dezembro 04, 2024

************* ANATOMIA de uma AGONIA MILITANTE

walter salles, fernanda torres e selton mello no festival de veneza
 


Nunca acreditei na literatura engajada.
A escrita política, panfletária,
não tem nenhuma vida, é oca.
DORIS LESSING
(1919 - 2012. Kermanshash / Pérsia)

 
 
 
O descolamento da realidade dos esquerdistas é impressionante e, por mais que sejam surrados pelos fatos, parecem distantes de despertar. Se recusam a sair de sua bolha de mentiras, têm problemas de dependência de lorotas. É um vício pífio, um desvio moral. Eles acreditam (ou fingem acreditar) em suas próprias ladainhas fajutas. Assim, fascinados por métodos doutrinários, torraram uma fortuna na campanha publicitária de AINDA ESTOU AQUI (2024). Encantada com o dinheiro fácil, a recepção da mídia brasileira beira o ufanismo, nos bombardeando há meses com as ilusórias qualidades do filme. Ao bloquear tais propagandas nas redes sociais, outras surgem imediatamente. Um abuso! Estreando em Veneza, em um festival cinematográfico de origem fascista, criado na década de 30 pelo filho de Benito Mussolini, venderam o peixe por aqui garantindo aplausos ao final da exibição e a possibilidade de ganhar os prêmios de Melhor Filme e Melhor Atriz. Era mais do que certo, era certíssimo. Não foi o que aconteceu. Como consolo pela expectativa, ofertaram um prêmio bissexto (dado vez ou outra) de melhor roteiro. Jornalistas italianos, parceiros do tempo em que trabalhei na Europa, me informaram que os aplausos vieram da comitiva tupiniquim paga com os nossos impostos. Não se deu um pio sobre essa farsa típica de canhotos. O papel primordial dessa turma é desviar o foco, distorcer a realidade, vender ilusão.
 
fernanda torres
Na ocasião, o importante jornal britânico “The Guardian” definiu o filme como “exagerado”. Silêncio mortal no Brasil. Estreou entre nós pouco depois e os mesmos veículos de imprensa mentiram ao garantir uma conquista avassaladora de público. Na petista capital potiguar, de acordo com um gerente de cinema local, se contava em média 20 a 30 pessoas por sessão. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas Exibidoras Cinematográficas (Abraplex), as bilheterias até o momento não chegam perto de comédias chulas tradicionais do cinema brasileiro, como “Os Farofeiros 2” ou “Minha Mãe é uma Peça 2”. Entenda: AINDA ESTOU AQUI não faz parte da lista dos dez filmes brasileiros mais vistos este ano. Procure por notícias a respeito e, não vai encontrar. De acordo com o IMDb, foi orçado em 8 milhões de reais e ainda não se pagou, mas abocanhou polpudos recursos da Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e da Lei Rouanet.
 
Valorizando o viés ideológico, a Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais (ABCAA) o escolheu para representar o Brasil na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2025. Concorreu com onze títulos insignificantes. Em quase 100 anos do Oscar, o Brasil foi indicado apenas quatro vezes (em 1963, 1996, 1998 e 1999) e nunca ganhou, já nossa vizinha, a Argentina do libertário Javier Milei, ficou oito vezes entre os selecionados e ganhou duas vezes o Melhor Filme Internacional. A narrativa atual é que vai levar o Oscar de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz. Um conhecido jornal carioca teve a cara de pau de afirmar que AINDA ESTOU AQUI foi inscrito em oito categorias no Oscar. Outra grande mentira. A única inscrição possível é a de Melhor Filme Internacional, todas as demais categorias são votadas em sigilo pelos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Além disso, tamanho alarde é ridículo, o Oscar é uma estatueta com a reputação na lama desde que se prostituiu no bordel de luxo dos globalistas e chineses. O talento não é mais importante. Se premia temáticas LGBT, ecologista, feminista, anti-racial, pacifista etc. Mero exibicionismo moral e sinalização de virtudes. Na verdade, não há pauta, não há objetivos, não há nada. Portanto, o nosso desorientado cinema quiçá tenha uma chance. 
 
walther e elisinha salles, pais do cineasta
Muitos acham que o debate sobre esquerda e direita é uma tolice que não leva a nada. Estão profundamente enganados. A forma como enxergamos o mundo determina a forma como governamos nossa vida. Determina também como interpretamos e aplicamos os valores éticos, como conduzimos as relações e até nossa disposição moral de condenar criminosos por seus atos ou de considerá-los “vítimas da sociedade”. A esquerda é uma ideologia muito infeliz, desagregadora e odiosa, por isso não pode inspirar um povo ou durar muito tempo. Há esquerdistas desolados falando em era de fascismo. Dominada pela histeria ambiental, a pauta identitária e a ideologia de gênero, ela perdeu o elo com o cidadão normal, que não quer saber de nada disso. Com a vitória avassaladora de Donald Trump e as indicações que ele tem feito para a formação do governo, os insensatos do meio ambiente, da ideologia woke, os defensores do governo mundial, os bilionários globalistas, os tecnocratas da ONU e de todos os seus braços políticos e ideológicos estão desesperados. Nesse novo mundo que se anuncia, produções como AINDA ESTOU AQUI, de identificação político-partidária comunista, é quase um “abraço de afogados”, uma obsessão, um último adeus. Prova mais uma vez que a esquerda não enxerga a realidade. Sobrevive substituindo fatos por narrativas reconfortantes.
 
Tudo na esquerda é falso! São hipócritas, calculistas. Seus filmes sobre o regime militar no Brasil são tendenciosos, desonestos. Não se vê uma produção sob a ótica militar nem destacando famílias inteiras nas ruas protestando contra o comunismo. Nesses filmes parciais, a esquerda faz o repetitivo papel de vítima torturada. De “Nunca Fomos Tão Felizes” (1984) a “Batismo de Sangue” (2006), entre muitos outros filmes. O diretor de AINDA ESTOU AQUI, Walter Salles, o 11º maior bilionário do Brasil na lista da “Forbes”, é filho de banqueiro, criado numa cobertura na zona sul do Rio de Janeiro e... também faz parte da bolha comunista caviar, mas nunca socializou um real da sua fortuna. Ele teve um início promissor no cinema, perdendo o fôlego em poucos anos. Não dirige um filme inspirado desde “Abril Despedaçado”, de 2001. Há 23 anos! Um dos seus venenos panfletários foi colocar o sanguinário Che Guevara como um jovem sensível em “Diários de Motocicleta” (2004). Fernanda Torres é uma boa atriz, melhor do que a mãe que faz sempre as mesmas caras e bocas, mas perdeu o respeito do público ao escrever em 2020 um artigo escroto na “Folha de S. Paulo” chamado “Ninguém Sairá o Mesmo da Quarentena”. Um texto cruel, anti-conservador, imperdoável. As fakes agências de checagem negam o que ela escreveu, mas eu o li e me lembro muito bem. 
 
eu e fernanda torres em paris
A ausência de empatia — outra característica fundamental na mente esquerdista — é habitual na escrita da atriz. Para ela e os minguados apoiadores do Cachaça, os milhares de patriotas de direita são motivo de escárnio e desprezo. Indignados, não iremos vê-la no cinema nunca mais. Noutra época, em 2015, eu a conheci na França. Fui um dos autores brasileiros na 35ª edição do Salon du Livre de Paris. Ela também. Toda elétrica, brincalhona, sinuosa. Conversamos entre stands de livros e ela me convidou para uma festinha de artistas franceses. Recusei, não estava num momento emocional feliz para farras levianas. Seu filme é uma co-produção franco-brasileira da Arte France Cinèma, Conspiração Filmes e Globoplay. Tem origem nas memórias obscuras de um escritor medíocre. É até constrangedor para a classe literária chamá-lo de escritor. Na criação de Marcelo Rubens Paiva não há beleza, não há força moral, não há consciência que dê testemunho da verdade concreta. O bem e o mal estão mascarados. O suposto passado do autor narra a trajetória de Eunice Paiva (Fernanda Torres), advogada que luta para encontrar o marido, Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado desaparecido durante o regime militar. Ele inventa um Robin Hood comunista que ajuda clandestinamente opositores dos militares na década de 1970.
 
Luta armada na trama? Assassinatos? Assaltos a bancos? Bombas ou raptos de autoridades? Alcaguetes? Jamais! São comunistas “do amor” made in Globolixo. Não é à toa que o crítico Cole Kronman, na revista “Slant”, observou que o melodrama político optou por transformar os personagens em símbolos para serem recordados, com pouco interesse na verdade. No delírio do livro-filme, os vermelhos são vitimizados, sofredores, pobres criaturas que merecem a nossa compaixão. Em 1990 e 1991 fui vizinho de Marcelo Rubens Paiva na Rua Peixoto Gomide, no bairro Bela Vista, pertinho da Avenida Paulista, em São Paulo. Histérico e arrogante, com uma mangueirinha mijava no jardim e batia boca para subir sozinho no elevador, como se fosse um reizinho neurótico e sem noção. Na época, li seus livros “Feliz Ano Velho” (1982) e “Blecaute” (1986), não sei qual deles é o mais irrelevante. Já AINDA ESTOU AQUI não li e não gostei. Quanto ao filme, talvez assistia dentro de alguns anos, em serviço de streaming, distante da badalação mercenária da mídia. No fim das contas, a única coisa que ainda está aqui é o viés ideológico mortadela falando mais alto do que qualquer outra coisa. É o que explica o envolvimento apaixonado da mídia com o filme. A imprensa morreu. Os sobreviventes, com raras exceções, são tipos que bajulam o poder para faturar alto. 
 
fernanda montenegro
A indústria do entretenimento e cultural do Brasil precisa de livros e filmes que retratem o período do regime militar com realismo, destacando acertos e malefícios. Cansamos da visão esquerdista radicalizada, mentirosa, cínica, apartada do mundo real. Já não somos os bobos da corte do opressor de volta à cena do crime. Como os Estados Unidos, venceremos essa batalha contra a mídia enviesada, as falsas acusações de incitação à violência, a censura das redes sociais, os processos ilícitos e a Constituição violada. Derrotaremos o aglomerado woke, a ideologia de gênero, a linguagem neutra, os homens em competições esportivas de mulheres, os pífios movimentos feministas, o assassinato de bebês nos ventres das mães, os falsos movimentos raciais. Estamos de olho em líderes que assustem as escolas corroídas, o meio acadêmico, os artistas arrogantes e inimigos do povo. Apoiaremos quem valoriza a família, os cristãos, os judeus, a liberdade de expressão. Contra o terrorismo, as drogas, as cotas, a Lei Rouanet, o ecoterrorismo, a agenda 2030 da ONU, o globalismo, as fronteiras abertas, a criminalidade. Não aceitamos as falsas virtudes do comunismo e seus puxadinhos, as ditaduras, as tiranias. Acordamos! E, por tudo isso, sim, pouco adianta gastar milhões – do povo! - na produção e promoção de filmes engajados como AINDA ESTOU AQUI. Não nos convencem. Adeus.
 

AINDA ESTOU AQUI
2024
direção de Walter Salles
137 minutos
indicado para maiores de 14 anos
em cartaz nos cinemas


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novembro 30, 2024

**************** A DIVINA SARAH BERNHARDT


 

“Existem cinco tipos de atrizes:
as ruins, as razoáveis, as boas,
as excelentes - e depois há Sarah Bernhardt”
MARK TWAIN
(1835 – 1910. Flórida, Missouri / EUA)


 
Cabelos: ruivos
Olhos: verdes
Altura: 1,60 m
Apelido: A Voz de Ouro, A Divina Sarah e Madame Bernhardt
 
 
Desaparecida há 101 anos, a lendária artista francesa criou as suas próprias tendências de moda, causou escândalos e tornou-se um verdadeiro mito global. SARAH BERNHARDT (1844 – 1923. Paris / França) era uma celebridade incomparável no mundo do teatro e promoveu com sucesso uma imagem de si própria como mulher excêntrica, independente, astuta nos negócios e sexualmente livre. Ela era uma mitomaníaca, mentindo durante toda a vida, sobre a data de nascimento, sobre o pai etc. É sabido que foi prostituta de luxo na juventude, tendo como amantes o escritor Victor Hugo, o pintor Gustave Doré e o Príncipe de Gales, entre outros membros da aristocracia europeia. De postura magnífica, parecia flutuar ao andar e usava vestidos que disfarçavam sua magreza enquanto realçavam seus movimentos graciosos. A sua visão entrando em qualquer ambiente provocava suspiros, elogios, exclamações de êxtase e aplausos.
  
Se tornou o rosto da França em todo o mundo, especialmente após sua primeira viagem aos Estados Unidos, em 1880. Em Nova Iorque, enfeitiçados, os homens jogavam os casacos no chão para ela passar. Na Austrália houve cenas de histeria, com milhares de mulheres querendo vê-la e tocá-la. Em São Petersburgo, o Czar Alexandre III a visitou após uma apresentação no Palácio de Inverno. Enquanto ela fazia uma educada reverência, ele a interrompeu: “Não, madame, sou eu quem deve me curvar a você.” E ele fez isso diante da sua corte. Sigmund Freud mantinha uma foto dela em sua sala de espera e o genial Marcel Proust a imortalizou como a atriz Berma em “Em Busca do Tempo Perdido” (1913 – 1927). Acima de tudo, foi uma grande intérprete, criadora de um estilo naturalista no palco, sem pompa nem pedantismo. Ela tinha uma presença impactante e uma ótima técnica vocal. Suas cenas de agonia e morte eram icônicas.
 
Havia um ditado popular na época: em Paris era preciso ver a Torre Eiffel e SARAH BERNHARDT. Ela soube criar um maquinário promocional desconhecido na ocasião. Seu agente, Edward Jarrett, que organizava viagens faraônicas para sua cliente, tinha um inovador senso de comunicação e entendia que seu comportamento imprudente a levaria ao topo. Ao se deitar em um caixão cor de rosa para relaxar e estudar seus textos, ele divulgava na mídia e causava escândalo. Montou um verdadeiro zoológico em sua mansão, com um filhote de leão, um leopardo, camaleões, pássaros exóticos e uma jiboia. Contava também com um macaco, chamado Darwin, e um jacaré, com o nome Ali Gaga, que morreu graças a dieta de leite e champanhe. Numa época em que a fotografia ainda estava iniciando, ela reconheceu o poder da publicidade, sendo a primeira mulher a emprestar sua imagem a diversos produtos, de maquiagem a absinto.
 
Além de admirar seu talento, o público lotava o teatro para apreciar seus vestidos, que mudaram a moda feminina. Ela era magra na era de mulheres robustas, cabelos ruivos e mãe solteira. Inteligente, escreveu sua própria lenda, a de uma nova mulher independente e escandalosa. Musa dos maiores artistas do final do século XIX e início do século XX, era também excêntrica. Nunca se esquivando de um desafio, viajou pelo mundo como uma verdadeira embaixadora da cultura francesa. O seu desejo de liberdade, que sempre colocou acima de tudo, transformou a sua existência num teatro permanente. Seu único filho, ilegítimo, Maurice Bernhardt, nascido em 1864, tinha como pai o príncipe belga Henri de Ligne. Anos depois, o príncipe se ofereceu para reconhecer formalmente Maurice como seu filho, além da herança de uma fortuna, mas Maurice recusou educadamente, explicando que estava satisfeito em ser apenas um Bernhardt.
 
Conhecida no seu tempo como “a Divina” ou “A Oitava Maravilha do Mundo”, foi a primeira grande atriz de teatro a atuar no cinema, estreando em 1900 num curta-metragem como Hamlet de William Shakespeare. Afirmava ter tido mais de mil amantes. Seu marido, Aristides Damala, doze anos mais moço do que ela, era um ex-oficial e ator grego que morreu aos 34 anos em 1898, supostamente por causa do vício em morfina. Após sua morte, ela assinava suas próprias cartas como “Sarah Bernhardt, viúva Damala”. A atriz protagonizou as mais populares obras teatrais clássicas, lotou teatros renomados, transitou pelos círculos mais exclusivos e colecionou manchetes em todo o continente europeu, nos Estados Unidos e na América Latina. Atriz, diretora, empresária, e escultora, enfrentou desafios contra as barreiras masculinas e a moralidade radical.
 
Nascida Henriette-Rosine Bernard, filha de uma meretriz holandesa de origem judia, que prestava serviços sexuais para ricos e poderosos, e do seu amante, o comerciante Edouard Bernard, cuja identidade ficou oculta por muito tempo. De saúde frágil e temperamental, SARAH BERNHARDT morou com uma tia durante a infância e frequentou uma escola católica em Versalhes, até ingressar no Conservatório de Música e Teatro aos 16 anos de idade, custeada por um dos amantes da mãe. Em 1862, passou a integrar a renomada Comédie Française. Seu emprego durou apenas quatro anos, principalmente pelas brigas internas. Certa vez, o porteiro do teatro fez uma graça com a jovem, a apelidando como “Pequena Bernhardt”. A resposta foi uma paulada violenta com um guarda-chuva na cabeça do rapaz. Vinte anos depois, quando ele se aposentou, ela se desculpou e comprou para ele uma casa de campo na Normandia.
 
Em uma festa entre artistas, levou sua irmã mais nova, Regina, para conhecer os bastidores do teatro. Regina pisou acidentalmente na cauda do vestido de Zaire-Nathalie Martel, a principal estrela da companhia. Enfurecida, ela empurrou a garota, que bateu a cabeça numa coluna de pedra, resultando em um corte na testa. SARAH BERNHARDT não deixou barato e deu um tapa no rosto de Madame Nathalie, atirando-a contra outro ator. Recusando-se a pedir desculpas, conforme orientação do administrador do teatro, foi demitida. Regina morreu aos 18 anos, de tuberculose. Sem emprego, a atriz se prostituiu na Espanha e na Bélgica. Pouco depois de gerar um filho aos 20 anos de idade, voltou aos palcos, encontrando um ambiente mais favorável para sua personalidade explosiva no Teatro Odéon, em Paris – uma companhia menos rígida, com produções modernas e ousadas, e logo foi reconhecida como a Voz de Ouro e pela intensidade das suas interpretações em célebres personagens clássicos e românticos.
 
A eclosão da Guerra Franco-Prussiana interrompeu abruptamente sua carreira teatral. A notícia da derrota do exército francês, a rendição de Napoleão III e a proclamação da Terceira República Francesa em 4 de setembro de 1870 foram seguidas por um cerco à cidade pelo exército prussiano. Paris foi cortada do abastecimento de alimentos e todos os teatros foram fechados. A atriz se encarregou de converter o Odéon em um hospital para os soldados feridos nas batalhas fora da cidade. Ela organizou a colocação de 32 leitos no saguão e nas coxias, trouxe seu chef pessoal para preparar sopa para os pacientes e convenceu seus amigos ricos e admiradores a doar suprimentos para o hospital. Além de organizar o hospital, ela trabalhava como enfermeira, auxiliando o cirurgião-chefe em amputações e operações. Quando o suprimento de carvão da cidade acabou, usou velhos cenários, bancos e adereços de palco como combustível para aquecer o teatro. Ao final do cerco, o hospital cuidava de mais de 150 pacientes.
 
Seu último papel no Odéon foi o de rainha da Espanha na peça “Ruy Blas”, de Victor Hugo. O próprio autor assistiu à estreia e, depois da apresentação, pôs-se de joelhos e beijou a mão da atriz. Ao se estabelecer como uma das principais atrizes dramáticas da França, a Comédie Française a recrutou novamente, com um contrato mais favorável. Ela regressou em 1872 e ficou na companhia por oito anos, até que decidiu assumir o controle dos seus assuntos profissionais.  O teatro oferecia o espaço necessário para interpretar papéis tradicionais de forma subversiva e SARAH BERNHARDT brilhou, fazendo sucesso inclusive interpretando personagens masculinos, como o trovador Zanetto em “Le Passant”, de François Coppée; Napoleão 2° em A Águia / L’Aiglon”, de Edmond Rostand, e – o mais famoso – o papel-título de “Hamlet”, de William Shakespeare. Ela colocou a crítica e o público francês a seus pés. Todos a adoravam.
 
Seu lema pessoal – “quand même (apesar de tudo)” – era bordado na sua roupa de cama, impresso nos seus cartões de visita e gravado em um revólver, numa demonstração do comportamento combativo frente a todos os aspectos da sua vida. Ela moldou cuidadosamente sua imagem como uma figura mítica, procurando constantemente formas de aparecer na imprensa para se promover, seja com fotos dramáticas ou sem roupas, ou com seu comportamento considerado extravagante, como andando de bicicleta ou voando de balão. SARAH BERNHARDT levava uma vida suntuosa que, muitas vezes, deixou-a à beira da falência. Por isso, durante a baixa temporada teatral na França, passou a fazer turnês internacionais pelo continente europeu, Canadá, Estados Unidos e América Latina. Seu sucesso em Londres, por exemplo, foi espetacular. Mesmo interpretando em francês, a audiência inglesa ficou cativada pela sua voz e gesticulações.
 
Ela deu recitais privados em mansões de aristocratas, promoveu exposições públicas de suas esculturas e pinturas e reuniu-se com altos membros da realeza, da política, dos círculos artísticos e intelectuais. Certa vez, o dramaturgo Oscar Wilde a recebeu com lírios, chamando-a de “a divina” e “a incomparável”. Ele também escreveu uma peça de teatro em francês, especialmente para ela, “Salomé” (1893), que acabou sendo censurada pela sua temática indecorosa. Mas foram suas turnês pelo continente norte-americano, a partir de 1880, que a fizeram se firmar como primeira estrela global. Milhares de pessoas abarrotaram o porto de Nova Iorque para a chegada do navio L’Amérique, que a diva havia fretado para transportar sua companhia através do Atlântico. Uma embarcação de escolta hasteou a bandeira da França e uma banda executou o hino francês “A Marselhesa”. A multidão apaixonada que ameaçava assediar a estrela era tão gigantesca que ela precisou da proteção de guarda-costas.
 
Depois de instalada numa suite no luxuoso Hotel Albemarle, em Nova Iorque, SARAH BERNHARDT recebeu incontáveis jornalistas vestida com um roupão branco e um cinto largo azul-turquesa e dourado. Naquele momento, as entradas para suas apresentações, a preços exorbitantes, estavam esgotadas – mesmo que faladas em francês. Essa viagem marcou sua estreia em “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas Filho. Sua interpretação resultou numa das mais famosas do seu incrível repertório, repetida mais de três mil vezes. Conta-se que, assim que a atriz pronunciou suas primeiras palavras, a audiência ficou hipnotizada. “Na voz de Sarah Bernhardt, havia mais do que ouro”, escreveu um crítico, continuando “havia trovões e relâmpagos, o céu e o inferno.” Quando se apresentou em Boston, o jornal local declarou que “frente à presença de semelhante perfeição, é impossível fazer uma análise”. A turnê de 1880-81 durou sete meses, com 156 apresentações em 51 cidades.
 
o cortejo fúnebre de sarah bernhardt
Seis anos mais tarde, voltaria aos Estados Unidos, atravessando o país em um trem com sete vagões de luxo ocupado pela companhia. Chegou a organizar a instalação de uma imensa lona de circo para suas apresentações, em lugares onde não havia teatros disponíveis. A turnê de 1887 foi mais longa e incluiu a América Latina, que ela visitaria várias vezes. Ao longo da carreira, se apresentou em Cuba, no México, Panamá, Peru, Chile, Uruguai, Argentina e no Brasil. Ela visitou o Brasil em três ocasiões e foi recebida com adoração pela comunidade de imigrantes da França e pela elite que falava francês. Mas houve um evento trágico na sua última turnê brasileira, em 1905. Na cena final de “Tosca”, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, ela saltava de um parapeito para a morte. Colchonetes ocultos amortizavam a queda, mas, por alguma razão, desta vez eles não estavam colocados corretamente e SARAH BERNHARDT sofreu grave lesão no joelho.
 
A diva vinha sofrendo problemas há anos com seu joelho direito e usava uma bengala para caminhar. A lesão sofrida no Rio causou forte inchaço. Mesmo assim, decidiu não adiantar sua volta a Nova Iorque, passando três semanas sem atendimento médico adequado. Apesar das dores e das limitações de mobilidade, manteve seu intenso itinerário de apresentações. Por fim, com o estado do joelho cada vez pior, precisou ter sua perna amputada, em 1915. As despesas médicas, gestos filantrópicos e altos gastos deixaram a estrela com pouco dinheiro. Mesmo sem uma perna, precisava continuar atuando – mas sua vaidade não permitiu que usasse uma prótese ou muleta. Projetou uma liteira, na qual entrava em cena carregada e recitava monólogos recostada em um divã ou apoiada no cenário. Mesmo idosa e incapacitada, o público nunca deixou de prestigiá-la, de se encantar com sua magia, aplaudindo-a apaixonadamente.
 
Rica com a fama obtida no teatro, bancava suas próprias produções com patrocínios e bilheterias. Os objetos extravagantes e caríssimos que comprova serviam tanto para os palcos, quanto para a vida pessoal. Coberta de casacos de peles, possuía uma coleção de bichanos dentro de seu guarda-roupa, com itens de chinchilas, cobras, jaguatiricas e até um chapéu com um morcego empalhado. Ela escreveu três livros: sua autobiografia, intitulada “Ma Double Vie”, “Petite Idole” e “L´art du Théâtre: la Voix, le Geste, la Prononciation”. Em 1914 foi condecorada, pelo governo francês, com a Légion d'honneur. SARAH BERNHARDT trabalhou até o fim da vida. Em 1923, contratada para o filme “O Clarividente”, estava muito fraca e pediu para filmar em sua própria casa. Mas durante o trabalho sofreu um colapso e morreu de uma uremia, no dia 26 de março de 1923, aos 78 anos. Uma missa fúnebre foi celebrada em Paris e trinta mil pessoas seguiram seu cortejo até o cemitério de Père-Lachaise, onde estão enterradas algumas das mais notáveis figuras da arte. Eu estive em seu túmulo, deixando lírios brancos.
 
vídeo do funeral de sarah bernhardt

FONTE

“Ma Double Vie” (1907), de Sarah Bernhardt;Sarah Bernhardt: Madame Quand Même” (2009), de Hélène Tierchant; e “The Divine Sarah” (1991), de A. Gold e R. Fizdale.


 TODOS os FILMES de SARAH BERNHARDT

O DUELO de HAMLET
(Le duel d'Hamlet, 1900)
direção de Clément Maurice
 
TOSCA
(Idem, 1908)
direção de André Calmettes
 
A DAMA das CAMÉLIAS
(La Dame aux Camélias, 1912)
direção de André Calmettes, Louis Mercanton e Henri Pouctal
 
Os AMORES da RAINHA ELIZABETH
(Les Amours de la Reine Élisabeth, 1912)
direção de Henri Desfontaines e Louis Mercanton
 
ADRIENNE LECOUVREUR
(Idem, 1913)
direção de Henri Desfontaines e Louis Mercanton
 
JEANNE DORÉ
(Idem, 1915)
direção de René Hervil e Louis Mercanton
 
A DANÇARINA
(Die Tänzerin, 1915)
direção de Georg Jacoby
 
MÃES FRANCESAS
(Mères Françaises, 1917)
direção de René Hervil e Louis Mercanton
           
O CLARIVIDENTE
(La Voyante, 1924)
direção de Leon Abrams
  

PERSONAGENS no PALCO
com data de estreia

 Iphigénie de Jean Racine (18962)

    Henrietta em “As Sabichonas”, de Molière (1862)
    Aricie em “Phèdre”, de Racine (1866)
“O Marquês de Villemer”, de Georges Sand (1867)
Zacherie em “Athalie”, de Jean Racine (1867)
Anna Damby em “Kean”, de Alexandre Dumas Pai (1868)
Zanetto em “Le Passant”, de François Coppée (1869)
    “L'Autre” de Georges Sand (1870)
Rainha Maria em “Ruy Blas”, de Victor Hugo (1872)
Zaire de Voltaire (1874)
Fedra de Jean Racine (1874)
Doña Sol em “Hernani”, de Victor Hugo (1877)
Adrienne Lecouvreur de Scribe e Legouvé (1880)
Gilberte em “Froufrou”, de Meilhac e Halévy (1880)
Marguerite Gautier em “La Dame aux Camélias”, de Alexandre Dumas Filho (1880)
Fédora de Victorien Sardou (1882)
Théodora de Victorien Sardou (1884)
Floria Tosca em “La Tosca” (1887)
Jeanne d'Arc de Barbier (1890)
Cléopatre de Victorien Sardou (1890)
Gismonda de Victorien Sardou (1894)     
 “O Anfitrião”, de Molière (1895)
Melissinde em “La Princesse Lointaine”, de Edmond Rostand (1895)
Lorenzaccio Alfred de Musset (1896)
Fotina em “La Samaritaine”, de Edmond Rostand (1897)
Medéia de Eurípedes (1898)
    Cordélia em “Rei Lear”, de William Shakespeare (1898)
Lady MacBeth em “Macbeth”, de Shakespeare (1898)
Hamlet de William Shakespeare (1899)
    Cleópatra em “Antonio e Cleópatra", de Shakespeare (1899)
Duque de Reichstadt em “L'Aiglon”, de Edmond Rostand (1900)
Zoraya em “La Sorcière”, de Victorien Sardou (1903)
Pelléas em “Pelléas et Melisande”, de Maurice Maeterlinck (1905)
    “A Dama do Mar”, de Ibsen (1906)
Le Procès de Jeanne d'Arc, de Emile Moreau (1909)
Estrasburgo em “Les Cathédrales” de Eugène Morand (1915)
Athalie de Jean Racine (1920)
Daniel de Louis Verneuil (1920)
 
GALERIA de FOTOS
 
 
sarah pintada por georges clairin