Sociedades Comerciais
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SUMÁRIOS:
O termo “sociedade” aparece utilizado na legislação com vários sentidos, podendo designar actos
jurídicos e entidades. Com efeito, o art. 980.º do CC oferece-nos a noção de contrato de
sociedade, enquanto que na LSC a sociedade aparece principalmente como entidade. Também na
doutrina o termo sociedade adquire vários sentidos.
O art. 1.º/2 da LSC não nos oferece uma noção de sociedade, apenas nos dizendo quando é
que uma sociedade é comercial. Assim, temos de ir buscar a noção de sociedade ao art. 980.º
do CC; porém, a noção do CC de sociedade é uma noção datada, e consagra o que
tradicionalmente se designa dogma do contrato. É necessária uma leitura actualista do art. 980.º
do CC, uma vez que são hoje admitidas sociedades que não assentam em contratos ou
negócios jurídicos pluripessoais – desde logo, as sociedades por quotas unipessoais (art. 8º, nº
2 da LSC e art. 2º, al. a) da Lei das Sociedades Unipessoais).
Em suma: “a noção de sociedade deve começar por buscar-se no art. 980.º do CCiv. (direito
privado comum e subsidiário – v. art. 2.º da LSC). Mas não podemos ficar por aí”.
2. Fundo patrimonial;
3. Objecto (exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera
fruição);
4. Fim (obtenção de lucros para serem repartidos pelos associados).
A sociedade é, desde logo, uma entidade composta, em regra, por dois ou mais sujeitos, os
sócios (art. 980.º do CC e 8.º da LSC). Como vimos, existem excepções:
• Sociedades Unipessoais (Lei 19/2012, de 11 de Junho).
• Sociedades criadas pelo Governo.
• Superveniência de unipessoalidade.
A sociedade é constituída para desenvolver uma certa actividade, o objecto social. O objecto
social é a actividade económica que o sócio ou sócios se propõem exercer mediante a
sociedade.
O que é uma actividade económica? Não é fácil de distinguir. Por exemplo, as actividades
culturais podem ser actividades económicas. O elemento lucro também não nos permite
delimitar, de forma definitiva, a fronteira entre o que seja a actividade das associações e das
sociedades. De todo o modo, é um indicador distintivo importante, senão o mais importante.
De acordo com o art. 980.º do CC, o fim da sociedade é a obtenção de lucros e a sua repartição
pelos sócios – não basta a persecução de lucros (lucro objectivo), é ainda necessária a intenção
de os dividir pelos sócios (lucro subjectivo). O lucro pode definir-se como um ganho traduzível
num incremento do património da sociedade.
Existem algumas excepções ao fim lucrativo, que encontramos nas figuras das sociedades de
capitais públicos e sociedades de economia mista. Já as sociedades unipessoais não constituem
uma excepção – o fim lucrativo não pressupõe a pluralidade de sócios.
Este é um elemento que não consta da noção do art. 980.º, mas que deve integrar a noção de
sociedade: em vez de lucrarem, o sócio ou sócios podem perder, i.e., podem não recuperar o
valor das entradas e de outras prestações. A sujeição a perdas é um risco a que qualquer sócio
está sujeito, e retira-se do art. 994.º do CC e do art. 24.º/3 da LSC (proibição do pacto leonino).
3. Sociedade e Empresa
A sociedade é a forma jurídica da empresa. Esta noção constitui um bom ponto de partida, mas
há que ter em atenção que não é totalmente exacta:
Há sociedades que não correspondem a empresas em sentido objectivo (SGPS, sociedades de
profissionais liberais, etc).
As empresas podem adoptar formas diferentes de sociedades.
A sociedade refere-se (também) a uma realidade que é de alguma forma externa à empresa, na
medida em que regula os direitos e deveres dos sócios, algo que não faz parte da actividade
empresarial propriamente dita.
A sociedade pode preceder a empresa e, bem assim, a empresa pode preceder a sociedade.
A sociedade pode ter parte do seu património não afecto à empresa.
A sociedade pode efectuar negócios jurídicos tendo como objecto a empresa.
1. A tipicidade societária
As sociedades comerciais aparecem na lei em tipos societários (art.º 1.º/2, 3 e 4). COUTINHO
DE ABREU define tipos societários como “modelos ou formas diferenciados de regulação de
relações (entre sócios, entre sócio(s) e sociedade, entre uns e outra com terceiros)
determinados por conjuntos abertos de notas características”.
O tipo opõe-se ao conceito na medida em que os factores distintivos deste último são exaustivos,
isto é, não há características eventuais ou prescindíveis no conceito.
O facto de as sociedades comerciais se apresentarem em tipos tem uma razão de ser – é um sinal
para o exterior (credores, fornecedores, etc.) que atrás daquela sociedade vem um regime jurídico
típico.
A LSC caracteriza os diversos tipos societários nos arts. 176.º, 201.º, 217.º e 301.º, recorrendo à
delimitação da responsabilidade dos sócios e às espécies de participações sociais. Porém, estas
duas notas não são suficientes para caracterizar ou descrever os tipos societários.
• Sociedades em nome colectivo: cada sócio responde pela entrada a que se obrigou, art.
176.º/1 (em dinheiro, espécie e/ou indústria). Quando algum sócio entre com bens em
espécie e os mesmos não sejam verificados e avaliados nos termos do art. 30.º, têm os
sócios de assumir expressamente no contrato social responsabilidade solidária pelo valor
que atribuam aos mesmos bens (art. 180.º).
• Sociedades por quotas: cada sócio responde não apenas pela sua entrada (em dinheiro
e/ou espécie), mas também solidariamente pelas entradas dos outros sócios (nas
sociedades pluripessoais), art. 217.º/1. Os sócios podem ainda ficar obrigados perante a
sociedade a prestações acessórias e suplementares (arts. 217.º/2, 230.º, 231.º e segs.).
• Sociedades anónimas: cada sócio responde pela sua entrada (em dinheiro e/ou
espécie), i.e., “limita a sua responsabilidade ao valor das acções que subscreveu” (art.
301.º). O valor das acções é o valor por que foram postas à subscrição, que pode ser
superior mas não inferior ao valor nominal ou de emissão. Pode também o estatuto impor
que um ou mais sócios fiquem obrigados a prestações acessórias (art. 319.º).
• Sociedades por quotas: os sócios não respondem pelas obrigações sociais, apenas
responde com o seu património a sociedade, art. 217.º/3. Porém, o art. 218.º prevê que o
estatuto social pode estabelecer que um ou mais sócios respondem também
limitadamente perante os credores sociais.
• Sociedades anónimas: os sócios não respondem perante os credores sociais, art. 301.º.
comanditados respondem nos mesmos termos que os sócios das sociedades em nome
colectivo (art. 201.º); os comanditários não se responsabilizam perante os credores.
Esta não é uma separação rígida – por ex., no caso das sociedades anónimas que adoptem a
estrutura tradicional, é o órgão de administração que delibera sobre um conjunto de matérias.
As sociedades de qualquer tipo têm um órgão deliberativo-interno, composto pelo sócio único ou
pelos sócios em conjunto, habitualmente designado assembleia geral (Cf. arts. 56.º, 191.º, 210.º,
214.º, 275.º, 395.º.). Em rigor, a assembleia geral é uma reunião de sócios, e uma vez que os
sócios podem deliberar fora de assembleia (arts. 58.º/1), é preferível falar de sócio(s) ou de órgão
deliberativo-interno. Apenas nas sociedades anónimas é que se discute se existe este órgão.
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Não existe órgão de fiscalização e controlo – entende-se que o facto de haver sócios de
responsabilidade ilimitada é suficiente para garantir o bom funcionamento da sociedade.
Artigo 315.º
Estrutura da administração e da fiscalização
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Quanto ao órgão de administração e fiscalização, também aqui recebe o nome de gerência. Salvo
quando o contrato social permita atribuir a gerência (também) a sócios comanditários, só os
sócios comanditados podem ser gerentes (art. 205.º/1). O contrato social pode autorizar a
gerência a delegar os seus poderes em sócio comanditário ou em pessoa estranha à sociedade, art.
205.º/2.
À semelhança do que sucede nas sociedades em nome colectivo, nas sociedades em comandita
não há órgão de fiscalização.
No caso da transmissão por morte, se o contrato social não determinar diversamente, podem os
sócios supérstites optar por uma de três vias:
• Liquidação da parte do sócio falecido, com pagamento aos sucessores do respectivo
valor;
• Dissolução da sociedade;
• Continuação da sociedade com o sucessor ou sucessores do falecido, quando estes nisso
consintam expressamente.
“Este regime, que decorre do art. 186.º, 1 e 2, acautela em primeira linha os interesses dos sócios
supérstites – não se lhes impõe a entrada de estranhos na sociedade (os novos sócios também são,
em princípio, gerentes – art. 193.º, 1 – e são responsáveis perante os credores sociais – art. 176.º,
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1 e 2) nem a continuação na sociedade (o sócio falecido podia ter papel considerado essencial).
Mas acautela também os interesses dos sucessores do sócio falecido – não se lhes pode impor a
entrada na sociedade (onde ficariam com responsabilidade ilimitada pelas dívidas sociais)”, C.
DE ABREU, p. 66.
No caso das sociedades por quotas, o regime-regra é o de que a quota se transmite por morte aos
herdeiros do sócio, sendo que este regime decorre do art. 248.º e segs. Porém, o contrato de
sociedade pode introduzir limitações a esta transmissão, subordinando-a à verificação de certos
requisitos (art. 248/2.º). O art. 248.º diz que também é possível atribuir ao herdeiro do sócio o
direito de exigir a amortização.
Igual regime se aplica à transmissão por morte da parte de sócio comanditário de sociedade em
comandita simples (art. 211.º).
Nas sociedades anónimas e nas sociedades em comandita por acções (quanto aos sócios
comanditários), as participações sociais são acções (arts. 214.º). As acções são transmissíveis por
morte nos termos gerais (arts. 2024.º e segs. do CC).
No caso das sociedades em nome colectivo, em conformidade com a sua natureza de sociedade
fechada, a transmissão da parte social pressupõe o consentimento expresso dos restantes sócios,
art. 184.º/1. Desta forma, defende-se o interesse dos restantes sócios em manter na sociedade
aquele sócio (que é gerente e responde ilimitadamente), bem como o de impedir a entrada na
sociedade de sujeitos indesejados.
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Nas sociedades por quotas, encontramos mais uma vez um regime muito flexível, existindo um
regime supletivo que pode ser agravado ou aligeirado. Notas:
• O art. 251.º/3 diz que a cessão não produz efeitos em relação à sociedade sem o
consentimento desta – é um requisito de eficácia em relação à sociedade. A eficácia
perante a sociedade é muito importante, sendo necessária para que o adquirente exerça os
seus direitos sociais.
• Porém, não é necessário consentimento se se tratar de uma cessão de quotas entre
cônjuges, entre ascendentes e descendentes, ou entre sócios (art. 251.º/2). Estes são casos
de cessão a pessoas que não são estranhas.
• Este é um regime flexível, sendo que estas regras podem ser derrogadas pelo estatuto
social: o art. 252.º/1 diz que o consentimento pode ser dispensado, logo a cessão é livre
(sendo que se pode, por ex., dispensar o consentimento apenas a certas cessões). O n.º 3
diz que o contrato de sociedade pode exigir o consentimento para as cessões do art.
228.º/2, parte final (cessões em regra livres). Para além disto, o contrato de sociedade
pode proibir a transmissão; porém, a lei permite nestes casos que o sócio saia ao fim de
10 anos (direito de exoneração).
• O contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisitos diferentes
do consentimento da sociedade. Porém, quando se trata de cláusulas que procuram
subordinar os efeitos da cessão a outros requisitos, isso já é possível – por ex., podemos
ter uma cláusula de preferência, desde que não afecte os efeitos da cessão que a violem.
Ø Sociedades anónimas
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Isto nas acções ao portador; nas acções nominativas, o estatuto pode estabelecer restrições à
transmissão (art. 350.º).
• Em primeiro lugar, ao contrário das sociedades por quotas, não é possível introduzir
cláusulas que proíbam a transmissibilidade das acções, e só é possível limitá-la nos
termos da lei.
• Encontramos 3 espécies de restrições: exigência de consentimento da sociedade;
cláusulas de preferência; e subordinação a determinados requisitos objectivos e
subjectivos (arts. 328.º/1 e 2, 329.º/1). Têm surgido muitos problemas na prática quanto a
este último tipo de cláusulas. Por ex., pode interessar impedir que outras sociedades
adquiram participações, pois estas podem ter em vista uma aquisição potestativa, art.
490.º. Assim, a sociedade pode impor certos requisitos quanto ao adquirente,
nomeadamente quanto à sua natureza. Esta al. c) levanta alguns problemas de
interpretação com grande relevo prático – por ex., há contratos que prevêem a
necessidade de ser lançada uma OPA, sendo que SOVERAL MARTINS discorda com
esta possibilidade, fazendo aqui uma interpretação restritiva. Uma vez que se fala da
“existência” de requisitos, estes têm de existir antes da existência da transmissão.
Ø Sociedades em comandita
Quanto ao número mínimo de sócios de uma sociedade, rege o art. 8.º/2, que afirma que o
número mínimo de partes de um contrato de sociedade é de dois, excepto quando a lei exija
número superior ou permita que a sociedade seja constituída por um só sócio (C. DE ABREU
critica esta última parte do preceito legal, uma vez que não se trata de uma verdadeira excepção
pois neste caso não temos contrato social).
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O capital social é “uma cifra representativa da soma dos valores nominais das participações
sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie”, entradas estas que devem ter um
valor idêntico ou superior ao atribuído às participações (art. 27.º/1 e 2). Analisando os diversos
tipos societários:
• As sociedades em nome colectivo constituídas por sócios que entrem somente com a
sua indústria ou trabalho não têm capital social (arts. 10.º/1/f); 178.º/1). Todas as
outras sociedades têm capital.
• Quanto ao capital social mínimo:
o Sociedades anónimas e em comandita por acções: a lei fixa um valor mínimo de
20.000 USD (arts. 305.º/3 e 214.º).
o Sociedades por quotas: a lei não exige um montante mínimo para o capital social
(é livremente fixado pelos sócios), estabelecendo um valor mínimo para o valor
nominal da quota (221.º/1). Cada quota de uma sociedade por quotas tem
necessariamente um valor mínimo de 1kz: se uma sociedade por quotas
unipessoal tem o valor mínimo nominal de 1kz, sendo que tem apenas uma quota,
tem um capital social de 1kz. Esta é uma garantia muito escassa.
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Para além dos tipos legais societários, encontramos também os tipos doutrinais. Nomeadamente,
temos de ter em conta a distinção entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais.
• Sociedades de pessoas: são aquelas em que a pessoa dos sócios assume um papel
relevante. O tipo paradigmático é a sociedade em nome colectivo. As suas principais
características são:
o Responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais;
o Impossibilidade ou dificuldade dos sócios mudarem;
o Grande peso dos sócios nas deliberações e gestão das sociedades;
o Necessidade de a firma conter o nome ou firma dos sócios;
o Dever de os sócios não concorrerem com as respectivas sociedades;
o Direito alargado de cada sócio à informação sobre a vida da sociedade.
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E as sociedades por quotas e em comandita simples ou por acções? Não é fácil integrá-las nestes
tipos societários, uma vez que combinam características das sociedades de pessoas e de capitais,
mas podemos dizer o seguinte:
• Sociedades em comandita simples: prevalecem as notas personalísticas.
• Sociedades em comandita por acções: prevalecem as notas capitalísticas.
• Sociedades por quotas: relevam as características personalísticas (por ex., os sócios são
solidariamente responsáveis por todas as entradas, art. 217.º/1), embora também tenham
características capitalísticas (o património só responde para com os credores pelas dívidas
da sociedade, art. 217.º/1).
Também temos de ter em conta que as alternativas abertas pelas normas dispositivas tornam mais
difícil delimitar a fronteira entre estes dois tipos de sociedades.
Existe ainda uma outra distinção, entre sociedades abertas e sociedades fechadas – SOVERAL
MARTINS discorda com COUTINHO DE ABREU quando este classifica esta distinção como
doutrinal, uma vez que já existem manifestações desta distinção no regime legal.
Note-se que não é correcto dizer que as sociedades que não são fechadas são abertas, pois falta
entre nós, a propósito das sociedades anónimas, um subtipo – sociedades abertas, tout court e
fechadas.
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Em alguns casos, a lei impõe mesmo um (ou mais) tipos, como é o caso das sociedades
unipessoais, que têm de adoptar a forma de sociedade por quotas ou de sociedade anónima – cf.
art. 2.º da LSU.
Dentro de cada tipo, há, porém, margem para, através da autonomia privada, os sócios
determinarem certos aspectos do funcionamento das sociedades. As cláusulas escolhidas não
podem desvirtuar as características essenciais do tipo societário em causa.
Esta taxatividade dos tipos legais justifica-se por razões de segurança jurídica: “os credores
sociais, o público em geral e até os sócios (sobretudo das sociedades de massas), mesmo
desconhecendo os estatutos sociais, podem confiar que as sociedades de certo tipo não podem
deixar de obedecer a determinado quadro regulativo” (C. DE ABREU, p. 77).
2.1.1 Espécies
O acto constituinte das sociedades é geralmente um contrato. Porém, podemos ter outros actos
constituintes:
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• Sociedades cuja formação é feita com apelo a subscrição pública: para COUTINHO DE
ABREU, temos dois actos constituintes, o contrato de sociedade e a deliberação da
assembleia constitutiva. (temos um acto de constituição sucessiva, integrado por vários
momentos).
• Sociedades unipessoais: o acto constitutivo é um negócio jurídico unilateral.
• Sociedades constituídas por decreto-lei: o acto constitutivo é o respectivo acto legislativo.
• Sociedades resultantes de “saneamento por transmissão”: o acto constitutivo é a decisão
judicial homologatória do plano de insolvência.
Qual a forma do acto constituinte? Hoje, basta a forma escrita com reconhecimento presencial
das assinaturas dos subscritores, não sendo necessária escritura pública (art. 8.º/1); porém, a
escritura pública ou documento particular autenticado são exigidos quando sejam necessários
para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade.
Ø Regime geral
Em regra, todas as pessoas físicas podem constituir pessoas colectivas. Podem ser sócios as
pessoas humanas com capacidade de exercício. Notas:
• Os menores, interditos e inabilitados podem participar na constituição devidamente
representados assistidos, com a necessidade de autorização do MP em certos casos.
• Em relação às sociedades constituídas entre cônjuges, é necessário atentar no art. 9.º:
estes são casos muito frequentes, e o art. 9.º vem resolver as dificuldades postas pela
imutabilidade dos regimes de bens (art. 50.º do CF). Este preceito diz que é permitida a
constituição de sociedades entre os cônjuges, desde que só um deles assuma
responsabilidade ilimitada – i.e., se for de assumir esta responsabilidade, só um deles a
pode assumir. Este não é um regime muito claro, sendo necessário articular a participação
na sociedade com o regime de bens do casamento (se é bem comum ou próprio, etc.). O
art. 9.º/2 diz que, quando a participação social for comum aos dois sócios, será
considerado sócio aquele que tiver celebrado o contrato de sociedade.
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Em regra, também as pessoas colectivas privadas podem ser sujeitos dos actos constituintes de
sociedades. As sociedades comerciais podem participar na constituição de outras sociedades
comerciais, (arts. 6.º/1, 11.º/4, 5, 6).
Existem casos de actos constituintes nos quais apenas podem intervir sociedades:
• Na fusão (art. 102.º/1), cisão (118.º/1), transformação (130.º) e constituição de sociedade
anónima unipessoal.
• Cooperativas (art. 8.º e 9.º da Lei 23/15 de 31 de Agosto).
Finalmente, podem ainda ser sujeitos as pessoas colectivas públicas (Estado, entidades públicas
estaduais, regiões autónomas e municípios e associações de municípios); e ainda as entidades
colectivas sem personalidade jurídica (estas “têm suficiente capacidade de gozo e de exercício
de direitos para o efeito”), como é o caso das sociedades civis e comerciais sem registo
definitivo.
Os actos constitutivos têm de conter certas menções (menções obrigatórias), e podem conter
outras (menções facultativas). O art. 10.º contém uma lista das menções obrigatórias gerais,
sendo que deve constar do acto constituinte:
• Nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes.
• Tipo de sociedade.
• Firma da sociedade.
• Objecto da sociedade: o objecto tem de ser uma actividade certa ou determinada (art.
13.º/2 LSC). Isto justifica-se em nome da tutela dos interesses de vários sujeitos (sócios,
administradores e terceiros): interesses dos sócios em conhecer a actividade em que
arriscam capitais e trabalho; certas obrigações de não concorrência dos sócios e
administradores são delimitadas pelo objecto (arts. 182.º, 287.º/1 e 2); os órgãos sociais
têm o dever de não praticarem actos que extravasem o objecto (art. 6.º/4); várias causas
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A al. g) levanta muitos problemas em relação às sociedades anónimas, uma vez que existe uma
prática notarial no sentido de não se aplicar a este caso. Se o sócio subscrever uma quota num
determinado valor do capital social, é necessário dizer o valor e quanto pagou por conta dessa
quota (podendo ficar a dever). O termo “quota” é aqui utilizado enquanto parte do capital social,
e não em sentido estrito – tem sentido para qualquer tipo de sociedade. Este é um problema no
caso das sociedades anónimas porque existe uma prática notarial no sentido de permitir a
constituição destas sociedades sem que se diga quantas acções é que subscreve cada accionista,
logo ficamos sem saber qual a fracção do capital que subscreve cada sócio. Se esta sociedade
emite acções ao portador, isto cria espaço para grandes conluios entre os accionistas e os órgãos
de administração. Por ex.: pode suceder que um accionista apenas subscreva 10% do capital
social, mas o órgão da administração lhe entregue títulos ao portador no valor do 70%: depois, o
accionista pode ir ao banco e pedir um empréstimo, constituindo um penhor sobre as acções que
representam 70%. Temos uma garantia constituída por acções sobre as quais o sócio não tinha
poder para dispor.
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Para além dos elementos previstos no art. 10.º, existem outros elementos que também devem ser
mencionados:
• Vantagens especiais concedidas a sócios e despesas de constituição, art. 18.º/1.
• Direitos especiais de sócios, art. 26.º/1.
Para além das menções obrigatórias, temos menções facultativas: “além de espaços não
ocupados por lei poderem ser preenchidos por cláusulas estatutárias, é a própria lei que em certos
casos habilita os estatutos a estabelecerem determinada disciplina, permitindo inclusivamente às
vezes que tal disciplina se afaste da prevista – supletivamente – nela” (p. 113). Assim, temos
normas legais habilitantes não dispositivas e normas legais habilitantes dispositivas.
• Não dispositivas: são exemplos o art. 27.º/3, 146.º/5, 148.º, etc.
• Dispositivas: o art. 9.º/3 diz que as normas dispositivas só podem ser afastadas pelo
contrato de sociedade, a não ser que este admita expressamente a derrogação por
deliberação dos sócios. Ou seja, se a norma for imperativa, não é possível afastá-la; se
se tratar de uma norma dispositiva, para que os sócios a possam afastar por
deliberação é necessário que o contrato de sociedade expressamente preveja esta
possibilidade. Para além disto, a derrogação pode efectivar-se através de deliberações
quando a lei o admita (ex: arts. 151.º/1, 191.º/2, 294.º/1). É necessário fazer, assim, um
trabalho de interpretação legal, podendo ser necessário recorrer aos interesses subjacente
às normas – se identificamos um preceito que visa proteger interesses de terceiros, em
particular de credores; interesses de sócios futuros; ou interesses dos sócios actuais, mas
que o legislador considera indisponíveis, será em regra uma norma de carácter
imperativo.
Exemplos de normas habilitantes dispositivas para as sociedades em geral: art.
15.º, 22.º/1, 26.º/3, 151.º/1, etc.
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O regime tradicional pressupõe um acto constitutivo, o seu registo, e ainda uma fase de
publicação obrigatória quando a lei o exija.
“Concluído um contrato de sociedade – e antes mesmo de lhe ser dada forma legal... pode
acontecer que os sócios realizem logo negócios em nome dela (...) A lei não proíbe uma tal
prática”. “Contudo, sem a forma exigida (para já não falar do registo), a sociedade não está
perfeitamente constituída, está em situação irregular. É pois preciso disciplinar a vida societária
nessa situação” (C. DE ABREU, p. 117).
O art. 38.º/2 disciplina o regime do período anterior à celebração do acto constitutivo pela forma
legalmente exigida, afirmando que são aplicáveis às relações entre os sócios e entre estes e os
terceiros as normas sobre sociedades civis. Isto não implica uma conversão em sociedade civil,
a sociedade é comercial (assim, aplicam-se outras normas do LSC, por ex. o art. 43.º).
Note-se que, na prática, há hoje um recurso considerável ao regime da empresa na hora, e por
isso estes problemas não se colocam tanto. Os casos que aparecem na jurisprudência são raros.
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2.3.2 Regime das relações societárias depois da celebração do acto constituinte e antes do registo
As actuações ocorridas antes do registo colocam problemas mais graves, embora não sejam –
também pelo mesmo motivo – muito frequentes.
Ø Relações internas
O art. 39.º preocupa-se com as actuações dos sócios antes do registo: do n.º 1 resulta que as
regras estabelecidas no estatuto e na LSC se aplicam, salvo aquelas que pressuponham o
contrato definitivamente registado. Porém, o n.º 2 apresenta duas excepções: seja qual for o tipo
visado de sociedade, a transmissão entre vivos de participações e a modificação do contrato
requerem sempre o consentimento unânime dos sócios. Este preceito mostra-nos que há
participações sociais antes do registo, podendo haver transmissões de participações.
Ø Relações externas
Questão diferente é a das relações externas antes do registo, prevista no art. 40.º a 42.º (C. DE
ABREU, p. 121):.
• Art. 40.º, sociedades em nome colectivo: pelos negócios realizados em nome de uma
sociedade em nome colectivo, com o acordo de todos os sócios, respondem solidária e
ilimitadamente todos esses sócios (n.º 1); pelos negócios não autorizados por todos, os
sócios respondem pessoal e solidariamente (os que realizaram e autorizaram).
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• Art. 41.º, sociedades em comandita simples: pelos negócios realizados em nome de uma
sociedade em comandita simples, com o acordo de todos os sócios comanditados,
respondem todos os sócios, pessoal e solidariamente (n.º1); responde também o sócio
comanditário que consinta no começo das actividades sociais, salvo se provar que o
credor conhecia essa sua qualidade (n.º 2); pelos negócios não autorizados por todos os
sócios comanditados respondem pessoal e solidariamente quem os tenha realizado e os
sócios comanditados que os tenham autorizado (n.º 3).
• Art. 42.º, sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções: pelos negócios
realizados em nome de uma sociedade por quotas, anónima ou em comandita por acções
respondem ilimitada e solidariamente todos os que, no negócio, agirem em
representação dela; bem como todos os sócios que autorizarem os negócios. Já os
restantes sócios, que não autorizaram, respondem limitadamente até às importâncias das
entradas a que se obrigaram (se, eventualmente, ainda não cumprirem essa obrigação –
trata-se de constituir o património que a sociedade garantiu), e pelas importâncias que
receberem a título de lucros e reservas (o que pressupõe que a sociedade tenha estado não
registada durante um período longo de tempo).
Uma questão que se coloca é se, além dos sócios e pessoas indicadas nos arts. 40.º a 42.º, as
sociedades respondem com os respectivos patrimónios pelos negócios realizados em seu
nome. COUTINHO DE ABREU entende que sim – “também as sociedades respondem pelos
actos em seu nome realizados no período compreendido entre a celebração do acto
constituinte e o seu registo definitivo” (p. 127). Para tal, apresenta os seguintes argumentos:
• Ainda que sem personalidade jurídica, a sociedade já existe, pode participar no tráfico
jurídico (como se retira dos arts. 40.º a 42.º).
• O silêncio da lei não significa exclusão da responsabilidade social – “se a sociedade já
responde antes da celebração do contrato social (e registo) – art. 38.º, 2 – por identidade
ou (melhor) maioria de razão ela responderá depois dessa celebração”.
• “O nosso actual direito não consagra a proibição de pré-endividamento ou oneração
do património social”, i.e., a sociedade não precisa de nascer (no registo) com um
património correspondente ao capital nominal. No registo, o conservador não tem de
verificar se o património corresponde ao capital.
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• Diz-se que a “assunção” a que se refere o art. 21.º significa que antes do registo a
sociedade não é sujeito dessas obrigações; porém, os direitos e obrigações assumidos
com ou depois do registo continuam e consolidam-se na sociedade.
• "Seria contraditório poderem as sociedades ter lucros próprios (arts. 42.º, 1 in fine e 39.º,
1) sem, correspondentemente, se responsabilizarem pelos custos”.
• Os sócios são responsáveis até às importâncias das entradas a que se obrigaram, art. 42.º.
“Se tal for exigido pelos credores, os sócios que ainda não realizaram ... devem realizá-
las”, pelo que a sociedade fica com mais bens para responder.
• Sendo os negócios realizados em nome da sociedade, os terceiros participantes confiam
ser o património social que garante os créditos. Porém, uma vez que ainda não existe
registo, a lei impõe a responsabilidade dos sócios e/ou quem actua em nome da
sociedade – esta “é uma responsabilidade que deve acrescer – não substituir ou impedir
– à responsabilidade da sociedade; a tutela dos credores exige o reforço da
responsabilidade e não a sua diminuição”.
Mas os sócios respondem solidariamente com a sociedade? Deve entender-se que sim,
aplicando-se por analogia o art. 38.º/2, que remete para o regime das sociedades civis (art.
997.º/1 e 2 do CC). “No entanto, esta solidariedade não funciona plenamente, pois, ainda
segundo aquelas normas, os referidos sócios e actuantes em nome da sociedade são responsáveis
28
subsidiários – podem, quando demandados, exigir a prévia excussão do património social” (p.
128).
Finalmente, coloca-se ainda a questão de saber se os sócios referidos no art. 42.º/1, 2ª parte
(não agem nos negócios nem os autorizam) respondem solidariamente com os que restantes.
A resposta é negativa – não só a responsabilidade é limitada, mas também “a ideia que subjaz a
tal responsabilidade será a de permitir aos credores fazerem-se pagar também com bens que
ainda não entraram na sociedade ... ou que dela saíram”.
Devem ser inscritos no registo comercial os actos constituintes das sociedades comerciais e civis
de tipo comercial (art. 20.º/5 LSC e 3.º/1/a) CRCom.). Notas:
• Têm legitimidade para pedir o registo os membros dos órgãos de administração e
representação da sociedade e todas as demais pessoas que nisso tenham interesse, art.
29.º/1 CRCom. O pedido deve ser feito no prazo de dois meses a contar da data do título
de constituição da sociedade (art 15.º/2).
• A viabilidade do pedido de registo a efectuar por transcrição deve ser apreciada nos
termos do art. 47.º do CRCom., sendo que o registo só deve ser recusado quando for
manifesta a nulidade do facto (art. 48.º/1/d)).
• Não havendo motivo legal de recusa do registo, deve este ser efectuado no prazo de 10
dias (art. 54.º/1 e 2).
• O incumprimento da obrigação de registo sujeita as sociedades à aplicação de coimas
(art. 17.º).
29
Outro efeito muito importante do registo é a (2) assunção automática pela sociedade de
direitos e obrigações decorrentes de actos realizados em nome dela antes do registo, e a
possibilidade de assunção de outros (art. 21.º).
• Assunção automática (ou de pleno direito), n.º 1: não depende de qualquer acto da
sociedade ou dos sócios, abrangendo hipóteses que de alguma forma já foram objecto de
referência no acto de constituição de sociedade (já houve alguma publicidade). Assim,
com o registo definitivo, a sociedade assume de pleno direito os direitos e obrigações
emergentes de:
o Vantagens especiais e despesas de constituição.
o Exploração de estabelecimento objecto de entrada de sócios.
o Negócios jurídicos concluídos antes da celebração do acto constituinte e que neste
sejam especificados e expressamente ratificados.
o Negócios jurídicos celebrados pelos gerentes ou administradores ao abrigo de
autorização dada por todos os sócios no acto de constituição.
• Possibilidade de assunção, n.º 2: nestas hipóteses, a sociedade assume, mediante
decisão da administração, a responsabilidade por certos negócios praticados, não podendo
estar em causa actos do art. 21.º/4. A assunção libera as pessoas indicadas no art. 40.º,
art. 21.º/3 (com algumas excepções). Assim, surge aqui um problema claro de conflitos
de interesses, e por isso é que se deve considerar que o membro da administração que vai
deliberar assumir ou não a responsabilidade não pode ter sido aquele que
praticou/autorizou o acto. Não existe libertação da responsabilidade do art. 42.º se a
responsabilidade resultar da lei (ex: sócio comanditado).
Outro efeito do registo é o (3) regime das invalidades relativas ao acto constituinte, que
veremos mais à frente.
A lei estabelece a publicação obrigatória dos actos constituintes das sociedades por quotas,
anónimas e em comandita por acções (art. 166.º LSC e 14.º e 15.º da Lei 11/15). A publicação
deve hoje ser feita on-line e é promovida pela conservatória.
30
O acto constituinte é um “negócio jurídico de organização, que releva não apenas para os sócios
iniciais mas também para futuros sócios e terceiros”. Sendo um negócio jurídico, o estatuto
deve ser interpretado de acordo com as regras gerais dos art. 236.º a 238.º CC; porém, é
necessário fazer certas diferenciações.
• Interpretação de cláusulas de organização e funcionamento relevantes também para
futuros sócios e terceiros: a interpretação deve ser objectivista, não se podendo atender às
circunstâncias exteriores ao estatuto que revelem a vontade real dos sócios fundadores.
• Interpretação de cláusulas que regulam as relações de um ou mais sócios entre si ou com
a sociedade: devem ser observadas as regras aplicáveis à interpretação dos negócios
jurídicos em geral e podemos dar atenção aos elementos externos.
As lacunas dos estatutos devem ser preenchidas de acordo com o critério do art. 239.º CC.
6. Acordos parassociais
Os acordos parassociais são “contratos celebrados entre todos ou alguns sócios (ou entre
sócios e terceiros), produtores de efeitos atinentes à posição jurídica dos pactuantes sócios
(enquanto tais) e, eventualmente, atinentes também a outros pactuantes (terceiros) e à vida
societária, mas que não vinculam a própria sociedade” (p. 148). Os acordos parassociais
distinguem-se dos estatutos (p. 148 e 149):
31
• Existem certas matérias que devem constar dos estatutos e que não podem ser reguladas
por acordos parassociais; bem como matérias que podem ser disciplinadas pelo estatuto
mas não por acordos parassociais (por ex., regulação da conduta de titulares de órgãos de
administração ou de fiscalização, art. 19.º/2). Certas matérias que podem ser reguladas
pelo contrato social podem também ser objecto de acordo parassocial (por ex.,
autorização para cessão de quotas, direito de preferência na alienação de participações
sociais). O acordo parassocial só pode ser modificado por unanimidade, e assim reforça-
se a regulação daquele dado aspecto
• Enquanto que os acordos parassociais estão em regra sujeitos à disciplina comum civil
dos contratos, os actos constituintes das sociedades estão principalmente sujeitos à
disciplina específica da LSC.
• A diferença mais importante reside na sua eficácia: o estatuto social vincula a sociedade
(os seus órgãos) e os sócios e é oponível a terceiros; já os acordos parassociais apenas
produzem efeitos entre os intervenientes, são inoponíveis à sociedade, e o seu
incumprimento não se reflecte societariamente (art. 19.º/1). não se pode impugnar uma
deliberação que vá contra o acordo, o que não dizer que estes acordos tenham sempre
eficácia obrigacional (COUTINHO DE ABREU entende o contrário). Estes acordos
podem ter mais eficácia para além dos efeitos entre as partes, sendo que podemos ter
cláusulas em benefício de terceiros – por ex., é admitido por lei que se estabeleça um
pacto de preferência com eficácia real.
• O acordo parassocial não está sujeito a forma, vale o princípio da legalidade de forma. O
art. 19.º estabelece limitações, em que está em causa garantir uma certa repartição de
competências. A al. c) do n.º 3 pretende evitar que o sócio venda o seu direito de voto, em
contrapartida de certos benefícios (seria contrário aos bons costumes).
Esta é uma figura cada vez mais utilizada, e está ligada a uma fuga cada vez mais acentuada para
o direito dos contratos, que permite fugir às normas de carácter imperativo do regime das
sociedades comerciais, bem como à publicidade que este acarreta, garantindo-se um certo sigilo.
Quando o acordo parassocial tem este objectivo, podemos ter casos de fraude à lei que levam à
sua nulidade.
A LSC admite expressamente os acordos parassociais no art. 19.º; porém, estes têm eficácia
limitada e não são sempre admitidos. O art. 19.º estabelece os seguintes limites:
32
Estes acordos têm importância a muitos níveis – designadamente, o art. 88.º refere-se à
responsabilidade dos sócios perante outros sócios, e pode haver acordos relevantes para esta
responsabilidade. Estes acordos são utilizados também para resolver casos de impasse, de
bloqueio, como quando as sociedades têm participações divididas entre dois sócios com o
mesmo valor – por ex., nas sociedades por quotas, se um sócio tem 50% e outro 50%, podemos
ter uma situação que pode ser de impasse. Isto pode ser resolvido através de um acordo
parassocial, por ex. prevendo um regime especial de transmissão das participações (“ou sais, ou
compras”).
33
É a subjectividade jurídica que permite às sociedades comerciais antes do registo ter estes
atributos. Com efeito, devemos afirmar “a subjectividade jurídica de grupos sociais e de outros
entes organizados mas desprovidos de personalidade colectiva; infirmando a doutrina tradicional,
deve negar-se que os sujeitos de direitos e deveres ou de relações jurídicas têm de ser pessoas ...
Em suma, a personalidade colectiva, enquanto conceito expressivo de autónoma
subjectividade, não deve ser ser absolutizada” (p. 161).
34
35
Ø A venda da totalidade ou maioria das participações sociais deve ser equiparada à venda
da empresa explorada pela sociedade para certos efeitos – nomeadamente, para efeitos de
aplicação do regime da venda de bens onerados e coisas defeituosas, e do regime da obrigação de
não concorrência. Por ex., A e B são sócios da sociedade X, Lda., e transmitem as suas quotas
para C e D – formalmente não há trespasse pois o estabelecimento continua a ser da titularidade
de X, mas através da desconsideração podemos ver a venda da totalidade ou maioria das
participações como a venda do estabelecimento, vinculando A e B à obrigação de não
concorrência. Isto é conseguido através de uma interpretação teleológica do contrato de compra
e venda das participações sociais.
Ø É anulável a venda feita pelos pais a uma sociedade constituída por um ou mais
filhos/netos sem que os restantes filhos/netos consintam nessa venda. Levantando o véu da
personalidade societária, vêem-se os filhos ou netos a adquirir indirectamente dos pais e
aplicamos o art. 877.º do CC.
Ø Quando haja um sócio-único que adquira da sociedade uma letra de câmbio, dada a sua
ligação íntima, não pode invocar legitimamente as inoponibilidades com base na boa fé
(previstas no art. 291.º do CC e 17.º da LULL).
Ø Se um determinado sujeito e a sociedade que ele domina sócios de outra sociedade, o
impedimento de voto que recaia sobre o primeiro estende-se à segunda e vice-versa (os
impedimentos de votos estão previstos nos arts. 280.º e 404.º/6 LSC). Se o sócio está impedido, a
sociedade por ele dominada também o está.
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37
3) Subcapitalização material manifesta: ocorre quando a sociedade não dispõe dos meios
necessários e suficientes para o exercício da sua actividade e essa insuficiência não é suprida
(por ex., através de empréstimos ou de um aumento de capital). A subcapitalização é material ou
manifesta ou qualificada quando é evidente, reconhecível pelos sócios. Temos dois tipos de
subcapitalização (p. 175):
• Originária: “a desproporção anormal entre o capital e as exigências da actividade que os
sócios se propõem desenvolver por meio da sociedade é evidente logo quando nasce”.
• Superveniente: “a falta de capitais próprios manifesta-se em momento posterior,
decorrente, por exemplo, de perdas graves ou de ampliação da actividade social”.
Nestes casos, a transferência do risco negocial para terceiros não pode ir ao ponto de a actividade
social gerar benefícios para os sócios e gerar prejuízos para os credores sociais. Assim, se a
sociedade, porque subcapitalizada, cai numa situação de insolvência, os sócios são chamados
a responder subsidiariamente perante os credores sociais:
• Todos os sócios, no caso de subcapitalização subsidiária;
• O sócio ou sócios controladores, no caso de subcapitalização superveniente.
COUTINHO DE ABREU entende que nestes casos não devem beneficiar da subcapitalização
os credores fortes (ex: sociedades bancárias ou grandes fornecedores), porque em função da
dimensão dos seus créditos conheciam a situação ou então, conhecendo essa situação, assumiram
o risco. Apenas podem recorrer à responsabilidade dos sócios os credores fracos. Para
38
RICARDO COSTA, esta teoria é muito contestável, uma vez que em contrário poderá dizer-se
que, pelo menos nas situações de conhecimento da situação patrimonial da sociedade, mesmo os
credores fortes só não devem recorrer à responsabilização se eles próprios tiverem incorrido em
comportamentos abusivos (ex: empréstimo com taxa de juro mais elevada).
Por outro lado, certos autores rejeitam esta responsabilização, uma vez que a lei só exige um
capital mínimo – porém, COUTINHO DE ABREU contrapõe que “a observância da exigência
legal do capital social mínimo ... não impede o abuso da personalidade”.
4) Domínio qualificado de sócios ou sociedades sobre a sociedade: não aparece nas Lições, C.
DE ABREU não defende que é uma situação de desconsideração. Se temos uma sociedade
dominante de outra sociedade, que a instrumentaliza em função dos seus interesses, a sociedade
dominante vai responder.
Em todos estes grupos, o fundamento jurídico da ilicitude é o abuso do direito, que pode ser
institucional ou individual. O abuso institucional decorre da violação do fim económico-social;
e o individual, dos limites impostos pela boa fé – nas situações em que os sócios desrespeitam
notoriamente as expectativas criadas junto do credor ou vão contra a confiança intersubjectiva
depositada na solvência da sociedade e na manutenção de uma postura de lealdade para com o
credor. O abuso do direito individual ocorre nesta relação com os credores, sendo que o
fundamento legal é em ambos os casos o art. 334.º CC.
Para RICARDO COSTA, a responsabilidade extracontratual dos sócios é um caminho
cumulativo e não alternativo. Para além disto, o abuso deve ser sempre assistido pela
determinação de uma actuação em fraude à lei, a lei atributiva do privilégio da
irresponsabilidade. O abuso consubstancia-se numa combinação de actos formalmente lícitos
mas materialmente ilegítimos, que se traduzem num resultado danoso em relação aos credores.
Temos comportamento abusivo e fraudulento.
A capacidade jurídica das sociedades está prevista no art. 6.º/1 CSC: “a capacidade da sociedade
compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim,
exceptuados aqueles que lhe seja vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade
39
singular”. Este preceito vem confirmar o disposto no art. 160.º CC, que consagra o princípio da
especialidade do fim: a capacidade de gozo é limitada pelo fim social, que é o escopo
lucrativo, o intuito de obter lucros para atribuir aos sócios. A lei exceptua, no entanto, os
direitos e obrigações vedados por lei e os inseparáveis da personalidade singular.
O nosso sistema rejeita, como tal, a regra da capacidade jurídica ilimitada, que tutela mais a
segurança e rapidez do comércio jurídico (é o sistema adoptado, por ex., em Itália e na
Alemanha). Já os sistemas de capacidade limitada tutelam mais os interesses dos sócios e,
quando os limites sejam impostos pelo fim lucrativo, os credores sociais.
Os actos que excedam a capacidade societária são nulos, uma vez que o art. 6.º/1 é uma regra
imperativa (art. 294.º CCiv.), que não pode ser derrogada por vontade dos sócios (art. 10.º/3).
Em princípio, a concessão de liberalidades e de garantias reais ou pessoais gratuitas a
dívidas de outras entidades contraria o fim social (n.º 2 e 3).
Os actos gratuitos, os actos pelos quais uma sociedade dá a outrem uma prestação ou
vantagem sem contrapartida estão em regra fora da capacidade societária. São exemplos de
actos gratuitos: doações, comodatos, mútuos gratuitos, prestações gratuitas, assunções de dívidas
de terceiros, etc. A falta de contrapartidas nas atribuições patrimoniais tornam-nas contrárias ao
fim social, ao ganho e distribuição de lucro. Porém, existem actos gratuitos que podem entrar na
capacidade social, i.e., não basta a simples gratuidade dos actos para que estes estejam fora da
capacidade e sejam nulos: as sociedades podem praticar actos gratuitos quando se revelem
necessários ou, pelo menos, convenientes à consecução de lucros (C. DE ABREU).
Nesta linha, o n.º 2 e 3 do art. 6.º prevêem excepções à regra do n.º 1, relativas às liberalidades e
às prestações de garantias.
Ø Liberalidades
40
O art. 6.º/2 estabelece que as liberalidades são válidas, desde que sejam consideradas usuais
segundo as circunstâncias da época e as condições da sociedade. Esta é uma norma
essencialmente dirigida a doações. As liberalidades interessadas são consideradas usuais, e por
isso são válidas nos termos do art. 6.º/2; porém, mesmo que não existisse esta norma, incluir-
se-iam na capacidade societária, uma vez que se mostram convenientes à prossecução do fim
social (art. 6.º/1). As liberalidades interessadas entram no n.º 1 e 2 do art. 6.º. O art. 6.º/2 revela
a sua plena utilidade no campo das liberalidades altruísticas – por ex., se uma sociedade
financeiramente próspera doa anonimamente 100.000€ para apoio a refugiados de guerra, este
acto deve ser considerado válido.
Já o art. 6.º/3, 2ª parte, prevê duas excepções em que as prestações gratuitas de garantias são
consideradas válidas, que estão em consonância com o art. 6.º/1 (a prestação de garantias
mostrar-se-á necessária ou conveniente à prossecução do escopo lucrativo). Note-se que este
preceito se refere às prestações de garantias gratuitas, pois podemos ter prestações de garantias
remuneradas, que se mostram aptas a obter lucros.
As duas excepções são:
1) Existência de interesse próprio da sociedade garante: existe interesse próprio sempre que a
prestação se mostre objectivamente apta a obter lucro. Por ex., uma sociedade A tem capacidade
para constituir uma hipoteca a favor do banco B, destinada a garantir um mútuo com uma
sociedade C, que é um cliente importantíssimo de A. Esta é uma prestação de garantia
interesseira, pois ao beneficiar C a sociedade A está-se a beneficiar a si própria.
Quem tem o ónus de alegar e provar a falta de interesse e a nulidade é o credor da entidade
cuja dívida foi garantida, e não a sociedade garante, sendo que os autores divergem quanto à
prova: uns entendem que para esta prova basta que a sociedade declare a existência de interesse
próprio; outros entendem que não chega (C. DE ABREU).
41
2) Relação de domínio simples ou de grupo: também aqui existe uma divergência – há quem
entenda que as garantias válidas pelo n.º 3 são válidas tanto da sociedade dominada para a
dominante, e viceversa, com base numa solidariedade de interesses, na existência de um
interesse de grupo. Porém, C. DE ABREU faz uma restrição teleológica, segundo a qual a
prestação de garantia só é válida quando da sociedade dominante para a dominada.
• Desde logo, não podemos falar nas sociedades em relação de grupo ou de domínio num
interesse comum, que prevaleça sobre o interesse de cada uma delas. Um grupo de
sociedades baseia-se, não numa coordenação de fins, mas numa subordinação para fins
unilaterais – a sociedade directora tem o direito de denegar o interesse social das
subordinadas, se com isso forem satisfeitos os seus próprios interesses. Existem dois tipos
de grupo: grupo de facto (art. 469.º), no qual a sociedade dominante não pode dar ordens
à dominada; e grupo em sentido estrito ou de direito, que tem um regime específico na
lei. Relativamente às sociedades de domínio, justifica-se ainda menos falar de interesse
de grupo – nem as sociedades dominantes têm o direito de sacrificar o interesse das
dependentes, nem estas têm o direito de se guiarem por finalidades extra-sociais.
• O art. 6.º/3, ao permitir que uma sociedade preste garantias a dívidas de outra
sociedade em relação de domínio ou de grupo, fá-lo com fundamento na ideia de que a
sociedade garante não descura com isso o seu próprio interesse e o interesse dos seus
credores. Porém, esta ideia só vale, nas relações de domínio, para a sociedade dominante,
e nas relações de grupo para a sociedade totalmente dominante ou directora. A sociedade
dominante, no primeiro caso, tem interesse no bom andamento da sociedade dominada,
enquanto sua sócia; nas relações de grupo, as sociedades dominantes dirigem as
dominadas no seu interesse. Assim, a parte final deve ser interpretada restritivo-
teleologicamente.
Porém, uma sociedade dominada pode prestar garantias quando haja interesse próprio – por ex.,
se a sociedade dominante for sua uma fornecedora importante.
Existem dois tipos de grupo: grupo de facto (art. 469.º), no qual a sociedade dominante não pode
dar ordens à dominada; e grupo em sentido estrito ou de direito (art. 465.º e segs.), que tem um
regime específico na lei.
As liberalidades e garantias permitidas pelo art. 6.º serão muitas vezes estranhas ao objecto social
(ver abaixo), mas não se aplicam aqui as sanções previstas para os actos que excedam o objecto.
42
1
2
O círculo maior (1) refere-se à medida da capacidade, o círculo menor (2) à medida da
vinculação. A sociedade, através do órgão representativo, não se pode vincular perante terceiros
(estão em causa as relações externas) por actos fora do círculo da capacidade jurídica. “O círculo
da vinculação não pode estar fora do da capacidade, tem de estar dentro e há-de ocupar um
espaço mais restrito (respeitante tão-só às ‘relações externas’). Por outro lado, o menor
perímetro do círculo da vinculação é imposto também pelo facto de a sociedade não ficar
obrigada por todo e qualquer acto com relevo externo para cuja prática ela tenha capacidade –
os poderes de vinculação do órgão representativo são limitados por disposições legais e, nalguns
casos, por disposições do contrato social (arts. 194.º/2, 283.º/1, 428.º/1)” (C. DE ABREU, p.
181).
Enquanto que um acto fora da capacidade jurídica é um acto nulo, um acto que não vincula a
sociedade é um acto ineficaz. Assim, quanto ao valor dos actos:
• Acto fora do círculo da capacidade – acto nulo;
• Acto dentro do círculo da capacidade mas fora do da vinculação – acto válido mas
ineficaz;
43
O art. 6.º/4 estabelece que o objecto social não limita a capacidade jurídica; porém, constitui
os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou não praticarem esses actos.
Um acto é alheio ao objecto quando, atendendo ao momento da sua prática, se revele inútil para a
realização das actividades que a sociedade pode exercer (art. 13.º/2), i.e., quando não exista entre
ele e o objecto uma “relação de potencial instrumentalidade (meio-fim)”.
Existe, como tal, um dever de os órgãos sociais não excederem o objecto, cuja violação acarreta
sanções diferentes da nulidade. A solução é diferente consoante se trate de sociedades em nome
colectivo e em comandita simples, por um lado, e sociedades por quotas, anónimas e em
comandita por acções, por outro:
• Sociedades em nome colectivo e em comandita simples: o acto alheio ao objecto é
ineficaz (art. 283.º/1), salvo se for ratificado por deliberação unânime (art. 194.º/3). Isto é
assim porque os gerentes não têm poderes de representação para a prática de actos fora
dos limites do objecto (art. 194.º/2 e 3).
• Sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções: em regra, o acto é
eficaz, uma vez que os gerentes e administradores têm poderes de representação
suficientes para vincularem as sociedades por actos alheios ao objecto (arts. 283.º/1,
428.º/1, 425.º/2 e 214.º). Porém, a sociedade pode opor a terceiros as limitações
decorrentes do objecto, i.e., pode invocar a ineficácia, desde que se verifiquem dois
requisitos cumulativos (arts. 283.º/2 e 428.º/2):
o Prova de que o terceiro sabia, ou devia saber, que o acto excedia o objecto social;
o Não assunção do acto pelos sócios através de deliberação (note-se que estas
deliberações são anuláveis, art. 63.º/1/a)).
44
limitada cujo objeto seja igual (salvo se o estatuto dispuser diversamente). Quando a
sociedade adquirente seja uma sociedade por quotas, vale o art. 246.º/2/d).
• N.º 5: estabelece que a sociedade apenas pode adquirir participações em sociedades de
responsabilidade ilimitada quando tal esteja previsto no estatuto (o mesmo sucedendo
com participações em sociedades com objecto diferente do que exerce, em sociedades
reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas).
Caso o disposto nestes números seja violado, as aquisições não são nulas, mas sim alheias ao
objecto, aplicando-se as sanções que vimos acima.
1. Considerações introdutórias
O conceito de participação social tem várias acepções. A primeira é a que se refere ao conjunto
unitário de direitos e obrigações actuais e potenciais do sócio, que é o conceito de posição ou
estatuto de socialidade. Há aqui uma relação entre o titular da participação social que, sendo
sócio e sendo titular dessa participação, é por sua vez também titular de um conjunto de
obrigações e direitos. Fala-se muitas vezes de uma posição jurídica activa e passiva.
A aquisição da participação social pode ser:
• Originária, no momento da constituição da sociedade;
• Derivada, em resultado nomeadamente da transmissão da participação ou da
aquisição resultante de processo de fusão.
Qual o conjunto de direitos e obrigações que integra a participação social? A LSC determina em
geral os direitos dos sócios no art. 23.º e as obrigações dos sócios no art. 22.º.
45
• Direito ao lucro;
• Direito à informação;
Porém, este artigo não esgota os direitos inerentes à participação social. Nomeadamente, temos
ainda os seguintes direitos:
• Direito de acção judicial, em especial direito de impugnar deliberações anuláveis (art.
64.º/2), de requerer inquérito judicial por falta de apresentação tempestiva das contas (art.
73.º) e de propor acção social de responsabilidade contra administradores e gerentes (art.
82.º).
• Direito de preferência nos aumentos de capitais (art. 296.º e 456.º e segs.).
• Direito de exoneração em certas circunstâncias (art. 3.º/5, 109.º e 161.º/5).
• Direito à quota de liquidação (art. 156.º).
Os direitos dos sócios podem ser repartidos por várias categorias, segundo diversos critérios,
nomeadamente função e titularidade:
1) Função:
• Direitos de participação: o sócio tem o direito a participar nas deliberações, votar nelas, e
ser designado para órgãos de administração.
• Direitos patrimoniais: o exemplo claro é o direito ao lucro.
• Direitos de controlo ou fiscalização: o sócio tem o direito de ser informado ou de ir ao
tribunal.
2) Titularidade:
2.1) Direitos gerais: pertencem, em regra, a todos os sócios, ainda que em medida
diversa. Por ex., os sócios têm direito, numa sociedade anónima, a quinhoar nos lucros na
medida da proporção correspondente aos valores das suas participações. “Em regra”
porque existem casos em que isto não sucede, como nos titulares de acções preferenciais
sem quota – vão ter direito a um lucro prioritário maior, mas sem direito de voto (art.
364.º).
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2.2) Direitos especiais: são atribuídos no contrato a certo sócio ou a certos sócios,
ou a sócios titulares de acções de certas categorias, conferindo-lhes uma posição
privilegiada que não pode em princípio ser suprimida sem o consentimento desses
sócios.
Notas:
São regulados em geral no art. 26.º e têm de ser em regra consagrados no contrato
de sociedade, têm carácter estatutário. Sem cláusula estatutária, não temos
direitos especiais: direitos especiais alegadamente consagrados sem estarem
consagrados no contrato são direitos ineficazes perante a sociedade, mesmo que
todos os sócios tenham consentido na sua criação.
Exemplos de direitos especiais:
Direito a quinhoar mais que proporcionalmente nos lucros: é possível afastar a
regra de que o direito a quinhoar nos lucros se faz em função da participação
social, fazendo com que determinados sócios ou determinado sócio, ou ainda os
titulares de certas categorias de acções nas sociedades anónimas (art. 26.º/4),
quinhoem mais nos lucros. Esta é por isso uma regra supletiva – art. 156.º e 333.º.
Este é um direito especial, pois pertence apenas a certos sócios.
Direito de ceder a quota sem consentimento: está previsto nos arts. 251.º/2 e
252.º/1, b).
Direito de dois votos por cêntimo: cada sócio de uma sociedade por quotas tem,
em regra, um voto por cêntimo (art. 278.º/1); porém, é permitido atribuir 2 votos
por cêntimo desde que o valor da participação não exceda 20% (art. 278.º/2) –
direito especial de voto duplo. Isto não é possível nas sociedades anónimas, art.
404.º/5 (a cláusula que viole esta regra é uma cláusula nula).
Direito a designar gerente sem que os outros sócios participem na escolha, art.
88.º/1.
Direito especial à gerência (sociedades por quotas): direito de um ou vários
sócios a ser gerente durante toda a sua vida ou período em que for sócio/durar a
sociedade, ou enquanto não poder ser exonerado por justa causa. Este direito
nunca pode ser limitado ou eliminado sem o seu consentimento, caso contrário a
deliberação é ineficaz (art 26.º/5. 290.º/3. 1ª parte e 60.º); e a destituição só pode
47
ser efectuada por via judicial e por justa causa (art. 290.º/3, 2ª parte). Estas são as
duas consequências deste direito especial.
Há aqui uma questão muito discutida: o facto de se designar no contrato um
determinado sócio como gerente significa automaticamente a atribuição de um direito
especial de gerência? A resposta deve ser negativa, o que é recebido de forma
unânime pela jurisprudência. A cláusula estatutária do direito de gerência deve ser
expressa.
Quando se fala de vinculação de sociedades, fala-se do modo como as
sociedades se vinculam – é necessário a assinatura de um gerente, e quando um sócio
assina significa que tem direito à gerência? Tudo depende da interpretação do
contrato de sociedade, é necessário fazer uma análise do que é conferido.
48
posição sobre esta questão a propósito do direito especial em causa e da tutela que confere ao
sócio. Ou seja, ligamos a especialidade do direito não ao número de titulares, mas sim à maior
protecção que o direito confere (p. 202). Assim, em função do direito, podemos afirmar que faz
sentido ser atribuído a todos os sócios – por ex., não faz sentido atribuir a todos os sócios o
direito de voto duplo, mas nada obsta a que todos os sócios de uma sociedade por quotas tenham
o direito especial de gerência. Isto garante a cada um deles que a respectiva cláusula contratual
não pode ser eliminada ou modificada sem o seu consentimento ou que a destituição sem ou
contra a sua vontade só pode ser feita judicialmente e com base em justa causa.
1.2 Obrigações
Tal como o art. 23.º não esgota os direitos, o art. 22.º não esgota as obrigações, sendo que
conseguimos ainda identificar os seguintes deveres:
• Dever de actuar de maneira compatível com a sociedade – dever de lealdade para com a
sociedade;
• Dever de respeitar o estatuto e lei societária;
• Dever de, em certos casos1, responder perante a sociedade e credores sociais;
• Dever de não concorrer;
• O estatuto social pode ainda impor obrigações de prestações acessórias ou prestações
suplementares (arts. 230.º e 319.º).
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A participação social é um conjunto unitário que forma um bem jurídico autónomo, podendo por
isso ser objecto de direitos reais, de negócios translativos da propriedade, e de execução.
A LSC emprega genericamente o termo “participação social” para designar a posição jurídica do
sócio; porém, utiliza designações específicas para os diversos tipos societários:
• Parte: para as sociedades em nome colectivo, sociedades em comandita simples ou (em
relação aos sócios comanditados) sociedades em comandita por acções, arts. 184.º/2 e
204.º.
• Quota: para as sociedades por quotas, art. 241.º e segs.
• Acção: para as sociedades anónimas e em comandita por acções (sócios comanditários),
art. 301.º e 201.º/2, a).
Em relação às acções, COUTINHO DE ABREU define-a como sendo uma “participação social,
cujo valor é fracção do capital social, e que normalmente será representada por título ou
escrituralmente”. Três notas:
• As acções devem ser representadas, mas esta representação já não é só através de
títulosdocumentos em papel (acções tituladas), pode também ser em suporte informático
através dos “registos em conta” (acções escriturais).
• Os títulos podem representar mais do que uma acção (art. 98.º do CVM).
• Nas sociedades por acções, a participação social não depende da emissão de acções,
podendo surgir com a celebração do contrato de sociedade ou com o aumento de capital.
As partes sociais e quotas têm um valor nominal, atribuído nos estatutos, arts. 10.º/1/g e
disposições específicas. Até recentemente, as acções tinham de ter valor nominal; porém, o DL
49/2010 passou a admitir acções sem valor nominal, que têm valor de emissão. O valor de
50
emissão é o valor calculado por intermédio de uma operação de divisão do capital social pelo
número de acções.
O valor mínimo nominal das quotas é de 1€, art. 219.º/3. Todas as acções de uma mesma
sociedade representam a mesma fracção do capital social, não podendo o valor nominal ou o de
emissão ser inferior a 1 cêntimo (art. 276.º/ 3 e 4).
As participações sociais têm outros valores, importantes para alguns regimes jurídicos, a saber:
• Valor de subscrição: é o valor das entradas correspondentes às participações sociais. Pode
ser igual ou superior ao valor nominal, mas não inferior (art. 25.º/1 e 298.º/1).
• Valor contabilístico: valor que tem em conta o valor do património social líquido. É a
relação entre o valor das participações sociais e o valor do património social líquido.
• Valor comercial ou de transacção: é o preço a que se transmitem ou podem transmitir as
participações. Depende de várias circunstâncias.
A pergunta que aqui se faz é a de saber se um sócio que tenha mais de uma parte social, quota
ou acção tem uma ou várias participações sociais. Encontramos aqui três teses:
• Tese pluralista: há várias participações sociais, sendo cada acção autónoma.
• Tese unitarista: há uma só participação social, as várias acções ou quotas fazem parte de
uma mesma participação.
51
COUTINHO DE ABREU inclina-se para a última tese; porém, na maioria dos casos, a unidade
sobrepõe-se à pluralidade. O que mais importa destacar é a posição global que uma ou mais
quotas ou acções proporcionam ao seu titular, na medida dos direitos e obrigações que conferem.
A autonomia é uma autonomia relativa.
52
um maior direito ao lucro, mas não têm direito ao voto. Isto não é assim se o
contrato de sociedade estabelecer o direito a um dividendo adicional.
2.1 Direitos
Decorre do art. 23.º/1, al. a), que todos os sócios têm o direito de quinhoar nos lucros. Este é um
direito que corresponde a uma das notas essenciais da sociedade, o intuito de que os lucros sejam
repartidos pelos sócios. Esta repartição tem regras próprias, que iremos ver mais à frente.
A al. b), 23.º estabelece que todo o sócio tem direito de participar nas deliberações. Isto
permite-nos afirmar que estamos a sociedade é portadora do direito para o sócio de expressão da
sua vontade, que é feita através das deliberações tomadas pelo órgão social (sócio único ou
colectividade de sócio). As deliberações são decisões, tomadas pelo órgão social de formação
de vontade (sócio único ou colectividade de sócios) juridicamente imputáveis à sociedade. Não
são decisões dos sócios enquanto tais: apesar de resultar da sua vontade, a deliberação é
imputada à sociedade.
Que deliberações podem ser admitidas? O art. 56.º consagra um princípio de numerus clausus
das formas de deliberações, segundo o qual estas só podem ser tomadas de acordo com as
formas legais e em função do tipo de sociedade. As 4 formas permitidas são:
• Deliberações em assembleia geral convocada;
• Deliberações em assembleia universal (art. 57);
• Deliberações unânimes por escrito (art. 58);
• Deliberações tomadas por voto escrito (art. 59).
53
Ø Deliberações unânimes por escrito: são deliberações tipicamente previstas para situações
de urgência ou impossibilidade/inconveniência de uma assembleia. Todos os sócios concordam
54
quanto a deliberar certa matéria e no sentido do voto, pelo que basta que a correspondente
deliberação seja registada em documento escrito e assinada por todos os sócios (art. 58.º).
Ø Deliberações por voto escrito: são apenas permitidas para as sociedades por quotas e em
nome colectivo. Estão reguladas no art. 273.º, não só quanto à sua admissibilidade (n.º1), mas
também quanto ao seu procedimento, art. 274.º. O procedimento é o seguinte: em primeiro lugar,
o gerente envia uma carta registada aos sócios a perguntar se estão de acordo em que se delibere
por escrito sobre determinado assunto; concordando todos, é enviada a proposta de deliberação.
Qual é a natureza das deliberações? As deliberações são actos jurídicos constituídos por uma ou
mais declarações de vontade (os votos), com vista à produção de certos efeitos jurídicos. O voto
vai contribuir para uma deliberação, mas nem sempre está em causa uma deliberação – apenas
quando dá origem a extinção, modificação ou constituição de uma relação jurídica. Aplica-se às
deliberações as regras comuns do direito civil que se aplicam às declarações negociais, sem
prejuízo das especialidades do art. 60.º a 67.º LSC.
A participação nas deliberações pode ser plena ou limitada, sendo que o art. 23.º/1/b) nos diz
que a participação dos sócios nas deliberações pode ter restrições previstas na lei.
O direito de voto ou de votar é o que merece mais detalhe, e é o poder que o sócio tem de
participar nas deliberações. A influência de cada sócio nas deliberações é determinado pelo
poder de voto, que depende do peso relativo do sócio. Os sócios maioritários são os que têm a
maioria do poder de voto. Quais são os critérios de atribuição dos votos? Nas sociedades em
nome colectivo regre o princípio personalístico ou democrático, em todas as outras, o princípio
capitalístico ou proporcional.
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• Sociedades em nome colectivo: a cada sócio pertence um voto, salvo outro critério
estatutário (art. 192.º/1).
• Sociedades por quotas: cada sócio tem um voto por cêntimo do valor nominal da quota
(art. 278.º/1), salvo quando o contrato social atribua voto duplo (art. 278.º/2).
• Sociedades anónimas: cada sócio tem um voto por acção (art. 404.º/1), podendo
estabelecer-se as derrogações do n.º 2.
• Sociedades em comandita: o estatuto deve regular, em função do valor nominal das
participações sociais, a atribuição de votos aos sócios, não podendo o conjunto dos sócios
comanditados ter menos de metade dos votos atribuídos ao conjunto dos sócios
comanditários (art. 208.º/2).
Há duas modalidades de votos para efeitos de contagem: votos emissíveis (de todos os sócios) e
emitidos (os que estão na assembleia daquele dia). Para calcular maiorias qualificadas, vai-se
muitas vezes buscar os votos emissíveis. Quando se fala de votos correspondentes ao capital
social, são todos os votos (votos emissíveis). O art. 279.º fala dos votos emitidos. As abstenções
não contam para a maioria (art. 278.º/2, “não se consideram como tal”), o que é uma questão
muito discutida para as deliberações da administração uma vez que a lei não prevê nada.
Ø Impedimentos de voto
Existem circunstâncias muito relevantes na prática em que o direito de voto, embora existindo,
não pode ser exercido – impedimentos de voto. Isto ocorre nas situações de conflito de
interesses entre sócio e sociedade (arts. 280.º e 404.º/6); quando um accionista esteja em mora na
realização de entrada em dinheiro (art. 404.º/4); e nas situações previstas nos arts. 405.º/3. A
hipótese mais relevante é a de conflitos de interesses.
A LSC contém dois artigos fundamentais nesta matéria:
• Nas sociedades por quotas, rege o art. 280.º/1, que diz que o sócio não pode deliberar
“quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de
interesse com a sociedade” (1ª parte). Esta é a cláusula geral; já a 2ª parte e suas alíneas
recorrem a uma técnica de enumeração de situações de conflitos de interesses, que são
hipóteses exemplificativa. Este artigo aplica-se, por remissão dos arts. 191.º/1 e 214.º, às
sociedades em nome colectivo e em comandita simples. A al. g) prevê a hipótese de a
deliberação recair sobre uma relação estranha a estabelecer entre o sócio e a sociedade
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Uma primeira questão que se coloca é se o estatuto social pode prever mais situações de
impedimento. A nossa posição de princípio é a de que isto é possível, uma vez que as situações
do art. 251.º são exemplificativas; porém, devemos ser restritivos nessa possibilidade na medida
em que as restrições ao direito de voto devem ser excepcionais e estar previstas na lei (art.
23.º/1/b)). Também devemos ter em conta que as deliberações que favoreçam especialmente
determinado sócio já são anuláveis pelo art. 63.º/1/b), ainda que esse sócio tenha votado. Assim,
devemos entender que não existem conflitos nas deliberações cujo objecto esteja previsto na lei,
no art. 272.º, e não seja um caso do art. 280.º (porém, podemos ter conflitos no caso da
amortização compulsiva de quotas, art. 255.º e segs. e 272.º/1/b)). Esta questão deve ser vista
caso a caso, mas sempre tendo em conta que restrições estatutárias a direitos de voto devem ser
excepcionais.
57
Por outro lado, as hipóteses previstas para as sociedades por quotas devem ser aplicadas
analogicamente às sociedades anónimas. Apesar de o art. 404.º/6 consagrar um elenco taxativo
de impedimentos de voto por conflitos de interesses, “não vemos razões para não aplicar
analogicamente alguns preceitos legais directamente aplicáveis às sociedades por quotas. Um
exemplo: também os administradores não podem, sem autorização da assembleia geral, exercer
actividade concorrente com a da sociedade (arts. 419.º/1); logo, por analogia com o estabelecido
na al. e) do n.º 1 do art. 280.º, não pode o sócio administrador votar na deliberação respeitante a
esse consentimento” (p. 227).
Já RICARDO COSTA entende que este regime deve ser aplicado às sociedades unipessoais, mas
como impedimento de decisão: em rigor, não é um impedimento ao direito de voto, pois não
temos uma deliberação, mas sim uma decisão. Temos um impedimento de decisão, e por isso
temos uma condição de validade das decisões – logo, a violação do impedimento não
corresponde a um vício de procedimento, mas sim do conteúdo, que dá origem à nulidade. Claro
que nem todas as hipóteses se aplicam aqui – as als. a), e) e g) do art. 280.º são as que se podem
aplicar.
Finalmente, pergunta-se se a relação familiar faz alargar o âmbito do conflito de interesses, i.e.,
se o sócio pode votar quando haja conflitos de interesses entre a sociedade e o cônjuge,
ascendentes ou descendentes. Nas associações, temos uma norma do CCiv. que alarga o âmbito
58
Os sócios que não têm direito de voto não têm direito de participar plenamente, mas têm o direito
de participação limitada:
• Sociedades em nome colectivo, por quotas e em comandita simples: todos os sócio têm
direito de estar presentes nas assembleias gerais e de participar na discussão dos assuntos
indicados na ordem do dia (art. 275.º/3).
• Sociedades anónimas e em comandita por acções: os sócios com direito de voto mas
impedidos de o exercer podem assistir às assembleias gerais e participar nos debates,
sendo que os sócios sem direito de voto têm em regra os mesmos direitos, salvo se o
contrato social determinar o contrário (art. 399.º/3). Porém, o estatuto não pode impedir
que os titulares de acções preferenciais sem voto não possam ser representados na
assembleia (art. 399.º/3).
O direito de participação nas deliberações não tem de ser exercido pelos próprios sócios, estes
podem exercê-lo através de representantes voluntários. A representação voluntária só não é
permitida nas deliberações por voto escrito (art. 277.º/4).
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Está previsto no art. 23.º/1/c), que nos diz que todo o sócio tem o direito a obter informações
sobre a sociedade. Está regulado: nas sociedades por quotas, arts. 236.º a 238.º; nas sociedades
anónimas, arts. 320.º a 325.º; nas sociedades em nome colectivo, art. 183.º; nas sociedades em
comandita, arts. 210.º, 214.º e 216.º por remissão.
O direito à informação tem 3 modos fundamentais:
• Direito à informação em sentido estrito: é o poder de o sócio fazer perguntas à sociedade,
que é aqui sujeito passivo, sobre a vida social, e de exigir que esta responda com
veracidade, completude e elucidação (3 requisitos).
• Direito de consulta: poder de o sócio exigir o exame de documentos.
• Direito de inspecção: poder de o sócio exigir à sociedade o necessário para vistoriar e
examinar os bens sociais.
60
1) Direito à informação em sentido estrito: pode ser exercido fora das assembleias gerais ou
nelas:
• Fora das assembleias: os sócios têm o poder de exigir do órgão de administração
informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade ou assuntos
sociais (arts. 183.º, 236.º/1 e 323.º/1). Nas sociedades anónimas e em comandita por
acções (em relação aos sócios comanditários), apenas os accionistas cujas acções
representem no mínimo 10% do capital social têm este direito (art. 323.º/1).
• Nas assembleias gerais: qualquer que seja o tipo de sociedade, qualquer sócio que nelas
participe pode requerer que lhes sejam prestadas informações verdadeiras, completas e
elucidativas. Isto resulta do art. 322.º/1, previsto para as sociedades anónimas e aplicável
por remissão aos outros tipos de sociedade (arts. 191.º, 236.º/9, 210.º e 214.º). Também os
sócios sem direito de voto têm direito de informação.
Nas sociedades anónimas, e sociedades em comandita por acções quanto aos sócios
comanditários, a Lei é restritiva, consagrando no art. 320.º o direito mínimo à informação (não
são consultáveis todos os documentos), e no art. 321.º o direito à informação preparatório. Este é
um direito limitado porque:
• Os documentos consultáveis são limitados (restrição do objecto da consulta);
• Não é qualquer sócio que pode exercer este direito, precisando de ter 1% do capital e
motivo justificativo – este motivo deve ser interpretado de forma lata.
3) Direito de inspecção: está previsto no art. 183.º/4 para as sociedades em nome colectivo, art.
216.º para as sociedades em comandita por acções e art. 236.º/7 para as sociedades por quotas.
Nas sociedades anónimas, não se faz qualquer menção a este direito (art. 320.º e segs.),
devendo entender-se que o legislador foi intencional nesta omissão, por haver mais
61
O art. 236.º/3 prevê, para as sociedades por quotas, que o estatuto pode regular o direito à
informação em qualquer das suas manifestações. Apesar de só estar previsto para as sociedades
por quotas, deve-se entender que deve ser aplicado analogicamente aos outros tipos de
sociedades.
SOVERAL MARTINS insere-se na tese contrária, entendendo que o sócio gerente, mesmo sendo
gerente, tem direito à informação – desde logo, porque o art. 236.º e outros são preceitos que
falam sempre do sócio enquanto sócio. Pelo facto de ser gerente não deixa de ser sócio, e tal não
justifica uma compressão dos seus direitos. Por outro lado, a investidura no cargo social não é
uma boa via para obter informação, pois é um processo que não está destinado a obter
informações de outros sujeitos.
62
Fora da assembleia, apenas regula esta matéria o art. 237.º/1 (sociedade por quotas), 320.º/1 e
323.º/3 e 4 (sociedades anónimas). Porém, o art. 237.º é aplicável analogicamente às sociedades
em nome colectivo, em comandita simples e, para os sócios comanditados, por acções; os outros
dois artigos são aplicáveis analogicamente nas sociedades em comandita por acções (sócios
comanditários).
• Art. 237.º/1: a recusa é legítima quando haja receio que o sócio utilize a informação para
fins estranhos e com prejuízo desta; e quando originar violação de segredo imposto por
lei no interesse de terceiro. Existe receio legitimador quando, atendendo à natureza da
informação pedida e à situação do sócio, haja forte probabilidade de a mesma informação
ser utilizada para fins diferentes, daí resultando prejuízo para a sociedade.
• Art. 320.º e 321.º/1 e 2: a recusa da consulta dos documentos previstos no art. 321.º não é
lícita; já a dos documentos do art. 320.º só é recusável quando o sócio alegue motivo
justificado.
63
O art. 23.º/1/d) prevê que todo o sócio tem direito a ser designado para os órgãos de
administração e fiscalização. Este não é, porém, um direito subjectivo propriamente dito – “nem
o sócio tem o poder de exigir ou pretender que seja designado, nem os outros sócios têm o dever
jurídico de o designar”. Os sócios têm é o direito de não serem excluídos para o órgãos de
administração e para órgãos de fiscalização.
2.2 Obrigações
64
Segundo o art. 22.º/a), os sócios são obrigados a entrar para a sociedade com bens susceptíveis
de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria. Esta é a
“primeira e fundamental obrigação de todos os sócios primitivos de uma sociedade” (p. 247).
O termo “entrada” aparece na lei quer como prestação, quer como objecto da prestação –
atendendo a este último sentido, distinguem-se três tipos de entradas:
• Entradas em dinheiro: é cumprida através da entrega de papel-moeda ou por meio de
cheque ou ordem de transferência bancária.
• Entradas em espécie: são entradas em bens diferentes de moeda e indústria (por ex.,
imóveis ou empresas). Podem entrar com a propriedade desses bens, mas também com
outros direitos reais ou mesmo a título obrigacional (hipótese confirmada pelo art. 27.º).
Apesar de o art. 22.º/1/a) se referir a bens susceptíveis de penhora, deve entender-se
“serem permitidas também as entradas com bens que, não obstante serem impenhoráveis,
são susceptíveis de avaliação económica, contribuem para o exercício da actividade
social e aproveitando, assim, também aos credores sociais” (p. 250).
• Entradas em indústria: os sócios obrigam-se a prestar determinada actividade ou
trabalho à sociedade. Apenas os sócios de responsabilidade ilimitada podem entrar com
indústria (sociedade em nome colectivo e sócios comanditados nas sociedades em
comandita, arts. 177.º/1/a) e b) e 202.º); nas sociedades por quotas, anónimas e em
comandita (quanto aos sócios comanditários), estas entradas são proibidas (arts. 222.º/1,
306.º/3 e 201/3.º). Isto é assim devido à frágil consistência das entradas em indústria, que
não se compagina com a responsabilidade limitada.
O art. 30.º exige a avaliação dos bens nas entradas em espécie, que deve ser feita por um ROC
designado por deliberação dos sócios (n.º 2, salvo o sócio que tiver feito a entrada). Quando se
verifique um erro na avaliação feita pelo revisor, o sócio é responsável nos termos do art. 27.º/3.
Os interesses acautelados pela exigência de avaliação das entradas em espécie seriam postos em
causa se a sociedade, pouco depois da constituição, pudesse adquirir onerosa e livremente bens
aos sócios. Por ex., “um sócio entrou com 10.000 em dinheiro; logo depois a sociedade comprou-
lhe por 10.000 um veículo que valia 8.000; a venda do veículo traduziu-se praticamente numa
65
entrada em espécie dissimulada”. Assim, o art. 36.º prevê que, “sob pena de ineficácia, a
aquisição de bens por uma sociedade anónima ou em comandita por acções deve ser aprovada
por deliberação dos sócios – precedida de verificação do valor dos bens nos termos do art. 30.º –
quando seja efectuada antes da celebração do acto constituinte, em simultâneo com ela ou nos
dois anos seguintes a um sócio e o contravalor desses bens exceda 2% ou 10% do capital social,
consoante este foi igual ou superior a 50.000€, ou inferior a esta importância” (p. 253).
O valor das entradas em indústria também deve constar do estatuto, mas a avaliação é feita pelos
sócios – não só temos uma responsabilidade ilimitada dos sócios, como o valor das contribuições
em indústria apenas servem para o cálculo na participação nos lucros e perdas (art. 177.º/1/b)).
O valor das entradas pode ser igual ou superior, mas não inferior, ao valor das
correspondentes participações (art. 27.º/1 e 2). Desta forma, consegue-se que o valor do
património social inicial seja pelo menos idêntico ao capital social.
Ø Entradas em espécie:
• São realizáveis, em alguns casos, antes da celebração do acto constituinte; noutros casos,
realizase no momento da celebração do acto constituinte.
• Se a entrada consistir numa coisa ou numa entrada de mero gozo, não se pode estabelecer
no acto constituinte o diferimento da obrigação de entrada para além do momento da
celebração do acto (o art. 28.º apenas se aplica às entradas em dinheiro).
66
Ø Entradas em dinheiro: a regra é que devem ser realizadas até ao momento da celebração do
acto constituinte da sociedade (art. 28.º), porém, existem várias excepções:
• Para as sociedades constituídas nos termos da LSC, as entradas podem ser realizadas até
ao termo do primeiro exercício económico (arts. 28.º, 219.º/b) e 225.º/6).
• Para as sociedades por quotas e anónimas constituídas através do regime da empresa na
hora ou on-line, permite-se a realização de todas as entradas em dinheiro até alguns dias
depois da celebração do acto constituinte (art. 7.º/2 DL 111/2005 e 6.º/1/e) DL 125/2006).
Conjugando estes preceitos com o art. 1.º do DL 33/2011, conclui-se ainda que, nas
sociedades por quotas na hora e on-line, as entradas em dinheiro podem ser realizadas até
ao final do primeiro exercício económico (arts. 7.º/2 e 6.º/1/e)).
• Além destas excepções, temos ainda o diferimento de entradas em dinheiro. A Lei
admite que o estatuto social preveja, em certos termos, o diferimento nos arts. 224.º/1 e
222.º/2, respeitantes às sociedades por quotas e anónimas (aplicável às sociedades em
comandita por acções).
o Nas sociedades por quotas, todas as entradas em dinheiro são diferíveis. O
pagamento deve ser efectuado em certas datas ou ficar dependente de certos
factos (art. 223.º/1); se o estatuto não fixar qualquer prazo, aplica-se o art. 777.º/1
do CCiv.
o Nas sociedades anónimas e em comandita por acções, pode ser diferida a
realização de 70% do valor nominal ou do valor de emissão das acções (art.
306.º/1).
§ Nas sociedades por acções, o estatuto pode também fixar prazos,
mas não pode permitir o diferimento da realização das entradas em dívida
por mais de 3 anos (art. 316.º/1); não fixando o estatuto qualquer prazo,
aplica-se igualmente o art. 777.º/1 do CCiv.
Uma questão que se coloca é se, nas sociedades por acções, a percentagem das entradas em
dinheiro que é possível diferir se reporta a todas elas, globalmente consideradas, ou a cada
uma delas (i.e., se cada sócio tem de realizar até à celebração do contrato pelo menos 30% do
valor das acções, ou se basta que as entradas realizadas por todos os sócios atinjam 30%). C. DE
ABREU entende que, apesar de a letra do art. 306.º/1 não ser conclusiva, deve-se entender
67
que cada sócio tem de realizar a parte da sua entrada correspondente a 30%. O autor suporta
esta solução com os seguintes argumentos:
1. Está de acordo com a ideia de sociedade comum comunidade de proveitos e riscos;
2. Torna mais difícil a participação nas sociedades de sujeitos precipitados ou irreflectidos;
3. Promove mais eficazmente a realização das entradas diferidas, pois os sócios sabem que,
se não realizarem as entradas, ficam sujeitos a perder as respectivas participações e os
pagamentos já realizados (art. 316.º/4) (p. 258).
68
2.2.3 Dever de actuação compatível com o interesse social ou/e dever de lealdade
Estes deveres não estão determinados em nenhuma norma, antes decorrem de princípios jurídicos
– princípio do comportamento compatível com o interesse social e/ou princípio da lealdade do
sócio (por sua vez, estes retiram-se da legislação e da jurisprudência). O dever de actuação
compatível com o interesse social e o dever de lealdade coincidem quase sempre; porém, o
dever de lealdade é mais amplo, abrangendo os comportamentos dos sócios em que não está em
causa o interesse social. C. DE ABREU dá preferência à primeira designação.
Hoje, a propósito das concepções económicas e jurídicas dos interesses prosseguíveis pelas
empresas ou sociedades, fala-se das seguintes teorias:
• Teorias monísticas: identificam o interesse da empresa com o dos sócios.
• Teorias dualísticas: para além dos interesses dos sócios, os interesses dos trabalhadores
também relevam.
• Teorias pluralísticas: entra também o interesse público.
Nos últimos anos, primeiro nos EUA e depois noutros países, tem prevalecido a teoria monística.
69
Já o art. 69.º vem adoptar uma perspectiva institucionalista, inviabilizando uma concepção
unitária de interesse social: relativamente aos critérios de comportamentos dos administradores,
estes devem actuar no interesse da sociedade, que inclui os interesses dos sócios e de outros
sujeitos relevantes, como os credores e trabalhadores.
É à maioria que cabe decidir qual o bem mais apto para conseguir o fim social, i.e., escolhe o
interesse social em concreto. Porém, o interesse social não se confunde com o interesse da
maioria – caso contrário, não haveria deliberações abusivas.
70
Para C. DE ABREU, este é um dever de conteúdo negativo, que “impõe que cada sócio não
actue de modo incompatível com o interesses social (interesse comum a todos os sócios
enquanto tais) ou com interesses de outros sócios relacionados com a sociedade” (p. 282). Este
dever contém várias manifestações legais, entre elas:
• Art. 63.º/1/b) – anulabilidade das deliberações dos sócios abusivas.
• Art. 88.º – o sócio com poder para designar ou fazer eleger os membros dos órgãos de
administração ou fiscalização responde perante a sociedade ou sócios quando tenha
actuado culposamente na escolha dos mesmos.
• Art. 185.º e 189.º – obrigação de os sócios de responsabilidade ilimitada não concorrerem
com a sociedade.
• Ver ainda art. 267.º, 280.º e 404.º/6.
Porém, o dever de lealdade existe mesmo em situações não previstas na lei. Exemplos:
• Dever de o sócio não aproveitar em benefício próprio as oportunidades de negócios da
sociedade.
• Dever de o sócio não impugnar judicialmente deliberações sociais, a fim de pressionar a
sociedade ou sócios dominantes a pagarem somas de dinheiro.
• Nas sociedades personalísticas, em que o dever de lealdade é mais intenso, os sócios não
devem difundir opiniões negativas sobre a sociedade.
• Dever de o sócio não transmitir a sua participação social a um terceiro “predador”
(pretende adquirir o controlo da sociedade).
Qual o fundamento do dever de lealdade? Apesar de alguns autores o verem no princípio da boa
fé, para COUTINHO DE ABREU “o dever de lealdade tem o seu fundamento primeiro na
natureza da sociedade enquanto instrumento para a consecução de determinado fim ou a
satisfação de interesses sociais – o sócio está vinculado a respeitar essa natureza, a mover-se
dentro do círculo permitido por esse fim ou interesses” (p. 285).
Outra questão que se coloca é a de saber se este dever é igual em todos os tipos societários.
Assim, temos:
• O dever de lealdade é mais intenso e extenso nas sociedades de pessoas (em nome
colectivo, comandita simples e ainda nas por quotas) do que nas outras.
71
No entanto, para COUTINHO DE ABREU, o dever de lealdade perante a sociedade acaba por
ser um dever perante os sócios, de actuar de modo compatível com o interesse comum a todos os
sócios. Além disto, distinguir estes dois deveres implicaria que o interesse social seria neutro, o
que não é verdade pois acaba por se objectivar nos sócios. Assim, a deliberação do desnecessário
aumento de capital é abusiva por favorecer especialmente uns sócios em detrimento de outro.
Porém, em algumas hipóteses, há possibilidade de os sócios lesarem ilicitamente interesses de
outros sócios sem lesarem interesses da sociedade – nestas situações, podemos autonomizar o
dever de lealdade entre os sócios. Uma das hipóteses é a das deliberações emulativas, do art.
63.º/1/b).
Uma questão final é a de saber se o dever de lealdade inclui interesses para além da sociedade,
extrassociais. Em alguns casos, parece que sim, nas sociedades com um forte pendor
personalístico – por ex., uma sociedade por quotas com classes familiares entre os sócios (temos
vários candidatos a gerentes, mas um é filho de um dos sócios – temos aqui uma comunhão que
importa respeitar).
Esta é uma das matérias mais importantes hoje em dia, principalmente porque hoje se verifica um
fenómeno de “regresso às origens”, de atribuição de um maior poder dos sócios.
Ø Sanções
72
Finalmente, coloca-se a questão de saber se este dever existe nas sociedades unipessoais –
RICARDO COSTA entende que sim, pois o interesse da sociedade é o interesse do sócio
enquanto sócio, logo existe uma esfera de interesse do sócio que não coincide com o da
sociedade. COUTINHO DE ABREU é da mesma opinião. Porém, o campo do dever de lealdade
nas sociedades unipessoais será muito reduzido – na prática, pode manifestar-se nos casos do art.
83.º (o sócio único não-gerente não deverá influenciar a administração de modo a que esta cause
prejuízos à sociedade) e art. 63.º/1/b) (deliberações abusivas, que poderão ser impugnadas pelo
órgão de fiscalização quando exista, art. 64.º/1).
A contribuição dos sócios para o património da sociedade não se esgota, normalmente, com a
realização da sua entrada de capital. São solicitados a efectuar outras prestações: prestações
acessórias, prestações suplemetares ou de suprimento, que têm regimes jurídicos diferentes.
Tratam-se de obrigações eventuais: só existirão de facto se previstas no contrato social.
73
As prestações suplementares têm de estar previstas nos estatutos – outra obrigação eventual – e
têm sempre por objecto uma obrigação pecuniária. As prestações suplementares reportam-se ao
capital, acrescem a este, sem alterarem o seu montante, mas não são capital, nem estão sujeitas
ao mesmo regime jurídico.
Decorre do regime jurídico sobre prestações suplementares patente no artigo 231.º/1 e 232 da
LSC a necessidade de as respectivas obrigações terem de ser estipuladas no contrato social e
objecto de deliberação dos sócios, para que lhes possam ser exigidas.
O não cumprimento desta obrigação pode levar à exclusão do sócio inadimplente (art. 234).
As prestações suplementares de capital têm uma função dupla: a capitalização da sociedade –
adequar o capital próprio às necessidades sociais - e funcionar como garantia dos credores – art.
235.
74
2.2.4.3. Suprimentos
75
Nos termos do art. 270, a obrigação de suprimentos é uma obrigação eventual, que pode ser
concretizada no contrato social ou determinada por deliberação social. Cf., no entanto, o disposto
no art. 270 (3).
O regime legal deste contrato tem algumas particularidades (art. 271):
Determinação judicial do prazo, caso não tenha sido estipulado um prazo para o cumprimento da
obrigação de reembolso pela sociedade.
A insolvência de uma sociedade não pode ser pedida com base no crédito de reembolso.
Em caso de insolvência, os suprimentos apenas são reembolsados depois de pagas as restantes
dívidas da sociedade.
São nulas as garantias reais prestadas pela sociedade relativamente a créditos de reembolso de
suprimentos.
O regime do contrato de suprimentos é aplicável aos outros tipos societários, apesar de vir
expressamente previsto apenas par as SQ.
In fine, podemos obter uma visão comparativa das 3 figuras analisadas - suprimentos,
prestações acessórias e prestações suplementares – através da tabela infra:
76
77
Regra geral supletiva, resultante do art. 248 (1), transmissão para os herdeiros nos termos gerais
das regras sucessórias.
O contrato social pode estipular diversamente. Nesse caso, a sociedade terá de amortizar a quota,
adquiri-la ou fazê-la adquirir por terceiro (art. 248 (2)).
O contrato social pode atribuir aos sucessores o direito de exigir a amortização da quota, ou o
direito de condicionar, por algum modo, a transmissão da quota aos sucessores (art. 249).
No art. 250 (2), determina-se a suspensão dos direitos e obrigações inerentes à quota enquanto
não se realizar a amortização ou aquisição, nos termos anteriormente referidos.
Consequentemente, os herdeiros não participam nas deliberações sociais sobre o destino da quota
em causa.
Qual o sentido do art. 250 (3)?
O regime consta dos arts. 251 a 254. A lei fala em transmissão e em cessão.
Por cessão deve entender-se a transmissão voluntária do titular (compra e venda, dação em
cumprimento, permuta, doação, etc.). Há casos de transmissão forçada, i.e., que não
correspondem a uma cessão – que pressupõe um acto de vontade do cedente – designadamente
venda e adjudicação judiciais – art. 263.
Forma: escrita com reconhecimento presencial das assinaturas. Deve, ainda, a cessão ser
registada (art. 251(1)). A cessão deve ser notificada à sociedade (art. 251 (4)).
O contrato de sociedade pode (art. 252 (1)):
Proibir a cessão de quotas tout court.
Dispensar o consentimento em geral ou para casos particulares.
Exigir o consentimento da sociedade para as cessões que estão, por regra legal
dispositiva, dispensadas daquele.
O consentimento deve ser pedido por escrito, contendo o pedido todos os elementos da cessão –
art. 253 (1).
A prestação de consentimento expressa é feita por deliberação social. Caso a sociedade não
delibere no prazo de 60 dias, contado sobre a recepção do pedido, há prestação tácita de
consentimento (art. 253 (2) e (3)).
Outras duas possibilidades de consentimento tácito:
Art. 253 (4).
Art. 253 (5).
78
Caso o cedente tenha a quota há mais de três anos ou, no mesmo período, a quota estivesse na
titularidade do cônjuge, ou de pessoa a quem um ou outro tenham sucedido por morte (art. 254
(4)), a sociedade, se recusar o consentimento, deve apresentar uma proposta de amortização ou
de aquisição da quota – cf. art. 254 (1).
O cedente pode ou não aceitar essa proposta (art. 254 (2)).
A cessão para o qual o consentimento foi pedido torna-se livre em qualquer um dos casos
previstos nas alíneas do art. 254 (3).
Se a sociedade deliberar adquirir a quota em causa, os sócios podem adquiri-la no lugar a
sociedade, nos termos do art. 254 (5)).
A recusa de consentimento tem como limite o abuso de direito ou é insindicável? Possível
aplicação do art. 63 (1) b).
Art. 252 (2): O contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito
diferente do consentimento da sociedade, mas pode condicionar esse consentimento a requisitos
específicos, contanto que a cessão não fique dependente:
a) Da vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoa estranha, salvo tratando-se de
credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a permanência de
certos sócios;
b) De quaisquer prestações a efectuar pelo cedente ou pelo cessionário em proveito da sociedade
ou de sócios;
c) Da assunção pelo cessionário de obrigações não previstas para a generalidade dos sócios.
As cláusulas de preferência na cessão de quotas são em princípio válidas. Só não o serão se
fizerem depender a eficácia da cessão perante a sociedade do cumprimento, por parte do cedente,
da obrigação de preferência.
Em abstracto, a cessão de quota e o respectivo direito de preferência podem contemplar qualquer
contrato translativo:
Compra e venda
Dação em cumprimento
Doação
Entrada em sociedade
Permuta (etc).
79
Transmissão de acções
Actualmente, o regime de transmissão de acções encontra-se regulado nos arts. 350 e ss da LSC
e no CVM (Lei 22/15 de 31 de Agosto).
A transmissão de acções nominativas, à imagem do que sucede relativamente à transmissão de
quotas, pode ser subordinada (art. 350):
ao consentimento da sociedade;
ao direito de preferência a favor de outros accionistas;
a outros requisitos determinados de acordo com o interesse social.
80
As acções são igualmente penhoráveis e executáveis, apesar de não haver norma expressa na
LSC sobre a matéria. Resulta das regras gerais do CPC, havendo, até, um argumento de maioria
de razão relativamente às quotas.
Amortização reembolso: os sócios recebem o valor nominal (ou parte dele) das acções (art. 371).
As acções totalmente reembolsadas transformam-se em acções de fruição (art. 371 (7)).
Amortização extinção: art. 372 - quando o contrato da sociedade ou a lei impuser ou permitir.
Consequente redução do capital social.
2.5. Exoneração
Saída do sócio por sua iniciativa e com fundamento na lei ou nos estatutos.
A LSC contém, em vários preceitos, alguns gerais, outros particulares para cada tipo societário,
causas justificativas de exoneração. A título meramente exemplificativo:
Em caso de fusão (art. 109).
Em caso de cisão (remissão art. 120).
81
2.6. Exclusão
Está especificamente prevista para as soc. em nome colectivo e, para o que aqui nos interessa,
para as SQ nos arts. 266-268 da LSC.
A exclusão pode definir-se como o afastamento de um sócio por iniciativa da sociedade, decidida
por ela e, ou, pelo tribunal, com fundamento na lei ou numa cláusula estatutária.
Fundamento geral da exclusão (art. 266): comportamento desleal ou gravemente perturbador do
funcionamento da sociedade.
Normas específicas nas SQ:
255 (1) – incumprimento da obrigação de entrada
234 – incumprimento de obrigação de prestações suplementares
236 (8) – uso ilícito da informação da sociedade
Exclusão por norma estatutária – aplicáveis as normas referentes à amortização – art. 266 (2).
Terão de estar em causa comportamentos ou situações jurídicas relevantes e concretamente
determinados.
Recorrendo à cláusula geral, a exclusão tem de ser precedida de decisão judicial - art. 267 (1).
Nos outros casos, a exclusão é feita por mera deliberação – remissão do art. 266 (2).
Aplicação do regime de exclusão às SA?
82
O capital social é uma cifra estatutária, que consta do estatuto social (art. 10.º/1/f) LSC). Para
a concepção tradicional e dominante, o capital é a cifra representativa da soma dos valores das
entradas dos sócios. Porém, para COUTINHO DE ABREU, esta concepção é incorrecta: o
valor das entradas em indústria não é computado no capital social (art. 10.º/1/f) e 179.º/1); e o
valor das entradas pode ser superior ao valor das participações correspondentes ou mesmo
inferior.
Assim, o capital social deve ser definido como a cifra representativa da soma dos valores
nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie. Temos
quatro elementos:
• Cifra;
• Representação;
• Soma de valores nominais,
• Participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie.
O capital social aparece muitas vezes na lei noutra acepção, de capital social real – é o montante
de bens destinados a cobrir o capital social estatutário. O capital social não se confunde com o
património, conjunto de relações jurídicas: o património também é uma cifra, mas que tem
correspondência com um conjunto de relações jurídicas e bens. O património social pode ser
superior ao capital social real.
Temos ainda a noção de capital próprio de uma sociedade que equivale ao património (ou
activo) líquido de uma sociedade (arts. 33.º/1, 37.º/1). Por seu turno, capital próprio é uma noção
essencial de contabilidade. O capital próprio corresponde ao património líquido da sociedade. O
capital próprio é, pois, a diferença entre os activos e passivos, ou seja, a diferença entre tudo
aquilo que a sociedade possui e o que deve a terceiros.
83
Se uma sociedade vender todo o seu património e, de seguida, pagar todas as suas dívidas, o
valor da diferença, o valor remanescente, é o valor do património líquido da sociedade.
No momento inicial, o património líquido da sociedade corresponde aos direitos da sociedade
correspondentes às obrigações de entrada dos sócios.
O património de uma sociedade é o conjunto de relações jurídicas com valor económico, i.e.,
avaliável em dinheiro. “Se nem todas as sociedades, como vimos, têm de ter capital social, todas
elas têm património. Logo no momento inicial, ele é constituído ao menos pelos direitos
correspondentes às obrigações de entrada. Depois, à medida que decorre a vida societária, o
património vai-se alterando com a entrada de outros direitos ou bens e de obrigações” (p. 405).
O património e capital sociais não se confundem: enquanto que o capital é uma cifra, uma
realidade aritmético-monetária; o património é uma realidade composta por relações
jurídicas. No momento da sociedade originária, o capital e património geralmente correspondem.
O património pode ser maior do que o capital, não pode é ser menor (o valor das entradas não
pode ser inferior ao valor do capital).
• Função de financiamento: o valor das entradas pode ser igual ou superior, mas não
inferior, ao valor nominal das participações (art. 27.º/1 e 2), i.e., o património social
inicial tem de ser pelo menos igual ao capital social. Os bens deste património são um
meio de financiamento, sendo que esta função de financiamento tem mais importância
ao início, depois perde valor.
Esta função de financiamento não existe no capital mínimo legal geral das sociedades
anónimas (art. 305.º/3) e no capital social mínimo estatutário das sociedades por quotas
(arts. 221.º).
84
• Função de ordenação: “o capital social aparece na lei como critério para determinação
da medida de direitos e obrigações dos sócios, da existência de certos direitos na
titularidade de sócios, e dos quóruns deliberativos” (p. 407).
o Em regra, os sócios participam nos lucros e nas perdas sociais segundo a
proporção dos valores das participações no capital (art. 24.º/1). Ver também arts.
241.º/1 e 404.º/1.
o A existência de certos direitos dos sócios é determinada por referência ao capital
social (por ex., art. 81.º/1).
o Nas sociedades por quotas, certas deliberações exigem um quórum deliberativo
qualificado (arts. 275.º/2 e 278.º/1; para as sociedades anónimas, art. 403.º/2).
85
4. Lucros
4.1 Noções
O capital social também é importante na matéria da distribuição dos lucros. O lucro societário é
o ganho traduzível em incremento do património da sociedade; porém, temos diversas noções
de lucro:
• Lucro de balanço: é a diferença entre o valor do património social líquido e o valor
conjunto do capital social e das reservas indisponíveis. Marca o limite máximo de bens
que podem ser distribuídos aos sócios (art. 33.º).
• Lucro de exercício: é o lucro que designa a diferença entre o valor do património social
líquido no final e início de cada período. Releva, por ex., para a constituição da reserva
legal (arts. 240.º e 327.º). Tem de estar dentro do lucro de balanço.
• Lucro final: é apurado na fase terminal da sociedade e corresponde ao excedente do
património social líquido sobre o capital social.
Todos os sócios têm direito a quinhoar nos lucros, que se traduz na faculdade de exigir parte
dos lucros (em regra, na proporção do valor da respectiva participação no capital social,
art. 23.º/1)), quando os mesmos sejam ou tenham de ser distribuídos. Isto não quer dizer que
86
cada sócio, quando haja lucros distribuíveis, possa exigir uma parte deles: só o pode fazer se e
quando os lucros sejam ou devam ser distribuídos.
O art. 24.º/3 diz que é nula a cláusula que exclua este direito, i.e., é proibido o pacto leonino .
Esta proibição visa garantir o bom funcionamento da sociedade. Note-se que a regra do art.
23.º/1 admite convenção em contrário (é dispositiva), pelo que o estatuto pode estabelecer que os
sócios quinhoam nos lucros mais que proporcionalmente (direito especial).
É possível que sujeitos diferentes dos sócios participem nos lucros? A LSC prevê esta
possibilidade (arts. 255.º/3 e 399.º/2 e 3), e os estatutos podem prevê-lo – por ex., estabelecer que
os trabalhadores terão o direito de participar nos lucros. A lei dá poder aos sócios de deliberar
sobre a distribuição dos lucros, e neste poder deliberativo deve estar incluído o poder de
determinar a distribuição por não sócios (arts. 189.º/3, 246.º/1/e) e 376.º/1/b)). Claro que depois
este poder tem de respeitar certos princípios, como o da especialidade do fim.
Em regra, os sócios não têm direito ao lucro de balanço ou total (limitado no art. 33.º), não têm
o poder de exigir a sua repartição. Têm apenas direito a exigir que a administração lhes apresente
um relatório de gestão (art. 70.º/), com uma proposta de aplicação de resultados (art. 71.º/2/f)) e
de deliberar sobre tal aplicação (arts. 191.º/3, 272.º/1/e) e 396.º/1/a,b)).
Uma vez adoptada a deliberação de distribuição de lucro, os sócios ficam com um direito de
crédito sobre o quinhão respectivo. Notas:
87
• Nas sociedades por quotas e anónimas, o crédito do sócio não se vence imediatamente
(arts. 239.º/2 e 326.º/2) – vence-se passado 30 dias, com possibilidade de estender o
prazo.
• Existem certas situações em que os administradores não devem executar a deliberação de
distribuição de lucros: quando puder resultar um património social líquido inferior ao
capital social e reservas indisponíveis (art. 32.º/2/a)); e em caso de providência cautelar
de suspensão (art. 381.º/3 do CPC) ou de acção de invalidade da deliberação (art. 32.º/4).
No caso de os sócios receberem a título de lucros bens cuja distribuição não era permitida por lei,
o art. 35.º dispõe que só são obrigados à restituição os sócios que conheciam a irregularidade
da distribuição ou não deviam ignorá-la (sócios de má-fé). O n.º 2 estende este regime ao
transmissário do direito do sócio.
Na distribuição de lucros de exercício nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita por
acções, regem os arts. 239.º e 326.º. Segundo estes artigos, verificando-se que existe naquele
período lucro de exercício distribuível, se o estatuto social não dispuser diferentemente
(quanto à medida de distribuição, ou quanto à maioria dos votos exigida) e se os sócios não
deliberarem por maioria qualificada (três quartos) distribuir menos de metade, a sociedade
fica obrigada a distribuir aos sócios metade do lucro de exercício. Esta é, por isso, uma regra
supletiva. Notas:
• O lucro de exercício tem de ser distribuível (art. 34.º/1) – não são distribuíveis os lucros
do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos de períodos anteriores ou
reconstituir reservas impostas por lei (arts 240.º e 327.º) ou pelo estatuto social.
• Assim, as operações que temos de fazer são: em primeiro lugar, retirar os montantes
necessários para cobrir prejuízos de períodos anteriores; em segundo, distribuir os
lucros; em terceiro, aferir do respeito pelo art. 33.º.
• Não relevam aqui eventuais resultados positivos transitados de anos anteriores.
88
• O estatuto social nada diz acerca da distribuição dos lucros – os sócios têm direito à
distribuição de metade do lucro, sob condição de não ser adoptada por maioria de três
quartos dos votos emissíveis uma deliberação de distribuição de menos de metade.
o E se a deliberação for adoptada por maioria simples? Voltamos à regra supletiva e
os sócios têm direito a metade (podendo exigir o cumprimento judicial da
obrigação, art. 817.º do CCiv.). Se o presidente da assembleia declarar que a
proposta foi aprovada, a deliberação é anulável (art. 63.º/1/a)), podendo os sócios
pedir na acção anulatória a condenação da sociedade a entregar os respectivos
quinhões.
o Nada é decidido e passam 30 dias sobre a data em que deveria ter havido decisão
sobre a aplicação dos resultados – o sócio continua a ter o direito de exigir o
quinhão correspondente.
• O estatuto social diz algo sobre a distribuição dos lucros de exercício.
o A cláusula estatutária comete à assembleia geral a fixação anual do destino a dar
aos lucros, por ex. permitindo uma deliberação por maioria simples – é válida.
o A cláusula estatutária estabelece a distribuição aos sócios de certa percentagem do
lucro, que pode ser inferior a 50% – é válida (no entanto, há quem defenda que
esta cláusula é nula).
o A cláusula estatutária impõe a distribuição de todos os lucros – a doutrina diverge.
Os autores que defendem que é nula argumentam que a LSC estabelece
imperativamente a competência dos sócios deliberarem sobre a aplicação dos
resultados (arts. 272.º/1/e) e 396.º/1/a) e b)), logo a cláusula que retira este poder
aos sócios é nula. COUTINHO DE ABREU entende que esta cláusula é válida –
aqueles são preceitos gerais de competência deliberativa e os arts. 239.º e 326.º/1
contêm preceitos especiais. RICARDO COSTA inclina-se para a primeira
posição.
o A cláusula estatutária impõe a não distribuição dos lucros de exercício – aqui
colocam-se mais dúvidas. Em geral, entende-se que é nula. COUTINHO DE
ABREU admite a validade em geral desta cláusula: nas sociedades constituídas
por tempo determinado, a questão é mais pacífica; nas de tempo indeterminado,
considera que é válida uma vez que a impossibilidade de distribuição dos lucros
89
Assim, com a deliberação de aprovação das contas finais, os sócios ficam com um direito de
crédito à entrega pela sociedade dos respectivos quinhões no lucro de liquidação, que podem ser
compostos por bens em espécie (art. 156.º/1).
Os lucros finais podem ser distribuídos em espécie; porém, em relação aos lucros de balanço e de
exercício, a lei nada diz. COUTINHO DE ABREU defende que o art. 156.º/1 se pode aplicar
analogicamente aos lucros de balanço e de exercício, e assim podem ser distribuídos lucros em
espécie se tal possibilidade estiver prevista nos estatutos ou se todos os sócios o deliberarem.
Existem mesmo situações em que é aconselhável a distribuição em espécie – por ex., a sociedade
teria de recorrer ao crédito para satisfazer os lucros em dinheiro.
Notas:
• O valor dos bens deve ser o valor (regularmente calculado) inscrito no balanço.
• Deve ser respeitado o princípio do igual tratamento dos sócios.
90
Os sócios não podem transmitir autonomamente o direito geral ou potencial a quinhoar nos
lucros, uma vez que este é uma componente não autónoma da participação social.
• Porém, o sócio pode dispor de um quinhão de lucro, enquanto crédito futuro – quando o
crédito se tornar actual (com a deliberação de distribuição de lucros) e o cedente
permanecer sócio, então o cessionário tem direito a ele.
• Para além disto, o direito de crédito a uma quota-parte do lucro, porque se autonomizou
da participação social, é transmissível, com ou sem ela. No regime das acções, o art.
59.º/3 do CVM diz que, se tiver havido destaque do direito ao dividendo, tem
legitimidade para exercer o direito o titular do direito destacado e não o titular das acções
(art. 59.º/1 e 2/a) CVM).
5. Reservas
5.1 Noção
91
As reservas resultam de lucros que a sociedade não pode distribuir (caso das reservas legais e
estatutárias) ou não querem distribuir, i.e., que os sócios deliberam não distribuir (reservas
facultativas ou livres).
As sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções devem constituir reserva legal
(arts. 240.º, 327.º/1 e 214.º). Notas:
• Pelo menos 5% dos lucros de exercício devem ser afectados à constituição da reserva
legal, até que corresponda a 20% do capital social; estes valores podem ser mais elevados
(art. 327.º/).
Nas sociedades por quotas, o valor mínimo de reserva consta do art. 240.º/2).
• A reserva legal só pode ter as aplicações do art. 328.º.
• Ficam sujeitas ao regime da reserva legal as do art. 327.º (reservas equiparadas), e têm a
mesma destinação que esta.
• São nulas as deliberações dos sócios violadoras dos arts. 327.º e 328.º (quer pelo art.
61.º/1/d), uma vez que se trata de normas imperativas; quer pelo art. 79.º/3).
Ø Reservas estatutárias
Os sócios podem estabelecer nos estatutos que certa percentagem dos lucros de exercício será
afectada a uma reserva, com ou sem indicação do seu destino (o que não impede que seja
aplicada na cobertura de perdas (art. 328.º/a) e b)).
As deliberações dos sócios desrespeitadoras das regras estatutárias sobre constituição e aplicação
da reserva são, em geral, anuláveis (art. 63.º/1/a), in fine); porém, são nulas as deliberações
92
Ø Reservas livres
As reservas livres são constituídas por deliberações dos sócios, que lhes podem afectar a
totalidade ou parte dos lucros de exercício distribuíveis. Porém, é necessário respeitar os limites
dos arts. 240.º/1 e 327.º: se a constituição de reservas livres implicar que serão distribuídos
menos de metade dos lucros de exercício, tal só é válido se existir cláusula contratual neste
sentido ou se houver uma deliberação adoptada por maioria qualificada dos votos emissíveis.
Ø Reservas ocultas
Nestes casos, o património líquido da sociedade aparece com um valor inferior ao valor real,
sendo que a diferença entre estes dois valores constitui uma reserva oculta. Podemos ter reservas
ocultas lícitas ou tácitas no segundo caso, quando a subvalorização de bens do activo é devida à
utilização de critérios legais de mensuração ou de amortização.
As deliberação que aprovem contas com reservas ocultas são nulas (art. 79.º/3, parte final).
6. Perdas
6.1 Espécies
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Todo o sócio é obrigado a quinhoar nas perdas, salvo o disposto quanto a sócios de indústria
(art. 22.º/b) e 24.º/3).
A participação nas perdas não significa responsabilidade por dívidas, a sociedade pode ter perdas
e ir pagando as dívidas. “Perdas sociais não é o mesmo que dívidas sociais, participar nas perdas
da sociedade não é o mesmo que responder perante credores da sociedade” (p. 439). Por outro
lado, também não é a obrigação, perante a sociedade, de fazer contribuições adicionais para
anular as perdas. O que esta obrigação significa é que todo o sócio corre o risco de perder (total
ou parcialmente) o investimento feito como contrapartida da aquisição de participação social.
Isto remete-nos para as perdas finais, o sócio pode ser confrontado com a impossibilidade de
reaver o património investido na sociedade.
O art. 22.º/b) e 24.º/3 ressalva o disposto quanto a sócios de indústria; porém, também estes estão
sujeitos a perder o valor das suas entradas quando haja perdas (art. 177.º/1/b)). O art. 179.º/2
refere-se à responsabilidade dos sócios perante credores sociais e significa que o sócio de
indústria que satisfaça obrigações da sociedade tem o direito de exigir dos sócios de capital o
montante que pagou.
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1. Preliminares
As deliberações inexistentes não produzem quaisquer efeitos, e a inexistência pode ser invocada
a todo o tempo por qualquer pessoa.
2. Deliberações ineficazes
2.1 Em geral
As deliberações ineficazes estão previstas no art. 60.º, que diz que “salvo disposição legal em
contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de
determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu acordo,
expressa ou tacitamente”. Ou seja, faltando o consentimento de um sócio exigido por lei, a
deliberação não produz efeitos, sendo que esta ineficácia é absoluta e total. Notas:
• O referido consentimento pode ser dado nas respectivas deliberações ou fora delas.
• O consentimento pode ter de ser dado por vários sócios (sócios determinados ou
determináveis), sendo suficiente o não consentimento de um deles para a ineficácia; ou
ainda pode ser necessário consentimento formado colegial-maioritariamente (art. 26.º/6).
95
Exemplos:
• Deliberações que suprimam ou restrinjam direitos especiais dos sócios sem o
consentimento dos respectivos titulares (art. 26.º/5 e 6);
• Deliberações de transformação de sociedade que importem para todos ou alguns sócios a
assunção de responsabilidade ilimitada, sem aprovação pelos sócios que devam assumir
essa responsabilidade (art. 133.º/2).
• Ainda arts. 136.º/1, 252.º/3).
Para além disto, a LSC prevê casos de ineficácia relativa (permitido pela 1ª parte do art. 60.º). É
o caso das deliberações do art. 91.º/2 e 270.º/2.
Os órgãos societários podem atuar em conformidade com as deliberações ineficazes, pelo que
neste caso pode-se intentar acções de simples apreciação com o fim de obter a declaração judicial
de ineficácia das deliberações.
A acta é o registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia ou
por voto escrito, e ainda de outros dados do respectivo procedimento deliberativo. Notas:
• Por regra, as actas são lançadas em livro de actas, sendo hoje possível o suporte
electrónico (31.º/1, 37.º e 39.º/1 CCom.).
• Apesar do disposto no art. 68.º/1, as actas não respeitam somente às deliberações
adoptadas em assembleias, também as deliberações por voto escrito devem ser registadas
(arts. 274.º/4, 59.º/1/a)). Apenas não têm de constar as deliberações unânimes por escrito.
• As actas notariais são lavradas por notário, e as relativas a deliberações por voto escrito
são redigidas por gerente (art. 274.º/4).
• As actas particulares de assembleias gerais das sociedades anónimas e em comandita por
acções devem ser assinadas pelo presidente da assembleia, assim como por secretário
desta ou, quando exista, secretário da sociedade (arts. 397.º). Já as das sociedades por
quotas, em nome colectivo e em comandita simples devem ser assinadas por todos os
sócios.
• A lei não diz quando deve ser elaborada a acta de assembleia geral, sendo que é
recomendável fazê-lo antes do encerramento da assembleia.
96
A questão que se coloca é a de saber se uma deliberação efectivamente tomada mas não
documentada em acta (ou porque esta não foi lavrada ou porque não faz menção à deliberação)
sofre por isso em termos de validade ou eficácia. Esta é uma matéria que suscita divergências
doutrinais – existem autores que defendem que tal deliberação seria inexistente, nula, anulável,
ineficaz, ou de que nada disso sofreria. COUTINHO DE ABREU entende que a deliberação é
válida e eficaz (p. 452):
• “Uma deliberação adoptada pelos sócios em forma apropriada é, apesar da falta de acta,
de facto e juridicamente existente”.
• “Depois, a acta não é modo ou meio pelo qual os sócios exprimem ou exteriorizam a sua
vontade deliberativa, não é forma nem formalidade ad substanciam; por isso, e também
pelas balizas fixadas no art. 61.º da LSC, não é nula a deliberação sem acta”.
• “Por sua vez, a falta de acta, além de não inquinar o conteúdo da deliberação, também
não vicia o procedimento deliberativo”, logo não há lugar para a anulabilidade.
A tese maioritária é a tese da ineficácia das deliberações, que COUTINHO DE ABREU rejeita.
Por ex., as deliberações, enquanto não são registadas em acta, produzem efeitos. A falta de acta
acarreta consequências negativas, mas diferentes da ineficácia das deliberações: as actas têm uma
função certificativa, assegurando uma maior segurança e informação. Daí que o art. 68.º/1
estabeleça que as deliberações dos sócios tomadas em assembleia só podem ser provadas pelas
actas. Porém, se em tribunal for desfeito o valor probatório de uma certa acta e se provar ter
sido adoptada uma deliberação nela não registada, deverá admitir-se como provada a
deliberação. Ou seja: para COUTINHO DE ABREU, a acta é meio substituível de prova, e
não condição de eficácia das deliberações.
97
3. Deliberações nulas
As deliberações nulas verificam-se, desde logo, nos casos do art. 61.º. Este preceito não esgota,
porém, as situações em que se pode falar de deliberação nula – basta, por exemplo, atentar no art.
75.º. O art. 61.º mostra-nos que a nulidade pode resultar quer de vícios de procedimento, quer
de vícios de conteúdo – os de conteúdo resultam do próprio regime adoptado na deliberação; no
procedimento, está em causa o conjunto de actos adoptados para tomar aquela deliberação.
Segundo o art. 61.º, também os vícios de procedimento podem conduzir à nulidade, embora em
regra apenas tenham como consequência a anulabilidade (art. 63.º/1/a)). São os casos das als. a) e
b).
Ø Al. a): se a assembleia geral não for convocada, as deliberações são nulas, salvo se todos
os sócios estiverem presentes. Embora a letra da al. a) pareça levar a concluir que o que está em
causa é a ausência de todos os sócios, na verdade basta que um não seja convocado para que esta
sanção se aplique. “Apesar de a falta de convocação ser vício de procedimento, é vício muito
grave, na medida em que afasta sócios do exercício de direitos fundamentais da socialidade –
98
Outra norma muito importante é o art. 61.º/2, que equipara casos em que houve convocação a
casos em que não houve convocação – estamos perante vícios tão graves que a lei trata estas
situações como se não tivesse havido convocação. Por ex., quando não se diz qual o dia da
assembleia, ou quando o aviso não seja assinado por quem tenha essa competência.
Note-se que as deliberações tomadas em assembleia geral não convocada não são nulas se
todos os sócios tiverem estado presentes ou representados. Assim, se se tiverem cumprido os
requisitos da assembleia universal (art. 57.º), a deliberação é válida; senão, é meramente
anulável (vício de procedimento, art. 63.º/1/a)).
Ø Al. b): são nulas as deliberações dos sócios tomadas por voto escrito sem que todos os
sócios tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado
por escrito o seu consentimento. Isto refere-se à hipótese do art. 274.º: para se poder deliberar
por voto escrito, é necessário que todos os sócios acordem que assim seja (n.º 2 e 3), o que requer
uma consulta por escrito.
Podendo proceder-se a votação por escrito, o gerente envia a todos os sócios a proposta (n.º 4).
O problema que aqui se coloca é o que significa “convidar”, i.e., qual o momento relevante para
se aferir se todos os sócios forma convidados? O art. 274.º faz menção a dois momentos
relevantes: o primeiro é a consulta; o segundo, o envio da proposta. A doutrina diverge muito,
sendo que COUTINHO DE ABREU e SOVERAL MARTINS defendem que o momento
relevante é o segundo – no momento em que se faz a consulta, não se está a exercer direito de
voto (está de acordo com o teor do art. 61.º/b)). Ou seja, a nulidade ocorre quando nem todos os
sócios foram convidados a votar por escrito, i.e., quando a proposta não é enviada a todos os
sócios.
Também aqui não há qualquer nulidade quando, apesar de um ou mais sócios não terem sido
convocados a exercer o direito de voto, afinal também deram o voto por escrito.
99
Na al. a) e b), estamos perante casos de nulidade atípicas, como revela o n.º 3, pois em certas
circunstâncias não podem ser invocadas. Os vícios da falta de convocação e da falta de convite
podem ser sanados posteriormente por vontade de todos os sócios que não participaram nas
deliberações – “a nulidade não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados
ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu
consentimento”.
Ø Al. c): são nulas as deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a
deliberação dos sócios. Esta alínea é objecto de interpretações distintas na doutrina. Para LOBO
XAVIER, a al. c) faria sentido em dois conjuntos de situações:
• Deliberações sobre matérias atribuídas por lei, não aos sócios, mas a outro órgão.
• Deliberações que interfiram unilateralmente na esfera de terceiros.
SOVERAL MARTINS concorda com LOBO XAVIER. A norma 393.º/3 mostra a utilidade da al.
c), sendo que trata da distribuição de competências entre o órgão colectividade de sócios e o
órgão administração. Em matéria de gestão, os sócios só podem deliberar mediante pedido do
órgão de administração. Ora, o art. 393.º/3 tem natureza imperativa, mas em bom rigor não
podemos dizer que os accionistas nunca têm competência para deliberar sobre aquelas matérias
(i.e., o regime pode ser afastado) pois, se houver pedido do órgão de administração, já podem.
Isto significa que afinal a al. c) tem sentido útil: se os accionistas deliberarem sobre matérias de
gestão sem o pedido, estarão a deliberar sobre matérias que, pela sua natureza (gestão), não
teriam competência. Pelo art. 403.º, verificamos que existe um conjunto muito vasto de matérias
que a lei considera de gestão da sociedade.
Já COUTINHO DE ABREU entende que a al. c) não tem sentido útil perante a d), é subsumida
por ela. Contesta os dois casos identificados por LOBO XAVIER:
• Em relação à primeira situação, apenas se compreenderia que se integrasse na al. c) se
fosse um vício de procedimento; porém, uma regra legal que atribua competência
exclusiva a um órgão (ex: conselho de administração) em certas matérias significa ao
100
mesmo tempo a proibição da assembleia geral adoptar deliberações nessa matéria, logo
temos um vício de conteúdo. Tratando-se de normas imperativas, aplica-se a al. d).
• Por outro lado, a sociedade não pode interferir unilateralmente na esfera de terceiros – a
modificação desta esfera exige acordo entre os terceiros e a sociedade, nos termos de
normas imperativas (art. 406.º e 863.º/1 CCiv.). Assim, estas deliberações são nulas
porque ofensivas da aplicação de normas imperativas (al. d)).
Ø Al. d): são nulas as deliberações de conteúdo contrário aos bons costumes ou a preceitos
legais que não possam ser revogados. A segunda parte refere-se à violação de normas
imperativas. Isto acarreta um exercício de interpretação: quando é que uma norma é imperativa?
• Desde logo, há indicações da norma legal nesse sentido;
• Se visa tutelar interesses dos credores, em regra será imperativa;
• Se visa tutelar interesses dos sócios indisponíveis;
• Se garante um certo esquema organizativo-funcional.
Já em relação às deliberações ofensivas dos bons costumes, não é fácil encontrarmos exemplos –
desde logo, pela fluidez e indeterminação da noção de bons costumes, e também porque estes
têm de ser contrariados pelo conteúdo. COUTINHO DE ABREU dá o exemplo de uma
deliberação em que os gerentes aceitarão de certos terceiros interessados em negociar com a
sociedade o depósito de dinheiro (“luvas”) em contas bancárias.
O art. 70.º/1 diz que os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos
competentes da sociedade o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de
prestação de contas, sendo que compete aos sócios deliberar sobre o relatório de gestão e contas
de exercício (art. 189.º/3 e 474.º, 246.º/1/e), 376.º/1/a) e 478.º). Estas deliberações estão sujeitas,
segundo o art. 75.º, a um regime especial de invalidade.
Este regime não é claro, sendo que podemos dizer, com COUTINHO DE ABREU, o seguinte:
101
• Se a norma violada relativa à elaboração de contas tiver uma projecção formal, caberá no
n.º 1 e a consequência é a anulabilidade. Por ex., é violada a norma que prescreve dever
ser o administrador a elaborar e assinar os relatórios (art. 70.º/1, 3 e 4).
• Se a norma violada tiver uma projecção mais material, se se repercutir na substância
numérica das contas, então podemos ter um caso do n.º 2 (anulabilidade, casos de pouca
gravidade) ou no n.º 4 (nulidade). O art. 75.º/4 diz que as deliberações violem preceitos
legais relativos à constituição, reforço ou utilização de reserva legal são nulas, bem
como as deliberações que violem preceitos cuja finalidade seja a protecção dos credores
ou o interesse público. Esta segunda parte determina que são nulas deliberações que
aprovem um balanço falso por apresentarem activo líquido superior ou inferior ao real
– no primeiro caso, os preceitos legais violados tutelam os credores sociais; no segundo,
pode estar em causa a constituição ou reintegração da reserva legal.
O art. 62.º/1 diz que o órgão de fiscalização da sociedade deve dar a conhecer aos sócios a
nulidade. No art. 399.º/1 e 4, diz-se quem deve estar presente na assembleia, sendo que o órgão
de fiscalização pode logo na assembleia dar a conhecer; senão, num momento posterior. Nas
sociedades em que não há órgão de fiscalização, rege o art. 62.º/4 (este dever compete a
qualquer gerente). Para além deste dever, temos o do n.º 2 – dever de impugnar a deliberação
(sendo que, neste caso, quem vai representar a sociedade é um sócio nomeado pelo tribunal).
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada
oficiosamente – vale aqui o regime geral do art. 286.º do CCiv. (ver também art. 25.º CPC).
Pode ser invocada por qualquer interessado, sendo que aqui se contam, além dos especialmente
visados no art. 62.º, os administradores das sociedades por acções, qualquer sócios e alguns
terceiros.
• Administradores: têm legitimidade para propor a acção nos casos em que o órgão
fiscalizador não cumpre os deveres do art. 62.º/1 e 2.
• Qualquer sócio tem legitimidade para propor a acção de nulidade.
• Terceiros com legitimidade activa são, por ex., os credores e trabalhadores da sociedade
quando esteja em causa uma deliberação de distribuição de lucros fictícios.
102
Interessa-nos também o regime do art. 66.º. A sentença que declarar nula ou anular uma
deliberação é eficaz contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não
tenham sido parte ou não tenham intervindo na acção (art. 66.º/1). Porém, ressalvam-se os
efeitos produzidos na esfera jurídica de terceiros de boa fé, com fundamento em actos
praticados em execução da deliberação (art. 66.º/2). O terceiro está de boa fé quando, no
momento em que conclui negócio com a sociedade, crê na validade da deliberação ou a ignora.
SOVERAL MARTINS entende ser necessário o conhecimento efectivo.
4. Deliberações anuláveis
Ø Al. a), 1ª parte: são anuláveis as deliberações que violem disposições legais, quando ao
caso não caiba a nulidade. Podemos ter aqui vícios de procedimento ou de conteúdo:
• Vícios de procedimento: com excepção dos previstos no art. 61.º/1/a) e b) e 2, os vícios
do procedimento deliberativo provocam, em princípio, a anulabilidade das respectivas
deliberações. COUTINHO DE ABREU reconduz a este caso a al. c) (falta de elementos
mínimos de informação). Porém, nem todos os vícios de procedimento provocam a
anulabilidade das respectivas deliberações, é necessário atender à teleologia das normas
violadas e às consequência das ofensas. Assim, “são vícios de procedimento relevantes
quer os que determinam um apuramento irregular ou inexacto do resultado da votação e,
consequentemente, uma deliberação não correspondente à maioria de votos exigida,
quer os ocorridos antes ou no decurso da assembleia que ofendem de modo essencial o
direito de participação livre e informada de sócios nas deliberações” (p. 493).
• Vícios de conteúdo: os vícios de conteúdo dão origem a anulabilidade quando está em
causa a violação de normas dispositivas. Note-se que as normas dispositivas podem ser
derrogadas pelo estatuto social ou, quando este ou a lei o permitam, por deliberação dos
sócios (art. 10.º/3) – por isso, só quando falte esta permissão é que as deliberações são
anuláveis. Também se aplica a al. a) nos casos de violação de princípios jurídicos com
força equivalente aos da lei, nomeadamente os princípios de igualdade e lealdade.
103
Apesar de a al. b) já ser uma manifestação destes dois princípios, esta alínea não abrange
casos não desrespeitadores do princípio da igualdade; e não se exige na al. a) o
“propósito” da al. b).
Ø Al. c): são anuláveis as deliberações que não foram precedidas do fornecimento aos
sócios de elementos mínimos de informação. O n.º 4 do art. 63.º auxilia a interpretação deste
preceito, elencando situações em que considera que estão presentes elementos mínimos de
informação.
Ø Al. a), 2ª parte: são anuláveis as deliberações que violem o contrato de sociedade, seja
através do conteúdo, seja do procedimento.
• Vício de conteúdo: por ex., a deliberação autoriza a administração a praticar actos fora do
objecto social-estatutário.
• Vício de procedimento: por ex., a deliberação adoptada com a maioria de votos
legalmente necessária mas desrespeitando a maioria qualificada exigida estatutariamente
(arts. 279.º/ e 406.º/1).
Ø Al. b): são anuláveis as deliberações abusivas, que compreendem duas espécies:
• Deliberações abusivas: visam conseguir vantagens especiais em prejuízo da sociedade
ou de outros sócios;
• Deliberações emulativas: pretendem prejudicar outros sócios ou a sociedade, sem que
tal acarrete qualquer vantagem.
Estas duas deliberações são distintas: nas abusivas, o propósito relevante é o de alcançar
vantagens especiais; nas emulativas, é o de causar prejuízos.
• Vantagens especiais: são proveitos patrimoniais concedidos por deliberações,
possibilitados ou admitidos a sócios e/ou não-sócios, mas não a todos os que se
encontram perante a sociedade em situação semelhante à dos beneficiados, bem como os
proveitos que não seriam concedidos a quem hipoteticamente ocupasse posição
104
equiparável (p. 501). Exemplos: delibera-se por maioria dissolver a sociedade, a fim de
os sócios maioritários continuarem; fixa-se a remuneração do sócio gerente num valor
muito elevado.
• O prejuízo é sofrido pela sociedade, ou pelos sócios que não votaram com o propósito de
causar prejuízo. Um sócio pode sofrer prejuízos, não enquanto sócio, mas por ex.
enquanto sócio gerente.
Mas o que significa “propósito”? Para COUTINHO DE ABREU, o dolo aqui em causa não tem
de ser directo nem necessário, basta que seja eventual. Basta provar que um ou mais sócios, ao
votarem, previram como possível a vantagem especial para si ou para outrem, ou o prejuízo da
sociedade ou de outros sócios, e não confiaram que tal efeito eventual se não verificaria. Esta
hipótese da al. b) é de difícil prova, é necessário provar este elemento subjectivo.
Na parte final da al. b), prevê-se a “prova de resistência”: as deliberações são anuláveis a menos
que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos, i.e., a
sociedade pode provar que, sem os votos daquele sócio, a deliberação teria sido igualmente
adoptada.
O art. 63.º/3 contém outro preceito respeitante às deliberações abusivas, que diz que os sócios
que tenham formado maioria em deliberação abusiva respondem solidariamente para com a
sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados. Numa primeira leitura, parece
que este artigo prevê a responsabilidade de todos os sócios cujos votos formaram a maioria,
independentemente de serem ou não abusivos; porém, como nota COUTINHO DE ABREU,
apenas o votante ou votantes abusivos deve ser responsabilizado, só estes cometem factos
ilícitos. Este preceito refere-se, sim, à responsabilidade pelo voto abusivo e significa que os
votantes são sujeitos a responsabilidade perante a sociedade e outros sócios pelos danos
causados. Assim, pode na mesma acção ser pedida a anulação da deliberação e a indemnização a
favor da sociedade e/o de sócios (art. 36.º/1 e 2 do CPC). A anulação não obsta à condenação em
responsabilidade civil, e vice-versa.
105
Quanto à legitimidade para intentar a acção anulatória, o art. 64.º/2 diz-nos que a anulabilidade
pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou pelos sócios que não tenham votado no sentido
que fez vencimento ou posteriormente aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente. Temos
aqui uma forte restrição na legitimidade activa.
• Sócios:
o Os sócios que não votam no sentido do vencimento são aqueles que não emitem
votos (ou porque se abstêm, ou porque não participaram na assembleia) e os que
emitem votos contra a proposta aprovada ou a favor da proposta recusada.
o Se o voto for secreto, como é que sabemos quem votou no sentido inverso e tem
legitimidade? Rege aqui o n.º 7.
o É necessário que fosse sócio ao tempo da deliberação? A letra do n.º 2 e 7 parece
indicar que sim; porém, COUTINHO DE ABREU entende que não tem de ser
assim – pode intentar a acção o sucessor mortis causa ou o que adquire
participação social de quem estava legitimado para a acção anulatória. Se o sócio
autor da acção alienar a meio a sua participação social, o adquirente pode
continuar como autor da acção.
• Órgão de fiscalização: este tem o dever de propor a acção anulatória (embora em certos
casos se possa admitir algum espaço de discricionariedade). Nas sociedades que não
tenham órgão de fiscalização, a anulabilidade da deliberação dos sócios pode ser
arguida pelos gerentes, por aplicação analógica do art. 62.º/4. Apesar de esta
possibilidade não estar prevista no art. 64.º, defende-se aqui a aplicação analógica do art.
62.º/4 – principalmente quando estejam em causa deliberações anuláveis por vício de
conteúdo prejudiciais para a sociedade e executáveis pelos gerentes. Invocam-se a favor
desta tese dois argumentos: por um lado, o dever de lealdade legitima-os a pedir a
anulabilidade; por outro, não se compreenderia que em algumas sociedades apenas os
sócios pudessem arguir a anulabilidade e em outras, do mesmo tipo mas com órgão de
fiscalização (quando este seja facultativo) já não possam.
A acção anulatória tem de ser proposta dentro de um certo prazo, que está previsto no art. 64.º/2
e é de 30 dias a partir das seguintes datas:
106
• Data em que foi encerrada a assembleia geral. No n.º 3 diz-se que, sendo uma assembleia
interrompida por mais de 15 dias, uma acção de impugnação pode ser intentada 30 dias
depois da data em que a deliberação foi tomada.
• 3º dia subsequente à data do envio da deliberação por voto escrito.
• Data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre um assunto
que não constava da convocatória. Este preceito não refere os casos em que o sócio foi
irregularmente convocado; porém, a jurisprudência tem aplicado analogicamente os arts.
380.º/3 CPC e 178.º/2 CCiv. para permitir ao sócio nestas condições arguir a
anulabilidade da deliberação no prazo de 30 dias a contar da data em que teve
conhecimento. Porém, COUTINHO DE ABREU diz que isto apenas deve suceder nos
casos em que a irregularidade impeça o sócio de participar na assembleia e tomar
conhecimento do que aí se deliberou.
As acções de anulação ou declaração de nulidade podem demorar muito tempo. Para acautelar o
periculum in mora, o CPC contém um procedimento cautelar, chamado “suspensão de
deliberações sociais” (art. 380.º e segs.).
Note-se que podem ser objecto deste procedimento quer as deliberações anuláveis, quer as nulas
– LOBO XAVIER entende que as nulas não poderiam ser, uma vez que não faz sentido
suspender os efeitos de uma deliberação que nunca produziu efeitos. No entanto, esta deliberação
aparece-nos enquanto deliberação que quer produzir certos efeitos; para além disso, a letra do
artigo suporta este entendimento.
O art. 380.º/1 diz que “qualquer sócio” pode requerer suspensão; porém, isto só é assim no
caso das deliberação nulas ou absolutamente ineficazes. Pensando no caso das deliberações
anuláveis, não fará sentido que um sócio que votou a favor e não pode intentar possa pedir a
suspensão; o mesmo com as deliberações relativamente ineficazes. Só faz sentido pedir a
providência um sócio que possa intentar a acção principal.
107
5.2 Prazos
A suspensão deve ser requerida, sob pena de caducidade, no prazo de 10 dias (art. 380.º/1),
contados (nº 3):
• A partir da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas. Não se menciona
as hipóteses das deliberações por voto escrito e unânimes por voto escrito – nestes casos,
aplica-se o art. 64.º.
• Se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que
teve conhecimento. Mais uma vez, COUTINHO DE ABREU defende que não é qualquer
irregularidade na convocação que leva a esta contagem do prazo – se o sócio soube da
assembleia para realizar certos assuntos e não participou, o prazo deve ser contado à
mesma a partir da data da assembleia.
108
O art. 381.º/3 diz que, a partir da citação, não é lícito à sociedade executar a deliberação
impugnada. Os efeitos da citação não são, porém, equivalentes ao da procedência da suspensão:
não é lícito à sociedade executar a deliberação, mas esta não se torna, por causa da citação e da
ilicitude da execução, ineficaz ou de eficácia suspensa.
109
Entre uma pessoa designada como administrador e a sociedade estabelece-se uma relação
jurídica complexa, sendo que, atendendo à génese desta relação, têm sido avançadas numerosas
teses acerca da sua natureza jurídica: teses contratualistas, unilateralistas, dualistas, etc. A
relação será contratual quando for fundada no contrato de sociedade e o administrador for
sócio, i.e., for parte do contrato. Porém, esta relação não é regulada pelo regime dos contratos,
mas sim pela lei, que fixa os poderes e deveres dos administradores e os mecanismos que podem
disciplinar a relação.
Também se tem discutido a natureza da designação por deliberação dos sócios. Certos autores
defendem que se trata de um contrato (a deliberação é a proposta e a aceitação do cargo a
aceitação da proposta); porém, COUTINHO DE ABREU entende que se trata de um negócio
unilateral da sociedade, relativamente à qual a aceitação constitui condição de eficácia.
Porém, há deliberações que produzem directamente efeitos em relação a terceiros, como a
nomeação de titulares de órgãos sociais.
2. Vinculação de sociedades
110
As sociedades intervêm eficazmente em actos jurídicos, i.e., vinculam-se, por meio de órgãos (ou
titulares destes) e de representantes voluntários.
Em relação aos órgãos, estão aqui em causa os órgãos de administração e representação. Existe
aqui uma equivalência entre representação e vinculação; no entanto, esta representação não é
representação propriamente dita – os órgãos são parte componente da sociedade, não actuam em
substituição dela. Fala-se, assim, de representação orgânica. Para SOVERAL MARTINS, não
podemos afirmar esta equivalência – por ex., no caso da representação passiva, dificilmente
podemos falar de vinculação.
Os administradores, para vincular a sociedade, devem actuar enquanto tais, não em nome pessoal
– assim, devem indicar essa qualidade por referência à sociedade.
• Actos não escritos: a indicação pode ser expressa ou tácita (art. 271.º/1 do CCiv.).
• Actos escritos: a doutrina e jurisprudência mostram-se divididas. No entendimento de
COUTINHO DE ABREU, os arts. 283.º/4 e 428.º/4 não exigem que a indicação da
qualidade de administrador seja expressa, basta que os destinatários do escrito possam lê-
lo de modo a deduzirem que o mesmo é imputável à sociedade. Assim, a indicação da
qualidade de administrador pode ser tácita. Por ex., numa letra de câmbio aparece como
sacada uma sociedade e no lugar do aceite aparece a assinatura do administrador.
111
A escolha do método de representação é feita pela lei e/ou pelo estatuto social.
Quanto às sociedades por quotas e anónimas, estas ficam vinculadas pelos negócios jurídicos
concluídos pela maioria dos administradores ou gerentes, ou por eles ratificados. (art. 284.º/1 e
427.º/1). Porém, admitem-se desvios a esta regra – o art. 284.º/1 ressalva cláusula do contrato de
sociedade que disponha de modo diverso e o art. 427.º/1 permite que a sociedade fique vinculada
por número menor.
• Quer nas sociedades por quotas, quer nas anónimas, os estatutos podem estabelecer um
número inferior à maioria.
• Nas sociedades anónimas, não se pode estabelecer a intervenção dos administradores
em número superior à maioria (art. 427.º/1) – assim, uma cláusula estatutária que exija
isto é inoponível a terceiros, tendo apenas eficácia interna. Já nas sociedades por quotas,
esta cláusula é plenamente eficaz. Temos aqui uma limitação ao poder de cada gerente,
pelo que poderia pensar-se que aqui se aplicaria o art. 283.º/1 (“não obstante as limitações
constantes do contrato social”) e a cláusula seria inoponível a terceiros. No entanto, o art.
284.º/1 prevê a eficácia da cláusula estatutária que prescreva a conjunção maioritária
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• Sobretudo nas sociedades por quotas, são frequentes as cláusulas que dispõem que a
sociedade se obriga validamente com as assinaturas de dois gerentes, bastando a de um
só para os actos de mero expediente. Os actos de mero expediente são “actos de pequeno
relevo económico para a sociedade e/ou rotineiros praticáveis com reduzida margem de
liberdade ou discricionariedade administrativo-representativa” (p. 545). Quando um só
administrador pratica actos que não são de mero expediente, a sociedade ficará à mesma
vinculada, uma vez que esta cláusula tem eficácia interna – limita objectivamente os
poderes de representação (arts. 283.º/1, e 428.º/1).
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• Nas sociedades por quotas, os gerentes podem delegar nalgum ou nalguns deles
competência pra a prática de alguns negócios – também aqui os gerentes delegados
vincula a sociedade, mesmo quando ultrapassam os limites da delegação.
Na representação conjunta:
• Os administradores podem emitir simultaneamente as declarações de teor idêntico, ou
podem emitir separada ou sucessivamente – neste caso, a sociedade fica vinculada no
momento em que é emitida a última declaração necessária.
• Se intervier um administrador, ou mais do que um mas em número insuficiente, a
sociedade não fica vinculada, salvo se esses negócios forem ratificados (arts. 284.º/1 e
427.º/1). Para COUTINHO DE ABREU, não é necessário que tenham de intervir na
ratificação tantos quantos tinham de intervir na celebração do negócio; já SOVERAL
MARTINS entende que a ratificação deve ser feita pela maioria.
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Na representação disjunta:
• Na representação disjunta, ou conjunta minoritária, pode suceder que sejam emitidas
declarações contraditórias – se ambas as declarações chegam ao mesmo tempo ao
destinatário ou são emitidas simultaneamente, a sociedade não fica vinculada; não sendo
esse o caso, é eficaz a declaração que primeiro chega ao destinatário (receptícia) ou a
primeira manifestada adequadamente (não receptícia).
Vamos agora ver os limites relativos à espécie e extensão dos actos praticáveis pelos
administradores:
• Sociedades em nome colectivo e em comandita simples: a competência dos gerentes
para representar a sociedade deve ser sempre exercida dentro dos limites do objecto
social e, pelo contrato, pode ficar sujeita a outras limitações ou condicionamentos (art.
194.º/2). A sociedade não fica vinculada pelos actos de gerente que desrespeitem
limites estatutários, a menos que os sócios ratifiquem tais actos (n.º 3).
• Sociedades por quotas e por acções: as limitações que resultem dos estatutos ou de
deliberações dos sócios e de outros órgãos não obstam em geral à vinculação (arts.
283.º/1, 2 e 3 e art. 428.º/1, 2 e 3), em nome da protecção dos terceiros e segurança do
comércio. É do regime destas sociedades que iremos tratar.
Ø Limites legais
Os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei
lhes confere (i.e., dentro da capacidade jurídica da sociedade), vinculam-na perante terceiros
(arts. 283.º/1 e 428.º/1). Porém, a sociedade não fica vinculada por qualquer acto para cuja
prática tenha capacidade, pois aos limites da capacidade acrescem limites aos poderes de
vinculação.
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Ø Limites estatutários
Os actos praticados pelos administradores em conformidade com os poderes que a lei lhes
atribui vinculam a sociedade perante terceiros, ainda que os actos sejam praticados em
desconformidade com disposições estatutárias limitadoras dos poderes de representação (arts.
283.º/1). Isto salvo se estiverem em causa actos que desrespeitem a cláusula estatutária relativa
ao objecto social e se se verificarem os requisitos exigidos (arts. 283.º/2 e 3, 428.º/2 e 3).
O estatuto pode proibir aos administradores a prática de certos actos (por ex., a subscrição de
letras), ou condicionar os poderes de vinculação (por ex., nas sociedades por quotas, faz
depender de deliberação de sócios a aquisição de imóveis, art. 272.º/1).
As limitações estatutárias apenas têm eficácia interna, são inoponíveis a terceiros. Não são
terceiros os sócios e membros dos demais órgãos sociais; porém, já não os sócios não
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fundadores, que não conhecem os estatutos nem terão de os conhecer ao negociar com a
sociedade.
Quem são os terceiros para este efeito? Depende se a deliberação foi adoptada pelos sócios ou
por outros órgãos:
• Deliberações dos sócios: nas sociedades por quotas, quer os titulares dos órgãos quer os
sócios não são terceiros; nas sociedades anónimas, não são terceiros os membros dos
órgãos, bem como os sócios que tenham participado nas deliberações.
• Deliberações dos demais órgãos: não são terceiros os titulares de qualquer deles; são
terceiros os sócios.
Nas sociedades anónimas, o art. 425/2.º diz que compete ao conselho de administração deliberar
sobre qualquer assunto da administração da sociedade. Isto não significa que a sociedade não
fique vinculada pelos actos praticados sem prévia deliberação do conselho; desde que os poderes
de representação sejam exercidos do modo exigido (art. 427.º), a sociedade fica vinculada.
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parte conhecia ou tinha de conhecer o abuso. Não ocorre apenas no caso de limitações extra-
legais; e não basta a violação destas limitações para termos abuso.
Quais são as sanções para os abusos? A doutrina maioritária portuguesa aplica analogicamente o
art. 269.º CCiv., e os negócios são ineficazes com possibilidade de serem ratificados pela
sociedade. Porém,
COUTINHO DE ABREU faz uma diferenciação: na colusão, uma vez que há conluio entre
administradores e terceiros, a sanção deve ser a nulidade (art. 281.º CCiv.); nos restantes casos,
pode aplicar-se o art. 299.º.
Os poderes de representação dos representantes voluntários não podem ter extensão maior do que
os administradores; e são ainda limitados pelos respectivos instrumentos de representação.
Coloca-se a questão de saber se é lícita uma procuração geral, que atribua amplos ou gerais
poderes de gestão e representação da sociedade. Para COUTINHO DE ABREU, procuração será
ilícita se significar que o procurador se substitui ao órgão social de administração e
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representação; será permitida “se o órgão mantiver a alta direcção da empresa social e a
administração da sociedade, bem como o controlo ou supervisão da gestão-representação
corrente confiada ao procurador e a possibilidade de avocar actos compreendidos nessa
actividade corrente” (p. 565). Já para SOVERAL MARTINS, esta procuração é sempre ilícita.
Finalmente, não é permitida a cláusula estatutária que, além de prever a vinculação da sociedade
por vários administradores, permite que fique vinculada pelos actos praticados por um
administrador e procurados (“conjunção imprópria).
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