A Crise Das Ciências Na Contemporaneidade

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A CRISE DAS

CIÊNCIAS:
o debate provocado
por
Boaventura de Sousa
Santos
Carmen Teixeira
Sumário
• Revisão de algumas perspectivas sociológicas para o estudo da
prática científica nas sociedades contemporâneas.

• A contribuição de Boaventura de Souza Santos

• Caracterização do paradigma dominante na ciência moderna,


constituído a partir da revolução científica do século XVI,
desenvolvido nos séculos seguintes e ainda vigente nos meios
científicos, embora em crise;
• Caracterização da crise do paradigma dominante e análise de suas
“condições sociais” e de suas “condições teóricas” de emergência;
• Caracterização dos contornos epistemológicos do “paradigma
emergente” (paradigma científico: conhecimento prudente e
paradigma social: vida decente)

• Implicações da transição paradigmática no campo da saúde,


especificamente na Saúde Coletiva;
História, Sociologia e Filosofia da
Ciência: abordagens contemporâneas
• Gaston Bachelard: a formação do “espirito científico”

• Thomas Kuhn: a “comunidade científica” em busca de construção e


mudança de “paradigmas” (Kuhn)

• Michel Foucault: o “discurso científico” não é formado apenas por teorias


e conceitos científicos mas por uma quantidade imensa de saberes
políticos, administrativos, institucionais, culturais , literários, artísticos
(formação discursiva)

• Pierre Bourdieu: o conceito de “campo cientifico”: campo de lutas pelo


prestígio, por recursos e legitimação dos produtos da pesquisa científica.

• Bruno Latour: estudos sobre a “prática científica” em instituições


específicas (Latour). Da macro para a micro análise da ciência.

• Karen Knorr-Cetina: a ciência na “arena trans-epistêmica”

• Edgar Morin: o pensamento complexo: religação de saberes.

• Boaventura Santos: a análise da crise paradigmática contemporânea e a


busca de articulação entre ética e ciência
Boaventura de Souza
Santos

http://www.boaventuradesousasantos
.pt/pages/pt/homepage.php

A análise da crise paradigmática contemporânea


UM DISCURSO
SOBRE AS CIENCIAS
Introdução: a questão de Rosseau
“O progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou
corromper os nossos costumes?”

Para dar resposta a essa pergunta, torna-se necessário responder:

• Há alguma relação entre a ciência e a virtude?


• Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento
vulgar que temos da natureza e da vida e que partilhamos com
os homens e mulheres da nossa sociedade pelo conhecimento
científico produzido por poucos e inacessível à maioria?
• Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente, na nossa
sociedade, entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber
dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática?
O paradigma dominante

• Conceito de paradigma (Kuhn, 1978): “ realizações científicas


universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de
praticantes de uma ciência”.

• Distinção entre acepção sociológica do termo paradigma


(constelação de crenças, valores, técnicas, etc. ... partilhadas pelos
membros de uma comunidade determinada) e a acepção
epistemológica (soluções concretas de quebra-cabeças que,
empregadas como modelos e exemplos, podem substituir regras
explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças
da ciência normal”. (Kuhn, Posfácio, p. 218).
Características do paradigma
dominante
Pressupostos epistemológicos:

• Distinção entre conhecimento científico e senso comum: “ ao contrário


da ciência aristotélica, a ciência moderna desconfia sistematicamente
das evidências da nossa experiência imediata (Ex: Galileu: substituição
do modelo geocêntrico vs. heliocêntrico).

• Distinção entre natureza e pessoa humana: “ a natureza é tão só


extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo cujos
elementos se podem desmontar e depois relacionar sob a forma de leis;
não tem qualquer qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar
os seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes
ativo, já que visa conhecer a natureza para a dominar e controlar”.
Características do paradigma
dominante

Regras metodológicas
• “O conhecimento científico avança pela observação
descomprometida e livre, sistemática e tanto quanto
possível, rigorosa dos fenômenos naturais, bem como
pela “experimentação ordenada”.
• As ideias que presidem a observação e a
experimentação são as ideias claras e simples a partir
das quais se pode ascender a um conhecimento mais
profundo e rigoroso da natureza: as ideias matemáticas.
Características do paradigma
dominante
Regras metodológicas:
• Do lugar central da matemática, derivam duas
consequências principais:
• Conhecer significa quantificar. O rigor científico
afere-se pela qualidade das medições.
• O método científico assenta na redução da
complexidade. Conhecer significa dividir e
classificar, para depois poder determinar relações
matemáticas entre o que se separou.
Emergência das ciências
sociais.....
• As ciências sociais nasceram para ser empíricas. O modo
como o modelo mecanicista foi assumido gerou duas
vertentes principais:
• a primeira, dominante, consistiu em aplicar, na medida do
possível, ao estudo da sociedade, todos os princípios
epistemológicos e metodológicos que presidiam ao estudo
da natureza desde o século XVI; (sujeita ao jugo positivista)
• a segunda, durante muito tempo marginal, mas hoje cada
vez mais seguida, consistiu em reivindicar para as ciências
sociais um estatuto epistemológico próprio, com base na
especificação do ser humano e sua distinção polar em
relação à natureza. (liberta do jugo positivista)
A crise do paradigma dominante

• A crise de paradigma dominante é o resultado


interativo de uma pluralidade de condições teóricas
e sociais
• A crise não é só profunda, como irreversível;
• Estamos vivendo um período de revolução científica
que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica e
não se sabe quando acabará;
• Os sinais nos permitem tão só especular acerca do
paradigma que emergirá deste período
revolucionário.
Condições teóricas da crise do
paradigma dominante
A identificação dos limites e insuficiências estruturais do
paradigma científico moderno é o resultado do grande avanço
do conhecimento que ele propiciou.
O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a
fragilidade dos pilares em que se funda.

• A teoria da relatividade de Einstein redefine as noções de tempo e


espaço;
• A mecânica quântica de Heisenberg e Bohr revoluciona nossa
compreensão do real ;
• O teorema da incompletude de Godel questiona a lógica matemática;
• Os avanços na microfísica, química e biologia conduzem a uma nova
concepção da matéria e da natureza.
Condições teóricas da crise do
paradigma dominante

Reflexão epistemológica derivada da crise: características

• é levada a cabo predominantemente pelos próprios


cientistas que adquiriram competência e interesse
filosófico para problematizar a sua prática científica
(desejo de complementar o conhecimento das coisas
com o conhecimento de nós próprios);
• abrange questões que antes eram deixadas aos
sociólogos, como é o caso das condições sociais, dos
contextos culturais, dos modelos organizacionais da
investigação científica (...) que passaram a ocupar papel
de relevo na reflexão epistemológica.
Temas principais dessa reflexão

1)O conceito de lei e do conceito de causalidade que lhe está associado. (o


declínio da hegemonia da legalidade é concomitante ao declínio da
hegemonia da causalidade).

Na biologia, a noção de lei (simplificação arbitrária da realidade) vem sendo


substituída pelas noções de sistema, de estrutura, de modelo e, por último,
da noção de processo.

A reflexão crítica sobre o conceito de causa vem de David Hume (crítica da


indução). Hoje, a relativização do conceito de causa parte do
reconhecimento de que ele se adequa bem a uma ciência que visa intervir no
real e que mede seu êxito pelo âmbito dessa intervenção. Mesmo os
defensores da causalidade reconhecem que ela é apenas uma das formas de
determinismo.
Temas principais dessa reflexão

2) O segundo grande tema versa mais sobre o conteúdo do


conhecimento científico do que sobre sua forma.

Sendo um conhecimento mínimo que fecha as portas a muitos


outros saberes sobre o mundo, o conhecimento científico
moderno é um conhecimento desencantado e triste.

O rigor científico, fundado no rigor matemático, é um rigor que


quantifica e ao quantificar, desqualifica, um rigor que ao
objetivar os fenômenos, os objetualiza e os degrada, que ao
caracterizar os caricaturiza, ao afirmar a personalidade do
cientista destrói a personalidade da natureza.
Condições sociais da crise do
paradigma dominante

• Industrialização da ciência e conseqüências funestas


da subordinação a interesses militares e econômicos;
• Alto custo dos investimentos para a produção
científica; proletarização da maioria dos cientistas,
estabelecimento de relações autoritárias e desiguais
entre pesquisadores;
• Aprofundamento do fosso entre países centrais e
periféricos.
O que a ciência ganhou em rigor perdeu em
capacidade de auto-regulação (p. 34-35)
O paradigma emergente

•Todo conhecimento científico natural é


científico social
•Todo o conhecimento é local e total
•Todo o conhecimento é auto-
conhecimento
•Todo o conhecimento científico visa
constituir-se em senso comum
Todo conhecimento cientifico
natural
é científico social
• O conhecimento do paradigma emergente
tende a ser um conhecimento não dualista, um
conhecimento que se funda na superação das
distinções tão familiares e óbvias que até há
pouco considerávamos insubstituíveis, como
natureza/cultura, natural/artificial,
vivo/inanimado, mente/matéria,
observador/observado, subjetivo/objetivo,
coletivo/ individual, animal /pessoa.
Todo o conhecimento é local e
total

• No paradigma emergente, o conhecimento é total,


tem como horizonte a totalidade universal mas é
também local. Constitui-se ao redor de temas que
em dado momento são adotados por grupos sociais
concretos como projetos de vida locais. (glocal)
• É um conhecimento sobre as condições de
possibilidade da ação humana, projetada no
mundo a partir de um espaço-tempo local
Todo o conhecimento é auto-
conhecimento
• Parafraseando Clausewitz, podemos dizer que hoje o objeto
é a continuação do sujeito por outros meios. Por isso, todo o
conhecimento científico é auto-conhecimento.
• A ciência não descobre, cria, e o ato criativo protagonizado
por cada cientista e pela comunidade científica em seu
conjunto tem de se conhecer intimamente antes que
conheça o que com ele se conhece do real.
• Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os
juízos de valor não estão antes nem depois da explicação
científica da natureza ou da sociedade. São parte integrante
dessa mesma explicação.
Todo o conhecimento científico visa
constituir-se em senso comum

• A ciência moderna constituiu-se contra o senso comum, que


considerou superficial, ilusório e falso. A ciência pós-
moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer
nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para
enriquecer a nossa relação com o mundo.
• A ciência pós-moderna ao sensocomunizar-se, não despreza
o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que,
tal como o conhecimento se deve traduzir em auto-
conhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve
traduzir-se em sabedoria de vida. É esta que assinala os
marcos da prudência à nossa aventura científica. A
prudência é a insegurança assumida e controlada.
Desdobramentos do
pensamento de BSS
• Reflexão epistemológica e prática política
militante
• Temas em debate (eixos temáticos)
• Sociologia das ausências e das emergências
(ecologia dos saberes); do pós moderno ao
pós colonial; epistemologias do Sul.
• Crise da Universidade: por uma universidade
do século XXI.
• Movimentos antiglobalização:
reinvenção da emancipação social
(Fórum Social Mundial).
Escola de Verão:
Epistemologias do
Sul : Junho 2017
• O projeto ALICE, Espelhos Estranhos, Lições imprevistas: Definindo para a Europa um
novo modo de partilhar as experiências do Mundo. é herdeiro do projeto 
Reinvenção da Emancipação Social, coordenado por Boaventura de Sousa Santos entre
1999 e 2001.
• Esse projeto partiu da consciência do esgotamento da capacidade das ciências sociais
para renovarem e inovarem. Apostando no caminho da reinvenção da emancipação
social, ia já ao encontro do que hoje designamos por Epistemologias do Sul ao promover
o conhecimento de saberes e práticas invisibilizados.
• Os estudos publicados centram-se no tema da “globalização contra-hegemónica” e
incidem sobre iniciativas, organizações e movimentos em seis países – África do Sul,
Brasil, Colômbia, Índia, Moçambique e Portugal – e em seis domínios sociais –
democracia participativa; sistemas alternativos de produção; multiculturalismo
emancipatório, justiças e cidadanias;  biodiversidade e conhecimentos rivais e direitos
de propriedade intelectual; novo internacionalismo operário.
• O trabalho envolveu um conjunto de 69 investigadores e resultou num conjunto de
publicações em várias línguas.
Transição paradigmática na
prática cientifica em Saúde
• Emergência e desenvolvimento da “medicina científica” e
sua consolidação enquanto modelo de organização da
atenção à saúde nas sociedades contemporâneas.
• Esgotamento e crise do paradigma bio-médico face às
transformações da situação de saúde da população e às
tendências da organização social dos serviços de saúde.
• Busca de alternativas que passam pela revitalização do
pensamento social em saúde de um lado, e pela busca de
respostas ao nível da genética e da biologia molecular, de
outro, em um contexto marcado, também, pelo valorização
de outros saberes, provindos de outras “racionalidades
médicas”.
Sinais da emergência de um
novo paradigma científico em
saúde
• A constituição do campo da “saúde coletiva” e suas repercussões
no debate epistemológico, teórico e metodológico na área de
saúde:
• O debate sobre interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na
produção de conhecimentos em saúde coletiva
• A problematização do objeto “saúde” (ponto cego?) e o debate
em torno da reprodução social e as relações entre saúde e
condições de vida
• A superação da distinção quantitativo-qualitativo na pesquisa em
saúde e as possibilidades de integração metodológica
• Implicações éticas (bioética) e políticas da mudança de paradigma
na pesquisa em saúde (promoção da saúde e políticas públicas
saudáveis).
Referencias bibliográficas

Almeida Filho, N., A ciência da Saúde. HUCITEC, SP, 2000, 255 p.


Almeida, Filho, N., Intersetorialidade, transcisciplinaridade e saúde coletiva:
atualizando um debate em aberto. RAP, RJ, 34 (6)11-34, nov -dez., 2000.
Kuhn, T. S., A estrutura das revoluções científicas, Perspectiva, São Paulo, 2ª ed.
1978, 257 p.
Palácios, M, Martins, A, Pegoraro, O, (orgs) Ética, Ciência e Saúde: Desafios da
bioética, Vozes, 2001, 183 p.
Portocarrero, V (org.) Filosofia, História e Sociologia das ciências: abordagens
contemporâneas. Editora Fiocruz, RJ, 1994, 268 p.
Samaja, Juan, Epistemologia de la Salud. Lugar Editorial, Buenos Aires, 2004, 245
p.
Santos, B S, Um discurso sobre as ciências, 7ª. Edição, Edições Afrontamento,
Porto, 1987, 59 p.
Santos B.S, Introdução a uma ciência pós-moderna, Graal, Rio de Janeiro, 1989,
176 p.
Teixeira, C. F.. Epidemiologia e Planejamento de saúde. Tese de Doutorado. ISC-
UFBA, 1996. 300 p. (caps. 2 e 6)

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