quinta-feira, setembro 29, 2005

Impressão idiota

É curioso como a única referência vivida que temos da eternidade reside no acto de poisar no momento. É assim uma impressão vazia de representações. Algo se imprime em nós sem que saibamos bem o que chamar-lhe, como identificar a impressão. Não sabemos se é uma sensação ou uma disposição, uma intuição qualquer, uma ideia sentida, ressentida, seja o que fôr. Parecido com estar simplesmente ali, poisado no ser. Assim. Liberto do passado, do futuro, de toda e qualquer amarra ou retenção por assim dizer tal como nenhuma projecção, nenhum movimento de vontade. A parede, a mesa, o cigarro fumegante no cinzeiro, a cortina move-se com o vento, a luz entrando pela janela, tu olhas para mim e sorris, ali, simplesmente ali e eis tudo. Como quem realmente existe. Como que realmente real. Há uma plenitude qualquer que se estende pelo momento infinitizando-o, o preenchimento de tudo no tempo e no espaço transbordando-os. Sabemos ser um disparate, o pensamento diz que o momento é precisamente o que por definição escapa, só o detemos sob forma de retenção mental, isto é, de "desrealidade". E no entanto esse eco. A sua contradição. Uma impressão de ser, simplesmente, no passado, no futuro, agora, ser sempre ter sido e será sendo. E sabemos também que uns velhos do deserto diziam que esse simplesmente ser sempre era uma unidade, uma substância, uma consciência - e que fala, precisamente através dos momentos, que a realidade é o seu alfabeto e a sua gramática, a sua linguagem. Que é algo a que nos podemos dirigir. Mover-nos para. Pretendiam assim que a vida pudesse ser lida, escutada, interpretada - dialogalmente. Que o que preside a ela é algo que se pode escutar nela, e falar-lhe, em silêncio e balbucio. A vida é. E comunica-se a si própria. Um sentido, é um caminho. Eram um pouco doidos, realmente, estes velhos hebreus, e no entanto... Às vezes nem consigo perceber como é possível termos produzido a ideia de Deus. De tão doida que é. Esse é o fundamento da noção de revelação, de algo que se desvela "fora de nós". Humano algum poderia ter tido ideia tão estapafúrdia. É tudo um pouco idiota isto tudo, assim um pouco à Dostoiewski, mais simples e directo que o nó de Alexandre. Eu, como sou daquelas criaturas que a arte cativa, tenho por vezes ideia que certas expressões artísticas indicam essa impressão, certas cenas dos filmes de Tarkowski, certos quadros de Turner, certos trechos de Arvo Part, certos poemas de Ruy Belo... Mas suspeito que isso apenas acontece por remissão para o momento vivido de nós-próprios, vazios e eternos. A arte não contém essa impressão. Está totalmente em nós. Enfim... tanta conversa para nada. Para esconder um puro balbucio, algo de que não se faça a mínima ideia do que possa ser, e que no entanto está ali, intensamente interpelante, mas muito sereno, rumorejante - silencioso. Tão sereno - tão fácil de esquecer. Tão fugidio - e no entanto sempre lá. Assim. Sem explicação alguma. Uma pessoa até se sente desconfortável a falar disso, tão tão fora de casa, tão tão tão pouco - natural. E não percebemos lá muito bem se essa impressão se impõe por si, ou se é produzida pela narração do avô hebreu, como se fosse possível falar de modo não a falar acerca da realidade, não referindo-se a ela, mas sim revelando-a, dando-lhe directamente sentido - abrindo-a. Uma fala sagrada, é essa a ideia.
(...)
Sabemos que lhe chamamos Deus. E à doidice de a isso aderir, de decidir dar-lhe valor de verdade, um eixo de orientação para a existência, para o seu sentido - chamamos pois: o chamamento da fé. O ínicio. Uma pura cegueira que tudo ilumina.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Para o padre do Confessionário, com pequeno abuso

Ido o blogue do confessionário. Dissolvido, apagado, desmemorizado. Enfim… Mudanças de casas?... Vida, vida, vida, cada qual um trajecto e uma liberdade.

Que o seu caminho com Cristo prossiga nos segredos e proclamações devidos.
Que o seu coração e pensamento habite na concretude da vi(n)da e do mi(ni)stério.
Que a luz que nos revela a todos e cada qual na interioridade continue a crescer na sua consciência.
Que Deus continue a conduzi-lo na alegria temerosa de ser Seu filho.

O meu netcristianismo perdeu um dos seus alimentos, e ainda por cima um dos pratos fortes.
Sinto-me obrigado a confessar, um pouco abusiva mas porventura amorosamente, que o último post não me convenceu. Mas enfim, alguma resistência brota da pequena tristeza que ele me provocou. Ora bolas! De qualquer modo, omitir este penssentimento seria, penso eu, faltar à sinceridade.

Um grande abraço, e até ver!

sábado, setembro 03, 2005

Ponto

Crê, e o póstumo esclarecimento crescerá em ti.