Gláucia Signorelli de Queiroz Gonçalves
Gláucia Signorelli de Queiroz Gonçalves
Gláucia Signorelli de Queiroz Gonçalves
PUC-SP
SÃO PAULO – SP
2016
ii
SÃO PAULO – SP
2016
iii
BANCA EXAMINADORA
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iv
Cecilia Meireles
v
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida, pelas benções nessa caminhada do doutorado e por todas as minhas
maiores riquezas...família, amigos, trabalho.
À querida orientadora, professora Dra. Marli André, o meu agradecimento especial e a minha
admiração pela maneira competente, inteligente e amorosa com que me conduziu na
construção desta tese; sua atenção e apoio constantes, sua revisão criteriosa ao meu texto,
foram fundamentais. Muito obrigada!!
Às professoras, Dra. Laurizette Passos, Dra. Luciana Giovanni, Dra. Marcia Hobold e ao
professor Dr. Helder Silveira pela leitura cuidadosa do texto de qualificação e pelas sábias
sugestões, esperando tê-las atendido, pelo menos em parte; agradeço também pela honra que
me concederam de fazerem parte da banca examinadora de defesa, na certeza de que seus
olhares mostrarão nuances que não consegui enxergar neste momento.
Às diretoras e supervisoras das escolas em que atuam as professoras iniciantes, admiro-as pela
luta diária e o compromisso com a educação. Obrigada pela contribuição na pesquisa.
Aos colegas de trabalho, em especial as queridas amigas: Valéria, que discutiu comigo meu
tema de pesquisa, ainda na elaboração do projeto; e Betânia, pelas sugestões e leitura final do
projeto.
vii
Aos queridos, Fabito, Rê, Cel, amizades que inspiram mesmo estando longe!
À Cida, amiga querida de todas as horas, desculpa pelos muitos nãos quando me chamava
para uma saidinha e eu dizia, não posso, estou estudando. Agora posso!
Aos amigos e amigas que fiz no curso, Adriane Fin, Ana Maria, Ana Lúcia, Francine,
Georgina, Laércio, Luana, Marli Lucas, Sandra, com os quais tive momentos intensos de
estudos e debates, todos muito enriquecedores.
À querida amiga, Silvia Matsuoka, companheira de estudos, parceira de muitas escritas, com
quem pude compartilhar também angústias, desejos, necessidades. Sentirei saudades dos
nossos cafés com prosa na “Charmosinha”.
Aos meus irmãos amados, Nele, Eliana, Roberto, com quem posso contar sempre.
Aos meus tios, tias, primos, primas, sobrinhos, sobrinhas, cunhadas, cunhados, sei que torcem
por mim.
RESUMO
ABSTRACT
This research falls within the field of teacher education and by analyzing the process of
professional insertion of graduates of the Institutional Program of initiation to Teaching-Pibid,
intended to bring contributions to the understanding of this crucial phase of the professional
cycle: the beginning of the career. The Pibid, a program proposed by MEC/Capes for the
improvement and enhancement of teacher training for basic education, aims at supporting the
initiation into teaching of graduate students in order to enhance the teaching profession,
contribute to the increase of the quality of basic education, and enhance the integration
between theory and practice and between University and school. It was assumed that Pibid, by
bringing the idea of integrated initial formation to primary schools, extends the coexistence of
undergraduates with the teaching practice, boosts the initial formation and mitigates the
adverse conditions faced by the early career teachers. It is known that the professional
insertion of teachers is almost always a period of uncertainty, instability and tension, because
it represents the beginning of the professional activities and, at the same time, the passage to
adulthood and support for beginners are rare at this stage. The investigation used the
qualitative approach, with data collected through focus groups with twelve beginning
teachers, ex-pibidians and recent grads of the course in Pedagogy of a Federal University of
the State of Minas Gerais; questionnaire for personal and professional characterization of the
participants; semi-structured interviews with seven directors and supervisors of the primary
schools where these teachers work; and documental analysis of the pedagogic political project
of the training institution. The literature review included theorists as Nóvoa (2009a, 2009b,
2011, 2013), Marcelo Garcia (1999, 2010), Vaillant and Marcelo Garcia (2012), Imbernón
(2011), Zeichner (2010), Papi (2011), Nono (2011) among others, discussing the initial
formation and the early career of the teachers, which have allowed to know the paths that the
beginning teachers traverse from training until the moment they enter the schools. For data
analysis, was adopted the method named by André (1983) as Prose Analysis and the topics
and themes raised have allowed to formulate three categories: the point of view of novice
teachers on initial formation; the point of view of beginners on professional insertion; from
beginners to experienced: the construction of the professional component of these teachers.
The data revealed that the beginning was marked by difficulties and tensions, but at the same
time, discovery and learning. It was considered that both the initial training in the course of
pedagogy, and the participation in the Pibid, were essential to professional insertion, due to
the configuration that both theory and practice, and the research have been gaining during the
formative process, made explicit by the movement action/reflection/action, facilitated by the
integration between the university and the school.
SUMÁRIO
1.1 Os aspectos históricos e o contexto atual da formação de professores dos anos iniciais da Educação
Básica no Brasil............................................................................................................................... ......29
1.2 A formação de professores: de que formação estamos falando?............................................... ......35
1.2.1 Conceituando “formação” ...................................................................................................... ......37
1.2.2 Formação de professores: conceitos fundamentais ................................................................ ......40
1.2.3 Novas perspectivas para a formação inicial de professores: uma formação que aproxima
instituições formadoras ................................................................................................................... ......47
1.2.4 Conhecimentos profissionais da docência .............................................................................. ......55
2.1 Os professores iniciantes e as suas primeiras experiências na carreira: tensão, choque e desafios a
vencer .............................................................................................................................................. ......59
2.2 A inserção profissional à docência ............................................................................................ ......67
2.3 Pode haver um início de carreira sem grandes traumas ............................................................ ......71
2.4 A inserção no exercício da docência: algumas iniciativas brasileiras ....................................... ......75
4.1 O Pibid e a sua proposta para iniciação à docência dos licenciandos ...................................... ......93
4.2 A política de formação de professores: análise textual dos documentos oficiais que instituem o
Pibid ................................................................................................................................................ ......96
4.2.1 Evolução do programa pelos textos legais ............................................................................. ..... 96
4.2.2 Dos objetivos do Pibid para a formação de professores: intenções e ações do programa ...... ....105
xi
7.1 O ponto de vista das egressas sobre a formação inicial ........................................................... ....137
7.1.1 Contribuições do curso de Pedagogia .................................................................................... ....137
7.1.2 Contribuições do Pibid ........................................................................................................... ....147
7.2 O ponto de vista das iniciantes sobre a inserção profissional: dificuldades e desafios ............. ....155
7.2.1 A cultura da escola sob o ponto de vista dos teóricos ............................................................ ....156
7.2.2 Dificuldades das iniciantes e a cultura da escola ................................................................... ....158
7.2.2.1Chegada à escola e o acolhimento às professores iniciantes ................................................ ....160
7.2.2.2 Clima de trabalho na escola ............................................................................................... ....168
7.2.3 Descobrir-se professora e enfrentar os desafios do início da carreira .................................... ....181
7.2.4 Quando uma professora iniciante recebe apoio ..................................................................... ....188
7.3 De iniciantes a experientes: a construção da profissionalidade................................................. ....194
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Trabalhos apresentados nas 35ª, 36ª e 37ª Reuniões Anuais da ANPED ..........................82
Quadro 4 – Comparativo das edições 2007 e 2009 do Pibid, com total de bolsas aprovadas .... ......98
Quadro 5 – Comparativo das edições 2007, 2009 e 2010 do Pibid, com total de bolsas aprovadas
......................................................................................................................................................... ......99
Quadro 6 – Comparativo das edições 2007, 2009, 2010 e 2011 do Pibid, com total de bolsas
aprovadas......................................................................................................................................... ....100
Quadro 9 – Bolsas Concedidas pelo Pibid e pelo Pibid Diversidade para o Ano de 2014 ............ ....103
Quadro 10 – Número de IES e projetos participantes do Pibid em 2014, por região ........................104
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Caracterização das professoras iniciantes: alguns dados pessoais e profissionais ....... ....127
REFLEXÕES INICIAIS
— BERNADETE GAT TI
Iniciar qualquer trabalho é sempre um desafio que provoca em mim sentimentos não só
diversos, mas também muitas vezes antagônicos. Em alguns momentos, a ansiedade se faz
presente; em outros, uma alegria extrema, em grande parte, pela vontade de realizar algo que
possa abrandar minhas inquietações, que não são poucas, em especial, as que provocam
reflexões mais densas sobre minha prática profissional, tendo em vista a construção de novos
caminhos.
Tais sentimentos me afetam desde quando iniciei minha carreira docente, em 1981.
Então, com 17 anos de idade, eu era recém-formada no curso de Magistério e, de repente, vi-
me como professora de 25 crianças da pré-escola. Motivação, entusiasmo e alegria foram os
primeiros sentimentos; passada a euforia, a insegurança me invadiu e parecia que eu estava
em um beco sem saída. Como eu ensinava na única turma da pré-escola, não tinha nenhuma
colega com quem conversar, nem podia contar com a supervisora, que estava sempre às voltas
com questões burocráticas. Foi um período difícil. Mas eu estava disposta a vencer o desafio,
afinal, se ser professora é uma profissão que escolhi conscientemente, então eu precisava
encarar as dificuldades como parte do processo da docência. Além disso, eu estava entrando
na faculdade para cursar Pedagogia.
Essa busca por novos sentidos para o que faço na profissão que escolhi, permeia uma
história de vida em que o exercício profissional ajudou – e ajuda – não só a construir
representações, ideias e concepções, mas também a desconstruí-las. Seja como professora da
educação básica, supervisora, diretora escolar ou formadora de professoras e professores,
minha experiência de vida que toma lugar ora na sala de aula, ora na sala da secretaria, ora na
prática docente, ora na regulação dessa prática contribui, sobremaneira, para minha
ressignificação de saberes teóricos e saberes práticos, de condutas sociais e condutas
profissionais, que suscitam em mim novos interesses e novas necessidades.
Assim, a experiência pela qual me deixei tocar (LARROSA, 2002) ao longo da vida
profissional foi, e continua sendo, mobilizadora e sinalizadora das contradições da realidade, e
é isso que justifica essa busca a que me proponho neste momento, preocupada,
fundamentalmente, com o início da carreira docente, por ser uma fase que tem revelado
tensões e desafios aos professores e mobilizado pesquisadores que, como eu, têm interesse em
investigar essa fase da carreira docente.
A profissão docente tem uma história de altos e baixos e está marcada, principalmente
nas últimas décadas, pela intensificação das exigências sobre a ação dos professores, a
precarização do trabalho e da profissionalização docente, que trazem como consequência a
desvalorização da carreira, a desqualificação profissional, a baixa autoestima dos professores,
a perda de qualidade no ensino.
A frequência com que essa temática emerge nos debates nacionais e internacionais
revela, entre outros aspectos, um campo problemático, minado por questões de ordem
política, econômica, pedagógica, organizacional e estrutural, de avanços e retrocessos, sendo
esse um cenário considerado nevrálgico para a formação de professores no Brasil, conforme
apontaram Gatti e Barreto (2009) em estudo publicado pela UNESCO.
Reitero o pensamento de Cunha (2010) que afirma ser cada vez maior a
responsabilidade que a sociedade atribui à educação escolarizada e aos professores na
formação de alunos de todos os níveis de ensino, decorrente, principalmente, das mudanças
no mundo do trabalho, da revolução tecnológica, da estruturação da organização familiar, da
globalização, entre outros aspectos que permeiam a sociedade. Tais mudanças repercutem nos
papéis profissionais de um modo geral, mas afetam, sobremaneira, o papel profissional dos
professores, causando tensões ao trabalho docente.
15
Desse quadro se estende uma perspectiva que, segundo Sacristán (1999), redunda na
―hiper-responsabilização‖, atribuída aos docentes pelo fracasso escolar e pela baixa qualidade
da educação, aspectos que, inevitavelmente, têm ação negativa para a profissão e trazem para
dentro dela sérios dilemas.
Assim como Pereira (2011), não coaduno com essa linha de pensamento que culpabiliza
os professores, enfraquece sua autoestima, desestimula-os ao exercício competente da
profissão, mas reconheço que o campo da formação e atuação dos professores está frágil,
carente de ações que o fortaleçam e ajudem a diminuir as tensões.
Há um discurso muito presente no dias atuais que anuncia que os professores são
autônomos, mas a autonomia, que poderia ser plena e autêntica, é delimitada pelo sistema
educativo, pela escola cuja organização não consegue ultrapassar os trâmites burocráticos,
pela gestão escolar que, em muitos casos, ainda não enxergou a escola para além das questões
administrativas. Junto a isso, os professores ainda têm que enfrentar espaços físicos
inadequados para realizar as atividades de ensino, falta de material didático, carga horária
extra, pois sua ação demanda planejamento e preparação que, comumente, não são feitos nas
escolas. Além disso, convivem com baixos salários, desvalorização social de sua função e
tantas outras situações que interferem negativamente no seu trabalho. Dessa forma, o fazer
docente acaba sendo afetado pela cultura da escola, que atribui aos professores grande parte
da responsabilidade pela formação e aprendizagem dos alunos, aspecto que parece ter se
cristalizado em muitas instituições escolares.
Por esses motivos e por vivenciar na prática essas situações, a preocupação com os
professores e sua ação pedagógica sempre esteve presente em mim. Atuando nas funções de
diretora (1992 e 1993) e supervisora escolar (1987 a 1991; 1994 a 2009), trabalhei visando ao
bem estar dos professores e sua qualificação constante, de modo que pudessem construir
bases para sua profissionalidade. Apoio ao trabalho, orientação, planejamento e reflexão sobre
a prática, sempre amparados em concepções teóricas que atendessem às suas necessidades,
foram objetos da minha ação junto aos docentes.
Apesar de uns e outros terem sido resistentes às possibilidades que lhes eram oferecidas,
creio que, para grande parte dos professores com quem convivi, pude oferecer elementos que
pudessem levá-los a assumir uma posição mais consciente e crítica sobre a prática docente.
objeto de investigação, numa pesquisa que procurou valorizar os saberes dos professores,
tendo como ponto de partida e de chegada sua prática social. Meu foco eram os professores,
sua formação continuada e suas práticas, pois, naquele período, percebia o campo frágil da
formação continuada dos professores pelo histórico de uma prática que, comumente, destitui o
professor da posição de sujeito de sua aprendizagem e lhe impõe conhecimentos, às vezes
apenas informações, por meio de cursos de capacitação que não atendem as necessidades da
realidade em que estão inseridos.
Dessa forma, seguindo esse fio condutor, foi formado um grupo de estudos com os
professores de uma escola pública de ensino fundamental, o que nos possibilitou concretizar a
ideia da formação continuada em serviço e superar o modelo tradicional da formação
continuada de professores.
O que presenciei no processo foi o grupo fluir, refluir às vezes, mas nunca estacionar no
seu desenvolvimento profissional, devido em grande parte à ação das próprias professoras,
que argumentavam, questionavam e transformavam seu discurso e sua prática. Em alguns
momentos percebia que o processo vivido na formação continuada era um desafio para todas,
pois, ao mesmo tempo em que desejavam uma mudança, esta era limitada pelas condições
reais de se concretizá-la: tempo de estudo, alunos com dificuldades de aprendizagem, pais que
não participavam da vida escolar dos filhos, entre outras. Mas os desafios foram sendo
vencidos a cada dia e as docentes demonstraram um avanço qualitativo de sua prática, pois
17
introduziram novas ações de planejamento, optaram por aulas mais práticas e dinâmicas que
eram mais interessantes para os alunos.
Apesar dos resultados positivos promovidos por esse processo de formação continuada
em serviço, acredito que as professoras tenham dado apenas um pequeno e específico salto
qualitativo em suas práticas, pois, para uma mudança intensa e profunda das concepções e
práticas educativas, além da formação permanente, outros estruturantes como melhores
condições de trabalho, tempo disponível na escola para estudo, recursos materiais e
financeiros, entre outros, também são necessários. E, conforme Gatti e Barreto (2009), esse é
um dos graves problemas que envolvem a formação continuada, principalmente, quando a
atividade não é sustentada pelo sistema educativo como foi o caso dessa formação em serviço,
mantida pela vontade dos sujeitos envolvidos que criaram condições particulares para que o
processo acontecesse.
Acredito que esse não é um problema apenas desse grupo, mas da grande maioria dos
professores que enfrenta, além desses, outros problemas causados por questões de ordem
política, cultural, conceitual ou práticas como, por exemplo, atuar em uma escola que se diz
democrática, mas onde a subordinação se faz presente e a opção da autonomia docente se
dissimula; atuar em contextos em que faltam coordenação, acompanhamento e avaliação do
trabalho; atuar em salas com número excessivo de alunos; não contar com uma política de
formação eficiente; não contar com projetos ou programas de formação continuada; não ter
planos de carreira definidos; iniciar na carreira sem orientação e acompanhamento e outros
inúmeros problemas.
Aliado a isso, outro grave problema anunciado por Gatti e Nunes (2009) é a ausência do
estudo da escola como instituição social e de ensino. As autoras advertem que essa ausência
pode levar a uma formação mais abstrata, distanciando os futuros professores da realidade
concreta das escolas, aspecto que vem sendo combatido de forma veemente por pesquisadores
como Nóvoa (2009a), Canário (2000), Marcelo Garcia, (1999, 2010) Zeichner (2010), entre
outros, que também subsidiam o presente estudo.
Por esses motivos, continuam abertas as minhas preocupações com os professores, sua
formação inicial, sua prática e, no momento, com maior intensidade, os professores iniciantes
e sua inserção profissional.
No entanto a formação inicial não tem conseguido assegurar aos estudantes essa
condição. E essa é uma situação inquietante analisada por Vaillant (2009) em estudo que trata
da formação de professores na América Latina. Afirma que é grande a insatisfação quanto à
qualidade dos programas que formam professores, que não conseguem responder às
necessidades atuais impostas à profissão, devido, principalmente, as mudanças sociais,
econômicas, políticas e culturais das sociedades. Assevera, com base em Darling-Hammond e
Baratz-Snowden (2005), que os formatos dos programas de formação estão alijados da
realidade educativa pela não adaptação da formação à grande complexidade da sociedade da
informação e do conhecimento que exigem iniciativas e propostas flexíveis, reflexivas e
complexas.
Entendo que todo este cenário da formação inicial não pode ser alheio aos professores
nas escolas nem aos licenciandos e requer uma nova perspectiva de atuação em que as
especificidades do contexto, a diversidade, a individualidade dos alunos, a cultura da escola e
as práticas curriculares sejam considerados pelos docentes.
Se, para os docentes em geral, essa realidade tem se mostrado complexa, para uma
categoria específica de professores, os iniciantes na carreira, a complexidade se intensifica e,
por isso, o início da carreira docente tem sido uma fase que requer atenção. E é com o olhar
voltado para esses professores que esta pesquisa se desenvolve.
dependem das condições de cada realidade, que pode ser mais ou menos tensa, mais ou menos
complexa. Mas, quanto a mim, passei a refletir cada dia mais sobre essa fase da docência e a
prestar mais atenção aos docentes iniciantes.
Por outro lado, olhando para a escola e a forma como acolhe os professores iniciantes,
percebe-se que, em algumas situações, os professores iniciantes estão à deriva, abandonados,
colocados em situações difíceis, sobrecarregados com atividades que lhes são muito novas,
invadidos por sentimentos de insegurança, medo, angústias e até mesmo de incompetência e,
por isso, sem possibilidades concretas de atuar bem e, de construir saberes sobre a docência.
Quando me refiro ao que tenho presenciado nas escolas, não o faço baseado em
impressões sobre a atuação dos professores, mas em situações concretas, como o relato de
uma professora iniciante. Ao chegar à escola acompanhando alunas estagiárias, essa
professora veio ao meu encontro e com a voz embargada me disse: ―Professora, não sei mais
21
o que fazer, não estou dando conta da minha turma, estou com vontade de desistir, eles não
me ouvem, não param quietos”. As lágrimas desceram naquele momento. (Grifos meus)
Outra situação que não posso deixar de relatar foi um email que recebi também de uma
ex-aluna, professora iniciante, que dizia assim: Boa tarde professora Gláucia! Quanto tempo
não é mesmo? Hoje venho através deste pedir sua orientação. No mês de março [2014] iniciei
como professora regente de uma sala multisseriada na Escola Municipal A. C. de A.. mesmo
sabendo que não seria fácil lidar com duas turmas, 4º e 5º ano juntas, ACEITEI O DESAFIO
para adquirir experiência na sala de aula. O fato é que, desde que iniciei minhas aulas
trabalhei de diversas formas, ora dividi o quadro ao meio e separei aula para o 5º ano e aula
para 4º ano, ou seja, 2 planejamentos, separei também a sala, alunos dos 4º de um lado e
alunos do 5º do outro lado. Percebi que as aulas não rendiam, então planejei aulas de acordo
com um só planejamento envolvendo toda a sala de aula. Realizei trabalhos de grupos
menores, envolvendo alunos em um mesmo grupo 4º e 5ª ano, roda de conversa, trabalho em
dupla, enfim, tentei trabalhar de várias maneiras. Percebi que houve um maior rendimento
da turma com um só planejamento. Realizei algumas pesquisas e encontrei alguns artigos que
citavam que a melhor forma de trabalhar com classes multisseriadas seria um só
planejamento, fiquei até animada em saber que estava indo no caminho certo. Porém agora,
a Supervisora da Escola me chamou na sala dela para saber como estou trabalhando.
Expliquei a ela e ela pediu para que eu continuasse da mesma forma que iniciei: dois
planejamentos, pois a Secretaria de Educação recomendava dois planejamentos. Diante de
tudo isso gostaria de alguma orientação, de alguma pesquisa, alguma experiência, enfim de
algo que me ajude nortear o meu trabalho. Se puder me ajudar ficarei muitíssimo
agradecida. Entendi isso como um pedido de socorro. (Grifos meus)
Não dá para deixar de lado situações como essas e, do lugar em que estou, na posição de
formadora de professores, não poderia olhar para essa condição dos professores iniciantes e
esperar que alguns a superassem e que outros se perdessem numa experiência desastrosa e
frustrante. Fiz o que pude por essas duas ex-alunas, mas angustiada com essas questões e
percebendo que interferem na constituição do ser professor, entendi o quanto essa fase
necessita ser cuidada para que os docentes sobrevivam na carreira.
Os estudos sobre os primeiros anos da profissão têm sido marcados, como informam as
pesquisas de Vaillant e Marcelo (2012, p. 123), como aqueles em que os professores
―experimentam os problemas com maiores doses de incertezas e estresse, devido ao fato de
que eles têm menores referências e mecanismos para enfrentarem essas situações‖.
22
Huberman (1992) estudou o início da carreira como uma etapa do ciclo de vida
profissional dos docentes, que abrange os 2-3 primeiros anos, período que além de ser de
muitas aprendizagens, é, sobretudo, de definições de posturas e comportamentos que serão
adotados no exercício profissional e repleto de desafios.
É certo que os professores iniciantes precisam de apoio, pois não estão plenamente
preparados, o que vai se concretizando, à medida que colocam em prática os saberes
adquiridos na formação inicial e vão experimentando e refinando modos de ser professor. Isso
pode levar alguns anos e, conforme a realidade enfrentada, há professores que desistem da
profissão e esta é, segundo Vaillant e Marcelo Garcia (2012) a fase em que esse fato é mais
frequente.
Segundo Marcelo Garcia (2009a), a falta de atenção aos professores iniciantes está se
tornando muito cara em inúmeros países pelo fato de ser elevado o número de professores que
abandonam a profissão ainda nos primeiros anos. Esse abandono, segundo o autor, ocorre,
principalmente, em escolas de zonas desfavorecidas ou nas mais complexas onde os
professores enfrentam problemas de violência, vandalismo, falta de apoio da família aos
estudantes e outros problemas dessa natureza. Além disso, reservam-se aos iniciantes os
horários e as aulas que já foram descartadas pelos professores com mais experiência, aspectos
que tornam o início da docência mais difícil e complexo.
23
Nesse sentido, esta pesquisa, que nasceu de uma perspectiva pessoal de ampliar a
compreensão sobre a fase inicial da carreira docente, amplia-se ao constatar que essa etapa
complexa de iniciação na carreira, não pode continuar à margem do campo profissional
docente e, ―não pode passar imperceptível aos olhos daqueles que, em qualquer instância,
pensam a educação, a escola e a formação de seus profissionais.‖ (PAPI, 2011, p. 12).
Gatti, Barreto e André (2011, p. 213) ao estudarem as políticas docentes, não deixaram
de se preocupar com o quadro em que se encontram os professores iniciantes e asseveram a
importância do ―delineamento de medidas – e preferencialmente de políticas – de apoio e
acompanhamento aos professores no início da carreira‖. No Brasil, relatam as autoras, há
poucas iniciativas de apoio aos iniciantes, a pesquisa constatou que em um universo de 15
secretarias de educação das cinco regiões brasileiras, sendo 5 estaduais e 10 municipais,
foram encontradas apenas cinco iniciativas voltadas os professores em início de carreira.
Outras iniciativas, essas no âmbito das políticas municipais, também foram encontradas
na pesquisa de Gatti, Barreto e André (2011). Uma na SEMED/Sobral (CE) e outra na
SEMED/Campo Grande (MS).
Ainda não temos no Brasil uma política nacional que apoio os professores iniciantes nas
escolas, mas já existem alguns encaminhamentos para isso.
O Art. 2º do referido Decreto, dispõe sobre os princípios que orientam esta Política, e,
dentre eles, destaco os incisos V a VIII, que têm sido alvos frequentes de discussões
realizadas no âmbito da formação de professores e se aproximam do que dizem as concepções
teóricas que fundamentam esta pesquisa. São os seguintes princípios:
educacionais em todo o país, com algumas ações já em andamento, entre elas, o Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – Pibid, criado pela Portaria Normativa nº 38
de 12 de dezembro de 2007 com início das atividades em 2009. (BRASIL, 2007).
Com resultados expressivos, o Pibid foi regulamentado pelo Decreto nº 7.219/2010. Sua
principal ação é a iniciação dos licenciandos na docência, por meio da inserção na realidade
escolar, de modo que possam vivenciar esse cotidiano e aprender sobre ele com o
acompanhamento de professores da instituição formadora e de professores que atuam nas
escolas básicas. (BRASIL, 2010).
Esses aspectos podem ser indicadores de uma boa formação inicial, pois autores como
Nóvoa (2009b, 2011, 2013), Marcelo Garcia (1999, 2010), Zeichner (2010), têm alertado para
a importância de associar a formação ao mundo do trabalho num processo que integra os
sujeitos em formação às questões inerentes ao seu campo profissional.
Considerando que o Pibid tem o propósito de, pela iniciação à docência, aproximar os
estudantes às práticas escolares, e incomodada com as dificuldades enfrentadas pelos docentes
em início de carreira e, ainda, com a pouca importância que essa fase tem no cenário nacional,
o problema central desta pesquisa é: como se dá a inserção à docência de egressos do curso de
Pedagogia que durante a formação inicial participaram do Pibid?
Assim, a busca por respostas a esses questionamentos é cada vez mais urgente e surge a
necessidade e autenticidade desta pesquisa, cujo objetivo geral é analisar o processo de
inserção profissional de egressos do Pibid.
princípios e as formas de condução da formação inicial propostos para a atualidade e, por fim,
os conhecimentos profissionais requeridos ao exercício da docência. Subsidiam este capítulo
autores como Nóvoa (1992; 2009a, 2009b; 2011; 2013); Saviani (2007; 2009); Zeichner
(2010), Vaillant e Marcelo Garcia (2012); Roldão (2008) e outros.
revisão do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia de onde são egressas as iniciantes e dos
documentos institucionais que definem o funcionamento do programa na universidade.
Deste ponto em diante, minha voz se junta a de outros, pois a pesquisa se constrói no
diálogo com o outro, na possibilidade de aproximar ideias, aprofundar e construir
conhecimentos sobre o objeto que se estuda.
29
CAPÍTULO 1
1.1 Os aspectos históricos e o contexto atual da formação de professores dos anos iniciais
da Educação Básica no Brasil
— J. ESCUDERO
É comum ouvir que vivemos hoje em uma sociedade do conhecimento e isso se explica
pelo movimento produtivo, ininterrupto, em todas as áreas, advindo de produções científicas
que marcam a história da humanidade. São conhecimentos balizados por características como
a ―transitoriedade‖ anunciada por Larrosa (2002); ou instabilidade gerada pelo ―âmbito
movediço da economia, do saber e da globalização‖ que propagou Lessard (2006, p. 202); ou
ainda a liquidez da modernidade apregoada por Baumann (2001), o que torna difícil manter os
quadros de referências por muito tempo exigindo dos sujeitos atualização constante do
conhecimento e das convicções e crenças que também são afetadas. É inegável que estamos
30
envoltos nessa realidade complexa, passando por transformações que reconfiguram nossas
práticas sociais.
A formação profissional também é afetada por esse contexto e concorda-se com Gatti e
Nunes (2009) quando afirmam que o crescimento das informações e de suas formas de
circulação, autorizado pelo progresso tecnológico, bem como o avanço dos conhecimentos
sistematizados, de caráter complexo, requer, para o seu manejo ou domínio, formação
profissional prolongada e de alto nível.
Nesta direção, vê-se que estamos diante de uma nova concepção de formação de
professores, que coloca ênfase no professor como autor de seu processo de formação,
mediado pelos conhecimentos necessários à sua prática. Isso nos convida a deixar para trás a
formação que prioriza o modelo do professor executor de tarefas, repetidor mecânico e
31
ativista pedagógico, imposto pela racionalidade técnica, para registrar um novo quadro
epistemológico, incerto e imprevisível, porém mais dinâmico, que toma a realidade como
pano de fundo para a construção da docência.
A formação baseada nesse novo quadro paradigmático ―requer condições que propiciem
o ativo envolvimento dos professores no próprio processo formativo‖. (GATTI, BARRETO e
ANDRÉ, 2011, p. 81). As autoras inferem que é preciso colocar a formação de professores em
uma perspectiva de superação dos modelos improvisados e da posição missionária conferida à
docência ao longo da história, a fim de pensar a profissionalidade dos professores e a
profissionalização da carreira requeridas na atualidade. E, conforme anunciaram Tardif e
Lessard (2012) é preciso constituir o magistério como uma atividade profissional de relações
humanas, com determinações particulares que condicionam a própria natureza do trabalho
docente.
Esta não é uma tarefa simples e, cada vez mais, a profissão docente sofre interferências
advindas da ampliação da diversidade cultural, social e de saberes presentes nas salas de aula,
ocasionado, principalmente, pela universalização da escolarização básica como direito de
todos. Se, por um lado a escola se abre para essa diversidade e tem grandes possibilidades de
enriquecimento de suas práticas, por outro, os professores têm o ―desafio de desenvolver uma
educação multicultural e antidiscriminatória, que permita a integração de valores, ideias,
tradições e costumes muito distintos, que atente à diversidade e pluralidade dos cidadãos e
estimule a reflexão crítica e a tolerância‖ (MORGADO, 2005, p. 67), aspecto que demanda
um perfil profissional que acolha essas exigências postas aos docentes no presente.
Confirmando esta ideia, Gatti, Barreto e André (2011) afirmam que a docência necessita
de uma formação específica, configurada para atender as demandas da profissão. Porém, as
autoras advertem que o histórico das políticas para a formação de professores demonstra
iniciativas centradas, muito mais na expansão da oferta de cursos de licenciatura, do que na
qualidade curricular dos cursos.
Saviani (2009), Gatti (2010) e Libâneo (2012) ao analisarem esse panorama dos cursos
de formação de professores nos anos 1980, concordam que, naquele momento, as mudanças
que incidiram sobre os currículos dos cursos de licenciatura, inclusive Pedagogia,
caracterizaram-se apenas como descontinuidade das formas de organização dos cursos e não
de rupturas epistemológicas que assinalassem mudanças significativas ao modelo de
formação.
Libâneo (2012) lembra que apesar das tentativas de mudança, os saberes teóricos e
práticos da formação continuavam fragmentados e não asseguravam aos professores
33
condições para o exercício de uma prática reflexiva e transformadora que, até hoje, ainda não
encontrou um encaminhamento satisfatório. Alerta ainda que,
Isso também se aplica ao curso de Pedagogia, que após muitos embates, teve aprovadas
suas Diretrizes Curriculares Nacionais pela Resolução CNE/CP nº 01 de 15 de maio de 2006
(BRASIL, 2006), que propôs um curso de licenciatura em Pedagogia destinado à formação de
professores para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, para o curso de
Ensino Médio na modalidade Normal, para a Educação Profissional, na área de serviços e
34
apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos,
configuração formativa completamente modificada tendo em vista as antigas habilitações.
São muitas as atribuições delegadas aos egressos desse curso e como afirmam Gatti,
Barreto e André (2011, p. 99) ―Enfeixar todas essas orientações em uma matriz curricular,
especialmente para cursos noturnos nos quais se encontra a maioria dos alunos desses cursos
não é tarefa fácil‖.
Conforme o exposto, percebe-se que o curso de Pedagogia ainda carrega uma série de
dificuldades na formação dos futuros professores. As conclusões das autoras sobre esse curso
35
são elucidativas e justificam essas dificuldades enfrentadas ainda hoje, pois segundo as
autoras, há no curso de Pedagogia,
É certo que os desafios para a formação e trabalho dos professores dos anos iniciais da
educação básica ainda são muitos em decorrência de problemas conceituais, políticos,
pedagógicos e estruturais, que, de forma inevitável enfraquecem a formação e impedem que
os professores se apropriem, com segurança, da prática educativa real. Por esse motivo, as
instâncias formativas, universidades e escolas são urgentemente chamadas a assumir o seu
papel diante desse profissional, garantindo uma formação consistente, que produza um saber
científico, crítico, compromissado com a transformação social, pela via da transformação do
ser humano, na sua relação com o outro e com o mundo.
A formação é como uma viagem aberta, uma viagem que não pode estar
antecipada, uma viagem interior, uma viagem na qual alguém se deixa
influenciar a si próprio, se deixa seduzir e solicitar por quem vai ao seu
encontro, e na qual a questão é esse próprio alguém, a constituição desse
próprio alguém, e a prova é desestabilização desse próprio alguém.
— JORGE LARROSA
Quanto a isso, Gatti, Barreto e André (2011) advertem que no Brasil, ainda estamos
distantes,
Ainda que esses problemas e outros mais continuem se manifestando, concorda-se com
as autoras que avanços têm ocorridos nos últimos anos, como, por exemplo, aumento da
escolaridade da população, investimentos em infraestrutura (embora não suficientes),
referenciais curriculares que orientam a educação básica, novas diretrizes curriculares
nacionais para os cursos de licenciatura (mesmo que não estejam completamente adequadas),
criação de programas de formação de professores em diferentes modalidades - EAD,
presencial, formação continuada, ampliação de vagas no ensino superior, melhoria dos livros
didáticos, entre tantas outras ações.
Roldão (2006), mesmo se referindo à realidade portuguesa, contribui com este debate
pelo fato de alertar para uma situação muito semelhante à brasileira, quando afirma, que
muitos desses problemas estão,
1. O conceito de ―formação‖ que necessita ser definido para que cheguemos a um conceito
coerente de ―formação de professores‖. É, principalmente, Marcelo Garcia (1999), que
colabora com essa discussão, mas há suporte também em Saviani (2009), Gadotti
(2007), Oliveira e Santos (2011).
Refletir sobre ―formação‖ nos remete ao caráter humanizador que esse termo carrega
porque formar e formar-se são ações que advém de um processo educativo próprio aos seres
humanos. Diferentemente de outros seres vivos o homem forma, se forma e é formado e, por
isso, é um ser capaz de transformação de si, da sua própria condição e dos outros.
Segundo Saviani (2009, p. 423) ―a formação humana coincide, nessa acepção, com o
processo de promoção humana levado a efeito pela educação‖. Assim, a formação se dá por
meio de um processo educativo, seja formal ou informal, escolar ou não escolar, em que seres
humanos se envolvem e aprendem a ser e estar no mundo.
Oliveira e Santos (2011, p. 50) contribuem com esta ideia ao afirmarem que o homem é
um ser social que constitui sua individualidade a partir do social. ―No entanto, esse processo
só é possível por meio de uma educação pautada na racionalização e criticidade, podendo
torná-lo um sujeito autônomo para conviver nesta sociedade.‖
38
Gadotti (2007), nesta mesma perspectiva, quando reescreve Paulo Freire, assegura que:
E, é essa a formação que interessa, ou seja, uma formação crítica que eleve o patamar de
conhecimentos do homem sobre o mundo e lhe de condições de sair da categoria de oprimido,
de agir sobre a realidade e transformá-la.
Oliveira e Santos (2011, p. 49) afirmam que ―essa ação de mudança e transformação
resulta da capacidade de racionalidade. Ao fazer uso da razão, o homem, emancipa-se, pensa
por si mesmo, e pode superar sua situação de sujeito administrado, imposto pela ideologia
dominante e individualista.‖ Nesse processo de superação ele se constrói, reconstrói,
desenvolve-se, educa-se, transforma-se, adquire autonomia e dá sentido à sua existência.
Porém, não o faz sozinho, pois sua condição de ser histórico e social no mundo o aproxima de
outros seres com quem aprende e a quem ensina.
Discutindo ―formação‖, Marcelo Garcia (1999, p. 20) adverte que há muitos equívocos
quanto ao uso do termo e esse se banalizou ao ser interpretado como preparação, ensino,
treino quando se trata da formação de professores. Defende, juntamente com outros autores,
―a necessidade de desenvolver uma teoria da formação, tal como existem teorias da educação,
do ensino, da aprendizagem‖. Esta seria uma área de conhecimentos para estudar os
problemas relativos à formação, a partir de pressupostos da ciência antropológica para
definição de caminhos, métodos e procedimentos no processo de formação.
convergem todos os esforços da formação. Não ocorre automaticamente na vida das pessoas,
mas de forma intencional, com múltiplas finalidades, na experiência e para a mudança da
experiência do contexto humano.
Marcelo Garcia (1999) distingue três processos de formação, tomando como base os
estudos de Debesse (1982): autoformação, heteroformação e interformação.
Isso não significa que a formação será alcançada de forma solitária, do sujeito consigo
mesmo, pois é um processo que depende do envolvimento de outros sujeitos e outros
elementos e se assim ocorrer, pode contribuir com o ganho de autonomia profissional cada
vez mais necessária aos professores.
Esse cenário, no entanto, tem se modificado, pois a produção científica dos últimos
vinte e cinco anos sobre formação de professores provocou um intenso movimento ao campo,
fazendo surgir novas perspectivas para a formação, aspecto que André (2002, 2009, 2010),
num esforço de sistematização dessa produção, vem demonstrando em suas pesquisas. A
autora relata, com base na análise de dissertações e teses da área da educação, que a produção
sobre a temática formação de professores que era de 6% no total das pesquisas, em 1990,
passou para 14% em 2003 (ANDRÉ, 2009) e 22% em 2007 (ANDRÉ, 2010), crescimento que
deixa evidente o interesse por esse tema.
Esse aumento do volume de pesquisas foi importante, pois trouxe para o cenário o
estudo de novos objetos que, segundo André (2009, 2010), centravam-se, nos anos 1990, nos
cursos de formação inicial: licenciaturas, Pedagogia e Escola Normal e, dos anos 2000 em
diante, ganharam destaque os estudos sobre identidade e profissionalização docente.
Além desses dados, há outros elementos já presentes em nossa realidade que também
evidenciam a constituição de um campo de conhecimento autônomo. André (2010), tomando
como base os estudos de Marcelo Garcia (1999), destaca: existência de uma comunidade
científica, empenhada na elaboração de um código de comunicação próprio; a incorporação
dos participantes no processo de investigação, fato crescente pelo uso de metodologias
participativas e colaborativas em pesquisa e, o reconhecimento público do papel fundamental
da formação de professores na melhoria da qualidade educativa.
De forma bastante elucidativa a autora esclarece o objetivo maior dos estudos sobre
formação docente: ―Queremos conhecer mais e melhor os professores e seu trabalho docente
porque temos a intenção de descobrir os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino de
qualidade, que se reverta numa aprendizagem significativa para os alunos.‖ (ANDRÉ, 2010,
p. 176).
Marcelo Garcia (1999), traz uma concepção de formação de professores que também dá
destaque ao sujeito professor. Para ele,
O autor concebe a formação de professores como uma área de conhecimentos, por isso
sistemática e organizada, que estuda os processos por meio dos quais os professores adquirem
conhecimentos, competências e disposições que lhes ajudem a intervir no processo de ensino.
A ênfase do processo formativo recai sobre o professor, sendo o objetivo principal aprender a
43
ser professor. Outros elementos são destacados nessa concepção e sempre em benefício do
aluno: o trabalho em equipe, fundamental ao processo formativo, pois a atuação dos
professores tem se fortalecido pelo trabalho coletivo; o trabalho da escola também é outro
destaque que o autor evidencia nessa concepção, pois, ainda que o ensino seja a ação
fundamental da docência, a atuação do docente deve incidir também sobre o desenvolvimento
do projeto escolar, do currículo, da relação com a comunidade, com o entorno da escola, o
que demanda um trabalho profissional comprometido. Essa concepção de formação em torno
do professor como sujeito do processo, só terá sentido, como bem salienta Marcelo Garcia
(1999), com a melhoria da qualidade da educação que os alunos recebem.
Ampliando a discussão e bem próximo do que propõe Marcelo Garcia (1999), Cunha
(2010, p. 134) define a formação de professores como ―um processo na trajetória do professor
que integra elementos pessoais, profissionais e sociais na sua constituição como profissional
autônomo, reflexivo, crítico e colaborador‖. Acentua a importância da dimensão social,
gestada por meio de inúmeras interlocuções entre quem se forma, seus formadores, as aulas,
os teóricos estudados, as práticas vivenciadas, os recursos tecnológicos utilizados, mas
assevera que isso não basta para formar o professor, pois é necessário, ao mesmo tempo, um
trabalho pessoal intenso e verdadeiro para formar-se a si próprio.
Nóvoa (1992) também contribui com esse debate, pois para ele,
Vê-se que o sujeito é o ator principal da formação, como defende Nóvoa quando destaca
a autoformação, contudo acrescenta que é uma autoformação participada pela qual o professor
se faz a si mesmo, mas numa ação partilhada que dê ―sentido no quadro de suas histórias de
vida‖ (NÓVOA, 2009b, p.14), aspecto que coincide com o que propõe Marcelo Garcia (1999)
sobre a autoformação.
A terceira fase é a de iniciação, etapa que discutiremos com maior intensidade em outro
momento, por representar a fase em que se encontram os sujeitos desta pesquisa. Corresponde
aos primeiros anos de exercício profissional, durante os quais os docentes aprendem na
prática, em geral por meio de estratégias de sobrevivência. É marcada por manifestações
peculiares, entendida como fase da aprendizagem de ser professor. (MARCELO GARCIA,
1999). Em outro estudo Marcelo Garcia (2009a, p. 18) adverte que é na fase de iniciação que
o professor irá apreender a ―cultura docente, (os conhecimentos, modelos, valores e símbolos
da profissão), a integração da cultura na personalidade do próprio professor, assim como a
adaptação do mesmo ao entorno social em que desenvolve sua atividade docente‖. Tardif
(2002, p. 84) também se refere a iniciação à docência como ―[...] um período muito
importante da história profissional do professor, determinando inclusive seu futuro e sua
relação com o trabalho‖.
A quarta fase, de formação permanente, segundo Marcelo Garcia (1999) inclui todas as
atividades planejadas pelas instituições ou até pelos próprios professores de modo a permitir o
desenvolvimento profissional e o aperfeiçoamento do seu ensino.
45
Essas perspectivas que representam os estudos sobre a formação inicial coincidem com
as reais necessidades enfrentadas no contexto escolar contemporâneo, na medida em que são
capazes de propiciar as bases para a constituição da profissionalidade docente, aspectos
discutidos por Gatti, Barreto e André (2011) quando explicam que a formação inicial tem
grande importância, pois possibilita ao professor criar as bases sobre as quais desenvolverá
seu ensino.
Nesse mesmo modo de conceber a formação, Imbernón (2011) ressalta como traduzir
esse conceito em prática. Para ele,
A formação assume um papel que vai além do ensino que pretende uma
mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na
possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que
as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e
com a incerteza. (p.19).
Abarcar essas novas concepções de formação expostas por Imbernón (2011), Nóvoa
(2009a, 2009b), Marcelo Garcia (1999) e colocá-las em prática é um desafio não só às
instituições formadoras e aos formadores, mas também aos gestores das escolas básicas,
secretarias de educação, pesquisadores, considerando que são muitas as interfaces que
intervêm na sua concretização, principalmente aquelas relacionadas ao contexto em que
atuam os professores.
A seguir serão discutidas propostas que trazem novas perspectivas para a formação
inicial, entre as quais as de Nóvoa (2009a, 2009b, 2011, 2013), Zeichner (2010) e Marcelo
Garcia (1999).
47
1.2.3 Novas perspectivas para a formação inicial de professores: uma formação que
aproxima instituições formadoras
Em trabalho anterior Nóvoa (2009a, p.16) afirmou que ―o excesso dos discursos
esconde, frequentemente, uma grande pobreza das práticas. Temos um discurso coerente, em
muitos aspectos consensual, mas raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é
preciso fazer.‖ Isso, segundo o autor, se deve ao fato de que os professores estão alijados das
discussões e decisões sobre seu trabalho, pois estas tendem a ocorrer entre especialistas com
mais prestígio do que os professores e contribuem para a desvalorização da profissão.
E, para avançar além do discurso Nóvoa (2009) faz três propostas à formação dos
professores. A primeira delas refere-se à necessidade de passar a formação de professores
para dentro da profissão, o que significa, segundo o autor, dar um lugar predominante aos
professores na formação de seus colegas, futuros professores. Avalia que a ocupação do
terreno da formação por especialistas, por um lado fortaleceu e enriqueceu o campo com
ideias e concepções novas e inovadoras, mas deixou os professores à margem, o que
concorreu para a desvalorização profissional da docência. (grifos do autor)
Nóvoa (2013, p. 202) diz advogar em favor dessa medida, pois não adianta apenas que
os especialistas escrevam ―textos atrás de textos sobre a práxis e o práticum, sobre a
phronesis e a prudentia como referência do saber docente, ou sobre os professores reflexivos,
se não concretizarmos uma maior presença da profissão na formação‖ (grifos do autor).
É uma medida pensada a partir de uma ideia que está muito presente hoje no campo da
formação: a profissionalidade dos professores que, segundo Lüdke e Boing (2012, p. 443),
―tem a ver com a capacidade de o professor intervir como agente ativo no processo de ensino-
49
aprendizagem, diz respeito ao saber fazer e ao saber interpretar o que acontece nesse
processo‖.
De certa forma, essa é uma condição que coloca o professor como construtor de sua
prática no movimento da ação-reflexão-ação, importante à sua profissionalidade. Mas,
segundo Nóvoa (2011, p. 18), esse movimento não está desligado de outro também
importante, sua pessoalidade, e ele tem designado a necessidade de ―uma teoria da
pessoalidade que se inscreve no interior de uma teoria da profissionalidade‖.
Lüdke e Boing (2012, p. 443) colaboram com essa perspectiva trazida por Nóvoa (2011)
afirmando que ―a profissionalidade exige uma boa dose de iniciativa pessoal, capacidade de
trabalho em equipe, interdependência de funções e desenvolvimento de interações. Todas
essas coisas exigem capacidade de reflexão e de adaptação a diferentes condições.‖
Além das dimensões pessoal e pública da profissão, outra condição da proposta feita por
Nóvoa (2009a) é a da aprendizagem ao longo da vida, sendo ao mesmo tempo direito e
necessidade de uma profissão (grifo do autor). No entanto, adverte os professores para que
recusem o que denomina de ―consumismo de cursos‖, pois, frequentemente, não são
oferecidos em benefício da aprendizagem dos professores, mas da ―lógica do mercado‖, ficam
por isso, distantes das necessidades docentes. Acrescenta o autor que uma ―saída possível é o
investimento na construção de redes de trabalho coletivo que sejam o suporte de práticas de
formação baseadas na partilha e no diálogo profissional‖ (p.19), condição capaz de dar maior
visibilidade à profissão docente.
O que Nóvoa (2009a) propõe são medidas que podem ser promissoras à formação dos
professores ante a precarização que, tanto a própria formação, como o trabalho docente vem
sofrendo. Os princípios que regem essas propostas como, colegialidade, interações,
valorização da dimensão pessoal, resgate do valor público da profissão, mostram-se
indispensáveis à formação de professores e agregam-lhe uma especificidade que poderá
incidir em um desenvolvimento autônomo e crítico dos professores. O autor, em publicação
50
anterior já advertia: ―É preciso dar passos concretos, apoiar iniciativas, construir redes,
partilhar experiências, avaliar o que se fiz e o que ficou por fazer.‖ (NÓVOA, 2007, p. 27)
Uma ideia importante que Zeichner (2010, p. 487) defende é a ―criação de espaços
híbridos nos programas de formação inicial de professores que reúnem professores da
Educação Básica e do Ensino Superior, e conhecimento prático profissional e acadêmico em
novas formas para aprimorar a aprendizagem dos futuros professores‖, perspectiva contrária à
desconexão histórica entre conhecimento acadêmico e conhecimento prático sobre o ensino.
O que o autor sugere vai além de uma simples troca de saberes entre as instâncias
formadoras como comumente ocorre, mas uma mudança epistemológica na formação, que
articule, numa relação horizontal, conhecimentos acadêmicos e conhecimentos da prática,
construídos pelos professores nas experiências de trabalho, constituindo assim um ―terceiro
espaço‖ na formação dos professores. O autor é enfático quanto à criação desse novo espaço:
Terceiros espaços envolvem uma rejeição das binaridades tais como entre o
conhecimento prático profissional e o conhecimento acadêmico, entre a
teoria e a prática, assim como envolve a integração, de novas maneiras, do
que comumente é visto como discursos concorrentes. (ZEICHNER, 2010, p.
486).
Sem ocorrer em exageros de atividades práticas acríticas, para que a prática não se
transforme numa ação meramente ativista no interior dos cursos, Zeichner (2010) sugere, no
―cruzamento de fronteiras‖ entre as instituições formadoras – universidades e escolas,
algumas ações conjuntas de formação. São exemplos que se referem ao contexto
norteamericano, mas num esforço de adaptação, podem ser bem sucedidos em outras
realidades, inclusive no Brasil.
O primeiro deles refere-se à inclusão ―das práticas dos professores das escolas básicas
nos cursos das universidades‖. (ZEICHNER, 2010, p. 489). Isso significa incorporar a prática
dos professores da educação básica aos currículos das universidades, por meio da escrita e da
pesquisa feita por esses professores, para que os estudantes possam examinar o conhecimento
acadêmico e o conhecimento gerado pelos profissionais sobre aspectos específicos do ensino.
Essa é, segundo o autor, uma estratégia que fornece aos estudantes insights para a
compreensão das práticas docentes.
Nono e Mizukami (2002), numa versão bem próxima ao que propõe Zeichner a respeito
das representações das práticas dos professores, apontam os casos de ensino como
instrumentos importantes para serem utilizados na formação docente. Para as autoras, um caso
é apresentado como um documento descritivo de situações reais, com detalhes e informações
suficientes para permitir que análises e interpretações sejam realizadas a partir de diferentes
perspectivas. Trata-se, segundo as autoras ―de uma representação multidimensional do
contexto, participantes e realidade da situação‖. (NONO e MIZUKAMI, 2002, p. 72).
Defendem que é uma estratégia de ensino elaborada, especificamente, para ser utilizada como
ferramenta na formação de professores e pode possibilitar o estudo de variadas temáticas, a
revisão de concepções relativas aos atos de ensinar e de aprender, construídas pelos futuros
professores durante toda sua trajetória de escolarização, daí sua natureza formativa.
Abrir as portas da escola, sair dos muros da universidade e entrecruzar os saberes que
produzem, parece propício num cenário em que, historicamente, essas instituições se isolaram
em si mesmas no processo formativo dos professores. E, conforme lembram Lüdke e Boing
(2012, p. 444) é um risco ―atribuir separadamente o domínio do conhecimento à universidade,
o das habilidades específicas, às escolas e o relativo às atitudes ficar ao encargo do professor‖.
Asseveram os autores que todas são responsáveis pelos conhecimentos, habilidades e atitudes
necessários à formação docente, pois todas passam por todo o ciclo de formação.
Tais aspectos sobre a formação de professores vêm sendo discutidos também por
Marcelo Garcia (2010). O autor destaca que a formação ao tomar o contexto e as experiências
produzidas no interior das escolas, de forma organizada, intencional e contínua se opõe ao
modelo de formação descontextualizado que não consegue provocar mudanças no processo
formativo por não fazer as articulações necessárias entre o que se aprende na academia e o
que se vivencia no exercício da prática docente.
Para alcançar esta formação, Marcelo Garcia (1999) identifica oito princípios
subjacentes à sua concepção de formação.
possam integrar-se num currículo orientado para a ação‖. Considera que a prática de ensino
deve ser o núcleo estrutural do currículo e não uma disciplina.
O autor esclarece que mesmo que esses princípios sejam colocados em prática, não
esgotam a variedade de abordagens possíveis na formação de professores, mas são
importantes para que se defina uma concepção de formação de professores, bem como
métodos e procedimentos mais adequados para o seu desenvolvimento.
Outros autores, abordagens e orientações poderiam ser acrescentadas aqui, porém, dada
a complexidade da formação, a realidade em que acontece e os sujeitos que dela participam,
que trazem suas ideias, crenças e concepções, essa discussão não se esgota nem se fecha.
Como afirma Feiman-Nemser (1990, apud, Marcelo Garcia, 1999, p. 32) ―cada orientação
sublinha diferentes aspectos que devem se considerados, mas nenhuma oferece um modelo
completo para orientar o desenvolvimento de um programa‖.
Mizukami (2004) afirma que os conhecimentos que compõem essa base são de
diferentes naturezas, mas todos indispensáveis à atuação dos professores. Argumenta que essa
base é um pouco mais limitada na formação inicial, mas no exercício da prática profissional
vai se aprofundando e diversificando por meio da reflexão. ―Não é fixa e imutável. Implica
construção contínua, já que muito ainda está para ser descoberto, inventado, criado.‖ (p.5).
Gauthier (1998) colabora com essa discussão acerca dos conhecimentos profissionais
dos professores, mas denomina-os de ―saberes docentes‖. O autor concebe o ensino como um
processo em que os docentes, ao mobilizarem diferentes saberes, formam uma espécie de
reservatório que é utilizado para responder às exigências das situações concretas que ocorrem
na sala de aula. Classifica esses diferentes saberes como: saberes disciplinares, aqueles
advindos das disciplinas científicas; saberes curriculares, que se referem aos programas que os
professores desenvolvem em seus contextos profissionais; saberes das ciências da educação
adquiridos na formação e no exercício profissional e que fornecem aos professores noções
acerca do funcionamento do sistema escolar e dos conhecimentos que incidem diretamente
sobre sua ação pedagógica; saberes da tradição pedagógica que são aqueles que os professores
trazem antes mesmo da formação profissional, ou seja, as representações que já têm de escola,
de professor, de sala de aula; saberes experienciais que se referem à vivência do professor em
sala de aula, mas que são apenas seus, construídos na relação com seus alunos; e os saberes da
ação pedagógica que são os saberes testados e divulgados pelas pesquisas que tomam a sala
de aula como objeto de observação. Gauthier (1998) afirma que são todos fundamentais aos
professores e devem ser ampliados em seus reservatórios de saberes, com vista a desenvolver
a profissionalização da docência.
O autor explica que esses diferentes saberes vão se integrando à prática dos professores
que, por sua vez, mantém diferentes relações com eles, por isso o saber docente é, segundo o
autor, plural e heterogêneo, temporal, personalizado e unificado, características que auxiliam
na composição da profissionalidade dos professores, pois à medida que colocam em prática
esses diferentes saberes, se apropriam ―das práticas, da cultura e dos valores da profissão‖.
(TARDIF, 2002, p. 45). Nesse sentido, a explicação de Lopes (2014, p. 6) é esclarecedora: ―A
constituição de um corpo de saberes próprios ou específicos do ofício de ser professor está na
base dos processos de profissionalização e do exercício da profissionalidade docente. Estes
saberes são considerados como instrumentos vitais da atuação profissional dos professores.‖
Nóvoa (2009a) sintetiza essa discussão enfatizando que os professores devem dominar
os conhecimentos profissionais da docência para exercer sua profissão, e adverte que o
conhecimento profissional, não é a mera aplicação prática de qualquer teoria, mas um
conhecimento que exige esforço próprio de elaboração e re-elaboração, pois ―[...]supõe uma
transformação dos saberes e obriga a uma deliberação sobre os dilemas pessoais, sociais e
culturais. Estes dois princípios, transformação e deliberação, são fundamentais para
compreender o núcleo fundamental do conhecimento docente‖. (p.35).
Essa discussão não se esgota, nem se resume aos aspectos aqui destacados, mas um
corpo de conhecimentos organizados, específicos da docência, seja os relativos aos conteúdos
e a forma de ensinar ou os ideológicos, culturais e políticos, são todos indispensáveis aos
professores como uma das vias da profissionalização e construção da profissionalidade.
59
CAPÍTULO 2
INÍCIO DA DOCÊNCIA
— MARCELO GARCIA
Ser professor não é uma tarefa simples, pelo contrário, é bastante complexa,
principalmente nos dias atuais, pois junto à função de ensinar, os docentes têm que assumir
outras atividades inerentes à docência: planejar, avaliar, organizar a classe, preparar material
didático, escolher estratégias de ensino, conhecer o conteúdo, conhecer os alunos e motivá-
los, participar de reuniões, cuidar da disciplina da classe, atender aos pais, colaborar em
atividades que envolvem toda a escola, seguir regras, cumprir horários extras, gerir problemas
individuais dos alunos, educar, formar, ensinar valores e outras atividades.
Ser professor iniciante é mais complexo ainda, tendo em vista que o professor tem que
realizar todas essas atividades, desde o primeiro dia, assumindo total responsabilidade pela
condução da classe e, muitas vezes sem ter a quem recorrer nas suas dúvidas. Assim, diante
desta circunstância diversa e nada promissora, certamente os iniciantes se interrogam: O que
fazer agora? Qual o melhor caminho para conduzir a classe? A quem recorrer? E se eu não
conseguir um bom resultado na aprendizagem dos meus alunos?
60
Reproduz-se aqui um relato que uma ex-alunas fez ao iniciar o exercício profissional na
educação infantil em uma creche. Sobre sua primeira semana de trabalho ela conta: Eu fiquei
muito feliz de ser chamada para assumir uma turma de educação infantil logo que terminei a
graduação. Senti uma grande alegria por estar conquistando um espaço na profissão que
escolhi e fui lá conversar com a diretora já cheia de planos e ideias. Mas, chocou-me o fato
de após uma rápida conversa sobre a turma e uma vaga orientação, ser conduzida a classe
onde encontrei 18 crianças a minha espera. Eu não esperava isso, achei que teria um tempo
para me preparar, mas não...me senti jogada lá e eu olhava para o rostinho de cada criança
e me perguntava: o que estou fazendo aqui? O que eu vou fazer com essas crianças hoje até o
final do dia?Meu sentimento era de total desespero. E, fui tentando recorrer em pensamento
às aulas práticas que tive na formação, as atividades desenvolvidas no estágio na educação
infantil... as músicas, brincadeiras. É um dia que quero esquecer, mas que por enquanto está
muito vivo na minha memória.
Simon (2013) ressalta que essa é uma situação que incide sobre muitos professores
iniciantes, ou seja:
É comum que o início da carreira seja envolvido por sentimentos de medo e insegurança
e que os professores iniciantes coloquem em questão seus saberes, suas concepções e crenças,
entrecortados por manifestações de frustração e desencorajamento. A ex-aluna conseguiu
vencer esse dilema inicial e já está no segundo ano de sua carreira, agora um pouco mais
confiante.
Em Cavaco (1995) encontra-se uma explicação que sustenta o dilema que recai sobre os
professores iniciantes:
Não é possível olhar para essa condição dos professores iniciantes e deixar que
resolvam sozinhos essas dificuldades ou que se percam no emaranhado de ―nós‖ que a
docência lhes coloca. Por isso, há que se preocupar com os professores iniciantes que chegam
às escolas e, são muitos os fatores que nos levam a isso.
O primeiro, talvez o mais inquietante, é a formação inicial que, ainda é frágil, mesmo
que mudanças recentes nas DCNs tenham considerado a inovação, a flexibilização e
integração curriculares como pressupostos para melhorias na formação dos professores; estas
ocorreram, mas não ao ponto de provocar ―recontextualizações mais profundas no âmbito da
prática pedagógica‖. (SCHNEIDER, 2007, p.170).
Sendo esse o cenário da formação inicial, incide sobre ele outro fator de preocupação: a
entrada na docência de professores iniciantes formados em cursos de licenciatura que
apresentam essas fragilidades, os quais levam para a sala de aula dificuldades que a formação
não conseguiu dirimir, pois esta não se deu de forma articulada com as demandas que o
processo de escolarização e as condições do trabalho docente impõem. E não são poucos os
professores que se encontram nessa situação. Considerando os dados do Censo Escolar de
20121 sobre o número de docentes atuantes na educação básica, tem-se 2.095.013 professores
e, utilizando o percentual de cerca de 13% de iniciantes – UNESCO 2004 – a exemplo de
Giovanni e Marin (2014, p. 60), há uma estimativa de 272.351 professores iniciantes na
educação básica no Brasil, realidade que segundo as autoras ―constitui um forte argumento
para que os estudos sobre professores iniciantes venham se desenvolver em várias frentes‖.
1
Esses dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, Censo da educação básica:
2012 – resumo técnico. São dados sobre o número de professores atuantes na educação básica.
62
que demanda aprendizagens que extrapolam o espaço da sala de aula, como bem lembram
Costa e Oliveira (2007).
Em condições adversas como essas, os professores iniciantes sofrem ainda com a falta
de apoio nas escolas, problema que é o mais complexo de toda essa situação. E, a respeito
63
dessa questão Marcelo Garcia (2010) insiste na importância de oferecer apoio aos professores
em seus primeiros anos de ensino, pois a falta de apoio pode gerar insegurança, conformismo,
aceitação acrítica das condições de trabalho, características comuns que as pesquisas têm
apontado a respeito dos professores iniciantes e, conforme Cavaco (1995, p. 165), essas
características têm justificado um ―percurso que leva ao cepticismo perante as oportunidades
que por vezes surgem, ao fechamento de desejos [...]‖. E, explica a autora, isso se deve ao
fato de que os professores iniciantes não têm o domínio das estruturas profissionais, nos seus
diferentes níveis, o que os instiga a tomar o mundo profissional tal como é, ou parece ser,
mais do que a rebelarem-se contra ele ou a contrapor-lhe outras possibilidades.
Agrava-se essa situação quando os iniciantes chegam às escolas e lhes são designados
os horários de trabalho e as turmas mais difíceis, que já foram negadas pelos professores mais
antigos, como informaram Giovanni e Guarnieri (2014). E, se não bastasse, a isso se agrega a
falta de acompanhamento pedagógico que comumente os acomete, pois coordenadores,
supervisores escolares e gestores não colocam os professores iniciantes na lista de prioridades
nas escolas e, conforme anunciaram André et al (2014), sem apoio, os professores
―experimentam a condição de ―órfãos‖ no espaço escolar no qual estão inseridos‖ (p. 5401).
Imbernón (2011) é enfático ao afirmar que a formação inicial não prepara os professores
de forma suficiente para enfrentar esses desafios iniciais da carreira. Nóvoa (2008, p. 8)
complementa ao dizer que, ―a formação dos professores continua hoje muito prisioneira de
modelos tradicionais, de modelos teóricos muito formais, que dão pouca importância a essa
prática e à sua reflexão. Este é um enorme desafio para a profissão, se quisermos aprender a
fazer de outro modo.‖
64
Essa situação também é discutida por Tardif (2002, p. 11) que afirma ser esse ―[...] um
período realmente importante na história profissional do professor, determinando inclusive
seu futuro e sua relação com o trabalho‖.
Outros autores como Nono (2011), Cavaco (1995), Esteve Zaragosa (1999), Tardif e
Raymond (2000), Lima et al (2007) entre outros, concordam que os primeiros anos da
docência são intensos aos iniciantes, pois estes têm muito que aprender e a maneira como
essas aprendizagens ocorrem, determinam, muitas vezes, sua permanência na profissão e seu
perfil profissional. Se permanecerem, desordens de ordem pessoal e profissional podem
ocorrer e, entre tensões e desafios a vencer, com seu repertório de saberes em conflito
(experiência da escolarização, saberes da formação, saberes da prática em processo de
construção), com a necessidade de desenvolver-se profissionalmente, os professores têm que
superar esses obstáculos, muitas vezes sozinhos. Entretanto, defendem os autores, se
encontrarem apoio, se forem acompanhados pedagogicamente, conseguem maior equilíbrio
emocional, pessoal e profissional.
Marcelo Garcia (2010, p. 5) nessa mesma direção, ressalta que os professores iniciantes
―geralmente, enfrentam sozinhos a tarefa de ensinar. Somente os alunos são testemunhas da
atuação profissional dos docentes‖. E para enfrentar essa condição de isolamento, Simon
(2013, p. 39) sugere que: ―Os docentes precisam fazer parte de uma rede ou comunidade de
aprendizagem, em que possam aprender a ensinar, a manejar uma classe, a resolver conflitos
e, principalmente, a refletir sobre sua prática, para melhorar seu desempenho‖.
Outras dificuldades dos iniciantes apontadas por Giovanni e Guarnieri (2014) são: i) a
forma como as instituições determinam sua lógica interna não permite ao iniciante ser
reconhecido por sua competência profissional, pois, como já apontado, lhe são designadas
sempre as turmas mais difíceis, quadro que só se altera com o tempo, à medida que o
professor vai adquirindo experiência e sendo reconhecido; ii) as dificuldades que os iniciantes
enfrentam para conhecer as normas institucionais, comportamentos, maneiras de pensar, é
sempre um processo assistemático e informal para eles, pois a escola não se dispõe a isso; iii)
o ―sentimento de pertença‖ leva tempo e ―é necessário decifrar muitos detalhes, alguns
visíveis e outros ocultos ou muito sutis. Pertencer ao grupo significa assumir formas de pensar
desse grupo.‖ (p. 34); iv) há uma hierarquização nos segmentos de ensino, sendo a educação
infantil o nível que tem um status de menor prestígio, e esse só se eleva quando o professor
muda o nível em que ensina; v) é comum que o iniciante não questione o autoritarismo que
está presente na escola, nem os saberes práticos já instituídos, pelo contrário, que os aceitem e
os incorporem; vi) há dificuldade do iniciante em lidar com a diversidade econômica, cultural
e social dos alunos, pois difere do aluno idealizado; vii) as aprendizagens da formação inicial
são pouco reconhecidas pelo professor iniciante.
Esses dados extraídos de pesquisas, segundo as autoras, devem ser considerados pela
formação inicial.
66
Frente a isso, pode-se repetir o questionamento de Marcelo Garcia (2010, p. 20) ―O que
poderíamos pensar de uma profissão que deixa para os novos membros as situações mais
conflitantes e difíceis?‖
Nesse sentido, é justa a consideração que o autor faz sobre a entrada na carreira, que
tradicionalmente tem seguido o modelo ―aterrize como puder‖, fato que está incorporado ao
processo de socialização profissional dos professores, diferentemente de outras profissões que
―tentam proteger seu próprio prestígio e a confiança da sociedade e de seus clientes
assegurando-se de que os novos membros da profissão tenham as competências apropriadas
para exercer o ofício‖. (MARCELO GARCIA, 2010, p.20).
Tancredi (2009, p. 25) contribui com essa ideia ao afirmar que ―para o professor
desenvolver sua competência ele precisa testar suas ideias, avaliar seus efeitos, fazer ajustes,
67
testar novamente [...]‖. E, é nessa perspectiva que os professores iniciantes que decidem se
manter na docência vão fortalecendo os laços com a profissão. Essa questão é muito bem
explorada por Simon (2013) que afirma que os professores fazem isso quando se sentem
satisfeitos e realizados com as condições em que a opção profissional vai se concretizando,
quando encontram algum tipo de apoio nas escolas que lhes ajude a superar as dificuldades, e
também quando sentem alegria pelo contato com os alunos sendo esta a principal ―fonte
geradora de força‖ como anunciou a autora. (p. 171).
Sobre o choque de realidade e a motivação para ensinar, Costa e Oliveira (2007, p. 43)
relataram que ―A vivência do ―choque de realidade‖ e também do prazer de sentir-se
professor aponta para a construção de uma atitude profissional que precisa ser fomentada
durante a formação, considerando a imprevisibilidade e a complexidade do trabalho docente‖.
Por isso, o início da docência deve ser entendido como uma fase especial na carreira dos
professores que se configura pela transição entre a formação inicial e o exercício da profissão.
É clássica a afirmativa de Marcelo Garcia (2010):
68
O autor ainda ressalta que essa fase tem um ―caráter distintivo e determinante para
conseguir um desenvolvimento profissional coerente e evolutivo.‖ (MARCELO GARCIA,
2010, p. 18).
A fase que interessa nesta pesquisa é a fase de entrada na carreira também caracterizada
como ―um palco de sobrevivência e descoberta‖. (HUBERMAN, 1992, p. 39). A ideia
desobrevivência refere-se aoimpacto sofrido na prática inicial permeada por situações novas e
desconhecidas, pela tensão entre os ideais que tem os professores e a realidade cotidiana, pela
dificuldade em combinar ensino e gestão da sala de aula com a falta de materiais didáticos. A
descoberta tem a ver com o entusiasmo e a alegria do iniciante em ser responsável pela sua
classe e conquistar seu espaço como profissional. Resume o autor que essa fase inicial contém
tanto a luta diária pela sobrevivência como uma necessidade de descoberta que cada professor
experimenta à sua maneira.
relação temporal. Todavia, assinala que essa perspectiva tem se distanciado e uma nova
perspectiva surge, a qual reconhece ―a importância de aproximar ―tempos e espaços de
trabalho‖ e ―tempos e espaços de formação‖, aceitando-se que educação, formação e trabalho
podem ser processos concomitantes no tempo e coexistentes no espaço‖. (ALVES, 1998. p.
132). Dessa forma, pode-se dizer que tanto nos contextos formais de ensino e formação,
quanto nos contextos de trabalho, os licenciados constroem suas aprendizagens sobre a
docência. A autora sublinha que a formação, nessa perspectiva, evidencia um percurso
formativo que se prolonga por toda a vida profissional do indivíduo. Em sua pesquisa,
demonstrou que 50,5% dos professores participantes buscaram algum tipo de formação
continuada desde o início da carreira, pois sentiram necessidade de construir um percurso de
formação paralelo ao percurso profissional que pudesse cobrir as lacunas referentes a
conhecimentos e competências não incluídos na formação inicial, mas considerados úteis no
desempenho da atividade profissional.
Alves (1998) esclarece que a inserção profissional é uma fase bastante específica,
permeada por mudanças que afetam o indivíduo, tanto no campo profissional como na vida
pessoal, pois caracteriza a entrada na vida adulta, já que o sujeito está se inserindo no mundo
do trabalho. Afirma que a inserção profissional não se trata apenas de fazer com que o sujeito,
transite do contexto escolar para o profissional, mas se aprofunda na medida em que
transforma identidades e altera as categorias de identificação social – estudante/profissional,
jovem/adulto, aspecto que segundo a autora chega a causar o ―choque de realidade‖.
Cavaco (1995) também confirma que há uma transição para a vida adulta quando se dá
o ingresso na vida profissional a qual é para a maioria dos indivíduos, uma fase contraditória.
Explica que:
A autora declara que essa é uma condição da vida adulta e, nesse jogo, entre planos,
desejos e as estruturas profissionais, os jovens professores iniciantes vão procurando seu
próprio equilíbrio, reajustando suas ações, ―sustentando o sonho que dá sentido aos seus
esforços‖. (p.163). Porém, as escolas e a forma como distribuem os trabalhos aos iniciantes,
70
Akkari e Tardif (2011) ao discutirem a inserção profissional no ensino o fazem sob duas
perspectivas: a inserção como processo de procura de emprego – aspecto enfatizado por Alves
(1998) – e a inserção como fase da carreira.
Alves (1998), Cavaco (1995), Akkari e Tardif (2011) concordam que o processo de
inserção não escapa a duas lógicas: a lógica subjetiva e a lógica objetiva. A lógica subjetiva
está pautada nas representações e estratégias de ação dos indivíduos em processo de inserção.
Akkari e Tardif (2011) relatam que ao ter um diploma nas mãos, o sujeito vai à busca de uma
colocação profissional e para isso mobiliza sua rede de relações – amigos, colegas,
professores, familiares – cria formas particulares de aproximação com o campo profissional,
gere dificuldades para encontrar um emprego e, quando encontra, há um sobressalto que o faz
assumir sua função, aproximar-se da realidade, defender seu território e agir sobre ele. Já a
lógica objetiva está relacionada ao sistema, neste caso, ao sistema educativo – secretarias de
educação e escolas – entendidas como organizações que administram leis, regulamentos,
normas e padrões que lhe são próprios. (CAVACO, 1995).
Nesse sentido, asseveram Akkari e Tardif (2011. p. 130), essas duas lógicas se cruzam e
o que é subjetivo vai entrando em contato com o objetivo – sujeito e sistema / professor e
escola – e começa a se ajustar a capacidade dos professores de elaborar e colocar em prática
suas estratégias de inserção com as determinações objetivas da escola. Nesse ajuste entre
essas duas lógicas, os professores iniciantes ora acatam acriticamente as normas de
funcionamento da escola, ora as questionam, ora se acomodam frente a problemas e
dificuldades que os fazem sofrer, ora se rebelam e vão à luta e, assim vão compondo ―com
urgência uma imagem pública de domínio da situação profissional‖. (CAVACO, 1995, p.
164).
71
As discussões sobre inserção profissional dos professores como fase da carreira, desde o
final dos anos 1970, transitaram entre questões referentes à identidade dos professores, ciclos
de vida, profissionalização e, atualmente, segundo Akkari e Tardif (2011, p. 133), abordam os
seguintes aspectos: ―a avaliação que os novos docentes fazem de sua formação e de suas
experiências iniciais no magistério; a avaliação da eficiência dos programas estruturados de
inserção profissional e a instauração de comunidades de prática de ensino‖.
Percebe-se que são vários os domínios a serem alcançados para que a inserção
profissional dos professores seja menos vulnerável do que é atualmente, e para que os
iniciantes possam se manter no controle de sua atuação e do seu desenvolvimento
profissional.
Até aqui, alguns aspectos já foram delineados teoricamente, como: a formação inicial e
seus desdobramentos e os principais desafios que os professores iniciantes enfrentam ao
iniciarem na carreira. No entanto, surge um questionamento: como enfrentar esses desafios?
Não há, nem haverá, uma resposta definitiva para essa pergunta, porque cada professor é
único, cada escola é única, por isso, a inserção profissional também é única, individual. Mas,
há trajetórias possíveis que, em cada contexto, podem ser inseridas e adaptadas.
Se os professores iniciantes padecem com a falta de apoio, este, por outro lado, pode ser
a mola mestra da inserção profissional. Nóvoa (2009a) ressalta a importância de se dar
atenção aos professores iniciantes em seus primeiros anos de exercício profissional e essa
atenção ou apoio, segundo o autor, pode vir em forma de colaboração entre pares, do trabalho
em equipe, da supervisão e avaliação dos professores. Nóvoa (2009a, p. 26) acentua que ―O
72
Isso requer um acolhimento amigável e solidário aos iniciantes nas escolas, pois
necessitam ser compreendidos como sujeitos que têm o que ensinar, mas que no momento da
inserção profissional, têm muito a aprender. Aprender sobre o ensino, aprender sobre os
alunos, aprender sobre o contexto e outras inúmeras aprendizagens para, aos poucos, ir
construindo um jeito próprio de ser professor.
Por isso, a inserção profissional não é um processo que se vive sozinho. Aprender é um
processo social que se dá por meio de interações que se convertem em motor para o
desenvolvimento pessoal do indivíduo. (VYGOTSKY, 1988). Aprendizagem e
desenvolvimento são processos que se produzem mais facilmente em situações coletivas, pois
em interação com os pares a aprendizagem é facilitada. (FONTANA, 2000). Por isso, os
docentes iniciantes carecem de apoio, de realizar trocas, de compartilhar experiências, de
acompanhamento pedagógico, aspectos fundamentais para aprender a profissão.
Marcelo Garcia (2010), Vaillant e Marcelo Garcia (2012) têm investigado essa questão
e afirmam que os programas de inserção profissional já experimentados em alguns países,
podem melhorar a retenção e a qualidade do trabalho docente e, segundo os autores, essa
realidade começa a mudar influenciada pelos relatórios internacionais – OCDE e outros – que
têm apontado a necessidade de cuidar da fase inicial da carreira dos professores.
André et al. (2014) concordam com os argumentos de Vaillant e Marcelo Garcia (2012),
mas esclarecem que ―essas iniciativas não podem depender de vontade pessoal nem se limitar
ao âmbito individual‖. (p. 5411).
Mizukami et al. (2002, p. 481) também corroboram com esta ideia e afirmam que ―há
fortes indícios da necessidade de voltarmos a atenção para um período crítico no
desenvolvimento profissional de professores – o início da carreira docente.
Pela complexidade dessa fase, alguns países têm cuidado um pouco mais da inserção de
seus professores. Vaillant e Marcelo Garcia (2012) relatam a forma como países da Europa,
Ásia, Estados Unidos têm assumido a inserção profissional de seus docentes.
Alguns dos problemas apontados por Vaillant (2006) que agravam ainda mais este
cenário educacional é a falta de continuidade das políticas docentes e a escassa articulação
entre carreira, desenvolvimento profissional e avaliação. Submerso a esses problemas no
campo da formação de professores, encontra-se a inserção profissional. A autora ressalta que
uma atenção especial a esta etapa pode ser um caminho possível para avanços significativos
na educação.
É notório que temos um sério problema no campo educacional que afeta diretamente
alunos e professores nas escolas – o pouco investimento à fase inicial da carreira docente.É
fato também que muitos professores iniciantes sofrem o impacto das contradições que se
manifestam entre a realidade escolar, a prática e tudo que foi aprendido na formação, além
dos sentimentos de insegurança, medo e incertezas que lhes invadem. Mas, os programas de
inserção profissional apresentados por Vaillant e Marcelo Garcia (2012) e Schwartzman e
75
Cox (2009), mesmo que em realidades diferentes da nossa, nos fazem vislumbrar caminhos
que podem ser trilhados para que a fase inicial da docência seja vivida pelos iniciantes sem
grandes traumas. E, como sintetiza Leone (2011, p.119) é ―possível ouvir vozes a postular a
necessidade de se avançar nesse sentido‖.
No Brasil, em pesquisa realizada com enfoque nas políticas docentes, Gatti, Barreto e
André (2011) consideraram a situação dos professores que se encontram no início da carreira
e informaram que em alguns estados e municípios que fizeram parte do estudo há iniciativas
de apoio aos iniciantes, como, por exemplo, o curso de formação oferecido como uma das
etapas de concurso público nas SEDUC/ES e SEDUC/CE; ou a experiência da SEMED –
Jundiaí/SP que oferece curso de formação aos professores antes de assumirem suas salas; ou
ainda as experiências das SEMED de Sobral/CE e SEMED de Campo Grande/MS cuja
inserção é acompanhada por meio da formação em serviço.
Outro programa que tem oferecido contribuições à inserção profissional dos professores
no Brasil, é o Programa Residência Docente (PRD), oferecido pela Capes em parceria com o
Colégio Pedro II – RJ e com o Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais.
Conforme dados do Relatório de Gestão da Capes 2009 – 2014 (BRASIL, 2014) o PRD
teve início em 2012, em caráter experimental, no Colégio Pedro II - RJ, com o apoio da
secretaria estadual e secretarias municipais do Rio de Janeiro. A experiência exitosa
possibilitou que nos anos subsequentes, no formato de projeto-piloto, a Capes apoiasse a
segunda e terceira edições do programa. Em 2014, o programa estendeu-se ao Centro
Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e contou com 166 professores
residentes no Colégio Pedro II e 56 no Centro Pedagógico da UFMG.
No PRD, o debate e o trabalho coletivo são norteadores de todo o processo e, com isso,
é esperado que as concepções e práticas docentes possam ser analisadas e possibilitem a
construção de atitudes e habilidades que ajudem os docentes a ressignificar as práticas, a
construir conhecimentos e estabelecer ações intervencionistas no processo de ensino e
aprendizagem.
Para acompanhamento das atividades, nos dois colégios, os residentes contam com:
supervisores – professores efetivos do Colégio que os acompanham e orientam nas atividades
79
A potencialidade desse programa para a formação dos professores é evidente uma vez
que, segundo Marcelo Garcia (2010, p. 21), ―os programas de inserção profissional para os
professores iniciantes estão representando uma verdadeira alternativa [...] para uma etapa que
se diferencia tanto da formação inicial quanto da formação em serviço‖.
80
CAPÍTULO 3
PESQUISAS CORRELATAS
— ANTÔNIO CHIZZOTTI
Considerando que o início da carreira é uma fase importante da profissão docente e que
as pesquisas realizadas neste campo podem ser mobilizadoras de uma ação efetiva, são
destacadas as contribuições de Mariano (2006), Papi e Martins (2010), Corrêa e Portella
(2012), Costa, Voltarelli e Cunha (2012), que fizeram metanálises sobre o início da carreira
dos professores da educação básica, trazendo à tona aspectos da realidade brasileira que
caracterizam a entrada na profissão.
ressaltam que ainda são muito poucas as pesquisas como foco no início da carreira. Corrêa e
Portella (2012), a exemplo de Papi e Martins (2010), nas mesmas fontes, porém em período
posterior – 2008 a 2011, encontraram uma produção significativa sobre o início da carreira e
professores iniciantes, mas constatam que muitas temáticas abordadas nesse período são as
mesmas encontradas por Mariano (2006) e Papi e Martins (2010). Ressaltam que ainda há
poucas iniciativas e pouco investimento em programas de apoio aos iniciantes e que a maioria
dos trabalhos analisados, aponta a necessidade de assistir os docentes de forma que consigam
atender as demandas específicas desta etapa inicial da carreira. Costa, Voltarelli e Cunha
(2012), analisaram no período de 2000 a 2010 as teses e dissertações defendidas no Programa
de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Carlos – UFSCAR, que tratam dos
professores iniciantes e concluíram que as pesquisas não só enfatizam a aprendizagem da
docência e o desenvolvimento profissional dos professores iniciantes, mas também apontam a
necessidade de um trabalho docente em uma perspectiva colaborativa, uma vez que o
isolamento do professor iniciante pode prejudicar seu desempenho profissional por ter que
enfrentar as dificuldades iniciais de entrada na carreira.
Nas três reuniões anuais foram apresentados nos três GTs, 227 trabalhos entre
comunicação oral e pôster, conforme demonstrado a seguir:
Quadro 1 – Trabalhos apresentados nas 35ª, 36ª e 37ª Reuniões Anuais da ANPED
GT 4 – Didática GT 8 – F. de Prof. GT 14 – Soc. Da Ed.
Ano Nº de Trabalhos Nº de Trabalhos Nº de Trabalhos Total
Com. Oral Pôster Com. Oral Pôster Com. Oral Pôster geral
2012 – 35ª 21 04 22 12 17 03 79
Reunião
2013 – 36ª 09 01 18 09 17 06 60
Reunião
2015 – 37ª 15 06 36 08 21 02 88
Reunião
Total 45 11 76 29 55 11 227
Fonte: Organizado pela autora a partir dos dados disponíveis no site da ANPEd.
2
A partir desta data (2013) esse evento nacional passa a ser bienal.
3
http://35reuniao.ANPEd.org.br, http://36reuniao.ANPEd.org.br e http://37reuniao.anped.org.br/trabalhos/
83
O levantamento das pesquisas que enfocam o início da carreira docente foi feito a partir
dos títulos dos trabalhos, resumos e palavras-chave, buscando pelas seguintes expressões:
professor iniciante/ingressante, início da carreira, socialização profissional e inserção à
docência.
Dentre as 79 pesquisas apresentadas na 35ª reunião, nos três GTs, foi encontrado apenas
01, na modalidade pôster, no GT 4 – Didática, que trata dos professores iniciantes. Na 36ª
reunião, havia 03 pesquisas dentre as 60 apresentadas. Dessas, 02 foram apresentadas no GT 8
– Formação de Professores e 01 no GT 14 – Sociologia da Educação. Na 37ª reunião, dos 88
trabalhos apresentados nos mesmos GTs – 4, 8 e 14, foram encontrados, no GT4 – Didática,
01 pesquisa e no GT8 – Formação de professores, 06 pesquisas.
ENDIPE 2012
ENDIPE – 2014
No indicador 1, que focaliza três pesquisas, uma delas discute as práticas dos iniciantes
no início da carreira e as dificuldades que apresentam no desenvolvimento dessas práticas;
outras duas pesquisas discutem as dificuldades iniciais enfrentadas pelos professores
iniciantes. O que se observa nas três pesquisas é que as dificuldades dos iniciantes são
comuns: insegurança, medo, dificuldades nas relações com alunos, pais e colegas,
dificuldades na organização dos conteúdos, dificuldades em lidar com as tarefas do dia a dia
dos professores e outras. Em uma dessas pesquisas, os resultados foram utilizados para
orientar a formação continuada na escola.
Em cada tema, nos informes de investigação que fornecem dados empíricos das
pesquisas realizadas no Brasil, buscou-se nos títulos, palavras-chave e resumos com os
seguintes termos: professores iniciantes, início da carreira, inserção à docência/inserção
profissional e socialização profissional. Assim, essa busca permitiu selecionar 76 trabalhos,
ou seja, 38,6% das pesquisas apresentadas, dentre os 7 temas discutidas no congresso,
segundo dados do quadro abaixo:
São pesquisas com professores iniciantes que atuam na Educação Infantil,no Ensino
Fundamental, tanto nas séries iniciais como nas séries finais e Ensino Médio; as áreas de
atuação são Biologia, Educação Física, Física, Geografia, Matemática, Pedagogia e Química.
O que se evidencia na maioria das pesquisas são as dificuldades enfrentadas pelos professores
iniciantes e essas são de natureza institucional, pedagógica e pessoal. Evidenciam-se também
as descobertas pessoais.
Aspectos que colaboram para que o professor iniciante tenha um início de carreira mais
tranquilo também são destacados: ambiente institucional acolhedor, estratégias de integração
para a aprendizagem da profissão, participação efetiva nas decisões escolares, confiança dos
pares, espaços coletivos de trabalho; compartilhamento de experiências, acompanhamento da
equipe gestora e cursos de formação continuada.
Uma abordagem recorrente nas pesquisas que tratam da inserção profissional é o tipo de
vínculo a que são submetidos os professores iniciantes. As pesquisas revelam que uma
grande dificuldade dos iniciantes é não terem um local de trabalho definido, assumindo aulas
em várias escolas, com vínculo trabalhista apenas temporário, sem tempo adequado para
preparação de aulas e atuando em contextos problemáticos. Todos estes fatores, segundo as
pesquisas, contribuem ainda mais para a precarização da carreira docente, pois nem sempre os
professores, nessas condições, têm acompanhamento e avaliação adequados de seu trabalho,
aspecto que pode interferir negativamente no desenvolvimento profissional dos professores.
90
3.2.4 Reflexões sobre os achados das pesquisas apresentadas nos eventos brasileiros
Uma questão anunciada pela maioria das pesquisas foi a ausência de políticas e
programas de inserção para os docentes iniciantes, o que reitera a forma indevida como o
poder público e as próprias instituições de ensino têm tratado o início da carreira, embora as
pesquisas já tenham evidenciado este resultado: a falta de atenção do poder público à inserção
profissional dos professores, corroborando os achados da pesquisa de Gatti, Barreto e André
(2011).
olhar para os professores iniciantes e cuidar melhor da fase inicial da carreira. Não é
responsabilidade somente das instituições formadoras, das escolas, gestores, secretarias de
ensino, pesquisadores, mas do esforço conjunto por investimentos efetivos na fase inicial da
carreira dos professores.
93
CAPÍTULO 4
— Paulo Freire
Assim, o objetivo desse capítulo é mostrar como o Pibid foi se constituindo e dando
forma à proposta de iniciação à docência para os estudantes das licenciaturas que, ao
ingressarem no programa têm a oportunidade de vivenciar o contexto escolar em todas as suas
dimensões e formular ideias e concepções a respeito da escola e do ensino, partindo da
experiência real nesse contexto.
Básica – DEB4 e sancionou a Lei 11.502 de 11 de julho de 2007, conferindo à Capes, além da
responsabilidade pela pós-graduação stricto sensu, a função de assumir ações de indução e
fomento na formação inicial e continuada dos professores da educação básica, conforme Art.
2º da referida lei:
4
Em 2012, o Decreto nº 7.692, de 2 de março, alterou o nome da diretoria para Diretoria de Formação de
Professores da Educação Básica, mantendo-se a sigla DEB, já consolidada na Capes e nas instituições parceiras.
A mudança não alterou o trabalho desta Diretoria, mas revelou de modo mais claro o foco de sua missão:
promover ações voltadas para a valorização do magistério por meio da formação de professores. (BRASIL,
2013).
95
4.2 A política de formação de professores: análise textual dos documentos oficiais que
instituem o Pibid
O Pibid, desde sua implantação, é um programa que está no seu sétimo ano e ainda é um
programa em construção, pois ao longo de sua execução as Portarias que o instituem foram
sendo paulatinamente adequadas às condições da agência de fomento – Capes e das
instituições participantes, estabelecendo normas que reforçam a ideia de incentivo e
valorização do magistério e de aprimoramento do processo de formação de professores para a
educação básica. A cada edital, novas concessões à participação das instituições tanto
públicas como privadas foram ocorrendo, assim como a ampliação das bolsas de iniciação à
docência aos licenciandos e bolsas aos demais integrantes do programa.
O número de bolsistas desta primeira edição pode ser visualizado no quadro a seguir:
97
Com resultados positivos dessa primeira edição, houve uma ampliação das políticas de
valorização do magistério pelo MEC em 2009 e, pela Portaria Normativa nº 122, de 16 de
setembro de 2009, que dispõe sobre o Pibid e Edital Capes nº 02 de 25 de setembro de
2009, o programa foi ampliado e puderam ser incluídas, além das instituições de ensino
superior federais, as estaduais que participavam de programas estratégicos do MEC
como o ENADE, o REUNI e os de valorização do magistério, como o Plano Nacional de
Formação de Professores, o ProLind, o ProCampo e programas de formação de professores
para comunidades quilombolas e educação de jovens e adultos. (BRASIL, 2012).
Entre as normas para execução dos projetos, o Edital 2009 reitera a importância da
inserção dos alunos nas escolas públicas de modo que a aproximação com o campo de
trabalho possa oferecer condições de melhoria em sua formação profissional e no desempenho
dos alunos da escola pública.
Quadro 4: Comparativo das edições 2007 e 2009 do Pibid, com total de bolsas aprovadas
Dessa forma, a partir das normas fixadas pela Portaria nº 72/2010, o Edital nº 18/2010
de 13 de abril de 2010,faz chamada às instituições públicas municipais de educação
superior, universidades e centros universitários filantrópicos, confessionais e
comunitários, sem fins lucrativos, que possuam cursos de licenciatura plena, legalmente
constituídos,com sede e administração no País e com o compromisso de manter as condições
de qualificação, habilitação e idoneidade necessárias ao cumprimento e execução do projeto,
no caso de sua aprovação. (BRASIL, 2010b).
Dessa forma, com dois editais abertos em 2010, que incluíram instituições superiores de
diferentes naturezas administrativas, o número de bolsistas teve um crescimento acentuado
como demonstrado no quadro abaixo:
Quadro 5: Comparativo das edições 2007, 2009 e 2010 do Pibid, com total de bolsas aprovadas
Ainda em 2010, pelos resultados alcançados, o Pibid foi institucionalizado pelo Decreto
nº 7.219 de 24 de junho de 2010, demarcando a continuidade de uma política pública
educacional voltada para a valorização do magistério da educação básica no Brasil.
Em 4 de abril de 2013 é sancionada a Lei nº 12. 796 que ―Altera a Lei Nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para dispor
sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências‖.(BRASIL, 2013,
p.1). No parágrafo 5º do Art. 62 da referida Lei é que se evidencia a institucionalização do
Pibid como uma política pública:
Com este Edital, observa-se maior crescimento do programa, conforme mostra o quadro
abaixo:
Quadro 6: Comparativo das edições 2007, 2009, 2010 e 2011 do Pibid, com total de bolsas
aprovadas
Edital Edital Edital Edital Edital
Total
Bolsistas 2007 2009 2010 2010 2011
acumulado
IFES IPES Comunitárias Diversidade IPES
Bolsista de Iniciação
2.326 8.882 2.441 1.422 9.104 24.175
docência
Coord. Institucional 43 51 30 20 102 246
Coord.de Área de
0 0 0 0 102 102
Gestão
Coord. de Área 216 506 135 63 752 1.672
Supervisor 503 1.167 414 277 1.450 3.811
Total 3.088 10.606 3.020 1.782 11.510 30.006
Fonte: Organizado pela autora a partir do Relatório Capes 2009-2011.
5
Docente que apoia o coordenador institucional no desenvolvimento do projeto.
101
Com a abertura deste Edital em 2012, segundo o relatório Capes 2009-20116, o objetivo
era alcançar um total de 45.000 bolsistas, no entanto, foram aprovados projetos
correspondentes a 49.231 bolsas solicitadas. A Secretaria Executiva do MEC atendeu a
demanda da Capes, autorizando-a a conceder todas as bolsas aprovadas. ―Dessa forma, o
Pibid ampliou sua meta para 2012, mostrando que é um programa consolidado nas IES‖.
(BRASIL, 2012, p. 20). Os quadros 7 e 8 demonstram, respectivamente, os números
apresentados pelo Pibid em 2012 e o quantitativo de bolsas aprovadas em todos os editais até
2012.
6
Relatório Capes 2009-2011 que apresenta os resultados do Pibid, os números que atestam seu crescimento, e os
impactos na formação inicial, na integração universidade e escola básica e na valorização do magistério para
educação básica.
7
Número de bolsas sem o acumulado do Edital 2007, pois as concessões deste edital se encerram em 2011.
(BRASIL, 2013).
102
Outra alteração importante foi a ênfase que a referida Portaria deu aos aspectos
pedagógicos do programa, caracterizando melhor a proposta de iniciação à docência, em
comparação às portarias anteriores, aspecto que será discutido no próximo item.
Este edital abre possibilidades para propostas de subprojetos nas áreas de conhecimento
das licenciaturas ofertadas e ainda projetos interdisciplinares, que agreguem no mínimo duas
áreas diferentes, sendo um subprojeto interdisciplinar por campus, o qual pode contemplar
103
diferentes linhas de ação, níveis e modalidades de ensino,8 o que não impede que as áreas
interdisciplinares tenham subprojetos específicos. (BRASIL, 2013).
Também em 2013, foi lançado novo edital para o Pibid Diversidade, Edital nº 66, de 06
de setembro de 2013, que faz chamada pública às Instituições de Ensino Superior,
públicas e privadas, sem fins lucrativos.
Apesar de as chamadas às instituições em 2013, terem sido feitas por editais distintos,
os programas têm o mesmo foco, ou seja, a melhoria da formação de professores pela
iniciação à docência nas escolas de educação básica.
Quadro 9: Bolsas Concedidas pelo Pibid e pelo Pibid Diversidade para o Ano de 2014
Tipo de Bolsa Edital nº Edital nº Total
61/2013 66/2013
Iniciação à docência 70.190 2.653 72.845
Supervisão 11.354 363 11.717
Coordenação de Área 4.790 134 4.924
Coordenação de Área de Gestão 440 15 455
Coordenação Institucional 284 29 319
Total 87.060 3.194 90.254
Fonte: Organizado pela autora a partir dos relatórios e dados do Pibid acessados no site da Capes.9
8
Estes esclarecimentos a respeito da execução dos projetos institucionais foram publicados pelas Capes no
endereçohttp://www.Capes.gov.br/educacao-basica/CapesPibid/editais-e-selecoes em ―Nota de esclarecimento
sobre a submissão de subprojetos do Edital nº 61/2013 do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência.
9
http://www.Capes.gov.br/educacao-basica/CapesPibid/relatorios-e-dados
104
Quadro 10: Número de IES e projetos participantes do Pibid em 2014, por região
Edital Edital
Região IES Total de Projetos
61/2013 66/2013
Centro-Oeste 21 21 5 26
Nordeste 56 56 10 66
Norte 27 27 5 32
Sudeste 114 114 3 117
Sul 66 66 6 72
Total 284 284 29 313
Fonte: Organizado pela autora a partir dos relatórios e dados do Pibid acessados no site.
É sabido que essa não é a única via para o fortalecimento da formação de professores,
pois outros problemas emergem nesse cenário como, por exemplo, baixos salários, problemas
infraestruturais e tecnológicos nas escolas, financiamento insuficiente, planos de carreira
defasados, falta de articulação entre a formação inicial e continuada, entre outros, que ainda
precisam ser superados. Gatti, Barreto e André (2011, p. 15) ratificam essa ideia quando
afirmam que ―são múltiplos os fatores que não podem ser esquecidos, nem desconsiderados
no delineamento de políticas para os professores‖ e, não podem ficar de fora de uma política
geral de apoio aos docentes.
O objetivo nesse momento é fazer uma análise do contexto textual da Portaria 096/2013
em vigor que regulamenta o Pibid, discutindo as intenções e as ações que objetivam a
concretização do programa.
(2010), tem ganhado espaço pela articulação de novas ações e formulações legislativas, pela
correção de percursos formativos no âmbito dos cursos de formação e pela abertura, cada vez
maior, de possibilidades de participação e integração dos coletivos educacionais, aspectos
que são bem próximos à proposta de iniciação à docência feita pelo Pibid, tendo em vista a
valorização do magistério.
Esse propósito encontra-se expresso nos objetivos do Pibid, nos incisos I, II e III do Art.
4º da Portaria 096/2013, pelos termos: ―incentivar a formação de docentes‖, ―elevar a
qualidade da formação inicial‖ e ―valorização do magistério‖. Tal intenção de valorizar o
magistério para se concretizar, nos remete à segunda proposição: a inserção dos licenciandos
no contexto das escolas básicas.
É do inciso IV do mesmo artigo que parte essa proposição de iniciação à docência dos
licenciandos na escola pública de educação básica, onde possam criar e participar de
experiências de caráter inovador e interdisciplinar, que articulem as diferentes áreas do
conhecimento e promovam a relação teoria e prática. Ainda no inciso IV e incisos V e VI, é
possível verificar que essa participação dos licenciandos no contexto escolar deve ser
dinâmica e ativa, pois expressões como ―oportunidades de criação e participação‖, ―superação
de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem‖, ―articulação teoria e
prática‖, são fortes indícios para uma atuação efetiva dos licenciandos no contexto escolar.
Assim, depreende-se que as ações dos licenciandos no cumprimento dos objetivos do
programa, são caminhos promissores para a aprendizagem da docência, o que, pode ser
compreendido como uma forma de valorização do magistério.
Nessa mesma perspectiva, Nóvoa (2009a, p. 18) afirma que o melhor lugar para
aprender a profissão docente é na própria escola e ressalta que enquanto nossas propostas
teóricas forem ―apenas injunções do exterior, serão bem pobres as mudanças que terão lugar
no interior do campo profissional docente‖.
108
As ações propostas, para a execução do Pibid nas escolas, nos remetem a uma
concepção de formação de professores que ressalta a aprendizagem da docência pelo contato
direto e intenso dos licenciandos com a escola básica, durante seu processo formativo,
mediado pelas experiências acadêmico-científicas no âmbito das universidades. Igualmente
importante é o papel dos professores formadores, chamados a interagir ativamente com as
escolas, conhecendo-as por dentro; dos professores nas escolas, supervisores do programa,
como co-formadores de seus futuros colega; e dos licenciandos cuja imersão no contexto
escolar possibilita entrar em contato com a realidade e se envolver com diferentes dimensões
do trabalho docente.
profissional, permite que se aproximem do ensino e que, aos poucos, comecem a desvendar
suas complexidades, compreender os conflitos que o envolvem e ainda formular conceitos e
valores profissionais que conduzirão sua prática. A oportunidade de construir alguns desses
valores e conceitos ainda durante a formação, acompanhados por professores experientes que
tem o papel de orientar essas escolhas, pode ser uma possibilidade aos licenciandos de ter
uma experiência formativa de qualidade como anuncia Marcelo Garcia (1999).
Por isso, aprender sobre a docência, participando das situações reais que acontecem nas
escolas, é uma forma de compreender as exigências da profissão, que envolvem não somente
as necessidades dos alunos em processo de aprendizagem, mas as do próprio professor, da
gestão da escola, da comunidade e da sociedade como um todo. A docência é uma atividade
profissional complexa que requer saberes teóricos e práticos diversificados, por isso a
formação hoje necessita dessa integração efetiva entre a universidade e a escola, a fim de
imprimir maior sentido aos saberes dos futuros professores; uma integração que promova a
criação de uma cultura profissional, baseada em estratégias metodológicas diversificadas e
coerentes com as necessidades das crianças e jovens nas escolas, na boa convivência e no
diálogo, na valorização dos saberes do outro e na partilha.
111
CAPÍTULO 5
CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO
que ocorrem em um tempo e espaço determinados, que necessitam ser considerados em uma
investigação qualitativa
Nessa direção, a revisão da literatura incluiu teóricos como Nóvoa (2009a, 2009b,
2013), Marcelo Garcia (2009, 2010), Vaillant e Marcelo Garcia (2012), Imbernón (2011),
Zeichner (2010), Gatti, Barreto e André (2011), André (2012a), Papi (2011) entre outros, que
discutem a formação inicial e o início da carreira dos professores, o que permitiu conhecer os
caminhos que percorrem os professores iniciantes desde a formação até o momento que
adentram as escolas. A revisão destacou pontos de convergência entre os autores – ideias,
conceitos e propostas para a formação e inserção profissional dos professores, aspectos que
subsidiam a análise dos dados.
A análise documental do Pibid também foi necessária, pois esta pesquisa se volta para
os professores iniciantes que participaram do programa durante sua formação inicial. Assim, a
análise contemplou o processo de criação e institucionalização do Programa, a concepção de
formação de professores presente nos documentos oficiais do Pibid e as estratégias que
definem a aproximação universidade e escola, propostas nesses documentos. A justificativa
prévia para investigar de forma mais aprofundada o Pibid, mesmo não sendo objeto principal
desta pesquisa, foi o fato de ser um programa estruturado, contínuo e em expansão desde seu
princípio até o momento. Considera-se que uma boa estruturação e continuidade são
características relevantes na implantação e execução de uma política pública de formação de
professores, conferindo viabilidade ao compromisso público assumido, ao alcance das metas
propostas e dos esforços colocados em marcha para a formação de professores. Isto pode ser
um bom exemplo para outras políticas públicas nesse campo, inclusive para outros programas
de inserção profissional dos professores, que ainda são escassos em nossa realidade.
Os sujeitos desta pesquisa são professores iniciantes que têm até três anos de
experiência profissional na docência, egressos do curso de Pedagogia e participantes do Pibid
durante sua formação inicial. Três anos de experiência na docência foi definido como o
período da inserção profissional, utilizando-se como referência o estudo de Huberman (1992),
que classifica o primeiro ciclo profissional aquele que abrange os primeiros três anos da
carreira.
Participam, também, diretores e supervisores das escolas onde atuam esses iniciantes, os
quais foram ouvidos sobre a atuação dos professores ex-pibidianos, e sobre a forma como a
escola os acolhe e acompanha no início da carreira.
Todos os sujeitos são do sexo feminino e, por isso, serão tratadas daqui em diante como
professoras iniciantes, diretoras e supervisoras escolares. No total, foram 22 participantes,
sendo 12 professoras iniciantes, 3 diretoras e 7 supervisoras escolares.
Além disso, Weller et al. (2002) afirmam que os sujeitos, ao relatarem suas
experiências, fazem-no a partir de sua visão de mundo ou seja, ―uma série de vivências ou de
experiências ligadas a uma mesma estrutura que, por sua vez, constitui-se como uma base
comum das experiências que perpassam a vida de múltiplosindivíduos‖. (WELLER et
al.,2002, p. 379). Dessa forma, trata-se, nesta pesquisa, das experiências que constituem a
base comum de vivências das professoras em início de carreira.
grupos que contam com 3 a 6 participantes – foram realizados dois grupos de discussão
e cada um contou com a participação de 6 professoras iniciantes. Foi feito contato
prévio e convite às professoras para participarem do grupo – o contato foi feito por
telefone e mensagens nas redes sociais, contando com a ajuda das próprias professoras
que foram se comunicando com outras colegas e ajudando a organizar os grupos,
conforme disponibilidade de dia e horário para a realização do encontro. No primeiro
contato, foi informado às professoras, mesmo que de forma sucinta, o objetivo da
pesquisa e a forma como se daria a coleta de dados;
definição do local do encontro – Weller (2006) sugere que encontros dessa natureza
aconteçam em local neutro para que os participantes se sintam bem e sem nenhum tipo
de inibição à sua participação. Neste caso, ocorreram na residência da pesquisadora.
preparação do material a ser utilizado e do ambiente – uma sala com mesa e cadeiras
suficientes, dois gravadores de áudio digitais, canetas, questionário de caracterização
pessoal e profissional das professoras, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Nos dois grupos, todas as professoras se conheciam, pois foram colegas na universidade
durante o curso de formação inicial, algumas da mesma turma, outras apenas de curso. Muitas
não se viam já há algum tempo e, por esse motivo, na primeira meia hora do encontro foi
oferecido um lanche acompanhado de boa conversa e boas recordações do tempo de
faculdade. Esse momento foi organizado para motivar as professoras a trazer para o grupo
questões acerca da formação inicial e da inserção na docência.
No início da discussão, mais uma vez, foi explicado o objetivo do encontro, com um
breve comentário sobre a pesquisa; agradecimentos da presença e da contribuição de cada
uma. Outros esclarecimentos foram feitos: o critério de seleção das participantes do grupo; o
uso de gravadores e o sigilo das informações obtidas; as regras de desenvolvimento da
discussão no grupo; informação sobreo tempo de duração do encontro; a participação da
pesquisadora assistente. Foi dito que se sentissem a vontade para comentar as questões e os
assuntos que fossem se manifestando, sem receios ou constrangimentos. Informou-se o papel
da pesquisadora que, naquele momento seria de uma boa ouvinte e mediadora da discussão,
lançando questionamentos quando fosse necessário, de modo a dar andamento às reflexões
sobre a temática.
permitir uma relação direta entre o entrevistador e entrevistado, aspecto que consente
apreender melhor o que pensam a respeito do assunto em questão. As autoras afirmam ainda
que a entrevista semiestruturada tem a vantagem de não seguir um padrão rígido de perguntas
e respostas, mas constitui-se de um roteiro flexível em que ―o entrevistado discorre sobre o
tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão
da entrevista‖. (LÜDKE E ANDRÉ, 2013, p. 33).
Nesse sentido, com um roteiro flexível, foram realizadas entrevistas com três diretoras e
sete supervisoras escolares, que forneceram informações relevantes sobre a atuação das
professoras iniciantes e sobre a forma como a escola lida com a inserção profissional dessas
docentes. Foram feitas sete entrevistas, duas das diretoras em conjunto com as supervisoras;
as outras cinco entrevistas individuais com as supervisoras.
Assim, para a análise, foi adotado o método denominado por André (1983, p.67) como
Análise de Prosa, ―[...] considerada uma forma de investigação do significado dos dados
qualitativos‖. Por esse método, segundo a autora, pode-se ―levantar questões sobre o conteúdo
de um determinado material: ―O que é que este diz? O que significa? Quais suas
mensagens?‖.
André (1983) propõe esse método de análise de dados como uma alternativa que amplia
a forma de conceber o objeto de estudo e assim orienta: ―Em lugar de um sistema pré-
especificado de categorias, eu sugiro que tópicos e temas vão sendo gerados a partir do exame
dos dados e de sua contextualização no estudo‖. (ANDRÉ, 1983, p. 67).
A partir dessas orientações e com os dados já transcritos, o passo seguinte foi uma
imersão nos mesmos.O exercício de ouvir os sujeitos, o confronto de suas falas com o
pensamento dos teóricos que guiam este estudo, as próprias experiências da pesquisadora
como formadora de professores e o conhecimento que vem sendo construído sobre os
professores em início de carreira estiveram, a princípio, configurados como um emaranhado
117
CAPÍTULO 6
Cada ser humano trilha seu próprio percurso de formação, fruto do que é e
do que o contexto vivencial lhe permite que seja, fruto do que quer e do que
pode ser.
— ISABEL ALARCÃO
Para situar o curso de formação inicial das professoras, parte-se de um contexto mais
amplo, o da Universidade Federal de Uberlândia/UFU, que abriga a Faculdade de Ciências
Integradas do Pontal/FACIP e, respectivamente, o curso de Pedagogia, do qual são egressas as
professoras participantes desta pesquisa. Insere-se neste curso o Pibid UFU, especificamente,
o subprojeto Pedagogia da FACIP.10
11
Informações colhidas em http://www.ufu.br/pagina/sobre-ufu
120
12
Informações colhidas em http://www.pibid.prograd.ufu.br/
121
científico na área educacional, tanto em espaços escolares como não escolares, conforme
definem as DCN (2006) para o curso de Pedagogia.
O Eixo da Práxis Educativa, que se orienta pelo princípio da articulação teoria e prática
pedagógica, atravessa os três ciclos. Inicia-se com o Projeto Integrado de Prática Educativa –
PIPE, disciplina curricular que vai do primeiro ao quinto período do curso, continua com o
Estágio Supervisionado do sexto ao nono período e se encerra no Trabalho de Conclusão de
Curso – TCC. Desde o primeiro período, o campo da prática é apresentado aos estudantes,
que iniciam um processo de inserção no espaço escolar e também fora dele, em situações e
atividades consideradas pedagógicas. Dentre as finalidades desse eixo formador, merecem
destaque dois elementos: a) a formação em pesquisa vinculada às disciplinas teorias e práticas
do curso que atravessa todo esse eixo, com investigações na escola e em espaços não
escolares em que se desenvolve o trabalho pedagógico; b) a aproximação da universidade com
a escola pública, tomando-a como principal foco de estudo, investigação, acompanhamento e
122
13
Subprojeto disponível no site institucional do Pibid - Universidade Federal de Uberlândia http://www.pibid.prograd.ufu.br/?q=SubPedagogiaPontal
124
A análise do conteúdo do Subprojeto Pedagogia mostra que suas ações abrangem tanto
o ensino, como a pesquisa e a extensão, aspectos considerados no tripé da universidade. A
ação do ensino se faz presente no subprojeto Pedagogia pela oportunidade que professores
formadores, licenciandos e professores supervisores têm de dialogar com as questões
complexas da educação, com vistas à preparação do futuro professor; a ação da pesquisa se
vislumbra na oportunidade de conhecer, pela observação participante, o espaço escolar e sua
comunidade, identificando problemas e, pela relação teoria e prática, construir ideias,
conceitos e concepções acerca da escola e da docência; e, por fim, a extensão que, de forma
ampla e flexível, promove a aproximação entre escola e universidade, com o objetivo de
contribuir para a melhoria da educação escolar, da formação inicial e continuada dos
professores e da aprendizagem dos alunos e alunas.
localizada em um bairro periférico da cidade, que atende uma clientela de alunos com 4 e 5
anos – Educação Infantil – pré-escola, nos turnos matutino e vespertino sendo um total de 230
alunos. Nessa escola, é desenvolvido o subprojeto Pibid Pedagogia – Educação
Infantil/FACIP/UFU.
A EPM2 é também uma escola localizada em bairro periférico da cidade e atende alunos
da Educação Infantil e Ensino Fundamental – 1º ao 9º ano – nos turnos matutino, vespertino;
no noturno funcionam turmas de Educação de Jovens e Adultos/Alfabetização. Nessa escola,
atuam duas professoras participantes do GD2. Participaram da entrevista a diretora e
supervisora. A escola conta com um total de 650 alunos nos três turnos e foi parceira do Pibid
– subprojeto Pedagogia/UFU – Alfabetização.
A EPE3é uma escola que atende alunos do Ensino Fundamental – 1º ao 9º ano – nos
turnos matutino e vespertino. Tem cerca de 450 alunos e está localizada em bairro periférico
da cidade. Uma professora participou do GD2 e a entrevista foi feita com a supervisora.
A EPE4 é uma escola localizada na zona central da cidade e atende alunos do Ensino
Fundamental nos turnos matutino e vespertino. Tem, aproximadamente, 850 alunos. Duas
professoras iniciantes participaram do GD1 e a entrevista foi concedida pela supervisora do
turno vespertino, que acompanha as professoras iniciantes.
Na EPE5 atua uma professora iniciante participante do GD1. É uma escola localizada
em um bairro periférico, que atende cerca de 560 alunos do Ensino Fundamental – 1º ao 9º
ano – nos turnos matutino e vespertino. Nessa escola, é desenvolvido o PROETI – Projeto
Escola de Tempo Integral, no qual a professora iniciante atua. A entrevista foi feita com a
supervisora que também coordena as atividades do PROETI.
Na EF7, atua uma professora participante do GD2. É uma escola localizada em bairro
periférico e atende 280 alunos da Educação Infantil – creche (0 a 3 anos) em tempo integral e
pré-escola (4 e 5 anos) apenas no turno vespertino. A professora iniciante atua na creche, com
crianças de 2 anos. A entrevista foi feita com a supervisora da instituição.
126
Os dados pessoais e da formação profissional das professoras foram colhidos por meio
do Questionário de Caracterização, priorizando os seguintes aspectos: idade, escolarização
básica, formação inicial, tempo de participação no Pibid, tempo na docência, rede e nível de
atuação, tipo de vínculo empregatício, carga horária semanal. A Tabela 1 resume os dados
pessoais e profissionais das professoras.
127
O que é mais específico nesse grupo é o fato de algumas delas – três professoras com
idade acima dos 40 anos – só agora estarem iniciando suas vidas profissionais. Os motivos
não foram questionados e nem são foco desta pesquisa, mas alguns indícios da entrada um
pouco tardia no campo profissional da docência foram evidenciados em seus relatos e têm a
ver com as condições sociais e a falta de oportunidade de cursar o ensino superior em uma
universidade pública, aspectos que foram manifestados durante a discussão no grupo. Uma
das professoras relata:
128
Outra característica de destaque desse grupo é que todas são mulheres e isso apenas
reforça o caráter eminentemente feminino do magistério nas séries iniciais de escolarização –
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, atribuído pelas representações
sociais desta profissão.
Quanto à escolarização básica desse grupo, observa-se que a maioria estudou em escola
pública, sendo que uma delas cursou o Ensino Fundamental em escola pública e o Ensino
Médio em escola privada. Esses dados podem indicar que as professoras provem dos estratos
médios da sociedade.
[...] eu sempre quis ser professora e cada dia eu tenho mais certeza do que
eu quero. (NATHALIA)
Para fazer Pedagogia, eu tive que vencer uma batalha na minha família
primeiro, que não queriam, porque minha irmã fez direito, minha prima
psicologia, queriam tudo, menos Pedagogia, e eu sempre quis ser
professora, só que eu falo, eu sei onde estou pisando, para ser professora a
gente tem que estar ali, de corpo e alma, eu penso em ambições maiores
nessa área, mas hoje estou fazendo o que eu gosto. (CIDA)
Eu escolhi fazer Pedagogia, mas a última coisa que eu queria era ser
professora. Eu gosto muito da área da educação, mas eu não pensava em
atuar na sala de aula. Eu dizia que só iria para a sala de aula se não tivesse
129
Esses dados vão na contramão do que Marques e Alves (2010) relatam em sua pesquisa
sobre Inserção profissional de graduados em Portugal14. As autoras expõem que a inserção
―[...] dos jovens diplomados do Ensino Superior se caracteriza pela incerteza, descontinuidade
e menor correspondência do diploma ao emprego‖. (p.12). As professoras iniciantes não
demonstraram incertezas sobre suas escolhas profissionais e essas têm correspondência entre
diploma e emprego, dado que pode ser também determinante da continuidade na carreira e da
estruturação de uma prática profissional consistente, como bem acentuam Nono e Mizukami
(2006).
14
Mesmo sendo uma pesquisa realizada em outro contexto, traz um corpus de conhecimentos teóricos e
empíricos consolidado em âmbito nacional e internacional, por isso serve como fundamento para esta pesquisa.
130
[...] eu não me vejo na escola sem ter passado pelo Pibid. (AMANDA)
Eu acho que o Pibid contribuiu muito para o meu ingresso na escola.
(NARA)
Posso dizer que minha formação teve duas fases, antes do Pibid e depois do
Pibid. (CLARA)
Como se pode notar, a rede pública municipal e a rede pública estadual são as redes em
que atuam a maioria das professoras iniciantes participantes da pesquisa. São cinco
professoras na rede estadual, sendo quatro com contrato temporário e uma concursada; seis
professoras na rede municipal, todas com contrato temporário e uma na rede privada
filantrópica (sem fins lucrativos) cujo regime de trabalho acompanha as normas da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
seleção e classificação para os cargos temporários que ocupam. De doze professoras que
participaram dos grupos de discussão, apenas uma é concursada para o cargo, confirmando
Gatti, Barreto e André (2011, p. 159), para as quais é ―significativo o número de docentes
com esse tipo de contrato, em muitos casos renovado ano a ano, e ano após ano‖.
Esse aspecto é evidenciado também por Ávalos (2013), ao destacar que grande parte dos
professores iniciantes tem ―dificuldade de encontrar trabalho estável e devem conformar-se
com substituições, contratos curtos, ofertados em estabelecimentos de população estudantil
vulnerável e muito longe de seus locais de residência‖.
São dois casos bem semelhantes vivenciados pelas professoras Amanda e Izadora, pois
ambas atuam em um projeto específico da SEE-MG, e as condições em que desenvolvem o
trabalho docente são difíceis e complexas para uma professora iniciante que ainda não tem
experiência prática que a ajude a dominar essas situações logo no início da carreira.
Essa condição a que são submetidos os iniciantes parece ser bastante comum e a
pesquisa de Freitas (2002), que separa a organização escolar e o período inicial da docência,
confirma essa situação. A autora ressalta que é comum a direção da escola delegar ao
professor iniciante as turmas avaliadas como mais difíceis, que possuem o maior grau de
complexidade, tanto no que diz respeito às estratégias didáticas a adotar quanto no que se
refere à disciplina a ensinar. Esclarece, ainda, que são turmas marcadas por uma grande
diversidade social e possuem alunos com níveis de aprendizagem desiguais, como é o caso
das turmas assumidas por Amanda e Izadora que já se diferenciam por fazerem parte de um
projeto específico para alunos em defasagem de aprendizagem.
É uma situação preocupante, pois os professores iniciantes que têm como regime de
trabalho os contratos temporários, estão começando a construir a sua profissão e, por isso,
precisam dar sentido às suas ações. Mas, negligenciados pelas políticas educacionais, com
vínculos contratuais frágeis e com pouco apoio nas escolas, podem sofrer interferências na
constituição do ser professor, bem como na maneira de conceber a escola, a profissão e o
ensino. (NOVAES, 2010).
Gatti, Barreto e André (2011, p. 159) argumentam que essa ―condição de contrato
temporário de docentes, não conduzindo à estabilidade e à progressão profissional, gera nas
redes alguns problemas que mereceriam melhor consideração, pois afetam a própria
profissionalização docente [...]‖.
Não há como negar essa realidade, e as professoras iniciantes estão vivenciando essa
situação, ou seja, assumindo contratos temporários, de caráter precário, numa fase da carreira
considerada difícil e complexa, em que estão lutando para estabelecer sua identidade pessoal e
profissional.
135
A professora revela que sente sua liberdade comprometida por ter que se submeter aos
valores da direção geral, o que contribui, inevitavelmente, para a desprofissionalização da
docência. (MARCELO GARCIA, 2010).
Acerca da carga horária semanal de trabalho, apenas uma professora tem carga horária
de 40 h. Essa professora trabalha na escola privada filantrópica que atende crianças de 0 a 3
anos. As outras professoras têm uma carga horária semanal de 24h, sendo 16 horas em sala de
aula (Módulo I) e 8 horas em atividade extraclasse como estudo e planejamento (Módulo II).
136
Destas, 4 horas podem ser cumpridas em local de livre escolha do professor e 4 horas
cumpridas na escola, sendo obrigatório que 2 horas sejam dedicadas a reuniões de caráter
coletivo.
Esses dados de caracterização são dados objetivos e contam a situação real da atuação
profissional das professoras iniciantes, porém são bastante instigantes na formação e
profissionalidade docente, principalmente quando analisados na relação com o início da
carreira dos professores. Positivamente, o que se pode depreender desses dados é que a
carreira docente é opção das professoras, ou seja, estão em sala de aula ensinando porque
escolheram fazer isso; a maioria atua em escola pública, e isso confirma a efetividade do
compromisso com a educação pública que a universidade em que se formaram lhes conferiu
como responsabilidade social e, por fim, têm o Pibid como forte elemento na formação. No
entanto, as condições de trabalho a que são submetidas trazem aspectos negativos à carreira e
comprovam o que algumas pesquisas nesse campo já anunciaram: os iniciantes assumem
situações difíceis e complexas logo na primeira experiência docente – turmas difíceis, alunos
em situações de risco (FREITAS, 2002; GIOVANNI e GUARNIERI, 2014); estão à mercê da
lógica interna das instituições e dos gestores (NONO, 2011); seus vínculos empregatícios são
frágeis, pois a maioria das professoras assume contratos temporários de trabalho (NOVAES,
2010).
CAPÍTULO 7
— ROSÁLIA DUART E
A formação inicial das professoras que participam desta pesquisa é analisada em dois
momentos distintos: aquele conduzido pela organização curricular do curso de Pedagogia,
conforme o PPC e o que se dá no âmbito do Pibid. A formação inicial e o Pibid se cruzam
nesse processo, discuti-los separadamente foi apenas uma opção didática desta pesquisa.
Durante os encontros dos grupos de discussão, mesmo sendo esta direcionada ao Pibid e
ao início da carreira, as professoras se reportaram, muitas vezes, à formação inicial. Seus
depoimentos evidenciaram que a formação inicial preparou-as para a docência, especialmente
no que se refere à consistência dos conhecimentos teóricos que receberam, à compreensão da
relação teoria e prática e à formação para a pesquisa.
Eu considero que tive uma boa formação, foi boa sim porque eu aprendi
muito, aprendi não apenas a dar aula, mas coisas que são importantes e que
um professor deve saber, a filosofia, a sociologia, a política, pois isso,
muitas vezes, nos leva a entender o que se passa na sala de aula. Eu achava
que o curso de Pedagogia me ensinaria apenas a dar aula, mas foi bem
além, muito além, me deu condições de refletir o que é ensinar e como meu
aluno aprende, eu...eu sei o quanto isso é importante e vou aproveitar tudo
para minha prática, aliás já estou aproveitando, é uma teoria de que não
abro mão. (NATHÁLIA)
As disciplinas a que a professora se refere são aquelas que apresentam uma base teórica
fundamental ao trabalho docente, cujos desdobramentos ajudam a compreender a realidade da
educação escolar, fato que a professora Nathália confirma. E não abrir mão dessa teoria é
tomá-la como fundamento teórico-metodológico do seu fazer docente, o que poderá guiá-la
crítica e reflexivamente nas tomadas de decisões sobre o ensino, os alunos e outras questões
relacionadas ao seu trabalho como professora.
[...] a teoria que nós estudamos, pelo menos para mim, foi uma boa base, é
um conjunto de conhecimentos importantes ao professor, a política, a
gestão, a psicologia, as questões pedagógicas, sociológicas, coisas que nós
precisamos compreender para entrar numa sala de aula. Então acho que
isso facilitou muito [...] .(MARIANA)
139
Destacar a importância dos conteúdos teóricos da formação não é algo muito comum de
se ouvir dos professores que, comumente, postulam que ―a prática faz o docente muito mais
do que a teoria adquirida na formação inicial‖. (MARCELO GARCIA, 2010, p. 4). São
exposições importantes que fazem as professoras, pois, no exercício profissional, precisam ser
capazes de compreender a docência sob múltiplas determinações e, para isso, devem ter
clareza dos fundamentos filosóficos, ideológicos, políticos e pedagógicos que regem o
processo de ensino. Lüdke (2012, p. 32) enfatiza que ―uma boa formação teórica vai ajudar o
professor a conhecer melhor os problemas e as características da realidade que cerca sua
escola, tanto no âmbito imediato como no mais amplo‖. Os depoimentos das docentes
revelam o entendimento das múltiplas determinações do ensino, dos problemas que o
envolvem e o valor das teorias estudadas no curso.
Evidencia-se, na fala das iniciantes, a visão positiva que têm de sua formação inicial.
Expressam que essa as capacitou para o exercício da docência e lhes permitiu, por meio de
conteúdos estudados, a compreensão da realidade de seus alunos e, ainda, a possibilidade de
continuar aprendendo e de construir sua maneira própria de assumir a docência, papéis bem
específicos que se espera que a formação de professores cumpra, na atualidade, no interior
dos cursos.
A gente ouve durante todo o curso que teoria e prática precisam andar
juntas e eu, no começo, não entendia muito o que isso significava, mais
tarde, só depois do estágio e do Pibid é que passei a perceber que de fato
teoria e prática estão sempre juntas e as duas são importantes, tudo que vou
fazer, por exemplo, uma prática com meus alunos, eu vejo que há uma teoria
por trás e se o meu aluno aprende há uma teoria que explica isso, então,
nisso nossa formação não deixou a desejar e agora que estou na sala de
aula isso é muito mais claro para mim, muito mais[...] (FABÍOLA)
[...] Concordo com Fabíola que nossa formação nos proporcionou isso e eu
nem gostava muito da teoria, mas depois eu comecei a perceber que era
uma teoria que tinha sentido, porque eu comecei a enxergá-la na prática, aí
que eu vi o significado de teoria e prática juntas. (PATRÍCIA)
Entendida aqui como um ponto de convergência na fala das professoras, a relação teoria
e prática vai se destacando como aspecto valioso aprendido na formação inicial. Percebem a
indissociabilidade entre essas duas dimensões do trabalho pedagógico e as vivenciam na
prática, como se pode notar nos extratos a seguir:
140
Eu vivo todos os dias a relação teoria e prática, não saberia ser professora
sem fazer essa relação, acho que se não fizesse não compreenderia muitas
coisas do meu trabalho. Na formação isso é meio distante para nós, pelo
menos foi para mim até certa altura do curso e depois do Pibid isso ficou
bem claro e não dá para ser professora sem entender qual a relação da
teoria com a prática e da prática com a teoria, acho fundamental mesmo.
(NATHÁLIA)
Eu também consigo enxergar essa relação teoria e prática e acho que é
muito importante para o professor, porque, eu sei que a gente não pode ficar
só na prática ou só na teoria, essas duas coisas funcionam juntas. (NARA)
Assim, articular essas duas dimensões do trabalho docente é um desafio aos cursos e aos
professores iniciantes e torna-se fundamental a uma prática crítica e autônoma. Compreender
a relação teoria e prática abre caminhos para um fazer crítico, reelaborado e cada vez mais
ajustado ao processo de ensino e aprendizagem e, pode aproximar as professoras da práxis
pedagógica, aquela que, conforme Freire (1987) é comprometida com a emancipação dos
sujeitos. A professora Mariana afirma:
[...] nossa formação nos proporcionou isso, aprendemos a fazer uma leitura
crítica da realidade, e é isso que queremos passar para os alunos para que
sejam também sujeitos críticos. (MARIANA)
Acho que é porque nós pensamos na “escola possível” [fez sinal de aspas],
no papel do professor e foi isso que a formação nos ensinou, que nós temos
uma responsabilidade com nossos alunos, então temos que fazer o melhor, a
melhor aula, o melhor ensino. É muito fácil assumir uma turma e fazer como
fazem a maioria dos professores... folhinhas para colorir, história na
rodinha, só ouvir sem poder se manifestar, brincar de qualquer coisa e criar
robozinhos. Eu não quero ser assim, eu acredito na capacidade da criança
de construir seus próprios conhecimentos então, eu tenho que oferecer a ela
oportunidades para isso. (MARIANA)
[...] durante o curso de Pedagogia isso foi ficando cada vez mais claro, a
escola precisa mudar, nós precisamos mudar e acho que já estamos
tentando fazer isso, porque eu, me preocupa muito a responsabilidade de
ensinar, de levar o conhecimento para o aluno e nós queremos fazer
diferente não é meninas? [todas concordaram] Na verdade, precisamos
fazer diferente para que nosso aluno aprenda com prazer, porque a gente vê
na escola algumas salas que, meu Deus, eu não queria nunca ser aluna de
certas colegas minhas, por isso, eu concordo quando a F., diz que temos que
vencer o comodismo, o tradicionalismo. (FABIOLA)
Nesse sentido, são pertinentes as ponderações que a professora faz acerca do lugar da
pesquisa em sua formação inicial. O fato de observar, entrevistar pessoas, fazer anotações no
diário, discutir, fazer relatório ou artigo, tem grande proximidade com a metodologia de
143
pesquisa e essas atividades podem potencializar o processo formativo dos professores. André
(2001, p. 61), ao tratar das possibilidades de articulação entre ensino e pesquisa na formação
docente, avalia que ―uma delas é que a pesquisa se torne um eixo ou um núcleo do curso, ou
seja, que ela integre o projeto de formação inicial e continuada da instituição [...]‖. Esse
aspecto se faz presente no Projeto Pedagógico do curso em questão, como já mostrado
anteriormente, ao destacar as características desejadas para o perfil do egresso, sendo uma
delas a ―capacidade para produzir, sistematizar e socializar conhecimentos e tecnologias‖.
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA, 2006, p. 33), perfil que se concretiza
tendo a pesquisa como uma das vias. Mesmo sendo uma das docentes desse curso e não tendo
ido a fundo verificar essa questão em outras instâncias, com outros sujeitos e outros
documentos, por não ser esse o objeto deste estudo, percebeu-se o valor da pesquisa, fato que
foi confirmado por outras professoras iniciantes:
Desde o início do curso a gente ouvia que tínhamos que ser professoras
pesquisadoras, eu demorei um pouco a entender isso e minha ficha só caiu
quando fomos para a escola e a gente pesquisava, conversava, observava,
escrevia. Foi fundamental e eu não sei...ou melhor, eu não saberia dizer isso
hoje se não fosse o que eu aprendi no curso. Depois fui para o Pibid e isso
foi reforçado, e mais tarde quando fui fazer meu TCC, nossa! Aí sim que eu
entendi mesmo o que é fazer pesquisa, é muito interessante você olhar para
um problema da realidade do aluno e buscar uma explicação para aquilo.
(TAMARA)
Durante a faculdade a gente foi aprendendo a pesquisar, a escrever um
artigo, era até chato às vezes, e difícil, mas foi isso que deu essa base pra
gente entender que temos que ser professoras pesquisadoras da nossa
prática, que temos que entender aquilo que se passa ao nosso redor, com
nosso aluno, com a escola e com a educação de forma geral e pelo menos
tentar ir atrás das soluções para os problemas. (AMANDA)
Esses depoimentos são uma demonstração de que a pesquisa foi uma atividade
importante vivenciada durante a formação inicial desse grupo de professoras iniciantes.
Denota-se um tipo de pesquisa que se alia ao trabalho docente, em que a reflexão sobre a
prática e a postura investigativa ganham destaque e ajudam o professor a resolver os
problemas do seu cotidiano. Conforme afirma André (2001, p. 59),―[...] os cursos de
formação têm um importante papel: o de desenvolver com os professores, essa atitude
vigilante e indagativa, que os leve a tomar decisões sobre o que fazer e como fazer nas suas
situações de ensino, marcadas pela urgência e incerteza‖.
144
Outra supervisora entrevistada expõe sua opinião a respeito da formação inicial das
professoras iniciantes:
[...] esse professor que está chegando agora, com esse nível de
conhecimento, com essa formação para a pesquisa é diferente, o ensino
deles torna-se diferente, porque eu vejo que elas estão atentas às mudanças,
a sociedade muda, o mundo muda e o professor não pode ficar parado,
quem está chegando agora está mudando esse perfil, então assim, são
iniciantes, mas tem um conhecimento profundo e sabem colocar em prática
o que aprenderam, acho que isso é o mais importante. (ANDRÉIA)
Mesmo que a formação inicial apresente muitos aspectos positivos, as professoras não
deixaram de relatar aspectos frágeis do curso. Não são unânimes ao tratar dessas fragilidades,
uma ou outra, entre os depoimentos favoráveis, relatou alguns problemas que enxergou no
curso. São pequenos fragmentos de suas falas em que se queixam de conteúdos que foram
estudados de forma superficial, como aqueles que tratam: da educação infantil, das
dificuldades de aprendizagem dos alunos, das patologias que interferem nesse processo,
como, por exemplo, síndrome de down, autismo e outras e, ainda, conteúdos que aprofundem
as discussões acerca da inclusão de pessoas com necessidades especiais. Há queixas também
da ausência de conteúdos relacionados à prática da supervisão escolar, já que poderão, em
algum momento da carreira, assumir tal função nas escolas. Outra queixa importante refere-se
ao estágio supervisionado. A professora Mariana diz: “porque os estágios foram muito
superficiais”; e a professora Fabiana acrescenta: ―porque no estágio a gente fazia os planos
de aula ou projeto e aplicava e eu pude experimentar o que é dar uma aula, mas acho que foi
tudo muito rápido sem uma sequência sabe, aí a gente não via muito o resultado”; a
professora Patrícia ratifica: “concordo com a Fabiana, nós fomos para a escola, mas faltou
essa articulação da teoria com a prática que no Pibid a gente viu”.Observa-se que o estágio
aproximou-as da docência, mas não conseguiu organizar dialeticamente o saber e o saber
fazer.
147
Os destaques aos aspectos positivos da formação inicial são muito mais fortes e
contundentes nos relatos das professoras, mas as vozes que falam das fragilidades não podem
ser desprezadas. Mesmo que, particulares e pontuais, fazem parte da realidade vivenciada
pelas professoras e devem ser levadas em conta pelos responsáveis pelo curso, de modo a
aperfeiçoá-lo cada vez mais.
O papel dos cursos na formação inicial dos professores, antes de qualquer programa ou
atividade extracurricular que venha contribuir com esse processo, é possibilitar a construção
de um conhecimento amplo e diverso acerca dos fundamentos da docência, além de
implementar ações práticas que levem os estudantes a conhecer a realidade das escolas e a
atender à diversidade das formas de ensinar e aprender. No caso em questão, o curso de
licenciatura em Pedagogia parece ter atendido, talvez em grande parte, as aspirações da
formação, aspecto reconhecido, inclusive, pelas supervisoras das escolas. Mas, não se pode
esquecer que este grupo de professoras iniciantes, paralelamente ao curso, teve a oportunidade
de iniciar na docência pelo Pibid, com acompanhamento das professoras coordenadoras e das
supervisoras do programa, o que, certamente, potencializou a formação inicial. É o que se
verá na sequência desta análise, cujo foco está no Pibid e no ponto de vista das professoras
sobre a participação no programa.
Nos encontros dos grupos de discussão com as professoras iniciantes, uma das questões
apontadas como guia foi se o Pibid as havia preparado para a docência. As professoras dos
dois grupos foram unânimes em considerar a positividade do Pibid na formação e na prática
docente. Os depoimentos que seguem são reveladores disso:
O Pibid me preparou sim, eu não me vejo dando aula sem ter passado pelo
Pibid. Ele me ensinou muita coisa, porque eu vivenciei a sala de aula, o que
era estar lá com os alunos, o que é fazer um bom planejamento, eu pude
vivenciar isso antes de ter a minha sala de aula, então, com certeza me
preparou sim. (AMANDA)
148
[...] eu gostei muito do Pibid em tudo, eu não vejo minha formação sem o
Pibid de maneira nenhuma, eu falo que a prática que vivenciamos foi um
reforço de tudo aquilo que estudávamos na faculdade. (CIDA)
O fato de o Pibid ter proporcionado ―uma ideia de como as coisas poderiam acontecer”
na escola, é o destaque que essa professora faz da sua participação no programa. O programa
possibilitou-lhe uma aproximação à profissão docente e, de certa forma, forneceu-lhe pistas
para enfrentar a realidade já na condição de professora. Essa ocorrência denota a importância
de práticas formativas que integrem a formação inicial e o campo de atuação, contribuindo
para a inserção profissional. Nesse caso, pode-se dizer que a integração universidade e escola,
pelo Pibid, favoreceu a inserção dessa e de outras professoras iniciantes, como se pode notar
nos depoimentos abaixo:
Bom, eu penso que o Pibid foi como um suporte para chegarmos à escola
[...], pois, quando eu assumi minha sala eu já tinha certo domínio da sala de
aula, já tinha uma noção de como lidar com as crianças, sabia o que fazer
em determinadas situações, o planejamento era algo que eu sabia fazer,
porque essa foi uma prática muito presente no Pibid que ajudou demais.
(IZADORA)
Eu concordo plenamente com as meninas, o Pibid foi realmente um apoio,
tudo de bom aconteceu para contribuir com nossa formação, para nos
aproximar da sala de aula, da escola, compreender a realidade, saber como
as coisas acontecem lá, foi muito bom mesmo. (NAIARA)
programa, que 70% dos licenciandos da região sul e sudeste revelaram que o Pibid foi
―importante e significativo para a formação inicial‖ (p. 48), principalmente pelo fato de os
colocarem em contato com a realidade escolar, aspecto que as professoras iniciantes também
ressaltam.
Além disso, a fala das professoras mostrou uma multiplicidade de elementos que
fortaleceram a iniciação à docência pelo Pibid, os quais comprovam os caminhos percorridos
durante a implementação das ações do programa. As professoras iniciantes expõem, em
diversos momentos e situações, a importância da dinâmica de desenvolvimento dos
subprojetos dos quais fizeram parte – Pedagogia Alfabetização e Pedagogia Educação
Infantil. Um dos destaques é a orientação e o acompanhamento que receberam durante a
participação no programa. Isso foi relatado pelas professoras de forma enfática:
Nosso grupo do Pibid tinha objetivos comuns, a gente lia junto, estudava
junto, planejava, tínhamos diálogo. O nosso grupo era muito unido, a gente
gostava de fazer tudo junto, quando havia uma divergência resolvíamos com
diálogo. Quando uma tinha dificuldade sabia que poderia contar com as
colegas para ajudar e esse trabalho em equipe foi fundamental para nós,
acho que aprendemos a trabalhar assim [...]. (NATHÁLIA)
[...] esse trabalho em equipe era muito bom mesmo, tudo que íamos fazer,
tinha alguém para apoiar, mesmo uma colega, mas, além disso, tínhamos a
coordenadora e a professora supervisora, que nos apoiavam em tudo,
tiravam nossas dúvidas ali, na hora em que ocorriam, então era tudo muito
dinâmico e a gente aprendia muito. (CLARA)
[...] porque no Pibid, se a gente errasse, tinha lá uma professora, as colegas
que nos ajudavam, estávamos ali aprendendo junto, todos auxiliavam. Isso
fez com que a gente tivesse uma visão melhor de como chegar à sala de aula
e poder agir, ter uma atitude. (NAIARA)
Uma das características dos subprojetos do Pibid, segundo a Portaria 096/13 que
regulamenta o programa, deve ser o ―desenvolvimento de ações que valorizem o trabalho
coletivo, interdisciplinar e com intencionalidade pedagógica clara para o processo de ensino-
aprendizagem‖ (BRASIL, 2013, p. 3). Os depoimentos atestam que, de fato, nos subprojetos
de que participaram, essas ações se efetivaram.
Outra professora ratifica esse procedimento e dá mais detalhes das vivências que lhe
possibilitou o programa:
O que foi mais marcante para mim foi o trabalho em equipe, como era bom
e a gente aprendia muito. Os grupos de estudo eram muito bons,
estudávamos os textos e depois fazíamos as discussões e tinha tudo a ver
com a prática que estávamos desenvolvendo. Teoria e prática vivenciada
mesmo. Isso foi marcante mesmo. (FABÍOLA)
[...] para mim era muito bom quando a gente terminava de aplicar uma
atividade, ou dar uma aula e íamos para o grupo de estudo onde ocorria a
discussão daquilo que a gente havia feito na sala de aula. Eram vários
grupos [de licenciandas] em salas diferentes e a gente então discutia as
atividades realizadas, via os pontos em comuns, o que tinha dado certo ou
não. [...] Então esse feedback que a gente tinha, da professora, da nossa
coordenadora e das colegas era muito importante, elas diziam onde
devíamos melhorar, o que era melhor fazer em cada situação. [...] não é
tanto a atividade em si que me chama a atenção, mas a forma como
fazíamos, tudo partilhado, analisado coletivamente, esse é um grande ganho
em nossa formação, é algo realmente motivador. (AMANDA)
Foi tanta coisa boa no Pibid, mas as trocas, o compartilhar, eu tenho isso
na minha escola como eu falei, mas isso no Pibid foi muito marcante. Eram
ótimos os encontros do grupo de estudos, a gente lia, discutia, analisava as
situações que aconteciam nas escolas. As oficinas de planejamento também
eram ótimas, planejávamos e depois a gente ia construir o material das
aulas. Depois de tudo pronto é que a gente aplicava, isso tudo em grupo,
compartilhando com as colegas. Então, as dificuldades eram mínimas,
porque o apoio que a gente recebia era fundamental. (TAMARA)
As professoras não apenas dão destaque ao grupo de estudos, mas revelam a forma
como as ações ocorriam no seu interior: leituras, discussões, análises das situações
vivenciadas, feedbacks, planejamento, preparação de material. Esta estratégia, segundo Nóvoa
(2013, p 206), foge à ―lógica de aula e estruturas curriculares rígidas, valorizando o estudo,
nas suas diversas dimensões como referência principal do trabalho universitário‖. (Grifos do
autor).
Outro ponto forte do programa é o planejamento das atividades. Essa ação do Pibid foi,
para todas as professoras, um ganho importante no processo formativo. Seus relatos denotam
o quanto valorizaram o aprender a planejar:
Essas falas evidenciam algo que vai além do fato de aprender a planejar que, por si só, é
um ganho enorme para a formação, pois se sabe o valor de uma aula bem planejada. Percebe-
se, nesse caso, que o planejamento como atividade didática, não é apenas mais uma atividade
docente, mas uma prática formativa que, segundo Gatti (2009, p. 92), proporciona ―a
aquisição de conhecimentos, valores, atitudes de diferentes naturezas [...]‖. Para as
professoras iniciantes, o planejamento é uma ação cujo sentido é delineador de um trabalho
pedagógico efetivo e crítico, pois se pauta no ir e vir, planejar e replanejar, efetivar o
movimento de ação-reflexão-ação, sendo, conforme exprime Gatti (2009), um dos
fundamentos para discutir a qualidade formativa dos professores.
Esse aprendizado, sem dúvida, traz benefícios à prática atual das professoras e, além de
Fabíola e Naiara, outras iniciantes também ressaltam o papel fundamental do Pibid quanto ao
fato de saberem planejar: [...] graças ao Pibid hoje eu não tenho dificuldade com o
planejamento [...]. (FABIANA); [...] quando a gente planejava no Pibid era muito legal, [...]
buscávamos material e em cima disso a gente criava, inventava. (PATRÍCIA)
A primeira experiência na sala de aula que eu tive, foi junto com minha
coordenadora e colegas. Cada uma era responsável por uma aula, mas a
153
Segurança foi outro elemento que a participação no Pibid lhes propiciou. Um elemento
subjetivo, mas construído a partir de situações objetivas vivenciadas no programa. Em seus
relatos, as professoras iniciantes foram mostrando as situações que favoreceram esse
sentimento de segurança: a ajuda mútua, o planejamento conjunto, as orientações pontuais da
coordenadora, o tempo para estudo e preparação de material, a oportunidade de rever o
planejamento, o fato de não ir para a sala de aula com dúvidas, a presença e o
acompanhamento da supervisora. Nota-se também que são ações e atividades de diferentes
naturezas, as quais reforçam os objetivos do Pibid, que, neste caso, foram significativas à
formação e ao início da carreira como expõe outra professora:
no Pibid supriu-lhes, pelo menos em parte, essa necessidade emocional, como revela uma
professora:
Além disso, nos depoimentos trazidos até o momento, as professoras certificam que o
programa busca romper com o modelo de formação docente que apenas instrumentaliza os
futuros professores para a ação, mostrando-lhes o lado oposto, o da prática pensada, refletida
e, por isso, promotora dessa segurança de que falam as professoras.
Gatti et al (2014, p. 111) em que o Pibid é ―considerado como uma das melhores iniciativas
em política coadjuvante à formação inicial de professores para a educação básica‖.
7.2 O ponto de vista das iniciantes sobre a inserção profissional: dificuldades e desafios
A depender de como encaram essa fase ou o modo como são recebidos no contexto
escolar, a entrada na carreira pode ser fácil ou difícil, amena ou inquietante, alegre ou triste
ou, muitas vezes, uma mistura desses sentimentos. Alguns professores conseguem passar por
essa fase de forma mais tranquila, inclusive fazendo importantes descobertas, mas a maioria
sofre as agruras do início da carreira.
Não foi diferente com as professoras iniciantes que participaram desta pesquisa. Seus
relatos mostraram que a inserção profissional tem apresentado uma diversidade de
sentimentos que vão do medo e insegurança, causados pelas dificuldades enfrentadas, às
alegrias e à sensação de bem estar e dever cumprido por estarem superando desafios
realizando descobertas pessoais e profissionais.
Pérez Gómez (2001, p. 131), nessa mesma direção, fala da cultura institucional
entendida como ―o conjunto de significados e comportamentos que a escola gera como
instituição social. As tradições, os costumes, as rotinas, os rituais e as inércias que a escola
estimula e se esforça em conservar e reproduzir [...]‖.
No contexto em que esta pesquisa foi realizada, a inserção das professoras iniciantes
não foi precedida por nenhum tipo de preparação ou acompanhamento especial, seja pelos
órgãos oficiais, seja pelas instituições escolares. Diplomadas e contratadas, as professoras
ingressaram no ensino e, mesmo que a formação inicial, incluindo o Pibid, tenha lhes trazido
maior segurança no enfrentamento da sala de aula, o momento da inserção profissional é
diferenciado e pode ser marcado pelo medo, como afirma a professora Cida: Aí eu pensava,
está com medo, mas vai com medo mesmo [...]. Isso porque a posição que passam a ocupar na
escola é completamente diferente da posição que tinham ocupado até então como alunas,
estagiárias ou pibidianas.
A escola tem papel fundamental na inserção profissional dos professores, o que sinaliza
que esse momento da carreira deve ser assessorado e compartilhado com aqueles que já
conhecem o seu funcionamento. Os professores iniciantes, mesmo que já tenham vivido
dentro dessas instituições como estudantes, não têm pleno conhecimento do que é produzido
no seu interior e, quando chegam às escolas, se deparam com conteúdos e formas de trabalho
instituídas e em funcionamento que já fazem parte da cultura da escola. O passo seguinte,
inevitável para os iniciantes, é captar essas formas e conteúdos, os princípios, as atitudes e
valores impregnados nas relações ali estabelecidas, além das normas e regulamentos oficiais.
É o momento em que irão conhecer o clima organizacional da escola, a forma como o
trabalho docente é organizado, as relações de poder, as hierarquias, os modos de agir e de
solucionar problemas, o que se valoriza mais, ou menos, enfim, irão se integrar nesse
contexto, apropriar-se da essência dessa cultura e, ao mesmo tempo, colaborar com a sua
construção, pois trazem saberes, alguns quadros de referência sobre o ensino, sobre os alunos,
além de muitas ideias formuladas durante seu processo formativo, as quais desejam colocar
em prática.
As dificuldades sentidas e relatadas pelas iniciantes são aquelas que a maioria dos
professores enfrenta ao encarar a sala de aula pela primeira vez. Em seus relatos,
evidenciaram-se medo, insegurança, ansiedade e tensão, isolamento, falta de apoio da equipe
gestora, falta de parceria com os colegas mais experientes, dificuldades na relação com os
pais, dificuldades por atuar em turmas mais difíceis ou em situações complexas, dificuldades
causadas pela falta de material didático e dificuldades por não ter voz ativa na escola pela
condição de iniciantes.
Dos sentimentos e dificuldades que se destacaram, alguns são unânimes e vividos com
maior ou menor intensidade pelas iniciantes, mas todos representando a experiência que tocou
cada professora nesse período de inserção profissional. Apenas a intensidade com que vivem
esse processo e os dispositivos do contexto em que estão é que difere o grau das dificuldades
sentidas por uma e outra professora. Mas, em qualquer circunstância, o início da carreira
docente é um momento especial da vida pessoal e profissional, marcado por uma fase em que
mudanças ocorrem de forma até avassaladora permeadas pelas relações estudante/professor,
profissão/emprego, escola/lugar de aprender, escola/lugar de aprender e ensinar,
amigos/companheiros/colegas de trabalho e muitas outras situações e relações que
surpreendem os novos profissionais a cada dia. Acredita-se, como Marcelo Garcia (1999), que
esse momento do desenvolvimento profissional dos professores precisa ser tratado na sua
particularidade, pelas características que apresenta. Os depoimentos das professoras iniciantes
justificam essa afirmação e elas contam como foram seus primeiros dias na escola:
As dificuldades que as iniciantes enfrentam em seus primeiros dias na escola não estão
escritas nos regulamentos e projetos pedagógicos e, tampouco, as professoras, quando chegam
às escolas, recebem uma lista de prováveis dificuldades que enfrentarão e a forma de como
lidar com elas, até que adquiram experiências. Mas, ocultamente, estão inscritas nas práticas
que já se encontram presentes no contexto escolar, nas formas de contratação e acolhimento,
nos espaços e modos de convivência, nas abordagens político pedagógicas do currículo que,
aos poucos, vão marcando as relações, determinando os significados e comportamentos e
160
produzindo a vida material, intelectual, social e cultural no interior das escolas, ou seja,
produzindo a cultura da escola.
Serem invadidas por esses sentimentos pode ter várias explicações e a literatura nesse
campo apresenta algumas: estar feliz por iniciar a vida profissional, por ter acesso ao mundo
do trabalho, o que pode significar independência financeira, maturidade, realização pessoal e
profissional; ou, são sentimentos que podem estar relacionados às condições da inserção que
nem sempre são favoráveis, por ocorrerem em contextos muito estranhos aos professores e
acenarem a situações complexas que ainda desconhecem.
[...]momento tenso foi no dia em que fui designada para a turma e eu tive
que ir para a sala de aula na mesma hora, sem nenhum planejamento. Fui
para a designação, na própria escola e quando fui chamada me
perguntaram se eu queria 3º ou 4º ano, eu escolhi o 3º e a pessoa me disse
que eu poderia ir para a sala de aula, que os alunos estavam lá a minha
espera, fiquei super nervosa, não sabia o que fazer, mas fui. Encontrei a
secretaria na sala com as crianças passando uma tarefa no quadro. Quando
161
Essa situação pela qual passaram as iniciantes foi confirmada pela supervisora dessa
escola, que durante a entrevista respondeu a um questionamento a esse respeito:
[...] de fato ocorreu com as meninas, porque foi no começo do ano naquele
tumulto de início de aulas, houve atraso no início das contratações e
tínhamos professores concursados chegando, outros sendo contratados,
matrículas sendo feitas e formando novas turmas, então isso aconteceu, as
meninas tiveram que assumir a sala assim no momento da contratação
porque as crianças estavam lá e não tinham professores. É sempre assim,
tudo de última hora e os professores é que sofrem com isso. Sei que foi uma
situação desconfortável para elas, mas tem hora que a escola não consegue
se organizar por conta da burocracia, porque as vagas têm que ser lançadas
com antecedência e os alunos já estão aqui, os pais já mandaram eles para
a escola, a escola não tem pessoal disponível, não tem como, principalmente
no começo do ano. (ANDRÉIA)
organizacional, agindo assim, a escola consegue manter a sua ordem interna e objetiva, mas
afeta as pessoas, seus modos de agir e, sendo professoras iniciantes, isto pode colocar em
risco seu desenvolvimento e sua integração à profissão.
Provavelmente, para as iniciantes, não foi a melhor forma de assumir uma sala de aula,
ou seja, sem nenhuma informação sobre os alunos, o conteúdo, a estrutura da escola, sem uma
preparação prévia e, como relatou a professora Naiara, foi no susto mesmo. Para a professora
Izadora, foi uma situação duplamente difícil, pois teve que enfrentá-la em dois momentos
distintos ao ser informada, no dia seguinte, que mudaria de turma. A mudança inesperada de
turma ratifica, ainda, o mecanismo sutil da escola de acomodar a vida profissional de
professores com mais experiência em salas de aula melhores ou menos difíceis e deixa
transparecer, conforme assinalam Giovanni e Guarnieri (2014), sua lógica interna que traz
implícita a configuração da trajetória profissional do professor iniciante, assumindo turmas
mais difíceis em contextos que lhe são completamente estranhos.
Nessa mesma direção, na chegada à escola, outras professoras relatam situações que
parecem determinar a organização do quadro de docentes/turmas da escola, levando em conta,
tão somente, o tempo de experiência na carreira como critério para atribuição de turmas, ou
seja, professores experientes – turmas melhores, professores iniciantes – turmas mais difíceis.
Os relatos abaixo ilustram esse arranjo do cotidiano das escolas:
[...] Nenhuma professora que já está na escola há mais tempo, com mais
experiência, quer pegar as turmas do Proeti, porque dá muito trabalho, a
gente tem que preparar material didático diferente, os alunos nem sempre
levam a sério as atividades, que, por serem mais lúdicas, parecem não ter
importância. Estou tentando mostrar que o programa é bom, que traz
benefícios para as crianças, mas nem mesmo a direção e a supervisão
parecem acreditar muito. Sinto, às vezes, que meu trabalho é em vão, que é
menos importante, isso é ruim. (AMANDA)
Comecei no berçário e nos primeiros dias, meu Deus!!! O que eu estou
fazendo aqui? [...] O berçário é muito particular, são bebês e quando
iniciamos, somos estranhas para eles. É bem difícil começar a dar aula
numa turminha de berçário [...] se eu tivesse a oportunidade de escolher eu
não escolheria berçário, mas como foi a oportunidade que eu tive e eu não
iria jogar fora, peguei e só depois eu descobri porque sobrou apenas o
berçário, é que ninguém quis, nenhuma das professoras que estavam na
creche queriam berçário, que além de ser difícil tem muitos rótulos,
professora do berçário é rotulada de babá, de que não tem conhecimento
163
pra ensinar por isso vai só cuidar e não é isso, eu sou professora, minha
função ali é cuidar e educar [...]. (NATHÁLIA)
O primeiro relato é de uma professora que atua na rede estadual em uma escola que
desenvolve o Programa de Educação em Tempo Integral - Proeti, que atende alunos em
situações de vulnerabilidade. Nota-se que é uma situação bastante contraditória, pois, se o
programa se volta para os alunos nessa condição, não deveria a escola designar para essa
turma uma professora com habilidades e capacidades comprovadas, cujo domínio de recursos
e estratégias atendesse às especificidades dos alunos? Acredita-se que a lógica deveria ser
essa, mas, contrariamente, não foi o que ocorreu e a professora levanta, pelo menos,três
motivos que explicam ser uma turma destinada a uma professora iniciante e não a uma
professora experiente: é trabalhoso, requer preparação de material didático com teor mais
lúdico, o programa não conta com a credibilidade de gestores e supervisores e os alunos não
levam a sério as atividades. Isso confirma o que expressa Darling-Hammond (2014, p. 235):
―Infelizmente, os professores novatos [...] são designados desproporcionalmente para os
alunos mais carentes [...]‖.
Esse depoimento é uma demonstração de que as turmas mais difíceis sempre ficam com
os professores contratados e, nesse caso, ficou com uma professora contratada, iniciante. Mas
o que se destaca é o fato de a escola, em detrimento do bem estar dos professores experientes
em assumir turmas melhores, deixa uma turma de alunos em condições de risco, como se vê,
ser assumida por uma professora iniciante. Não se discute aqui a competência da professora
que foi, inclusive, valorizada pela supervisora, mas a ação da escola que longe de pensar no
desenvolvimento profissional do professor preocupa-se apenas com a tomada de decisão
administrativa.
164
O segundo relato, de uma professora que atua em uma creche de natureza filantrópica,
também ilustra a situação, porém traz novas alusões à atribuição de turmas mais difíceis aos
novatos. A professora destaca os rótulos que se criam em torno de determinadas situações as
quais os experientes não querem se expor, nesse caso, a atuação no berçário vinculada à
função de babá das crianças. É preciso lembrar que a escola, no desenvolvimento de sua
função social, mais que conservar as formas de configuração de suas práticas, pode ser espaço
de questionamento e de transformação dessas práticas. As professoras iniciantes sabem disso
e, no grupo de discussão, quando a professora Nathália contou sobre sua entrada na escola,
uma colega interferiu e questionou por entender que essa não é a melhor maneira de
acolhimento aos iniciantes:
Não é fácil enfrentar esses desafios que acabam sendo limitadores do nosso
trabalho, principalmente nós que estamos iniciando, que temos muitos
sonhos, queremos fazer algo diferente para nossos alunos. Na graduação, o
tempo todo ouvíamos falar de uma educação transformadora, crítica, e
quando chegamos na sala de aula, nem sempre conseguimos fazer isso
porque a realidade nos impede. (PATRÍCIA)
As meninas têm razão, é muito complicado quando assumimos uma classe
nessas condições e ainda esses rótulos isso não é bom para nós, para o
nosso trabalho, principalmente na educação infantil que é uma etapa que já
é muito desvalorizada. Mas eu penso assim, que temos conhecimentos que
podem nos ajudar a superar isso, estudamos muito e quem fez o Pibid da
educação infantil acho que está mais preparada ainda. (FABIANA)
É isso que eu vejo, que somos muito desvalorizadas, porque mesmo no
berçário não é só cuidar das crianças, tem que estimular tudo, a fala, o
movimento e como vamos fazer isso se não compreendemos, se não temos
noção de como a criança vai desenvolvendo? Tem que ter conhecimento sim
e muito. (FABÍOLA)
165
Essas intervenções das professoras mostram suas inquietações quanto à forma como tem
ocorrido o início da docência. Reconhecem que são situações delicadas e até constrangedoras,
mas conseguem refletir e ir além dos limites que as práticas escolares impõem. Referem-se
aos rótulos e à desvalorização que ocorre aos professores da Educação Infantil, sem concordar
nem se lamentar, mas convencidas de que, mesmo sendo iniciantes, pelos conhecimentos
adquiridos na formação, incluindo o Pibid, podem contribuir com a escola e com os alunos.
Suas falas têm um tom incisivo, demonstram deliberação e conhecimentos que podem
mobilizar práticas profissionais efetivas.
Movidas, possivelmente, pela vontade de ter suas próprias salas de aula, as professoras
iniciantes acabaram se submetendo a essas diversas situações com as quais não ficaram
satisfeitas, mas souberam manejar. E, é isso que chama a atenção em seus relatos, a
disposição para assumir as turmas a elas designadas e o enfrentamento da situação. Retoma-se
aqui o ocorrido com as professoras Naiara e Izadora que tiveram que assumir as turmas
imediatamente após a contratação e contam como conseguiram driblar essa situação inicial:
Olha, não sei... mas acho que vem da minha formação mesmo, das coisas
que aprendi, da segurança que tenho quanto ao conteúdo que vou ensinar,
do que o Pibid me mostrou sobre a escola, é isso. (AMANDA)
Eu penso que é algo mais pessoal e vem da vontade que eu tinha de ter a
minha sala de aula, então, se eu consegui ter a minha sala, os meus alunos,
eu vejo isso como uma conquista, algo pelo qual eu batalhei. (NAIARA)
166
Mas, as ações das professoras, não desresponsabilizam a escola de seu papel junto aos
profissionais que estão chegando. Contratar as professoras e atribuir-lhes uma turma sem lhes
oferecer subsídios necessários, é uma prática bastante limitadora do cumprimento do papel
social da escola na relação com seus profissionais, especialmente, quando se trata de
professores iniciantes.
Pérez Gómez (2001) declara que a escola, ao agir com base apenas instrumental, nega
sua função socializadora, que é a essência do desenvolvimento institucional, indispensável
para que as atividades escolares tenham significação e relevância à própria instituição e aos
sujeitos que ali estão. Não convém à escola, que hoje é concebida culturalmente como espaço
de vida, de compartilhamentos, de convivência e de socialização, ―dessocializar as relações e
os intercâmbios docentes no incremento do controle técnico e burocrático [...]‖. (p.157).
Mesmo que prime pela objetividade para o alcance de seus fins, a escola não pode abrir mão
de atuar no desenvolvimento social, cultural e humano dos sujeitos.
Outra professora que também passou por situação similar em outra escola, faz uma
leitura da situação:
Eu penso que isso é uma forma de nos testar. A escola faz assim, vê que a
pessoa não tem experiência e quer fazer o teste, ver até onde a gente vai dar
conta, se vai ter domínio da sala de aula. Se dermos conta, aí ela vai te dar
o apoio, mas ela faz o teste primeiro. E eu falo conscientemente, não é algo
que parece ser, é algo que é, que acontece mesmo. (CIDA)
Diante dos dados empíricos, percebe-se a dimensão das dificuldades que as professoras
iniciantes têm vivenciado na fase de inserção profissional, pois ora são colocadas em
situações arriscadas, ora são testadas para saber do que são capazes. Não ter experiência na
docência, ao contrário do que pensa e faz a escola, como afirma a professora, é uma condição
que, por si só, legitima a necessidade de um acolhimento formalizado e sistematizado de
apoio aos profissionais iniciantes, pois isso as ajudará a desenvolver a capacidade de reflexão,
de crítica e aprender a ensinar, como afirma Marcelo Garcia (2009a).
167
Mesmo que tenham uma conversa inicial com as professoras iniciantes e dêem algumas
orientações, parece pouco, tendo em vista que as práticas escolares, no papel de professoras,
lhes são muito novas, algumas muito complexas, o que requer tanto sua predisposição para
aprender como as contribuições advindas do seu contexto de trabalho, especificamente da
equipe gestora e dos professores experientes.
Sob essa perspectiva, as queixas das docentes procedem, pois os dados evidenciam
―dias difíceis‖ em vez de atitudes acolhedoras e socializadoras como relata Patrícia:
A fala da professora, mesmo que demonstre certa aflição por não vivenciar na inserção
o que idealizou para si, parece ter um significado importante para sua atuação e
desenvolvimento na carreira, pois, reconhecer a distância entre o ideal e o real de uma sala de
aula e a necessidade de fazer o melhor. Confirma, com base nos estudos de Tardif e Raymond
168
Mais que as dificuldades sentidas, prevalece nas falas das iniciantes o desejo de seguir
em frente, fortalecidas por suas crenças e convicções e pela experiência que estão
adquirindo.Por mais difícil e complexo que seja o início da carreira, esse comportamento das
iniciantes é potencialmente favorável à inserção profissional e representa uma forma de
sobreviver na profissão, sem entrar no círculo vicioso da alienação e do desinvestimento,
conforme pontua Cavaco (1995).
Assim, infere-se que são esses movimentos realizados pelos sujeitos da escola e a
intensidade com que ocorrem é que definem o clima de trabalho de uma instituição escolar.
A escola, permeada por seus valores, suas tradições, rotinas e princípios, põe em
evidência um modo particular de atuação e organização que marca fortemente suas práticas. É
este modo particular de funcionamento que define, entre outras questões, as relações entre os
169
sujeitos e a forma como desempenham seu trabalho. E, nesse movimento, em que interesses,
desejos e saberes se entrecruzam, que o clima de trabalho vai sendo definido, desencadeando
fatores que influenciam o conteúdo e a forma como os sujeitos escolares se relacionam e
desenvolvem suas atividades.
Na presente pesquisa, toma-se o clima de trabalho como pano de fundo para abordar a
forma como as escolas em que atuam as professoras iniciantes lidam com o processo de
inserção profissional.
O que se manifestou às iniciantes com certa regularidade, foi um clima pouco favorável,
expresso pelo baixo nível de consideração e atenção com a pessoa e a profissional que estava
170
O comportamento das professoras experientes pode ser explicado pelo próprio fato de
saberem que as colegas são iniciantes, recém formadas, trazem saberes atualizados e isso pode
mexer com a escola, com a rotina a que estão acomodadas, como relatou uma diretora:
Eu percebo que tem uma barreira entre quem já está na escola com aqueles
que chegam, isso é o que acontece normalmente, parece que se sentem
ameaçados, porque quem está chegando, ainda mais se é jovem, que acabou
de formar como a Clara é ainda pior, não sei se é porque estudou
recentemente, está atualizada, ou se é porque é jovem e tem mais disposição.
(MARIA ELISA)
[...] porque elas estão sempre dispostas a fazer alguma coisa, como eu já
falei, querem sempre fazer algo diferente, aulas criativas, então isso
demonstra que não estão acomodadas e as outras vão percebendo isso e
começam a olhar com certa frieza as colegas. Não devia acontecer, mas
acontece quando chega uma novata. (VIVIAN)
A gente faz reuniões, tem o Módulo II de quinze em quinze dias que é uma
reunião com todas, tem as festividades, os projetos da escola, são essas as
172
Uma resposta evasiva que não diz sobre o que é feito concretamente, pois dependendo
da maneira como ocorrem as reuniões ou os encontros do Módulo II, não se pode dizer que
servem ao propósito de promover as relações interpessoais. Por isso retornou-se à pergunta,
questionando se havia alguma ação especifica voltada para integração das iniciantes ao grupo,
por exemplo, designar uma professora experiente para acompanhar a iniciante durante o
primeiro mês de trabalho. A resposta da supervisora, nesse momento, foi direta: ―Não, algo
especial assim não, nunca fizemos isso, mas quando elas precisam de alguma coisa elas me
procuram e sou eu que ajudo” (HELLEN).
Além dessa falta de solidariedade e de ações que amenizem o clima de trabalho, outro
aspecto que também se evidenciou na maioria das escolas, foi a falta de confiança nos saberes
das iniciantes. O relato a seguir, embora longo, é muito expressivo dessa falta de confiança no
trabalho de uma professora iniciante, substituta:
A minha experiência inicial foi bem marcante. Como eu disse, comecei como
professora substituta, uma licença maternidade, imagina, já é uma situação
difícil esse começo, como substituta então. Mas fui para a sala de aula no
primeiro dia decidida a fazer as crianças gostarem de mim. Preparei a aula,
algumas brincadeiras, levei balinhas, tinha que ter uma estratégia
inteligente, porque se eles não gostassem de mim, aí sim seria bem difícil. E
deu tudo certo, foi um dia longo, me perdi algumas vezes, a sala de aula
ficou um pouco barulhenta, mas foi bom. No dia seguinte a supervisora veio
dizer que eu devia seguir o plano da outra professora que estava em outra
turma do mesmo ano. Disse que ela tinha mais experiência e que isso me
ajudaria. Na hora eu até aceitei, mas depois de refletir um pouco sobre isso,
vi que isso não era certo. A turma dela era uma e a minha outra e apenas
reproduzir o que uma professora havia planejado fugia aos meus princípios,
ao meu aprendizado. Aí resolvi fazer do meu jeito. O conteúdo era
basicamente o mesmo, mas a forma tinha que ser a minha. Tudo isso me
chocou muito, me mandar fazer algo que já estava pronto, apenas aplicar,
acho que ela quis me desvalorizar como professora. Essa falta de confiança
no trabalho de quem está iniciando é uma forma de desvalorização, eu acho.
(MARIANA)
Mais do que as ações da professora iniciante que parecem indicar uma concepção de
educação centrada na aprendizagem do aluno, o que é bastante condizente com a literatura
173
atual, avalia-se a atitude da supervisora15 que não considera a classe como ponto de partida do
trabalho docente e toma o ensino como uma ação neutra que descaracteriza a necessidade
fundamental da relação entre professores e alunos. Nota-se claramente um embate de
concepções de ensino, tendo de um lado uma concepção aberta e flexível, de outro uma
concepção que se fecha em modelos padronizados.
Nesse sentido, percebe-se que a professora, mesmo tendo confiança em seus saberes e
determinação sobre sua ação, enfrenta grandes dificuldades no processo de inserção
profissional. Concernente a isso, Cunha (2012, p. 2) ratifica que os professores iniciantes ―são
jogados ao leo, sem que haja uma preocupação com a construção de sua profissionalidade e
com o acompanhamento cotidiano‖.
Eu também penso assim como a Mariana, é difícil chegar numa escola e ver
que suas crenças, seus valores, seus conhecimentos, podem ir literalmente
para o ralo e, no meu caso, só não foram ainda porque acredito que minha
base de conhecimentos é boa, o que eu aprendi durante minha formação e
no Pibid, principalmente, ainda é válido para mim. Tenho que acreditar
nisso, mas, por outro lado, não consegui ainda fazer com que as pessoas
confiem em mim, que dêem credibilidade ao meu saber, às minhas ideias.
Ainda não desisti de tentar e minha estratégia é me aproximar de alguma
colega que vejo que é mais acessível, que também quer tentar algo diferente.
(NARA)
A professora revela como se sente na relação com seus pares: falta de confiança em seus
saberes, no entanto, como afirma, são esses mesmos saberes que validam e motivam sua ação
docente. Este parece ser um dilema da profissão que recai fortemente sobre as iniciantes, ou
seja, ao mesmo tempo em que se sentem confiantes e motivadas, necessitam da credibilidade
e da confiança dos outros sobre seu trabalho.
15
Ressalta que essa supervisora não foi entrevistada nessa pesquisa, pois a iniciante já se encontrava trabalhando
em outra escola.
174
Mas, à medida que o tempo passa a gente vai ganhando confiança em nós
mesmas, a experiência vai mostrando qual a melhor forma e a hora certa
de agir, a família também passa a confiar mais, porque eles [os alunos] são
muito pequenos, muito dependentes. Mas, foram as discussões da
graduação, os textos lidos, as falas da coordenadora do Pibid, que eu vou
recordando e vendo que as coisas não estão perdidas e é isso que me segura
até hoje e digo isso com toda certeza, se eu não tivesse a formação que eu
tenho e um pouco de conhecimento sobre a educação infantil, eu não estaria
mais aqui. Agora, não posso negar que tenho aprendido muito e é isso que
me dá forças. (NATHÁLIA – grifos meus)
Dar conta de uma sala de aula, 25 alunos, cada um com suas
especificidades, desenvolver bem o conteúdo de forma que todos aprendam,
ter uma boa estratégia de ensino, é um pouco difícil e eu estou sozinha pra
fazer tudo isso, mas eu tenho conseguido, eu tenho que estudar todos os
dias, eu estudo mesmo, pego meus textos da faculdade, vou pra internet, e
isso me da mais segurança. Eu não fico parada e pra dar conta de uma boa
aula que seja interessante para o aluno a gente tem que virar uma super
professora. Mas eu gosto e acho que estou pegando o jeito, aprendendo a
dar aula essa é a verdade. (FABIANA – grifos meus)
Apenas os trechos em destaque dão sentido ao que sentem e fazem as iniciantes nesse
momento desfavorável da carreira. Desfavorável, porque não encontraram nas escolas um
ambiente que torna mais amena a tarefa docente ou que as levem a um lugar melhor e mais
confortável dentro da docência. Como declara Marcelo Garcia (2010, p. 5), esse é um grande
paradoxo que acomete aos professores iniciantes, pois ―enquanto as correntes atuais expõem a
necessidade de que os professores colaborem e trabalhem conjuntamente, nos encontramos
com a pertinaz realidade de docentes que se refugiam na solidão de suas salas de aula.‖
Com todo esse nível de desconfiança no trabalho das iniciantes, elas têm poucas
oportunidades para contribuir com a escola e suas ideias não são levadas a sério, sendo este
outro importante aspecto que interfere no clima de trabalho da escola.
Eu e a Nara que somos novatas lá, gostaríamos de fazer algo diferente, mas
nem sempre conseguimos. Às vezes arriscamos dar uma ou outra ideia que
nem sequer é ouvida ou se ouvem, parecem indiferentes. Temos vontade de
fazer coisas novas, um teatro, uma contação de histórias, mas tem um script
pronto que precisa ser seguido. Tem até uma fala interessante de uma
professora que já está quase aposentando que ao ouvir uma de nossas
ideias, disse que de fato ela está precisando sair, porque as mais novas
estão chegando cheias de ideias, mas ela não estava disposta a fazer isso,
porque daria muito trabalho. Então, é a isso que estamos expostas nas
escolas, eu até falei para a Nara outro dia, que estou ficando cansada, por
outro lado, se eu não fizer isso, não serei eu mesma, pois estarei deixando
de fazer o que acredito. (MARIANA)
A professora Mariana lamenta a falta de acolhimento de suas ideias pelas colegas, que
preferem seguir um ―script pronto‖, provavelmente, já naturalizado em suas práticas. A
professora se ressente da situação, declara-se cansada, mas mantém firme seus propósitos.
Para isso, conta com o apoio de sua colega, também iniciante, que em um depoimento
semelhante ao seu, expõe:
Mariana e Nara são iniciantes que atuam na educação infantil e é natural que queiram
preparar um teatro e contar histórias, pois são atividades muito apropriadas para crianças
nessa fase escolar. O relato abaixo, de outra iniciante, mostra de onde vem esse desejo:
No entanto, essa resistência a novas ideias, que poderia funcionar como uma desculpa
para deixar o barco navegar conforme a correnteza, teve outro significado para as iniciantes, o
da coragem, da determinação e da sensibilidade de dizer se eu não fizer isso, não serei eu
mesma, pois estarei deixando de fazer o que acredito(MARIANA); e,não desespera não, nós
vamos conseguir (NARA).
Acredita-se que este seja o motivo de não se entregarem a uma prática que, segundo
Fontana (2000, p. 110), ―nos expropria do ―ser profissional‖, na medida em que, reduzindo-
nos a executantes das normas, vai cerceando as possibilidades de produção e de elaboração,
em nós, dos saberes de nosso ofício, pela participação efetiva na sua organização‖.
O que eu mais sinto é não poder trabalhar em equipe como era no Pibid, a
gente fazia tudo junto, uma ajudava a outra, nossas ideias eram ouvidas e
mesmo que não fossem aceitas discutíamos outras formas, mas na escola
isso não ocorre, eu nem fico dando muitas ideias, porque não me ouvem,
umas colegas dão até umas risadinhas como se dissessem, isso é bobeira.
(FABIANA)
[...] há um grupo na escola, mas não com os mesmos propósitos, porque tem
muito individualismo, é cada uma na sua sala, cada uma realizando um tipo
de trabalho, sem discussões, sem reflexão, por isso eu digo que há muito
individualismo. O que eu mais sinto falta hoje é desse trabalho conjunto, de
encontros, reuniões para tratar das questões pedagógicas. (NATHÁLIA)
Da voz das supervisoras, não há referências a alguma iniciativa da escola que ampare as
iniciantes nesse processo, pelo contrário, afirmam que as iniciativas são das próprias
professoras que buscam aproximação das colegas e adaptação ao contexto das escolas, a fim
de encontrar uma maneira de ajustar-se à realidade. Nota-se, de um modo geral, que é pelo
próprio esforço e interesse que as professoras iniciantes têm procurado cuidar do ensino, das
aprendizagens dos alunos, das questões burocráticas que envolvem o trabalho docente e outras
inúmeras atividades que lhes são designadas. Não é fácil às iniciantes vencer, sozinhas, todas
essas dificuldades e, ao mesmo tempo, cumprir todas as suas obrigações, mas os dados vêm
mostrando que essa é a realidade da inserção profissional dos professores.
O que está em jogo, nesse caso, é a atitude das professoras iniciantes de se expor, de
querer se aproximar das colegas, de chamar para si o mandato da docência compartilhada,
para o que se encontra explicação nos estudos de Cochran-Smith (2012), que declara ser essa
uma postura de ―desprivatização da prática‖, que significa abrir seu trabalho para outros. A
desprivatização da prática ocorre, geralmente, em contextos em que a colaboração, a partilha
e o apoio mútuo estão presentes e, segundo a autora, permite às pessoas gerar conhecimentos
e construir seu trabalho sob bases coletivas. O que se nota, nesta pesquisa, é que as
professoras iniciantes, tanto estão tentando fazer isso, como querem que as colegas mais
experientes também o façam para que, mutuamente, se beneficiem das experiências e saberes
umas das outras. Elas desejam atuar de forma compartilhada como demonstram em seus
relatos:
Seria tão bom se a gente pudesse ter um momento semanal [pausa] acho que
é pedir muito né, poderia ser mensal mesmo, para podermos conversar,
estudar, discutir sobre a nossa realidade. Seria muito bom! Isso nos dá
força, lembram no Pibid como saíamos animadas dos nossos encontros de
estudo? Mas na escola é tudo muito isolado, cada um fazendo uma coisa
diferente e eu não acho isso legal. [...] e eu fico me sentido meio fora do
contexto, porque eu quero fazer aulas diferentes, um projeto compartilhado
que seja interessante para as crianças, mas as outras não querem.
(FABIANA)
Eu concordo com a Fabiana, nós tínhamos esse entrosamento no Pibid e na
escola é raro acontecer e isso é ruim porque a gente fica presa. Eu estou
pensando em propor para a minha colega realizarmos uma gincana de
matemática com nossos alunos, fizemos uma no Pibid e os alunos amaram,
179
Acredita-se que essa postura das iniciantes seja resultado do processo formativo que
vivenciaram, especialmente no Pibid, que lhes proporcionou ampla interação com as colegas,
coordenadora e supervisora do programa. Nesse sentido, com apoio em Lima (2002),
pondera-se que as concepções de trabalho compartilhado das professoras iniciantes têm bases
―fortes‖, mas se chocam com as bases ―fracas‖ de interação dentro das escolas, as quais,
contraditoriamente, têm sido obstáculos para a implementação da ação conjunta que desejam
e de uma inserção profissional mais prazerosa.
Esse parece ser o desejo das professoras iniciantes que em nenhum momento
demonstraram desânimo ou vontade de desistir da profissão, apesar das insatisfações que
sentiram. Suas reações frente às adversidades foram sempre positivas e é possível perceber
que estão conseguindo encaminhá-las na direção de um trabalho docente que prioriza a
aprendizagem dos alunos.
Tomando como base as pesquisas que tratam do início da carreira dos professores, nota-
se que na maioria delas, no período da inserção profissional, é comum que ocorra o ―choque
de realidade‖ descrito por Huberman (1992), o qual se fez presente as professoras iniciantes
que participam desta pesquisa, provocado principalmente, pelo medo, tensão, ansiedade e a
angústia dos primeiros encontros profissionais. Talvez, para algumas, o choque tenha sido
mais intenso e para outras um choque mais brando, mas em qualquer situação, evidenciou-se
a complexidade da inserção na carreira, mostrando a distância entre o que idealizavam para a
181
Eu concordo, acho que temos bagagem para fazer um bom trabalho sim, o
Pibid nos mostrou isso, fomos lá e fizemos, agora que temos a nossa sala de
aula queremos fazer ainda mais, precisamos desse espaço e não está sendo
fácil conquistar, olha o jogo de cintura que temos que ter para sermos
aceitas. (IZADORA)
E eu penso assim, a cada dia a gente vai amadurecendo, ganhando mais
autonomia, tomando decisões de forma mais segura. E, também, que coisas
boas contaminam, motivação gera motivação, otimismo gera otimismo,
então estou percebendo que todas nós estamos buscando isso, querendo
fazer diferente da forma como faz a escola, fomos motivadas durante a
formação a fazer isso. (MARIANA)
Suas reações surpreendem por não se submeterem às condições definidas pela escola da
escola. Outros sentidos, relacionados à descoberta e ao enfrentamento dos desafios, se
sobrepuseram ao choque de realidade.
Conforme Huberman (1992), a descoberta está vinculada ao entusiasmo pelo que se faz,
por iniciar na carreira escolhida, por fazer parte de um grupo profissional, o que agrega
responsabilidade e comprometimento no desenvolvimento da atividade profissional, mas que
funciona também como apoio no enfrentamento dos desafios da profissão. Assim, como um
182
A escola e a sala de aula são contextos que apresentam uma multiplicidade de fatores
que influenciam o trabalho dos professores e exigem o domínio teórico-prático dos
conhecimentos e o manejo de recursos diversos que favoreçam sua ação pedagógica. Ao
adentrarem as escolas, os professores iniciantes se deparam com essa realidade que ainda não
conhecem bem e são provocados a buscar as soluções necessárias aos problemas, a encontrar
respostas aos seus próprios questionamentos e aos dos alunos, enquanto lidam com toda a
complexidade do ensino. Se entusiasmados e providos do desejo de realizarem descobertas
acerca da docência, garantem forças para enfrentar os desafios da prática profissional.
Os desafios são entendidos nesta pesquisa na perspectiva de Freire (1987, p. 40) quando
assinala o valor de uma prática problematizada que é desalienante, não petrificada, cujo
enfrentamento resulta em compreensões que vão trazendo respostas às exigências postas pela
prática e ―se vão reconhecendo, mais e mais como compromisso‖ e, por conseguinte, gerando
transformações e aprendizagens.
Toma-se o depoimento da professora Patrícia que contou que logo nos primeiros dias de
trabalho, mesmo feliz por estar iniciando na profissão, sentiu o peso da responsabilidade que
havia assumido perante uma turma de alunos. Esse sentimento foi afirmado pela professora
quando revelou: eu tinha que ensinar e eles tinham que aprender, então isso pesa no começo
[...]. A professora parece ter encarado essa situação como um desafio que em pouco tempo
conseguiu superar. Eis o seu relato:
[...] Mas depois de uns dois meses fui me acalmando, porque aí já tinha
algumas coisas boas acontecendo, eu já tinha um bom relacionamento com
os alunos, estava conseguindo dar boas aulas, percebia que os alunos
estavam aprendendo [...]. (PATRÍCIA)
[...] Sinto que estou melhorando, meus sentimentos que antes eram um
pouco de desilusão, já estão se acalmando [risos] já me dou bem com as
crianças, já tenho mais confiança em mim, me empolgo quando a aula é
legal, quando vejo que os alunos estão aprendendo. Isso dá um gás na
gente. (CLARA)
O fato de Patrícia e Clara reagirem a esse desafio inicial não ocorreu por acaso, mas por
perceberem que os alunos estavam aprendendo e isso as motivou, reforçando a premissa de
Marcelo Garcia (2010, p. 6) de que ―a motivação para ensinar e para continuar ensinando é
uma motivação intrínseca, fortemente ligada à satisfação por conseguir que os alunos
aprendam, desenvolvam capacidades, evoluam e cresçam‖.
Desafios são motivadores e a professora Fabíola parece se sentir assim quando percebe
que sua ação está promovendo bons resultados. É uma ação que advém de uma concepção de
184
ensino que coloca o aluno como centro do processo ao proporcionar formas diversificadas
para sua aprendizagem e desenvolvimento. Profissionalmente, pode-se dizer que a forma de
atuação de Fabíola ultrapassa os conhecimentos intuitivos e experienciais que, se não forem
refletidos podem banalizar a ação docente e automatizá-la. (PAPI, 2011). A professora, pelo
contrário, mostrou compromisso com um conhecimento profissional consistente, construído a
partir de concepções atualizadas e coerentes com as necessidades dos alunos.
Outra situação desafiadora que parece fortalecer a relação das professoras com a
docência pela aprendizagem que possibilita, é a aceitação das condições de trabalho, mas não
no sentido da submissão e sim da acolhida de uma determinada circunstância que pode ser
transformada. E foi o que ocorreu com Nathália:
Assim como Nathália, outra iniciante relata o seu maior desafio e conta a sua estratégia
para superá-lo:
[...] meu maior desafio é dar conta dos alunos com dificuldades. Então eu
corro atrás quando eu não sei, procuro na internet, converso com uma
colega da faculdade [...] senão meus alunos vão sair perdendo e o que eu
mais quero é que eles cresçam, que aprendam, que cheguem ao final do ano
diferente da forma como estavam no início. E acho que já estou tendo
resultados. [...] acho que é a forma como eu trato meus alunos, eu gosto de
carinho e atenção então eu dou carinho e atenção aos meus alunos, a gente
conversa, eu ouço cada um deles, temos uma relação muito boa. [...] essa é
a melhor estratégia [...] (FABIANA)
185
Pode-se dizer que essa é uma forma legítima de aprender a ensinar, que toma a prática
como ponto de partida e se volta a um fundamento teórico, a fim de buscar respostas aos
problemas. Nesse sentido, Guarnieri (2005) ratifica a importância das aprendizagens de
professores iniciantes serem pautadas na relação teoria e prática e na identificação das
condições reais do contexto de trabalho. Atitudes como essa demonstrada pela professora
Patrícia, segundo a autora, não são muito frequentes no início da carreira, mas a coexistência
de criticidade, capacidade reflexiva e a percepção dos limites da prática, são importantes
186
Vencer os desafios, segundo Lima (2006) depende da forma como são encarados, das
condições dos contextos em que atuam e das oportunidades que os iniciantes têm para crescer
profissionalmente. Nesse processo, afirma a autora, os professores fazem descobertas
profissionais importantes, realçam aprendizagens e, com isso, vão sobrevivendo na profissão.
Os relatos a seguir não tratam explicitamente dos desafios das iniciantes, mas da forma
como encaram a docência.
[...] ensinar é o meu maior prazer, amo o ensino, amo o que eu faço e
mesmo que tenha sido uma descoberta recente, foi acertada demais, pois é o
que eu quero para minha vida, ensinar, aprender, isso é muito envolvente e,
ao mesmo tempo muito específico, porque precisamos de um conhecimento
específico para realizar o nosso trabalho. (CLARA)
[...] A docência foi a profissão que escolhi, me dediquei aos estudos, foram
cinco anos de estudo, muito estudo, muito [enfatizou], então tenho que
investir nisso. Estou experimentando coisas novas todos os dias, cada dia
uma ideia, um trabalho diferente, as crianças, nossa, eu amo tudo isso.
(FABÍOLA)
Outra implicação que se destaca nesse processo vivido pelas iniciantes é a constituição
da profissionalidade docente, aguçada pela postura e pela prática que elas têm assumido no
início de suas carreiras. A profissionalidade, segundo Lüdke e Boing (2012), é algo que se
constrói permanentemente na prática dos professores e está relacionada à capacidade de
intervir no processo de ensino e aprendizagem, de interpretar a realidade, de saber fazer; põe
em jogo, de um lado, afetividade e talento pessoal e de outro, a construção social do trabalho
docente, além de exigir iniciativa pessoal, capacidade de trabalho em equipe, atitude de
interação e capacidade de reflexão.
A par disso, infere-se que embora alguns desses elementos já tenham sido demonstrados
pelas professoras iniciantes, elas estão na fase inicial de constituição da profissionalidade.
Elas têm a seu favor, a formação inicial, incluindo a participação no Pibid, que parece ter tido
188
grande contribuição nesse processo, por ter-lhes oferecido subsídios teóricos e práticos
imprescindíveis à prática.
Na análise dos depoimentos das iniciantes foi sobressaindo a fala da professora Tamara
que parecia um pouco diferente das outras. A princípio não foi possível perceber de onde
vinha o tom e a expressividade com que Tamara relatava sua experiência, mas, aos poucos,
notou-se que a diferença estava tanto no propósito da professora para sua carreira quanto no
contexto escolar em que se encontrava.
Porém, essa impressão parecia contraditória, pelo fato de que outras duas professoras
iniciantes, Mariana e Nara, também atuavam nessa escola e seus depoimentos não traziam a
mesma ênfase da professora Tamara.
Diante desse impasse, uma releitura dos dados mostrou alguns indícios que poderiam
explicar os fatos. As professoras Mariana e Nara16 atuavam no turno matutino, e eram
acompanhadas pela supervisora Marta17 e a professora Tamara era acompanhada pela
supervisora Alessandra no turno vespertino.
Na minha escola, a supervisora, como eu falei, ela não é muito de nos ouvir
não, vejo que tem uma atitude assim bem impositiva, traz as coisas prontas
sabe. Ela é também um pouco autoritária e as professoras, as mais antigas
da escola, aceitam, o que para elas é bem mais cômodo. Isso me incomoda,
16
As professoras Mariana e Nara, quando foram para essa escola, atuaram no turno vespertino, mas, no ano seguinte, foram
transferidas para o turno matutino no qual estavam atuando quando foram convidadas a participar do grupo de discussão.
17
Supervisora Marta não participou da entrevista coletiva realizada nessa escola com a ex-diretora, a diretora atual e a
supervisora do turno vespertino.
189
Eu me formei ano passado e saí do Pibid por isso. Agora já tenho a minha
sala de aula na mesma escola que fiz o Pibid. [...]lembro bem do que falei
no dia que tivemos a roda de conversa na escola para encerrarmos as
atividades do estágio, bati na mesa e disse: quando eu terminar o meu curso
minha primeira experiência como professora vai ser nessa escola. E estou lá
hoje, é a escola que eu queria iniciar a minha carreira e estou muito feliz
com isso. Outro dia, bati na mesa novamente, no mesmo lugar da outra vez e
190
disse: hoje eu sou contratada, mas vou prestar o concurso e vou ficar onde
eu estou. E, eu quero me qualificar, fazer uma especialização, um mestrado,
mas para ficar onde eu estou, para atender essas crianças, eu sei que tenho
que buscar isso, uma formação cada vez melhor, mas que seja voltada para
o chão da escola, especificamente para a educação infantil que eu amo e é
aqui que quero ficar. (TAMARA)
Desde a formação, como se pode notar, a professora tinha o desejo de trabalhar nessa
escola de Educação Infantil. Formada, conseguiu uma vaga na escola e iniciou suas atividades
profissionais. Durante o grupo de discussão, não houve questionamentos acerca de sua
entrada, mas sabe-se que o processo de contratação nas escolas municipais de Ituiutaba se dá
por meio de uma seleção simplificada. Assim, seu propósito inicial foi alcançado, o que a fez
sentir-se feliz na carreira e ter muitos planos pela frente. E o que ocorreu logo após sua
chegada à escola foi surpreendente a ela:
[...] enfrentei, não ia deixar a peteca cair nesse momento e o apoio que as
colegas e a supervisora me deram foi muito importante. Disseram-me para
ter calma que eu ia conseguir. As colegas me ajudavam com material ou
mesmo as mais antigas de casa iam à minha sala oferecer ajuda e realizar
alguma atividade comigo e as crianças. Isso foi muito bom no começo,
porque como elas já tinham um manejo melhor com as crianças eu fui vendo
como fazer e quando eu estava sozinha eu tinha pelo menos uma referência.
As colegas que me diziam: calma, conheça seus alunos, faça bem seu
planejamento e dê um tempo a você mesma para ir se acostumando com a
situação, porque sem conhecer seus alunos, pelo menos um pouquinho, você
não vai conseguir atender ao que eles precisam. (TAMARA)
Isso parece ser o que, de fato, uma professora iniciante precisa quando chega à escola
para assumir, pela primeira vez, uma sala de aula. Mesmo que tenha ficado meio apavorada
enfrentou a situação, mas não o fez sozinha, contou com a ajuda de suas colegas e da
supervisora. Conselhos, ajuda com material, acompanhamento na realização das atividades,
foram ações dedicadas à professora e, sem nenhum plano ou projeto formalizado de apoio a
iniciantes. Tais ações muito se assemelham, conforme Marcelo Garcia (2010), àquelas
desenvolvidas em programas de inserção profissional, pois incluem oportunidades
colaborativas à professora iniciante, assessoria em sua classe para ir dirimindo os problemas
da prática, dispor dos conselhos das colegas mais experientes e da supervisora e ter a
oportunidade de realizar planejamento conjunto. A proximidade com as colegas, a
disponibilidade delas em ir à sala de aula e realizar uma atividade em conjunto com a
professora iniciante foi se efetivando na prática e lhe fornecendo referências para o trabalho.
Em outro momento, Tamara relata um episódio que ocorreu em sua sala de aula e, com
isso, confirma, mais uma vez, o apoio que recebe:
191
Para ela, seis meses de experiência docente já tem um grande significado, sobretudo
porque obteve ajuda de suas colegas. Assim expressa:
Agora, com quase seis meses na sala de aula posso dizer que sou dona de
mim, dos meus alunos e da minha sala. Já não tenho mais medo, a sala de
aula da educação infantil, crianças de quatro anos e meio já não me
assustam mais. Mas no começo eu estava “perdida”. Minhas colegas me
ajudaram muito, me diziam que eu tinha que seguir o objetivo para aquela
fase que estavam minhas crianças, fui fazendo e, devagar, o tumulto foi
passando. É claro que essa realidade muda, ano que vem serão outras
crianças, talvez outra série e as coisas podem voltar a me assustar, mas
creio que não como no comecinho de tudo. (TAMARA)
Eu posso dizer que estou muito feliz, estou na escola que eu queria estar
porque é uma escola que eu amo, me identifico muito com a educação
infantil, me identifico com as pessoas que estão aqui e isso para mim é
motivo de muita alegria. Quero contribuir com a escola, fazer um trabalho
legal, contribuir com o crescimento dos meus alunos. Na faculdade a gente
imagina a escola de um jeito, mas quando passei a conhecer a escola com
um olhar de professora, desde o Pibid, fui percebendo outros lances, hoje
sinto de perto o tamanho da responsabilidade, dá um certo medo, mas
também um prazer enorme por fazer parte disso, poder contribuir com as
crianças, com as famílias, então é isso, prazer e orgulho da profissão que eu
escolhi. (TAMARA)
A alegria, o prazer e o orgulho que sente a professora por estar exercendo a docência
são referências de boas imagens construídas até então. Assevera-se que essa não é uma
construção simples para uma professora iniciante pelo fato de que o valor social que se criou
sobre a profissão docente, explicado pelo baixo status profissional, pela desvalorização
salarial, pelas condições de trabalho, pelas dificuldades que as tarefas docentes impõem, têm
desestimulado, especialmente os jovens, a investirem nessa área de formação e na carreira e,
tem acentuado a construção de imagens negativas sobre a profissão, como bem assinalam
Almeida, Tartuce e Nunes (2014). Por isso, infere-se que uma professora iniciante como
Tamara, que acabou de se formar e já conseguiu construir boas imagens da docência, poderá
se comprometer cada vez mais com a profissão, com seu próprio aprendizado, com o
aprendizado de seus alunos e, assim, desenvolver maior segurança no exercício de sua prática
pedagógica.
Há que se destacar que toda a dinâmica institucional que a equipe gestora desenvolve,
em especial, a supervisora Alessandra, para incluir as professoras iniciantes no processo, pode
fazer, como nesse caso, uma grande diferença à inserção profissional. Nota-se, pelos
depoimentos, que há um clima de trabalho favorável a isso, as relações entre professores são
facilitadas e incentivadas e o trabalho compartilhado é real e efetivo. Tal fato foi comprovado
na pesquisa de Simon (2013), ao afirmar que quando os professores encontram algum tipo de
apoio nas escolas, se sentem realizados e satisfeitos com as condições em que a opção
profissional vai se concretizando.
Em seu depoimento, a ex-diretora Nele, fala um pouco mais sobre esse processo na
escola:
A diretora confirma a dinâmica de apoio às iniciantes, embora, como relata, não exista
na escola um projeto formalizado. Expressa que quando necessário desenvolvem ações de
acompanhamento a quem está chegando. Conta que designou uma professora experiente,
muito colaboradora, para acompanhar uma iniciante. O que se observa é uma ação de
mentoria ou tutoria, muito próxima daquelas desenvolvidas em projetos e programas de
inserção profissional em que um professor experiente que detém reconhecida competência
profissional, assessora um professor iniciante.
Essa postura assumida pelas diretoras e supervisora, de optar por uma organização escolar e
institucional que acolhe as iniciantes, embora não tenha sido reconhecida durante a entrevista,
como um ―novo profissionalismo‖, pode ser interpretada nesse sentido, a partir da perspectiva de
Marcelo Garcia (2010) que se respalda na disposição das pessoas e das instituições em
desenvolver ações de qualidade, comprometidas com as mudanças que a contemporaneidade
exige dos professores, que requer um ambiente de colaboração e de trabalho em equipe voltados
para a aprendizagem de professores e alunos. É muito provável que as ações empreendidas na
escola como a valorização do trabalho em equipe, a colaboração e a partilha, o planejamento
conjunto, a função de mentoria assumida por professoras experientes, deem vazão a esse novo
profissionalismo que parece estar marcado pela adesão pessoal das diretoras, supervisora,
professoras experientes e professora iniciante, a um projeto educativo em andamento.
— N A I AR A
Como se sabe, cada fase da carreira docente carrega características que vão definindo
compromissos e atitudes profissionais aliados à experiência que os professores adquirem enquanto
exercem a docência. Não são características lineares e não se manifestam igualmente a todos, mas
ajudam a desenhar um perfil dos professores em cada etapa da carreira.
As professoras iniciantes que participam desta pesquisa têm, sem dúvida, traços
de iniciantes e, na transição de estudantes a profissionais viveram sentimentos de medo,
angústia e tensão, se desequilibraram e reequilibraram entre a sobrevivência e as
descobertas e viveram expectativas e dificuldades diversas, como a maioria dos que
iniciam na carreira. As dificuldades estavam mais relacionadas ao contexto em que se
encontravam, ou seja, a forma como a escola as acolheu, a pouca visibilidade que
tiveram como profissionais novatas adentrando a escola, a falta de uma socialização
assistida, falta de colaboração dos professores mais experientes, atribuição das turmas
difíceis, ou daquelas que estavam sobrando. Mas, mesmo que essas dificuldades tenham
atravessado a inserção profissional, causado tensões e feito aflorar sentimentos
negativos, as professoras foram se ajustando às relações institucionais, aos pares e aos
alunos e, também, às relações com o conhecimento e com a própria profissão,
demonstrando um progressivo amadurecimento profissional que as levou, em diversas
situações, à condição de professoras experientes. Mais precisamente, observou-se um
conjunto de competências profissionais sendo desenvolvidas de forma particular, em
estreita relação com as condições de trabalho, diga-se de passagem, bem complexas.
É nesse sentido que se pretende estruturar essa parte da análise, mostrando de que
maneira e em que situações as professoras iniciantes estão fazendo constituindo sua
profissionalidade.
De acordo com os dados que emergiram, tanto das falas das professoras iniciantes
como das diretoras e supervisoras, observou-se que há aspectos subjetivos e objetivos
que ajudam a explicar esse processo. Os subjetivos tratam de questões como autonomia,
equilíbrio profissional, determinação; quanto aos aspectos objetivos, são relacionados à
prática das professoras, ao seu fazer cotidiano. São elementos que se interrelacionam,
pois na objetividade das ações das professoras, a subjetividade vai se manifestando.
197
Ela não fica parada, está conosco há quase um ano e todos os dias
ela tem uma coisa diferente que quer fazer e quando não tem os
recursos que ela quer, ela inventa, é uma brincadeira, é uma batalha
com os alunos, é um passeio pelo bairro. Outro dia eu tive que deixar
aqui as minhas atividades e ir com ela dar uma volta pelo bairro,
porque a gente pede que a professora não saia sozinha com os alunos,
são muitos e pode ser difícil para ela. Então eu tive que ir e ela disse
aos alunos que iriam para um trabalho de campo. Achei legal e até
achei bom acompanhar a turma. Antes de sair ela conversou com as
crianças e disse que deveriam observar tudo no bairro, as ruas, as
casas, se tinha comércio, sinalização de trânsito, então antes, ela
preparou os alunos para o passeio. (HELLEN)
201
Pelas vozes das supervisoras é possível apreender a forma como estão atuando e
percebe-se que há equilíbrio entre o que sabem e o que fazem e como lidam com
situações inesperadas da prática.
Nos depoimentos, além de perceber que há equilíbrio entre o que sabem e fazem
as professoras, comprovando que detêm conhecimento sobre o ensino, tanto do
conteúdo como da forma, é possível perceber duas professoras iniciantes resolvendo
situações complexas da prática. A argumentação segura de Naiara acerca da questão da
prova e a iniciativa de Izadora em conversar com a mãe de seu aluno, criaram
possibilidades para potencializar o contexto da ação docente, pois não houve
imobilismo frente a essas situações inesperadas, pelo contrário, reagiram. A supervisora
de Izadora confirma como a intervenção da professora potencializou sua ação em
benefício do seu aluno. Em continuidade ao seu relato, ela conta:
A mãe saiu muito satisfeita daqui [...] a professora combinou com ela
que ia trazer uns jogos voltados para a leitura e a escrita e trabalhar
com ele e que ia mandar para casa para a mãe fazer o mesmo. Foi
isso, ela trabalhava o alfabeto, os nomes dos colegas, o nome dele, as
palavrinhas do cotidiano dele, fazia jogo de memória, bingo e ele já
melhorou, está reconhecendo algumas palavras. Na sala a professora
passou a colocar os alunos em dupla e sempre tem um colega
assentado com ele, ajudando. Está indo bem [...] eu estou
surpreendida com essa atitude dela, ela é novinha, está começando e
dando conta. (VIVIAN)
Além de todo o contexto que mostra a disposição para uma ação em benefício do
aluno, é uma ação que sugere, também, uma aprendizagem docente. A atitude da
professora Izadora comprova sua capacidade de reconhecer e gerir um problema da
203
prática, de modo que um aluno não se perca ou se esconda por traz da rotina da sala de
aula, o que não é difícil ocorrer se a professora não estiver atenta ao que está
acontecendo ali. A supervisora ainda comenta:
Vejo que ela tem vontade e coragem para enfrentar os problemas, não
fica parada esperando a criança sair da situação sozinha e a gente
sabe que isso não vai acontecer se o professor não estiver atento aos
alunos, principalmente os que têm dificuldades, eles, sozinhos, não
avançam, não aprendem. (VIVIAN)
Essa é uma ação típica de quem já sabe onde buscar ajuda e o que fazer para
intervir. Sabe-se que esse é um problema da prática e que para problemas dessa
natureza, não há prescrição, pois são imprevisíveis e peculiares ao contexto. Assim, uma
possível explicação para esse tipo de atuação de uma professora com tão pouca
experiência, pode ser a participação no Pibid que a colocou em contato com a prática
docente, onde pode observar a ação dos professores, analisar concepções, planejar e
desenvolver atividades, fato que lhe possibilitou a construção de referências importantes
para os problemas a serem enfrentados em sala de aula.
Numa leitura crítica da realidade, feita por uma das iniciantes, esses domínios se
manifestam.
Esse relato, demonstra que a sala de aula é um espaço de diversidades e que uma
professora iniciante se preocupa com essa questão. Não é comum que isso ocorra, pois,
205
Dessa forma, pode-se inferir que não são os anos de experiência que contam para
que as professoras ensinem bem e desenvolvam competências pedagógicas, mas a
maneira como se envolvem com a docência e a disposição para perceber as
necessidades do cotidiano e agir sobre elas.
A par disso, tem-se o relato de uma supervisora que confirma que as professoras
iniciantes têm preocupações em atuar conforme a realidade:
Esse resultado é perceptível também aos outros, como relata a diretora Eliana:
206
Mais uma característica notada é que não engessam suas práticas em atividades
que não levam a bons resultados tomando a flexibilidade como pressuposto de suas
ações: ―eu procuro resolver os problemas dos meus alunos, quando eu não acerto,
procuro fazer de outro jeito, sei que não posso ficar parada” (FABIANA); ―se eles estão
aprendendo, isso significa que estou num bom caminho, que as minhas escolhas estão
sendo boas, mas se percebo que estão tendo dificuldade, aí eu tenho que rever e
procurar saber o que está acontecendo” (CLARA); “preocupo com a forma como vou
ensinar, tento fazer coisas diferentes, [...] invento algumas. Acho que isso de
diversificar a forma de ensinar ajuda o aluno a compreender melhor, se não entendeu
de um jeito, talvez com outra explicação, entenda melhor” (CIDA).
Dessa relação entre teoria e ação ou saber e fazer, é que se adquire o que
Malglaive (1997, p. 57) denomina como inteligência ―prevenida‖, ou seja, uma
inteligência construída a partir de um saber na ação, mobilizado, em simultâneo, com os
saberes teóricos, que juntos ajudam a compreender a própria experiência. Advém de
uma experiência pessoal, que se constrói eficaz, se articulada a um fundamento teórico
coerente à ação. Por uma metáfora, o autor ilustra: não se aprende a podar roseiras
apenas comprando um livro que ensine a técnica, ―para se saber podar roseiras, tem de
se podar roseiras‖. (p. 56). No mesmo sentido, pode-se afirmar que não se ensina
crianças apenas a partir dos preceitos teóricos encontrados nos livros, para saber ensinar
crianças, tem-se que ensinar crianças. É o que as professoras iniciantes estão fazendo,
207
pois nota-se que mostram essa inteligência ―prevenida‖ aliando saber e fazer, como se
pode perceber no relato da professora Clara:
Mesmo que fale de características que outros relatos já mostraram como, o aluno
no centro do trabalho da professora, a utilização de estratégias que suas atendam
necessidades e a preocupação com a aprendizagem, transparece na fala da professora a
208
Não são apenas nesses relatos que se observa a presença da autoformação das
iniciantes. Em muitos outros expostos anteriormente, as professoras apontaram
elementos que confirmam esse processo como, por exemplo, a problematização da
prática, a adoção de um estilo próprio de trabalho que vai sendo gestado na ação e que
está sempre em evolução, a responsabilização pessoal e social sobre a aprendizagem de
seus alunos e sobre seu próprio desenvolvimento profissional, entre outras.
como se viu. Mas chama-se a atenção para o fato de que são professoras iniciantes num
período da carreira em que é comum voltar-se para si, tentar criar uma imagem de
sucesso, preocupar-se com o que os outros pensam delas. Porém o que se nota é que
suas preocupações são outras, estão em outro estágio, de ―pujança‖ ou de ―avanço‖
profissional, preocupadas com o ensino e com seus alunos, característica comum aos
professores que se encontram na fase seguinte, da estabilização (HUBERMAN, 1992),
em que os docentes já demonstram uma conexão maior com a profissão.
Tem mais uma coisa, são felizes, estão felizes na docência. [...] Nunca
as vi reclamar de alguma situação, de que estão cansadas,
desanimadas, estão sempre de alto astral. São disponíveis para a
escola, quando a gente propõe algo, se envolvem mesmo. Reafirmo
esse diferencial das pibidianas, porque outras iniciantes não são
assim envolvidas nesse nível. (NELE)
Eu percebo que essas professoras vieram para a docência com muita
vontade de trabalhar, são alegres, têm uma vontade grande de estar
na sala de aula, de ter contato com a criança, mas principalmente
com vontade de ver um bom resultado do seu trabalho. Sabem o que
querem e tem conhecimento, isso para mim é tudo. [...] (FERNANDA)
O que dizer mais das professoras iniciantes, a não ser que há uma
profissionalidade sendo construída e em muitos aspectos já desenvolvida?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mas eu acho que é isso que faz a gente crescer, não adianta...
a sala de aula é um jardim, mas nem tudo são flores, há os espinhos não é?
Bem-vindas à realidade!
— T AM A R A
Mirisola (2012); Leone (2011), Papi (2011), Corrêa (2012) e Giordan (2014), entre
outras, mostraram que os iniciantes são designados às escolas onde há vulnerabilidade
social acentuada; assumem as turmas mais difíceis; sentem-se sozinhos, abandonados, à
mercê da própria sorte; são invadidos por sentimentos de medo, insegurança, incertezas;
lutam para serem aceitos entre seus pares; recebem pouco ou nenhum apoio da equipe
gestora.
Quando existem, são iniciativas pontuais, embora tenham assegurado aos novos
docentes uma entrada mais tranquila na profissão, como mostrou o estudo de Gatti,
Barreto e André (2011). No entanto, mesmo que tenham um valor real nos contextos
em que estão sendo desenvolvidos, essas iniciativas atendem uma parcela pequena de
professores, fato que comprova a problemática desse campo: a grande maioria dos
iniciantes ainda está exposta às agruras do início da carreira. Dir-se-ia, metaforicamente,
que eles estão tentando voar, mas suas asas, ainda curtas, não permitem, e, na tentativa
de realizar o voo, há um grande esforço, que pode ser bem sucedido ou vir
213
Assim, esse foi o cenário que esta pesquisa encontrou ao adentrar o campo da
formação de professores. Com o objetivo de analisar o processo de inserção profissional
de egressos do Pibid e tendo como via metodológica a abordagem qualitativa, foi-se em
busca de conhecer, dialogar, aproximar ideias, aprofundar conhecimentos acerca do
início da carreira dos professores. As iniciantes, ex-pibidianas foram as protagonistas
principais, mas obteve-se a colaboração de diretoras e supervisoras da escola.
Levadas à vida profissional, o caminho estava aberto a elas e, para onze, das doze
professoras participantes, as condições da inserção profissional foram permeadas por
sentimentos de insegurança, medo e tensão, dificuldades e desafios de diferentes
naturezas. Uma das professoras teve o privilégio de encontrar apoio humano e
profissional, o que elevou sua inserção a uma ordem diferenciada, prazerosa e muito
tranquila.
Uma declaração como essa mostra como o processo de inserção das professoras,
nesse contexto, está desprotegido. Quando a professora diz que tem que ―dar conta‖,
essa é, substancialmente, uma denúncia de que não há apoio institucional aos iniciantes
e que fica a critério de cada um, individualmente, nadar ou afogar-se.
pois lhes faltaram maior consideração e atenção e elas mesmas tiveram que buscar
equilíbrio interno para enfrentar a situação.
Para uma das professoras, a inserção profissional foi bem mais amena e,
novamente, o contexto de trabalho e o clima institucional foram os elementos chave. A
professora Tamara encontrou solidariedade e companheirismo de pessoas dispostas a
ajudar. A começar pela supervisora que fez toda a diferença no acolhimento e apoio a
ela, seguido da diretora que, com muitas atividades de âmbito administrativo, ainda
concedeu-lhe atenção em momentos cruciais. O profissionalismo demonstrado ao
flexibilizar ações, ao se comprometerem com a professora e seus alunos, ao estimularem
o desenvolvimento de uma cultura de colaboração entre pares (iniciante e experientes),
foi mobilizador do contexto escolar em benefício de uma professora em início de
carreira. Não faltaram momentos de acompanhamento, discussão sobre a prática,
conselhos pessoais e profissionais que foram resultando em segurança e confiança da
professora na sua capacidade de lidar com as crianças e de ensiná-las.
Seus relatos mostraram que não se aceitavam algumas das práticas naturalizadas
na rotina escolar e reagiam a isso, criando situações mais críticas e criativas de ensino e
aprendizagem e implementando propostas desafiadoras tanto a elas como aos
alunos,atitudes que as levaram à condição de professoras experientes – ou competentes,
mesmo sendo ainda iniciantes.
O curso de formação inicial, Pedagogia, teve uma grande contribuição pela linha
de trabalho que desenvolve e que foi nitidamente expressa pelas iniciantes, portanto,
não se trata de uma opinião, ou uma avaliação do curso, mas uma afirmação
fundamentada nas evidências que as professoras trouxeram. Complementar ao curso,
participaram do Pibid, programa que, objetivamente, insere os licenciandos no contexto
escolar e que segundo as iniciantes, foi fundamental a elas.
Considera-se, assim como Garcia e Silveira (2015), que o Pibid tem sido um
―divisor de águas‖ enquanto política pública de formação de professores, pois rompe
com o modelo que apenas instrumentaliza os futuros professores para a ação, ao
implementar uma lógica teórico-prática que os ajude a responder com conhecimento e
criatividade os problemas e necessidades da prática pedagógica que desenvolvem.
A par disso, tem-se a preocupação com o fim do Pibid, questão que tem sido
amplamente discutida nas universidades e nas instâncias de apoio ao programa. Mesmo
não sendo objeto desta pesquisa, ficou claro o quanto contribuiu na formação e prática
docente desse grupo de professoras e também na formação de outros professores, como
têm mostrado as pesquisas e os estudos avaliativos do programa. Espera-se, nesse caso,
uma decisão política geradora de bons resultados como foi até agora para a formação
dos professores.
A formação pelo Pibid é desejada pelos sujeitos, uma vez que a entrada no
programa é voluntária e, segundo Ambrosetti et. al. (2015, p. 390) o fato de acontecer
―no cenário real do processo de ensino e aprendizagem, compõe e renova os saberes da
experiência de cada um dos envolvidos, elevando a qualidade do trabalho nas escolas
públicas, ao mesmo tempo em que reverbera no trabalho realizado na graduação‖.
Dessa perspectiva, infere-se que a formação inicial pode influenciar a forma como
os professores lidam com a docência, na medida em que os envolve na análise do
processo de ensino e aprendizagem e os ajuda a focalizar no aprendizado do aluno. Essa
é, provavelmente, uma das respostas ao questionamento acerca da forma precoce com
que as iniciantes tiraram o foco de si mesmas no processo de inserção profissional e
concentraram-se nos objetivos didáticos do ensino e na aprendizagem de seus alunos e
alunas.
______. Pesquisa em Educação: buscando rigor e qualidade. São Paulo: Fundação Carlos
Chagas, Caderno de Pesquisa, nº.113, julho, 2001. p.51-64
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VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
APÊNDICES
CONSENTIMENTO
Eu, _______________________________________________________________, RG nº
_________________ acredito ter sido suficientemente informado (a) e concordo em participar como
voluntário (a) da pesquisa descrita acima.
_______________________ ____________________________
Participante Glaucia Signorelli de Q. Gonçalves
Pesquisadora responsável
240
CONSENTIMENTO
Eu, _______________________________________________________________, RG nº
_________________ acredito ter sido suficientemente informado (a) e concordo em participar como
voluntário (a) da pesquisa descrita acima.
____________________________ ____________________________
Participante Glaucia Signorelli de Q. Gonçalves
Pesquisadora responsável
241
APÊNDICE II
Desenvolvimento
4. Quais os principais desafios nesse início de carreira?
APÊNDICE III
4. Percebe diferença no trabalho de uma professora iniciante que foi do Pibid e uma
que não participou do Pibid?
8. Você acha que essas professoras trazem boas influências para a escola?
APÊNDICE IV
QESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO
1. Idade: