Historia Da Garimpagem Na Amazonia

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 19

ISSN 15169111

PAPERS DO NAEA Nº 101

GARIMPAGEM DE OURO E VALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIA:


A FORMAÇÃO DE RELAÇÕES DE TRABALHO SOBRE O
QUADRÂNGULO MERCADO INTERNACIONAL,
ESTADO NACIONAL, REGIÃO E NATUREZA

Armin Mathis

Belém, Agosto de 1998


O Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
(NAEA) é uma das unidades acadêmicas da
Universidade Federal do Pará (UFPA).
Fundado em 1973, com sede em Belém, Pará,
Brasil, o NAEA tem como objetivos
Universidade Federal do Pará
fundamentais o ensino em nível de pós-
graduação, visando em particular a Reitor
identificação, a descrição, a análise, a Cristovam Wanderley Picanço Diniz
interpretação e o auxílio na solução dos Vice-reitor
problemas regionais amazônicos; a pesquisa Telma de Carvalho Lobo
em assuntos de natureza socioeconômica
relacionados com a região; a intervenção na Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
realidade amazônica, por meio de programas e Diretor
projetos de extensão universitária; e a difusão Edna Maria Ramos de Castro
de informação, por meio da elaboração, do Diretor Adjunto
processamento e da divulgação dos Marilia Emmi
conhecimentos científicos e técnicos
Conselho editorial do NAEA
disponíveis sobre a região. O NAEA Armin Mathis
desenvolve trabalhos priorizando a interação Edna Ramos de Castro
entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Francisco de Assis Costa
Com uma proposta interdisciplinar, o NAEA Gutemberg Armando Diniz Guerra
realiza seus cursos de acordo com uma Indio Campos
metodologia que abrange a observação dos Marilia Emmi
processos sociais, numa perspectiva voltada à
sustentabilidade e ao desenvolvimento regional
na Amazônia.
Setor de Editoração
A proposta da interdisciplinaridade também
E-mail: [email protected]
permite que os pesquisadores prestem Papers do NAEA: [email protected]
consultorias a órgãos do Estado e a entidades Telefone: (91) 3201-8521
da sociedade civil, sobre temas de maior
complexidade, mas que são amplamente
discutidos no âmbito da academia.

Paper 101
Revisão de Língua Portuguesa de responsabilidade

Papers do NAEA - Papers do NAEA - Com


o objetivo de divulgar de forma mais rápida o
produto das pesquisas realizadas no Núcleo de
Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e também
os estudos oriundos de parcerias institucionais
nacionais e internacionais, os Papers do NAEA
publicam textos de professores, alunos,
pesquisadores associados ao Núcleo e
convidados para submetê-los a uma discussão
ampliada e que possibilite aos autores um
contato maior com a comunidade acadêmica.
GARIMPAGEM DE OURO E VALORIZAÇÃO DA
AMAZÔNIA: A FORMAÇÃO DE RELAÇÕES DE TRABALHO
SOB O QUADRÂNGULO MERCADO INTERNACIONAL,
ESTADO NACIONAL, REGIÃO E NATUREZA.
Armin Mathis

Resumo:

Depois de uma breve abordagem sobre o papel da garimpagem no contexto da valorização da


Amazônia, este trabalho analisa as diversas relações de trabalho na garimpagem. As relações de
trabalho nas suas várias formas concretas se constituem e se modificam dentro de um campo de
possibilidades que tem como eixos principais quatro lógicas diferentes: a natureza, a região, o Estado
Nacional e a esfera global. A participação direta nos riscos da extração mineral, através de um sistema
de remuneração conforme a produção de ouro, é hoje a pré-condição a qual todos os trabalhadores na
garimpagem tem que se submeter. Sendo de maior importância para o entendimento das relações
capital, trabalho na garimpagem, o artigo analisa o bamburro, o enriquecimento rápido depois da
descoberta de uma jazida rica, e a sociedade, autodominação da relação entre capital e trabalho dado
pelos garimpeiros, e os compara com o sistema de aviamento na época da borracha. Juntando dados
sobre os ganhos, as condições de vida e de trabalho e o perfil social compõem-se uma imagem sobre a
situação atual dos trabalhadores na garimpagem. O trabalho conclui-se com uma discussão sobre
possíveis formas de organização dos trabalhadores e sobre as mudanças que a modernização da
garimpagem, como forma de enfrentar o esgotamento das jazidas de ouro secundário, significará para
os diversos atores sociais dentro da garimpagem.

Palavras-chave: Garimpagem. Relações de trabalho. Mercado internacional. Estado nacional.


4 Armin Mathis

Introdução

O ano de 1995 vai ficar marcado como um divisor de águas na história da mineração de ouro
na Amazônia. Pela primeira vez neste século no Estado do Pará, maior produtor de ouro da Amazônia,
a mineração industrial de ouro conseguiu alcançar os patamares da produção oriunda dos garimpos.
No decorrer deste trabalho, focalizaremos a história da garimpagem de ouro na Amazônia, que durante
quase 40 anos foi responsável pela maior parcela da produção de ouro nesta região. Uma história que
somente pode ser entendida se for vista dentro do contexto maior em que está inserida: o processo da
"valorização" da Amazônia.
Para dar mais clareza à análise da trajetória da garimpagem como forma de extração de bens
minerais, faz-se necessária a construção de instrumentos analíticos que ajudarão no entendimento do
fenômeno garimpagem. Primeiro, definir os aspectos centrais da garimpagem que se constituem como
partes fundamentais. Feito isso, temos que nos abster da visão interna e partir para a identificação das
variáveis externas capazes de explicar as mudanças nas categorias constitucionais durante o trajeto da
garimpagem pelo tempo. A escolha dessas variáveis, tanto das internas, que caracterizam o sistema,
quanto as externas, que modulam o comportamento, é até um certo ponto, uma decisão arbitrária, cujo
valor se expressará somente através do poder explicativo do modelo que elas formam.
Começaremos a nossa abordagem da história da garimpagem na Amazônia com uma
apresentação de vários dados quantitativos capazes de ilustrar o peso dessa atividade extrativista
dentro do contexto regional desde o final dos anos 50. Porém, dados sobre produção de ouro, áreas de
produção e população envolvida que apresentaremos entre outros, não são suficientes para visualizar a
dinâmica que carateriza a garimpagem. Essa dinâmica somente se torna evidente quando se analisa a
dimensão social dessa atividade econômica. A dimensão social entendida como relação homem
natureza, isto é, a forma como se dá a apropriação da natureza dentro da garimpagem, e também como
relação homem, homem, que diz respeito a forma como o processo extrativo é organizado. Aqui,
incluem-se as relações de trabalho e as relações sociais que se estabelecem dentro dos garimpos e que
ultrapassam a dicotomia capital - trabalho.
Para entender e explicar as mudanças na forma como a garimpagem se organiza - técnica e
socialmente - é necessário analisar essa atividade extrativista dentro do contexto histórico da
Amazônia nas últimas três décadas. Desde 1958 (construção da Belém – Brasília) a região tornou-se
alvo de uma tentativa do governo federal de integrá-la ao centro econômico do país. Isso inclui
grandes obras de infra-estrutura rodoviárias e uma política de incentivos fiscais visando atrair o capital
do sul do país para investimentos na Amazônia. Enquanto nos projetos de colonização e de
agropecuária a ligação entre a região e o centro - sul se dá de forma direta, os grandes projetos de
mineração se vinculam primeiramente com o mercado mundial, onde se realiza o valor do produto
__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 5

extraído, que depois é transferido para o centro - sul. A Amazônia - cujos processos sociais e
econômicos até então foram guiados por uma lógica surgida na própria região e, sobretudo, fora das
grandes cidades, altamente ligada a componentes da natureza - sofre assim a superposição de outras
lógicas, cujas racionalidades são alheias às formas sociais e econômicas de reprodução até então
vigentes na região. Essa superposição de lógicas e racionalidades diferentes se mostra altamente
destrutiva, tanto para a organização social e econômica quanto para a natureza, como a nossa análise
da garimpagem mostrará.
As lógicas e racionalidades diferentes que identificamos como as variáveis externas que
modulam a garimpagem na Amazônia, são:
 O sistema internacional, representado através do mercado mundial, o sistema regulativo das
instituições multi ou internacionais. O mercado mundial - na sua forma concreta - regula o preço de
ouro e fornece assim um dado importante que influencia na atividade de extração deste mineral. Na
sua forma abstrata, como incorporação do princípio da lei de valorização do valor, ele tenta se impor
como última ratio que dirige todos os processos econômicos e sociais. O sistema internacional faz-se
presente na região, não somente através dos mecanismos econômicos do mercado, mas também
através de intervenções diretas e indiretas oriundas de instituições de regulação constituídas fora do
território brasileiro, sejam elas nacionais ou internacionais;
 O Estado nacional, que age movido por motivos de interesse nacional, sem levar em consideração
as conseqüências das suas atitudes para a região;
 A região, que durante o processo histórico desenvolveu uma racionalidade própria no modo de
organizar a vida social, econômica e cultural de sua população, incorporando inclusive as várias
tentativas de valorização da região no passado;
 A natureza, que na sua forma concreta como originária dos depósitos minerais, fornece as bases
materiais da atividade extrativa e influencia a forma da apropriação desses valores, e que na sua forma
abstrata, estabelece todas as regras materiais que cada atividade econômica baseada na transformação
de matéria e energia tem que obedecer.
A breve abordagem da história da garimpagem desde o início da sua fase atual, que começou
no final da década de 1950, mostra que essa atividade de extração mineral não se desenvolveu de
forma linear, e sim caracterizou-se pela seqüência de fases de expansão e de declínio, conforme da
constelação das variáveis externas que modulam o sistema e, que até certo ponto, se mostrou muito
suscetível a acontecimentos ocasionais. Um exemplo concreto disso é a descoberta, por acaso, da Serra
Pelada que mudou muito a história da garimpagem na Amazônia1. Vale ressaltar que a relação entre as
variáveis que chamamos de "controladoras do sistema garimpagem" e o próprio sujeito do processo de

1 Veja sobre a Serra Pelada (Mathis 1996).


__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
6 Armin Mathis

controle, não é unidirecional. A garimpagem também radia com suas ações dentro das esferas que a
modulam e até um certo ponto consegue interferir e transformá-las, obviamente em escalas bem
diferentes, em relação a natureza e a região, o resultado da intervenção - entendido como resultado das
suas ações e não como ato planejado- da garimpagem é muito mais direto e forte do que no nível do
sistema internacional de regulação.

A garimpagem como forma tradicional da extração mineral na Amazônia

A mineração de ouro, como atividade extrativista, tem uma longa tradição na Amazônia e
desde o século XVIII se faz presente na economia regional. A seguir destacaremos alguns trechos
dessa história dando ênfase às regiões que hoje abrangem os Estados de Roraima, Amapá e Maranhão.
A história da garimpagem em Roraima é muito mais antiga que a corrida do ouro que chamou
a atenção do mundo entre 1987 e 1990. No final do século XVIII, colonizadores portugueses
venderam no Forte São Joaquim (hoje Boa Vista) mercadorias para os índios Macuxi, que pagaram as
compras em ouro. Em 1912, com a descoberta de uma jazida de diamantes no Rio Maú2, a
garimpagem de ouro foi substituída pela garimpagem de diamante. Entre 1931 e 1937 foram
descobertas ocorrências de diamante na Serra de Tepequém que, entre 1944 e 1947 e entre 1956 e
1959, viveu o auge da sua produção. No começo dos anos de 1950 existiam 29 pistas de pouso no
Estado que serviam como ponto de apoio para as áreas de extração mineral (Guerra 1957).
A garimpagem no Amapá voltou à cena com a descoberta de depósitos aluvionares no rio
Cassiporé nos anos 303. Os depósitos eram parecidos com os de Calçoene e logo se fez uma ligação
por terra entre os dois garimpos. Do rio Cassiporé, a garimpagem no Amapá seguiu para o rio
Araguari, onde em 1932 começou a extração de ouro nessa região, facilitado pelo acesso via barco.
Em 1939 um guianense, chamado Leão achou ouro no rio Vila Nova, atraindo um grande contingente
de garimpeiros para os arredores da Vila de Santa Maria. De lá foram feitos prospecções sistemáticas
na bacia hidrográfica da Vila Nova, que levou à descoberta de várias ocorrências de ouro secundário
(CPRM 1987).
O início da extração de ouro no Estado do Maranhão se deu, precisamente, em uma localidade
chamada Pirocaua, no começo do século XIX. Uma expedição organizada e enviada pelo governador
paraense a esta localidade (na época Pirocaua pertencia ao Pará), retornou trazendo 3,6 kg de ouro

2 Não há concordância na literatura sobre o início da extração de diamante em Roraima. Ao contrário do


MacMillan (1993) que data esse evento no ano 1912, Vieira (1971) apresenta o ano 1917 e baseado em
Oliveira (1937) o rio Tacutu perto da fronteira com Guiana como ponto de partida da garimpagem de
diamante.
3 O Amapá já viveu uma corrida de ouro no século passado, sobretudo nos garimpos ao redor de Calçoene.
__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 7

(Cleary 1987: 77). No mesmo tempo a garimpagem tornou-se uma alternativa de sobrevivência para
os escravos fugitivos, que começaram a se organizar em quilombos situados entre os rios Gurupi e
Maracassumé. O ouro extraído pelos negros serviu-lhes como base de troca para as suas compras com
os comerciantes locais, que ao contrário da população, não viam os quilombos como ameaça, e sim
como parceiros comerciais.
Como no Amapá, o ouro do Maranhão também despertou interesses de investidores tanto
nacionais como estrangeiros. Em 1854 foram lançados dois projetos de colonização que visavam
combinar a extração mineral com a agricultura (Companhia de Operários do Maracassumé,
Companhia Maranhense de Mineração), mas ambos os projetos fracassaram devido às mudanças
políticas depois da morte do governador em 1858 e a problemas administrativos. A Companhia
Maranhense de Mineração arrendou em 1857 os seus direitos de lavra na mina de Montes Áureo para a
mina Montes Áureo Gold Mining Company, uma empresa de sociedade anônima, cujo capital foi
levantado na bolsa de valores em Londres (Cleary 1987: 90ss). Devido às resistências políticas contra
a extração de recursos minerais por investidores estrangeiros, o contrato de arrendamento não foi
prorrogado e o projeto se encerrou.
Nos anos 30 deste século a garimpagem ressurgiu novamente no Maranhão, agora, sobretudo,
na região costeira. A atividade declinou depois da Segunda Guerra, devido a baixa do preço do ouro,
mas continuou ocupando o seu espaço dentro da economia regional.

A garimpagem no processo da valorização da Amazônia

Os anos 60
O início da fase atual da garimpagem na Amazônia data de 1958 quando foram descobertas as
primeiras jazidas de ouro na região do Tapajós, uma região marcada pela reduzida complexidade
social e econômica e com uma experiência centenária no setor extrativista com a coleta de borracha e
de outros produtos silvestres. No entanto a atividade da garimpagem se estruturou de uma forma
diferente do extrativismo tradicional.
Ao contrário do seringal, onde a remuneração do seringueiro dependia da produção e do preço
da borracha na venda, os donos de garimpo passaram a se apropriar, sozinhos, da renda diferencial4
gerada nas áreas de alta produtividade natural. O trabalho no garimpo se constitui, no início da
garimpagem, como trabalho assalariado, independente do resultado do trabalho, mas dependente do
valor do produto da extração, porque a diária era paga em ouro. Além da diária os garimpeiros
recebiam alimentação e na maioria dos casos o dono do garimpo se responsabilizava pelos custos de
transporte dos trabalhadores ao garimpo. Tomando como base os valores das diárias, citadas na

4 Veja sobre o conceito da renda diferencial na mineração Bomsell (1992).


__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
8 Armin Mathis

literatura5, o salário mensal dos trabalhadores nos garimpos do Tapajós se fixa na faixa de 50 gramas
por mês, que corresponde a 25 % da produção individual mensal de 200 gramas por trabalhador. Nos
garimpos do Amapá a diária paga aos trabalhadores era inferior. Ela oscilava em torno de 1,3 gramas
de ouro em 1970 / 71 (Rio Cupixi), e a produção individual entre 50 e 185 gramas de ouro por mês.
Durante os anos 1960, o desenvolvimento da atividade garimpeira refletiu pouco sobre as
cidades perto das áreas de garimpo. Em Itaituba o maior empregador era a Prefeitura. Lá as elites
locais mostravam pouco interesse pela nova atividade econômica que estava vinculada mais ao
município de Santarém, que nessa época garantia um fluxo mais regular de mercadoria do que
propriamente Itaituba. Este município obtinha em 1969 com o extrativismo vegetal e a caça de peles
de animais silvestres quase a mesma renda que a extração de ouro6.
Mesmo que a garimpagem de ouro na Amazônia nos anos sessenta seja muito ligada a região
do Tapajós, vale lembrar que nessa década havia focos de garimpagem nos seguintes municípios
paraenses: São Félix do Xingu, Altamira, Marabá, Almeirim, Oriximiná, Gurupi, Senador José
Porfírio, Itupiranga, Jacundá, Porto de Moz, Portel (IDESP 1966).

1973 - 1978: Integração Nacional da Amazônia e o primeiro aumento de preço do ouro


A garimpagem enfrentou, no final da década de 1960, os primeiros sinais de uma crise.
Considerando que os equipamentos rudimentares usados no início da garimpagem só recuperavam a
metade do ouro contido, os valores da produção indicam que os aluviões que foram explorados nessa
época eram altamente ricos. O teor médio do aluvional trabalhado no início da garimpagem era 18
g/m3 (MINTER/SUDAM 1972: 113). Como em outras áreas, a extração de ouro no Tapajós segue uma
tendência típica da garimpagem, começando nos aluviões com maior produtividade natural7. Os
aluviões foram todos trabalhados sem modificações na base técnica da extração que continuava sendo
feita manualmente e, depois de 10 anos, a produtividade começava a cair e tudo indica que as
restrições naturais (redução do teor dos aluviões) estabeleceram o fim da garimpagem na região.
Porém nesse momento de crise, nota-se um conjunto de modificações nas variáveis externas
responsáveis pela estruturação da garimpagem e, devido a esse quadro externo diferente, a
garimpagem se modificou e superou a crise ficando momentaneamente fortalecida.
Dentre os fatores que contribuíram para que ocorresse esse fenômeno estão:

5 Os valores foram calculados baseados em dados contidos em relatórios do DNPM ou CPRM ou levantados
em nossas pesquisas de campo.
6 O valor dos produtos do extrativismo em 1969 se distribuiu assim: extração vegetal: 21%, peles de animais
silvestres 25%, ouro 54%. (Mathis 1995).
7 Produtividade natural é o resultado da qualidade e localização do recurso mineral (Massarrat 1993, S. 54).

__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 9

 Um aumento significativo do preço do metal, que se registrou em 1971, sendo que esse
aumento reflete os sintomas da crise no sistema financeiro internacional8;
 Em 1970 o Presidente Médici anunciou um conjunto de medidas que visavam
transformar a Amazônia em um espaço (“milagroso”), que se encaixaria dentro da
perspectiva do milagre econômico, transformando-a em um local capaz de resolver os
problemas dos flagelados da seca do nordeste. O Programa de Integração Nacional previu
a construção de grandes rodovias (Transamazônica, Santarém - Cuiabá) e o Programa de
Redistribuição de Terras ficou responsável pelo assentamento dos migrantes. No caso dos
garimpos do Tapajós, a chegada da Transamazônica e da Santarém - Cuiabá facilitou a
ligação de Itaituba aos mercados (financeiros e de mercadoria) do sul do país. Criaram-se
assim as condições para que o município pudesse assumir o papel de centro comercial da
província aurífera, contribuindo para deslanchar o programa de colonização do governo
federal no início dos anos 70. O resultado foi um aumento da presença do Estado e um
forte fluxo migratório para esta região9.
O programa de colonização não trouxe para a região de fronteira somente pessoas sem terra do
nordeste, mas também um contingente razoável de pequenos empresários detentores de capital e
interessados em investir. Uma parte dessas pessoas investiram no comércio que se expandiu depois da
transformação da cidade em centro de apoio aos garimpos 10. E uma outra parte encontrou na própria
garimpagem uma forma de investir o seu capital. Essa abertura da garimpagem para o pequeno e
médio capital, junto com a grande oferta de mão-de-obra oriunda dos fracassados projetos de
colonização, resultaram em um aumento substancial da produção de ouro na região. Essa tendência foi
forçada pelo aumento de preço do ouro no mercado internacional.
Porém, nesse momento de crise, nota-se um conjunto de modificações nas variáveis externas11
responsáveis pela estruturação da garimpagem e, devido a esse quadro externo diferente, a
garimpagem se modificou e superou a crise ficando momentaneamente fortalecida. No início dos anos
70 observa-se uma mudança no regime de trabalho. O salário, cujo valor em dinheiro somente

8 O processo começa já nos anos 60 e passa pela suspensão da convertibilidade dólar / ouro em 1971 e termina
com a criação de um sistema de taxas de câmbio livres em 1973.
9 Entre 1970 e 1980 a população do município aumentou de 12.690 para 39.829 (dados do IBGE).
10 O número de estabelecimentos de comércio (varejo) aumentou em Itaituba de 37 para 170 em 1976 (IDESP
1977, S. 172)
11 Essas variáveis externas foram: um aumento significativo do preço do metal; os Programas de Integração
Nacional, resultando em um aumento da presença do Estado e em um forte fluxo migratório para esta região.
__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
10 Armin Mathis

dependia do preço do ouro e não da produtividade, cede lugar a um sistema de participação, criando
uma forma de remuneração onde o ganho se dissocia do tempo de trabalho, associando-se ao valor do
bem mineral (componente mercado mundial) e à produtividade da jazida (componente natureza). Este
sistema ficou conhecido como meia-praça, que garantia ao trabalhador, em geral, a metade da
produção com os custos sendo arcados pelo dono do serviço.
A meia-praça se estabeleceu na garimpagem como uma solução para alguns trabalhadores que
manifestaram a vontade de sair do trabalho assalariado, mas que não dispunham de recursos para
bancar as despesas de prospecção e de abertura de um novo garimpo. No início, alguns trabalhadores
“receberam” dos donos do garimpo o privilégio da meia-praça, isto é, o dono do garimpo
responsabilizou-se pelas despesas de prospecção, mas, caso os garimpeiros conseguissem encontrar
uma jazida, eles dividiriam a produção com o fornecedor dos alimentos e dos meios de produção. Mais
tarde, a meia-praça se estabeleceu, dentro dos garimpos já existentes como relação entre os
trabalhadores e o dono do serviço, que é a pessoa que recebeu do dono do garimpo a autorização para
trabalhar uma certa parcela dessa terra. Uma outra forma de meia-praça se estabeleceu dentro dos
garimpos, entre comerciantes e trabalhadores. O comerciante fornecia alimentação e meio de trabalho
para um grupo de garimpeiros que pagassem depois com a metade da produção. A introdução do novo
regime de trabalho (meia-praça), que provocou um aumento do ganho individual de 50 gramas / mês
para 75 gramas / mês, não se explica somente através da relação capital - trabalho, mas se impõe a
necessidade de procurar outros motivos que possam explicar essa mudança como as mudanças
ocorridas a partir da década de 70.
O programa de colonização, que iniciou nessa época, não trouxe para a região de fronteira
somente pessoas sem terra do nordeste, mas também um contingente razoável de pequenos
empresários, com posse de capital, a fim de investir. Uma parte dessas pessoas investiram no comércio
e uma outra parte encontrou na meia-praça uma forma de investir o seu capital na garimpagem, sem a
necessidade de criar a infra-estrutura ou logística completa de um garimpo e com a possibilidade de
transferir uma parte do risco da prospecção para os trabalhadores. Essa abertura da garimpagem para o
pequeno e médio capital, junto com a grande oferta de mão-de-obra, oriunda dos fracassados projetos
de colonização, resultaram em um aumento substancial da produção do ouro na região. Essa tendência
foi forçada pelo aumento de preço do ouro, no mercado internacional, que mesmo com produtividade
menor triplicou o valor do ganho dos trabalhadores na garimpagem.
O aumento do preço do ouro, no início dos anos 70, foi um dos fatores que ajudou esta
atividade a encontrar um novo mecanismo de produção, para superar o obstáculo natural, imposto à
garimpagem pelo esgotamento dos aluviões superficiais mais ricos, que somente conseguiu superar
essas limitações por pouco tempo. Na segunda metade da década de 70 ficou evidente que só uma
mudança da base tecnológica do processo de extração do ouro poderia prolongar a vida da
__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 11

garimpagem na região. A partir de então iniciava-se a mecanização da garimpagem e se tornava


possível trabalhar em jazidas que antigamente não estavam no alcance dos garimpeiros (aluviões nos
leitos ativos dos rios e aluviões mais profundos).

1979 - 1983: A fase de mecanização da garimpagem

O aumento do preço do ouro, no início dos anos 1970, foi um dos fatores que ajudou esta
atividade a encontrar um novo mecanismo de produção para superar o obstáculo natural imposto à
garimpagem pelo esgotamento dos aluviões superficiais mais ricos, que somente conseguiu superar
essas limitações por pouco tempo. Na segunda metade da década de 70 ficou evidente que só uma
mudança da base tecnológica do processo de extração do ouro poderia prolongar a vida da
garimpagem na região. As mudanças surgiram quase no mesmo tempo em vários lugares da
Amazônia, no Tapajós e no rio Madeira em 1978, com a introdução de balsas na Serra do Tepequém
(Roraima), no mesmo ano com a introdução de jigues na garimpagem de diamantes. A partir de então,
iniciava-se a mecanização da garimpagem e se tornava possível trabalhar em jazidas que antigamente
não estavam ao alcance dos garimpeiros (aluviões nos leitos ativos dos rios e aluviões mais
profundos).
A mudança na tecnologia da extração ocorreu dentro do regime de trabalho vigente, ou seja, o
princípio da remuneração de acordo com a produção, que tinha se estabelecido como sistema padrão
da contratação de mão de obra, se manteve. Porém observou-se a partir deste momento, uma
diminuição da quota de participação dos trabalhadores no montante da produção reduzindo-se de 50%
para 40% ou 30%. Os donos dos garimpos justificaram essa mudança pelo aumento dos custos da
produção e os trabalhadores aceitaram-na, devido ao aumento do valor do ganho individual em
conseqüência do aumento do preço do ouro que conseguiu absorver a queda na produção individual.
A alta do preço do ouro nos mercados internacionais, em 1979/80, não somente ajudou a
diminuir a participação dos trabalhadores no produto do trabalho, mas também foi responsável pela
rapidez com que a nova técnica se estabeleceu como padrão na exploração de ouro aluvial nos
garimpos da Amazônia. Devido a riqueza das novas jazidas, não alcançáveis, até então, pelos
garimpeiros, e a elevação do preço de ouro, a mecanização se tornou possível para a maioria dos donos
de garimpo ou donos de serviço; somente com os lucros da garimpagem sem necessidade de recorrer
ao capital externo.
A política pública favorável à garimpagem, a mecanização que aumenta a produção individual
e torna acessível novos depósitos em conjunto com a alta do preço de ouro e a falta de alternativas
econômicas para os migrantes provenientes de regiões fora da Amazônia contribuíram, no início dos
anos 80, para um crescimento rápido da atividade garimpeira. Quase ao mesmo tempo surgiram vários

__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
12 Armin Mathis

focos de garimpagem no sul do Pará (Tucumã, Cumaru), no eixo Carajás Marabá (Serra Pelada, Serra
Azul, Andorinhas) e na fronteira com Maranhão (Cachoeira).

Organização social dos garimpos

No processo de extração de ouro, feito através da atividade de garimpagem aparecem em


primeiro lugar três grupos de atores sociais ligados ao capital, um segundo lugar encontramos os
trabalhadores diretos na extração e, por fim um grupo que tem suas atividades como uma
conseqüência da riqueza gerada pela exploração. Nessa organização o dono da terra explorada coloca-
se como um dos atores principais dentro do garimpo. A posse da terra pode se basear em um título
legal de propriedade ou, no caso de terra devoluta, em um direito informal derivado do fato da
descoberta da área aurífera ou da compra informal da terra. Sem o título de propriedade, a condição de
dono da terra está ligada ao poder de estabelecer o seu direito de proprietário, que implica no poder de
excluir outros do uso dela.
Numa segunda posição destaca-se o dono dos meios de produção, outra importante
personagem do lado do capital, na extração do bem mineral. Ele organiza o processo que pode ser
executado com uma simples ferramenta se a atividade for manual, ou até mesmo com equipamento
complexo como uma draga escariante no valor de alguns quilogramas de ouro. E, finalmente, um
terceiro agente, colocado do lado do capital é o fornecedor ou o comerciante que também investe na
prospecção ou exploração de ouro.
Do outro lado do grupo de investidores encontramos além dos garimpeiros, que são a mão de
obra empregada diretamente na exploração ou em atividades de apoio, os garimpos, nas suas várias
formas, abrigam também um grande contingente de pessoas que vivem da renda gerada pela extração
de ouro. Estes organizam-se social e economicamente de maneira diferente dos que estão envolvidos
no processo de extração.12
Os dados13 disponíveis permitem traçar o seguinte perfil do garimpeiro trabalhador na
Amazônia14. Entre eles a maioria é solteiro ou separado, tem idade média de 32 anos. O grau de

12 Dentro desse grupo cabe todo setor de entretenimento dentro dos garimpos.
13 Os dados aqui representados são resultados de compilação disponível na literatura ou de pesquisa própria (no
caso do Tapajós).
14 Dados sociais se encontram nos trabalhos de Cleary (1987), SESPA (1988), MacMillan (1993), Mathis
(1995). O DNPM fez, no final de 1990 um levantamento nacional dos garimpeiros. Devido a falta da
preparação dos entrevistadores e devido a falta de clareza na elaboração dos questionários a maioria dos
dados colecionados não podiam ser tratados. Mesmo assim, o DNPM publicou, em 1993 alguns dos dados
mais gerais levantados no censo; sendo esse levantamento a única fonte que apresenta dados para Amazônia.
__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 13

instrução é muito baixo, sendo que pelo menos um quarto se compõe de analfabetos e na sua grande
maioria eles não chegaram a concluir o primeiro grau.E sendo na maior parte da força de trabalho dos
garimpos do Pará e Roraima migrantes da região Nordeste (PA: 73%, RR: 47%).
A prevalência da mão-de-obra nordestina no Pará ficou confirmada em duas pesquisas
localizadas. Em 1988 69% dos garimpeiros da Serra Pelada eram de origem nordestina (SESPA 1988)
e, levantamento feito em um garimpo do Tapajós, em 1991, mostrou que 12 dos 16 entrevistados eram
do Maranhão (Mathis 1995). No Amapá e Amazonas a quase totalidade dos garimpeiros trabalhadores
são oriundos do próprio estado ou da região amazônica (AP: 57%, AM: 85 %). Rondônia mostra um
perfil mais equilibrado, sendo que 29% da força de trabalho tem origem nos estados do sul ou do
centro - oeste, 31% vem do nordeste e 21% da Amazônia. Sendo também o Estado que mostra o
menor índice (40%) de garimpeiros que trabalhavam na agricultura antes de ingressar na garimpagem.
No Pará (55%) e no Amazonas (64%) a origem rural da mão-de-obra garimpeira é muito mais
acentuada. Os dados para o Pará precisam de uma explicação porque neles há um certo desequilíbrio,
devido à grande participação de garimpeiros do Sul do Pará e da Serra Pelada, conforme levantamento
feito pelo DNPM. Uma pesquisa realizada no Tapajós mostrou que para 25% dos entrevistados, o
garimpo é o primeiro lugar de trabalho e que somente um terço pretende voltar para a atividade
exercida antes da garimpagem (Mathis 1995). Uma fonte significativa de força de trabalho para os
garimpos da Amazônia são os projetos de colonização que, aparentemente, não conseguem competir
com a lucratividade da extração de ouro.. Uma pesquisa feita por MacMillan confirma isso para
Roraima. Ele mostrou que uma parcela significativa dos garimpeiros envolvidos no rush entre 1987 e
1990 provinha dos projetos de colonização (MacMillan 1993: 82). Ele encontrou uma grande
diferença de comportamento entre colonos oriundos do centro-sul e os do nordeste. A taxa dos colonos
do nordeste que entraram no garimpo é muito maior do que a taxa dos colonos do centro-sul. Esses
dados foram confirmados pelo Prefeito de Alto Alegre - RR15.
Esses dados mostram que o garimpo funciona como atrator16, tanto dentro da sua região
quanto nos estados fora da Amazônia. Esse atrator não direciona somente a mão-de-obra, mas
também, o fluxo de capital para dentro dos garimpos da Amazônia.
Assim, podemos diferenciar três grupos sociais, detentores do capital, que foram
estabelecendo na atividade de garimpagem ao longo do tempo17. São eles: os pioneiros, começaram

15 Comunicação pessoal durante entrevista em fevereiro de 1995.


16 O conceito de atrator é originalmente uma categoria da teoria dos sistemas não-lineares para descrever
trajetórias desses sistemas (veja por exemplo Gleick (1991), Prigogine/Stengers (1984)). Ao contrário de um
pólo de desenvolvimento (Perroux) ou atrator pode tanto estruturar como de-estruturar. Além disso ele se
modifica também como resultado das interferências com o seu ambiente.

__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
14 Armin Mathis

nos anos 60 com a garimpagem, na maioria dos casos sem capital e ao longo do tempo passaram a
deter maior conhecimento dessa atividade. Dentre todos, são os que possuem o menor grau de
escolaridade dentro do grupo de donos de garimpos; os ascendentes sociais,: a maioria veio para
Amazônia no início dos anos 70 em conseqüência das políticas de integração nacional. Possuem
grande experiência como empregados na garimpagem e detêm um grau de instrução maior do que o
dos pioneiros. Muitos trabalhavam em profissões artesãs e não têm muito conhecimento de
administração empresarial; e, os empresários modernos, a maioria vem dos estados do centro-sul (PR,
RJ, SP), já trazem o capital para investir no garimpo, ou conseguem o capital com atividades
empresariais na Amazônia. Organizam-se dentro de um padrão de administração empresarial, que eles
conhecem devido à experiência em relações de trabalho formais ou como empresários fora da
garimpagem

Condições de vida e de trabalho nos garimpos

As condições de vida e de trabalho se definem em função do lugar geográfico, da técnica


usada na extração e da organização social do garimpo18.
A introdução do maquinário na extração de ouro não somente consolidou um novo regime de
trabalho, como também teve um grande impacto sobre as condições de trabalho. A substituição da
energia humana pela energia fóssil reorganiza o processo de trabalho e submete o trabalhador ao ritmo
de uma máquina, que consegue prolongar o dia de trabalho independente da capacidade física do
trabalhador e muda, no caso das balsas, totalmente o ambiente de trabalho aumentando muito o risco
da atividade, que quase sempre é exercida sem uso de equipamento de proteção individual. Não
existem dados oficiais sobre acidentes de trabalho nos garimpos, mas relatos de garimpeiros mostram
que, sobretudo, a atividade de mergulho nos locais onde tem uma grande concentração de balsa
trabalhando junto (fofoca de balsas), fez muitas vítimas entre os garimpeiros, seja em consequência de
acidentes como a queda de uma barranco em baixo d’água, em consequência de atos violentos como o
corte proposital da mangueira de ar ou o envenenamento do mergulhador19. O alto uso de drogas entre
mergulhadores mostra que a maioria deles não resiste à pressão que essa atividade exerce sobre essas
pessoas. Os acidentes de trabalho mais comuns nos garimpos são: soterramento em consequência de

17 A classificação foi originalmente desenvolvida por Mathis, baseado em pesquisas na região do Tapajós.
18 Entendemos como organização social do garimpo as relações entre o dono da terra - dono da máquina
19 Atualmente (Novembro 1996), as galerias inundadas no morro do Salomongé da mina da Novo Astro,
abandonda pela Mineração Novo Astro em Agosto de 1995, constituem um novo alvo para os mergulhadores
do garimpo. (Comunicado verbal de D. Cleary). Devido a alta peliculosidade do mergulho em cavernas e a
inoperância de órgãos públicos, deve-se esperar uma série de acidentes fatais nessa mina abandonada.
__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 15

queda de barrancos ou de queda da galerias na lavra subterrânea , doenças de pele devido o trabalho na
água, corte nas mãos e nos pés, picadas de escorpiões e cobras, problemas de audição por causa do
barulho das máquina, doenças respiratórias, e de coluna. Sem assistência médica e privado da
responsabilidade do dono da máquina, um acidente de trabalho quase sempre significa que o
trabalhador, dentro do garimpo, fica responsável pelos custos do tratamento e pela perda dos dias
parados20.
Mesmo sendo os acidentes de trabalho não muito raros, o maior problema para a saúde dos
garimpeiros são as doenças endêmicas que encontram nos garimpos as condições ideais (águas
paradas, moradias abertas sem paredes, falta de tratamento de água, falta de esgotos) para proliferação.
As doenças mais comuns nos garimpos são: malária, hepatite e doença de chagas 21. Como a maioria
dos garimpos não dispõem de posto de saúde e devido a falta de recursos para deslocamento até as
próximas cidades, resta para o garimpeiro, no caso de doença, somente a automedicação nas farmácias
das corrutelas22 que pode prolongar e, em muitos casos agravar a doença que o leva até a morte. .
Um terceiro componente, que pode ser levada em consideração na avaliação das condições de
vida no garimpos, é a sua organização social do garimpo. Baseado nas experiências do Tapajós,
podemos distinguir os garimpos cuja razão econômica, imposta pelo dono da terra, é primeiramente a
extração de ouro e em outros, cuja principal razão econômica é o comércio dentro dos garimpos23.
Além disso existem garimpos, onde não há mais o monopólio da propriedade da terra e que têm
características de pequenas comunidades. Os três tipos de garimpo diferem consideravelmente no nível
da violência interna.
Garimpos que se organizam internamente em razão da produção, tendem de eliminar todos os
fatores que se opõem à racionalidade da administração empresarial. Isso significa que eles eliminarão
todas as possíveis fontes de distúrbios para o processo extrativo. Assim, nesses garimpos a posse de

20 A assistência em caso de doença ou acidente dada pelo dono de máquina / dono de garimpo como ato
paternalista é um importante mecanismo de criar lealdade e aumentar o prestígio do dono frente aos
trabalhadores.
21 Sobre o problema da saúde nos garimpos de ouro veja por exemplo: Amoras (1991), Câmara & Corey
(1992), Câmara / Couto / Sabroza(1988).
22 Corrutela chama-se dentro do garimpo a aglomeração de casas que constituem o centro do garimpo e onde se
concentra a infra-estrutura (boates, farmácias, restaurantes, cantinas, etc.)
23 Na realidade esse dois tipos se misturam, mas sendo uma das vertentes dominante. No Tapajós pode-se dizer
que 40% dos garimpos se enquadram em um dos dois tipos (20:20). Para o restante não é possível fazer uma
classificação devido a qualidade das informações disponíveis (Mathis 1995: 132). Mas mesmo nos tipos
misto prevalece uma lógica econômica, seja a produção ou o comércio.

__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
16 Armin Mathis

armas é vedada e eles não dispõe de boates24 e, muitas vezes, o consumo de bebidas alcoólicas é
proibido. Esse tipo de organização é muito comum nos garimpos ligados ao grupo de empresários
modernos que mantêm dentro de sua propriedade o monopólio de extração, sendo eles os únicos donos
de maquinários. Assim o dono do garimpo tem a liderança absoluta dentro do garimpo, que o ajuda a
manter a organização interna imposta por ele.
Ao contrário disso, os donos de garimpo, que se concentram no comércio, tem na prostituição
e na venda de bebidas alcóolicas duas importantes fontes de lucro. Violência para eles é somente um
problema quando coloca sua a liderança em risco. Os garimpos que se transformaram em
comunidades, e sobretudo lá onde o Estado ainda não é presente com os suas instituições de
segurança, mostram o nível mais elevado de violência devido a falta de uma liderança e a concorrência
de pequenos e médios proprietários de capital. Porém, essa concorrência não impede que os donos de
capital, nessas comunidades, se organizem para defender o seu patrimônio, seja na forma de uma
segurança particular ou em colaboração com os órgãos da segurança pública.

Formas de auto-organização dos atores sociais na garimpagem

Nessa comunidade nota-se assim um mecanismo típico para a garimpagem. Os incentivos para
se organizar partem do capital e não dos trabalhadores em procura da defesa dos seus direitos. Só que
a falta de reconhecimento da contradição entre capital e trabalho, que carateriza o regime de trabalho
nos garimpos, impede, por muito tempo, a criação de organizações coerentes. A Constituição de 1988
escolheu, partindo de uma visão distorcida do garimpeiro, o cooperativismo como forma ideal de
fomentar a atividade garimpeira. Em consequência disso nota-se, a partir de 1989, uma onda de
criação de cooperativas de garimpeiros como forma de legalizar a atividade extrativista. Até então, a
única forma legalmente reconhecida de organização de garimpeiros era o sindicato patronal25. Ambas
as formas tentam, dentro da lógica do regime de trabalho nos garimpos, negar a identidade do
garimpeiro trabalhador e em consequência disso se restringem às atividades de assistência social ou
foram transformados em simples órgãos dos donos de garimpos para defender seus interesse
particulares.
Esse quadro começou a mudar no início dos anos 90. O esgotamento das jazidas secundárias,
junto a deteorização do preço interno do ouro e o discurso ecológico contra os danos causados pela
garimpagem, constituíram duas ameaças sérias para o futuro dessa atividade. Durante essa pressão

24 Boites nos garimpos é sinônimo para prostíbulo.


25 Para mais detalhes sobre o problema do cooperativismo e do sindicalismo dentro da garimpagem veja Mathis
(1993).

__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 17

parte dos donos dos garimpos do Tapajós, a maioria pertencente ao grupo de empresários modernos,
organizou-se dentro de uma associação meramente empresarial, tentando criar um instrumento de
diálogo com os órgãos governamentais e de fomento no processo de legalização das suas atividades e
de transformação da garimpagem de jazidas secundárias para depósitos primários. Esse grupo de
empresários conseguiu em grande parte, cumprir as exigências dos órgãos ligados a preservação do
meio-ambiente e, assim, graças à percepção da garimpagem pelo Estado somente como problema
ecológico e não social.

Sociedade - Bamburro - Aviamento


Neste contexto um dos fenômenos mais importante, que analisaremos a seguir é a percepção
do regime de trabalho dentro dos garimpos. A sociedade é a interpretação comum que os donos de
máquinas e os trabalhadores dão ao regime de trabalho para extrair um barranco. É um contrato
informal que começa com o debreio do barranco e termina com a despescagem do ouro. O trabalhador
entra com o trabalho e o dono da máquina com os meios de produção e a responsabilidade pelos custos
da extração, inclusive a comida dos trabalhadores. As duas partes recebem uma parcela previamente
estabelecida do resultado físico da extração (70 : 30). Depois da despescagem as duas partes estão
livres para renovar ou não a sociedade. Essas regras são conhecidas pelos dois lados e ninguém as
questiona. Como a sociedade se estabelece entre um dono de máquina e os trabalhadores, esses não
tem uma relação com o dono da terra, que se relaciona somente com os donos de máquina, sendo
através da cobrança de um a taxa para o uso da terra, ou através da obrigação de comprar todos os
insumos da produção dentro do garimpo a preços monopólicos. Em garimpos cuja finalidade (dada
pelo dono da terra) é primeiramente a produção de ouro, o dono da terra mantém o monopólio de
extração, nesse caso ele também é dono do maquinário. A grande aceitação da sociedade baseia-se no
fato de que, tanto o dono de máquina quanto o trabalhador contribuem com uma série de vantagens a
esse regime de trabalho.
O trabalhador vê-se em sociedade só com o dono de máquina e não com os seus colegas, isso,
subjetivamente, libera-o da sua condição de trabalhador e o coloca ao mesmo nível do dono do meio
de produção. O sentimento de igualdade é reforçado pelo fato de que dentro do garimpo os donos de
máquina e os trabalhadores se submetem às mesmas condições de trabalho e de vida e muitas vezes
provém do mesmo background social. É importante salientar que as condições de vida dos donos do
garimpo dentro do garimpo variam muito daqueles dos donos de máquina, sobretudo se esses só têm
uma ou duas máquinas. O fato de que o trabalhador tem a sua participação no resultado do processo de
extração, cria um outro mecanismo estabilizador: a esperança permanente de bamburrar, isto é
encontrar uma jazida muito rica, que pode multiplicar o ganho do trabalhador e, em alguns casos, criar
as condições para que ele possa se transformar de trabalhador em dono de máquina. Porém a passagem
de trabalhador para dono de máquina só é um lado da moeda. O outro lado, o fracasso, a quebra de um
__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
18 Armin Mathis

dono de máquina é também muito comum e mostra claramente que a garimpagem é uma atividade de
alto risco.
Um outro momento, para entender a aceitação da sociedade, é a mudança que ela trouxe em
relação a um outro regime de trabalho muito comum no extrativismo na Amazônia: o aviamento. A
sociedade apresenta-se, em relação ao aviamento, como progresso devido a algumas diferenças
fundamentais. O processo da formação de preço do ouro é muito mais transparente para o trabalhador
do que o da borracha. As possibilidade de enganar o trabalhador, no ato de pagamento, são menores,
sobretudo quando o garimpeiro recebe o ganho em ouro físico. O aviamento não tinha um mecanismo
de ascensão para o seringueiro, e na sociedade não se estabelece uma relação de dívida permanente,
uma peça fundamental do aviamento. Isso aumenta a mobilidade do trabalhador pelo fato de que o
dono da máquina é responsável pela alimentação do trabalhador, que fica livre da necessidade de
plantar e de se fixar durante um certo período em um certo lugar, para garantir a sua subsistência.
Mesmo que a garimpagem, como é organizada hoje, se enquadre dentro de uma relação de
trabalho capitalista, o regime de trabalho lá existente consegue encobrir a contradição entre capital e
trabalho porque cria a ilusão de uma igualdade entre capital e trabalho, evita que o trabalhador se
defina como parte de um coletivo, sustenta a possibilidade de ascensão social, e apresenta-se como
salto qualitativo em relação ao aviamento.

__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111
Garimpagem de ouro e valorização da Amazônia: a formação de relações de trabalho sob o
quadrângulo mercado internacional, Estado Nacional, região e natureza 19

Referências

AMORAS, Walter Wanderley (1991): A Garimpagem na Amazônia, doenças, desordem e descaso,


uma visão do garimpo do Crepori (PA), Belém (UFPa-NAEA, tese de mestrado), mimeo.
BOMSEL, Olivier (1992) The Political Economy of Rent in Mining Countries. In: John E. Tilton
(orgs.) Mineral Wealth and Economic Development. Washington: Johns Hopkins University Press,
1992, pp. 59-79
CÂMARA, Volney M. / Corey, Germán (1992): Epidemiologia e Meio Ambiente: O Caso dos
Garimpos de Ouro no Brasil. México.
CÂMARA, Volney M. / Couto, Rosa Carmina de Sena / Sabroza, Paulo Chagastelles (1988):
Intoxicação mercurial: resultados preliminares em duas áreas garimpeiras no Estado do Pará, in: Pará
Desenvolvimento, Nr. 23, Jan/Juni 1988, S. 63 - 67.
CLEARY, David (1987): An Anatomy of a Gold Rush: Garimpagem in the Brazilian Amazon, Oxford
(Ph. D. Dissertation), mimeo.
Governo do Estado do Pará - Instituto do Desenvolvimento Econômico-Social do Pará - IDESP
(1966): Recursos Minerais, Belém (IDESP), mimeo.
Governo do Estado do Pará - Instituto do Desenvolvimento Econômico-Social do Pará - IDESP
(1977): Diagnóstico do Município de Itaituba, Belém (IDESP).
MACMILLAN, Gordon John (1993): Gold Mining and Land-Use Change in the Brazilian Amazon,
University of Edinburgh, mimeo.
MASSARRAT, Mohssen (1993): Endlichkeit der Natur und Überfluss in der Marktökonomie.
Marburg (Metropolis)
MATHIS, Armin (1993): Garimpagem na Amazônia: O Desafio da Consciência Política e Ecológica.
Em: Cuíra, no 9 (Agosto), págs. 14 - 19, Belém (UNIPOP).
MATHIS, Armin (1995): Nichtindustrieller Goldbergbau als Form der Inwertsetzung Amazoniens.
Berlin / Belém. Tese de Doutorado. Mimeo.
MATHIS, Armin (1996): Serra Pelada. Em: Coelho (org.) 10 anos Estrada Ferro Carajás.
MINTER / SUDAM (1972): Pesquisa Mineral no Tapajós / Jamanxim, Belém.
PRIGOGINE, Ilya; Stengers, Isabelle (1984) A nova Aliança: metamorfose de ciência, Brasília:
Editora UNB
Secretaria Estadual de Saúde Pública - SESPA (1988): Avaliação da degradação ambiental nas áreas
de extração de ouro no Estado do Pará, relatório parcial, Belém (IDESP), mimeo.

__________________________________________________________________________________________
Paper do NAEA 101, Agosto de 1998
ISSN 15169111

Você também pode gostar