cobriu-lhe os seios de
trevos, para dar sorte, e
pintou-lhe as
unhas de escarlate
na cama de deus
dormirá, hoje, uma mulher bonita.
Renata Correia Botelho, "Avulsos, por causa", Língua Morta, 2010
sábado, 30 de abril de 2011
sexta-feira, 29 de abril de 2011
domingo, 24 de abril de 2011
O DESERTO
A cada instante ladeio
a malha entre dois passos
na teia (que orbe!)
duma aranha sesga.
Por cântico fúnebre,
apenas o silêncio audível;
as notas fluem na aérea
ausência de pauta.
Dar a esta caligrafia
a incisão
de um dorso de camelo,
bossa a bossa ondeando
contra a face da lua.
E em meu lábio
deixar às aves
as sílabas mais tenras.
Sebastião Alba, "A Noite Dividida", Assírio & Alvim, 1996
a malha entre dois passos
na teia (que orbe!)
duma aranha sesga.
Por cântico fúnebre,
apenas o silêncio audível;
as notas fluem na aérea
ausência de pauta.
Dar a esta caligrafia
a incisão
de um dorso de camelo,
bossa a bossa ondeando
contra a face da lua.
E em meu lábio
deixar às aves
as sílabas mais tenras.
Sebastião Alba, "A Noite Dividida", Assírio & Alvim, 1996
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Primavera
Na Primavera, os marmeleiros
da Cidónia, regados pelas correntes
dos rios, lá onde das Virgens
está o puro jardim; e os pâmpanos
a crescerem sob folhagens sombrias,
rebentos de vinha. Mas para mim o amor
não descansa em nenhuma estação;
ardendo sob o relâmpago
como o Bóreas da Trácia,
lança-se de junto de Cípris com sedentas
insânias, tenebroso, desavergonhado,
e com força, de cima a baixo, sacode
o meu espírito.
Íbico
da Cidónia, regados pelas correntes
dos rios, lá onde das Virgens
está o puro jardim; e os pâmpanos
a crescerem sob folhagens sombrias,
rebentos de vinha. Mas para mim o amor
não descansa em nenhuma estação;
ardendo sob o relâmpago
como o Bóreas da Trácia,
lança-se de junto de Cípris com sedentas
insânias, tenebroso, desavergonhado,
e com força, de cima a baixo, sacode
o meu espírito.
Íbico
Amadeu Baptista na blogosfera.
Amadeu Baptista chegou, finalmente, à blogosfera.
Com uma bibliografia documentada desde o seu primeiro livro - As Passagens Secretas -, vale a pena ver e seguir de perto.
Além das capas dos livros e de, pelo menos, um poema de cada, poderão ainda ver a mão que Amadeu tem para a fotografia.
Com uma bibliografia documentada desde o seu primeiro livro - As Passagens Secretas -, vale a pena ver e seguir de perto.
Além das capas dos livros e de, pelo menos, um poema de cada, poderão ainda ver a mão que Amadeu tem para a fotografia.
OUTUBRO
O outono já chamou a recolher,
obedecem os caminhos,
os ossos e o mundo.
Ao leme da memória,
os olhos em jejum, viro costas
à indústria dos escombros.
Atiro leve rede
para o lado que me foge.
Sob esta condição,
a difícil barricada das estantes
protege-me do bem
e dos gritos ao telefone.
José Miguel Silva, "O Sino de Areia", Gilgamesh, 1999.
obedecem os caminhos,
os ossos e o mundo.
Ao leme da memória,
os olhos em jejum, viro costas
à indústria dos escombros.
Atiro leve rede
para o lado que me foge.
Sob esta condição,
a difícil barricada das estantes
protege-me do bem
e dos gritos ao telefone.
José Miguel Silva, "O Sino de Areia", Gilgamesh, 1999.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
BUT NOT FOR ME (BILLIE HOLIDAY)
Desistir do rosto, dos propósitos, das
palavras. Há sílabas assim.
Com a vergonha do afecto
emprestada ao desalinho das mesas.
Por ali, encenando a imobilidade,
a rudeza de haver dor.
Eu sei que não virás.
Bebo por ti, sem ti, contra ti,
com o coração no bengaleiro
a fingir que não, não faz diferença.
E o pior é que até faz,
por muito que ninguém o saiba.
Manuel de Freitas, "[SIC]", Assírio & Alvim, 2002
palavras. Há sílabas assim.
Com a vergonha do afecto
emprestada ao desalinho das mesas.
Por ali, encenando a imobilidade,
a rudeza de haver dor.
Eu sei que não virás.
Bebo por ti, sem ti, contra ti,
com o coração no bengaleiro
a fingir que não, não faz diferença.
E o pior é que até faz,
por muito que ninguém o saiba.
Manuel de Freitas, "[SIC]", Assírio & Alvim, 2002
quarta-feira, 20 de abril de 2011
«Mas a cortina poderá cair agora.»
«Um quarto
vazio, um cobertor
emprestado, um único
copo: a cenografia
do amor, peça
em um acto.»
Rui Pires Cabral, "Oráculos de Cabeceira", Averno, 2009.
vazio, um cobertor
emprestado, um único
copo: a cenografia
do amor, peça
em um acto.»
Rui Pires Cabral, "Oráculos de Cabeceira", Averno, 2009.
terça-feira, 19 de abril de 2011
A Mão do Oleiro
«morte:
a mancha negra do corpo, sobre a cama
as mãos que o tempo, anónimo, fixou.
No quintal, os carpinteiros juntam prancha a prancha com o som
enquanto os cães
esperam a fome, cheios de paciência.
Lá dentro, o morto desenha o esquecimento
e a casa fica impenetrável.
Contra a porta, o vento
junta folhas, terra, vespas secas.
O vento e o seu gume.
Os corvos na lixeira retomam a guerra
em curtos voos que a fome desorganiza.»
Rui Nunes, "A Mão do Oleiro", Relógio D'Água, 2011.
a mancha negra do corpo, sobre a cama
as mãos que o tempo, anónimo, fixou.
No quintal, os carpinteiros juntam prancha a prancha com o som
enquanto os cães
esperam a fome, cheios de paciência.
Lá dentro, o morto desenha o esquecimento
e a casa fica impenetrável.
Contra a porta, o vento
junta folhas, terra, vespas secas.
O vento e o seu gume.
Os corvos na lixeira retomam a guerra
em curtos voos que a fome desorganiza.»
Rui Nunes, "A Mão do Oleiro", Relógio D'Água, 2011.
segunda-feira, 18 de abril de 2011
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