A imagem que ilustra este poema não
me consegue sair da cabeça. Parece
pregada com sôfregos beijos a cada
um dos hemisférios. Sei que vou
passar meses até que consiga
aparar as gregas
de granito que este fotograma
inédito
me deixaram a levitar na mente.
Rótulas, unhas, até as águas
que percorrem todo o corpo
são o espelho desta imagem. Como
pode algo tão belo irromper-me
a luz interna com tanto
negrume?
Não sei, nem tenho que vos responder.
Sei que estarão a pensar que fui eu
que captei aquele fotograma numa festa,
funeral, casamento, acidente qualquer.
Não fui. Juro que não fui.
Foram vocês.
Quando cheguei aqui hoje de manhã,
já ouvia a respiração daquele instantâneo
etéreo.
Abrasa-me a vida toda sem que lhe
tenha pedido tal exercício.
Sentem o lume a chegar-vos ao fundo da boca?
Visão superlativa do mundo em que vivemos. É a guerra
do protagonismo recorrendo a objectos arcaicos de labaredas
imóveis.
Escrevo com o pensamento. Tenho os dedos imóveis
a segurar a fervura do retrato.
Será homem, mulher, criança ou idoso? Será uma paisagem
demolida pelo flash? A minha têmpora está naquele instante.
Hábeis talentos terão dado corpo a tanta arte visual.
Espera. Tem tento nas palavras e impõe a esta rédea
de dança térmica.
Seguiram-me até aqui? Ainda a conseguem ver, ou já
vos percorre o sistema sanguíneo em arrepios
de um ritmo que não controlam.
O que vêem? Até onde é a imagem que é este poema
vos levou?
Sinto-me matéria sombriamente descrita
e observo
ao longe a vossa curiosidade a criar uma
ilusão de algo no vosso espaço interno.
Em língua lenta, o que vêem?