e o branco. quem realmente conhece a noite mantem os olhos esticados de ponta a ponta, pois sabe que é bem debaixo da sombra que a dor se esconde. naquele instante, quando parece restar apenas o sonho enrolado nos lencóis, ela explode. e se você não estiver de olhos abertos ela te consome e te leva até a despedida da lua.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
essa menina existe
para encontrá-la espere chegar a noite, um pouco depois da noite, eu diria. espere chegar a madrugada. ela se envolve nas sombras do sol que ela carrega nas mãos. fica debaixo do verde a espera da menor fresta de luz surgir pra fechar as janelas. aí ela corre dos outros, aí ela repousa em si mesma. envolve o corpo numa seda branca e desliza por centímetros acima do chão. faz isso até ser engolida por um bocejo de bom dia. abre os olhos quando os ponteiros já desceram a serra e o céu já começou a se pintar. rasga as cortinas, escancara a vida e se debruça inteira no pôr-do-sol. quando resta o degradê ela paralisa os troncos das árvores que cresceram na frente do desenho que se formou. cada entardecer uma pintura.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
ele me ama!
descobri que ele também me ama e isso me fez pintar da cor dos olhos dele as palavras que ele me deu. amor se expllica, acredita? ele pularia na frente de um caminhão pra me salvar e eu pularia na frente de um cometa pra levá-lo junto... é amor, você não vê? ou melhor, você não sente? vou dormir agora porque é urgente me manter nesse estado...
domingo, 22 de novembro de 2009
as cartas que você nunca vai ler
já houve um tempo em que eu entregava toda carta que escrevia. eu não colocava dentro dos envelopes o peso dos meus dias seguintes. hoje eu faço isso. escrevi várias páginas de mim mesma pra ele no meu caderno de cetim. começava com outros assuntos e todos os assuntos terminavam nele. e como era bom desaguar nele. em uma noite houve um encontro. e nesta noite ele olhou tanto pra dentro de mim que eu disse que estava prestes a explodir. ele pegou a minha bolsa, deu um passo pra trás e disse: deixa eu ver você explodindo. eu não soube reagir à liberdade que ele me deu e engoli a seco todos os gritos que ele pediu pra eu dar. este é um texto mais dele do que meu, porque tudo que aqui está é dele. nessas horas que eu vejo que há sempre no ser humano um instinto ao roubo. eu assumo. eu roubo dele todas as belezas e as coloco aqui nesta tela como se fossem minhas. é um alívio pensar que ele dificilmente um dia irá passear por aqui...
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
o mais impotante é que você respire
não. não me parece fácil viver. acho complicado entender as normas sociais. dentro de uma cadeia não existem só coisas ruins. além das grades não existem só coisas boas. compramos tanta matéria que se acaba. uma carga de caneta que tem fim após preencher várias folhas de papel. e a palavra lá, se eternizando, se agonizando na tentativa de ser absorvida. todas essas coisas eletrônicas que nos localizam em qualquer esquina e toda essa explosão humana que não se deixa ser encontrada em qualquer curva. os outros querendo algo de si nos outros. os pais querendo manter os códigos e os filhos desviando da linha reta. o sistema pagando em valores diferentes o trabalho que todo homem faz pela mesma razão. não. não é a razão que importa. e depois que se vai o quê é que fica? eu não quero ter receio de fechar os olhos pela última vez.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
cuidado, você pode morrer amanhã
ele se engana pensando ter todos os dias. ele tem alguns, é verdade, mas não muitos. e são contados, no calendário e nos pulsos dela. é ela quem determina a quantidade de dias. até ontem ela esperava. hoje acordou doente, com uma dor sem cura. ela sabe que está prestes a morrer. e quando ela morre ela mata principalmente os outros, principalmente ele. mas ele não entende. quase ninguém entende. é porque quase todo mundo ama até a vela se apagar. ela não. ela nasceu apaixonada. ama só de olhar. ama só de existir. se ele continuar assim tenho medo de que ela deixe de acreditar na velocidade que um coração pode alcançar.
é para sempre?
como eles podem chegar ao ponto de prometerem um ao outro um mesmo sentimento para sempre? será que alguém pode sentir a mesma coisa por muito tempo? talvez a melhor forma de não nos magoarmos seja impedirmos as relações. se ele não se envolver comigo eu nunca irei chateá-lo. é uma forma segura de manter a perfeição. uma espécie de divórcio antes do casamento. isso facilitaria muitas coisas.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
novidades do tempo
eles não se falavam, mas comentavam as temperaturas.
- hoje está quente, né? ontem fez frio. vi que amanhã vai chover.
era fundamental que o tempo se alterasse para que os dois tivessem novidades pra contar. nascia aí o olhar atento a cada forma que a nuvem inventava. bastava o céu se pintar de rosa para que um deles anunciasse a novidade. não se conheciam muito bem, mas nessas poucas trocas de estação eles entendiam o verão de cada um. num dia seco ela chegou com uma sombrinha nas mãos. eles estavam no pátio do prédio, debaixo de um longo teto. ela se aproximou dele e abriu a sombrinha. chovia ali dentro, dentro dele. e essa era a forma que ela tinha para protegê-lo de grandes tempestades.
- hoje está quente, né? ontem fez frio. vi que amanhã vai chover.
era fundamental que o tempo se alterasse para que os dois tivessem novidades pra contar. nascia aí o olhar atento a cada forma que a nuvem inventava. bastava o céu se pintar de rosa para que um deles anunciasse a novidade. não se conheciam muito bem, mas nessas poucas trocas de estação eles entendiam o verão de cada um. num dia seco ela chegou com uma sombrinha nas mãos. eles estavam no pátio do prédio, debaixo de um longo teto. ela se aproximou dele e abriu a sombrinha. chovia ali dentro, dentro dele. e essa era a forma que ela tinha para protegê-lo de grandes tempestades.
sábado, 14 de novembro de 2009
você cabe dentro de quê?
briga por sentimento de posse não me atrai. ser humano não cabe dentro de caixinhas, apesar de que as vezes facilitaria se coubessem. eu tentei colocar você numa caixinha. e eu não escolhi qualquer uma. separei a maior pra não sufocar você. e ainda assim não coube...
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
os olhos dele
inocentemente ele passava os dedos pela minha pele, sem perceber que cada linha que ele traçava deixava ali um caminho. ele pintava em mim os desenhos dele. colocava dentro de mim os sentimentos dele. eu absorvia tudo, até uma respiração que também era dele. tive medo dos desejos meus de posse. eu quis colocá-lo dentro dos meus olhos, sem qualquer desvio. saí correndo colorindo as setas indicando direções opostas, fazendo-as todas apontarem pra mim, para os meus olhos. e ele me olhava. conclui que ele era mesmo corajoso. sem me contar nada foi lá e roubou tantas estrelas que os olhos dele não paravam de brilhar. dava pra ver quase todas as coisas pelos olhos dele, a maior janela que consegui abrir nos últimos tempos marcados por ponteiros. ele já era então parte lá de cima...
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
passarinho sem asas
quando vi lá estava o passarinho, com o peso da água nas asas sem conseguir voar. mesmo assim ele tentava sair da piscina. eu me aproximei com meus dedos de gente e o tirei de lá. ele se encolhia, sentia medo, eu sabia. o coloquei num galho de uma árvore, onde alguma asa pudesse achá-lo. mas passarinho que é passarinho não se esquece de voar. lá foi ele tentar mais uma vez... e caiu... eu o segurei em um abraço e o deixei num lugar onde não haveria quedas, no lugar mais baixo que os olhos podem alcançar.
terça-feira, 10 de novembro de 2009
ele que vê o céu cor-de-rosa
- dormir me salva. me leva pro mundo de lá...
- dormir é fugir da realidade do mundo de cá!
- mas eu não vivo na realidade. vivo em um mundo paralelo, você não vê?
- vejo que você quer viver lá, mas a realidade é que não vive!
- você não pode estragar a fantasia de uma menina. se um dia eu disser que acordei vendo o céu cor-de-rosa você tem que aceitar.
- não! não tenho mesmo! a pedra cai. não pode ser que caia. ela cai. se amanhã eu acordar e ver o céu cor-de-rosa, você vai ver!
- aí você me conta! eu vou querer muito saber.
- mas eu gostaria de ver o céu sabe como? nublado, com uma chuvinha bem gostosa! com meu quarto claro, deitado de baixo do edredon. sem relógio, ou coisa pra fazer.
- o céu mais bonito é quando o sol se despede.
- o céu mais bonito é quando o sol diz oiii.
- mas o pôr-do-sol é muito colorido. e a lua quando se enche? é demais!
- o nascer do sol é tímido. que beleza mais natural. como está a lua hoje? nem vi ainda. deixa eu ver.
- não vou olhar pra ver a lua dos olhos seus. me conta, como é?
- você não vai acreditar, mas ela está escondida pelas nuvens cor-de-rosa.
- ahhh... eu sabia que você também poderia enxergar cores. você é daqueles que olham pra cima então? conheço tanta gente que passa uma vida inteira sem saber falar do céu.
- eu olho porque sou fanático e porque tenho muito medo também. pra mim é uma mistura de beleza com temor! sabe que deu vontade de estar no meio do mar, deitado no chão de um barco olhando pro céu, vendo uma lua gigante...
- ai. vamos?
- dá muito medo! aqui na cidade não vemos muito o céu, mas quando estamos longe daqui dá medo. porque eu sou tão pequenininho que dá medo da grandiosidade e dos mistérios.
- é... dá pra colorir varias páginas com você.
- dá? por que?
- porque você é daqueles que olham pro céu. isso é tão importante... se eu te pedisse você roubaria uma estrela?
- eu sou meio cawboi, você sabe, né? eu laçaria!
- amanhã eu vou pro sitio e ficarei lá uns dois dias... quero me ver um pouco mais. tentar entrar dentro de mim. mandarei notícias pra você...
- conte-me mais sobre te ver um pouco mais? entrar dentro de você?
- é que por aqui tem gente demais e eu fico pouco comigo mesma. eu gosto da minha companhia também. e aqui tem muita coisa me puxando... silêncio é muito bom e eu quero me ouvir.
- sabe o que é bom? tomar um banho e deitar na cama. não enxugar o corpo direito. é um ótimo caminho também. não esqueça dos olhos fechados.
- quero chegar logo lá. tenho um mundo de coisas pra sentir.
- faça isso! se qualquer coisa der errada me liga. um toque vou entender que você não conseguiu. dois toques vou entender que você não está aguentando mais. nenhum toque eu vou entender que você está com você mesma e em paz. então, mesmo se quiser muito me ligar tente estar com você mesma.
- eu estou tão feliz de descobrir você. como você pode entender tão bem uma simples ida pra um sítio?
- eu sou meio doido? assusto no começo, mas depois piora.
- se você não fosse doido eu não teria nem olhado pra você. e se você não piorar eu não olharei de novo.
- dormir é fugir da realidade do mundo de cá!
- mas eu não vivo na realidade. vivo em um mundo paralelo, você não vê?
- vejo que você quer viver lá, mas a realidade é que não vive!
- você não pode estragar a fantasia de uma menina. se um dia eu disser que acordei vendo o céu cor-de-rosa você tem que aceitar.
- não! não tenho mesmo! a pedra cai. não pode ser que caia. ela cai. se amanhã eu acordar e ver o céu cor-de-rosa, você vai ver!
- aí você me conta! eu vou querer muito saber.
- mas eu gostaria de ver o céu sabe como? nublado, com uma chuvinha bem gostosa! com meu quarto claro, deitado de baixo do edredon. sem relógio, ou coisa pra fazer.
- o céu mais bonito é quando o sol se despede.
- o céu mais bonito é quando o sol diz oiii.
- mas o pôr-do-sol é muito colorido. e a lua quando se enche? é demais!
- o nascer do sol é tímido. que beleza mais natural. como está a lua hoje? nem vi ainda. deixa eu ver.
- não vou olhar pra ver a lua dos olhos seus. me conta, como é?
- você não vai acreditar, mas ela está escondida pelas nuvens cor-de-rosa.
- ahhh... eu sabia que você também poderia enxergar cores. você é daqueles que olham pra cima então? conheço tanta gente que passa uma vida inteira sem saber falar do céu.
- eu olho porque sou fanático e porque tenho muito medo também. pra mim é uma mistura de beleza com temor! sabe que deu vontade de estar no meio do mar, deitado no chão de um barco olhando pro céu, vendo uma lua gigante...
- ai. vamos?
- dá muito medo! aqui na cidade não vemos muito o céu, mas quando estamos longe daqui dá medo. porque eu sou tão pequenininho que dá medo da grandiosidade e dos mistérios.
- é... dá pra colorir varias páginas com você.
- dá? por que?
- porque você é daqueles que olham pro céu. isso é tão importante... se eu te pedisse você roubaria uma estrela?
- eu sou meio cawboi, você sabe, né? eu laçaria!
- amanhã eu vou pro sitio e ficarei lá uns dois dias... quero me ver um pouco mais. tentar entrar dentro de mim. mandarei notícias pra você...
- conte-me mais sobre te ver um pouco mais? entrar dentro de você?
- é que por aqui tem gente demais e eu fico pouco comigo mesma. eu gosto da minha companhia também. e aqui tem muita coisa me puxando... silêncio é muito bom e eu quero me ouvir.
- sabe o que é bom? tomar um banho e deitar na cama. não enxugar o corpo direito. é um ótimo caminho também. não esqueça dos olhos fechados.
- quero chegar logo lá. tenho um mundo de coisas pra sentir.
- faça isso! se qualquer coisa der errada me liga. um toque vou entender que você não conseguiu. dois toques vou entender que você não está aguentando mais. nenhum toque eu vou entender que você está com você mesma e em paz. então, mesmo se quiser muito me ligar tente estar com você mesma.
- eu estou tão feliz de descobrir você. como você pode entender tão bem uma simples ida pra um sítio?
- eu sou meio doido? assusto no começo, mas depois piora.
- se você não fosse doido eu não teria nem olhado pra você. e se você não piorar eu não olharei de novo.
domingo, 8 de novembro de 2009
tudo começou com ele...
o primeiro texto foi dele. não porque eu embrulhei as palavras em papel de cetim. mas porque foi a partir dele que nasceu em mim letras querendo viajar. depois de dois anos lá estava o menino em cima do palco falando de amor. eu olhei nos olhos dele, mas não tive coragem de deixá-lo olhar nos olhos meus. tive receio de não conseguir ser tudo o que eu gostaria de ser pra ele. então me contive em ser uma lembrança de dois anos atrás, daquelas que nem lembra-se mais. perto dele eu fico querendo ser coisas demais e me perco na incapacidade de ser outra coisa que não eu mesma.
me mate
me mate e me deixe com a capacidade de amar. me mate e me deixe somente com a capacidade de amar. me mate e mantenha meu coração. me mate e mantenha apenas a minha vida.
sábado, 7 de novembro de 2009
sem base
desde que ele passou a existir ela se esqueceu de que também era gente. porque as pessoas não existem sempre na vida das outras. há momentos que elas existem mais e há instantes de total cegueira. e desde que ele existia ela começou a se construir como se pudesse empilhar tijolos dentro dela. no espelho enxergava um castelo, mas toda vez que voltava pra casa tinha a certeza de não ter se quer uma parede. desabava. todas as vezes, e desta vez, para sempre. lembrando que o para sempre dela pode ter a duração de um dia.
montagem
e então ela fez isso. não acreditando nos dias seguintes ela rasgou qualquer possibilidade de frustração. quebrou o amanhã em pedaços bem pequenos e começou a montar o agora desde o começo. colocou nas mãos apenas as peças que se combinavam com as outras. as peças do futuro ela foi deixando pelos cantos...
terça-feira, 3 de novembro de 2009
ele não veio
eu me levo pra tantos lugares que acabo me esquecendo pelas esquinas. talvez, hoje, eu não quisesse que você chegasse. queria mesmo era me encostar de corpo inteiro em um pedaço de chão que me cobrisse com todas as coisas. é hora de estar, não mais de ir e vir. e não me venha com esta cara de homem que sabe me ler. não há compreensão. não se engane com a sua capacidade de entendimento. eu costumo ser muitas coisas além de mim mesma.
sábado, 31 de outubro de 2009
de uma vida sem pontas
todos os dias eu me canso e cada dia mais. me deixa aflita o amanhã com data marcada na agenda. eu não suporto o percentual que acompanha o número. prefiro o zero e o que vem antes dele. o ato de somar é compulsivo, não há um último algarismo e o céu faz-me perder qualquer coisa que eu nem tinha. porém o chão é quadrado e não amortece as minhas quedas. o ar também não.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
vou me levando
as vezes, como desta vez, a necessidade de me carregar por inteiro, pra todo lugar que eu vou, me cansa. a impossibilidade de me libertar do meu corpo me deixa exausta. ser eu mesma não me parece fácil e mesmo assim eu sou, por obrigação e por escolha. vou me levando pra todo canto que olho. não me abandono, mesmo quando não quero nada de mim. também sei aceitar a minha condição de ser cada dia um nome diferente. desculpe, mas não é sem querer.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
amor. a maior das delícias de uma menina
e qualquer coisa explodia dentro dela. a falta de ar era a prova da intensidade dos pulmões. inspiravam tudo, qualquer cheiro, mesmo vindos do ralo. era amor. um sentimento que tinha origem na capacidade de amar todas as coisas, pequenas, grandes, cinzas, quadradas, suadas, todas as coisas. assim as pontes perdiam o sentido. ela não queria atravessar, chegar do lado de lá. a menina fazia questão de sentir cada pedacinho de vida. e de morte. aí tudo se encaixava. a ansiedade perdia seu espaço e voltava pra caixinha de papel. lá fora ficavam a menina e todas as coisas.
com o pé na lua
um dia ela me contou que pisou na lua e que seu pé afundou nas bordas de uma fase cheia. disse que demorou para chegar lá, que passou por muita terra e estrelas. pelo caminho ela foi deixando cordas, chaves, grades. todas as coisas que prendem. e se prendeu a ela mesma. com o pé o na lua ela não sabia o quê fazer. percebeu que pisar na lua era o mesmo que pisar na lama, que morar na cobertura era o mesmo que dormir na grama. o que mudava era a forma como a pele tocava o mundo e o mundo tocava a pele.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
como algo se acaba
faz um tempo que a gente não se fala, né? senta aqui um pouco. vamos olhar em voz alta e deixar a pele se expressar. fique numa posição que não te canse, nem o corpo nem a mente. deixe tudo acima do chão. se você olhar para baixo e ver que continua sob a terra então feche os olhos e vá para qualquer lugar. senta aqui pra gente falar do mar. coisa mais linda essas águas que ora são verdes, ora azuis, ora mais escuras, ora de cores demais. mas pra falar disso eu preciso que você se sente. que fique de forma a acreditar que o tempo parou. e se você não conseguir eu compro um novo relógio com ponteiros marcando os minutos que você quiser. mas por uma noite eu queria que você sentasse aqui. queria ver você despido de música, de gente, de lugares. ver você comigo. como seria. você não aceitou meu convite, porque pra você a madrugada é só um orgasmo. eu só queria te mostrar que dentro dela podem ter bem mais de um. acontece que depois disso nem eu nem você vamos mostrar mais nada.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
a partir dos olhos dela
eu acho tão incrível. porque você pega toda a minha história e coloca assim, no papel. parece que vê numa tela de cinema o meu filme passar. e eu me entendo a partir dos olhos seus...
domingo, 18 de outubro de 2009
sábado, 17 de outubro de 2009
numa madrugada
apesar do sono o êxtase em seu ápice. antes do primeiro beijo ela o queria para sempre. a partir dali para todo o resto. ele a chamou pra dançar uma música, depois outra, em seguida todas. ela disse: o que eu mais gostei em você foi do seu ritmo, a velocidade das suas mãos passeando pelo meu corpo, os passos que você criava compondo danças, o toque de todo o seu lábio na minha pele exposta. ele disse: nunca vi mulher tão sensual. o mais bonito em você são seus lábios, a sua bochecha encaixando no rosto, a cintura fina, os seios fartos, o carinho que seus dedos fazem em mim.
sem carruagem, nem sapato de cristal, ela teve que ir embora. ele despediu com um até um dia desses e ela não aceitou que fosse por acaso o próximo encontro. guardou o número dele na agenda como quem guardava a senha de entrada pro mundo de lá... lá de dentro dele.
sem carruagem, nem sapato de cristal, ela teve que ir embora. ele despediu com um até um dia desses e ela não aceitou que fosse por acaso o próximo encontro. guardou o número dele na agenda como quem guardava a senha de entrada pro mundo de lá... lá de dentro dele.
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
um dia foi assim...
chega um tempo em que se veste o mesmo pedaço de pano por longos anos. antigamente não era assim. o sapato apertava, os dedos cresciam, a pele esticava. os bordados faziam mais sentido do que hoje, ainda que eu tente mantê-los nos tempos modernos. eu brincava de pique-esconde e acreditava mesmo que ninguém poderia me achar. eu enfrentava a chuva sem nada pra me tampar. e antigamente já existiam sombrinhas. eu pintava meus lábios com cores fortes, capazes de enganarem os olhos. as minhas bonecas conversavam comigo. e não há quem possa desmentir isso. elas me olhavam até a hora que eu me cansava delas e as guardava na caixinha de histórias de menina. na roça do vovô eu pude subir em um pé de manga. achava que eu era forte porque conseguia ficar mais alta que as pessoas lá em baixo. meu pai me levava pro mato, me deixava na terra, debaixo dela. já dei muito milho para aquelas galinha da minha avó. passava o dia a espera do lanche da tarde com hora marcada. mingau de milho verde. os mais gostosos que já comi. as vezes eu comia sem o relógio autorizar. eu adorava essas pequenas coisas proibidas. a noite todos assistiam o jornal nacional. eu deitava no colo da vovó. ela pegava os dedos e desenhava carinhos em mim. todas as noites. depois todos tinham que apagar as luzes, pra esperar o galo chamar no dia seguinte.
terça-feira, 13 de outubro de 2009
próximo destino
foi naquele domingo que ela começou. encolheu as pernas, abraçou o corpo com as mãos e escondeu a cabeça dentro da pele. fez isso até ficar pequenina e caber dentro do coração dele. a cada encontro ela diminui mais um pouco. da última vez ela ficou sem respirar pra deixar lá fora todo o ar desnecessário. nem respirar ela quer mais. só quer saber de encontrar o seu cantinho lá dentro dele, até chegar a hora em que ela possa fazer dele o seu próprio endereço.
sem perguntas, por favor
Clarice pensa que se apaixonar é feito brincadeira de menina. pensa que quando não quiser mais, poderá trocar os bonecos e mudar a história. mal sabe ela que ainda não descobriram o botão que desativa os sentimentos. enquanto isso, Clarice brinca de amar qualquer fio de cabelo que se enrole nos dela. já posso até ver os caracóis. desta vez, ela escolheu um menino cheio de portas. há dias que ela nem consegue abrir nenhuma delas. é que ele esconde as chaves. parece que tem medo de perdê-las. Clarice acha as perguntas uma das coisas mais lindas que já se inventaram. e aí chega esse menino, com cara de lua, e pede silêncio. ela finge que obedece. deixa só ele abrir a primeira porta... vão explodir interrogações!
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
queria ser pequena
sabe papai, eu não queria ser grande. eu queria ser pequena pra sempre. assim os outros iriam esperar coisas pequenas de mim e quando eu fizesse essas coisas pequeninas eles achariam grandes, porque foi uma menina pequena quem fez.
um olhar particular
das cores ele conhecia a textura. a irmã descrevia a ele os tons como se fossem coisas. aos dois anos de idade Carlinhos já não podia enxergar, com os olhos, porque com o corpo ele via muito mais coisas do que os outros. ele conseguia dar fomas aos sons lá de fora. e pra ele nada chegava pronto. Carlinhos imaginava tudo sem a interfência das linhas duras contornando o mundo. com a palma das mãos ele criava as molduras do seu universo particular. isso sim era a independência de um olhar.
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
com h
no topo cobertura de cabelo castanho-claro, levemente ondulado, pra não dizer que não é sensível aos convites do vento. no rosto a moldura da lua em sua fase mais cheia de si. nas montanhas rosadas da face um buraco surge quando ele acha graça. neste mesmo instante aparecem, de uma vez só, todos os dentes formando um sorriso de carregar no colo. foi num domingo, num dia desses prontos pra serem qualquer um, que ele me deu a mão e me chamou pra entrar dentro dele.
da maldade de um poeta
poeta tem disso. chega rasgando cada centímetro de folêgo e diz ter pressa. não sabe esperar cicatrizar. joga na roda todas as doenças e vende cortinas com grades escondidas. coloca cimento nas janelas e espreme limão na fantasia púrpura. faz isso e vira a página do livro. mas a gente, a gente que lê, mal consegue avançar a vírgula. fica vidas inteiras colocando as letras no liquidificador, preso na impossibilidade de atravessar ao menos até o outro lado da rua. poeta não sabe o que faz. e é por isso faz.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
menina com rima
nada importava, Carolina inventava.
depois da escola ela não tinha endereço,
cada dia morava em um novo trecho.
um dia ela quis conhecer a vida debaixo do mar.
criou barquinhos de papel e foi navegar.
não gostava muito das coisas da superfície
pulou do papel e esqueceu que não era planície
foi parar debaixo das ondas até tocar as conhas
achou bonito aquilo e esqueceu de respirar
essa menina só queria saber de sonhar...
depois da escola ela não tinha endereço,
cada dia morava em um novo trecho.
um dia ela quis conhecer a vida debaixo do mar.
criou barquinhos de papel e foi navegar.
não gostava muito das coisas da superfície
pulou do papel e esqueceu que não era planície
foi parar debaixo das ondas até tocar as conhas
achou bonito aquilo e esqueceu de respirar
essa menina só queria saber de sonhar...
da minha condição
eu não sei retribuir amor de verdade. fico na condição de filha e eles na condição de pai e mãe. as vezes me sinto um pouco mãe dos dois, mas não demora muito e eu solto as mãos. com frequência os meus pousos são distantes do chão deles. e eu nem olho pra trás. eles ficam me procurando até nas coisas que não existem de verdade. eu não sei amá-los como eu deveria. não sei ficar pra sempre no colo da minha mãe. um dia eu pedi pra que eles nunca fossem embora e meu pai me prometeu eternidade. ele sabia o que dizia.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Seu Zé
estava sentado dentro de um dia comum, em uma cadeira comum, com retalhos de pensamentos comuns. na mesa ao lado também havia detalhes comuns: uma xícara descascada com sabor de café, bolachas se enrolando umas as outras, e duas senhoras tricotando a vida. enquanto isso ele permanecia dentro do seu dia comum. no ir e vir do balanço da cadeira ele enxergava dois ângulos: um intocável e um comum. tentava ficar mais tempo no primeiro, mas a cadeira logo roubava os únicos instantes de novidade. o nome também era comum: José. um senhor de 50 anos que nunca saíra do próprio mundo. Seu Zé não aceitava convites que escapassem das cercas da sua fazenda. ninguém conhecia mais aquela terrinha do que ele. ele sabia de cada montanha, de cada sombra. reconhecia as estações pelas plantações. tinha intimidade com aquele chão.
Seu Zé gostava de tudo ajeitadinho. toda vez que entrava em casa abria a porta com a mesma mão e colocava o chapéu pra descansar no mesmo lugar. a porta cantava todos os dias canções sobre a própria condição. não tinha chave aquela porta, e nem era tão porta assim. escondia apenas parte das coisas lá fora. começava na altura da canela e terminava no umbigo de Seu Zé. era uma divisória, só pra demarcar um universo do outro, só pra mostrar que ao abrir a porta se entrava em uma casa com chão de cimento. uma vez Seu Zé quis desmanchar o lar, não tudo, mas o chão de cimento. ele queria manter as paredes, o teto, os objetos, mas tinha vontade de pisar sempre na terra. não gostava daquela coisa dura e fria que o cimento era.
Seu Zé era uma prosa pronta, acabada, com começo, meio e fim. as marcas que trazia no rosto mostravam as linhas do campo que ele trabalhava. as mãos eram gastas de tanto tentarem moldar a natureza. do amanhã Seu Zé só queria poder fazer tudo de novo, outra vez, no mesmo horário. e a parte de todas as mesmas coisas que ele mais gostava tinha nome, e esse nome era Marieta. Seu Zé tinha o pescoço torto de tanto olhar ela passar...
Seu Zé gostava de tudo ajeitadinho. toda vez que entrava em casa abria a porta com a mesma mão e colocava o chapéu pra descansar no mesmo lugar. a porta cantava todos os dias canções sobre a própria condição. não tinha chave aquela porta, e nem era tão porta assim. escondia apenas parte das coisas lá fora. começava na altura da canela e terminava no umbigo de Seu Zé. era uma divisória, só pra demarcar um universo do outro, só pra mostrar que ao abrir a porta se entrava em uma casa com chão de cimento. uma vez Seu Zé quis desmanchar o lar, não tudo, mas o chão de cimento. ele queria manter as paredes, o teto, os objetos, mas tinha vontade de pisar sempre na terra. não gostava daquela coisa dura e fria que o cimento era.
Seu Zé era uma prosa pronta, acabada, com começo, meio e fim. as marcas que trazia no rosto mostravam as linhas do campo que ele trabalhava. as mãos eram gastas de tanto tentarem moldar a natureza. do amanhã Seu Zé só queria poder fazer tudo de novo, outra vez, no mesmo horário. e a parte de todas as mesmas coisas que ele mais gostava tinha nome, e esse nome era Marieta. Seu Zé tinha o pescoço torto de tanto olhar ela passar...
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
mais Zuza do que Júlia
ela cabe dentro de mim. e isso não tem nada a ver com tamanho. a história dela comigo não tem início. lembro que já começou no meio, embolada, dando nós. o meu mundo ainda era quase aquilo que eu podia ver e ela me levou pra lua, estampada com as cores da noite. aos poucos ela me apresentava as esquinas de Belo Horizonte. foi assim, de repente, de uma lua pra outra, que Belo Horizonte se tornou gigante, maior que o Brasil. foi pelos pés dessa menina que eu vi o samba nascer em mim. é um tal de plantar e colher. acho que ela guarda nas bolsas pacotes cheios de sementinhas, e toda vez que ela me vê joga em mim várias delas sem eu perceber. ela me rega. ela me ri. ela me descobre. ela me inventa. e é importante saber: eu gosto.
praça da estação
por pouco eu não me envolvi com aquele chafariz. já tinha o visto quando cheguei, mas até então ele não fazia gestos tão atraentes quanto os que eu vi quando estava de partida. não tive escolha. escolhi parar. aquele chafariz jogava charme pra todo tipo de gente. mas não era todo tipo de gente que aceitava os seus convites. as pessoas têm medo de se molhar. eu também tive. parei onde eu pudesse ser tocada sem encharcar. tinha sabor de hortelã com pimenta. um calor com água esparramada no vento. imaginei várias possíveis realidades. realizarei uma: irei atravessar aquela transparência.
sábado, 26 de setembro de 2009
a minha versão de Gabriela
depois de tanto tempo as coisas já não são as mesmas. ocupam o mesmo espaço, mas se esparramam por corredores diferentes. ela mudou. a olho nú poderiam dizer que era a mesma, mas... era outra pra mim. são os nossos olhos que alteram tudo, até as cores! o que dirá os humores. por várias vezes, no meio das falas dela, eu me perdia em sua pintura. aos poucos voltava me agarrando nos fios castanhos-claros que emolduravam a realidade. o rosto era de verdade, mas eu só sabia concluir que era um desenho. essa menina não precisava de congelar a si mesma no tempo. ela acontecia ao vivo, na hora, uma espécie de improviso dela mesma. ela conseguia transportar para os olhos tudo que falava com o som, quase como se o que ela dissesse saísse antes dela dizer. ontem eu vi verdade através dela. ainda não sei definir o que ela era exatamente. por um tempo sentamos lado a lado nas cadeiras da sala de aula da nossa adolescência. e só. depois de tantas idas e vindas sentamos na mesma cadeira de um café. a sós. o tempo não é algo que se possa medir em segundos. eu sempre gostei de me sentir aluna de alguém. dela eu seria desde sempre. me parece que essa menina sabe amar. sabe o que é isso que a gente pensa que também sabe. por isso eu queria que o tempo pudesse ser medido por segundos. eu logo daria um jeito de colocar vários deles entre eu e ela. mas há tantas outras coisas. ela sabe disso.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
pelas janelas de um ônibus
pelas janelas de um avião se vê poucas cores e poucas coisas. nem mesmo quem tem asas voa até lá. mas pela janela de um ônibus se pode ver o verbo acontecendo. os prédios subindo e descendo, até tocarem o chão. a chuva molhando e as sombrinhas se esticando o tanto que podem pra manterem secos os pedaços de gente debaixo delas. a mulher atravessando a avenida com o sinal verde pra pegar o ônibus de volta pra casa. a praça imóvel, sempre no mesmo lugar, com pessoas diferentes. é por isso que praça cada dia tem uma cara. tem também as janelas que se abrem pra dentro do ônibus. no banco da frente um casal de namorados saindo pra se conhecerem por um ângulo pouco experimentado, para o mesmo restaurante de sempre, mas com vontades diferentes dos dias de sempre. a rotina é desconhecida também. entre os que pagam e os que não pagam o trocador. ele já conhece algumas pessoas que vão e vem. ele fica, mas quando chega a sua hora também vai. nada realmente fica. lá na esquina a esquerda o motorista. ele leva gente que nem sabe o nome dele. diariamente conduz as pessoas até os objetivos do outro lado que o pé não alcança. ele é a ponte entre vários mundos. atrás do motorista eu já vi vários senhores com cabelos brancos transformarem o passeio em turismo. estão sempre lá, não descem, gostam das janelas. e aí sobe um cara se movendo a partir das rodas de uma cadeira. não há quem não olhe. não há quem não ame o ir e vir dos músculos. mas depois passa. é normal o ir e vir dos músculos. o problema é que ônibus sempre corre, pelo menos mais do que eu. aí chego no meu ponto, tenho que descer e deixar lá dentro todas essas janelas.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
espelho sem reflexo
o desejo que ele tinha dá saudades daquela liberdade de não precisar ser nada além de eu mesma. acho que espelho serve pra gente ajeitar o corpo de uma forma que agrade os olhos. e se começassemos a nos arrumar de acordo com as vontades da pele?
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
meses que virão
eu não imaginava que depois de agosto pudesse vir setembro. e pensar que ainda tem outubro, pra em seguida abrir novembro e fechar com dezembro. delícia!
domingo, 20 de setembro de 2009
tanto faz o dia, basta apenas que seja dia
tenho vontade de criar meus aniversários sem datas marcadas. deixou de fazer sentido tantos abraços em um único dia. e já que o tempo passa posso dizer que já não comemoro mais como antigamente. faria sim uma festa em um dia sem títulos, sem a falsa cobrança de ser tantas coisas entre as meia-noites. é que não dá pra agendar os meus sentimentos. não dá pra amar assim, de uma vez só, numa data com tantos parabéns.
água e óleo
o homem não consegue deixar trincar o próprio espelho. sai pro mundo e acaba abrindo portas com os mesmos segredos das suas. lá fora cria espaços no meio de tantas ruas cheias de gente. fecha-se ali um universo, particular. busca-se um reflexo com os mesmos tons de panos e sorrisos. paga-se pra não esbarrar com o desconhecido. fecha-se. na rua o homem se faz passageiro, com quatro rodas. já não sabe dos buracos das avenidas, nem das casas sem parades. vive dentro de quadrados. sorte que toda casa tem janela, pena que poucos abrem as cortinas.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
entre os dedos de uma mão
dá vontade de pegar esse seu caderno em branco e escrever em todas as linhas possíveis dele. até naquelas transversais, que saem das páginas e chegam nos seus ouvidos. dá vontade de arrombar a porta do seu quarto de madrugada e te arrancar qualquer silêncio que você insista em fazer. mas eu não tenho coragem. e eu falo pra todo mundo que eu tenho. e ainda há quem acredite no que eu falo. um dia vão descobrir que a gente é bem mais a nudez do que todas os panos escondidos no guarda-roupa. até eles desvendarem isso eu vou fingindo a ausência de máscaras. mas eu juro que não acredito que eles não percebam a minha excessiva interpretação. é um tal de nascer e morrer. nada fica, nada vai. tudo escorre.
já não há volta
mesmo assim faltava ar. mesmo sabendo de todo o sangue correndo pelas varandas de si mesma. faltava ar porque dentro do seu mundo não cabia ela mesma. tinha vontade de abrir os braços e não havia espaço se quer dentro do próprio quarto. corria desesperadamente para o mundo, e ainda assim já não era a mesma coisa. tudo volta, tudo bem. mas nada volta intacto. a saudade de um tempo com ponto final trazia toda a angústia necessária para ela viver desde já a nostagia dos velhos tempos.
sábado, 12 de setembro de 2009
de uma felicidade
entrei, discretamente, como se não entrasse dentro de mim. as varandas se comunicavam com as ruas usando cordas firmes, o ar corria com mais velocidade pra dentro do pulmão numa tentativa de garantir a quantidade necessária pra uma menina que muito transpirava por inspirar qualquer tipo de cheiro, havia sangue por toda parte provando que a vida corria por todo canto daquele corpo e tudo se movia com as batidas vindas de um único coração. não havia nada solto, nem um olhar, nem um arrepio sem sentido. era felicidade. se me perguntassem é isso que eu diria.
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
resumo de tudo:
"uma pessoa fisicamente forte, é fraca ao usar sua força contra outra pessoa. uma pessoa fisicamente fraca, é forte ao usar sua delicadeza com inteligência."
terça-feira, 8 de setembro de 2009
idade
depois de tanto tempo se volta ao começo. o que é velho fica novo e que é novo vai ficando velho. chegou a minha vez de carregar os meus pais no colo.
desde sempre
nos primeiros segundos de consciência ela já escolhia a direção contrária. não porque tinha necessidade do oposto, mas porque era torta mesmo. quando criança brincava de argila nas tardes da escola. os pedaços dela nunca se transformavam em realidade, ela não alcançava uma forma. moldava histórias que só ela conhecia. desde pequena já vivia em um mundo bem particular. e cresceu assim. com montes de argila não dizendo nada lá fora, mas escandalizando lá dentro. ela não achava que o correr do tempo poderia lhe cobrar qualquer imposto. ela se quer percebia a diferença dos dias. achava que era quase recém-nascida, ainda que tivesse rochas debaixo dos pés. não se reconhecia no corpo que tinha e falsficava a falta de compreensão com sorrisos de olhos infantis. dessa forma ela girava e fazia tremer as coisas que ficavam. tentava deixar tudo intacto, tornar sua saída imperceptível, natural. mas causava ventania, e a cada abrir das portas sentia receio de que fosse o último dos dias. mas ia. não voltava. chorava... mas ela sempre achou bonito o corpo se lavando. naquele ninho ela era uma estranha. ela não via a hora de encontrar o seu planeta.
sábado, 5 de setembro de 2009
tudo passa, até a dor
aí você descobre que uma dor pode ser bem grande, mas que você pode ser maior ainda. então você passa a se esticar, a alcançar o mundo com a palma das mãos, até se tornar gigante. e tudo começar a parecer pequeno quando se enxerga com os olhos de altura exagerada. você vê as coisas desaparecendo como se sua janela fosse sempre a de um avião. você se mantêm no ar. não sai de lá. nem mesmo com a dor. "tenho mesmo asas", você conclui.
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
terça-feira, 1 de setembro de 2009
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
- trabalhos estão aparecendo... e cada mês... mais que o outro...
- tudo por culpa dos seus olhos, que olham e fotografam tudo.
- não... nem sou assim ainda... mas quero ser... aliás, tento ser. mas não pelo ego ou pela emoçao, não pra ser o melhor do mundo, mas pra ouvir você dizer que a culpa são dos meus olhos
- tudo por culpa dos seus olhos, que olham e fotografam tudo.
- não... nem sou assim ainda... mas quero ser... aliás, tento ser. mas não pelo ego ou pela emoçao, não pra ser o melhor do mundo, mas pra ouvir você dizer que a culpa são dos meus olhos
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
dúvidas
pai,
eu não sei se planto mais flores
ou se cuido daquela árvore, que já não cabe no meu abraço...
mãe,
eu também não sei se moro no seu colo
ou se mudo pra qualquer outro lugar que seja maior do que o meu tamanho
eu não sei se planto mais flores
ou se cuido daquela árvore, que já não cabe no meu abraço...
mãe,
eu também não sei se moro no seu colo
ou se mudo pra qualquer outro lugar que seja maior do que o meu tamanho
sem tempo pra pensar
ocupada. não tinha tempo pra estimular pensamentos. senti tanta inveja dela. daquele trabalho chato de organizar o que os outros deixavam fora do lugar que ela havia escolhido. se começasse com a letra A ela não via razão pra que se juntasse aqueles cujas iniciais eram a letra D. as letras também querem se comunicar, eu pensava. mas ela se ocupava assim. não deixava nenhuma inicial conversar, mesmo que rapidamente, com outra que fosse diferente dela. passava o dia carregando letras, organizando o universo das palavras. eu invejei o quanto ela era sistemática e não deixava sobrar nem dez segundos para ir ao banheiro. eu só queria poder pensar em qualquer outra coisa que não fosse esta que me ocupa agora. desejei que fosse minha a falta de tempo dela.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
como se criam as garras
a gente não pode colocar o mundo inteiro dentro do mesmo frasco de perfume. o mundo inteiro não é a mesma coisa. mas é difícil separar qualquer cheiro. eles se misturam, se confundem. mas não são um só. já não se pode acreditar em qualquer par de olhos caminhando pelas areias de uma praia. não são todos que afundam os pés nos grãos pra fazer parte da natureza. tem gente que é animal. e sendo assim, obriga quem tem coração a criar garras mais afiadas que a realidade.
domingo, 23 de agosto de 2009
vontade de gritar
pela primeira vez o silêncio. vidro com cor. sem transparência. guardava debaixo da areia, bem no fundo do oceano, o segredo. mas mar que é mar tem onda, não importa o tamanho. e onda balança tudo, até a areia debaixo da água. por mais que ela cavasse esconderijos bem fundos nenhum permanecia intocável pela inconstância do vento.
tempo da dor
agora era gado. marcado. com memória, por tantas vezes falha, findada à lembrança permanente. olhava os rostos na rua e se perguntava qual era a cicatriz de cada um, mas sabia que poucos carregavam tanto peso. ela tentava diluir tudo nas flores que costumavam colorir os dias, mas faltava desabrochar. era o começo da primavera e as pétalas ainda estavam de portas trancadas. dor também precisa de tempo, concluiu então a menina.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
quanta saudade de antigamente
pequena na idade e no tamanho a menina crescia. eu quis pedir a ela para deixar de aprender as fórmulas de matemática e para não se preocupar com o "x" que faria na prova do vestibular. tive vontade de dar uma tesoura, todas as cores do universo e um pano branco pra ela se inventar nele. quis que ela tirasse aquela roupa de menina comportada e que ela bagunçasse ao menos sete fios de cabelo. esperei ela correr entre as tantas mesas dispostas naquele restaurante, mas ela prendia na imaginação os pés deslizando nas partes mais altas das cadeiras. havia muito a se criar. era uma menina. pequena. mas já não era criança. talvez fosse. moderna? sinto como se eu fosse uma senhora com os meus 90 anos sentindo falta dos tempos antigos, de meninos pequenos brincando de coisas pequenas na areia que contorna os muros do mundo.
lágrima com cor
as cores enfeitam demais. o menino chorava atrás do mundo que ele não queria que o visse. chorava sem medir, até soluçava. em voz alta dizia os sentimentos que as lágrimas não podiam. mas ele vestia uma camisa amarela. naquele tom que eu disse que teria pudores em usar. um amarelo cor de todas as cores. eu olhava e parecia que as lágrimas secavam com o sol que refletia da malha viva. tudo se confundia com felicidade. eu não conseguia achar triste um menino de cabelo enrolado chorando lágrimas douradas.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
sábado, 15 de agosto de 2009
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
saídas
sair é necessário. pra ver cristais em pedaços de velas derretidas. as mãos dele também eram macias, apesar da falta do toque. há texturas que sentimos pelos olhos, sem ser preciso realidade. sair é necessário. pra deixar a dor nas prisões sem janelas. sem ponte pra chegar até a gente. ele entendia o que eu dizia. completava a complexidade. pelo retrovisor do carro. eu podia ver só os olhos. e via ali tudo o que era necessário. pra sair.
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
ela sabe o que diz
"eu amo essas pequenas coisas, tipo você me dar um final de semana. cada vez mais eu valorizo essas gentilezas pequenas. uma palavra na hora certa, uma gentileza, uma lembrança, uma mensagem. é isso que faz diferença."
domingo, 2 de agosto de 2009
leitura do destino
deitou o corpo à alguns metros do mar. os grãos de areia desenhavam o seu formato logo abaixo da pele. ajeitou-se de lado, de modo que pudesse ver terra, água e céu. nesta posição ela enxergava quase tudo sem precisar sair do lugar. sentiu vontade de dividir aquele silêncio com alguém. as gotas do oceano chegaram até seus olhos, derramando fios de água salgada pelas maçãs do rosto. ela sorria. o sol fazia nela algo como lar. sentia-se protegida. sabia que as pessoas não poderiam ser possuídas. ela não encontraria alguém pra ser dela. teria apenas momentos de cada um. com toda a sua jovialidade conseguia prever as rugas com o dedo sem alianças. não conseguiria colocar alguém dentro de uma caixa com tampa fechada. e também não saberia viver dois dias sem destruir por completo as paredes. esse era seu destino. ser passageira de vidas inteiras. eterna, por consequência.
sábado, 1 de agosto de 2009
"liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome"
gente grande
você fala como gente grande. pensa que já é mais velho, porque os anos que viveu já não cabem nos dedos das mãos. mas você nunca me falou do carinho de um vento debaixo dos seus fios de cabelo. mesmo assim acha que é grande. corre quando os ponteiros do relógio se movem. arruma a embalagem sob a cama todos os dias bem cedo. usa sempre uma armadura debaixo dos pés. evita o contato. o desgaste. você não deve gostar das rochas que existem no calcanhar dos meus pés. no seu banheiro há vários tipos de creme, um pra cada centímetro de pele. e eu não uso nada. é só a água que me lava. aposto que você se acha mais limpo do que eu. e maior também. eu não sei. mas não gosto mesmo deste tipo de grandeza.
a outra parte de mim
pode acreditar: eu sou duas. no mesmo instante que eu vivo eu me observo. sou a espectadora perfeita. sento na poltrona da platéia e não saio mesmo após o fim do espetáculo. eu sei. depois que as cortinas fecham ainda acontecem grandes capítulos. e eu observo. esta parte de mim não pisca os olhos. enxerga as asas de um pássaro indo e vindo fazendo-o dançar no ar. conta as batidas. percebe quando o vôo é mais lento. nada passa. aliás, fica muita matéria pra trás. mas as explosões ficam retidas, nas retinas. assim, há uma parte que olha e outra parte que olha pela segunda vez. diante do mundo eu permanentemente me analiso. sou personagem. a realidade é a minha observação. sou objeto empiríco dos meus desejos. escrava das possibilidades. submissa a qualquer gota de loucura.
sexta-feira, 31 de julho de 2009
quinta-feira, 30 de julho de 2009
grandes alturas
essa minha vontade de provar de todas as coisas, até aquelas que machucam, vai me levar lá. eu também gosto de pular bem na ponta da faca afiada. o oceano não é sempre o lugar mais macio pra se atirar...
quarta-feira, 29 de julho de 2009
um fingimento bem consciente
abriu a porta da sala como quem havia ficado presa por um longo tempo sem data. saiu e deixou aberto o lugar fechado por paredes. quis esquecer a tinta que havia usado nos painéis daquela casa. é que quando se fica muito tempo em um lugar acaba se criando imagens mesmo nas paredes limpas de tinta branca. cada espaço emoldurado pelo vento começa a ter um sentido. nem adiantava apagar a luz. o lugar vivia dentro dela. até os cantos daquela casa contavam histórias. ela só tentou se enganar saindo de lá...
você enxerga?
a lua agora me parece o sol de meio-dia. ingênuos aqueles que pensam que não há disfarces. não percebem o excesso de estrelas pra conter a escuridão. usam óculos escuros de dia e fecham as cortinas a noite. e os testes dizem que eles enxergam. eu tenho certeza de que os olhos são mais sensíveis do que a pele. são eles que nos denunciam, que nos contradizem, que nos obrigam. se enxergares, pronto, não tem volta. vais apaixonar. é simples isso. é uma questão de esticar bem as pupilas. ele é como eu, e por isso tenho tanto medo dele...
terça-feira, 28 de julho de 2009
desordem!
está difícil recomeçar a escrever. não consigo encontrar o começo da linha. está tudo embolado, cheio de nós, despedaçado. ficar muito tempo sem organizar as letras em palavras me deixa passageira de uma vida inteira. mas falta pouco, muito pouco, pra eu entrar no próximo trem das sete horas.
terça-feira, 21 de julho de 2009
caminhos de uma árvore
mesmo uma árvore, com uma raíz bem profunda, se confunde com tantas possibilidades de caminho... acaba formando troncos que vão de um lado pro outro, sem destino certo, sem uma direção em comum. eles querem apenas esticar os braços, a pele. não importa se é para baixo ou para cima. e de todas as árvores as maiores é que são as mais perdidas. mas elas sabem enganar. colocam folhas por cima de toda a confusão e pra nós que olhamos de longe acabamos pensando que tudo é uma coisa só. estas são pra mim as mais lindas de se ver...
quarta-feira, 1 de julho de 2009
segunda-feira, 29 de junho de 2009
que laranja!
ela tinha um vício: criar dependentes. adorava uma certa qualidade, de ser carinhosa. saía por aí esparramando mel nas calçadas, nas folhas, no vento. sabia dos desejos dos outros. e sabendo demorava ainda mais nos toques. lentos e apertados. carregava nos olhos um colo de mãe, com tamanhos ajustáveis. usava roupas cintilantes, que chegavam a ser mal-educadas de tanto que cuspiam brilho. ela nunca cobria os pés. gostava de deixá-los bem livres pra que eles tomassem conta dos caminhos dela. ela só queria seguir a ordem dos seus pés. ela era tão linda... eu achava que na verdade ela estava linda. porque tudo era uma questão de querer. ela queria tanto ser que acabava sendo, sem querer.
dava gosto observá-la. uma vez deram uma laranja para essa menina. ainda era manhã e ela tinha acabado de tomar o café. pegou o presente e guardou o gosto para a sobremesa. quando deu a hora do almoço ela chegou ansiosa. passara toda a manhã a espera dos gomos se espremendo na língua. ela gostava desse intervalo entre o desejo e a realidade. pegou seu prato e almoçou. terminou antes de mastigar. foi até o quarto e buscou a laranja. apertava aquele círculo com as duas mãos. havia algo ali além do sabor. havia textura. lentamente ela passava os dedos na casca verde que abraçava a fruta. foi até a cozinha buscar uma faca e em seguida a descascou. separou gomo por gomo, até que ela pudesse ver aquele círculo todo desfeito. pegou um deles e sentiu um cheiro que a fez salivar. comeu um por um. silenciosamente. ela mastigava o tempo que podia. queria absorver todo o excesso daquela fruta.
ela era assim sempre. fazia qualquer laranja ser a melhor das comidas. ainda que ela preferisse os maracujás.
dava gosto observá-la. uma vez deram uma laranja para essa menina. ainda era manhã e ela tinha acabado de tomar o café. pegou o presente e guardou o gosto para a sobremesa. quando deu a hora do almoço ela chegou ansiosa. passara toda a manhã a espera dos gomos se espremendo na língua. ela gostava desse intervalo entre o desejo e a realidade. pegou seu prato e almoçou. terminou antes de mastigar. foi até o quarto e buscou a laranja. apertava aquele círculo com as duas mãos. havia algo ali além do sabor. havia textura. lentamente ela passava os dedos na casca verde que abraçava a fruta. foi até a cozinha buscar uma faca e em seguida a descascou. separou gomo por gomo, até que ela pudesse ver aquele círculo todo desfeito. pegou um deles e sentiu um cheiro que a fez salivar. comeu um por um. silenciosamente. ela mastigava o tempo que podia. queria absorver todo o excesso daquela fruta.
ela era assim sempre. fazia qualquer laranja ser a melhor das comidas. ainda que ela preferisse os maracujás.
trilha do dia
dentro de uma música eu consigo me esticar por inteiro. é muito mais do que um som. essas músicas têm corpo, têm contorno. eu poderia desenhar uma a uma em papéis ansiosos por imagens. a que que vejo agora tem silhuetas perfeitas, daquelas que os fotográfos passam vidas tentando congelar. essa música dança, movendo o coração dentro de si. ele salta. espia o mundo lá fora e faz tudo pulsar. até o oceano. beira-mar. eu vou é pra lá, balançar na cadeira de ondas...
domingo, 28 de junho de 2009
tudo que um quarto pode ser
um quarto cheio de paredes pode ser um grande palco da vida real, da parte mais real da vida. rodando a chave na porta eu encaro a minha companhia. acho graça dos meus pensamentos. cubro com panos o frio humano. faço parte da bagunça, me transformando no item principal de toda a desordem. tem dias que eu quero morar lá dentro. lá dentro de mim.
sábado, 27 de junho de 2009
"eu vou pagar a conta do analista pra nunca mais eu ter que saber quem eu sou"
qualquer pedaço de dúvida ela carrega pra dentro daquela sala. embrulha os problemas com papéis bem decorados e entrega para a mulher sentada na cadeira com olhos bem atentos, encapados pelos falsos óculos. despeja tudo o que pensa ser um conflito, mesmo que não seja. ela precisa ter algo pra falar. entra naquela sala uma vez por semana. toda terça. na quarta ela já começa a procurar os problemas para a próxima sessão. ela só quer saber de chegar e jantar a comida servida na mesa. paga e vive seis dias de conforto. e depois volta pra abastecer tal qual uma máquina. na verdade eu só queria que ela parasse com esse desejo tolo de viver em paz.
sexta-feira, 26 de junho de 2009
trança de um domingo
no cabelo tinha uma trança que unia os fios. a ponta estava amarrada com uma fita amarela, cor de girasol. o cabelo chegava até a cintura e quando ela caminhava a trança dançava de um lado para o outro. a menina ajudava no ritmo, balançando o corpo pra dar mais movimento aos fios. andava pela floresta, em direção ao domingo que ali existia. carregava uma cesta de palha, coberta por um pano de bolinhas que pulavam do branco para o vermelho. dentro levava pedaços de bolo com sabor de fubá, deixados pela vovó na mesa da cozinha. com a outra mão ela segurava a ponta da saia, que tinha mais flores que o jardim pelo o qual ela passeava. cantava músicas que só ela conhecia. brincava com as letras e os tons. por isso via-se dançar ali não só o corpo, mas todos os fios daquela trança.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
domingo, 21 de junho de 2009
da minha pequenez
daquilo que temos juntos eu ficaria com minha pequenez, tão gigante quando deitada nos largos ombros dele. as mãos mais compridas que as minhas tinham tanta firmeza no toque que foram elas os olhos daquela noite. eu seguia as ordens dos dedos, que juntos em apenas duas mãos, me levavam para lugares bem mais macios que o meu corpo. minha nuca sentia quando ele me prendia com correntes de pele. mas era da minha pequenez que eu gostava. colocava-me por inteiro dentro dele. eu cabia por inteiro lá dentro. delicadamente ele entendia isso e me carregava. eu me encolhia ainda mais. queria ser do tamanho das palmas das mãos, pra me fechar naquelas almofadas humanas. eu encolhia e ele me esticava a procura dos lábios. eu insistia na pequenez. coberta pelo corpo dele o mundo já não me via. eu experimentava uma sensação de fim da linha. tudo podia acabar ali, com a minha alma se espremendo na grandeza dele. não se tratava de esconderijo, mas da pequenez. o que eu podia querer além de me encaixar em outro alguém? não havia naquele momento nenhum desejo que me fosse maior. eu só queria saber de ser pequena e fazer ele ser bem grande.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
interiorana
hoje eu queria sentar naquele banco descascado da praça do interior. ver a simplicidade passando em frente a única igreja da cidade. esperar o menino chegar sem graça com flores e uma carta na mão. sentar ao lado dele e dizer textos cheios de silêncio. tomar um refrigerante na barraca e chegar às dez horas em casa, seguindo as ordens do meu pai.
ela que me lê mais do eu mesma
"amiga... seja autêntica. sempre. procure o que quer. não se baseie em quem admira, ok?
...
na faculdade... era nerd como a carol e a outra que esqueci o nome. depois se abriu mais comigo... na tv... era frágil e doce como a Tati. nos EUA... se envolveu em relações com mulheres, bebeu como nunca, e se entregou à liberdade como os jovens que conviveu. foi para África por admirar a Deca e achar que se encontraria lá. chegou aí.. e ficou tão frágil quanto as crianças que cuida. se contaminou pela miséria e sofrimento e se sente fraca.
...
por não conhecer quem é... quis ser todas as pessoas que conviveu. mas tem duas coisas que sempre vi em você:
o dom para traduzir sentimentos em palavras... tenho sua primeira cartinha... que me deu em meu aniversário na PUC São Gabriel.. com velinhas e brigadeiro... e a sinceridade de sua amizade
...
você muda conforme os lugares e pessoas que convive.
...
cada pessoa tem uma coisa interessante. eu não consigo amar tanto como você ama. sou fechada... nunca vi pessoa que mais ame do que você. e isso é raro... sabe, sinto um amor puro de você por mim.. como o de minha mãe. e não é so eu.. todo mundo que convive com você sente isso"
...
na faculdade... era nerd como a carol e a outra que esqueci o nome. depois se abriu mais comigo... na tv... era frágil e doce como a Tati. nos EUA... se envolveu em relações com mulheres, bebeu como nunca, e se entregou à liberdade como os jovens que conviveu. foi para África por admirar a Deca e achar que se encontraria lá. chegou aí.. e ficou tão frágil quanto as crianças que cuida. se contaminou pela miséria e sofrimento e se sente fraca.
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por não conhecer quem é... quis ser todas as pessoas que conviveu. mas tem duas coisas que sempre vi em você:
o dom para traduzir sentimentos em palavras... tenho sua primeira cartinha... que me deu em meu aniversário na PUC São Gabriel.. com velinhas e brigadeiro... e a sinceridade de sua amizade
...
você muda conforme os lugares e pessoas que convive.
...
cada pessoa tem uma coisa interessante. eu não consigo amar tanto como você ama. sou fechada... nunca vi pessoa que mais ame do que você. e isso é raro... sabe, sinto um amor puro de você por mim.. como o de minha mãe. e não é so eu.. todo mundo que convive com você sente isso"
quarta-feira, 17 de junho de 2009
um beijo maior que o beijo
pra todo beijo pedia uma prova. maior que o beijo. coisa de quem não sabe provar o gosto, de quem não sabe que tem língua. beijava esperando o texto. tudo era um teste. até o beijo. analisava o tamanho do sentimento, usando réguas de 30cm cada. pra ela tudo tinha que ser em forma de espetáculo, em voz alta, com cores cintilantes. propaganda. visual. com aroma. se era vazio por dentro só ela veria, então pouco importava. o importante era lá fora, os olhos, a vitrine de si mesma. queria incansavelmente vender a felicidade em frascos diários de mentiras.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
sábado a noite
um beijo. dois suspiros. outro beijo. duas peles. uma mordida. a razão. outra mordida. derrama tesão. vai e não volta. sua prazer. descansa os desejos. acorda os planos. e vai embora sem qualquer romance.
quinta-feira, 11 de junho de 2009
acabou
um dia eu deixei que ele fosse. deixei porque tinha a certeza da volta. eu acreditava que nenhuma liberdade seria capaz de criar asas tão grandes nele. achava que sentimentos não faziam parte do mundo material. que eram algo de forma única. estática. se um dia ele a amou então amaria pra sempre. mas tudo mudou, até ele. aliás, quase tudo. menos eu.
quarta-feira, 10 de junho de 2009
um dia, dois dias, e todos os outros...
acorda cedo, antes dos olhos se abrirem. toma um banho rápido pra limpar, mas não se molha. come algo escondendo a fome e em seguida esquece o gosto. sai de casa. chega na outra casa. liga o computador e desliga a janela. trabalha. porque precisa. porque quer dinheiro. e talvez porque goste. sai pro almoço. neste intervalo sempre tem desejos de não voltar. mas volta. computador já ligado. abre, fecha, copia, cola. 18h! mas já? chega em casa 20h e tenta descansar. mas está cansado demais pra atravessar a rua. deita os pensamentos no sofá e o corpo na televisão. não consegue assistir um programa completo. não resta nada. só o sono pra relaxar a pele pro dia seguinte...
segunda-feira, 8 de junho de 2009
as palavras são pequenas
- entre o que dizemos e o que fazemos há uma longa distância.
- muita... muita longa distância. porque né?
- porque desejos muitas vezes não cabem nas palavras.
- os desejos me corroemmm... muitos.
- quais? conte-me todos.
- muita... muita longa distância. porque né?
- porque desejos muitas vezes não cabem nas palavras.
- os desejos me corroemmm... muitos.
- quais? conte-me todos.
sábado, 6 de junho de 2009
encontro de mãos
não era o toque, mas a pele que ali existia. aquelas almofadas recheadas a encantavam. davam a impressão de que nos 24 anos de existência as mãos haviam sido usadas apenas para beijar. como se tivessem sido sempre privadas de qualquer lágrima. por isso o carinho dela nas mãos dele era na verdade um prazer egoísta. ela tentava assim dar certa maciez a sua áspera palma. um verdadeiro encontro de mãos.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
pedaço suculento de pão
não era do gosto em si que ela gostava, mas sim de mastigar as almofadas daquele pão minutos depois de sair do forno. mordia pedaços pequenos pra prolongar aquele prazer miúdo. as vezes ficava com partes dele na mão, modelando formas de nuvem. o cheiro também era um convite. vinha espalhado pelo ar, todo direcionado a ela. é preciso assumir que era mesmo um pão e tanto.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Paris, eu te amo
"- alô?
- Tomas, escute.
- Francine?
- escuta: há momentos em que a vida exige mudanças, transições. como as estações. nossa primavera foi maravilhosa, mas agora o verão acabou. e nós perdemos o outono. e de repente está tão frio, tão frio, que tudo está congelando. nosso amor caiu no sono e a neve nos pegou de surpresa. e se dormirmos na neve não sentimos a morte chegar..."
http://www.youtube.com/watch?v=XUhi17Rg2XU
- Tomas, escute.
- Francine?
- escuta: há momentos em que a vida exige mudanças, transições. como as estações. nossa primavera foi maravilhosa, mas agora o verão acabou. e nós perdemos o outono. e de repente está tão frio, tão frio, que tudo está congelando. nosso amor caiu no sono e a neve nos pegou de surpresa. e se dormirmos na neve não sentimos a morte chegar..."
http://www.youtube.com/watch?v=XUhi17Rg2XU
segunda-feira, 1 de junho de 2009
sobremesas
- como vai?
- vou bem, graças a Deus. e você?
- vou bem também ... graças ao vento
- e a que ele te levou?
- ainda está chegando. na hora vieram muitas ondas e ele nao pôde ser mais forte que a água daquele mar
- mas nunca será.....
- por isso talvez nunca chegue
- o vento só é mais forte que o nosso corpo... ele pode até te levar... mas o mar ficará aí...
- eu tenho medo de ir sozinha. por isso espero uma onda que me carregue pra eu poder ter a desculpa de ter sido levada.
- hum... e desde quando vc tem medo de vento????? te vejo até dançar nele....
- tenho medo quando vejo as pessoas apagando as luzes e indo dormir. quando percebo que amanhã estará claro demais pra eu poder qualquer uma das minhas velas.
- não tenha medo mais. diga para a vela.... que não precisa mais dela..... sua luz ilumina tudo.
- as vezes penso que essa luz seja invenção da poesia. mas o que podemos esperar além da poesia?
- acho que tudo além da poesia é mortal... prefiro nao pensar além dela..... sabe... tenho medo do além...
- nao há poesia sem além. fica só a letra num pedaço de papel. o além dá mais do que medo. são suícidios na maioria das vezes. pra quem gosta de morrer como eu tem gosto de sobremesa...
- vou bem, graças a Deus. e você?
- vou bem também ... graças ao vento
- e a que ele te levou?
- ainda está chegando. na hora vieram muitas ondas e ele nao pôde ser mais forte que a água daquele mar
- mas nunca será.....
- por isso talvez nunca chegue
- o vento só é mais forte que o nosso corpo... ele pode até te levar... mas o mar ficará aí...
- eu tenho medo de ir sozinha. por isso espero uma onda que me carregue pra eu poder ter a desculpa de ter sido levada.
- hum... e desde quando vc tem medo de vento????? te vejo até dançar nele....
- tenho medo quando vejo as pessoas apagando as luzes e indo dormir. quando percebo que amanhã estará claro demais pra eu poder qualquer uma das minhas velas.
- não tenha medo mais. diga para a vela.... que não precisa mais dela..... sua luz ilumina tudo.
- as vezes penso que essa luz seja invenção da poesia. mas o que podemos esperar além da poesia?
- acho que tudo além da poesia é mortal... prefiro nao pensar além dela..... sabe... tenho medo do além...
- nao há poesia sem além. fica só a letra num pedaço de papel. o além dá mais do que medo. são suícidios na maioria das vezes. pra quem gosta de morrer como eu tem gosto de sobremesa...
domingo, 31 de maio de 2009
centro
não era ilusão de ótica. nunca fora. mesmo que ela ocupasse o canto da sala, ainda que ela estivesse escondida atrás de algum objeto, ela era sempre o centro de todo um planeta Terra.
nicole.
o desfile dela era muito além das passarelas. o sorriso quando queria sair para as ruas vestia uma saia longa e nunca esquecia do salto alto. o corpo sonhando debaixo dos lençois fazia poses na madrugada. as mãos eram elegantes em exagero ao criarem movimentos lentos e racionais no ar. ela era modelo por profissão. mas se confundia constantemente pensando ser passarela qualquer pedaço de chão que pisava.
enquanto ele não vem...
o maior desejo era o encontro. era algo grande, feito tamanho gigante. ocupava tanto espaço que deixava cair vontades que disfarçavam a pequenez. o encontro ocupava o centro, era o foco, estava no palco. tinha todo o glamour de uma cena preparada para mãos produzindo aplausos. mas faltava muito sol e lua. tinha que esperar o tempo deles. e ela se perguntava se ninguém percebia o tempo dela. irritava sempre ter que esperar a velocidade dos ponteiros e não a própria. esta é a causa de todas as outras coisas. foi culpa da natureza a menina começar a colocar cimento nos muros de vento.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
paisagem viva
à beira-mar ela esticava tanto o corpo que a pele começava a ter desejos de asas soltas dos ossos. esticava e deixava os braços obedeceram a gravidade. o corpo movimenta-se no círculo imaginário, subindo e descendo montanhas. de olhos fechados ela enxergava paisagens mais coloridas do que aquelas pintadas em quadros que fugiam das telas. ela fazia parte daquela composição. era com certeza a árvore com troncos que tocavam mais alto o azul daquele céu...
segunda-feira, 25 de maio de 2009
só tenho tamanho
queria um dia de besteirinhas: comer chocolate o dia inteiro, manchar a blusa com picolé de uva, jogar areia quando ele virasse as costas, rodar só pra ver o mundo girando mais que a realidade, pisar com os pés descalços na lama, dançar como quem não tem ossos, rir das piadas sem graça, ficar deitada com ele o dia inteiro com a janela fechada sem saber se é dia ou noite, lambuzar as bochechas dela de pirulito, desenhar na pele meus desejos, comer pipoca só pra ouvir o barulho dentro da boca, tomar coca-cola e sentir o gás entrando, pedalar rápido até que a bicicleta comece a correr sozinha, cair de tanto brincar, esconder de alguém, comer todos os doces da geladeira... tem horas, mais de 24, que me cansa ser gente grande.
domingo, 24 de maio de 2009
sexta-feira, 22 de maio de 2009
pintura íntima
chegou e perguntou qual era a cor da parede do quarto dela. foi a primeira pergunta que fez. dúvida fundamental. afinal, o quarto poderia ser todo pintado marrom... o estranho foi perceber que ele era o primeiro homem a querer saber disso. por isso ela pensou que havia mais do que uma cor na pergunta dele...
quinta-feira, 21 de maio de 2009
rotina de uma senhora
tinha vida ali... ele não percebeu porque passou correndo, sem esperar o tempo que vinha logo atrás. uma senhora de cabelos longos saia de casa neste mesmo instante e viu o menino passar pela sua porta. aposentada, ela ocupava o movimento dos ponteiros com os olhos. tudo ela fotografava com a curiosidade. gastava filmes e filmes... não gostava da modernidade. deixava pra revelar as memórias em casa. só vasculhava as lembranças quando estava sozinha, no cantinho escuro da sala de estar. sentava na cadeira de balanço e tricotava fios da própria história. fazia isso sorrindo... diariamente.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
haverá solução?
tudo que ela queria era ser um corpo de vidro. não depender da água, do sol e da terra. precisar apenas do que existia dentro do mundo. ter necessidade de pessoas que olham, falam e tocam. ela já não queria ter fome nem sede. desejava muito poder escolher o endereço de cada estrela. mas pouco tinha vontade de cumprir horários e receber pedaços de papel com valor nenhum. pra ela bastava ver as ondas do mar num vai e vem infinito. sentar na pedra mais alta e ver o céu se manchar com as cores do sol. sabendo disso restava uma dúvida: em qual planeta ela deveria viver?
quinta-feira, 14 de maio de 2009
quero a nudez
"Eu sou sozinha no mundo e não acredito em ninguém; todos mentem, às vezes até na hora do amor, eu não acho que um ser fale com o outro, a verdade só me vem quando estou sozinha." Clarice Lispector
entre o que ele via e refletia...
olhava-se em um pedaço de metal que o refletia. um espelho trincado com pontas afiadas, prontas pra cegar. com a escova o menino penteava o cabelo, que de tão crespo não se movia um fio. penteava também a sombrancelha e o bigode que começava a nascer. penteava um de cada vez e várias vezes cada um. depois se admirava no espelho. continuava o mesmo, mas olhava como se tudo houvesse se tranformado. se achava mais bonito. olhava o espelho e depois enxergava o mundo. criava ali uma estranha dependência...
domingo, 10 de maio de 2009
menina de perguntas
o menino não perguntava nada, mas ela tudo respondia. freneticamente. quando lhe escapava a curiosidade ela logo arrumava um jeito de resgatá-la. pegava a vara e usava a melhor isca. nas janelas era sempre a cabeça dela que atravessava a parede. ela precisava da física. por isso colocava o maior número possível de interrogações nas conversas. as frases dele com pontos no final distribuiam oxigênio e faziam a menina andar cantando e sorrindo por qualquer lugar. agora mesmo... lá vai ela...
feliz dia das mães
quando me vêem dizem que eu sou ela. quando encontram com ela dizem que ela sou eu. nem das coisas que eu não gosto eu escapo. estão todos os detalhes ali, escancarados em mim. não há quem negue a presença da cor vermelha entre nós. o sangue até derrama. o umbigo umbilical me parece ainda ter alma. ela está aqui e eu estou lá. incrivelmente presentes.
sábado, 9 de maio de 2009
sonho de uma gota d'água
as gotas se escorregavam no telhado. caiam várias ao mesmo tempo. se abraçavam formando uma só. grande. que nem gota era mais. descia passando os dedos em cada curva daquelas telhas. sentia medo das falhas no caminho, porque o sonho daquela água era cair em terra molhada pra ver brotar a partir dela pétalas azuis.
terça-feira, 5 de maio de 2009
sexta-feira, 1 de maio de 2009
terça-feira, 28 de abril de 2009
sábado, 25 de abril de 2009
giros de uma barra de saia
a barra da saia se confundia com o mar cuspindo e engolindo a areia. ia e vinha desenhando picos e vales. as pernas davam tapas no vento, em uma tentativa de capturar o ritmo da música que preenchia aquela manhã de domingo. tomava ali o primeiro banho do dia, com o suor lavando o corpo. transpirava mais sal do que o oceano permitia. a roupa simulava a segunda pele, grudando no peito. não se cansava. não parava. e olha que respirava...
sexta-feira, 24 de abril de 2009
invisivelmente visível
apaga o texto e deixa só a observação no fim da página. guarda o presente e entrega apenas a fita abraçando um cartão. come o arroz e o feijão e oferece a sobremesa, bem doce. estaciona o carro e chama para um passeio com pés e vento rodeando o corpo. tranca a casa e dorme em um colchão mais colorido que o seu, naquela grama que ultrapassa o verde de qualquer tonalidade. desliga o som e liga as cordas de um violão. apaga a luz para as estrelas brincarem de serem Lua. vai desconectando... vai tocando com as curvas da alma o universo que aos poucos vai se tornando menor que a própria palma das mãos...
pirulitos da minha infância
esse mundo sem esquinas tem dessas coisas. de refletir aquele mesmo sentimento que me agitava dentro do frasco nos dias das folhas já rasgadas do calendário. recordações de imagens fotográficas. altamente intrigantes, vivas, ofegantes. de pessoas que cresceram, mas que eu não pude acompanhar os pés pisando a terra. depois de anos um reencontro calado. virtual. sem aquela emoção que nos agarrava nas tardes depois da escola. me parece que certas sensações morrem no instante em que acontecem. nenhuma das meninas me convidaram pra descer para o pátio e ocupar com bonecas da infância as nossas tardes, que na maioria das vezes se pintavam de noite. respiramos muitas fantasias juntas. naquela época os vizinhos ainda ultrapassavam a geografia. a gente se conhecia. sabia nome de pai, mãe, até tios e tias. mas hoje elas cresceram e junto com elas o mundo. o fato de estarmos perto já não nos aproxima. ficou tudo lá atrás. daqui eu fico a me espantar com os sorrisos tão grandes que cada uma mostra nas fotos. o futuro que cada uma compôs, bem do jeito que eu poderia esperar. seguiram fielmente os traços de menina que um dia eu vi desenhar. elas continuam a marcar com força o universo que as pertence. sei apenas que nostalgia é algo bem gostoso de se sentir, pra fazer reviver aqueles nossos esconderijos de criança.
terça-feira, 14 de abril de 2009
as jogadas de um homem
é muito sexy um homem jogando futebol. o domínio daquele objeto com os pés, o suor pingando no corpo, o vento que sinto sair dele quando ele passa correndo. a bola girando no chão entre tantos homens e um deles a domá-la com um desejo de encaixá-la bem ali, entre as grades do gol. e quando ela começa a passear nas curvas masculinas, quicando sob as pernas, dando saltos com a cabeça, encontrando descanso no peito. um show de sensualidade.
sábado, 11 de abril de 2009
em crise
você é chata. insegura. tem um romantismo que faz engasgar. cansa. é natural que eles se afastem. você começa a sonhar em exagero. ultrapassa o limite estipulado por quem nasceu sem asas. pensa que ser borboleta é uma fase única. esquece do crescimento. dos passos. do tempo. vai respirar. vá correr por esses campos isolados. sozinha. no escuro. sem música. desfaça essa dependência. já não há cordões... só a abstração que você insiste em dizer que é profunda. fica aí cavando buracos sem fim e não vira o pescoço pra ver que na superfície crescem raízes. ignorante com diploma na pasta. nada sabe. e pensa que pode ensinar. entra em crise pela simples falta da própria voz. depois tem coragem de dizer que entende de coisas simples. falsa! lá fora mostra beleza e quando entra no quarto tem vergonha de se olhar no espelho. quebra. desconstrói. transforma. busca tanto que se perde quando há curvas. quer agarrar qualquer coisa que se encaixe nos próprios desejos. não sabe viver só. e principalmente não quer aprender. sai do quarto a noite pra ouvir o som de pessoas falando de qualquer assunto. incógnita. os outros criam tantas molduras que ela acaba por se enganar. tola!
as tais alianças
o branco daquele vestido no altar me fez sentir inveja. os olhos de eternidade envolvidos na cumplicidade do casamento. era fácil congelar o amor entre os dois. a flor pendurada nos longos fios de cabelo que ela sempre esperou crescer. lembro quando ela passeava os dedos entre os meus fios a espera dos dela. quando eu cheguei com cabelos curtos foram os olhos dela que tiveram o maior espanto. tudo fica claro. só de ver as mãos encostando na pele um do outro já se escancara a plenitude. é ela. é ele. são um só. uma vontade assim. tradicional. de ser de alguém. de se empurrar do ponto mais alto pra cair nos braços dele e esquecer do resto. vale também viver pra isso. só pra pensar em como surpreendê-lo no dia seguinte com rimas preenchendo as paredes. não há sonho mais digno. e ultimamente tem algo como isso me devorando...
sexta-feira, 10 de abril de 2009
por uma noite apenas
aquele único vestido preto basta. já é suficiente para a sensualidade e para o vento que aparece pra fazer girar a saia. roupas de festas me deixam exausta. muito laço, cabelo penteado, pele colorida, pontas de pés. eu prefiro a calça jeans e a blusa branca misturadas no corpo limpo pela água vinda do balde. um dia ainda direi isso pra ela. porque ela fica muito mais bonita sem aquele vestido brilhante e aquele cabelo grudado em grampos. por uma noite se escorreu a forma que ela tinha naqueles saltos mais altos que os pés. ficaram as fotos de sorrisos iguais em uma noite de gala. até ela ficou igual, mesmo eu sabendo de toda a diferença.
notas de um certo violão
pra ele eu queria dar bem mais que aquelas palavras cantadas com cordas de violão. imagina. ele disse que aprendeu a tocar a música por minha causa. eu achei muito delicado, muito mais do que os bordados que minha avó costurava na barra das minhas saias de criança. abri os dedos e me escondi entre as frestas que me escapavam. sorria mais do que a pele permitia. vi surgir bem ali, atrás do banco da nossa praça, uma voz de verdade. ele falava comigo. bem pertinho. dava pra sentir a respiração fazendo carinho nos caminhos ao redor do meu ouvido. quando acabou a música me faltou qualquer coisa pra imitar um beijo. silêncio. ele subindo a janela pelas tranças que esqueci fora da janela. príncipe de computador na mochila. eu me apaixonei. pra além das fronteiras deste continente africano. agora explodo. agora a água segue agitada com o calor que a ferve. agora... e sempre...
quarta-feira, 8 de abril de 2009
em um minuto
abraça o computador como se houvesse pele pra tocar. com dificuldade digita expressões que gritam no rosto. sorri. encabulado. envergonhado. encosta o corpo na cadeira. aproxima a mão do teclado. as letras de lá não chegam. olha o relógio. mexe no celular. estica os braços. brinca com a setinha no espaço em branco. impaciente. ansioso. falta a ação e a reação simultânea. cruza os braços. ajeita o corpo. tudo isto em um minuto. na falta dos olhos ele fica aqui a criar sensações nesse mundo que faz aproximar as distâncias...
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