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A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET
Gelson Luiz Daldegan de Pádua1
Resumo: A Epistemologia Genética proposta por Piaget é essencialmente baseada na inteligência e
na construção do conhecimento e visa responder não só como os homens, sozinhos ou em conjunto,
constroem conhecimentos, mas também por quais processos e por que etapas eles conseguem fazer
isso. O trabalho ora apresentado tem a intenção de apresentar os conceitos que permeiam a
Epistemologia Genética e, como a Teoria da Equilibração é subjacente a ela, se fez necessário
apresentá-la também, ainda que de forma sucinta, para se ter um panorama mais abrangente do tema
tratado. Este trabalho visa apresentar, em linhas gerais, a Epistemologia Genética de Jean Piaget à
leitores não-familiarizados com essa teoria.
Palavras-chave: Epistemologia Genética; Piaget; Teoria da Equilibração.
1. Introdução
Jean Piaget2 ganhou notoriedade como psicólogo infantil, mas não era à criança que sua atenção
científica estava voltada; sua preocupação era pela capacidade do conhecimento humano e pelo seu
desenvolvimento. E como, na sua visão, a criança é o ser que mais notoriamente constrói
conhecimento, suas pesquisas e observações voltaram-se para a construção e aquisição de
conhecimento pelos homens na idade infantil e na adolescência. Biólogo por formação, psicólogo pela
classificação profissional, mas epistemólogo pelo conjunto de sua obra, Piaget descobriu, influenciado
pelos seus interesses em psicopatologia, psicanálise, lógica e filosofia, "que no estudo da inteligência
infantil a biologia se vincula à filosofia das ciências naturais".3
Valendo-se tanto da psicologia empírica como da teoria do conhecimento e em busca de resposta para
a questão: "De que modo se desenvolvem, não obstante a sua relativa estabilidade, as estruturas do
pensamento e do conhecimento humano?"4, Piaget elaborou a Epistemologia Genética com a
colaboração de especialistas de áreas diferentes, visto que ele também se interessava por várias áreas
do conhecimento. Este trabalho interdisciplinar não agradou ao hermetismo acadêmico da época e por
esse motivo foi alvo de muita crítica, mas por outro lado estava inaugurado o trabalho participativo e "é
ao trabalho científico coparticipativo, superando-se limitações estanques entre as diferentes áreas da
psicologia, que se devem as mais importantes realizações de sua iniciativa". 5 Desta forma estava
1 Doutorando em Filosofia/PUCRS, bolsista e pesquisador CNPq; Mestre em Filosofia/PUCRS; Mestre em Ciencias da
Educação/IPLAC; Professor das faculdades FACEVV e São Geraldo. Email:
[email protected]
2 Nascido a 9 de agosto de 1896 em Neuchâtel Neuenburg e faleceu a 16 de Setembro de 1980 em Genebra.
3 Kesseling, T. Jean Piaget, 1993, p. 9.
4 Idem, p. 21.
5 Idem, p. 10.
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produzida a mais completa teoria do desenvolvimento intelectual porque ela trata do período que vai do
berço à idade adulta e se esforça por definir os laços da inteligência e da lógica com outras funções
cognitivas tais como a memória, a linguagem e a percepção.
O trabalho ora apresentado tem a intenção de apresentar os conceitos que permeiam a Epistemologia
Genética e, como a Teoria da Equilibração é subjacente a ela, se fez necessário apresentá-la também,
ainda que de forma sucinta, para se ter um panorama mais abrangente do tema tratado.
2. Conhecimento e Desenvolvimento
Desenvolvimento e crescimento mental, para Piaget, são devidos à atividade do sujeito que se defronta
com o seu meio e a inteligência, ou mais especificamente o desenvolvimento da inteligência é a
condição para que os seres humanos construam conhecimento sobre o meio. E se a inteligência é o
fator preponderante, como ele a define? Na sua concepção, é necessário defini-la como função e
como estrutura. Enquanto função a inteligência deve ser vista como adaptação, ou seja, os processos
da inteligência têm como finalidade a sobrevivência do sujeito no meio em que está inserido,
modificando-o se necessário for ou se modificando para melhor se adaptar a esse meio. No que tange
à descrição, do ponto de vista estrutural, a inteligência é uma organização, ou melhor, ela é uma
organização de processos que está associada a níveis de conhecimento. Quando a organização é
complexa ela exige um nível de conhecimento mais complexo e quando se trata de uma organização
menos complexa a exigência é de um nível de conhecimento inferior.
E como a inteligência é uma organização, o desenvolvimento dela não se dá por acúmulos de
informações, mas sobretudo por uma reorganização desta troca de inteligências, ou seja crescer é uma
forma de reorganizar a própria inteligência de forma a ter maiores possibilidades de assimilação.
Se para o desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem os animais dependem em grande parte à
maturação, no homem a ligação de determinados processos de aprendizagem com o desenvolvimento
é atribuída também a outros fatores: "em parte, a fatores sociais; em parte, a fatores cognitivos, que
Piaget resumiu sob o nome de equilibração"6 que em outras palavras seria a tendência ao equilíbrio
interno. "A formação de capacidade em períodos sucessivos decorre, no caso mais simples, do fato de
competências adquiridas mais tarde pressuporem outras que lhes são anteriores".7
3. Teoria da Equilibração
A obra de Piaget reuniu um grande número de conceitos que são extremamente importantes para a
devida compreensão de sua Epistemologia Genética. Os trabalhos iniciais de sua pesquisa levaram-no
a formular a Teoria da Equilibração. A primeira versão desta teoria foi escrita nos anos 50 e depois
reformulada nos anos 708. A preocupação em formular de maneira sistemática a teoria subjacente à
Epistemologia Genética e em explicar de forma integrada os mecanismos do desenvolvimento
6 Kesseling, T. Jean Piaget, 1993, p. 67.
7 Kesseling, T. Jean Piaget, 1993, p. 67.
8 Cf. em Garcia, R. O Conhecimento em Construção: das formulações de Jean Piaget à teoria de sistemas complexos.
2002.
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intelectual foi apresentada no artigo intitulado Lógica e Equilíbrio que faz parte do segundo volume da
série de Estudos de Epistemologia Genética, publicado em 1956, volume este, que recebeu o mesmo
nome do artigo.
Não satisfeito com a teoria exposta, Piaget apresentou, quase 20 anos depois, uma reformulação de
sua teoria do desenvolvimento cognitivo. Esta segunda versão foi publicada em 1975, com um artigo
que contou com um título que aparentemente é mais condizente com a Epistemologia Genética. No
trigésimo terceiro volume da mesma coleção ele apresentou: A Equilibração das Estruturas Cognitivas:
problema central do desenvolvimento.
Segundo Piaget o desenvolvimento cognitivo se dá por interações entre o sujeito e o objeto de
conhecimento. Nas conclusões gerais de Les formes élémentaires de la dialectique (1980) ele afirma
que:
A relação cognitiva sujeito/objeto é uma relação dialética porque se trata de processos de
assimilação (por meio de esquemas de ação, conceitualizações ou teorizações, segundo os
níveis) que procedem por aproximações sucessivas e através dos quais o objeto apresenta
novos aspectos, características, propriedades, etc. que um sujeito também em modificação
vai reconhecendo. Tal relação dialética é um produto da interação, através da ação, dos
processos antagônicos (mas indissociáveis) de assimilação e acomodação.
Se a equilibração acontece a partir da relação dialética entre o sujeito e o objeto através dos processos
de assimilação e acomodação, como Piaget define estes processos?
3.1. Assimilação
Piaget retira este conceito da biologia, "a assimilação constitui um processo comum à vida orgânica e à
atividade mental, portanto, uma noção comum à fisiologia e à psicologia" (1996, p. 47). E se para a
fisiologia assimilar o alimento é retirar partes deste alimento para transformar em energia, aqui a
assimilação assume um caráter semelhante, ou seja, nos processos cognitivos - na relação
sujeito/objeto, quando uma pessoa entra em contato com o objeto de conhecimento ela retira desse
objeto algumas informações e as retém, e são essas informações, e não todas, e nem outras que são
retidas porque existe uma organização mental a partir de estruturas já existentes.
Ao contrário do que acontece na assimilação fisiológica em que o objeto sofre transformações
químicas, na assimilação cognitiva o objeto não é alterado por ser assimilado pelas estruturas mentais,
nem é convertido em substância própria do organismo, mas apenas integrado no campo de aplicação
dessas estruturas.
"A assimilação não se reduz (...) a uma simples identificação, mas é construção de estruturas ao
mesmo tempo que incorporação de coisas a essas estruturas" (PIAGET,1996, p. 364). Em outras
palavras, assimilação significa interpretação, ou seja, ver o mundo não é simplesmente olhar o mundo,
mas é interpretá-lo, assimilá-lo, tornar seu alguns elementos do mundo, portanto isso implica
necessariamente em assimilar algumas informações e deixar outras de lado a cada relação existente
entre o sujeito e o objeto.
Piaget afirma que o termo assimilação foi tomado no sentido amplo de uma integração às estruturas
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prévias e que
assimilar um objeto a um esquema torna (...) a conferir a esse objeto uma ou mais
significações e é essa atribuição de significações que comporta, então, um sistema mais ou
menos complexo de inferências, mesmo quando ela tem lugar por constatação. Em resumo,
poder-se-ia dizer então que uma assimilação é uma associação acompanhada de
inferência. (1976, p. 59)
3.2. Acomodação
Para Piaget "a assimilação e a acomodação são (...) os dois pólos de uma interação entre o organismo
e o meio, a qual é a condição de todo funcionamento biológico e intelectual" (1996, p. 309). Nesta
interação com o meio as estruturas mentais, ou seja, a organização que a pessoa tem para conhecer o
mundo, são capazes de se modificarem para atender e se adequar às necessidades e singularidades
do objeto, ou seja, as estruturas mentais se amoldam a situações mutantes e a esse processo, Piaget
designou acomodação.
A acomodação é uma variação de comportamento e não uma mera reação a determinados estímulos,
pois a capacidade de variação das estruturas mentais deixa claro que mesmo as mais simples reações
não são processos simplesmente mecânicos; a acomodação é a origem do processo de aprendizagem.
Como afirma Piaget: "Que a vida mental seja também acomodação ao meio ambiente, disso não se
pode (...) duvidar", portanto também a "assimilação jamais pode ser pura porque, ao incorporar os
elementos novos nos esquemas anteriores, a inteligência modifica sem cessar esses últimos para
ajustá-los aos novos dados." (1996, p. 13).
Unindo os processos indissociáveis e antagônicos de assimilação e acomodação, pode-se concluir que
conhecer um objeto é assimilá-lo, mas como este objeto oferece certas resistências ao conhecimento é
necessário que a organização mental se modifique. Como as estruturas mentais são flexíveis e
capazes de se transformar elas são utilizadas em variadas situações e de maneiras diferentes. A
acomodação é, nas palavras Piaget, "esse resultado das pressões exercidas pelo meio" (1996, p. 12).
Por esse motivo, o conhecimento é sempre um processo de assimilação e acomodação.
Segundo Piaget (1941, p. 42), "na assimilação e acomodação se pode sem mais reconhecer a
correspondência prática daquilo que serão mais tarde a dedução e a experiência: a atividade da mente
e a pressão da realidade".
3.3. Equilibração
O sujeito, ao entrar em contato com um objeto desconhecido, pode entrar em conflito com esse objeto,
ou seja, no processo de assimilação, o que é novo, às vezes, oferece certas resistências ao
conhecimento e para conhecer esse objeto o sujeito precisa modificar suas estruturas mentais e
acomodá-las. E é a esse processo de busca do equilíbrio dessas modificações que Piaget denominou
equilibração.
O desenvolvimento é, para Piaget, "em um certo sentido, uma equilibração progressiva, uma passagem
contínua de um estado de menor equilíbrio a um estado de equilíbrio superior" (1976, p.123) e a
equilibração é um processo "que conduz de certos estados de equilíbrio aproximado a outros
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qualitativamente diferentes, passando por múltiplos desequilíbrios e reequilibrações" (1975, p. 9). É um
processo dialético que envolve equilíbrio - desequilíbrio - reequilíbrio, e é por esse motivo que ele
preferiu o termo equilibração, e não equilíbrio, que daria a impressão de algo estável, justamente para
sugerir a ideia de algo móvel e dinâmico.
Na concepção piagetiana, a inteligência deve ser vista como equilíbrio entre a assimilação e a
acomodação e ele, às vezes, a representa como duas funções opostas uma à outra, enquanto a
assimilação é comandada pelo sujeito cognoscente, a acomodação é endereçada às exigências do
ambiente. "A equilibração é necessária para conciliar os aportes da maturação, da experiência dos
objetos e da experiência social" (1976, p. 126).
Na primeira versão da teoria da equilibração, Piaget não deixa claro de que modo poderá ser
reconhecido se a acomodação e a assimilação estão em situação de equilíbrio. Em publicação de
1924, Piaget relacionou equilíbrio à reversibilidade do pensamento operativo, em 1945 estava
relacionado com o jogo simbólico e em 1936 e 1947 o tal equilíbrio foi atribuído à inteligência
adaptada9. Nas três situações, a tarefa primordial dos esquemas estava associada mais à assimilação,
e a acomodação exercia função meramente auxiliar.
Na década de 1970, quando da publicação da segunda versão da teoria da equilibração, Piaget atribuiu
o estado de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação à causalidade. Mas o que o levou à
necessidade de reformular a referida teoria? Na realidade, o foco de atenção do Centro Internacional
de Epistemologia Genética (CIEG) - sediado em Genebra e que era presidido por ele, "mudara, a partir
dos anos 70 passou das estruturas lógicas - que monopolizaram as temáticas desde sua fundação para os problemas da causalidade". Esse novo foco, levou Piaget e sua equipe a "considerar o papel
que desempenham os conteúdos e as relações causais no desenvolvimento das estruturas." 10
Segundo García (2002, p. 95), o papel desempenhado pelos conteúdos e as relações causais, pode
ser resumido em quatro pontos:
•
Desde as atividades iniciais de uma criança, toda ação é causal, não apenas pelos
mecanismos psicofisiológicos que as geram mas também por seus resultados. Seu
próprio organismo está submetido a interações físicas.
•
A causalidade está envolvida na formação dos esquemas de ação e em suas
coordenações (ordenar, formar conjuntos), dos quais surgirão as operações.
•
O desenvolvimento cognitivo consistirá inicialmente na tomada de consciência das
relações causais procedentes das ações do próprio sujeito, diferenciando-as das
relações entre os objetos. A partir daí, o desenvolvimento leva à construção progressiva
de dois sistemas: as operações do sujeito, geradas nas coordenações gerais da ação e
à causalidade que extrai suas "informações" das ações particulares.
•
A causalidade conduz aos "fatos" e às "leis", a partir de propriedades observáveis. Mas
a "leitura" dos fatos supõe instrumentos de "assimilação", que não passam de formas de
organização que dependem das estruturas operatórias construídas pelo sujeito.11
A partir desses pontos, fica evidenciado que a teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo atribui
9 Cf. em Kesselring, 1993, p. 90.
10 García, R. 2002, p. 94-95.
11 Grifos do autor.
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especial importância para as "inter-relações e interdependências entre o sistema constituído pelas
operações lógico-matemáticas e o sistema de relações causais cuja fonte é o material empírico".12
4. Epistemologia Genética
A grande preocupação da Epistemologia Genética é explicar a ordem de sucessão em que as
diferentes capacidades cognitivas se constroem. O fato da formação de capacidade cognitiva
acontecer em períodos sucessivos decorre, principalmente, de que as competências que vão sendo
adquiridas pelo sujeito ao longo de sua vida, pressuporem outras que lhes são anteriores.
Logo nas primeiras linhas da introdução do livro L'Epistémologie Génétique (1970), Piaget afirma que
"o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado nem nas estruturas internas do
sujeito" e "nem nas características preexistentes do objeto". No primeiro caso a afirmação é
respaldada, segundo ele, no fato de que as estruturas "resultam de uma construção efetiva e continua".
Para o segundo caso, o respaldo é que aquelas características "só são conhecidas graças à mediação
necessária dessas estruturas, e que estas, ao enquadrá-las, enriquecem-nas."
Com essas afirmações, Piaget estava contestando, por um lado tanto os behavioristas como os
etologistas e por outro tanto os empiristas como, em parte, os aprioristas. Piaget era contrário ao
Behaviorismo13 por não acreditar que os processos de aprendizagem possam ser pesquisados sob
condições rigidamente controlados e por esses pesquisadores acreditarem que se possa incutir na
mente infantil, a qualquer tempo, o que quer que seja. Quanto aos defensores da Biologia do
Comportamento14, que se inspiravam no neodarwinismo, ele discordava de que tanto todo
conhecimento como todo comportamento tem por suporte capacidades inatas. A discordância em
relação ao Empirismo15 se dava principalmente por seus seguidores acreditarem que o conhecimento
está fundado em parte numa espécie de cópia da realidade, por meio de representações e em parte
pelo entrelaçamento dessas representações por meio de associações. A contestação, em partes, ao
Apriorismo16 se deve ao fato de que os aprioristas explicavam o conhecimento por meio do "empenho
ativo do sujeito cognoscente e atribuíam a este um aparelho categorial que apenas torna possível a
experiência, em vez de proceder, ele próprio, da experiência".17
Ainda, na introdução do mesmo livro Piaget, declara que:
todo conhecimento contém um aspecto de elaboração nova, e o grande problema da
epistemologia consiste em conciliar essa criação de novidades com o fato duplo de que, no
terreno formal, elas fazem-se acompanhar de necessidades imediatamente elaboradas, e de
que, no plano do real, permitem (e são, de fato, as únicas a permitir) a conquista da
objetividade.
Com "um aspecto de elaboração nova", Piaget estava se referindo ao fato de que o conhecimento se
12 García, R. 2002, p. 95.
13 Como defensores do behaviorismo encontram-se J. B. Watson (1878-1915) e B.F. Skiner (1904-1984) e era
principalmente a eles que Piaget direcionava suas contestações.
14 Aqui Piaget direcionava suas críticas principalmente a K. Lorenz (1903-1986), a N. Tinbergem (1907- 1988) e a K. von
Frisch (1886-1982).
15 Piaget se direcionava, sobretudo, a J. Locke (1632 - 1704) e a D. Hume (1711 - 1776).
16 A constestação aqui era, em parte para I. Kant (1724 - 1804) e em parte H. Poincaré (1854 - 1912).
17 Cf. em Kesselring, T. 1993, p. 66-74.
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dá através da construção de estruturas não-pré-formadas e que o fato do sujeito passar de um nível de
conhecimento "x" para um nível de conhecimento "x +1" não deve ser subordinado a formas
previamente situadas no sujeito ou no objeto.
Considerando que a formação de capacidade cognitiva aconteça em períodos sucessivos e procurando
explicar essa sucessão, a Epistemologia Genética remonta a gênese e mostra que não existem
começos absolutos. O problema dela é o do desenvolvimento dos conhecimentos. E como, nessa
concepção, esse desenvolvimento não acontece de forma linear, mas através de saltos e rupturas, ela
estabelece estágios de desenvolvimento. Cada um destes estágios representa justamente, uma lógica
das estruturas mentais e que será superado radicalmente por um estágio superior que apresenta uma
outra lógica do conhecimento.
4.1. Os Estágios de Desenvolvimento do Conhecimento
Piaget e sua equipe distinguiram quatro grandes estágios, e que segundo ele, os critérios para tal
distinção não foram inventados a priori, mas descoberto por eles empiricamente18. O primeiro destes
estágios transcorre no âmbito da motricidade; o segundo, na atividade representativa e o terceiro e o
quarto no pensamento operatório. Embora, nos dois últimos estágios o desenvolvimento cognitivo
transcorra no âmbito do pensamento operatório, a diferença entre eles é constatada pelo fato de que
no terceiro, o pensamento operatório ainda esteja ligado ao concreto, enquanto que no quarto, este
mesmo pensamento tem ligação ao abstrato e formal. Os quatro estágios foram denominados de
sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Por sua vez, para um estudo
mais detalhado, os estágios foram subdivididos em níveis.
Se para Piaget a inteligência dá saltos - muda de qualidade, cada estágio representa uma qualidade
desta inteligência. Os estágios significam, ainda, que existe uma sequência e uma sucessão no
desenvolvimento da inteligência e que esse desenvolvimento passa, necessariamente, por cada um
destes estágios.
4.1.1. Estágio sensório-motor
Em linhas gerais este estágio é o período que antecede a linguagem. Do nascimento a
aproximadamente um ano e meio - dois anos, a criança se encontra no estágio sensório-motor. Nesta
fase "ainda não existem nem operações propriamente ditas, nem lógica, mas onde as ações já se
organizam segundo certas estruturas que anunciam ou preparam a reversibilidade e a constituição das
invariantes".19
Se J. M. Baldwin demonstrou que a criança, nos primeiros meses de vida, não manifesta qualquer sinal
aparente de uma conscientização "do seu eu nem de uma fronteira estável entre dados do mundo
interior e do universo externo" e que esse ''adualismo" dura "até o momento em que a construção
desse eu torna-se possível em correspondência e em oposição com os eus dos outros", Piaget e sua
equipe demonstraram que, neste mesmo período, a criança "não comporta objetos permanentes até
18 Cf. em PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia, 1971, p. 104. Doravante indicado por SEP.
19 SEP, 1971, p. 104.
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uma época coincidente com esse interesse pela pessoa dos outros, sendo os primeiros objetos
dotados de permanência constituídos precisamente por esses personagens".20
Essas duas demonstrações, além da enorme contribuição epistemológica, comprovaram que o
desenvolvimento cognitivo começa antes da linguagem, contrariando a visão de alguns epistemólogos
que acreditam que o desenvolvimento da inteligência só inicia com a linguagem. Subjacentemente a
isso, o que Piaget demonstrou foi que quando a criança penetra no universo da linguagem oral, ela só
tem um mundo sobre o que falar porque ela construiu esse mundo antes, pois se ela começasse a falar
absolutamente antes da construção deste universo, ela não teria sobre o que falar, ou seja, existe uma
inteligência pré-verbal. Portanto, não é um desenvolvimento cognitivo sem representação, sem
desenvolvimento das estruturas mentais e sem comunicação - o desenvolvimento só não é expressado
verbalmente.
O estágio sensório-motor é o período da "inteligência prática" porque é uma fase do desenvolvimento
cognitivo onde a criança não usa a linguagem, emprega apenas as suas ações e percepções, daí a
razão da denominação desse primeiro estágio, pois é a ação e a percepção que estimulam o
desenvolvimento das estruturas mentais.
Para Piaget, os dois primeiros anos de vida do ser humano são extremamente essenciais, do ponto de
vista do desenvolvimento, porque neste período a criança percorre uma evolução absolutamente
complexa. Tudo leva a crer, segundo Piaget, que a criança quando nasce não tem noção de que o
universo em que ela se encontra é feito de objetos e que inclusive ela é um objeto entre esses objetos.
Um bebê com 5 ou 6 meses de idade, "não apresenta nenhuma conduta de busca de objeto que
desaparece de seu campo visual".21 Com esse tempo de vida a criança ainda não construiu a ideia de
"objeto permanente", ou seja, ela ainda não atribuiu a noção de existência aos objetos que não estão
no seu campo perceptivo. A construção da ideia de que o universo tem uma objetividade própria
começa por volta dos 9 meses de idade e entre os 12 a 18 meses aproximadamente o objeto se tornou
permanente e dá lugar a uma conduta de busca sistemática dos objetos que não se encontram ao
alcance da sua visão. A "constituição dessa primeira invariante, que é o objeto permanente no espaço
próximo, está ligada a uma organização dos próprios movimentos e dos deslocamentos do objeto". 22
Piaget, afirma que "aí existe, portanto, um início observável da reversibilidade prática".23
Outras construções cognitivas importantes deste estágio são as noções de causalidade e a
diferenciação entre meios e fins. A ideia de causalidade se faz presente quando a criança percebe que
ela é um objeto no mundo e que ela pode interagir com outros objetos e ainda, que estes objetos
interagem e causam efeitos entre si. Com a ideia de diferenciação entre meios e fins a criança adquire
uma série de conhecimentos fundamentais sobre a natureza dos objetos, bem como suas
possibilidades de ações sobre eles.
O estágio sensório-motor se caracteriza essencialmente pelas construções cognitivas de objeto
permanente, de causalidade e de diferenciação entre meios e fins, bem como com a construção de
tempo e espaço que também se dá nesses, aproximadamente 2 anos de vida, faz com que a criança
consiga, num primeiro momento, uma construção maior que é a objetividade do universo e da
construção do real, embora esse real construído seja vivenciado apenas através das percepções e das
20 Cf. em PIAGET, J. Epistemologia Genética, 1970, p. 9. Doravante indicada por EG.
21 SEP, 1971, p. 104.
22 SEP, 1971, p. 104.
23 SEP, 1971, p. 104.
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ações. Essa objetividade e esse real serão reconstruídos, mais tarde, no nível da linguagem.
Em suma, afirma Piaget, "a coordenação das ações do sujeito, inseparável das coordenações espaçotemporais e causais" que é atribuído por esse sujeito ao real, "é origem tanto das diferenciações" entre
o sujeito e os objetos "quanto dessa descentração no plano dos atos materiais que tornará possível,
com o concurso da função semiótica, o advento da representação ou do pensamento".24
4.1.2. Estágio Pré-operatório
Por volta dos dois anos de idade a qualidade da inteligência se modifica, ao contrário do primeiro
estágio onde agir e saber eram uma realidade só, na transição para o segundo eles se separam e dáse o início do "pensamento com linguagem, o jogo simbólico, a imitação diferenciada, a imagem mental
e as outras formas de função simbólica".25 Este estágio é também conhecido como o estágio da
representação e a criança permanece nele, aproximadamente, por cinco anos.
A representação é a capacidade que a criança adquire, por meio das construções cognitivas, de pensar
um objeto através de outro objeto. Além disso, esta representação é crescente e consiste, em boa
parte, numa interiorização progressiva daquelas ações que eram executadas de forma senso-motora.
Neste estágio, a inteligência ainda é prática, mas agora, além de prática ela é uma inteligência em
representação e Piaget denominou de Pré-operatório porque significa que a criança utiliza a
representação, mas ela tem todo um trabalho de assimilação, acomodação e equilibração de organizar
essas representações num todo. E estas operações significam exatamente a capacidade de organizar
esse mundo das representações de forma coerente e estável, embora ela ainda não seja capaz de
reverter essas operações; a reversibilidade só acontecerá nos próximos estágios, os operatórios
concreto e formal.
Segundo Piaget, neste segundo estágio, com a introdução ao mundo da linguagem, ao jogo simbólico
e as outras formas de função simbólica há um desenvolvimento notável das estruturas mentais.
Enquanto que no primeiro, "os esquemas da inteligência ainda não são, de fato, conceitos", no
segundo, a situação se altera "de uma forma notável; às ações simples, que asseguram as
interdependências diretas entre o sujeito e os objetos, sobrepõe-se, em certos casos, um novo tipo de
ações, o qual é interiorizado e mais precisamente conceitualizado". 26 E esta "passagem das condutas
sensoriomotoras para as ações conceitualizadas deve-se não apenas à vida social mas também aos
progressos da inteligência pré-verbal em seu conjunto e à interiorização da imitação em
representações"27.
Piaget afirma, ainda, que esta "passagem da ação ao pensamento, ou do esquema sensório-motor ao
conceito não se realiza sob a forma de uma revolução brusca, mas, pelo contrário, sob forma de uma
diferenciação lenta e laborosa, ligada às transformações da assimilação"28 e que
a grande distinção epistemológica entre as duas formas de assimilações por esquemas
sensoriomotores e por conceitos é, portanto, que a primeira ainda diferencia mal as
24 Cf. em EG, 1970, p. 11.
25 SEP, 1971, p. 104.
26 EG, 1970, p. 15.
27 EG, 1970, p. 19.
28 EG, 1970, p. 19.
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características do objeto das características das ações do indivíduo em relação a esses
objetos, ao passo que a segunda forma envolve somente os objetos, mas tanto os ausentes
quanto os presentes, e ao mesmo tempo liberta o indivíduo de seus vínculos com a situação
atual, conferindo-lhe então o poder de classificar, seriar, por em correspondência, etc., com
muito mais mobilidade e liberdade.29
Vale ressaltar que os processos de assimilação, acomodação e equilibração realizados por crianças
nesta faixa etária foram constatados por Piaget e sua equipe através de testes, normalmente de
raciocínio lógico-matemático, que eram aplicados com a intenção de observar e analisar a forma como
eram resolvidos.
Além da evolução das estruturas já relatadas, dois acontecimentos são visivelmente observáveis neste
período. O primeiro deles e bastante marcante é a introdução à linguagem porque ela permite uma
socialização da inteligência e a aquisição da linguagem pressupõe duas capacidades cognitivas. A
primeira, é que a criança "deve saber distinguir claramente entre signo e significado" e a segunda, é
que "determinados signos sempre substituem o mesmo objeto e também o próprio signo é uma espécie
de objeto". Esta relação "entre palavra e sequência sonora articulada, é estruturalmente aparentado
com o que existe entre o objeto permanente e as suas imagens sensoriais"30.
O segundo acontecimento presente neste estágio é a introdução ao mundo da moralidade, ou seja,
nesta fase a criança entra no mundo dos valores, das regras, das virtudes e das noções de certo e
errado. Este fato é importante porque não se pode falar em moral no estágio anterior. Piaget acredita
que só por volta dos 4 anos de idade é que a criança penetra no mundo da moralidade, mas apesar de
saber diferenciar regras condicionadas pela natureza de normas morais ou sociais, ela ainda não
compreende o sentido de tais regras.
Piaget utilizou com frequência o termo egocentrismo associado a este estágio e foi muito criticado por
isso. Em sua obra, este termo não deve ser encarado como o da forma habitualmente utilizado. Para
ele, dizer que uma criança é egocêntrica não quer dizer que ela se comporte como estivesse
totalmente centrada nela, significa que ela tem dificuldades de perceber o ponto de vista do outro. Em
outras palavras ela percebe o ponto de vista do outro a partir do seu próprio ponto de vista.
4.1.3. Estágio das operações concretas
Por volta dos 7-8 anos de idade aproximadamente, depois de ter passado por algumas fases de
transição, a criança chega à constituição de uma lógica e de estruturas operatórias denominadas
concretas. "Neste nível, que é o dos primórdios de uma lógica propriamente dita, as operações ainda
não repousam sobre proposições de enunciados verbais, mas sobre os próprios objetos" que as
crianças "se limitam a classificar, a seriar, a colocar em correspondência etc".31
De acordo com Piaget, a entrada da criança neste estágio "assinala um momento decisivo na
construção dos instrumentos do conhecimento". Ele afirma que "as ações interiorizadas ou
conceitualizadas com que o sujeito" trabalhava até agora, "adquirem a categoria de operações".32
29 EG, 1970, p. 21.
30 Cf. em Kesselring, T. 1993, p. 131.
31 SEP, 1971, p. 105.
32 EG, 1970, p. 28.
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Mas, o que Piaget quer expressar com termo operação? Com o termo operação, ele tem em mente a
ação do sujeito. Se nos níveis sensoriomotores, ação significava manipular o mundo, trabalhar o
mundo e agir sobre o mundo; se no pensamento pré-operatório esta ação passou a ser interiorizada,
ou uma ação por representação; com o advento do pensamento operatório a criança adquire a
habilidade de pensar uma ação e reverter esse pensamento. Em outras palavras, operação é uma
ação interiorizada reversível e coordenada.
Como este é o estágio da inteligência operacional concreta, e como dito anteriormente se refere aos
primórdios da lógica, a criança faz uso da capacidade das operações reversíveis apenas em cima de
objetos que ela possa manipular, de situações que ela possa vivenciar ou de lembrar a vivencia, ainda
não existe, por assim dizer, a abstração. Mas, estas operações, "enquanto transformações reversíveis
modificam certas variáveis e conservam outras a título de invariantes".33 Percebe-se com isso um salto
de qualidade essencial, uma diferença de natureza do estágio anterior no desenvolvimento cognitivo e
mais uma vez sem um começo absoluto pois "o que é novo decorre ou de diferenciações progressivas,
ou de coordenações graduais, ou das duas coisas ao mesmo tempo"34.
Se no estágio pré-operatório a criança passou por uma mudança de ações que eram sucessivas para
um processo de ações simultâneas e isso trouxe a possibilidade da representação, agora, o que se tem
é "um processo temporal análogo, mas que envolve a fusão num só ato das antecipações e
retroações".35 E é justamente esse processo que caracteriza a reversibilidade da ação interiorizada, ou
seja, a criança age com a inteligência operacional e é "graças à reversibilidade, que a mente humana
emancipa-se do espaço e tempo, isto é, ela pode percorrê-las em todas as direções. À reversibilidade
deve também a capacidade de distinguir entre processos reversíveis e irreversíveis".36
Em suma, o que essencialmente caracteriza o surgimento das operações é que
em vez de proceder por correções a posteriori, isto é, uma vez já executada materialmente a
ação, as operações constam de uma pré-correção dos erros, graças ao duplo jogo das
operações diretas e inversas, ou seja, [...] de antecipações e retroações combinadas ou,
mais precisamente ainda, de uma antecipação possível das próprias retroações.37
4.1.3. Estágio Operatório Formal
Por volta dos 11 - 12 anos de idade, a criança chega ao mundo das operações formais. Estas novas
operações aparecem "pela generalização progressiva a partir das precedentes"38 e a principal
característica desta fase consiste em poder realizar estas operações sobre hipóteses e não somente
sobre objetos, ou seja, de agora em diante, a criança pode versar sobre enunciados verbais, isto é,
sobre proposições. "O raciocínio hipotético-dedutivo torna-se possível, e, com ele, a constituição de
uma lógica 'formal' quer dizer, aplicável a qualquer conteúdo".39
33 EG, 1970, p. 28.
34 EG, 1970, p. 29.
35 EG, 1970, p. 29.
36 Kesselring, T. 1993, p. 148.
37 SEP, 1971, p. 107.
38 SSP, 1971, p. 107.
39 SSP, 1971, p. 107.
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Se por um lado este é o último estágio do desenvolvimento cognitivo, por outro, a designação
"operações formais" indica que as pessoas, a partir deste estágio, "não pensam apenas
operatoriamente, mas avançam mais e mais em direção a raciocínios formais e abstratos". 40 Segundo
Piaget, com as operações formais "o conhecimento supera o próprio real para inserir-se no possível e
ligar diretamente o possível ao necessário sem a mediação indispensável do conceito" 41 e este possível
cognitivo "é necessariamente extemporâneo, por oposição ao virtual físico, cujas realizações se
desenvolvem no tempo"42.
As operações lógico-matemáticas permearam os trabalhos de Piaget e sua equipe. Na verdade, elas
eram o grande destaque nos testes que foram aplicados às crianças, e quanto a essas operações ele
afirmou que
é na medida em que se interiorizam as operações lógico-matemáticas do sujeito graças às
abstrações reflexivas que constroem operações sobre outras operações, e na medida em
que é finalmente alcançada essa extemporaneidade características dos conjuntos de
transformações possíveis e já não apenas reais, que o mundo físico em seu dinamismo
espaço-temporal, englobando o sujeito como parcela ínfima entre outras, começa a ficar
acessível a uma leitura objetiva de algumas de suas leis e, sobretudo, a explicações causais
que obrigam o espírito a uma constante descentração em sua conquista de objetos.43
No que tange a abstrações, Piaget dividiu-as em dois tipos: Abstração Empírica e Abstração Reflexiva.
As informações retiradas do objeto de conhecimento pelo sujeito são abstrações empíricas; ao passo
que, as informações retiradas das ações do sujeito sobre o objeto são abstrações reflexivas.
E quanto à interiorização e exteriorização de conhecimentos Piaget, sustenta que esse duplo
movimento "iniciado com o nascimento acaba por assegurar essa harmonia paradoxal entre um
pensamento que se liberta, enfim, da ação material e de um universo que engloba esta última, mas a
supera de todas as formas".44
5. Conclusão
Diante do exposto, a Epistemologia Genética proposta por Piaget é essencialmente baseada na
inteligência e na construção do conhecimento e visa responder não só como os homens, sozinhos ou
em conjunto, constroem conhecimentos, mas também por quais processos e por que etapas eles
conseguem fazer isso.
Como o termo genética no título desta teoria, sugere a evolução da aquisição de conhecimentos,
Piaget e sua equipe estabeleceram quatro estágios por quais os sujeitos perpassam para evoluírem, de
um estado de total desconhecimento do mundo que o cerca até o desenvolvimento da capacidade de
conhecer o que ultrapassa os limites do que está a sua volta.
Do nascimento até aproximadamente dois anos de idade a criança se encontra no estágio sensóriomotor, atingindo um nível de equilíbrio por volta dos 12 - 18 meses. Terminado este período, ela
40 Kesselring, T. 1993, p. 159.
41 EG, 1970, p. 45.
42 EG, 1970, p. 45.
43 EG, 1970, p. 50.
44 EG, 1970, p. 51.
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adentra no estágio pré-operatório e permanece nele até completar mais ou menos 7 - 8 anos, sendo
que o equilíbrio é atingido quando a criança está com a idade de 4 - 5 anos. Superado esses dois,
começa-se a jornada pelos dois outros estágios - os operatórios. O primeiro deles é o concreto que se
inicia ao final do segundo estágio e tem duração, em média, até os 11 - 12 anos. O nível de equilíbrio
acontece aos 9 - 10 anos. O último estágio - o operatório formal que inicia ao final do terceiro e no qual
o ser humano permanece por toda a vida adulta atinge um estado de equilíbrio por volta dos 14 - 15
anos de idade. Piaget, ressalta que "estas idades médias dependem dos meios sociais e escolares".45
Independentemente do estágio em que os seres humanos se encontrem a aquisição de
conhecimentos, segundo Piaget, acontece por meio da relação sujeito/objeto. Esta relação é dialética e
se dá por processos de assimilação, acomodação e equilibração. O dinamismo da equilibração
acontece através de sucessivas situações de equilíbrio - desequilíbrio - reequilíbrio que visam, por
assim dizer, "dominar" o objeto do conhecimento.
A necessidade de conhecimento do objeto pelo sujeito, leva-o a executar desde simples ações até
operações sobre o objeto. Se por um lado, os estágios foram estabelecidos, evolutivamente, a partir do
que faltava para se chegar à capacidade de realizar operações formais, por outro lado as próprias
operações perpassam três grandes etapas que as levam a se libertarem "da duração, ou seja, de fato,
do contexto psicológico das ações do sujeito, com o que elas comportam de dimensão causal" para
finalmente atingirem "esse caráter extemporâneo que é próprio das ligações lógico-matemáticas
depuradas".46
A primeira das três etapas perpassadas pelas operações é o da função semiótica, ou seja, "a
interiorização em imagens e a aquisição da linguagem" permitem "a condensação das ações
sucessivas em representações simultâneas", isso se dá por volta dos 18 meses - 2 anos. A segunda
das etapas coincide com o inicio do terceiro estágio - o das operações concretas, ou seja,
"coordenando as antecipações e as retroações chegam a uma reversibilidade suscetível de refazer o
curso do tempo e de assegurar a conservação dos pontos de partidas". E, a última das três grandes
etapas é assinalada com o início das operações formais, quando o conhecimento supera o real e
insere-se no possível.47
Dentre as teorias do conhecimento já elaboradas, é possível que a Epistemologia Genética seja a mais
completa delas. Ela é completa não só porque abrange a aquisição de conhecimentos pelo homem
desde o nascimento até a idade adulta, mas também porque ela procura responder quais são os
processos desta aquisição.
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45 SEP, 1971, p. 105.
46 EG, 1970, p. 45.
47 EG, 1970, p. 45.
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