2
Caderno Temático
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
ESTAGIÁRIAS
Presidente do Iphan
Rayssa Andrade Carvalho – Copac/PMJP
Luiz Fernando de Almeida
Suelen de Andrade Silva – Iphan/PB
Diretor de Articulação e Fomento
ORGANIZAÇÃO E REVISÃO
Estevan Pardi
Átila Bezerra Tolentino
Diretora de Patrimônio Imaterial
Célia Maria Corsino
Diretor de Patrimônio Material e Fiscalização
Andrey Rosenthal Schlee
Diretora de Planejamento e Administração
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Daniella Lira
ILUSTRAÇÕES
Maria Emília Nascimento Santos
Umbelino Peregrino
Desenhos dos visitantes da exposição João Pessoa, Minha Cidade,
promovida pela Casa do Patrimônio de João Pessoa durante os
meses de maio a agosto de 2011.
Diretora Técnica do Iphan na Paraíba
Aquarela da Capa - Ericles Pontes do Nascimento (aluno da
Christiane Finizola Sarmento
Escola Damásio Franca. Participante do Programa de Educação
Diretora Administrativa do Iphan na Paraíba
Patrimonial "João Pessoa, Minha Cidade").
Superintende do Iphan na Paraíba
Lindaci Bandeira de Souza
PREFEITURA DE JOÃO PESSOA
Prefeito de João Pessoa
Luciano Agra
Secretário de Planejamento
Aldo Preste
Diretora de Planejamento e Licenciamento da
Coordenação do Patrimônio Cultural de João Pessoa
Rosangela Regis Toscano
EQUIPE TÉCNICA DA CASA DO PATRIMÔNIO DE JOÃO PESSOA
Átila Bezerra Tolentino - Iphan/PB
Josélia de Almeida Martins – Copac/PMJP
Josilane Maria do Nascimento Aires – Copac/PMJP
Maria Olga Enrique Silva – Iphan/PB
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Parahyba
E244
Educação patrimonial: reflexões e práticas. / Átila Bezerra
Tolentino (Org.) – João Pessoa: Superintendência do Iphan na
Paraíba, 2012.
104 p. : il. color. 30 cm. – (Caderno temático ; 2)
ISBN 978-85-7334-221-5
1. Educação patrimonial. 2. Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. I. Título
CDD 363.69
O que é
Patrimônio Cultural
para você?
Átila Tolentino
No ano de 2011, a Casa do Patrimônio de João Pessoa1 apresentou ao público
pessoense a exposição intitulada “João Pessoa, Minha Cidade”. Buscava essa
exposição mostrar os trabalhos de Educação Patrimonial desenvolvidos nas escolas
municipais Santos Dumont, Frei Afonso, Monsenhor João Coutinho e Damásio
Franca. Mereceram destaque aquarelas produzidas por alunos que participaram do
programa de Educação Patrimonial, retratando monumentos históricos da cidade
de João Pessoa, as quais foram expostas em uma grande parede pintada de amarelo
bem vivo.
Além disso, a exposição também convidava o público a refletir sobre a temática
que envolve o patrimônio cultural e os laços de pertencimento que cada um de
nós temos com os patrimônios que nos afetam, sejam eles coletivos ou individuais.
Não querendo uma atitude passiva do expectador, provocava-se o visitante a
participar da exposição. Em um grande mural, havia a seguinte pergunta: “O que é
patrimônio cultural para você?”. O visitante comum, após apreciar toda a exposição,
ou os estudantes, após participarem de uma visita orientada, podiam responder ao
questionamento escrevendo ou desenhando.
Essa foi uma forma de interação simples, sem uso das novas tecnologias
comuns nas megaexposições da atualidade, mas que mostrou bons resultados.
Primeiramente porque a exposição era construída e reconstruída a cada nova
resposta, seja de forma textual ou iconográfica. E melhor: havia a participação de
todo tipo de público, desde uma criança ainda não alfabetizada a grandes artistas
que presenteavam a exposição com riquíssimos desenhos ou pinturas. E assim o
grande painel sempre estava com uma cara nova, com novas respostas que também
nos incutiam a refletir sobre o que vem a ser patrimônio cultural.
Segundo, as inúmeras respostas escritas ou os desenhos merecem até um estudo
ou análise minuciosos sobre o que o grande público pensa a respeito do tema.
Não busco fazer isso no momento,
mas gostaria de exemplificar com duas
respostas: um desenho e um texto.
Patrimônio Histórico
A Casa do Patrimônio de João
Pessoa é uma ação conjunta entre
a Superintendência do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional na Paraíba – Iphan/PB
e a Coordenadoria do Patrimônio
Cultural de João Pessoa – Copac/
PMJP, que tem como finalidade a
realização de ações de Educação
Patrimonial na cidade.
1
História, passado, presente e futuro
Cultura viva.
História de um povo.
Lutas, dilemas, dramas, dores, bravura,
conquistas, vitórias.
Povo guerreiro,
destemido,
que fez do seu chão,
seu legado,
sua bandeira de luta.
Identidade.
Adriana Maia - Assistente Social
Escola Municipal Santos Dumont
44 | Caderno Temático de Educação Patrimonial
O desenho de Joeslon Costa dos Santos, aluno
do 4º ano da Escola Municipal Frei Afonso, mostra
o rio Sanhauá como seu patrimônio, importante
rio localizado na região que foi nascedoura da
cidade de João Pessoa. Diferentemente de muitas
cidades costeiras brasileiras, a capital paraibana
não nasceu a partir do mar. Foi às margens do rio
Sanhauá que surgiu, ainda com o nome de cidade
de Nossa Senhora das Neves. A escola Frei Afonso
atende a muitos alunos que moram em bairros e
comunidades localizadas à margem desse rio. Essas
comunidades geralmente têm uma forte relação
com o rio e sua cultura está permeada de saberes
e fazeres ligados à pesca. Em síntese, mesmo sem
ser conhecedor das teorias que envolvem o tema, o
aluno conseguiu mostrar sua noção ampliada do que
é patrimônio cultural.
Na poesia de Adriana Maia, assistente social da
Escola Municipal Santos Dumont, ela relaciona o
patrimônio à história de um povo, caracterizado por
seu destemor, refletido em “Lutas, dilemas, dramas,
dores, bravura, conquistas, vitórias” e “que fez do seu chão,/
seu legado,/ sua bandeira de luta”. E tudo isso é o que
constrói a sua identidade.
Memórias Ribeirinhas – Porto do Capim
A pergunta “O que patrimônio cultural para
você?”, de uma certa forma, também embasou as
ações de Educação Patrimonial desenvolvidas pela
Casa do Patrimônio de João Pessoa na comunidade
do Porto do Capim, localizada às margens do rio
Sanhauá, patrimônio cultural de Joelson. Em função
de um programa municipal de requalificação da área,
a comunidade está em fase de transferência para
outro local.
Com esse cenário, a Casa do Patrimônio de João
Pessoa idealizou o projeto “Memórias Ribeirinhas
– Porto do Capim”, que tem como objetivo realizar
um registro de sua história, cultura e anseios, mas
com o olhar da própria comunidade. A finalidade é
a produção de material sobre a história e memória
da comunidade, com a participação ativa dos
próprios moradores.
Interação do público na exposição João Pessoa, Minha Cidade. Foto: Olga Henrique.
Reflexões e práticas | 45
Primeiramente, no ano de 2009, a equipe
procurou aproximar-se da comunidade
paulatinamente, a fim de estabelecer um vínculo
afetivo com as pessoas do local. A inspiração
para esse trabalho inicial se deu a partir da oficina
“Memória, identidade e patrimônio”, ministrada pela
Profª Doutora Simone Scifoni, do Departamento de
Geografia da USP, que trouxe a experiência de seu
trabalho sobre memória urbana e patrimônio cultural
no bairro do Bom Retiro, em São Paulo.
Os registros iniciais foram feitos com os
moradores mais antigos, que conheciam bem a
história da comunidade e como ela se formou
há mais de 70 anos, quando da instalação de
fábricas nas proximidades. Esses registros se deram
por meio de entrevistas informais, gravadas em
suporte audiovisual.
Em uma segunda etapa, foi decidido, de forma
democrática, juntamente com representantes
da comunidade, a realização de uma oficina de
fotografia sobre o patrimônio cultural do Porto do
Capim, destinada para as crianças e jovens do local.
Seu Cosminho, pescador e morador da comunidade do Porto do Capim.
Foto: Acervo Iphan/PB.
Desta forma, no ano de 2010, foi realizada a oficina
de fotografia “Percepção do Olhar”, ministrada pelo
fotógrafo e educador social Ricardo Peixoto, com
a participação de aproximadamente 40 crianças e
jovens da comunidade.
Com a finalidade de trabalhar o olhar desse
grupo para o local onde moram, essas crianças e
jovens receberam e deram informações sobre seus
patrimônios, suas memórias e história sobre o lugar
onde vivem. Atreladas a sensibilizações educativas,
receberam instruções básicas sobre fotografia,
ângulo, entre outras técnicas. Após as sensibilizações,
cada criança recebeu uma máquina fotográfica para
que captasse livremente o que achava importante na
sua comunidade. O resultado foi um rico material
fotográfico, retratando o modo de viver do local, as
pessoas no seu dia-a-dia, a cheia da maré, o trem e
seus trilhos sob diversos ângulos, as casas simples
atualmente habitadas e os casarões abandonados que
testemunham outros tempos áureos do local, a festa
de Nossa Senhora da Conceição e a procissão pelas
águas do rio que leva a imagem até a Ilha da Santa,
as brincadeiras de meninos, os barcos, os pescadores,
a costura das redes de pesca, o andar turvo do
caranguejo de andada. Essas imagens captaram
a tecitura dos “fios de vida da história de cada
um”, como descreveu Josélia de Almeida Martins
(2011, p. 9).
A riqueza de detalhes e a diversidade das falas e
olhares sobre a comunidade permitiu a composição
de um rico acervo audiovisual, que serviu de
suporte para a produção de um documentário e uma
exposição intitulados “Memórias Ribeirinhas: Porto
do Capim”. A exposição contou com 1.134 visitantes
que puderam conhecer a comunidade do Porto do
Capim à luz dos olhares dos próprios moradores.
Entre os visitantes, podemos destacar alunos das
escolas do entorno da comunidade, que prestigiaram
a exposição e reconheceram os olhares das lentes,
das falas e dos registros dos seus moradores.
Esse material foi enriquecido ainda mais com a
participação dos alunos da Escola Estadual João
Félix, a única da comunidade, que escreveram textos
ou produziram desenhos sobre a história e a cultura
do local onde vivem, a partir das fotografias dos
participantes da oficina “Percepção do Olhar”.
Um texto coletivo produzido na escola, ilustrado
com desenhos das crianças, também fez parte da
exposição e merece ser aqui destacado:
46 | Caderno Temático de Educação Patrimonial
Porto do Capim: onde tudo começou
A cidade de João Pessoa começou aqui, no rio Sanhauá.
Muitos dos pais nasceram aqui. Quando chegaram aqui
encontraram a água e o mangue.
Este bairro é muito bonito, antigo e muito tranquilo. Ele tem
esse nome porque acharam neste lugar muito capim. Então por
isso se chama Porto do Capim.
Meu bairro Porto do Capim também tem um trem que serve
para passear e para ir ao trabalho. É um transporte muito
barato. Custo só R$ 0,50.
As crianças que moram aqui vão para a crôa tomar banho de
rio, pescar, passeiam de barco, pegam caranguejo de andada.
Soltam pipa, andam de jangada de isopor e garrafa, jogam
futebol e sabem se divertir muito como toda criança.
No rio Sanhauá tem muitos peixes e os mais conhecidos
são: bagre, piaba, tainha, pescada, aratu, camarão, etc.
As crianças do Porto gostam de tomar banho de maré,
principalmente na crôa porque é bem limpinha.
Os mangues e muitas árvores que não dão frutos são
plantados na lama. Tem também pau de mangue, que serve
para fazer cerca, trapiche. E tem também boi de fogo, para
espantar os mosquitos e cozinhar quando vão pescar à noite.
As meninas e os meninos sabem pescar de anzol e também
sabem pegar caranguejo com ratoeira e com o gancho de ferro.
Seu Cosme, seu Alagoas, dona Biliu e seu Cosminho são os
moradores mais antigos do Porto do Capim.
Emanoel de Jesus, Emanuel Hedon, Laís Alves, Lívia Paula, Severina
Lopes - Alunos da Escola Estadual Padre João Félix – Porto do Capim
Crianças e jovens do Porto do Capim na oficina de fotografia "Percepção do Olhar".
Foto: Olga Enrique - Iphan/PB.
Reflexões e práticas |
Exposição Memórias Ribeirinhas - Porto do Capim. Foto: Olga Enrique - Iphan/PB.
Esse texto mostra, no linguajar infantil, o modo
de viver típico dos moradores dessa comunidade.
Está carregado das referências culturais do local
e dialogam bastante com as fotos retiradas pelos
jovens participantes da oficina “Percepção do
Olhar”. E o mais importante foi o trabalhar com
essas crianças para que enxerguem e valorizem o
seu patrimônio cultural, considerando-o como um
elemento chave na construção da sua identidade.
É válido ressaltar que o trabalho desenvolvido no
Porto do Capim não teve como fim “conscientizar”
os moradores. Como alertam Silveira e Bezerra,
a ideia redentora de conscientizar o Outro, tão
propalada por educadores e técnicos do campo
do patrimônio, revela uma violência simbólica
(BORDIEU, 1989) ante as comunidades,
visto que se apresenta pouco afeita ao olhar
antropológico que toma o Outro como sujeito
capaz de realizar a sua própria hermenêutica
do mundo no qual está inserido. Portanto, as
perspectivas conscientizadoras desconsideram a
visão de mundo dos envolvidos com o processo
48 | Caderno Temático de Educação Patrimonial
de conservação patrimonial, tendendo a tomálos como pessoas que necessitam da luz do
conhecimento para aclarar suas consciências
obtusas. (SILVEIRA & BEZERRA: 2007, p. 87)
Nessa perspectiva, o que se pretendeu no Porto
do Capim foi realizar um trabalho de sensibilização
e propiciar que os moradores da comunidade se
vejam como sujeitos produtores de sua cultura e que
tenham uma participação ativa e crítica nas ações de
preservação e valorização de seu patrimônio cultural.
Patrimônio Cultural e Educação Patrimonial:
como está o caminhar?
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional - Iphan, ao longo de seus mais de
70 anos, viveu diferentes momentos e, o que é
natural, encarou de diferentes formas a sua atuação
perante a preservação do patrimônio cultural e
o entendimento do que é patrimônio cultural,
resultado de um processo reflexivo e buscando
atender às demandas sociais. Como ressalta Cecília
Londres, a produção de conhecimento pelo Iphan
no campo do patrimônio foi fruto da experiência
de lidar, com as práticas preservacionistas e com o
envolvimento da instituição com a sociedade. Essas
práticas, caracterizadas pela identificação, proteção
e promoção do patrimônio cultural brasileiro, foram
sendo construídas e aperfeiçoadas pela vivência
em seus diferentes contextos históricos, tendo
a preocupação de democratizar o processo de
construção do patrimônio, tornando-o acessível para
a sociedade brasileira (FONSECA: 2005, p. 46-48).
Emblemático, por exemplo, foi o primeiro
processo de tombamento do terreiro de candomblé
Casa Branca, em Salvador, Bahia, no ano de 1984,
como bem descreve Gilberto Velho (2007), na
época convidado para ser relator da proposta. Em
uma votação conturbada e marcada por conflitos
e embates de interesses conflitantes, o primeiro
tombamento de um bem ligado à cultura afrobrasileiro, como destaca o relator, “foi comemorado
com grande alegria e júbilo pela maioria do público
presente, mas não podia ocultar as fortes diferenças
de opinião e de pontos de vista” (2007, p. 252).
Atualmente, não há como encarar o patrimônio
cultural apenas como os monumentos arquitetônicos
consagrados, que espelham somente uma veia da
herança histórica brasileira. A própria Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 216, já traz a noção
ampliada do que se considera patrimônio cultural:
as formas de expressão; os modos de criar, fazer e
viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artísticoculturais; e os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico. Essa noção
ampliada de patrimônio está refletida, de forma
simples, no desenho de Joelson e, de forma poética,
no texto de Adriana Maia. Do mesmo modo, as
lentes das crianças e jovens do Porto do Capim
conseguiram identificar e selecionar seu patrimônio
cultural, ligado ao modo de viver da comunidade e
aos saberes e fazeres do seu povo.
E quando tratamos da preservação e valorização
do patrimônio cultural, necessariamente temos que
entrar na seara da educação, pois a preservação
dos nossos bens culturais se trata de uma prática
social, uma vez que as comunidades devem ser as
grandes protagonistas na seleção do que representa
as suas identidades e na preservação de seus valores
Quando tratamos da
preservação e valorização
do patrimônio cultural,
necessariamente temos que
entrar na seara da educação,
pois a preservação dos
nossos bens culturais se
trata de uma prática social,
uma vez que as comunidades
devem ser as grandes
protagonistas na seleção
do que representa as suas
identidades e na preservação
de seus valores culturais.
culturais. As ações de Educação Patrimonial,
portanto, devem estar atentas a essas questões.
No Brasil e, mais especificamente no Iphan, a
atuação com Educação Patrimonial não é recente,
embora muitos autores afirmarem que ela remonta
aos anos 1980. Mario Chagas, refletindo sobre o
tema, esclarece que:
No senso comum a expressão “educação
patrimonial” significa apenas o desenvolvimento
de práticas educacionais (mais ou menos
transformadoras) tendo por base determinados
bens ou manifestações considerados como
patrimônio cultural. Esse não é um entendimento
estranho a Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Gilberto
Freyre, Gustavo Barroso, Anísio Teixeira,
Roquete Pinto, Liana Rubi O’Campo, Sigrid
Porto, Waldisa Russio e tantos outros. De igual
modo, este entendimento, ainda que não lançasse
mão da expressão em debate, estava presente em
práticas museológicas do século XIX e no serviço
educativo do Museu Nacional, formalmente criado
em 1926. (CHAGAS, 2006).
E também adverte:
Vale adiantar que a tentativa de estabelecer um
marco zero para a “educação patrimonial”,
fixando uma data de nascimento (1983), uma
cidade (Petrópolis), um museu e uma determinada
maternidade ou paternidade, não tem respaldo
no cotidiano dos praticantes da assim chamada
“educação patrimonial”. O seu vínculo de
Reflexões e práticas | 49
O objetivo das Casas
do Patrimônio é de se
constituírem como um espaço
de interlocução e diálogo
com a comunidade local,
de articulação institucional
e de promoção de ações
educativas, visando fomentar
e favorecer a construção
do conhecimento e a
participação social para o
aperfeiçoamento da gestão,
proteção, salvaguarda,
valorização e usufruto do
patrimônio cultural.
fundo e o seu diferencial estão situados na confluência
entre a educação, a memória, a cultura, o patrimônio
e a preservação. De outro modo: a expressão em
análise constitui um campo e uma prática de educação
socialmente adjetivada e não está especialmente vinculada
a nenhuma metodologia, a nenhum autor, a nenhum
lugar, a nenhuma data em particular. (CHAGAS, 2006).
Poderíamos afirmar, entretanto, que a reflexão e
a promoção de um debate democrático em torno da
Educação Patrimonial têm sido bastante sinérgicas
nos dias atuais. Exemplo foi a realização do II
Encontro Nacional de Educação Patrimonial que o
Iphan promoveu em Ouro Preto, em julho de 2011.
Nesse encontro participaram aproximadamente
400 profissionais de todo o país que atuam com a
Educação Patrimonial. Foi um encontro emblemático
e efervescente, devido à profusão de debates,
embates, discussões, dilemas, apelos e reflexões para a
definição de diretrizes para uma Política Nacional de
Educação Patrimonial.
Também merece destaque a formação da rede das
Casas do Patrimônio. A ideia das Casas do Patrimônio
surgiu no âmbito da Coordenação de Educação
Patrimonial do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan, com a
finalidade de se estabelecer uma nova forma de relacionamento com a sociedade,
conferindo transparência e ampliando os mecanismos de gestão da preservação do
patrimônio cultural, apoiados principalmente em ações educacionais.
Essa proposta inicial foi crescendo e ganhou força com a adesão de outras
instituições e da sociedade civil, tornando-se uma forma de gestão compartilhada
do patrimônio cultural. O objetivo das Casas do Patrimônio é de se constituírem
como um espaço de interlocução e diálogo com a comunidade local, de articulação
institucional e de promoção de ações educativas, visando fomentar e favorecer a
construção do conhecimento e a participação social para o aperfeiçoamento da
gestão, proteção, salvaguarda, valorização e usufruto do patrimônio cultural. Desta
forma a comunidade sai ganhando, pois se cria uma nova forma de proteção e
valorização da nossa diversidade cultural.
Atualmente a rede das Casas do Patrimônio é formada por diferentes
instituições públicas federais, estaduais, municipais e da sociedade civil espalhadas
pelo país. As diretrizes que norteiam as ações dessa rede foram construídas
democraticamente em um seminário que ocorreu em Nova Olinda/CE, na
Chapada do Araripe, no ano de 2009. Desse encontro, resultou o documento
“Carta de Nova Olinda”2, onde essas diretrizes estão sistematizadas.
2
A Carta de Nova Olinda pode ser
acessada no link http://portal.iphan.
gov.br/baixaFcdAnexo.do;jsessionid=
22F027EE7902E8F6CF8F5F266FC5
2C7A?id=1651.
Dessas discussões que o Iphan tem promovido com seu corpo técnico e com
a sociedade, foi possível definir o que a instituição entende como Educação
Patrimonial. Ou seja, ela se constitui de todos os processos educativos formais e
não formais que têm como foco o patrimônio cultural, apropriado socialmente
como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais
em todas as suas manifestações, com o objetivo de colaborar para o seu
reconhecimento, valorização e preservação. E, para tanto, há que se ter em mente
50 | Caderno Temático de Educação Patrimonial
o que nos ensina Edgar Morin, ao afirmar que
“compreender o humano é compreender sua unidade
na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso
conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do
uno” (MORIN: 2000, p. 55).
A Educação Patrimonial, assim, deve levar em
consideração que os processos educativos devem
ser de base democrática, primando pela construção
coletiva do conhecimento e pela participação efetiva
dos diferentes atores sociais detentores e produtores
das referências culturais. Afinal, como aponta
Mariza Veloso, “o patrimônio cultural deve ser
entendido como um campo de lutas onde diversos
atores comparecem, construindo um discurso que
seleciona, apropria – expropria – práticas e objetos”
(2007, p. 229).
O convite à reflexão na exposição “João Pessoa,
Minha Cidade” foi uma forma simples de se buscar
essa construção democrática do conhecimento,
mas que serviu tanto para tocar o visitante sobre
o tema, como para nós, representantes do poder
público, podermos conhecer qual é a visão da
sociedade sobre os seus patrimônios locais. E pôde
ser percebido, na prática, nos trabalhos de Educação
Patrimonial desenvolvidos na comunidade do Porto
do Capim.
Na escola, o leque se abre em inúmeras
possibilidades de o professor conseguir trabalhar
a Educação Patrimonial, envolvendo alunos e
comunidade. Partindo da casa, do seu bairro, do
seu modo de viver, de falar, da sua culinária, da sua
cultura, alunos e professores, juntos, têm muitos
caminhos a trilhar para promover uma Educação
Patrimonial, de forma democrática e emancipatória.
É o que destaca Camila Henrique Santos:
Na escola, o leque se abre em
inúmeras possibilidades de o
professor conseguir trabalhar
a Educação Patrimonial,
envolvendo alunos e
comunidade. Partindo da
casa, do seu bairro, do seu
modo de viver, de falar, da
sua culinária, da sua cultura,
alunos e professores, juntos,
têm muitos caminhos a trilhar
para promover uma Educação
Patrimonial, de forma
democrática e emancipatória.
As problemáticas sociais enfrentadas pelos alunos
devem estar em sala de aula, construindo uma
transversaldiade com as disciplinas, trazendo para
o cotidiano da escola o cotidiano do aluno, já que
a escola faz parte do seu dia-a-dia. Sendo assim,
a educação patrimonial pode ser tratada em sala
de aula, mesmo não fazendo parte do currículo
obrigatório. Para isso, basta que o patrimônio
cultural faça parte do cotidiano dos alunos
(SANTOS: 2007, p. 153)
Que tal, por exemplo, explorar o rio de Joelson ou
os modos de viver dos alunos da Escola Padre João
Félix ou a luta do povo destemido de Adriana Maia?
BIBLIOGRAFIA
CHAGAS, Mário. Educação, museu e patrimônio: tensão, devoração e adjetivação. Dossiê Educação Patrimonial no3, Iphan, jan/fev. 2006.
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro:
UFRJ/MinC/Iphan, 2005.
MARTINS. Josélia de Almeida. O povo do Porto. In Memórias Ribeirinhas: Porto do Capim. João Pessoa: Iphan/PMJP, 2011. p.8-9.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.
SANTOS, Camila Henrique. Educação Patrimonial: uma ação institucional e educacional. In Patrimônio: práticas e reflexões.
(Edições do Programa de Especialização em Patrimônio do Iphan, nº 1). Rio de Janeiro: Iphan/Copedoc, 2007. p 147-172.
SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu; BEZERRA, Márcia. Educação Patrimonial: perspectivas e dilemas. In LIMA FILHO, Manuel
Ferreira; ECKERT, Cornelia; BELTRÃO, Jane (orgs). Antropologia e patrimônio cultural. Diálogos e desafios contemporâneos.
Blumenau: Nova Letra, 2007. p. 81-97.
VELHO, Gilberto. Patrimônio, negociação e conflito. In LIMA FILHO, Manuel Ferreira; ECKERT, Cornelia; BELTRÃO, Jane
(orgs). Antropologia e patrimônio cultural. Diálogos e desafios contemporâneos. Blumenau: Nova Letra, 2007. p. 249-261.
VELOSO, Marisa. O fetiche do patrimônio. In ABREU, Regina; CHAGAS, Mario de Souza; SANTOS, Myrian Sepúlveda dos.
(orgs). Museus, coleções e patrimônio: narrativas polifônicas. Rio de Janeiro: Garamond, MinC/Iphan/Demu, 2007. p. 229-245.
Reflexões e práticas | 51