Depois do
artigo inicial sobre David Melgueiro, iremos neste reflectir sobre o conhecimento disponível à época. Foram várias as expedições procurando a Passagem do Nordeste, e sobre muitas delas pouco reza a História. Para enquadrar a possibilidade da verdadeira realização da viagem de Melgueiro, é preciso perceber o que o precedeu.
Começaremos pelo norte da Rússia, onde
os Pomors chegaram aos mares do Norte durante o século doze, através dos estuários de Dvina/Norte e Onega. Da sua base de Kola, exploraram todo o mar de Barents, incluindo
Spitsbergen e
Novaya Zemlya. Mais tarde, os Pomors descobriram e mantiveram a Passagem do Nordeste entre Arkhangelsk e a Siberia. Com os seus navios, designados
koch, especializados para a navegação nas díficeis condições do Árctico, os Pomors atingiram locais longínquos da Sibéria, como
Mangazeya, a este da penínusula de Yamal. Neste excelente
documento de Nataly Marchenko, encontramos uma mapa alusivo às navegações dos Pomor:
No início do século XVII, nos três meses de Verão, o transporte de mercadorias através de barco era frenética. O desaparecimento de Mangazeya ficou sobretudo a dever-se a razões políticas, pois em 1619 foi punida com a pena de morte quem negociasse na região, depois de em anos anteriores o volume de trocas comerciais aí ter superado o de toda a Rússia, sem que esta conseguisse aí cobrar impostos... Curiosamente, Mangazeya foi devastada por um fogo em 1662, que levou à sua evacuação, tendo sido
redescoberta em 1967. Mais informação sobre Mangazeya pode ser vista
neste documento, em russo.
Entretanto, em Roma, o diplomata
Dmitry Gerasimov, em 1525, avançara com uma possível ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Em 1553,
Hugh Willoughby, comandou três navios, com o piloto
Richard Chancellor, em busca da passagem do Nordeste. Os navios foram separados por ventos fortes, e enquanto Willoughby aportou a uma baía próxima da actual fronteira entre a Finlândia e a Rússia, tendo morrido durante o Inverno, Chancellor conseguiu atingir o Mar Branco, e daí regressar a Moscovo por terra. Mais tarde, Chancellor conseguirá descobrir o que aconteceu a Willoughby, recuperar alguma da sua documentação, e nela encontrar referências a Novaya Zemlya. Entretanto,
Steven Borough, que também participara na expedição de Willoughby, numa segunda expedição em 1556, descobriu o estreito de Kara, mas teve que voltar para trás, em função do gelo. Um século antes de Melgueiro, Borough passou o Inverno em
Kholmogory, no Mar Branco.
Willem Barentsz, navegador holandês, foi o explorador que mais activamente procurou a Passagem do Nordeste, no final do século XVI. Na sua primeira viagem, em 1594, conseguiu atingir a costa oeste de Novaya Zemlya, mas teve que voltar para trás por causa do gelo. No ano seguinte, Barentsz fez a sua segunda tentativa, mas perante um mar de Kara gelado, foi obrigado a voltar atrás, tendo a expedição sido considerada um fracasso.
Na terceira e última viagem, na qual viria a morrer, Barentsz começou por descobrir
Spitsbergen, donde prosseguiu para Novaya Zemlya. Quase na ponta norte da ilha tiveram que passar o Inverno seguinte, tendo sido
construída uma cabana. No Verão seguinte regressaram para Sul, mas entretanto Barentsz morreu no regresso. Uma boa descrição desta viagem está disponível no livro
The North-west and North-east passages 1576-1611, de Philip Alexander.
Os holandeses foram dos mais activos na procura da Passagem do Nordeste. Note-se que este é um factor que importa na equação da viagem de Melgueiro, uma vez que o
Pai Eterno, no qual terá efectuado a Passagem do Nordeste, era um navio holandês. Ainda antes de Barentsz,
Olivier Brunel tentou em 1584 encontrar a rota para leste pelo norte. No início do século XVII, vários navegadores ao serviço da
Companhia Holandesa das Índias Orientais procuraram activamente a passagem, nomeadamente
Henry Hudson.
Segundo Leonid Sverdlov, Membro da
Sociedade Geográfica Russa, existirá evidência de que um empreendimento comercial terá partido de Ob ou Yenisey, e contornado o Cabo de Chelyuskin, a ponta mais a norte da Ásia, tão cedo quanto 1617-1620. Achados arqueológicos de 1940-1945 no golfo de Sim e na
ilha de Faddeyevsky parecem servir de evidência para tal empreendimento. Aliás, à ilha de Faddeyevsky está associada "Kettle Island", oficialmente descoberta em 1773 pelos russos Ivan Lyakhov e Protod’yakonov, e que deram o nome à ilha por nela terem encontrado uma chaleira de cobre. Quem aí a deixou continua hoje a ser um mistério...
Em 1648
Semyon Dezhnyov tornou-se o primeiro europeu a passar o estreito de Bering, ou de Anian, como era conhecido anteriormente. Na companhia de Fedot Alekseyev, Andreev e Afstaf’iev, navegaram pelo rio Kolyma até ao Oceano Árctico, contornaram a península de Chukchi, até ao rio Anadyr, já no Pacífico. A descoberta
não teve grande divulgação, tendo mesmo sido alvo de desacreditação. Ainda segundo a lenda, alguns dos barcos da expedição terão sido desviados para o Alaska, mas nenhuma evidência existe, para além do desaparecimento de grande parte da expedição, dado que apenas o barco de Dezhnyov, um de sete, chegou ao Anadyr.
Ainda na primeira metade do século XVII destacaram-se os exploradores russos
Mikhail Stadukhin,
Ilya Perfilyev, Ivan Rebrov, Elisei Buza, Poznik Ivanov e Dimitry Zyryan, que exploraram as zonas dos rios
Yana,
Indigirka e
Kolyma. Destaque também para
Kurbat Ivanov, que em 1660 (mesmo ano da partida de Melgueiro) partiu da baía de Anadyr para o Cabo Dezhnyov. Na sequência desta viagem Ivanov criou um mapa de Chukotka e do estreito de Bering.
Nota: Este post foi integrado numa página onde se relata toda a investigação efectuada sobre David Melgueiro:
ecotretas.blogspot.com/p/david-melgueiro.html