HP 2
Pois que pressentimos que nenhum de nós sabe fazer muito bem isto da vida, o resto é bazófia, nem no mal nem na acutilância sabemos o que estamos a fazer ao certo enquanto agimos e pensamos – e o resto é ilusão de conseguir ver-se a si próprio. Executamo-nos assim sem saber muito bem como, repletos de hábitos ocasionais e contínuas e cegas apalpadelas, não passamos de cinzas de identidade, é o que pressentimos na intimidade do outro. No seu olhar que nos olha, do fundo de si próprio que nunca seremos, fechados em nós próprios de certo modo – pois no entanto olhando-se de cá e lá. Sem o amor, a realidade não passa de um sonho – não há outro, a floresta desaparece na escuridão e nem um grito que não seja nosso.
O amor é anterior a gostar ou não gostar das coisas e pessoas, é primeiro abrir-se a elas – é a luz onde as coisas se revelam ou nada. Recalcamo-lo é desde logo, na ante-primeira infância e continuamente até à morte. Dissipamo-nos nos momentos segundos, que se soltam então dispersos – e dedicamo-nos às nossas afecções e afinidades que se reúnem no vazio, e assim soçobram perante a morte ou qualquer pequeno desespero. E mais frágeis até, por vezes basta uma dor de dentes para já não sabermos quem ou o que amamos. Ou para sabê-lo desesperadamente. Que estamos inteiramente fechados e distantes e intocáveis.
O exterior olha para nós com ferocidade.
É frágil esta beleza – tal qual a presença do outro e da vida que se esvaem como um fogo que nos foge. Agredir o aparente ser que se nos mostra duvidoso é participar da fuga, é ser na pertença deste mundo que se esvai na nossa pequena vida.
É só por isso, por nada mais. Não é preciso muita conversa, apenas a adequada impressão de vida, sem bazófia nem revolta, como te sentes mesmo aí na vida que decorre e não apreendes na infância ou na velhice ou entre ambas?... Nesse sentido, só há ética no amor, o resto é conversa de interesse ou cobardia. Momentos segundos pois, e que ao tomarem-se por primeiros e fundamentais soçobram no absurdo. Chocar-se com o absurdo do mundo, ainda é pertencer-lhe. A ironia é um rigor amoroso, assim como o é a bondade. Basta o abismo que o outro é perante o nosso, para hesitar matá-lo por nossa confusa e revoltada causa, seja qual for o nosso suposto alento de viver e de morrer. O assassino, é o mais solitário que reside em nós. E o mais solidário, ao contrário do que pensa a ética contratualista, porque no recalcado estado em que nascemos e vivemos, debater-se no absurdo é um quesito de sentido, negativo mas ainda assim. Antes revoltado que justificador do mundo. A diferença é que o primeiro tem os crimes à mostra e apropriados – respondendo directa e desesperadamente por eles. O segundo legitima-os e legitima-se perante o mundo, e os seus crimes prosseguem indirecta e extensivamente das almas aos corpos e às moléculas da atmosfera. Só o amor redime ambos, só o alento perante o abismo e sua decorrente queda – no vazio ou em Deus. Poder-se-ia dizer até: no vazio e em Deus.
Basta o abismo que o outro é para sequer querer magoá-lo, aflorá-lo com a mínima dor – o que fazemos mal respiramos. Mas também lhe damos luz nessa dor, que sentimos como alegria que irrompe de um para o outro e tudo vence.
S. Francisco fala com lobos e com o sol e a lua, Santo António com os peixes e com as cidades, Teresa de Calcutá com os intocáveis e com os reis do mundo. Trata-se duma pura e indizível esponsalidade que se deixa fecundar pelo maculado mundo dando à luz imaculados frutos.
Esta esponsalidade, naquilo que é dizível humanamente e entre outros aspectos, exige que se deixe o outro revelar-se enquanto ser próprio, enquanto execução simultânea da incognoscível vontade criadora de Deus e da liberdade e verdade do outro, das pessoas às coisas e animais e discursos e etc nos infindos significados do verbo divino. Por isso e não só, a relação entre a ética contratualista e o amor não é pacífica. Deve-se levar a tribunal ou prender o velho hebreu antes de ele estar prestes a assassinar o seu próprio filho?...
E foi-nos revelado que lá no fundo e na superfície há uma alegria, e mais pequena e intensamente a pressentimos. É terrível isto do amor – não anula o vazio das coisas e a impossibilidade de aceder ao outro, e chama por ambos inteiros e vivos.
O amor é anterior a gostar ou não gostar das coisas e pessoas, é primeiro abrir-se a elas – é a luz onde as coisas se revelam ou nada. Recalcamo-lo é desde logo, na ante-primeira infância e continuamente até à morte. Dissipamo-nos nos momentos segundos, que se soltam então dispersos – e dedicamo-nos às nossas afecções e afinidades que se reúnem no vazio, e assim soçobram perante a morte ou qualquer pequeno desespero. E mais frágeis até, por vezes basta uma dor de dentes para já não sabermos quem ou o que amamos. Ou para sabê-lo desesperadamente. Que estamos inteiramente fechados e distantes e intocáveis.
O exterior olha para nós com ferocidade.
É frágil esta beleza – tal qual a presença do outro e da vida que se esvaem como um fogo que nos foge. Agredir o aparente ser que se nos mostra duvidoso é participar da fuga, é ser na pertença deste mundo que se esvai na nossa pequena vida.
É só por isso, por nada mais. Não é preciso muita conversa, apenas a adequada impressão de vida, sem bazófia nem revolta, como te sentes mesmo aí na vida que decorre e não apreendes na infância ou na velhice ou entre ambas?... Nesse sentido, só há ética no amor, o resto é conversa de interesse ou cobardia. Momentos segundos pois, e que ao tomarem-se por primeiros e fundamentais soçobram no absurdo. Chocar-se com o absurdo do mundo, ainda é pertencer-lhe. A ironia é um rigor amoroso, assim como o é a bondade. Basta o abismo que o outro é perante o nosso, para hesitar matá-lo por nossa confusa e revoltada causa, seja qual for o nosso suposto alento de viver e de morrer. O assassino, é o mais solitário que reside em nós. E o mais solidário, ao contrário do que pensa a ética contratualista, porque no recalcado estado em que nascemos e vivemos, debater-se no absurdo é um quesito de sentido, negativo mas ainda assim. Antes revoltado que justificador do mundo. A diferença é que o primeiro tem os crimes à mostra e apropriados – respondendo directa e desesperadamente por eles. O segundo legitima-os e legitima-se perante o mundo, e os seus crimes prosseguem indirecta e extensivamente das almas aos corpos e às moléculas da atmosfera. Só o amor redime ambos, só o alento perante o abismo e sua decorrente queda – no vazio ou em Deus. Poder-se-ia dizer até: no vazio e em Deus.
Basta o abismo que o outro é para sequer querer magoá-lo, aflorá-lo com a mínima dor – o que fazemos mal respiramos. Mas também lhe damos luz nessa dor, que sentimos como alegria que irrompe de um para o outro e tudo vence.
S. Francisco fala com lobos e com o sol e a lua, Santo António com os peixes e com as cidades, Teresa de Calcutá com os intocáveis e com os reis do mundo. Trata-se duma pura e indizível esponsalidade que se deixa fecundar pelo maculado mundo dando à luz imaculados frutos.
Esta esponsalidade, naquilo que é dizível humanamente e entre outros aspectos, exige que se deixe o outro revelar-se enquanto ser próprio, enquanto execução simultânea da incognoscível vontade criadora de Deus e da liberdade e verdade do outro, das pessoas às coisas e animais e discursos e etc nos infindos significados do verbo divino. Por isso e não só, a relação entre a ética contratualista e o amor não é pacífica. Deve-se levar a tribunal ou prender o velho hebreu antes de ele estar prestes a assassinar o seu próprio filho?...
E foi-nos revelado que lá no fundo e na superfície há uma alegria, e mais pequena e intensamente a pressentimos. É terrível isto do amor – não anula o vazio das coisas e a impossibilidade de aceder ao outro, e chama por ambos inteiros e vivos.