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27 junho 2008

Para não dizer que não postei algo



Fala-se em Hollywood que Paul Newman, 83 anos, está com câncer no pulmão. Um dos grandes astros de sua geração, Newman passou a vida casado com a bela Joanne Woodward (que aparece na imagem em capa da revista Life ao lado dele). Acompanhei a trajetória do ator desde a sua mocidade até o envelhecimento. É uma pena que esteja terminal. O desaparecimento de Paul Newman significaria também a morte de um tempo.

Mas mudando de alho para bugalho, passei a semana a ver filmes americanos dos anos 40 e 50. Como se fala neles? Não é dado nenhum tempo para uma pausa. Hitchcock, um dos poucos cineastas que souberam entender que o cinema é uma estrutura audiovisual, dizia que a maioria dos filmes americanos é como se fosse "fotografia de gente a falando". E é verdade. O privilégio aos diálogos determina o apequenamento da mise-en-scène, que, em muito filmes, desse período, quase que desaparece. Há, portanto, duas espécies de cineastas americanos: aqueles que se preocupam com a mise-en-scène e aqueles que a desdenham para privilegiar mais a dramaturgia com os cortes regulamentares para passar a impressão de continuidade absoluta. No primeiro caso, e assim de memória, Robert Aldrich (A morte num beijo), Stanley Kubrick (O grande golpe), Robert Wise (Quero viver), Samuel Fuller (O beijo amargo), Jerry Lewis (O terror das mulheres, entre muitos outros), etc. .

25 junho 2008

"Rio Vermelho", de Howard Hawks



Se existe um clássico perfeito para caracterizar o western, o cinema americano por excelência na definição de André Bazin, Rio Vermelho (Red River, 1948), de Howard Hawks, é o exemplar mais autêntico e paradigma de outros filmes do gênero. É verdade que No Tempo das Diligências (Stagecoah, 1939), do mestre John Ford, lança as bases do arquétipico westerniano, mas a fita de Hawks representa, nove anos depois, uma espécie de cristalização e amadurecimento do western na sua mais pura tradução e pureza antes que o gênero seja contaminado pelo psicologismo.
Obra-prima incontestável, faz parte de um quarteto junto com Onde Começa o inferno (Rio Bravo, 1959), que o crítico da Folha de São Paulo, Inácio Araújo, considera o melhor filme jamais realizado, Eldorado (idem, 1965), uma espécie de remake deste último, e, por fim, Rio Lobo (1972), realizado já no ocaso de carreira desse genial diretor, que, aqui, despede-se do cinema.
As fontes míticas do gênero estão na anexação do estado independente do Texas (1845) e a conseqüente guerra dos Estados Unidos contra o México (1846-1848), na descoberta do ouro na Califórnia (1848), na construção da via-férrea transcontinental "Union Pacific" (1864) e na guerra civil entre sulistas e nortistas, a chamada Guerra de Secessão, retratada em inúmeros filmes de O nascimento de uma nação (1914-15), de David Wark Griffifh a ...E o Vento Levou (Gone with the Wind, 1939), de Victor Fleming e David Selznick.
Sobre a base da realidade histórica, o western, de fato, construiu uma mitologia e o crítico André Bazin pôde dizer que o gênero nasceu do encontro de uma mitologia com um meio de expressão. Nele, o cowboy (vaqueiro) é elevado à dignidade de mito: o mito do homem livre, próximo de suas raízes telúricas e captado num estado nascente da sociedade, à qual tem de impor, pela força, a ordem e a prosperidade.Howard Hawks é um exemplo raro de cineasta que é autor sem se prender a um gênero específico. Se faz westerns primorosos como Rio Vermelho, é capaz, também, de incursionar pelo musical (Os homens preferem as louras), pela comédia (Levada de Breca, O Inventor da Mocidade...), pela aventura (Hatari!...), pelo thriller (À Beira do Abismo/The Big Knife...), etc. Em todos os gêneros, entretanto, sua marca está presente, mas há um Hawks da comédia, com seus personagens aloprados, amalucados, e outro Hawks dos dramas densos e dos westerns.
Rio Vermelho se concentra na história da transferência de um rebanho de Rio Rojo a Abilene, onde os bois e vacas devem ser vendidos no mercado de gado. John Wayne é Thomas Dunson, o chefe, um déspota, que, com seus métodos brutais, provoca uma rebelião entre os vaqueiros.Um destes, Montgomery Clift (Matthew Garth) toma o comando e abandona Wayne, com um cavalo, em pleno deserto.Uma vez vendido o gado em Abilene, Wayne, que com muito esforço consegue chegar à cidade, desafia Clift, mas este, recusa-se a duelar e luta com Wayne com os punhos cerrados. Os dois parecem que não se compreendem, mas a astúcia de uma mulher (Joanne Dru), que Clift salva dos índios, consegue, por fim, a reconciliação entre os dois homens.Além das interpretações excelentes de Montgomery Clift e John Wayne (talvez em seu melhor papel no cinema), assim como a do elenco secundário (Walter Brennan, John Ireland, Noah Beery Jr...), o mais importante em Rio Vermelho é que este filme funciona como um excepcional documento da vida dos cowboys, seus costumes, seu folclore, o ambiente e a paisagem daquele período da colonização norteamericana. E mais ainda: o sentido perfeito de cinema de Hawks, o alento épico, a paisagem, a simplicidade e força das personalidades individuais.
Rio Vermelho é a história de uma amizade – um dos temas fundamentais da obra de Hawks. Clift, órfão, depois que seus pais são mortos pelos índios, é recolhido por Wayne que, na travessia de Rio Rojo a Abilene, se desentende com aquele que é quase um filho. O western mais telúrico de Hawks, ainda que Rio Bravo seja mais cortejado, Red River mostra o eterno conflito de seus personagens, que se resolve através de um itinerário físico, captado pela câmera com a força do imediatismo. A música de Dimitri Tiokim fica nos ouvidos.

24 junho 2008

"Marnie", de Hitch, é uma sinfonia

Considerado por François Truffaut como "o filme doente" de Hitchcock, Marnie não mereceu por parte da crítica, quando do seu lançamento em meados da década de 60, a devida atenção e, até hoje, excetuando-se os exegetas da obra do cineasta (Peter Bogdanovich, Truffaut, Claude Chabrol, Eric Rohmer, Robin Wood...) é um dos filmes menos citados do autor de "Vertigo". Mas tem uma importância fundamental em sua obra, podendo, inclusive, ser considerado o seu trabalho mais pessoal, o filme no qual deposita as suas inquietações íntimas. Além do mais, possui uma belíssima mise-en-scène, um ritmo vertiginoso onde o cinema reina absoluto. É preciso, portanto, que se faça, agora, em DVD a reavaliação dessa obra-prima.
Após roubar uma empresa na qual trabalha, Marnie (Tippie Hedren) troca de identidade e busca um novo emprego. Mark Rutland (Sean Connery) a reconhece, mas, mesmo assim, a contrata como secretária de sua firma. Marnie, no entanto, estuda uma maneira de praticar um golpe (a seqüência do roubo, toda muda, é de um rigor formal surpreendente). Mark descobre e persegue Marnie, conduzindo-a a Filadélfia, mas em lugar de entregá-la à polícia, casa-se com ela. Acossada, Marnie não tem outra saída senão aceitar o pedido de casamento. Durante a lua-de-mel numa viagem de navio, ela se recusa a dormir com Mark até que este, enfurecido, a possui (outra seqüência magistral e puro cinema inebriante). Aterrorizada pela cor vermelha, vítima de terríveis pesadelos, a sua cleptomania é uma compensação da frigidez. Após a sua posse por Mark, desesperada, Marnie tenta o suicídio. Ao descobrir que sua mulher lhe mente ao se fazer passar por órfã, Mark contrata um detetive particular para seguir sua pista. Uma nova crise se instala em Marnie quando ela deve matar o seu cavalo preferido após este ter se ferido acidentalmente. Mark decide, então, levá-la a Baltimore para falar com a mãe dela, Bernice (Louise Latham). Encontra aí a causa do desajuste psíquico de Marnie e abre, para ela, o caminha da cura.Uma outra incursão, após Um corpo que cai (Vertigo), no tema do amor fetichista, Marnie baseia-se na estranha atração que um homem sente por uma ladra e constitui um dos mais inquietantes repertórios de anormalidades sexuais do cinema. Apesar da motivação psicanalítica do drama, se bem que coerente, o extremado rigor do triângulo de personagens centrais, Marnie, Mark e Bernice, resulta na admirável culminação da galeria de "mães terríveis" hitchcockiana (Pacto sinistro, a mãe dominadora do assassino; Psicose; Os pássaros, a estranha e autoritária mãe vivida por Jéssica Tandy).
Crônica de uma redenção - um homem salva a uma mulher de uma enfermidade que a atormenta - e de uma sedução - um caçador persegue a sua presa até capturá-la, Marnie é um dos ápices da arte narrativa de Hitchcock, capaz de fazer chegar ao público os sentimentos mais complexos e contraditórios por meios puramente visuais, isto é, especificamente cinematográficos. A inventividade excepcional de muitas cenas - e Hitch, nesse particular é um criador de fórmulas, como se comprova no prólogo, na aparição de Bernice, na queda dos confeitos pelo chão da cozinha, o beijo na biblioteca depois da tempestade, o já citado roubo no escritório de Mark, a chegada de Strutt à festa - , as insólitas relações entre os protagonistas, o desenrolar cativante da narrativa, fazem de "Marnie" o mais estranho e um dos mais belos filmes de Hitchcock. É difícil encontrar em toda a filmografia de Hitchcock um filme tão incompreendido e injustamente tratado como Marnie, e é significativo que isto suceda com um dos trabalhos criativos mais intensos e apaixonados levados a cabo por um diretor. Marnie é, na verdade, uma infernal exploração dos abismos do comportamento, busca febril e agônica que se plasma visualmente, revelando o que há de mais problemático e misterioso no interior das pessoas. Se Hitchcock é um dos maiores tratadistas narrativos da condição humana, é em Marnie (e em Vertigo) que se dedica a tão ousada aventura.
A incompreensão de Marnie se origina em um erro sobre o que nesta obra é essencial e acessório. Não é um filme sobre psicanálise, salvo se se confunde tema com anedota.Não é um melodrama didático, salvo se se identifica a utilização de convenções com a mentalidade convencional. Não é, por exemplo, um filme policial, salvo se a miopia cinematográfica do cinéfilo seja ilimitada. Hitch investiga, por meios cinematográficos, e não psicológicos, a complexidade e a significação das relações entre dois personagens: Marnie e Mark.

23 junho 2008

Revisitando o cineasta Olney São Paulo

Tuna Espinheira foi um grande amigo de Olney São Paulo (1936/1978), cineasta baiano que dirigiu O grito da terra (1964), filme produzido em Feira de Santana. A sua obra mais conhecida é Manhã cinzenta (1969), que tem forte conotação política num momento de cruenta ditadura no Brasil (há pouco tinha sido editado o Ato Institucional número 5) e, por isso, foi proibida. O seu terceiro longa é O forte (1975), baseado em livro homônimo de Adonias Filho. Conheci Olney nas jornadas baianas e sempre tive por ele admiração pela sua esfuziante personalidade. Há um excelente livro sobre o realizador escrito por Ângela José (que, infelizmente, também não pertence a este mundo). Segue, abaixo, e abrindo as imprescindíveis aspas, um artigo do Velho Tuna sobre o amigo querido, que se foi jovem, aos 42 anos de idade.
"Olney faria setenta anos no dia sete de agosto, Guido Araújo pediu que eu fizesse um registro para o Jornal da Jornada. Resolvi beber na fonte de um texto escrito, anos atrás, de minha própria autoria. Vou citar trechos da escritura-retrato que eu fiz do grande amigo e intrépido homem de cinema: Olney nasceu nos grotões da catinga agreste de Riachão do Jacuipe. Aos sete anos viu-se órfão de pai. Primogênito de uma família de parcos recursos, teve a infância prejudicada uma vez que, para ajudar na economia da casa, teve de trabalhar. Até o final da sua curta existência, foi com o bíblico suor do rosto, sem metáforas, que haveria de prover os seus e, com grande ginástica, apascentaria os tormentos da sua alma em fogo enredada pelos feitiços do cinema.

Nos fins da década de 50, dois filmes: Rio Quarenta e Rio Zona Norte, ambos de Nelson Pereira dos Santos, abririam uma nova vereda na cinematografia nacional. Nascia o Cinema Novo, como disse o Nelson: “Era uma câmera na mão e o povo na frente”. Iniciava a safra de filmes cuja ideologia principal era mostrar filmes com a cara do Brasil, sem sotaque colonial de qualquer espécie e com baixo custo de produção.

Na Bahia, os filmes: Redenção, de Roberto Pires, e Bahia de todos os Santos, de Trigueirinho Neto, deram a largada para o que seria o mais importante ciclo do cinema baiano, a nossa Época de Ouro. Nesta esteira esfuziante seriam realizados os filmes: Barravento, de Glauber Rocha, com Roteiro de Luis Paulino dos Santos, A Grande Feira, de Roberto Pires e O Caipora, de Oscar Santana. Vindas da fora chegariam as produções: Sol Sobre a Lama, do Crítico e Cineasta, Alex Vianny, e mais tarde o Clássico de Ruy Guerra, Os Fuzis. Às vésperas do nosso país ser invadido por suas próprias forças armadas, a Bahia promoveria as derradeiras produções, em tudo por tudo, genuinamente prata da casa, a Obra Prima de Glauber, Deus e o Diabo na Terra do Sol, e o Grito da Terra, de Olney São Paulo. Coube a Olney a realização do último filme do brilhante Ciclo baiano, a ditadura militar colocaria uma pá de cal nos sonhos dos cineastas locais. Além de ser um importante filme eivado da ideologia própria do CINEMA NOVO, a obra de Olney iria criar um fato inusitado, beirando o assombro, O Grito da Terra, foi totalmente realizado e produzido numa cidade do agreste do interior do Estado, em Feira de Santana. Sem dúvida alguma, Olney foi o mais intrépido entre os realizadores daquela época intrépida. Hoje, a sua obra filmográfica, carece urgentemente de recuperação.

Com os novos tempos do toque da corneta do poder nas mãos dos Generais militares e Generais civis, o cinema baiano haveria de viver agônicos tempos de vacas magras. Os cineastas locais que queria seguir a carreira, transformaram-se em retirantes, a bússola apontava para o Sul Maravilha, principalmente para o rio, onde os realizadores mantinham uma resistência feroz. Foi justamente na Cidade Maravilhosa, no começo da metade dos anos sessenta, que eu vim conhecer Olney, logo nos tornamos amigos, parceiros, cúmplices, irmãos. Ele parecia saído das páginas de Graciliano Ramos. Um cabra aprumado, sempre orgulhoso da sua origem de catingueiro, cioso do seu sotaque e termos típicos do nordestino autêntico. Trazia muitas idéias na cabeça e como todo retirante, um punhado de filhos pelas mãos e no matulão o seu filme de longa metragem: “O Grito da Terra”. Tinha duas características marcantes: Era um amigueiro profissional e exercitava o humor e a solidariedade. Era saudável e terna a amizade do velho Olney.

Enquanto Olney seguia dando murro em ponta de faca para ir realizando os seus filmes, os acontecimentos sinistros dos anos de chumbo iam apertando o cerco, exorbitando os desmandos do arbítrio. Um acontecimento terrível, de proporções kafkianas, abateu-se sobre o nosso homem de cinema, seu Filme: Manhã Cinzenta, foi considerado artefato subversivo, portanto, atentatório à ordem vigente. Olney foi seqüestrado e confinado em local desconhecido. Sofrendo todo o tipo de vexames. Mais tarde seria processado, incurso na famigerada “Lei de Segurança Nacional”. Foram mais de três anos de perseguição, sofrimento e prejuízos vários. A seqüência destes acontecimentos sinistros deixaria uma seqüela gravíssima para a sua saúde, o que tem tudo a ver com a feroz deterioração física que o levaria a uma doença mortal que, algum tempo depois faria o registro do seu óbito, na idade precoce dos 41 anos. Na época do seu passamento, Glauber Rocha cunhou uma frase contundente e nutrida de verdade: “Olney, Martyr do Cinema Brasileyro”.
Tuna Espinheira.

Homenagem a Olney São Paulo



Recebi do Tela Brasilis Cineclube este convite para sessões em homenagem ao cineasta baiano Olney São Paulo, que fez parte do Ciclo Bahiano de Cinema com O grito da terra, realizado em 1964 na cidade de Feira de Santana. Seguem informações enviadas pelo clube de cinema:
Participando do festival Cinesul 2008, o Tela Brasilis convida, em sua sessão de Junho, para um encontro com a obra de um importante – e, não raramente, esquecido – cineasta brasileiro: Olney São Paulo. Peça importante da frente baiana do Cinema Novo, foi um cineasta que se expressou não somente em filmes, mas também em contos, romances e na imprensa, sempre colaborando para o debate cultural no país.

Nesta Homenagem a Olney São Paulo serão exibidos curtas e médias-metragens realizados a partir de 1970, após ter sido preso, torturado e processado pela ditadura militar. Além dos filmes marcados pela representação e reflexão sobre a cultura sertaneja, são destaques da sessão os curtas Teatro Brasileiro I e II, com imagens preciosas de artistas consagrados dos palcos brasileiros.

Como de costume nas sessões do Tela Brasilis, teremos a presença de três importantes convidados para debater os filmes com o público: o ator Ilya São Paulo, filho do diretor, e de Orlando Senna e Manfredo Caldas, amigos e colaboradores de Olney São Paulo.

Dono de uma obra telúrica, visceral, forte, a visão dos filmes de Olney nos revela o coração de um irrequieto artista desejoso por mudança, transformação, que via o cinema como espaço privilegiado para os principais debates de uma sociedade, procurando sempre realizar seus projetos, mesmo abatido por problemas de todas as ordens. “Olney, mártir do cinema brasileiro”, escreveu, com razão, Glauber Rocha.

Programa:
“O Profeta de Feira de Santana" (1970)
“Cachoeira, documento da História” (1973)
“Como nasce uma Cidade” (1973)
“Teatro Brasileiro I: Origens e Mudanças” (1975)
“Teatro Brasileiro II: Novas Tendências” (1975)
“Sob o ditame do rude Almajesto: Sinais de chuva" (1976)
Sessão de Junho
Quinta-feira - 26/06/200818h30 - exibição dos filmes seguida de debate com o ator Ilya São Paulo, filho do diretor, e de Orlando Senna e Manfredo Caldas, amigos e colaboradores de Olney São Paulo.
Cinemateca do MAM-RJAv. Infante D. Henrique, 85 - Praia do Flamengo
ENTRADA FRANCA
Em conjunto com a sessão "Olney São Paulo 2", programada pelo Cinesul 2008, o público carioca terá acesso a uma retrospectiva quase completa da obra do cineasta.

Sessão Olney São Paulo 2
Cinemateca do MAM – dia 27/06 – sexta-feira
18h30 • Olney São Paulo 2 • Dia de Erê • Manhã cinzenta • 62 min
http://www.cinesul.com.br/site_2008/prog_olney.htm

22 junho 2008

Introdução ao cinema (9)


03. A montagem narrativa: Utiliza-se para contar uma ação através da reunião de diversos fragmentos de realidade cuja sucessão se destina a formar uma tonalidade significativa. Há, nítida, nesse tipo de montagem, uma função eminentemente descritiva enquanto que os outros tipos de montagem acima referidos se distanciam do descritivismo para um domínio significativo mais criador. Considerando-se que o tempo é a dimensão fundamental de qualquer narrativa, pode-se distinguir, quatro tipos de montagens narrativas: (a) a linear; (b) a invertida; (c) a alternada; (d) a paralela.

a) a montagem linear - ainda que, hoje, o público que vai ao cinema já tenha se acostumado aos flashbacks e alguns recursos de linguagem antes incompreensíveis para a grande maioria, a vocação fabulista do espectador pede a linearidade - até mesmo por uma questão de deseducação cinematográfica e a pasteurização lingüística imposta, no gosto popular, pela indústria cultural cinematográfica. A montagem linear, porém, é importante e funcional para o sucesso do discurso narrativo. É a mais simples e mais clássica: uma única ação é exposta em uma sucessão de cenas dispostas umas após as outras numa ordem lógica e cronológica.

b) A montagem invertida - aqui, a ordem cronológica, tão respeitada na montagem linear, não segue nenhuma diretriz - o que significa dizer: o tempo é pulverizado algumas vezes e, na maioria, o filme é construído a partir de uma ou várias regressões ( flashback ). Um ou mais fragmentos da ação passada são inseridos numa ação presente, como em Cidadão Kane, de Orson Welles, Desencanto(Brief Encounter), de David Lean, Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman. Pode haver, como assinala Gérard Bretton, um presente, um primeiro e segundo passado (A Condessa Descalça/The Barefoot Contessa, de Joseph L.Mankiewicz) ou uma introdução de um futuro no presente em lugar do passado(o que se chama flash foward em oposição ao flash back), como no clássico Underworld (Paixão e sangue, 1927, de Joseph von Sternberg, com George Bancroft.


c) A montagem alternada - a descoberta da ação paralela e a mudança do ângulo visual foram conquistas importantes para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica sem as quais Griffith não teria realizado Intolerância ou, mesmo, O Nascimento de uma nação. Baseia-se, a montagem alternada, no paralelismo entre duas ou várias ações contemporâneas: imagens justapostas que mostram alternadamente personagens numa discussão, um perseguidor e um perseguido (como nos westerns clássicos e filmes deperseguição à la Indiana Jones), etc. As montagens alternadas rápidas podem suscitar no espectador uma emoção intensa e mantê-lo em suspense, traduzindo a iminência do drama, da fatalidade. Alfred Hitchcock, nesse particular, é um mestre. A seqüência da procissão em A Linha Geral, de Serguei Eisenstein, pode ser considerada um primor na arte da alternância.


d) A montagem paralela - o paralelismo referido se refere à chamada ação paralela clássica: a mocinha amarrada nos trilhos do trem enquanto este, em disparada, avança e, enquanto isso, em outro espaço, o mocinho recebe a informação de que sua noiva está em perigo. Tem-se, então, vários espaços simultâneos: o mocinho que corre para chegar a tempo, o trem que avança, e o desespero da mocinha amarrada. É pela alternância das imagens que se faz a emoção, a corrida contra o tempo. Há confusão entre alguns teóricos entre montagem alternada e a montagem paralela. O exemplo do trem é de montagem alternada e não paralela. Há montagem paralela, um dos tipos de montagem narrativa, quando o realizador se baseia numa aproximação simbólica de várias ações com o objetivo de fazer surgir uma significação de sua justaposição. A simultaneidade temporal das várias ações não é absolutamente necessária. O exemplo mais típico - e, talvez, mais primoroso - de montagem paralela se encontra em Intolerance, de David Wark Griffith: 4 (quatro) episódios - a tomada de Babilônia por Ciro, o massacre de São Bartolomeu, a Paixão de Cristo, e um drama moderno, a condenação a morte de um inocentenos Estados Unidos - que conduzem, majestosamente, a um único tema: a intolerância social e religiosa através dos tempos. A audácia reside no fato de as quatro narrativas não serem sucessivas, mas entremeadas, o autor passando de uma para outra segundo a técnica, então completamente nova, da montagem alternada.


A evolução da linguagem
Da câmara fixa, parada, dos tempos dos Irmãos Lumiére e de George Méliés,passando pela sistematização da linguagem cinematográfica com David Wark Griffith (O nascimento de uma nação, 1914, Intolerância, 1916), o cinema, que completou o seu centenário em 1995, sofreu, na sua trajetória, várias transformações em seu estatuto da narração. Do reinado da arte muda, quando se pensou o cinema ter alcançado a sua essência como linguagem, passando pela introdução do som - que, inegavelmente, modificou a arte do filme, a linguagem cinematográfica recebeu, na sua trajetória, influências da tecnologia, incorporando seus avanços. As inovações tecnológicas favoreceram a ruptura dos esquemas tradicionais (produtivos e expressivos) e a difusão de usos do cinema que, anteriormente, tinham sidos feitos só em caráter excepcional (as vanguardas históricas e certos momentos heróicos doneo-realismo).Incorporando os avanços tecnológicos, o cinema conseguiu sair da supremacia da montagem para a profundidade de campo - a invenção das objetivas com foco curto permitiram a um Welles a ousadia de uma renovação estética em Cidadão Kane, ponto de partida da linguagem do cinema moderno. A profundidade de campo permitiu a utilização de filmagens contínuas sem a excessiva fragmentação da montagem anterior. Com a profundidade de campo,anuncia-se, uma década depois, a eclosão do modelo de Michelangelo Antonioni que, com sua trilogia A aventura - A noite - O eclipse deu ao cinema uma nova maneira de pensar e um estilo de representar.
O fracionamento deu lugar a demoradas incursões da câmera dentro da tomada, permitindo, com isso,maior poder de captar a alma humana nos seus devaneios e nas suas angústias como, também, com Roberto Rossellini, assaltar com a câmera o momento histórico, o instante real. A instalação da película pancromática (aquela dotada de maior sensibilidade) e a difusão de câmeras mais fáceis de manobrar mudaram a face do cinema e foram fatores que contribuíram para o advento do chamado cinema moderno. A câmera na mão, que veio a facilitar a apreensão da realidade, surgindo o cinema-verité, é uma conseqüência da tecnologia. A película pancromática, por mais sensível, fez com que os realizadores saíssem dos estúdios fechados e se intrometessem, com suas câmeras, nos exteriores mais recônditos, descobrindo, com isso, um cinema mais verdadeiro porque menos artificial.A tecnologia determinou uma evolução da linguagem cinematográfica?
Evidentemente que a tecnologia determina uma transformação da linguagem cinematográfica, ainda que não venha a provocar a revolução estética que se verificou quando da passagem do cinema mudo para o sonoro. A tecnologia encontra-se , por exemplo, hoje, tão evoluida , que provoca no espectador uma impressão de realidade antes impossível de ser verificada (os dinossauros de verdade dos filmes de Spielberg: O parque dos dinossauros e O mundo perdido). Tem-se a estética cinematográfica quando a técnica se conjuga com a linguagem , instaurando-se, aí, o ato criador.Se o cinema nasceu em 28 de dezembro de 1895, com a projeção pública do cinematógrafo efetuada pelos Irmãos Lumiére, a linguagem cinematográfica somente veio a se consolidar, no entanto, vinte anos depois, em 1914/15 com O Nascimento de uma nação (The birth of a nation), de David Wark Griffith. Entre o seu nascimento e a consolidação de sua linguagem, o cinema passou por uma série de de gradações evolutivas, com o descobrimento, aos poucos,dos elementos determinantes de sua especificidade como linguagem sem língua. Um cinegrafista de Lumiére, Promio, andando numa gôndola em Viena, e observando o casario, inventou o travelling. Griffith em alguns curtas da Biograph ofereceu a expressão definitiva ao close-up. Edwin S. Porter, com sua narrativa ainda balbuciante, tenta a montagem e o enquanto isso que viria a desencadear um elo importante para a construção da linguagem cinematográfica. O fato é que a linguagem fílmica nasce a partir do momento em que se constatou que a câmera podia sair do lugar, que podia se movimentar, mover-se, dando origem, com isso, à mudança do ângulo visual. Outra conquista importante veio com a constatação pelos ingleses da escola de Brighton de que, para contar uma história, é preciso inserir um primeiro plano, um close-up, dentro de um plano geral, nascendo, com isso, a montagem. O grande sistematizador, porém, é David Wark Griffith, o pai da linguagem cinematográfica sem a qual, aliás, o cinema não existiria como é hoje praticado.
O próprio Serguei Eisenstein deve muito a Griffith. Este, no frigir dos ovos, é muito mais importante do que o soviético, pois o grande criador, o inventor genial, o sistematizador preciso. Esta descontinuidade real do cinema e que se transforma numa impressão de continuidade, de fluxo contínuo, é resultado de uma abstração inconsciente da linguagem cinematográfica pelo espectador. Este, acostumado aos filmes, absorve os seus truques de linguagem, contando que esta não fuja da padronização à qual está acostumado. O que significa dizer: se, antes, para fazer que o público compreendesse que um personagem estava se lembrando do passado era preciso a utilização de fumacinhas e de diversos artifícios - nunca o corte direto presente/passado como num flash-back moderno, o cinema da contemporaneidade abdica de qualquer artifício no sentido explicativo. Os lances de memória que tornaram incompreensível O ano passado em Marienbad (1961), de Alain Resnais, hoje estão sendo utilizados na publicidade televisiva. O puzzle proposto por Welles em Cidadão Kane é perfeitamente identificável em fitas desta suposta pós-modernidade.Conta-se, entretanto, o caso de uma moça da Sibéria que, em visita a Moscou, julgou horrível o primeiro filme (uma comédia) que tinha visto em sua vida, porque "seres humanos eram despedaçados, as cabeças jogadas para um lado, os corpos para outro". Equando Griffith mostrou os primeiros close-ups em um cinema, e uma imensa cabeça decapitada sorriu para o público, houve pânico na platéia. Aliás, quando da primeira projeção do cinematógrafo dos Lumiére, em 1895, um trem que se dirigia à câmera determinou que algumas pessoas, ainda que a pequenez da tela, o preto-e-branco nem tão real assim, se escondessem assustadíssimas, debaixo das cadeiras - com medo de o trem sair da tela e esmagá-las. Em dois filmes de 1948, Laurence Olivier (Hamlet) e Alfred Hitchcock (Festim diabólico/Rope) eliminam o corte, substituindo a descontinuidade das imagens por uma circulação incessante da câmera, que soluciona a velha contradição entre cinema e teatro. Em Crises d'alma(Cronaca de un amore), Michelangelo Antonioni também renova a estrutura fílmica pela valorização da construção formal pelo movimento no interior de longas sequências e não mais pelo movimento de plano a plano.
Glauber Rocha também valoriza a construção formal pelo movimento no interior de longas sequências, ainda que Terra em transe seja filme de montagem sincopada, de planos curtos, com influência clara do cinema investigativo de Welles. A maioria dos filmes de Glauber Rocha, no entanto, revela um predomínio do plano-sequência - ao invés de ser dividida em cenas e diversos planos é feita numa única tomada. Isso levou Marcel Martin, ensaísta francês, a pensar numa transformação do cinema contemporâneo, transformação que começou com a desdramatização praticada por Michelangelo Antonioni, nos anos 50, e o aparecimento da câmera móvel que possibilitou o cinema-verité. Segundo o grande Marcel Martin em seu fundamental A linguagem cinematográfica (Brasiliense, 1990): "O cineasta tende cada vez menos a decupar seu filme demaneira a destacar uma série unilinear e inequívoca de acontecimentos; já não sublinha por meio de montagem ou de movimentos de câmera aquilo sobre o que ele deseja fixar a atenção do espectador; a câmera não desempenha mais o seu papel habitual de nos dar o ponto de vista de uma testemunha virtual e privilegiada sobre todos os acontecimentos, facilitando, assim, o trabalho perceptivo e estimulando a preguiça intelectual do espectador (...) O abandono da linguagem concebida como conjunto de procedimentos de escrita ligados à técnica, tal como era praticada por Eisenstein ou Welles, é, portanto, acompanhada de uma rejeição do espetáculo, noção ligada à da direção (...) Passamos a um outro plano: o cinema de roteiristas cede espaço ao cinema de cineastas. O cinema não mais consiste essencialmente em contar uma história por meio de imagens, como outros o fazem por meio de palavras ou notas musicais: consiste na necessidade insubstituível da imagem, na preponderância absoluta da especificidade visual do filme sobre seu caráter de veículo intelectual ou literário.
Nos filmes decididamente "modernos", o espectador não mais tem a impressão de estar assistindo a um espetáculo inteiramente preparado, mas de estar sendo acolhido na intimidade do cineasta, de estar participando com ele da criação: diante desses rostos quese oferecem, desses personagens disponíveis, desses acontecimentos em plena constituição, desses pontos de interrogação dramáticos, o espectador conhece a angústia criadora."


Tempo e diegese
O paradoxo do tempo, segundo a Filosofia, reside na existência de dois passados: o passado que desapareceu e o passado que permanece como parte integrante do presente, gravado na memória e essencialmente criador. O passado que se encontra em cada um - qual uma madeleine a esperar a busca do tempo perdido. Tal paradoxo ganhou, no cinema, aspectos mais radicais. Nele, a noção de tempo é extremamente ambígua, porque não existe um único tempo, mas vários tempos mantendo entre si relações estreitas, e que só podem ser separados por uma operação do espírito.Distinguem-se, no filme: o tempo real (ou o tempo físico: duração cronométrica da projeção); o tempo psicológico (duração subjetiva da fábula narrada: um dia, meses, anos); e o tempo dramático (ou narrativo: tempo verbal em que transcorre a história/fábula: presente, passado ou futuro).Objetivamente, a rigor, o filme é um tributário do passado, mas de um passado que se refaz cada vez que o filme é projetado na tela. Mesmo que sua ação decorra no presente só existiu, esta ação, de fato, durante a filmagem, daí a aparente falsidade do presente cinematográfico, um presente virtual que, na realidade, é um passado.
Em 2001, Uma odisséia no espaço (2001: A space odyssey, 1968), de Stanley Kubrick, há, por meio de um corte direto, a passagem de milhares de anos, quando um grande macaco, levantando-se, joga, com força, um enorme osso para o ar e este osso, no corte, transforma-se numa nave espacial. Se a projeção de A família (La famiglia, 1987), de Ettore Scola, dura pouco mais de 130 minutos, seu tempo real, físico, o seu tempo dramático, narrativo, no entanto, compreende mais de 80 anos na vidade um velho senhor que, na Itália, constituiu grande família.Para estudar melhor o assunto, a filmologia - nova ciência que estuda a influência do filme sobre o espectador e estabelece as bases psicológicas que o aproximam ou afastam da ação desenrolada na tela - criou o termo diegese. A diegese refere-se a tudo que pertence, no processo intelectivo, à história contada no filme, ao mundo fabulístico sugerido ou pretendido pela ficçãocinematográfica. A diegese, portanto, abarca o mundo ficcional apresentado pelo filme e tudo o que esse mundo implica, se fosse tomado como verdadeiro.
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