I
Influenza cintilante,
o que é preciso,
doutor, para o deixar cativado? As curas andam caras
e tu
rastejas no limbo a tempo de regredires
à origem. Sei de tudo isto porque
discutirás no teu ontem – meu amanhã – em discurso
encenado na sabedoria do
precário.
Criarei a noite petrificada
para que a exaltação seja nula.
Ouve-se daqui a ranger da dentição
que te ocupa a situação. Revela-te as falhas,
as gengivas derrubam-te a existência
com a sua inflamação de crenças e rituais. Esqueces-te
dos acordares da morte.
Sentado em escaras e apenas
deliras com trechos
de idas ao passado por força de tratados
que deixarás na clara pendência.
Influenza aterrada em gestos presunçosos sou eu
que caminha a fúria em mim.
E com o erguer da sombra do teu braço,
queria-te lamber as feridas da alma e
deixar a saliva lentamente a servir
de cicatrizante flutuante.
Queria-te raspar (influenza) do corpo mole
com uma espátula de cinza quotidiana
para não te deixar esquecido no
lento arfar que as palavras despenhadas
ainda têm em ti.
Casei com o conceito de te salvar, mas sou
amante das circunstâncias.
O tempo avança e tu não. Queres revelar-me
a sublime colisão com o vazio, a derradeira
visão da distinção entre ti e a tua sombra colorida
pelos resíduos que me ficaram. Não me achas cansada
de ser hemisfério estacado no magnifico acto
do luto moderno?
II
Chego a casa do tratamento e lês em voz
alta aquilo que será o píncaro do meu funeral. Descubro
lentamente que estou quase a deixar-te e não me lembro
de tudo. Apenas memorizei que começas na influenza, passas
pela minha cura através de saliva e acabas no luto moderno.
Decora-o. Depois de amanhã
será um funeral chuvoso.
pedro s. martins