Direito Das Coisas

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Aula 1 – Direito das Coisas – Professor Carlos Elias

Direito das Coisas é um livro que trata de três aspectos referentes à relação jurídica
entre a pessoa e a coisa:

1. Posse (arts. 1196 a 1224)


2. Direito Real (arts. 1225 a 1510-A) – Inclui o Fundo de investimento por expressa
previsão legal no art. 1368-C.
É possível direitos reais sobre bens incorpóreos, quando houver lei (exemplo:
Direito real de penhor de direitos e de títulos de crédito – 1451 e seguintes)
3. Direito de Vizinhança (arts. 1277 a 1313).
O vínculo jurídico que há entre a pessoa e a coisa pode ser uma posse, uma detenção
ou um direito real.
*Outros tipos de titularidades não disciplinados pelo direito das coisas:
Direitos autorais, direitos da personalidade (nos direitos da personalidade o objeto se
confunde com o sujeito de direito, pois é parte integrante dele), propriedade
industrial, Direitos pessoais ou obrigacionais (direito de crédito).
Que tipo de vínculo a pessoa tem com a coisa?
 Direito Real
 Direito da personalidade
 Posse
 Detenção
 Direito pessoal ou obrigacional
 Direito autoral

Aula 2 – Direito de Vizinhança:

O direito de vizinhança é transversal aos direitos reais. São regras que disciplinam a
relação entre o titular de um direito real ou de uma posse (ou detenção) e os vizinhos.
Portanto, o direito de vizinhança tem que ser observado pelo possuidor, pelo titular de
um direito real e pelo detentor.
O direito de vizinhança não é um direito real, é um regime jurídico normal do Direito
real, da posse e da detenção.
Uma consequencia prática é a passagem forçada que, por não ser um direito real, mas
inerente à condição de vizinho, não depende de registro em cartório.

Conceito de Vizinho: O CC/02 adota o critério da propagação dos efeitos. É vizinho


qualquer um que esteja sujeito aos efeitos do exercício do Direito Real, da Posse ou da
Detenção de um imóvel.

Característica do Direito de Vizinhança:


Compulsoriedade – Quem é titular de um direito real, de uma posse, de uma detenção,
deve respeitar o direito de vizinhança. Independe de pacto e não precisa de registro no
Cartório de Registro de Imóveis.

Espécies de Direito de Vizinhança:


1. Passagem forçada (art. 1285) – Direito do vizinho em atravessar o terreno do
outro em caso de encravamento (imóvel sem acesso à via pública). Quem arca
com o custo do caminho é o imóvel beneficiado pela passagem forçada. Além
disso, o beneficiado deve indenizar o proprietário do imóvel sujeito à passagem
forçada.
Não se deve confundir a passagem forçada com a servidão. Passagem forçada é
um direito de vizinhança, marcada pela compulsoriedade e que não precisa de
registro. Já a servidão é um direito real, disciplinado pelo art. 1378 do CC/02,
decorrente de um acordo de vontades, voluntário portanto, e que não existe o
encravamento de um dos imóveis. Como é um direito real, nasce com o
registro em cartório de registro de imóveis.
2. Passagem de tubulação e de cabos (art. 1286)

OBS: O STJ entende que o encravamento não precisa ser oneroso, mas também
quando o acesso alternativo for muito oneroso.
3. Direito de construir (exemplo: infiltração em apartamento) – arts. 1299 a 1313.
4. Limites entre os prédios e direito de tapagem (arts. 1297 a 1298)
5. Águas (arts. 1288 a 1296)
6. Árvores limítrofes (arts. 1282 a 1284)
7. Uso anormal da propriedade (ou do Direito Real, da posse ou da detenção) –
arts. 1277 a 1281. Exemplo: ameaça de ruína do edifício vizinho – Ação de dano
infecto para exigir a demolição, a reparação ou alguma garantia.

Aula 3 – Distinção entre Direitos Reais, Posse e Detenção:

A distinção entre os institutos se baseia no vínculo formado entre a pessoa e a


coisa. O poder material que a pessoa tem sobre a coisa pode decorrer de um
direito real, de uma posse ou de uma detenção.

Direito Real: Situação jurídico-formal;


Posse: Situação de fato com efeitos jurídicos. Exemplo: Invasão de um imóvel
Em nome da
pacificação social,
particular.
o Direito das
Coisas cuida de
situações de fato,
Detenção: Situação de fato sem efeitos jurídicos. Exemplo: invasão de um
dando à posse
efeitos jurídicos. imóvel público.

Aula 4 – outras distinções entre Direito Real, Posse e


Detenção:

1) Direitos Reais: É uma situação jurídico-formal, taxativamente prevista em


lei (propriedade, hipoteca, penhor, anticrese, usufruto etc.). Em se tratando de
direitos reais sobre imóveis deve haver o registro em cartório.
O titular do direito real de propriedade também é titular do “ius possidendi”,
que é o direito de possuir. Isso significa que ele terá a posse efetivamente. O
direito de possuir acarreta em ações de imissão na posse.
Um exemplo é a ação reivindicatória, que é uma ação por meio da qual o
proprietário requer a expulsão do invasor e a imissão na posse. A ação
reivindicatória é uma ação petitória, fundada na titularidade de um direito real.

AÇÃO PETITÓRIA (Ex: TITULAR DE UM DIREITO


ação reivindicatória)

AÇÃO POSSESSÓRIA POSSUIDO


Algumas ações podem ser petitórias, isto é, fundadas na titularidade de um
direito real, e também possessórias, fundadas na posse, pois podem ser
propostas tanto pelo titular do direito real e pelo possuidor. Exemplo: Ação de
dano infecto. Essa ação pode ser proposta tanto pelo proprietário quanto pelo
possuidor.
Se for proposta pelo proprietário, será uma ação petitória. Se for proposta pelo
possuidor, será uma ação possessória.

Pelo proprietário
AÇÃO DE (será ação petitória)
DANO Pelo possuidor (será
INFECTO ação possessória)

2) Posse: Decorre de uma situação de fato que produz efeitos jurídicos. A


posse é a aparência do direito real de propriedade ou de outros direitos reais,
como a servidão de passagem.
No art. 1196 o Código Civil define possuído. Posse é o exercício de fato de um
ou mais poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
A aparência do direito real de servidão de passagem também é posse, e pode
gerar até mesmo usucapião.
Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão
aparente, por dez anos, nos termos do art. 1242, autoriza o interessado
a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como
título a sentença que julgar consumado a usucapião. Se não houver
justo título, o prazo da usucapião será de vinte anos.
A posse gera efeitos jurídicos, porque o ordenamento jurídico prestigia essa
situação de fato.
Aula 5 - Proteção da Posse:
O titular da posse tem o direito de possessão, o chamado “ius possessonis”
(diferente de ius possidendi). O ordenamento jurídico, para efeitos de
pacificação social, protege a posse por causa do ius possessionis. Os
mecanismos de proteção da posse são as ações de interditos possessórios. Os
interditos possessórios são espécies de ações possessórias.
Efeitos jurídicos da posse:
a) Proteção interdital (art. 1.210): São mecanismos jurídicos de defesa da
posse perante terceiros.
Há dois mecanismos de proteção interdital:
 Autotutela da posse, disciplinada no art. 1210 do CC/02, por meio da
legítima defesa da posse ou do desforço pessoal imediato.
 Interditos possessórios:
o Ação de reintegração de posse – usada no caso de esbulho.
o Ação de manutenção na posse – usada no caso de turbação.
Turbação é o início de um ato que terminará no esbulho.
o Interdito proibitório – usada em caso de ameaça de turbação ou
de esbulho. Ex.: MST acampa nas proximidades de uma fazenda,
convocação por meio da internet para ocupação de determinado
imóvel.

Quem não tem posse, o dono de um apartamento alugado, por exemplo, não
pode usar os interditos possessórios. Se ele propuser uma ação possessória
ele perderá a ação. Na ação possessória somente se discute a posse, não a
propriedade. Tampouco é proibida a discussão da propriedade em outra ação
(espécie de litispendência).
Se a pessoa for titular de um direito real, o proprietário, por exemplo, o mais
adequado será a utilização de uma ação reivindicatória. O titular de direito real
tem o ius possidendi, como já explicado.
A ação possessória impede a ação reivindicatória.
Se a pessoa tem direito real, quase nunca deve ser usada a ação possessória.
b) Indenização por benfeitorias (arts. 1219 a 1222): Quem tem posse de
boa-fé tem direito a indenização das benfeitorias necessárias e úteis + o direito
de retenção. As benfeitorias voluptuárias não geram direito a indenização,
apenas ao levantamento.
Quem tem posse de má-fé somente tem direito a indenização das benfeitorias
necessárias, para evitar o enriquecimento sem causa.
c) Frutos (arts. 1214 a 1216) – apenas para o possuidor de boa-fé;
d) Dever de indenizar deteriorações da coisa ou perecimento, a depender
se a posse é de boa-fé ou má-fé e se o dano decorre de caso fortuito ou não;
e) usucapião.
Aula 6 - Detenção:
3) Detenção: Decorre de uma situação de fato que não produz efeitos
jurídicos. É a posse desqualificada, degradada juridicamente. A doutrina admite
que o detentor possa usar a autotutela da posse. O caseiro de um imóvel rural,
por exemplo, pode se valer da força física para impedir o esbulho da
propriedade de seu patrão.
Teorias da Posse:
Teoria subjetiva da posse: Elaborada por Savigny, na Alemanha (Tratado de
Posse).
POSSE = CORPUS + ANIMUS DOMINI

Para que o sujeito seja possuidor, e não mero detentor, é necessário que ele
tenha o domínio sobre a coisa e tenha a intenção de ser dono.
O inquilino tem o domínio, mas não tem a intenção de ser dono, logo não é
possuidor, mas detentor.
Teoria objetiva da posse: Elaborada pelo aluno de Savigny, Rudolph Von
Ihering. Para Ihering, o aspecto psicológico é irrelevante, uma vez que a
pacificação social não pode ficar dependendo de aspectos internos ao animo
da pessoa, inalcançável pelo observador externo.
POSSE = CORPUS

Para Ihering, detenção é quando a pessoa tem o CORPUS + CAUSA


DETENTIONIS, isto é, uma hipótese do ordenamento jurídico que proíbe a
posse em determinada hipótese.
DETENÇÃO = CORPUS + CAUSA DETENTIONIS
O Código Civil Brasileiro adotou a teoria objetiva da posse.
Teorias sociológicas da posse: associam a posse à função social.
Detenção = corpus + causa detentionis
Causa detentionis:
1) Art. 1.198. Fâmulo da posse (servo da posse). A pessoa tem o corpus com
uma relação de dependência, subordinação, em relação a outra pessoa. É o
caso do funcionário. O funcionário não tem a posse porque o ordenamento a
afasta.
2) Arts. 1.200 e 1.208. Detenção quando a ocupação ou poder decorre de um
ato clandestino ou violento (enquanto durar a violência ou clandestinidade),
quando decorre de uma mera tolerância (empréstimo de um carro, por
exemplo) ou quando o ato é precário*polêmico, isto é, quando decorre de abuso
de confiança. Para parte da doutrina, esses casos não geram a posse.
3) Ocupação irregular de bens públicos: O fundamento disso é que a CF e o
próprio CC/02 estabelecem que os bens públicos são imprescritíveis, isto é,
não podem ser usucapidos. Como não podem ser usucapidos, ninguém pode
ter aparência de dono e, portanto, não pode ser possuidor.
O STJ, diante de uma ocupação irregular de bem público, entende que a
situação é de detenção diante do poder público (sem efeitos jurídicos) e de
posse perante outros particulares.
Súmula 619 do STJ: O ocupante irregular de bem público não tem direito de
indenização por benfeitorias ou acessões.
A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de
natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por
acessões e benfeitorias.

Aula 7 - Classificações de Posse:

1. Quanto à licitude de sua origem: Posse justa x Posse injusta (art. 1.200)
A posse será justa quando houver uma licitude no seu nascedouro. Posse justa
é aquela que não é violenta, clandestina ou precária. Durante a violência ou
clandestinidade há mera detenção. Após a cessação, há posse injusta.
A doutrina discute se o rol do art. 1200 é taxativo ou não. Majoritariamente, o
rol é visto como exemplificativo. Por isso, é possível ter a posse injusta mesmo
que não decorrente de violência, clandestinidade ou precariedade. Um
exemplo é a invasão de um imóvel.
A posse injusta ou justa é útil para a decisão de mérito nas ações possessórias.
2. Quanto à existência de boa-fé ou não (arts. 1.201 e 1.202)
O CC/02 adota um critério subjetivo (cognitivo). A pessoa estaria de boa-fé se
ela ignora os vícios de sua ocupação. O art. 1.202 presume a boa-fé. Portanto,
todo aquele que ocupa um imóvel, em regra, está de boa-fé. As circunstâncias
podem afastar essa presunção.
As consequências práticas de definir uma posse como de boa-fé ou má-fé são
para o tratamento dado às benfeitorias, frutos, usucapião, construção e
plantação em terreno alheio, acessões mobiliárias etc.
Também há presunção de boa-fé se a pessoa tiver um justo título. Justo título é
um documento que, de acordo com o caso concreto, suscita uma legítima
expectativa de regularidade.

3. Desmembramento da posse (art. 1.197):


É a transferência da ocupação sobre uma coisa com obrigação de restituir. O
desmembramento da posse faz com que a posse plena (não desmembrada) dê
origem à posse indireta e à posse direta.
Posse indireta: é o que ocorre no aluguel. O proprietário não tem a posse
plena, mas a posse indireta do imóvel. O locatário tem o dever de restituir a
coisa ao fim do prazo do contrato de aluguel. A posse indireta também é uma
posse ad interdicta, pois ela dá direito à proteção interdital. É uma posse ad
usucapionem, portanto o invasor de um imóvel, que desmembra a posse
alugando-o a terceiros, também pode usucapir o imóvel.

Posse direta: é a posse do inquilino. Implica o dever de restituir. Não gera


usucapião (não é posse ad usucapionem). Contudo, a posse direta assegura o
direito à proteção interdital (é posse ad interdicta), que é o direito de proteger
a coisa perante terceiros.
A proteção interdital é exercida por meio dos interditos possessórios ou
mesmo da autotutela. Essa proteção interdital pode ser exercida inclusive
contra o possuidor indireto.
A utilidade em distinguir a posse em direta ou indireta é ampla: usucapião
(possuidor indireto), regularização fundiária (possuidor pleno ou possuidor
indireto).
A causa do desmembramento da posse é um negócio jurídico ou um direito
real ou mesmo de uma lei.
OBS: Inversão da posse (intervesio possessionis) – Art. 1.203 do CC/02:
É a mudança de caracteres da posse. Uma posse de boa-fé pode virar uma
posse de má-fé, a partir do momento em que o possuidor fica sabendo da
irregularidade de sua ocupação, por exemplo.
Numa ação reivindicatória, o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos. A
partir do momento em que ele é notificado, os frutos originados durante o
processo são do titular do direito real.
Uma posse direta pode virar posse plena, quando o locatário adquire o imóvel.
Tradição é a entrega da coisa, transmitindo a posse.
A tradição pode ser real, quando há a efetiva entrega, ou ficta, quando não há a
entrega (traditio brevi manu – o possuidor direto passa a ter a posse plena em
razão de algum fato lícito; constituto possessório – o possuidor pleno passa a
ter a posse direta). O constituto possessório não se presume, decorre de pacto
expresso (cláusula constituti).

Aula 8 – Transmissão da posse:

A posse pode ser transmitida por meio da tradição, real ou ficta. Um dos meios de
prova da transmissão da posse são os contratos de cessão de direito de posse,
geralmente ocupações irregulares.

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