O estilista Vincente Minnelli realizou um melodrama irrepreensível em Adeus às ilusões (The sandpiper, 1965) com o casal Elizabeth Taylor e Richard Burton. Há, de um modo geral, entre os culturettes de plantão, um preconceito sobre o melodrama, como se fosse algo menor. O melodrama, quando estilizado e dotado de emergência poética, é notável. Não confundir, porém, com o dramalhão. A história do cinema está cheia de melodramas requintados, verdadeiras obras-primas, como esse filme de Minnelli, Cartas para uma desconhecida, de Max Ophuls, Palavras ao vento, de Douglas Sirk, Assim estava escrito, de Minnelli, Tarde demais para esquecer (An affair to remember), de Leo McCarey, entre muitos outros.
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23 abril 2011
21 abril 2011
Visão de mundo do autor do blog
Entrevista feita comigo por Sophia Mídian Bagues, cineasta e jornalista, para a Tv Ufba.
20 abril 2011
Adaptação literária provoca conflito de linguagens
18 abril 2011
Um teorema pasoliniano
Lançado no desaparecido cine Liceu da rua Saldanha da Gama (de saudosa memória), em Salvador, Teorema, de Pier Paolo Pasolini, se constituiu quase num escândalo pela maneira despojada e direta com que o cineasta italiano trata o tema. Controverso, ainda que realizado em plena ebulição de um ano em transe como o de 68, o filme de Pasolini causou rumorosas objeções, chegando, inclusive, a ser proibido em alguns países. No Brasil, pós Ato Institucional número 5, monstruosidade jurídica do Ministro Gama e Silva, do governo ditatorial de Costa e Silva, Teorema, cuja estréia se deu em 1969, não se sabe por que razão, passou incólume pela censura.
Pasolini teve morte trágica, em novembro de 1975, despedaçado pelas rodas de um carro, restando, seu corpo, irreconhecível. Desapareceu na periferia de Roma, numa zona freqüentada por homossexuais e, pelo que se sabe, um deles atacou o cineasta, que, já morto, foi totalmente esmagado pelo automóvel do assassino. Homossexual assumido, Pier Paolo Pasolini já anuncia, como numa premonição, a sua morte em sua derradeira obra, Saló ou Os 120 dias de Sodoma, baseado em relatos do Marquês de Sade adaptados para a Itália fascista dos anos quarenta. O filme é uma verdadeira descida ao inferno e, nele, patentes, o desespero, a desesperança, o ceticismo do autor de Teorema.
Um rico industrial, casado, dois filhos, recebe, de repente, a visita de um anjo, que, elemento deflagrador, provoca, com a sua presença, uma crise familiar. O anjo, que não se sabe de onde veio, tem relações sexuais com todos os familiares. Estes ficam totalmente atônitos e começam a ter comportamentos esquisitos. A mãe (interpretada pela deusa Silvana Mangano) sai pelas ruas de Roma à cata de homens para satisfazer suas fantasias, com um gosto insólito pelos tipos mais rudes e grossos. O filho vira artista abstrato numa pulsação quase maníaca. A sua irmã, chocada, fica catatônica, enquanto o pai, desesperado, corre pelo deserto após doar a sua fábrica aos operários. Apenas a criada (Laura Betti) é que é salva pelo autor, pois sai da casa onde trabalha e se dirige ao vilarejo natal, quando levita e fica parada no firmamento. Objeto de culto e veneração.
O anjo, interpretado por Terence Stamp, é um personagem bem típico dos filmes cujas fábulas apontam pelo aparecimento de um elemento deflagrador que provoca uma crise de identidades ou um pandemônio quando se instala. Geralmente um forasteiro, como o Shane de Os brutos também amam, western grandioso de George Stevens, que, ao chegar a uma cidade, muda seus rumos e o de seus habitantes.
Assim também William Holden, o forasteiro que, em Férias de amor (Picnic) , provoca os ânimos de uma sociedade aparentemente ordeira, mas altamente preconceituosa. Stamp, revelado por William Wyler em O colecionador (1964), logo virou, pelo seu carisma, pelo seu olhar angelical, pela sua maneira de ser, um ator cobiçado pelos mestres do cinema, a exemplo de Federico Fellini que o destacou para o quadro principal de seu curta incluso no longa Histórias extraordinárias, filme pouco visto do cineasta de La dolce vita, com um sabor insólito e surrealista.
O elenco de Teorema é excelente. Além de Stamp e La Mangano , Laura Betti, que faz a servente, atriz combatente, militante e amiga de Pasolini, que, até hoje, preserva a sua memória e trabalha no sentido de que sua morte seja revelada como um assassinato político. O industrial é Massimo Girotti. Rever Teorema é uma exigência nesses tempos pós-modernosos nos quais os filmes como que pararam de investir no desnudamento das idiossincrasias do homem, preocupados apenas com as suas ações exteriores. Teorema, de Pier Paolo Pasolini, é um filme aparentemente estranho para aqueles não acostumados à poética do autor. Mas, indiscutivelmente, uma obra de arte.
Parábola cristã sobre a graça, Teorema, para Pasolini, numa entrevista ao jornal Jeune Cinema número 33 (outubro de 1968), disse o seguinte: "Numa família burguesa chega um personagem misterioso, que é o amor divino. É a intrusão do metafísico, do autêntico, que vem destruir, transformar uma vida inteiramente inautêntica, mesmo que cause pena, mesmo que possa ter momentos de autenticidade nos sentimentos".
A partitura, deslumbrante, é do maestro Ennio Morricone. E a luz, que parece pentecostal, vem da sensibilidade de Giuseppe Ruzzolini.
Marxista, ateu, Pasolini, pouco antes de Teorema, filmou a melhor vida de Cristo no cinema, que foi O evangelho segundo São Matheus, que dedicou ao Papa João XXIII. Além de cineasta, poeta, romancista, articulista, homem de combate, Pasolini revela, em suas obras, o seu sentido humanístico que aflora através de parábolas como Gaviões e passarinhos, entre outros. Um sentido que se perde, porém, nos últimos anos de vida, quando a descrença, o ceticismo, e a revolta parecem tomar-lhe conta como expõe muito bem seu canto de cisne chamado Saló.
17 abril 2011
“O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman
Ingmar Bergman (14/07/1918 – 30/07/2007), um dos maiores pensadores do cinema, morreu há quase quatro anos, com 89 anos de idade completados poucas semanas antes de seu passamento. O blog lembra o genial cineasta através de seu belo O sétimo selo
Não apenas um cineasta, mas um autor completo, um pensador que se vale do cinema para refletir suas angústias, suas dúvidas, refletir sobre a condição humana, Ingmar Bergman é um dos maiores realizadores cinematográficos de todos os tempos. Houve uma época, nos idos dos 60 e 70, que o seu nome despertava imensa curiosidade e, por causa dela, formou-se um verdadeiro culto ao diretor, que alguns chamaram de bergmania. Se na primeira fase de sua carreira não conheceu o sucesso nas bilheterias, considerado pelos exibidores um cineasta maldito, a partir dos meados dos anos 60 um mercado se abriu para suas obras. Principalmente na sua fase psicanalítica - Cenas de um Casamento, Face a Face, Sonata de Outono... Os filmes de Bergman que mais aprecio, no entanto, exceção se faça a A Paixão de Ana (1970), e, também a O Silêncio, são aqueles da primeira fase, notadamente O Sétimo Selo Morangos Silvestres, A Fonte da Donzela, Noites de Circo, Mônica e o Desejo, Sorrisos de uma Noite de Verão, Juventude, entre outros. No frigir dos ovos, entretanto, posso dizer que admiro a todos os seus filmes.
O Sétimo Selo, obra-prima da primeira fase do cineasta, ainda que produzido em 1956, somente em 1976, vinte anos depois de sua realização, foi lançado no Brasil através da distribuidora "Cinema 1" e, aqui na Bahia, apresentado neste mesmo ano no antigo cine Nazaré da Praça Almeida Couto. Já Morangos silvestres obteve estréia ainda na segunda metade do decurso dos 50, conseguindo grande impacto e estupefação na época de seu lançamento
Alegoria tragicômica em forma de mistério medieval, com um desenvolvimento livre do imaginário da Idade Média, O sétimo selo ( Det sjunde inseglet) tem sua fábula estruturada na volta de Antonius Blok (Max Von Sydow) à Suécia após dez anos de luta na cruzada e o jogo que estabelece com a Morte num tabuleiro de xadrez. Antonius e seu lacaio Jons (Gunnar Blornstrand) se dirigem, por uma longa jornada, ao castelo onde moram, e, no caminho, contemplam uma terra arrasada pela peste. Este itinerário de Blok, do erro inicial à Verdade final, é conduzido com extrema maestria por Ingmar Bergman, que se utiliza, aqui, do cinema, como um veículo filosofante e reflexivo acerca da condição humana. No percurso, Blok e Jons encontram vários personagens, mas apenas um casal de artistas mambembes se constitui num remanso de paz e tranquilidade, longe da mesquinharia e da hipocrisia dos outros. Blok, entretanto, continua o jogo de xadrez com a Morte (impressionante caracterização de Bengt Ekerot), mas esta, de repente, ganha partida. Vencedora, precisa levar consigo todos os personagens, deixando na vida somente o casal de cômicos (Bibi Andersson e Nils Poppe), o único capaz de desfrutá-la de maneira pacífica e feliz.
O Sétimo Selo, antes da consagração definitiva que se daria, um ano depois, em Morangos silvestres, já coloca Bergman, no panorama internacional, como um dos grandes cineastas do século XX. Trata-se de um filme, a rigor, gnoseológico em que se estuda a origem e a possibilidade do conhecimento por parte do homem. Por autor, os filmes de Bergman se constituem, na verdade, em variações sobre um mesmo tema. Em todos eles, presentes: a incomunicabilidade dos seres, a angústia do estar-no-mundo, a inevitabilidade e o mistério da morte, os tormentos da relação amorosa... "O sétimo selo" volta às raízes do cinema nórdico de Victor Sjostrom e Mauritz Stiller, à floração sueca, quando a natureza tinha uma forte influência no comportamento das personagens. Assim, Det sjunde inseglet pertence à série de filmes que Bergman realizou e que possuem um "decór" histórico, ainda que o fato de a ação localizada na Idade Média não tira a esta obra magistral seu caráter contemporâneo. O homem que Bergman estuda é o homem do aqui e do agora.
Em O Sétimo Selo, como a afirmar a condição de autor do cinema moderno, Bergman mostra uma constância temática e estilística, um universo ficcional próprio e um estilo - que faz o artista! - pessoalíssimo. À guisa de um pequeno exemplo, que se veja alguns personagens secundários, os quais, vêem se repetindo nos filmes de Bergman de filme a filme: o casal dos artistas ambulantes (presentes desde Noites de Circo até O Rosto; a controvérsia estabelecida entre o ferreiro e sua mulher - contraponto e complemento.
Nas palavras do ensaista Claude Beylie (no indispensável "As obras-primas do cinema, Martins Fontes): "A mensagem é clara. Continuamos ameaçados pela peste, que se chama, hoje, guerra nuclear, e, diante deste perigo, não há outro recurso além dos corações puros. Bergman opõe ao fanatismo e à intolerância, "O leite da ternura humana". No entanto, seu filme nada tem de dogmático. Ele joga o jogo da ingenuidade iconográfica, desenvolve livremente o imaginário medieval. Faz-nos pensar em Durer, nas xilogravuras de Hans Beham, na "dança macabra" de Orcagna. A reflexão filosófica é irrigada sem cessar por um onirismo límpido e, até, por traços de humor, notadamente através do personagem do escudeiro."
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