Historia Da Garimpagem Na Amazonia
Historia Da Garimpagem Na Amazonia
Historia Da Garimpagem Na Amazonia
Armin Mathis
Paper 101
Revisão de Língua Portuguesa de responsabilidade
Resumo:
Introdução
O ano de 1995 vai ficar marcado como um divisor de águas na história da mineração de ouro
na Amazônia. Pela primeira vez neste século no Estado do Pará, maior produtor de ouro da Amazônia,
a mineração industrial de ouro conseguiu alcançar os patamares da produção oriunda dos garimpos.
No decorrer deste trabalho, focalizaremos a história da garimpagem de ouro na Amazônia, que durante
quase 40 anos foi responsável pela maior parcela da produção de ouro nesta região. Uma história que
somente pode ser entendida se for vista dentro do contexto maior em que está inserida: o processo da
"valorização" da Amazônia.
Para dar mais clareza à análise da trajetória da garimpagem como forma de extração de bens
minerais, faz-se necessária a construção de instrumentos analíticos que ajudarão no entendimento do
fenômeno garimpagem. Primeiro, definir os aspectos centrais da garimpagem que se constituem como
partes fundamentais. Feito isso, temos que nos abster da visão interna e partir para a identificação das
variáveis externas capazes de explicar as mudanças nas categorias constitucionais durante o trajeto da
garimpagem pelo tempo. A escolha dessas variáveis, tanto das internas, que caracterizam o sistema,
quanto as externas, que modulam o comportamento, é até um certo ponto, uma decisão arbitrária, cujo
valor se expressará somente através do poder explicativo do modelo que elas formam.
Começaremos a nossa abordagem da história da garimpagem na Amazônia com uma
apresentação de vários dados quantitativos capazes de ilustrar o peso dessa atividade extrativista
dentro do contexto regional desde o final dos anos 50. Porém, dados sobre produção de ouro, áreas de
produção e população envolvida que apresentaremos entre outros, não são suficientes para visualizar a
dinâmica que carateriza a garimpagem. Essa dinâmica somente se torna evidente quando se analisa a
dimensão social dessa atividade econômica. A dimensão social entendida como relação homem
natureza, isto é, a forma como se dá a apropriação da natureza dentro da garimpagem, e também como
relação homem, homem, que diz respeito a forma como o processo extrativo é organizado. Aqui,
incluem-se as relações de trabalho e as relações sociais que se estabelecem dentro dos garimpos e que
ultrapassam a dicotomia capital - trabalho.
Para entender e explicar as mudanças na forma como a garimpagem se organiza - técnica e
socialmente - é necessário analisar essa atividade extrativista dentro do contexto histórico da
Amazônia nas últimas três décadas. Desde 1958 (construção da Belém – Brasília) a região tornou-se
alvo de uma tentativa do governo federal de integrá-la ao centro econômico do país. Isso inclui
grandes obras de infra-estrutura rodoviárias e uma política de incentivos fiscais visando atrair o capital
do sul do país para investimentos na Amazônia. Enquanto nos projetos de colonização e de
agropecuária a ligação entre a região e o centro - sul se dá de forma direta, os grandes projetos de
mineração se vinculam primeiramente com o mercado mundial, onde se realiza o valor do produto
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Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
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Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 5
extraído, que depois é transferido para o centro - sul. A Amazônia - cujos processos sociais e
econômicos até então foram guiados por uma lógica surgida na própria região e, sobretudo, fora das
grandes cidades, altamente ligada a componentes da natureza - sofre assim a superposição de outras
lógicas, cujas racionalidades são alheias às formas sociais e econômicas de reprodução até então
vigentes na região. Essa superposição de lógicas e racionalidades diferentes se mostra altamente
destrutiva, tanto para a organização social e econômica quanto para a natureza, como a nossa análise
da garimpagem mostrará.
As lógicas e racionalidades diferentes que identificamos como as variáveis externas que
modulam a garimpagem na Amazônia, são:
O sistema internacional, representado através do mercado mundial, o sistema regulativo das
instituições multi ou internacionais. O mercado mundial - na sua forma concreta - regula o preço de
ouro e fornece assim um dado importante que influencia na atividade de extração deste mineral. Na
sua forma abstrata, como incorporação do princípio da lei de valorização do valor, ele tenta se impor
como última ratio que dirige todos os processos econômicos e sociais. O sistema internacional faz-se
presente na região, não somente através dos mecanismos econômicos do mercado, mas também
através de intervenções diretas e indiretas oriundas de instituições de regulação constituídas fora do
território brasileiro, sejam elas nacionais ou internacionais;
O Estado nacional, que age movido por motivos de interesse nacional, sem levar em consideração
as conseqüências das suas atitudes para a região;
A região, que durante o processo histórico desenvolveu uma racionalidade própria no modo de
organizar a vida social, econômica e cultural de sua população, incorporando inclusive as várias
tentativas de valorização da região no passado;
A natureza, que na sua forma concreta como originária dos depósitos minerais, fornece as bases
materiais da atividade extrativa e influencia a forma da apropriação desses valores, e que na sua forma
abstrata, estabelece todas as regras materiais que cada atividade econômica baseada na transformação
de matéria e energia tem que obedecer.
A breve abordagem da história da garimpagem desde o início da sua fase atual, que começou
no final da década de 1950, mostra que essa atividade de extração mineral não se desenvolveu de
forma linear, e sim caracterizou-se pela seqüência de fases de expansão e de declínio, conforme da
constelação das variáveis externas que modulam o sistema e, que até certo ponto, se mostrou muito
suscetível a acontecimentos ocasionais. Um exemplo concreto disso é a descoberta, por acaso, da Serra
Pelada que mudou muito a história da garimpagem na Amazônia1. Vale ressaltar que a relação entre as
variáveis que chamamos de "controladoras do sistema garimpagem" e o próprio sujeito do processo de
controle, não é unidirecional. A garimpagem também radia com suas ações dentro das esferas que a
modulam e até um certo ponto consegue interferir e transformá-las, obviamente em escalas bem
diferentes, em relação a natureza e a região, o resultado da intervenção - entendido como resultado das
suas ações e não como ato planejado- da garimpagem é muito mais direto e forte do que no nível do
sistema internacional de regulação.
A mineração de ouro, como atividade extrativista, tem uma longa tradição na Amazônia e
desde o século XVIII se faz presente na economia regional. A seguir destacaremos alguns trechos
dessa história dando ênfase às regiões que hoje abrangem os Estados de Roraima, Amapá e Maranhão.
A história da garimpagem em Roraima é muito mais antiga que a corrida do ouro que chamou
a atenção do mundo entre 1987 e 1990. No final do século XVIII, colonizadores portugueses
venderam no Forte São Joaquim (hoje Boa Vista) mercadorias para os índios Macuxi, que pagaram as
compras em ouro. Em 1912, com a descoberta de uma jazida de diamantes no Rio Maú2, a
garimpagem de ouro foi substituída pela garimpagem de diamante. Entre 1931 e 1937 foram
descobertas ocorrências de diamante na Serra de Tepequém que, entre 1944 e 1947 e entre 1956 e
1959, viveu o auge da sua produção. No começo dos anos de 1950 existiam 29 pistas de pouso no
Estado que serviam como ponto de apoio para as áreas de extração mineral (Guerra 1957).
A garimpagem no Amapá voltou à cena com a descoberta de depósitos aluvionares no rio
Cassiporé nos anos 303. Os depósitos eram parecidos com os de Calçoene e logo se fez uma ligação
por terra entre os dois garimpos. Do rio Cassiporé, a garimpagem no Amapá seguiu para o rio
Araguari, onde em 1932 começou a extração de ouro nessa região, facilitado pelo acesso via barco.
Em 1939 um guianense, chamado Leão achou ouro no rio Vila Nova, atraindo um grande contingente
de garimpeiros para os arredores da Vila de Santa Maria. De lá foram feitos prospecções sistemáticas
na bacia hidrográfica da Vila Nova, que levou à descoberta de várias ocorrências de ouro secundário
(CPRM 1987).
O início da extração de ouro no Estado do Maranhão se deu, precisamente, em uma localidade
chamada Pirocaua, no começo do século XIX. Uma expedição organizada e enviada pelo governador
paraense a esta localidade (na época Pirocaua pertencia ao Pará), retornou trazendo 3,6 kg de ouro
(Cleary 1987: 77). No mesmo tempo a garimpagem tornou-se uma alternativa de sobrevivência para
os escravos fugitivos, que começaram a se organizar em quilombos situados entre os rios Gurupi e
Maracassumé. O ouro extraído pelos negros serviu-lhes como base de troca para as suas compras com
os comerciantes locais, que ao contrário da população, não viam os quilombos como ameaça, e sim
como parceiros comerciais.
Como no Amapá, o ouro do Maranhão também despertou interesses de investidores tanto
nacionais como estrangeiros. Em 1854 foram lançados dois projetos de colonização que visavam
combinar a extração mineral com a agricultura (Companhia de Operários do Maracassumé,
Companhia Maranhense de Mineração), mas ambos os projetos fracassaram devido às mudanças
políticas depois da morte do governador em 1858 e a problemas administrativos. A Companhia
Maranhense de Mineração arrendou em 1857 os seus direitos de lavra na mina de Montes Áureo para a
mina Montes Áureo Gold Mining Company, uma empresa de sociedade anônima, cujo capital foi
levantado na bolsa de valores em Londres (Cleary 1987: 90ss). Devido às resistências políticas contra
a extração de recursos minerais por investidores estrangeiros, o contrato de arrendamento não foi
prorrogado e o projeto se encerrou.
Nos anos 30 deste século a garimpagem ressurgiu novamente no Maranhão, agora, sobretudo,
na região costeira. A atividade declinou depois da Segunda Guerra, devido a baixa do preço do ouro,
mas continuou ocupando o seu espaço dentro da economia regional.
Os anos 60
O início da fase atual da garimpagem na Amazônia data de 1958 quando foram descobertas as
primeiras jazidas de ouro na região do Tapajós, uma região marcada pela reduzida complexidade
social e econômica e com uma experiência centenária no setor extrativista com a coleta de borracha e
de outros produtos silvestres. No entanto a atividade da garimpagem se estruturou de uma forma
diferente do extrativismo tradicional.
Ao contrário do seringal, onde a remuneração do seringueiro dependia da produção e do preço
da borracha na venda, os donos de garimpo passaram a se apropriar, sozinhos, da renda diferencial4
gerada nas áreas de alta produtividade natural. O trabalho no garimpo se constitui, no início da
garimpagem, como trabalho assalariado, independente do resultado do trabalho, mas dependente do
valor do produto da extração, porque a diária era paga em ouro. Além da diária os garimpeiros
recebiam alimentação e na maioria dos casos o dono do garimpo se responsabilizava pelos custos de
transporte dos trabalhadores ao garimpo. Tomando como base os valores das diárias, citadas na
literatura5, o salário mensal dos trabalhadores nos garimpos do Tapajós se fixa na faixa de 50 gramas
por mês, que corresponde a 25 % da produção individual mensal de 200 gramas por trabalhador. Nos
garimpos do Amapá a diária paga aos trabalhadores era inferior. Ela oscilava em torno de 1,3 gramas
de ouro em 1970 / 71 (Rio Cupixi), e a produção individual entre 50 e 185 gramas de ouro por mês.
Durante os anos 1960, o desenvolvimento da atividade garimpeira refletiu pouco sobre as
cidades perto das áreas de garimpo. Em Itaituba o maior empregador era a Prefeitura. Lá as elites
locais mostravam pouco interesse pela nova atividade econômica que estava vinculada mais ao
município de Santarém, que nessa época garantia um fluxo mais regular de mercadoria do que
propriamente Itaituba. Este município obtinha em 1969 com o extrativismo vegetal e a caça de peles
de animais silvestres quase a mesma renda que a extração de ouro6.
Mesmo que a garimpagem de ouro na Amazônia nos anos sessenta seja muito ligada a região
do Tapajós, vale lembrar que nessa década havia focos de garimpagem nos seguintes municípios
paraenses: São Félix do Xingu, Altamira, Marabá, Almeirim, Oriximiná, Gurupi, Senador José
Porfírio, Itupiranga, Jacundá, Porto de Moz, Portel (IDESP 1966).
5 Os valores foram calculados baseados em dados contidos em relatórios do DNPM ou CPRM ou levantados
em nossas pesquisas de campo.
6 O valor dos produtos do extrativismo em 1969 se distribuiu assim: extração vegetal: 21%, peles de animais
silvestres 25%, ouro 54%. (Mathis 1995).
7 Produtividade natural é o resultado da qualidade e localização do recurso mineral (Massarrat 1993, S. 54).
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Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 9
Um aumento significativo do preço do metal, que se registrou em 1971, sendo que esse
aumento reflete os sintomas da crise no sistema financeiro internacional8;
Em 1970 o Presidente Médici anunciou um conjunto de medidas que visavam
transformar a Amazônia em um espaço (“milagroso”), que se encaixaria dentro da
perspectiva do milagre econômico, transformando-a em um local capaz de resolver os
problemas dos flagelados da seca do nordeste. O Programa de Integração Nacional previu
a construção de grandes rodovias (Transamazônica, Santarém - Cuiabá) e o Programa de
Redistribuição de Terras ficou responsável pelo assentamento dos migrantes. No caso dos
garimpos do Tapajós, a chegada da Transamazônica e da Santarém - Cuiabá facilitou a
ligação de Itaituba aos mercados (financeiros e de mercadoria) do sul do país. Criaram-se
assim as condições para que o município pudesse assumir o papel de centro comercial da
província aurífera, contribuindo para deslanchar o programa de colonização do governo
federal no início dos anos 70. O resultado foi um aumento da presença do Estado e um
forte fluxo migratório para esta região9.
O programa de colonização não trouxe para a região de fronteira somente pessoas sem terra do
nordeste, mas também um contingente razoável de pequenos empresários detentores de capital e
interessados em investir. Uma parte dessas pessoas investiram no comércio que se expandiu depois da
transformação da cidade em centro de apoio aos garimpos 10. E uma outra parte encontrou na própria
garimpagem uma forma de investir o seu capital. Essa abertura da garimpagem para o pequeno e
médio capital, junto com a grande oferta de mão-de-obra oriunda dos fracassados projetos de
colonização, resultaram em um aumento substancial da produção de ouro na região. Essa tendência foi
forçada pelo aumento de preço do ouro no mercado internacional.
Porém, nesse momento de crise, nota-se um conjunto de modificações nas variáveis externas11
responsáveis pela estruturação da garimpagem e, devido a esse quadro externo diferente, a
garimpagem se modificou e superou a crise ficando momentaneamente fortalecida. No início dos anos
70 observa-se uma mudança no regime de trabalho. O salário, cujo valor em dinheiro somente
8 O processo começa já nos anos 60 e passa pela suspensão da convertibilidade dólar / ouro em 1971 e termina
com a criação de um sistema de taxas de câmbio livres em 1973.
9 Entre 1970 e 1980 a população do município aumentou de 12.690 para 39.829 (dados do IBGE).
10 O número de estabelecimentos de comércio (varejo) aumentou em Itaituba de 37 para 170 em 1976 (IDESP
1977, S. 172)
11 Essas variáveis externas foram: um aumento significativo do preço do metal; os Programas de Integração
Nacional, resultando em um aumento da presença do Estado e em um forte fluxo migratório para esta região.
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10 Armin Mathis
dependia do preço do ouro e não da produtividade, cede lugar a um sistema de participação, criando
uma forma de remuneração onde o ganho se dissocia do tempo de trabalho, associando-se ao valor do
bem mineral (componente mercado mundial) e à produtividade da jazida (componente natureza). Este
sistema ficou conhecido como meia-praça, que garantia ao trabalhador, em geral, a metade da
produção com os custos sendo arcados pelo dono do serviço.
A meia-praça se estabeleceu na garimpagem como uma solução para alguns trabalhadores que
manifestaram a vontade de sair do trabalho assalariado, mas que não dispunham de recursos para
bancar as despesas de prospecção e de abertura de um novo garimpo. No início, alguns trabalhadores
“receberam” dos donos do garimpo o privilégio da meia-praça, isto é, o dono do garimpo
responsabilizou-se pelas despesas de prospecção, mas, caso os garimpeiros conseguissem encontrar
uma jazida, eles dividiriam a produção com o fornecedor dos alimentos e dos meios de produção. Mais
tarde, a meia-praça se estabeleceu, dentro dos garimpos já existentes como relação entre os
trabalhadores e o dono do serviço, que é a pessoa que recebeu do dono do garimpo a autorização para
trabalhar uma certa parcela dessa terra. Uma outra forma de meia-praça se estabeleceu dentro dos
garimpos, entre comerciantes e trabalhadores. O comerciante fornecia alimentação e meio de trabalho
para um grupo de garimpeiros que pagassem depois com a metade da produção. A introdução do novo
regime de trabalho (meia-praça), que provocou um aumento do ganho individual de 50 gramas / mês
para 75 gramas / mês, não se explica somente através da relação capital - trabalho, mas se impõe a
necessidade de procurar outros motivos que possam explicar essa mudança como as mudanças
ocorridas a partir da década de 70.
O programa de colonização, que iniciou nessa época, não trouxe para a região de fronteira
somente pessoas sem terra do nordeste, mas também um contingente razoável de pequenos
empresários, com posse de capital, a fim de investir. Uma parte dessas pessoas investiram no comércio
e uma outra parte encontrou na meia-praça uma forma de investir o seu capital na garimpagem, sem a
necessidade de criar a infra-estrutura ou logística completa de um garimpo e com a possibilidade de
transferir uma parte do risco da prospecção para os trabalhadores. Essa abertura da garimpagem para o
pequeno e médio capital, junto com a grande oferta de mão-de-obra, oriunda dos fracassados projetos
de colonização, resultaram em um aumento substancial da produção do ouro na região. Essa tendência
foi forçada pelo aumento de preço do ouro, no mercado internacional, que mesmo com produtividade
menor triplicou o valor do ganho dos trabalhadores na garimpagem.
O aumento do preço do ouro, no início dos anos 70, foi um dos fatores que ajudou esta
atividade a encontrar um novo mecanismo de produção, para superar o obstáculo natural, imposto à
garimpagem pelo esgotamento dos aluviões superficiais mais ricos, que somente conseguiu superar
essas limitações por pouco tempo. Na segunda metade da década de 70 ficou evidente que só uma
mudança da base tecnológica do processo de extração do ouro poderia prolongar a vida da
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Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 11
O aumento do preço do ouro, no início dos anos 1970, foi um dos fatores que ajudou esta
atividade a encontrar um novo mecanismo de produção para superar o obstáculo natural imposto à
garimpagem pelo esgotamento dos aluviões superficiais mais ricos, que somente conseguiu superar
essas limitações por pouco tempo. Na segunda metade da década de 70 ficou evidente que só uma
mudança da base tecnológica do processo de extração do ouro poderia prolongar a vida da
garimpagem na região. As mudanças surgiram quase no mesmo tempo em vários lugares da
Amazônia, no Tapajós e no rio Madeira em 1978, com a introdução de balsas na Serra do Tepequém
(Roraima), no mesmo ano com a introdução de jigues na garimpagem de diamantes. A partir de então,
iniciava-se a mecanização da garimpagem e se tornava possível trabalhar em jazidas que antigamente
não estavam ao alcance dos garimpeiros (aluviões nos leitos ativos dos rios e aluviões mais
profundos).
A mudança na tecnologia da extração ocorreu dentro do regime de trabalho vigente, ou seja, o
princípio da remuneração de acordo com a produção, que tinha se estabelecido como sistema padrão
da contratação de mão de obra, se manteve. Porém observou-se a partir deste momento, uma
diminuição da quota de participação dos trabalhadores no montante da produção reduzindo-se de 50%
para 40% ou 30%. Os donos dos garimpos justificaram essa mudança pelo aumento dos custos da
produção e os trabalhadores aceitaram-na, devido ao aumento do valor do ganho individual em
conseqüência do aumento do preço do ouro que conseguiu absorver a queda na produção individual.
A alta do preço do ouro nos mercados internacionais, em 1979/80, não somente ajudou a
diminuir a participação dos trabalhadores no produto do trabalho, mas também foi responsável pela
rapidez com que a nova técnica se estabeleceu como padrão na exploração de ouro aluvial nos
garimpos da Amazônia. Devido a riqueza das novas jazidas, não alcançáveis, até então, pelos
garimpeiros, e a elevação do preço de ouro, a mecanização se tornou possível para a maioria dos donos
de garimpo ou donos de serviço; somente com os lucros da garimpagem sem necessidade de recorrer
ao capital externo.
A política pública favorável à garimpagem, a mecanização que aumenta a produção individual
e torna acessível novos depósitos em conjunto com a alta do preço de ouro e a falta de alternativas
econômicas para os migrantes provenientes de regiões fora da Amazônia contribuíram, no início dos
anos 80, para um crescimento rápido da atividade garimpeira. Quase ao mesmo tempo surgiram vários
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12 Armin Mathis
focos de garimpagem no sul do Pará (Tucumã, Cumaru), no eixo Carajás Marabá (Serra Pelada, Serra
Azul, Andorinhas) e na fronteira com Maranhão (Cachoeira).
12 Dentro desse grupo cabe todo setor de entretenimento dentro dos garimpos.
13 Os dados aqui representados são resultados de compilação disponível na literatura ou de pesquisa própria (no
caso do Tapajós).
14 Dados sociais se encontram nos trabalhos de Cleary (1987), SESPA (1988), MacMillan (1993), Mathis
(1995). O DNPM fez, no final de 1990 um levantamento nacional dos garimpeiros. Devido a falta da
preparação dos entrevistadores e devido a falta de clareza na elaboração dos questionários a maioria dos
dados colecionados não podiam ser tratados. Mesmo assim, o DNPM publicou, em 1993 alguns dos dados
mais gerais levantados no censo; sendo esse levantamento a única fonte que apresenta dados para Amazônia.
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Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 13
instrução é muito baixo, sendo que pelo menos um quarto se compõe de analfabetos e na sua grande
maioria eles não chegaram a concluir o primeiro grau.E sendo na maior parte da força de trabalho dos
garimpos do Pará e Roraima migrantes da região Nordeste (PA: 73%, RR: 47%).
A prevalência da mão-de-obra nordestina no Pará ficou confirmada em duas pesquisas
localizadas. Em 1988 69% dos garimpeiros da Serra Pelada eram de origem nordestina (SESPA 1988)
e, levantamento feito em um garimpo do Tapajós, em 1991, mostrou que 12 dos 16 entrevistados eram
do Maranhão (Mathis 1995). No Amapá e Amazonas a quase totalidade dos garimpeiros trabalhadores
são oriundos do próprio estado ou da região amazônica (AP: 57%, AM: 85 %). Rondônia mostra um
perfil mais equilibrado, sendo que 29% da força de trabalho tem origem nos estados do sul ou do
centro - oeste, 31% vem do nordeste e 21% da Amazônia. Sendo também o Estado que mostra o
menor índice (40%) de garimpeiros que trabalhavam na agricultura antes de ingressar na garimpagem.
No Pará (55%) e no Amazonas (64%) a origem rural da mão-de-obra garimpeira é muito mais
acentuada. Os dados para o Pará precisam de uma explicação porque neles há um certo desequilíbrio,
devido à grande participação de garimpeiros do Sul do Pará e da Serra Pelada, conforme levantamento
feito pelo DNPM. Uma pesquisa realizada no Tapajós mostrou que para 25% dos entrevistados, o
garimpo é o primeiro lugar de trabalho e que somente um terço pretende voltar para a atividade
exercida antes da garimpagem (Mathis 1995). Uma fonte significativa de força de trabalho para os
garimpos da Amazônia são os projetos de colonização que, aparentemente, não conseguem competir
com a lucratividade da extração de ouro.. Uma pesquisa feita por MacMillan confirma isso para
Roraima. Ele mostrou que uma parcela significativa dos garimpeiros envolvidos no rush entre 1987 e
1990 provinha dos projetos de colonização (MacMillan 1993: 82). Ele encontrou uma grande
diferença de comportamento entre colonos oriundos do centro-sul e os do nordeste. A taxa dos colonos
do nordeste que entraram no garimpo é muito maior do que a taxa dos colonos do centro-sul. Esses
dados foram confirmados pelo Prefeito de Alto Alegre - RR15.
Esses dados mostram que o garimpo funciona como atrator16, tanto dentro da sua região
quanto nos estados fora da Amazônia. Esse atrator não direciona somente a mão-de-obra, mas
também, o fluxo de capital para dentro dos garimpos da Amazônia.
Assim, podemos diferenciar três grupos sociais, detentores do capital, que foram
estabelecendo na atividade de garimpagem ao longo do tempo17. São eles: os pioneiros, começaram
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14 Armin Mathis
nos anos 60 com a garimpagem, na maioria dos casos sem capital e ao longo do tempo passaram a
deter maior conhecimento dessa atividade. Dentre todos, são os que possuem o menor grau de
escolaridade dentro do grupo de donos de garimpos; os ascendentes sociais,: a maioria veio para
Amazônia no início dos anos 70 em conseqüência das políticas de integração nacional. Possuem
grande experiência como empregados na garimpagem e detêm um grau de instrução maior do que o
dos pioneiros. Muitos trabalhavam em profissões artesãs e não têm muito conhecimento de
administração empresarial; e, os empresários modernos, a maioria vem dos estados do centro-sul (PR,
RJ, SP), já trazem o capital para investir no garimpo, ou conseguem o capital com atividades
empresariais na Amazônia. Organizam-se dentro de um padrão de administração empresarial, que eles
conhecem devido à experiência em relações de trabalho formais ou como empresários fora da
garimpagem
17 A classificação foi originalmente desenvolvida por Mathis, baseado em pesquisas na região do Tapajós.
18 Entendemos como organização social do garimpo as relações entre o dono da terra - dono da máquina
19 Atualmente (Novembro 1996), as galerias inundadas no morro do Salomongé da mina da Novo Astro,
abandonda pela Mineração Novo Astro em Agosto de 1995, constituem um novo alvo para os mergulhadores
do garimpo. (Comunicado verbal de D. Cleary). Devido a alta peliculosidade do mergulho em cavernas e a
inoperância de órgãos públicos, deve-se esperar uma série de acidentes fatais nessa mina abandonada.
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Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 15
queda de barrancos ou de queda da galerias na lavra subterrânea , doenças de pele devido o trabalho na
água, corte nas mãos e nos pés, picadas de escorpiões e cobras, problemas de audição por causa do
barulho das máquina, doenças respiratórias, e de coluna. Sem assistência médica e privado da
responsabilidade do dono da máquina, um acidente de trabalho quase sempre significa que o
trabalhador, dentro do garimpo, fica responsável pelos custos do tratamento e pela perda dos dias
parados20.
Mesmo sendo os acidentes de trabalho não muito raros, o maior problema para a saúde dos
garimpeiros são as doenças endêmicas que encontram nos garimpos as condições ideais (águas
paradas, moradias abertas sem paredes, falta de tratamento de água, falta de esgotos) para proliferação.
As doenças mais comuns nos garimpos são: malária, hepatite e doença de chagas 21. Como a maioria
dos garimpos não dispõem de posto de saúde e devido a falta de recursos para deslocamento até as
próximas cidades, resta para o garimpeiro, no caso de doença, somente a automedicação nas farmácias
das corrutelas22 que pode prolongar e, em muitos casos agravar a doença que o leva até a morte. .
Um terceiro componente, que pode ser levada em consideração na avaliação das condições de
vida no garimpos, é a sua organização social do garimpo. Baseado nas experiências do Tapajós,
podemos distinguir os garimpos cuja razão econômica, imposta pelo dono da terra, é primeiramente a
extração de ouro e em outros, cuja principal razão econômica é o comércio dentro dos garimpos23.
Além disso existem garimpos, onde não há mais o monopólio da propriedade da terra e que têm
características de pequenas comunidades. Os três tipos de garimpo diferem consideravelmente no nível
da violência interna.
Garimpos que se organizam internamente em razão da produção, tendem de eliminar todos os
fatores que se opõem à racionalidade da administração empresarial. Isso significa que eles eliminarão
todas as possíveis fontes de distúrbios para o processo extrativo. Assim, nesses garimpos a posse de
20 A assistência em caso de doença ou acidente dada pelo dono de máquina / dono de garimpo como ato
paternalista é um importante mecanismo de criar lealdade e aumentar o prestígio do dono frente aos
trabalhadores.
21 Sobre o problema da saúde nos garimpos de ouro veja por exemplo: Amoras (1991), Câmara & Corey
(1992), Câmara / Couto / Sabroza(1988).
22 Corrutela chama-se dentro do garimpo a aglomeração de casas que constituem o centro do garimpo e onde se
concentra a infra-estrutura (boates, farmácias, restaurantes, cantinas, etc.)
23 Na realidade esse dois tipos se misturam, mas sendo uma das vertentes dominante. No Tapajós pode-se dizer
que 40% dos garimpos se enquadram em um dos dois tipos (20:20). Para o restante não é possível fazer uma
classificação devido a qualidade das informações disponíveis (Mathis 1995: 132). Mas mesmo nos tipos
misto prevalece uma lógica econômica, seja a produção ou o comércio.
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16 Armin Mathis
armas é vedada e eles não dispõe de boates24 e, muitas vezes, o consumo de bebidas alcoólicas é
proibido. Esse tipo de organização é muito comum nos garimpos ligados ao grupo de empresários
modernos que mantêm dentro de sua propriedade o monopólio de extração, sendo eles os únicos donos
de maquinários. Assim o dono do garimpo tem a liderança absoluta dentro do garimpo, que o ajuda a
manter a organização interna imposta por ele.
Ao contrário disso, os donos de garimpo, que se concentram no comércio, tem na prostituição
e na venda de bebidas alcóolicas duas importantes fontes de lucro. Violência para eles é somente um
problema quando coloca sua a liderança em risco. Os garimpos que se transformaram em
comunidades, e sobretudo lá onde o Estado ainda não é presente com os suas instituições de
segurança, mostram o nível mais elevado de violência devido a falta de uma liderança e a concorrência
de pequenos e médios proprietários de capital. Porém, essa concorrência não impede que os donos de
capital, nessas comunidades, se organizem para defender o seu patrimônio, seja na forma de uma
segurança particular ou em colaboração com os órgãos da segurança pública.
Nessa comunidade nota-se assim um mecanismo típico para a garimpagem. Os incentivos para
se organizar partem do capital e não dos trabalhadores em procura da defesa dos seus direitos. Só que
a falta de reconhecimento da contradição entre capital e trabalho, que carateriza o regime de trabalho
nos garimpos, impede, por muito tempo, a criação de organizações coerentes. A Constituição de 1988
escolheu, partindo de uma visão distorcida do garimpeiro, o cooperativismo como forma ideal de
fomentar a atividade garimpeira. Em consequência disso nota-se, a partir de 1989, uma onda de
criação de cooperativas de garimpeiros como forma de legalizar a atividade extrativista. Até então, a
única forma legalmente reconhecida de organização de garimpeiros era o sindicato patronal25. Ambas
as formas tentam, dentro da lógica do regime de trabalho nos garimpos, negar a identidade do
garimpeiro trabalhador e em consequência disso se restringem às atividades de assistência social ou
foram transformados em simples órgãos dos donos de garimpos para defender seus interesse
particulares.
Esse quadro começou a mudar no início dos anos 90. O esgotamento das jazidas secundárias,
junto a deteorização do preço interno do ouro e o discurso ecológico contra os danos causados pela
garimpagem, constituíram duas ameaças sérias para o futuro dessa atividade. Durante essa pressão
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Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
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parte dos donos dos garimpos do Tapajós, a maioria pertencente ao grupo de empresários modernos,
organizou-se dentro de uma associação meramente empresarial, tentando criar um instrumento de
diálogo com os órgãos governamentais e de fomento no processo de legalização das suas atividades e
de transformação da garimpagem de jazidas secundárias para depósitos primários. Esse grupo de
empresários conseguiu em grande parte, cumprir as exigências dos órgãos ligados a preservação do
meio-ambiente e, assim, graças à percepção da garimpagem pelo Estado somente como problema
ecológico e não social.
dono de máquina é também muito comum e mostra claramente que a garimpagem é uma atividade de
alto risco.
Um outro momento, para entender a aceitação da sociedade, é a mudança que ela trouxe em
relação a um outro regime de trabalho muito comum no extrativismo na Amazônia: o aviamento. A
sociedade apresenta-se, em relação ao aviamento, como progresso devido a algumas diferenças
fundamentais. O processo da formação de preço do ouro é muito mais transparente para o trabalhador
do que o da borracha. As possibilidade de enganar o trabalhador, no ato de pagamento, são menores,
sobretudo quando o garimpeiro recebe o ganho em ouro físico. O aviamento não tinha um mecanismo
de ascensão para o seringueiro, e na sociedade não se estabelece uma relação de dívida permanente,
uma peça fundamental do aviamento. Isso aumenta a mobilidade do trabalhador pelo fato de que o
dono da máquina é responsável pela alimentação do trabalhador, que fica livre da necessidade de
plantar e de se fixar durante um certo período em um certo lugar, para garantir a sua subsistência.
Mesmo que a garimpagem, como é organizada hoje, se enquadre dentro de uma relação de
trabalho capitalista, o regime de trabalho lá existente consegue encobrir a contradição entre capital e
trabalho porque cria a ilusão de uma igualdade entre capital e trabalho, evita que o trabalhador se
defina como parte de um coletivo, sustenta a possibilidade de ascensão social, e apresenta-se como
salto qualitativo em relação ao aviamento.
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Referências
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