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Ricardo Burg Ceccim 1

Linha de cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede de práticas cuidadoras para uma outra educação dos profissionais de saúde 1

Linha de cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede de práticas cuidadoras para uma outra educação dos profissionais de saúde1 RICARDO BURG CECCIM ALCINDO ANTÔNIO FERLA Introdução Entendemos a proposta de linha de cuidado atada a uma noção de organização da gestão e da atenção em saúde que toma em referência o conceito de integralidade na sua tradução em práticas cuidadoras. Isto é, trata-se de inventar uma proposta que efetive uma organização da gestão setorial e das práticas assistenciais capaz de responder por uma concepção de saúde não centrada somente no tratamento das doenças, mas na inclusão de pessoas em uma rede de práticas cuidadoras em saúde e de afirmação da vida. A produção do cuidado2 (MERHY, 2002) e a afirmação da vida (CECCIM, 1997) trazem consigo um processo de desenvolvimento de ações e de serviços de saúde implicados com a construção das respostas possíveis às dores, angústias e aflições, assim como aos aborrecimentos, sofrimentos e problemas (falamos de sensações e não só de constatações) que chegam aos serviços de saúde. Como resposta, há necessidade de que não apenas se produzam consultas, atendimentos e procedimentos, mas que o processo de consultar, atender e prestar procedimentos seja capaz de produzir, além da terapêutica, conhecimento e sensação de cuidado, assim como autonomia e desejo de vida em cada usuário (CECCIM, 2004b; CECCIM; CAPOZZOLO, 2004; FERLA, 2004). Falamos de uma rede que seja a tradução de uma prática cuidadora e que, comprometida com a afirmação da vida, tenha capacidade de abrir mão das representações que a constituem, nomadizando-se em resposta efetiva ao contexto gestao em redes final.pmd 165 19/09/2006, 16:20 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla detectado no encontro usuários – ações e serviços (FERLA, 2002; CECCIM, 2004b). É imprescindível, em cada encontro considerado, aproximar-se das pessoas e tentar conhecê-las: suas condições de vida e de trabalho; as concepções que têm acerca da saúde, da doença, dos fatores que beneficiam a saúde, dos fatores que prejudicam a saúde e dos recursos que buscam em caso de doença ou abalos à saúde; as concepções de escuta, tratamento, cura e cuidado; seus hábitos e as providências que tomam para resolver seus problemas quando adoecem ou não se sentem bem, assim como o que fazem para evitar adoecimentos (CECCIM, 1998/1999; CAMARGO JR., 2005). Será com esse conhecimento que se poderá dar provimento ao fluir pelas linhas de cuidado; as linhas intensificam projetos terapêuticos individuais e não simples encaminhamentos de menor à maior tecnicalidade da atenção. O ordenamento da atenção e de uma rede de serviços em linha de cuidado implica, necessariamente, tanto para gestores e trabalhadores quanto para usuários, o conhecimento dos fatores que beneficiam ou prejudicam, condicionam e/ou determinam os estados de saúde e os recursos existentes para sua prevenção, promoção e recuperação, assim como para o engendramento da afirmação da vida, do cuidado de si e das conexões em redes sociais (CECCIM; FERLA; PELEGRINI, 2003; MERHY, 1998; FRANCO; MAGALHÃES JR., 2003). Para a organização de linhas de cuidado, é fundamental que sejam planejados fluxos que impliquem ações resolutivas das equipes de saúde, centradas no acolher, informar, atender e encaminhar por dentro de uma rede cuidadora (sistema de referência e contra-referência como um tramado do cuidado e não uma racionalização de hierarquia vertical e burocrática do uso dos recursos assistenciais), onde o usuário, mediante um acesso que lhe dê inclusão, saiba sobre a estrutura do serviço e da rede assistencial e, a partir da sua vivência nele – como uma pessoa que o conhece e se sente parte dele – seja capaz de influir em seu andamento (CECCIM; FERLA; PELEGRINI, 2003; MERHY, 1998; FRANCO; MAGALHÃES JR., 2003). Uma hierarquia horizontalizada e uma organização em linha de cuidado desenha diagramas singulares (RIGHI, 2002a) à rede de 166 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 166 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... serviços de saúde, enlaçando-se, inclusive, com práticas que não compõem o sistema formal de atenção à saúde. Em lugar da tradicional pirâmide de porta de entrada única e mobilidade padronizada, atada num trânsito somente formal e técnico-racionalista (serviçocentrados; profissional-centrados), uma malha de cuidados ininterruptos, organizados de forma progressiva. Numa malha não há maior e menor, anterior e posterior, partida e chegada, topo e base; tudo o que há é o tramado, as ligas, as conexões: rizoma. Por entre as ligas e conexões, correm as linhas de cuidado que devem assegurar a satisfação das demandas dos usuários (diagramas singulares). É assim que devem organizar-se os fluxos e mecanismos de acesso que ampliam o universo e a natureza das unidades de produção da saúde em sua condição de conectadas em rede para o cuidado. A linha de cuidado implica, também, um redirecionamento permanente do processo de trabalho, onde o trabalho em equipe se constitui como de fundamental importância para a ampliação das compreensões e interpretações, pois não é uma patologia ou um evento biológico o que flui por uma linha de cuidado, mas uma pessoa, um processo de subjetivação, uma existência encarnada num viver individual. Assim, ao longo do percurso, nuanças, sutilezas e transformações podem e devem encontrar acolhida e projeto terapêutico, inclusive abrindo outros fluxos na grande malha de cuidados de uma rede de saúde. Há que nos lembrarmos, permanentemente, o que efetivamente consta no artigo 198 da Constituição Federal: as ações e serviços de saúde integram uma rede, que constitui um sistema único, organizado pelas lógicas da descentralização da gestão, integralidade da atenção e dependência da participação. Portanto, regionalização e hierarquização devem expressar linhas de fluxos não gerenciais, mas de qualidade do acesso (loco-regional) e da resolutividade (cadeia de cuidado progressivo). Regionalização e hierarquização, como referidas pela Carta Magna, devem atender aos atributos de estarem integradas, em rede, constituindo um sistema único, atendendo aos interesses locais, cumprindo atenção integral e correspondendo às necessidades e anseios dos usuários. Desse modo, a regulação gerencial se constitui como dispositivo de monitoramento e melhoramento permanente da qualidade da atenção cuidadora em rede. GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 167 19/09/2006, 16:20 167 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla Constituída em sintonia com o universo dos usuários, uma linha de cuidado terá mecanismos de acolhimento em todos os serviços da rede, não importando se portas de entrada ou elos da cadeia de referência e contra-referência. Em última instância, uma linha de cuidado tem como pressuposto sua extensão à intersetorialidade e, por seu potencial de resolutividade, deve possibilitar o surgimento de laços de confiança entre serviços, gestão setorial, instâncias de controle social e redes sociais, indispensáveis para melhorar a qualidade e a resolutividade das ações de saúde (FERLA, 2004). Em conseqüência, os profissionais da equipe devem desenvolver a capacidade de propor alianças, seja no interior do próprio sistema de saúde (armar uma rede de matriciamento e apoio interserviços), seja nas ações desenvolvidas com as demais áreas de políticas públicas (intersetorialidade) e, ainda, junto às redes sociais (CECCIM et al., 2002). Cabe lembrar que a entrada na linha de cuidado se relaciona com o acesso e acolhimento, mas a saída com a resolutividade (responsabilização pela cura) e autodeterminação dos usuários. Em última instância, a porta de entrada são as ações e serviços de saúde, a saída são as redes sociais, mas Campos (1994, p. 60-61), ao desafiar que recoloquemos “a discussão sobre o significado do cuidado em saúde e sobre o sentido do processo de cura”, diz pensar no objetivo de todo processo terapêutico como ampliação da capacidade de autonomia dos usuários. Leva-nos a entender que “a doença ou o risco de adoecer podem cobrar das instituições um apoio crônico, de longo curso – exatamente com o objetivo de que a autonomia se cumpra”. Para o autor, “a construção dessa autonomia – o paciente ‘curado’ – depende de uma combinação de técnicas de apoio individual com outras de feição mais sociocultural”. Campos exemplifica as técnicas de apoio individual como os fármacos, a atenção clínica, o aceso às informações, a reabilitação física, a referência em crises etc. e sugere as de apoio sociocultural como a socialização, a capacitação para o trabalho e geração de renda e o desenvolvimento de convivências e capacidades para viver num mundo de conflitos e de disputas. O autor, por fim, defende que se pense fortemente sobre a desmedicalização e a desisntitucionalização para pensar em serviços abertos ao comando dos usuários, mas que os apóiem com padrões de plasticidade, adequan168 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 168 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... do técnicas, políticas e diretrizes administrativas aos projetos de cuidados terapêuticos que se apresentem necessários para cada cidadão singular. Cabe à gestão do sistema de saúde prever relações formais de promoção da saúde, concebendo-as na sua proposição de linha de cuidado com participação popular. No âmbito da assistência, essas propostas apontam, fundamentalmente, para a ampliação e qualificação da atenção básica à saúde, por sua presença direta e detida em territórios de organização da vida. Devem possibilitar o acesso de todas as faixas etárias e todos os segmentos sociais (inclusão do conjunto da população e não de grupos programáticos) e também a oferta de tantos mais serviços quantos se façam necessários quanti e qualitativamente, por extensão de cobertura ou por inovação. De outra parte, os sistemas municipais de saúde devem assegurar o conjunto de atendimentos que sejam demandados e, necessariamente, expandir os âmbitos secundário e terciário, não represando a demanda absorvida/construída por uma atenção básica à saúde em expansão. É para ampliar a absorção de problemas sob cuidado que se regula uma linha de cuidado, porém a regulação não é atributo apenas da oferta de serviços. O conjunto do sistema e seu controle social devem estar prontos a desenvolver serviços alternativos e substitutivos aos modelos tradicionais de modo a buscar, no cotidiano, todo dia, a integralidade da atenção (CARVALHO-SANTOS, 2006). As principais contribuições à produção conceitual sobre a linha de cuidado, como metáfora para uma reorganização cuidadora das ações, serviços, redes e sistemas de saúde, incluem a análise e intervenção em serviços (CECÍLIO; MERHY, 2003), em sistemas e redes municipais (MERHY, 2003; FRANCO et al., 2004) e como recurso analítico para o estudo do componente suplementar do sistema nacional de saúde (MALTA et al., 2005). A proposição de linhas de cuidado parece-nos muito promissora à reversão da organização e regulação burocráticas para formatos criativos e atuais. A linha de cuidado pode ser tomada como o fio da integralidade que trama regionalização e hierarquização em reconhecimento do poder local e segundo o elevado acolhimento dos usuários. GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 169 19/09/2006, 16:20 169 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla A integralidade como um eixo orientador: a imagem da mandala A integralidade como eixo orientador para a afirmação do Sistema Único de Saúde (SUS) associa a superação do reducionismo das práticas de saúde à organização dos processos de trabalho e do sistema sócio-sanitário, à formulação das políticas de atenção a problemas e populações específicas, às necessidades das pessoas e suas condições de vida, à escolha das tecnologias de atenção e às interrelações subjetivas e de produção da autonomia (MATTOS, 2001; CECÍLIO, 2001). É generalizada a noção de que é necessária uma ressingularização da clínica e novas formulações têm sido concebidas, ao longo dos anos 1990 e início dos 2000, oriundas do campo da saúde coletiva, da educação em saúde e da saúde mental, decorrentes da denúncia de degradação da clínica que não se orienta mais pelos usuários, mas pela utilização de recursos de apoio diagnóstico e terapêutico. Ousadas e inventivas expressões-síntese vêm nomeando as propostas de transformação da clínica, reorientadas aos usuários: clínica ampliada, clínica antimanicomial, clínica no plural, clínica da sensibilidade, clínica nômade, clínica da resistência e criação, clínica do cuidado, clínica da alteridade, clínica da cidade e clínica em movimento, entre outras. Nesse contexto, Fagundes (2006) relaciona Florianita Campos (1992), Gastão Campos (1994), Ana Marta Lobosque (1997), Jonas Melman (2001), Emerson Merhy (2002), Ricardo Ceccim (CECCIM, 2004b; CECCIM; CAPOZZOLO, 2004) e Alcindo Ferla (2002 e 2004) como autores referência para o tema. Benevides e Passos (2004) são pesquisadores na clínica e saúde coletiva, afirmando-a como transdisciplinar (2000) e autopoiética (2004). Benevides e Passos (2004, p. 168) afirmam que “definir a clínica em sua relação com os processos de produção de subjetividade implica, necessariamente, que nos arrisquemos numa experiência de crítica/análise das formas instituídas, o que nos compromete politicamente”. A construção da integralidade inclui rede de serviços, práticas cuidadoras, propostas de gestão, exercício da participação e controle social e as propostas de formação e educação permanente em saúde (CECCIM, 2004/2005; CECCIM, 2005a). O acoplamento das propostas de malha de cuidados ininterruptos (CECCIM, 2005) e de redes quentes de produção de subjetividades (BENEVIDES; PASSOS, 2004) 170 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 170 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... dialogam com a integralidade e expressam a resolutividade necessária para o SUS. A proposta de malha inclui a conectividade entre os nós, viabilizando o acesso ao sistema a partir de qualquer um dos pontos de conexão (unidades produzidas e produtoras de linhas e fluxos de cuidados). O trabalho regionalizado, intercomplementar e em equipe para a efetiva resolutividade inova redes com a característica de maleabilidade e plasticidade produtora de autonomia (escuta dos usuários e entre os profissionais), com acesso à informação e direito à invenção (de tecnologias, de vida e de existências), geradora de responsabilização frente ao criado (CECCIM, 2005b). Fagundes (2006) lembra que as redes quentes são geradoras de efeitos de diferenciação pela dinâmica de conectividade ou de conjunção, são redes heterogenéticas, nas quais a experiência do coletivo, do público ou mesmo da multidão constituem planos de produção de novas formas de existência, que resistem à serialização e ao assujeitamento próprios do capitalismo mundial integrado, na formulação de Guattari (1981), produtor de redes frias. A aposta clínicopolítica que a experiência clínica, assim como a vida, no contemporâneo, é a um só tempo de incidência dos mecanismos de biopoder e um ponto de resistência biopolítica (BENEVIDES; PASSOS, 2004). A produção de redes quentes em malhas de cuidados ininterruptos exige usuários e trabalhadores encarnados. Usuários e trabalhadores, como expressou Ferla (2004), singulares, marcados histórica e socialmente, com cicatrizes visíveis e invisíveis dos processos de disciplinamento e de subjetivação, que, ao mesmo tempo, nas dobras do corpo, são constituídos por movimentos, forças, afetos e devires (potências de vida). Potências que precisam ser escutadas e enxergadas para o agenciamento de vidas que podem vingar ou de uma nova saúde, mais forte, mais tenaz, mais alegre, constantemente conquistada, como propôs Nietzsche (2001, p. 286) na grande saúde. Campos (1994) propôs a substituição do modelo da pirâmide de regionalização e hierarquização, proveniente da racionalidade gerencial hegemônica, pela imagem do redemoinho de ponta cabeça, microfuracões com a base em movimento sobre o solo. Cecílio (1997) propôs a superação da pirâmide pelo círculo como uma possibilidade a ser explorada na estruturação de modelos tecnoassistenciais de saúde, tendo como orientação as práticas cuidadoras. Righi (2002a, GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 171 19/09/2006, 16:20 171 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla 2002b, 2005) entremeou os temas da rede, território, poder local e complexidade, na constituição de sistemas de saúde e, embasada em Cecílio e Ceccim, desmontou a pirâmide em diagramas de rede local para alcançar a integralidade. Ceccim (2005b) propôs a imagem da malha de cuidados ininterruptos, tramando serviços e linhas de integralização dos cuidados, uma imagem que publicizou na IV Conferência Municipal de Saúde de Porto Alegre (2003), preparatória para a XII Conferência Nacional de Saúde. Silva Júnior et al. (2005) retomam o tema das tramas e redes para enfocar o cuidado e a integralidade, quando se trata de um sistema de saúde. Gastão Campos afirma que, em lugar de uma estrutura ossificada pelo concreto das normas e programas, um fluxo estruturado, fluxo alimentado pelas necessidades e anseios dos usuários (1994, p. 61). Em 2004, Ceccim compôs o diagrama de uma mandala como expressão da disruptura com as racionalidades administrativas e gerenciais hegemônicas quanto à hierarquização e à regionalização propostas para o SUS. A hierarquização seria o desenho dos eixos de comunicação, das linhas de cuidado e do matriciamento do trabalho em rede. A regionalização seria o desenho de zonas em torno dos pontos de contato e cruzamento onde ocorrem pactos entre gestores e laços com redes sociais, tendo como orientação os usuários sob práticas cuidadoras (CECCIM, 2005b, p. 165). Diagrama básico de uma mandala Uma linha de cuidado orientada pela integralidade tem porta de entrada no acesso ao sistema de saúde e desfecho na retroalimentação do sistema de saúde. Seu traçado deve ocorrer dentro de uma rede, 172 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 172 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... que integra um sistema único, gerido segundo o interesse particular dos usuários. Como um jogo de articulação em forma de mandala, a organização do sistema de saúde é a organização de linhas de cuidado sensíveis ao seu controle social. Uma linha de cuidado requer primeiramente que se tenha acesso às ações e aos serviços de saúde como expressão fundamental do direito de todos (e dever do Estado) ao provimento de saúde. O passo seguinte é o acolhimento em serviços com responsabilidade pela proposição, monitoramento e avaliação de práticas de interação com usuários, ou seja, ser efetivamente incluído – e pertencer afetivamente – ao serviço e à rede de produção de saúde. A partir daí, obter o conjunto de intervenções em saúde que venham a ser demandadas, engendrando as ações programáticas em formas mais abrangentes de linguagem, interpretação e ação (tocadas pela integralidade e alteridade), capazes de construir projetos terapêuticos individuais (oferecer a atenção requerida em cada caso). A continuidade horizontal da atenção pelo ordenamento em rede dos serviços como uma cadeia de cuidados progressivos à saúde (CECÍLIO, 1997) permitirá obter o conjunto dos cuidados necessários, mas sempre – e em qualquer caso – trabalhar pela autodeterminação do usuário. A extensão e o prolongamento do cuidado continuam no desenvolvimento de ações intersetoriais de afirmação da vida, e não pela dependência aos serviços ou profissionais de saúde. A gestão participativa da proposição, monitoramento e avaliação, seja na equipe de saúde, ou junto ao controle social, ampliará a implicação do sistema para com o usuário, fim último das práticas de saúde (MERHY, 1997, p. 91-100). Por fim, cabe desvelar em informação em saúde a qualidade e o conhecimento sobre a resposta do sistema de atenção e detecção de novas necessidades como alimentação da gestão do sistema de saúde no interesse da maioria da população. Pressupostos de projetos de integralidade em linha de cuidado: a mandala do cuidado O Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), no documento Teses e Plano de Ação 2005-2007, apresenta o produto de planejamento elaborado por sua diretoria e aprovado GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 173 19/09/2006, 16:20 173 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla pelo Conselho Nacional de Representantes (Conares), no mês de junho de 2005 (CONASEMS, 2005). No documento, as Teses devem ser compreendidas como pressupostos, explicadas como sentido e interpretação do contexto atual e dos cenários futuros, enquanto o Plano de Ação é constituído pelas grandes diretrizes que devem orientar e fundamentar a ação política da entidade. Dentre cinco temas, um é o Modelo de Atenção à Saúde, donde a tese de que “a integralidade da atenção à saúde ainda não foi alcançada e a assistência fragmentada compromete a resolutividade, impedindo a adoção das chamadas Linhas de Cuidado” (p. 21-22). Cada temática arrola seus problemas e oportunidades, dimensionando operações e estratégias relacionadas. Quanto aos 13 problemas arrolados, merecem destaque em nossa abordagem as referências de que há pouca integração entre estrutura e processos organizacionais nas redes de atenção básica e também entre a atenção básica à saúde e as outras organizações do sistema de saúde e de que há ineficiência dos setores de informação e regulação. Quanto às oportunidades, foi arrolado que deve haver uma aposta na educação permanente em saúde (nos moldes da construção nacional pactuada pela Comissão Intergestores Tripartite: política nacional), assim como deve haver uma aposta nos pactos de gestão na agenda do SUS (na perspectiva de maior integração entre serviços e níveis de atenção). Aponta-nos, de um lado, a acumulação de experiência das gestões municipais em sistemas locais de saúde – resolutividade em redes locorregionais ou poder local, como nomeia Righi (2002a) – e, de outro, a existência de processos e apoios à integralidade (citando, como exemplo, o LAPPIS). Quanto às operações e estratégias dimensionadas, a educação permanente de gestores municipais surge como caminho à discussão sobre os determinantes do processo saúde-doença e à disseminação da adoção de estratégias de atenção integral à saúde, enquanto a redução da medicalização surge como incentivo a uma clínica que articule protocolos clínicos, linhas de cuidado, ações de promoção e prevenção. A mandala do cuidado como imagem à administração e gerência do sistema de saúde articula linhas de cuidado da integralidade e não fluxos ascendentes e descendentes da pirâmide da atenção3, assim o compromisso de qualificação da atenção básica à saúde, implica garantir-lhe qualidade e resolutividade, articulando a sua organização 174 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 174 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... com toda a rede de serviços e como parte indissociável do tramado em rede da atenção integral à saúde. Esse pressuposto articula, ainda, o individual ao coletivo, a promoção e a prevenção com o tratamento e a recuperação da saúde nas populações, não descuidando da necessária atenção a qualquer cidadão em situação de urgência, construindo a extensão do cuidado pelas redes sociais que assegurem a autodeterminação dos usuários e não sua dependência dos profissionais ou dos serviços. A atual organização da atenção à saúde, reconhece o Conasems, vem-se dando pela oferta de serviços e não pelas necessidades da população (CONASEMS, 2005, p. 21), gerando aumento das desigualdades regionais e dificuldade de acesso das populações mais vulneráveis. A utilização da epidemiologia e das informações sobre as unidades populacionais a serem consideradas deveria subsidiar a planificação e a busca de que as ações sejam precedidas de uma análise de situação de saúde das populações, conhecendo as relações que se estabelecem nos locais onde se desenvolvem as práticas de saúde. O conhecimento e o acompanhamento do impacto das ações de saúde devem ser viabilizados por meio de indicadores adequados, o que implica a existência de registros locais fáceis, confiáveis e contínuos. Mas há, também, a necessidade de práticas contínuas de avaliação e acompanhamento tanto dos riscos, danos e determinantes do processo saúdedoença, como da atuação intersetorial e das ações de promoção da saúde e qualidade de vida em cada unidade populacional considerada. A organização das ações e dos serviços de saúde de forma usuáriocentrada, garantida por equipes multiprofissionais de caráter interdisciplinar, orientada por atos de escuta, acolhimento, atendimento e acompanhamento, deve elevar a resolutividade das práticas de cuidado, dos serviços e do sistema de saúde. Mas é a educação permanente em saúde como política de formação e desenvolvimento dos trabalhadores em saúde, com o objetivo de implementar projetos de mudança no processo de trabalho e na educação dos profissionais, que colocará o cotidiano e sua qualificação como objeto da integralidade. Uma agenda de pesquisa com o objetivo de investigar os principais problemas relativos à saúde, bem como desenvolver novos produtos e tecnologias necessários à expansão das ações dos serviços públicos de saúde em todos os âmbitos de atenção, inclusive redes GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 175 19/09/2006, 16:20 175 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla substitutivas de todos os tipos de serviços hoje conhecidos, precisa estar em curso. Da mesma forma, a responsabilidade entre as esferas de governo deve incluir mecanismos de cooperação técnica, financeira e operacional que apóiem linhas de cuidado inventivas e singulares às cidades e não às ações programáticas invariantes. Uma política de financiamento para o desenvolvimento de ações visando às inovações nas estratégias de atenção e de gestão e a gestão participativa da política de saúde, que assegure a participação de usuários, trabalhadores, gestores, formadores e estudantes da saúde, completariam os sentidos e a interpretação da imagem da mandala do cuidado. Princípios norteadores para linhas de cuidado As linhas de cuidado devem servir à ampliação e à qualificação da assistência, organizando o processo de trabalho de forma a garantir os procedimentos mais dependentes de protocolos clínicos fortemente estruturados ou de equipamentos e mais conclusivos, de forma a resolver a necessidade que motivou a procura da assistência. Para isso, os serviços precisam disponibilizar ofertas suficientes e adequadas à complexidade das situações vividas. Para que linhas de cuidado se desenhem num ordenamento como o da proposta de imagem da mandala do cuidado, deve-se estabelecer um processo de trabalho orientado pela discussão e pactuação no interior das equipes, entre as equipes e os gestores, entre as equipes e os usuários, entre os gestores e os usuários; deve haver a garantia de dignidade no trabalho para profissionais e usuários e alta qualidade nos serviços prestados. É fundamental que a linha de cuidado seja amplamente conhecida e apropriada (com implicação) por todos os trabalhadores e todos os gestores de todos os serviços que integram a rede assistencial, assim como do Conselho Municipal de Saúde. A resolutividade de uma linha de cuidado difere da expectativa de resolutividade da atenção básica à saúde apenas pelo reconhecimento e uso de uma cadeia interserviços ou inter-unidades de produção da saúde, mas igualmente se define por acolhimento, responsabilidade pela cura e desenvolvimento da autodeterminação dos usuários. O acolhimento pode ser traduzido como a busca do acesso universal à assistência e de dar atenção a toda demanda expressa ou 176 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 176 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... reprimida, desenvolvendo ações coletivas a partir de situações individuais e vice-versa, assumindo a responsabilidade por todos os problemas de saúde da população sob atendimento (acolhimento em linha e não por serviço). A responsabilização pela cura é o implicar-se com os problemas e demandas dos usuários, garantindo respostas resolutivas, tornando-se co-responsável pelo enfrentamento dos fatores associados com o processo saúde-doença. Corresponde ao desenvolvimento de práticas profissionais embasadas no respeito ao usuário, conhecimento do contexto de vida e trabalho (família; cultura; inserção produtiva; inserções sociais de gênero, etnia, geração, classe, escolaridade, sexualidade, outras), disponibilizando o tempo necessário à escuta da queixa, ao atendimento e às providências pertinentes, criando suportes para a atenção integral à saúde e às necessidades dos diferentes grupos populacionais. O desenvolvimento da autodeterminação dos usuários implica responsabilizar as equipes e os serviços de saúde pela solução dos problemas em sua área de intervenção por meio da oferta de ações qualificadas, eficazes e que permitam o controle, pelo usuário, no momento de sua execução, como também autonomia na condução de seu andar a vida. Se a linha de cuidado atravessa vários serviços, ela terá sempre seu fio terminal em outras redes terapêuticas, as da própria vida em coletividade e suas tramas de afirmação da existência em projetos de vida. Experiências com linhas de cuidado A experiência concreta de linhas de cuidado tem história na organização/regulação da atenção cuidadora por ciclo vital (criança, adolescente, adulto, idoso), por grupo de agravos de impacto à saúde pública (hipertensão arterial, diabetes, tuberculose, asma, saúde bucal, saúde mental, saúde ocular), por grupo social de vulnerabilidade específica (materno-infantil, mulheres, portadores de necessidades especiais, sob risco ocupacional), entre outras. Para diferir das ações programáticas simples, cabe aos gestores a disponibilização responsável dos recursos que alimentem uma linha de cuidado e a coordenação dos mecanismos de gestão colegiada, envolvendo os gestores dos serviços responsáveis pelo cumprimento da assistência sob ordenamento. GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 177 19/09/2006, 16:20 177 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla Em todos os casos, tem ficado acordado que:  os fluxos assistenciais devem viabilizar de maneira facilitada a mobilidade (o trânsito) dos usuários na malha;  as equipes das unidades básicas de saúde devem ser responsáveis pela gestão do projeto terapêutico global, responsabilizando-se, então, pelo andamento seguro dos usuários na malha e pela sua inserção em recursos próprios de sua coletividade afetiva (família, bairro, trabalho, escola, entidades etc.). No bojo da organização dos programas de humanização, também surgiram linhas de cuidado. Seu sentido busca a articulação entre humanização e integralidade, entre atenção ambulatorial e hospitalar. As mais freqüentes são: 1) programas de atenção integral ao ciclo grávido-puerperal, como a Linha de Cuidado Mãe-Bebê: pré-natal, maternidade, puerpério e puericultura (a linha pode começar no pré-natal ou na maternidade); 2) programas de alta hospitalar precoce com acompanhamento domiciliar (a linha começa no hospital); 3) programas de volta para casa na pediatria, geriatria e psiquiatria (a linha começa na internação pediátrica ou na internação ou asilamento em saúde mental e atendimento de idosos); 4) programas de atendimento social e vínculo provisório, com o pedido de retorno de usuários com vulnerabilidades e sem referência regular a um serviço de saúde, onde se interpõem pedido de exames preliminares, atendimento e agendamento de retorno com o serviço social (a linha pode começar em serviços que não se ocupam no acompanhamento horizontal como a emergência ou o pronto-socorro). A proposta nessas experiências tem sido identificar um ordenamento programático de serviços dentre as diversas ações de cuidado demandadas. Os gestores de serviços ou o gestor municipal propõem sejam ordenados, em linha de cuidado, procedimentos, consultas, atendimentos, de forma que seja assegurado o aceso resolutivo por entre várias unidades/equipes de saúde. Compondo grupos de trabalho de organização e regulação das linhas de cuidado (comitês gestores) para as pactuações necessárias à implantação de um acordo assistencial que garanta referência segura aos diversos servi178 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 178 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... ços da rede de saúde e contra-referência para as equipes de atenção básica à saúde, é possível um ordenamento aplicável a cada caso com o máximo de continuidade, com o máximo de controle de qualidade nos encaminhamentos e o máximo rigor técnico na regulação do sistema. Por outro lado, também se torna possível o máximo rigor ético na regulação, para colocar o sistema de acordo com os usuários e não apenas com indicadores estatísticos ou de filtro automático das informações, assim como estruturas de acolhimento na atenção secundária que dignifiquem os usuários, informem o sistema de saúde e operem o melhoramento de qualidade da rede cuidadora. Um dado fundamental a ser destacado é que a gestão por linhas de cuidado deve gerar a máxima credibilidade dos usuários em geral no sistema de saúde como um sistema de atenção cuidadora. Por isso o conjunto dos trabalhadores deve se perceber trabalhando na linha, ter tranqüilidade de falar sobre a existência das mesmas e confiar na sua composição, tranqüilizando o usuário sobre sua qualidade e confiabilidade. Sobretudo dar ingresso aos usuários e proporcionar sua inclusão (confiança) deve ser tarefa de qualquer ponto do sistema de saúde, especialmente ao detectar vulnerabilidades. Por isso a existência de linhas de cuidado deve permitir fluir atendimentos que ampliam a segurança dos profissionais, ampliando e qualificando a assistência e participação, assim como maior acolhimento, responsabilidade pela cura e desenvolvimento da autodeterminação dos usuários. Dentre os serviços substitutivos ao modelo unidade básica  ambulatório de especialidades  hospitalização  agendamento de retorno, a fim de compor linhas de cuidado, têm sido ofertados o trabalho de acompanhantes terapêuticos, programas de redutores de danos, projetos cuidadores de idosos, oficinas de criação/criatividade e arte-terapia (com dança, música, teatro, artes plásticas e artes visuais), diversificadas atividades de educação popular em saúde, programas de internação e de acompanhamento domiciliar, casas de parto, centros de parto normal, academia da cidade, Centros de Atenção Psicossocial, clínicas de quimioterapia e radioterapia, Centros de Especialidades Odontológicas, pensões protegidas, moradias terapêuticas, centros ou abrigos de convivência, Casa da Gestante, diversos Centros de Atenção Integral à Saúde e Centros de Orientação, Testagem e Aconselhamento. Nessas ações e serviços encontram-se práticas GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 179 19/09/2006, 16:20 179 Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Antônio Ferla cuidadoras, integralidade e um ordenamento original da terapêutica em linhas projetadas no interior de uma mandala do cuidado. Conclusões A construção de linhas de cuidado como gestão em rede de práticas cuidadoras para outra educação dos profissionais de saúde traz à tona o ensino sobre a rede de saúde, sua assunção tácita da hierarquia em pirâmides da assistência e, por meio dessa imagem piramidal, a manutenção da visão biologicista do cuidado. A introdução da imagem da mandala como novo recurso didático para ordenar campos de aprendizagem da integralidade estabelece a integração ensinotrabalho-cidadania e consolida as noções de apoio matricial e de educação permanente em saúde, radicais inversões do modelo tradicional de ensino da saúde, mais coerente com o espírito das Diretrizes Curriculares Nacionais em vigor. A noção de linhas de cuidado se prende à noção de organização da atenção à saúde que toma em referência o conceito de práticas cuidadoras. Assume, na ordem da gestão dos sistemas de saúde, que os serviços se mostrem encadeando uma rede de serviços cuidadores, uma trama de linhas singulares entrelaçadas para a construção da resolutividade assistencial e do acolhimento de pessoas em rede. A produção de linhas de cuidado traz consigo um processo de desenvolvimento de ações e de serviços de saúde implicados com a construção – com integralidade – das respostas possíveis às vivências individuais do processo saúde-doença. A noção de linha de cuidado está sendo apresentada como concepção de rede de práticas para o trabalho em saúde. Nesse sentido, é imprescindível que projetos terapêuticos individuais (singulares) estejam articulados com uma noção de cadeia do cuidado progressivo à saúde e com uma organização/regulação da atenção cuidadora que constitua um sistema de saúde cuidador. Em lugar da imagem da pirâmide, recurso didático usado para ensinar e montar hierarquias de complexidade embasadas no uso de equipamentos e recursos tecnificados para o diagnóstico e a terapêutica – uma imagem da ordem da racionalidade gerencial hegemônica –, propomos a imagem da mandala, configurando linhas singulares: diagramas de linhas e não fluxos verticais de referência e contra-referência, uma mandala 180 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 180 19/09/2006, 16:20 Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede... de linhas de cuidado e não uma pirâmide de complexidade crescente do uso de técnicas e equipamentos tecnológicos: integralidade! A linha de cuidado se mostra útil para a construção de conceitos, experiências e habilidades para o apoio matricial entre serviços; para o estabelecimento, em equipe, de projetos terapêuticos singulares; para problematizar processos e condutas na forma da educação permanente em saúde e para participar de uma avaliação e regulação da rede de saúde que consiga pensá-la como única e orientada pelos interesses dos usuários. Referências BENEVIDES, R.; PASSOS, E. A construção do plano da clínica e o conceito de transdisciplinariedade. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v. 16, n. 1, 2000, p. 71-79. ________. Clínica, política e as modulações do capitalismo. Lugar Comum: estudos de mídia, cultura e democracia. Rio de Janeiro, n. 19-20, jan.-jun. 2004, p. 159-171. CAMARGO JR., K. R. Das necessidades de saúde à demanda socialmente construída. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Orgs.). Construção social da demanda: direito à saúde, trabalho em equipe, participação e espaços públicos. 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No caso da saúde, não necessariamente bens ou produtos materiais – objetos, artefatos ou “coisas” objetificáveis – com valor de uso ou de troca, mas bens ou produtos imateriais, que também portam valor de uso, mas que somente existem nas sensações de quem os usufrui. O trabalho em saúde produtor de cuidado é trabalho e gera bens ou produtos: a sensação do cuidado, certo tipo de atenção, satisfação de necessidades reais (materiais para aqueles que as portam). Falar em produção do cuidado é ocupar-nos com a qualidade do que produzimos no trabalho em saúde: produção de atos técnicos (soma de procedimentos) ou produção da sensação do cuidado (proporcionar o atendimento às necessidades vivenciadas). 3 Gastão Campos nos lembra que a adoção mais ou menos mecânica do ordenamento do sistema de saúde em regionalização e hierarquização das ações e dos serviços tomaram a forma de pesadas pirâmides, “que esmagam com seu peso as necessidades expressas pela demanda por atenção e as possibilidades de agir criativo dos profissionais”. Para o autor, essa forma, sem dúvida, ajuda no planejamento, mas ao mesmo tempo estabelece “um irresistível elemento de burocratização e fechamento dos serviços públicos”. Tratar-se-ia, agora, “de relativizar a sua potência, de restringir a sua onipresença na imaginação e na prática dos agentes de saúde” (CAMPOS, 1994, p. 61). 184 GESTÃO EM REDES gestao em redes final.pmd 184 19/09/2006, 16:20 Gestão em Redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde gestao em redes final.pmd 1 19/09/2006, 16:20 Gestão em Redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde Roseni Pinheiro e Ruben Araujo de Mattos (Orgs.) 1ª edição / outubro 2006 Copyright © 2006 dos organizadores Todos os direitos desta edição reservados aos orgqanizadores Capa: S. Lobo Revisão e preparação de originais: Ana Silvia Gesteira Editoração eletrônica: Mauro Corrêa Filho Supervisão editorial: Ana Silvia Gesteira Esta publicação contou com apoio de CEPESC-IMS/UERJ, que tem resultados de pesquisas realizadas com auxílio de CNPq e Faperj. Indexação na base de dados LILACS Ficha catalográfica elaborada por UERJ/REDE SIRIUS/CBC G393 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / CBC Gestão em redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde / Roseni Pinheiro, Ruben Araujo de Mattos, organizadores. – Rio de Janeiro : CEPESC, 2006. 484 p. ISBN: 85-89737-32-2 1. Sistema Único de Saúde (Brasil). 2. Saúde pública – Administração Brasil. 3. Saúde – Planejamento – Brasil. 4. Política de saúde – Brasil. de Brasil. I. Pinheiro, Roseni. II. Mattos, Ruben Araujo de. III. Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva. CDU 614.008.5(81) Impresso no Brasil Direitos exclusivos para esta edição dos organizadores. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos organizadores. gestao em redes final.pmd 4 19/09/2006, 16:20 SUMÁRIO Gestão em Redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde Apresentação ...............................................................................................9 ROSENI PINHEIRO RUBEN ARAUJO DE MATTOS O FIO DA MEADA Implicações da integralidade na gestão da saúde ...............................11 ROSENI PINHEIRO RUBEN ARAUJO DE MATTOS Demanda em saúde: construção social no campo multidisciplinar da saúde coletiva .............................................................................................27 MADEL THEREZINHA LUZ PARTE 1 - PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO Um olhar sobre práticas avaliativas em descentralização do sistema de saúde: construindo uma abordagem analítica para atuação em rede ....................................................................35 ALCINDO ANTÔNIO FERLA MARIANA BERTOL LEAL ROSENI PINHEIRO Avaliação de redes de atenção à saúde: contribuições da integralidade ....................................................................61 ALUÍSIO GOMES DA SILVA JÚNIOR LUÍS CLÁUDIO DE CARVALHO VALÉRIA MARINHO NASCIMENTO SILVA MÁRCIA GUIMARÃES DE MELLO ALVES MÔNICA TEREZA MACHADO MASCARENHAS Desafios e possibilidades de práticas avaliativas de sistemas universais e integrais de saúde .......................................................................................91 JAIRNILSON SILVA PAIM LÍGIA MARIA VIEIRA DA SILVA gestao em redes final.pmd 5 19/09/2006, 16:20 Necessidades e práticas na desinstitucionalização da clientela de longa permanência institucional: notas sobre a análise da demanda a partir do perfil dos pacientes internados no Hospital de Jurujuba, Niterói-RJ ............................................................113 ANA PAULA GULJOR ROSENI PINHEIRO ALUÍSIO GOMES DA SILVA JÚNIOR O SUS e as novas práticas de avaliação para gestão em redes: é possível conciliar a visão clássica de avaliação com novas práticas? .............................................................135 ANA LUIZA D´ÁVILA VIANA REGINA FARIA HUDSON PACÍFICO Práticas de avaliação e formação profissional em políticas públicas voltadas para consolidar a esfera pública no SUS ..................................151 MARIA HELENA MAGALHÃES DE MENDONÇA Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede de práticas cuidadoras para uma outra educação dos profissionais de saúde .............................................165 RICARDO BURG CECCIM ALCINDO ANTÔNIO FERLA A construção e avaliação da clínica na perspectiva da integralidade: uma rede complexa de palavras e coisas e de saberes e práticas ............................................................185 CÉSAR AUGUSTO ORAZEM FAVORETO Avaliando a gestão do cuidado, respeitando suas peculiaridades: o caso da homeopatia no serviço público de saúde .................................205 WALCYMAR LEONEL ESTRÊLA ROSENI PINHEIRO Aspectos metodológicos da avaliação na atenção básica .................223 KENNETH ROCHEL DE CAMARGO JUNIOR ESTELA MÁRCIA SARAIVA CAMPOS MARIA TERESA BUSTAMANTE TEIXEIRA MÔNICA TEREZA MACHADO MASCARENHAS NEUZA MARINA MAUAD TÚLIO BATISTA FRANCO gestao em redes final.pmd 6 19/09/2006, 16:20 PARTE 2 – PRÁTICAS DE FORMAÇÃO As práticas de avaliação da formação e do cuidado orientadas pela integralidade: uma aproximação necessária .......................................245 LÍLIAN KOIFMAN GILSON SAIPPA-OLIVEIRA Avaliação e formação em saúde: como romper com uma imagem dogmática do pensamento? ..................................................................261 MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROS A constituição do Fórum Nacional de Educação das Profissões da Área da Saúde e a avaliação da formação no contexto de implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Graduação em Saúde ...............................................289 ADRIANA CAVALCANTI DE AGUIAR REGINA LUGARINHO Possibilidades de a avaliação produzir conhecimento para a formação em saúde ..................................................................................................297 ISABEL BRASIL PEREIRA A importância da clínica na atenção primária: a estratégia de formação da Universidade Federal do Acre .........................................................321 RODRIGO SILVEIRA OSVALDO LEAL A experiência do Hospital Sofia Feldman na construção da rede serviçoensino no contexto da saúde perinatal ...............................................333 ELYSÂNGELA DITTZ DUARTE ERIKA DA SILVA DITTZ LÉLIA MARIA MADEIRA TATIANA COELHO LOPES Integralidade na formação do psicólogo: avaliando uma experiência pioneira ....................................................................................................345 CLARICE CRISTINA ANDRADE BENITES MARIA CÉLIA ESGAIB KAYAT LACOSKI VERA LÚCIA KODJAOGLANIAN VERA NICE ASSUMPÇÃO NASCIMENTO gestao em redes final.pmd 7 19/09/2006, 16:20 PARTE 3 – PRÁTICAS DE PARTICIPAÇÃO Participação política e cotidiano da gestão em saúde: um ensaio sobre a potencialidade formativa das relações institucionais ........................369 FRANCINI LUBE GUIZARDI ROSENI PINHEIRO Redes em rede: dimensões intersticiais no sistema de cuidados à saúde ................................................................385 OCTAVIO BONET FÁTIMA REGINA GOMES TAVARES Céticos e esperançosos: perspectivas da literatura sobre participação e governança na área da saúde ............................................................401 SORAYA VARGAS CÔRTES O mapa da comunicação e a rede de sentidos da saúde .......................427 INESITA SOARES DE ARAÚJO As redes participativas da sociedade civil no enfrentamento dos problemas de saúde-doença .................................................................445 ALDA LACERDA VICTOR VINCENT VALLA MARIA BEATRIZ GUIMARÃES CARLA MOURA LIMA As redes na micropolítica do processo de trabalho em saúde ...........................................................................459 TÚLIO BATISTA FRANCO Sobre os autores .....................................................................................475 gestao em redes final.pmd 8 19/09/2006, 16:20